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Herança da cultura negra, o Candomblé influenciou a brasileira

Quando os negros do continente africano foram trazidos para o Brasil como escravos,
muitas de suas tradições e de sua cultura os acompanharam. Assim, o Candomblé,
umas das várias religiões trazidas do continente africano, começou a se espalhar pelo
país. Mesmo muito discriminada pela sociedade da época, por ter negros como
praticantes, a religião e toda cultura africana acabaram se transformando em parte da
cultura brasileira.

O ritmo dos tambores, nossa culinária, artefatos e até palavras do português brasileiro
surgiram com a herança africana e os costumes praticados pelo Candomblé. “Não só o
Candomblé enquanto religião, mas o modo de ser do mundo africano está enraizado
em nossa cultura”, diz.

Ao chegar ao país os negros trouxeram para cá uma religião politeísta, na qual cada
orixá é um deus, que corresponde a pontos de força da natureza. E para a religião, as
características de cada um deles se aproxima dos seres humanos, já que se
manifestam em emoções como as nossas, sentem raiva, amam. No período de
escravidão, eles foram proibidos de cultuar seus deuses e, por isso, criaram uma
alternativa para manter a religião, associando cada orixá a um santo católico. Assim,
Iemanjá é Nossa Senhora do Rosário, Exu é Santo Antônio, ou por exemplo, a Festa
de Oxalá coincide com a Festa do Senhor do Bonfim, em Salvador.

Nos cultos aos orixás há danças e músicas, onde o tambor é considerado um ser vivo,
por sua intensa vibração. Vem daí um dos instrumentos musicais, que hoje é
considerado tipicamente brasileiro. O tambor e os demais instrumentos de percussão
vêm diretamente da religião e da herança cultural de países africanos. Outra influência
da religião na cultura brasileira vem do nome usado para designar a energia do mundo,
que para os praticantes do candomblé é conhecida como axé. A palavra se
popularizou. Hoje, quando alguém deseja a outro, energias positivas, benção, diz axé.

Nas festas e cultos aos deuses do candomblé há uma tradição de oferecer comida aos
orixás. Para a religião, os deuses gastam energia e por isso são feitas oferendas. É
uma via de mão dupla, precisamos dos orixás e eles precisam de nós. Assim, para
repor a energia gasta, você faz oferendas com as comidas que eles mais gostam.

Por causa disso, a cozinha brasileira possui também uma influência direta da tradição
candomblé e da cultura negra. “Todas as comidas da Bahia são comidas de santo,
tanto os pratos tradicionais quanto sua forma de preparo. No candomblé acredita-se
que o orixá não gosta das misturas feitas no liquidificador. Por isso,  se mantém a
tradição do uso do pilão”, muito que o brasileiro come hoje tem origem nos escravos.
Desde o arroz com feijão até a elaborada feijoada, tudo tem resquício nas mentes
criativas da senzala, que uniram o paladar europeu às tradições indígenas e africanas.

Os pratos brasileiros herdaram não só os temperos, mas também a maneira de


temperar, pois como o sal era caro, eles se habituaram a salgar pouco e a caprichar no
uso de ervas e pimentas. Do continente africano veio, entre outros ingredientes, a cana
de açúcar, o azeite de dendê, o coco, a abóbora, o café, a pimenta malagueta, o

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gergelim e o jiló. E a partir dos ingredientes surgiram pratos típicos, como mingau,
canjica, pamonha, vatapá e o acarajé  - bolo de feijão fradinho temperado com
camarão seco, sal e cebola, frito no azeite de dendê.

Argentina: sobre a origem do tango

Como um grupo que compunha metade da população em 1776, constituí apenas 4%


dos habitantes atuais?

Ocorre que no século XIX, o país foi acometido por uma grave epidemia de febre
amarela responsável por dizimar parcelas significativas da população, especialmente
os negros desassistidos dos serviços de saúde. Além da febre, o período foi marcado
por diversas guerras internas e externas onde legiões de soldados escravizados foram
enviadas para serem trucidados nos campos de batalha.

Não bastassem esses horrores, nos idos de 1852 o presidente Justo José Urquiza
decidiu recrudescer a política de embranquecimento da população implementada
quatro anos antes. Para isso, distribuiu milhares de passaportes aos negros,
principalmente aos homens, e os convocou a deixar o país. A empreitada logrou
resultados e no início do século XX havia poucos afro-argentinos no território, parte
deles concentrados em Chacomús.

Apesar das sucessivas tentativas de extermínio dos negros e das diversas campanhas
de apagamento de suas contribuições, são eles os responsáveis pelo elemento central
da identidade argentina, o tango.

Desde meados do século XVIII, escravizados de diferentes etnias concentrados em


Buenos Aires formaram sociedades de ajuda mútua onde praticavam, além de outras
particularidades, cultos religiosos. Dançavam ao toque de tambores, entoavam
canções ancestrais, reverenciavam altares repletos de símbolos sagrados e invocavam
deuses até entrarem em transe.

Esses grupos religiosos deram origem ao chamado candombe (do banto Ka


n’dombele, que significa “rezar aos deuses”), existente tanto na Argentina como em
outras regiões do Rio da Prata (a origem do candombe divide estudiosos até hoje).
Nos candombes, havia diversos elementos e rituais religiosos relacionados às distintas
tradições africanas, além da prática de coroamento de reis e rainhas negros. Ao longo
dos anos, o candombe foi se transformando e ganhando diversos significados,
combinando períodos de legalidade e proibição sancionadas pelos poderosos
senhores escravistas.

Após a abolição da escravidão (1813), os egressos do cativeiro passaram a se reunir


em lugares que chamaram “casa de tango” (também conhecidas como “casas de
tambó” ou “sítios”), substituindo os tradicionais candombes. Nessas casas, faziam
reuniões, batucavam e cantavam diferentes músicas, religiosas ou não, criando um
universo generoso de sociabilidades. No entanto, esses lugares passaram a

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incomodar as autoridades que ordenaram seu fechamento e a criminalização dos
encontros.

Para driblar a proibição e se adaptar as contingências do momento, os frequentadores


reinventaram os espaços, rearticularam suas relações e deram origem as chamadas
“casas de bailes”, onde prevaleciam músicas embaladas por piano, flauta, violino,
bandoneón e outros instrumentos, coreografadas por danças que misturavam o
gingado do candombe, passos detalhadamente marcados e traços de sensualidade.
No alvorecer de 1877, um grupo de negros inspirados no candombe e nas casas de
bailes inventaram uma dança que chamaram especificamente de “tango”

Ao entrar no século XX, o tango sofreu diversas influências europeias que modificaram
não apenas as letras das músicas, mas também as coreografias e os espaços onde
era tocado. Dos bailes frequentados por negros e brancos pobres marginalizados,
passou aos salões da alta sociedade, integrando o repertório de casas de espetáculo
que iam de Nova York à Paris. Ao passo que o século avançava, acelerava-se também
o apagamento da origem africana do tango, conhecido atualmente como herança dos
imigrantes europeus.

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