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BOLETIM TÉCNICO CIENTÍFICO

fevereiro - 2022
EDITORIAL

Com a palavra, o presidente:


Graduado pela UFMG / Mestre em Medicina Veterinária pela UFMG / Doutorando pela UFMG /Pós-graduado em
Ortopedia de Pequenos Animais pela Universidade Cruzeiro do Sul / Pós-graduado em Medicina Felina pela
Universidade de Salta / Pós-graduado em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais pela PUC–Minas / Professor da
disciplina de técnica cirúrgica do Instituto Newton Paiva / Professor de pós-graduação na área de Medicina Felina /
Autor de capítulos de livros e artigos científicos na área de Medicina Felina / Presidente atual da Academia
Brasileira de Clínicos de Felinos - ABFel

Olá, prezado gateiro e gateira!!! Não tenho dúvidas que esse assunto será
de grande valia para você que adora os gatos
É com enorme prazer que entregamos a e a medicina felina. Tenha uma excelente
vocês, mais um BOLETIM TÉCNICO da ABFel. leitura e que você consiga aprender os
Como é do seu conhecimento, essa publicação segredos da nutrição em gatos.
tem por objetivo trazer o que há de mais atual
na medicina felina, adaptado às condições Como nunca é tarde para lembrar: se
brasileiras. você gosta de gatos e da medicina felina, não
deixe de se associar a Academia Brasileira de
Nessa edição, o BOLETIM TÉCNICO, Clínicos de Felinos – ABFel. Só a ABFel tem
abordará a nutrição felina. Como não podia um mundo de vantagens para você, amante
deixar de ser, a nutrição é de extrema dos gatos. Visite o nosso site
importância para o paciente felino e, entender (www.abfel.org.br) e veja o universo de
as particularidades desse tema na espécie, opções que preparamos para você.
torna-se um grande diferencial para o clínico
que se ocupa da medicina felina de qualidade.
A nossa parceira PREMIER Pet, nos apresenta Cristiano Nicomedes
a Dra. Luciana Domingues de Oliveira por sua Presidente da Academia Brasileira
de Clínicos de Felinos - ABFel
grande expertise na área.

EXPEDIENTE:
DIRETORIA
Cristiano Nicomedes - Presidente Maria Elvira de Almeida - Presidente do Conselho Fiscal Patrocinador oficial:
Priscila Malta Jácome - Vice-presidente Carlos Gabriel Dias - 1° Conselheiro Fiscal
Paula Cristina Magnani - Primeiro Secretário Rochana Fett - 2° Conselheiro Fiscal
Fabiana Lima - Tesoureiro Fernanda Barony - Suplente Fiscal
Marcelo Zanutto - Diretor Científico Myrian Iser - Presidente Conselho Científico
Heloísa Justen - Diretor Social Mariana Jardim - 1° Conselheiro Científico
Romeika Herminia - Diretor de Comunicação Reginaldo Pereira - 2° Conselheiro Científico
Carla Santos - Diretor de Relações Internacionais Monytchely Vieira - Suplente Científico

abfelinos
PARTICULARIDADES DA
NUTRIÇÃO DE GATOS
M.V., MSC. DRA. LUCIANA DOMINGUES DE OLIVEIRA
Médica Veterinária – formada pela Unesp Jaboticabal (2002); Mestrado e Doutorado pelo
Depto. de Clínica Veterinária na área de Nutrição de Cães e gatos pela Unesp Jaboticabal (2005 e
2009); Estágio de doutoramento na Universidade de Munique (LMU) – Alemanha, em 2007;
Professora da Graduação e Mestrado na UNISA entre 2012 e 2015; Trabalhou por mais de 8 anos em
duas das principais fabricantes mundiais de alimentos para animais de estimação; Desde 2011 é membro
do comitê científico do CBNA Pet; Desde 2019, FUNDADORA DA NATURALIAPET CONSULTORIA, onde realiza
atendimento especializado em Nutrologia de cães e gatos e presta consultoria para empresas de pet food no
Brasil e exterior.

A s necessidades nutricionais da maioria dos mamíferos exibem um notável grau de


similaridade, sendo um reflexo de sua origem evolutiva comum. No entanto, entre os mamíferos, os
carnívoros são uma das classes com maior divergência em suas necessidades dietéticas quando
comparados com as demais. A dieta altamente especializada de famílias de carnívoros verdadeiros,
como a dos felinos, permitiu adaptações metabólicas que são expressas como peculiaridades nas
suas necessidades nutricionais. As necessidades nutricionais dos gatos domésticos sustentam a tese
de que suas necessidades idiossincráticas surgiram de pressões evolutivas decorrentes de uma dieta
rigorosamente à base de tecidos animais. Essas pressões podem ter favorecido a conservação de
energia por meio da deleção de enzimas redundantes e modificação das atividades enzimáticas para
resultar em metabólitos mais adequados ao seu metabolismo1. Diante disso, o objetivo deste artigo é
revisar as particularidades dos gatos que impactam em aspectos de sua nutrição.

Alta necessidade proteica e


metabolismo de aminoácidos
A necessidade de proteína para gatos filhotes de aminoácidos pelos gatos é continuamente
e adultos é semelhante a de outros mamíferos. No desviada para a síntese ureia e perdida do pool
entanto, o que se observa na prática é que gatos corporal, ao invés de contribuir com o N para a
filhotes precisam de 1,5 vezes mais proteínas que síntese de aminoácidos dispensáveis.
pintinhos ou suínos em crescimento, e gatos
adultos de 2 a 3 vezes mais proteína que outros A alta necessidade de proteína dos gatos é
animais adultos não carnívoros. Isso não ocorre para a demanda de N dispensável. No entanto, as
pela demanda proteica, mas sim pela alta demanda enzimas envolvidas na primeira etapa irreversível
de nitrogênio que os gatos possuem. Animais da degradação dos aminoácidos essenciais são
onívoros, quando recebem dietas pobres em controladas, caso contrário os gatos teriam uma
proteínas, conservam os aminoácidos, reduzindo alta necessidade de aminoácidos essenciais, assim
as atividades das enzimas envolvidas na primeira como possuem de N. Um benefício para os gatos (e
etapa do catabolismo de aminoácidos. No entanto, outros carnívoros verdadeiros) decorrente da falta
quando os gatos recebem dietas com alta ou baixa de regulação dessas enzimas degradativas é a
quantidade de proteína, há pouca adaptação nas capacidade imediata de catabolizar e usar
atividades das aminotransferases do metabolismo aminoácidos como fonte de energia e para a
geral do nitrogênio (N). Além disso, os gatos não gliconeogênese. Durante os períodos de jejum, por
regulam a atividade das enzimas do ciclo da ureia causa de sua dieta rica em proteínas, os carnívoros
quando consomem uma dieta pobre em proteínas, são mais capazes de manter a concentração de
de forma que a amônia resultante da desaminação glicose no sangue que os animais onívoros1.
Arginina Dentro da ordem carnivora, os gatos são
mais sensíveis do que os cães e furões à
Para muitos mamíferos, a arginina não é um hiperamonemia resultante do consumo de uma
aminoácido essencial na dieta. No entanto, gatos dieta sem arginina, pois não há outro exemplo em
que recebem apenas 5g de uma dieta completa uma espécie de mamífero em que o consumo de
sem arginina, após um período de jejum, uma única refeição sem um nutriente essencial
1
apresentam sinais clínicos compatíveis ao de possa levar à morte .
hiperamonemia, como salivação, alterações
neurológicas, hiperestesia, êmese, coma, tetania e
morte dentro de uma hora. Essa hiperamonemia Taurina
ocorre como resultado da falha no ciclo da ureia em
descartar a amônia produzida pela ingestão de A taurina é um aminoácido beta-sulfônico
que não é um constituinte de proteínas, mas ocorre
proteínas e aminoácidos. Os aminoácidos ingeridos como um aminoácido livre em tecidos animais. A
após a privação de comida são rapidamente taurina não é oxidada por mamíferos, mas é usada
desaminados como fonte de energia, resultando para a conjugação de ácidos biliares. Cães e gatos
em um aumento na produção de amônia. Em outros usam obrigatoriamente a taurina para conjugar os
animais, essa amônia é convertida em ureia. No ácidos biliares, enquanto muitos outros animais,
entanto, a privação de comida em gatos resulta em incluindo o ser humano, podem usar também a
uma diminuição da concentração de arginina glicina. No entanto, as afinidades das enzimas pela
plasmática e outros intermediários do ciclo da taurina ou pela glicina dependem da espécie e
ureia. Presumivelmente, o fígado também está tanto cães quanto gatos têm baixa afinidade pela
esgotado de intermediários do ciclo da ureia, glicina.
causando uma redução na taxa de remoção de
amônia.

Quando os gatos ingerem uma refeição


contendo todos os aminoácidos essenciais, a
arginina tem um efeito anaplerótico no ciclo da
ureia e facilita a eliminação da amônia dos
aminoácidos desaminados. O esgotamento dos
intermediários do ciclo da ureia durante o estado de
pós-absorção limita a síntese da ureia, apesar das
altas atividades das enzimas desse ciclo. Isso, por
sua vez, ajuda a conservar o N que pode ser usado
para a síntese de aminoácidos dispensáveis durante
longos intervalos entre as refeições. Além disso, os
gatos têm a atividade de duas enzimas na via
intestinal da síntese de citrulina marcadamente
baixas, resultando em uma produção insignificante
desse aminoácido intermediário no intestino, Figura 1: Via geral de síntese de taurina no fígado a partir de aminoácidos
sulfurados. As atividades das enzimas cisteína dioxigenase e ácido cisteinesulfínico
tornando os gatos totalmente dependentes da descarboxilase são baixas em gatos, o que restringe severamente a síntese de
taurina. A cisteína é amplamente metabolizada em piruvato, que fornece um
1
arginina na dieta para o ciclo da ureia . substrato energético, enquanto a taurina não pode ser oxidada por gatos. (fonte1)
Os mamíferos sintetizam
taurina pela oxidação do
aminoácido sulfurado cisteína. Os
gatos possuem as enzimas da via para a
síntese de taurina, mas as atividades de
duas delas, a cisteína dioxigenase e a ácido
c i ste i n e s u l f í n i co d e s c a r b ox i l a s e, s ã o
grandemente reduzidas, levando a um desvio
dessa via metabólica para a síntese de piruvato,
que pode ser oxidada como fonte de energia
1
(Figura ). Na natureza, os gatos tinham uma dieta
baseada em pequenos mamíferos e pássaros e
consumiam todo o corpo de suas presas, o que
fornecia taurina adequada para atender suas
necessidades. Nessas condições, é
energeticamente vantajoso para os gatos usarem
as vias do catabolismo da cisteína que produzem
um substrato (piruvato), que pode ser oxidado
como fonte de energia. Para gatos que consomem
taurina adequada na dieta, nenhum benefício é
derivado da conversão de cisteína em taurina para
ser excretada na urina, e há uma perda de energia
Vitamina A
potencial no processo.
A i n c a p a c i d a d e d o s g a to s d e u s a r
A recuperação da taurina pela circulação carotenoides como fonte de vitamina A foi uma das
entero-hepática é função da dieta, principalmente primeiras peculiaridades nutricionais dos gatos,
de seu componente proteico. Dietas que contêm identificada por pesquisadores no ano de 1957. Os
uma alta percentagem de proteína indigestível gatos não podem realizar a clivagem simétrica ou
aumentam a secreção de colecistoquinina e assimétrica da molécula de caroteno, o primeiro
favorecem uma microbiota intestinal que degrada a passo na conversão dos carotenoides em retinal.
taurina. Portanto, as necessidades de taurina não Além disso, a enzima ß, ß-caroteno 15,15'-
são fixas, mas dependem dos ingredientes da dieta dioxigenase parece ter sido excluída dos locais de
e do método pelo qual são processados. Esse fator tecido normal das vilosidades duodenais, fígado e
tem significado especial na preparação de dietas estruturas tubulares do pulmão e rim. Como o
comerciais para gatos, pois os alimentos úmidos tecido animal contém apenas baixas
precisam de cerca de duas vezes mais concentrações de carotenoides, a capacidade dos
concentração de taurina do que alimentos gatos de produzir retinal a partir desses compostos
extrusados secos para manter as concentrações é redundante, e a manutenção dessa enzima ou da
normais de taurina no plasma. Ingredientes de enzima de clivagem assimétrica seria um gasto
1
origem animal são ricos em taurina, mas o energético injustificado .
aminoácido pode se tornar limitante em dietas às
quais se adiciona quantidades significativas de Outra particularidade em relação à vitamina
ingredientes vegetais ou em dietas em que o A em gatos diz respeito à sua tolerância aos
processamento resultou em formação de produtos excessos. As pressões evolutivas podem ter
Maillard, que aumentam a degradação microbiana tornado os gatos mais resistentes ao excesso de
1
da taurina no intestino . vitamina A na dieta do que outras espécies. Como
os gatos usam apenas ésteres retinílicos pré-
formados, eles perdem o controle sobre a
conversão dos carotenoides em retinais, que é um
dos controles que evitam a toxicidade em outros
animais que utilizam carotenoides. Uma dieta rica
em tecido animal pode, potencialmente, expor os
gatos a altas doses de ésteres de retinila,
especialmente se eles exibirem uma predileção
pela ingestão de vísceras1. Doses elevadas de
ésteres de retinila podem ter induzido uma
capacidade aumentada em gatos para conjugação
e excreção de retinila, e há estudos2 que suportam
essa teoria, indicando que os gatos que receberam
retinol radiomarcado excretaram grandes
quantidades de um conjugado polar não
identificado na urina, que não está presente na
urina de outros animais.
Vitamina D endógeno sintetizado a partir do triptofano. A
extensão da conversão do triptofano em ácido
nicotínico é determinada pelo destino do α-amino-
Para a maioria dos animais, a vitamina D é
um nutriente condicionalmente essencial, pois a β-carboximucônico-ε-semialdeído, um
exposição normal à luz solar é suficiente para intermediário na via de metabolismo do triptofano,
atender às suas necessidades. Entretanto, a pele do que pode ser metabolizado por qualquer uma das
gato contém uma baixa concentração de 7- duas vias. Um resulta na produção de acetil CoA e
dehidrocolesterol, o precursor da pré-vitamina D. CO2 e o outro na produção de NAD. A carboxilase
Isso ocorre porque os gatos apresentam uma alta picolínica é a enzima que catalisa a primeira etapa
atividade da enzima 7-dehidrocolesterol-7- da via degradativa para acetil CoA e CO2 e, entre
redutase, que catalisa a conversão do 7- as espécies, a necessidade de niacina na dieta está
dehidrocolesterol em colesterol, em detrimento da inversamente relacionada à atividade hepática
conversão desse metabólito em 25- dessa enzima.
hidroxivitamina D1.
Os gatos possuem todas as enzimas da via
E como os gatos selvagens obtêm vitamina de síntese de niacina, mas a atividade da
D se não conseguem realizar a síntese endógena? carboxilase picolínica é extremamente alta, a mais
As análises da concentração de vitamina D em alta de todos os animais estudados, impedindo
potenciais presas de gatos (roedores e pássaros) qualquer síntese mensurável de ácido nicotínico1.
indicaram que as presas poderiam fornecer As carnes são ricas em coenzimas NAD e NADP e,
quantidades adequadas da vitamina D sem a desde que os gatos consumam uma dieta rica em
necessidade de síntese endógena, sendo mais um proteína animal, não há necessidade de sintetizar
exemplo em que a síntese é evitada pelo organismo niacina a partir do triptofano. A produção de acetil
por representar um gasto energético CoA pode ser energeticamente mais eficiente para
desnecessário. eles do que a oxidação NAD ou dos intermediários
de sua via.
Assim como ocorre na vitamina A, os gatos
também parecem ser mais tolerantes ao excesso
3
Nutrientes envolvidos na
de vitamina D na dieta do que outros mamíferos .
As possíveis razões para esta tolerância não foram coloração da pelagem
i nve s t i g a d a s . O á c i d o re t i n ó i co e a 1 , 2 5
dihidroxivitamina D usam receptores nucleares A tirosina não é um aminoácido essencial
específicos que são membros da superfamília para gatos, mas ela é fonte de aminoácidos
esteroide de fatores de transcrição ativados por aromáticos, e é precursora da 3,4-
ligante, que podem fornecer um elo comum para a diidroxifenilalanina e da melanina, os pigmentos
tolerância do gato a excessos de ambas as do pelo e da pele. A cor dos pelos dos mamíferos
vitaminas. depende da quantidade e do tipo de melanina
presente. Duas formas de melanina ocorrem nos
pelos como copolímeros: feomelanina contendo
Niacina c i s t e í n a , q u e é m a r r o m a ve r m e l h a d a , e
Para a maioria das espécies, a equivalência de eumelanina, que é marrom-escura. O pelo preto é
niacina dos alimentos é a soma das nicotinamidas rico em eumelanina, e o pelo em que predomina a
no alimento e o potencial ácido nicotínico feomelanina tem uma cor avermelhada. O cobre,
Da mesma forma que ocorre para a família
ômega 6, a deficiência da enzima Δ-6 dessaturase
também afeta a saturação dos ácidos graxos da
família ômega 3. O ácido alfa-linolênico, que pode
ser fornecido na alimentação a partir de fontes
vegetais, como o óleo de linhaça, não é convertido
de forma eficaz até o ácido de cadeia longa
que é parte integrante da eicosapentaenóico (EPA) ou docosapentaenóico
tirosinase, uma enzima chave na (DHA), devido à necessidade dessa mesma
síntese de melanina, é provavelmente dessaturase. Por isso, para atendimento das
o exemplo mais conhecido de que uma necessidades desses ácidos graxos, fontes
única deficiência de nutriente em muitas marinhas de peixes ou algas devem ser fornecidas6.
espécies resulta em uma mudança na cor
dos pelos 4 . Outros pesquisadores 5 , 1 4
demonstraram que a manutenção da cor dos Metabolismo de carboidratos
pelos em gatos depende da quantidade de
fenilalanina e tirosina na dieta. Como a Os gatos têm um metabolismo orientado
fenilalanina é obrigatoriamente metabolizada em para a ingestão de uma dieta rica em proteína e
tirosina, a soma de ambos aminoácidos é usada gordura e pobre em carboidratos, mantendo um
para estimar o potencial de tirosina disponível para padrão de gliconeogênese constante. Os
a síntese de melanina. carboidratos não são nutrientes essenciais na
dieta desses animais. Com isso, diversas
Ácidos Graxos Essenciais particularidades relacionadas ao metabolismo de
carboidratos podem ser citadas quando
comparadas a outros animais, até mesmo com
Os gatos domésticos não conseguem outros carnívoros, como os cães.
converter de forma adequada o ácido linoleico, da
família ômega 6 – abundante em óleos vegetais
como o óleo de soja, milho girassol ou canola –, em
araquidonato, presente somente em gorduras de
origem animal por não possuírem atividade
significativa da enzima Δ-6 dessaturase, necessária
para realizar essa conversão6 (Figura 2). Entretanto,
mais recentemente foi observado7 que os gatos
possuem atividade de outras dessaturases, como a
Δ-5 e Δ-8, que podem propiciar uma via alternativa
de síntese de ácido araquidônico a partir de outros
precursores, como do ácido gama-linolênico
(GLA), já que estes não demandam uma etapa de
saturação intermediada pela Δ-6 dessaturase.

Figura 2: Via metabólica predominante de síntese de ácidos graxos ômega 3 e


ômega 6 em mamíferos. Os gatos não apresentam a enzima Δ-6 dessaturase
(fonte6).
Por muito tempo, pesquisadores8 diziam
que os gatos não possuíam enzimas glicolíticas,
Conclusões
como a glucoquinase. Porém, um estudo recente9
detectou a expressão hepática da atividade do E ss e co n j u n to d e
mRNA dessa enzima, mas em concentrações particularidades metabólicas
menores que de cães. Esses mesmos tornam os gatos animais únicos,
pesquisadores 9 também verificaram que a com características mais
expressão de alguns transportadores de glicose desafiadoras que outras famílias de
são mais elevados no músculo do cão em carnívoros quando pensamos no
comparação com os gatos, justificando a maior atendimento de suas necessidades
capacidade de eliminação de glicose plasmática nutricionais e no desenvolvimento de
por cães em comparação aos gatos, que tendem a alimentos completos e balanceados.
ter elevação persistente de glicose no sangue após
as refeições. Esses resultados corroboram os
achados de estudos que avaliaram as curvas
glicêmicas de cães10 e de gatos11 alimentados com
diferentes fontes de carboidratos, observando que
enquanto para cães 300 minutos foram suficientes
para o retorno da glicose aos níveis basais, para
gatos, o tempo foi superior a 12 horas. Além disso,
gatos não apresentam um padrão de curva
glicêmica clássico como é comumente visto em
cães ou humanos, de forma que o conceito de
carboidrato de alto ou baixo índice glicêmico não é
aplicável aos gatos, justamente porque outros
fatores metabólicos e dietéticos impactam nessa
caracterização9.

Outra particularidade é que os gatos têm


apenas uma capacidade limitada de usar sacarose.
Altas ingestões de sacarose resultam em
frutosemia e frutosúria1. Também apresentam
quantidades reduzidas de amilase pancreática em
relação a cães ou outros animais onívoros2, mas,
mesmo assim, eles podem digerir eficientemente o
amido cozido na dieta9, 11, 13.

Ainda quando falamos do consumo de


carboidratos pelos gatos, existe uma forte
discussão sobre a sua relação com a redução da
sensibilidade à insulina e, consequentemente, o
aumento da tendência à obesidade e diabetes
mellitus. Entretanto, até o momento, os estudos
não encontraram uma associação que confirmasse
u m a re l a ç ã o d i re t a d e c a u s a - e f e i t o d o s
carboidratos com o aparecimento de distúrbios
metabólicos em felinos. Com base nas evidências
publicadas, o estilo de vida sedentário, a
esterilização e o consumo de alimentos ricos em
proteína, gordura e energia foram identificados
como fatores de risco para obesidade, que, por sua
vez , é o p r i n c i p a l fa to r d e r i s co p a ra o
desenvolvimento do diabetes felino, não tendo
relação direta com o teor de carboidratos da dieta15-
22
.
Referências bibliográficas

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