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BOLETIM TÉCNICO CIENTÍFICO

março - 2022
EDITORIAL

Com a palavra, o presidente:


Graduado pela UFMG / Mestre em Medicina Veterinária pela UFMG / Doutorando pela UFMG /Pós-graduado em
Ortopedia de Pequenos Animais pela Universidade Cruzeiro do Sul / Pós-graduado em Medicina Felina pela
Universidade de Salta / Pós-graduado em Clínica Cirúrgica de Pequenos Animais pela PUC–Minas / Professor da
disciplina de técnica cirúrgica do Instituto Newton Paiva / Professor de pós-graduação na área de Medicina Felina /
Autor de capítulos de livros e artigos científicos na área de Medicina Felina / Presidente atual da Academia
Brasileira de Clínicos de Felinos - ABFel

Olá, prezado gateiro e gateira!!! Nesse BOLETIM TÉCNICO, a ABFel tem a


Novamente estamos aqui para satisfação de abordar esse tema de grande
apresentar a você um tema de grande importância para os veterinários adeptos à
atualidade e relevância na medicina felina medicina felina. A Dra. Carla Santos e a Dra.
brasileira e, porque não dizer, mundial. Nosso Júlia Santi apresentam um texto atual e
BOLETIM TÉCNICO abordará nessa edição a a p ro f u n d a d o s o b re a e s p o ro t r i c o s e ,
esporotricose. abordando as principais nuances que o tema
exige.
Infelizmente, o Brasil tem alcançado
destaque mundial pelo aumento no número de Espero que a leitura desse texto seja útil
casos de esporotricose, tanto felina quanto para despertar a importância epidemiológica
humana. O que, inicialmente, era um problema da doença e, principalmente, que esclareça, a
regionalizado, afetando, principalmente, o todos, a importância estratégica do médico
estado do Rio de Janeiro, atualmente, tem veterinário nos planos de controle e, porque
ganhado contornos de uma grande epidemia não dizer, na erradicação da doença.
negligenciada, atingindo outros estados da
federação. As regiões sudeste, sul e nordeste Espero que você tenha uma excelente
tem experimentado um aumento significativo leitura!!!
nos casos de esporotricose felina e humana, Um grande abraço!!!
despertando a atenção das autoridades de
saúde pública sobre seus efeitos danosos.
Uma abordagem abrangente, na esfera da
saúde única, é extremamente necessária, Cristiano Nicomedes
quando almejamos o controle dessa doença Presidente da Academia Brasileira
emergente, grave e negligenciada. de Clínicos de Felinos - ABFel

EXPEDIENTE:
DIRETORIA
Cristiano Nicomedes - Presidente Maria Elvira de Almeida - Presidente do Conselho Fiscal Patrocinador oficial:
Priscila Malta Jácome - Vice-presidente Carlos Gabriel Dias - 1° Conselheiro Fiscal
Paula Cristina Magnani - Primeiro Secretário Rochana Fett - 2° Conselheiro Fiscal
Fabiana Lima - Tesoureiro Fernanda Barony - Suplente Fiscal
Marcelo Zanutto - Diretor Científico Myrian Iser - Presidente Conselho Científico
Heloísa Justen - Diretor Social Mariana Jardim - 1° Conselheiro Científico
Romeika Herminia - Diretor de Comunicação Reginaldo Pereira - 2° Conselheiro Científico
Carla Santos - Diretor de Relações Internacionais Monytchely Vieira - Suplente Científico

abfelinos
ESPOROTRICOSE FELINA
PROFª MSC MV CARLA SANTOS
Médica Veterinária graduada pela UFF; Pós-graduada em cirurgia de Pequenos Animais pela
Universidade Castelo Branco; Mestre em Medicina Veterinária pela UFRRJ; Doutoranda em
Medicina Veterinária pela UFRRJ; Professora de Semiologia e Clínica Médica de Pequenos Animais
da UNIVERITAS RJ; Professora de pós-graduação em Medicina Felina; Membro da diretoria da ABFeL.

MV JULIA SANTI – RESIDENTE DE CLÍNICA MÉDICA DOS GATOS DOMÉSTICOS


/UFRRJ

Médica Veterinária graduada pela Universidade Federal de Santa Maria; Membro da Academia Brasileira de
Clínicos de Felinos (ABFel); Membro Associação Americana de Clínicos de Felinos (AAFP), sendo certificada
por esta como "Cat Friendly Veterinarian"; Atualmente, atua como Residente em Clínica Médica dos Gatos
Domésticos na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

Introdução
A esporotricose felina consiste em uma Entre as principais características dessa
micose subcutânea zoonótica causada por fungos espécie fúngica, cabe ressaltar a sua
do gênero Sporothrix spp. O Brasil é o país que impressionante adaptação ao parasitismo,
concentra o maior número de casos da doença, capacidade de causar doença clínica grave no gato
tanto em felinos como em seres humanos. Dados e no homem, resistência aos antifúngicos azólicos
publicados em literatura científica e em órgãos de ( p r i n c i p a l e s co l h a p a ra o t rat a m e n to d a
vigilância epidemiológica relatam casos em todas enfermidade) e pela tendência em causar
as macrorregiões brasileiras, com regiões epizootias/epidemias (Gremião et al., 2021; Nakasu
epidêmicas (sul do Rio Grande do Sul, região et al., 2021; Gremião et al., 2017). Assim, esse
metropolitana de São Paulo e Bahia) ou agente tornou-se um verdadeiro desafio para os
hiperendêmicas (estado do Rio de Janeiro) clínicos do país, que atuam não apenas no manejo
(Gremião et al., 2021). Estudos filogenéticos clínico do paciente acometido, mas também no
identificaram que a espécie responsável por mais controle da disseminação dessa enfermidade de
de 90% dos casos no país é o S. brasiliensis, grande importância para a saúde pública. A
diferentemente do que se pensava antes, quando compreensão de aspectos gerais sobre o agente
os casos eram atribuídos à espécie S. schenckii da esporotricose e sua transmissão, os aspectos
(Marimon et al., 2007). Desde então, uma extensa clínicos, os métodos para o diagnóstico e as
literatura foi publicada a fim de caracterizar esse possibilidades terapêuticas é essencial para o
grande inimigo dos gatos e da saúde pública. médico-veterinário que atende felinos.
Aspectos gerais sobre
o agente e sua transmissão
O Sporothrix sp. é um fungo dimórfico e sua ferida preexistente (ex.:
morfologia varia de acordo com a temperatura e o feridas cirúrgicas) (Figura 2)
ambiente. Em sua forma parasítica ou em meios de ou da inoculação traumática do
cultura entre 35 C e 37 C, apresenta-se na forma fungo presente no solo e plantas
de leveduras, enquanto na forma saprofítica (meio (ex.: arranhões em cascas de árvores
ambiente) ou em meios de cultura a 25 C, ou no chão e perfurações por espinhos)
apresenta-se na forma micelial (Figura 1) (Gremião (Gremião et al., 2017, 2014).
et al., 2017).
De forma semelhante, humanos
A forma saprofítica do Sporothrix sp. pode podem adquirir a doença quando são
ser encontrada no solo, plantas, cascas de árvores e mordidos ou arranhados por um gato doente
matéria orgânica em decomposição. Sabe-se que ou ainda pelo contato da pele lesionada com
algumas espécies de Sporothrix sp. possuem secreções drenadas das feridas abertas, visto que
particular afinidade pela forma saprofítica, como o as lesões em gatos possuem elevado número de
S. schenckii e o S. globosa. Essas espécies possuem leveduras e, portanto, poder infectante (Grisolia et
menor patogenicidade comparadas àquelas com al., 2021). Embora até o momento não existam
afinidade pela forma de levedura, como o S. evidências a respeito, alguns autores aventaram a
brasiliensis, (Sanchotene et al., 2015), que tem o seu possibilidade da contaminação mediante a
principal reservatório nos felinos domésticos. No inalação de conídios do fungo. Essa teoria surgiu
entanto, ambientes em que transitam gatos após a observação de que muitos felinos
doentes também são uma importante fonte de apresentam lesões isoladas na mucosa nasal com
infecção para esse agente. sinais respiratórios, sem envolvimento da pele e
subcutâneo. No entanto, mais estudos precisam
ser feitos para que essa via de infecção seja de fato
confirmada (Gremião et al., 2021).

Figura 2: Lesão ulcerada na região da bolsa escrotal de um felino causada pelo


Sporothrix sp. com três semanas desenvolvimento pósorquiectomia.

Aspectos clínicos
As manifestações clínicas relacionadas à
esporotricose felina são variadas. As lesões
cutâneas podem ser isoladas, disseminadas,
sistêmicas e até fatais. No entanto, a forma clínica
comumente evidenciada na espécie consiste em
Figura 1: Dimorfismo do Sporothrix sp. de acordo com o ambiente e temperatura. múltiplas lesões na pele, tipicamente nodulares
Adaptado de Rodrigues et al. (2020). e /o u u l c e r a d a s , f r e q u e n t e m e n t e c o m
e n vo l v i m e n t o d a m u c o s a n a s a l e s i n a i s
respiratórios associados, como espirros, estertor
A infecção dos felinos domésticos ocorre nasal e secreções (Figura 3) (Gremião et al., 2021).
por meio do contato direto com um indivíduo
doente ou com um ambiente contaminado pelo O aspecto crostoso ou simulando
fungo. Para que se estabeleça a infecção, é preciso tumorações não é incomum. As lesões ulceradas
haver o contato do agente com o tecido drenam uma secreção serossanguinolenta, que
s u b c u t â n e o. Po r e ss a ra z ã o, a d o e n ç a é contém grande quantidade de leveduras, e/ou
frequentemente adquirida durante brigas entre secreção purulenta pela contaminação bacteriana
felinos, em que mordidas e arranhões de animais secundária. O aparecimento de miíase é uma
doentes agem inoculando o agente. Diante disso, complicação de lesões ulcerativas em gatos com
fica fácil entender porque a esporotricose é esporotricose. Apresentações menos comuns
comum entre gatos machos, inteiros, errantes ou incluem conjuntivite e lesões em mucosas genitais
com acesso a ambientes externos, visto o e oral. As regiões da cabeça e membros anteriores
comportamento territorialista desses indivíduos. parecem ser mais acometidas, visto a maior
Há ainda a possibilidade de contaminação de uma suscetibilidade durante as brigas.
Linfadenomegalia regional é transporte Stuart, e se não remetidas
um achado comum, no entanto, imediatamente ao laboratório, as amostras
diferentemente dos humanos, a deverão permanecer sob temperatura de
linfangite é considerada rara na refrigeração (entre 4°C e 8 C) por no máximo 10
esporotricose felina (Maschio-Lima et horas (Gremião et al., 2021).
al., 2021).
A cultura é o exame padrão ouro para o
Apesar das lesões disseminadas ou diagnóstico da esporotricose, mas o resultado leva
ex t e n s a s a p re s e n t a re m u m a s p e c t o até 30 dias. Outras ferramentas de diagnóstico
visualmente chocante, a maioria dos gatos denotam grande importância na rotina clínica,
apresenta boa condição geral e alcança a cura visando à adoção do tratamento precoce.
clínica. Todavia, pacientes com formas graves Atualmente, a citologia é o exame mais utilizado
e/ou envolvimento sistêmico podem desenvolver para o diagnóstico presuntivo da doença. Isso
apatia, anorexia, perda de peso, febre, emaciação e ocorre pela alta carga fúngica encontrada nas
até irem a óbito em decorrência da progressão da lesões, boa sensibilidade da técnica, baixo custo e
doença. Os felinos positivos para o Vírus da rapidez na obtenção do resultado. A facilidade e
Imunodeficiência Felina ou Vírus da Leucemia simplicidade de execução do exame citológico é
Felina não parecem ser mais acometidos em outro ponto positivo. O clínico veterinário pode
relação aos animais negativos, além de não realizar no próprio consultório e efetuar a
s o f re re m i n fl u ê n c i a a p a re n te n a re s p o st a observação microscópica sob objetiva de 40-100x
terapêutica. No entanto, estudos recentes de lâminas confeccionadas com imprints,
apontaram para uma maior suscetibilidade ao aspirados ou swabs das lesões e coradas com
desenvolvimento de lesões mais graves nesses corantes rápidos, como Romanovsky. O agente é
pacientes, principalmente devido ao perfil alterado visto na forma de levedura, caracterizado como
de citocinas e à baixa relação de linfócitos uma estrutura azulada, com um halo não corado ao
CD4+/CD8+ (Souza et al., 2018; Miranda et al., seu redor, em formato ovalado, arredondado ou de
2018). charuto, medindo entre 3 e 5 μm de diâmetro e 5 e
9 μm de comprimento. As leveduras são
visualizadas no meio extracelular ou no meio
intracelular dentro de macrófagos (Pereira et al.,
2011). Além disso, é possível identificar um padrão
inflamatório piogranulomatoso característico que
é composto predominantemente de neutrófilos e
macrófagos, associado à presença das leveduras
(Figura 4).

Figura 3. Apresentação clínica de gatos com esporotricose.


a) Felino com lesões múltiplas, ulceradas e nodulares na face
b) Felino com lesão nodular em região de têmpora e pavilhão auricular esquerdo
c) Felino com lesão nodular e ulcerada em plano nasal
d) Felino com lesão localizada ulcerativa em têmpora direita.

Diagnóstico
O diagnóstico definitivo da esporotricose
requer o isolamento e a identificação morfológica Figura 4- Imagem citopatológica de lesão cutânea em um felino com esporotricose,
demonstrando inflamação piogranulomantosa com diversos neutrófilos íntegros e
do agente a partir das lesões em meios de cultura. degenerados, macrófagos e inúmeras leveduras azuladas com halo claro ao redor,
redondas a ovaladas, localizadas no meio extra (seta longa) e intracelular (cabeça
As amostras enviadas com esse propósito incluem da seta) (40x, corante Wright-Giemsa).
swabs, aspirados de lesões, aspirados de
linfonodos, lavados nasais e fragmentos de biópsia
ou de órgãos coletados durante necropsia.
Amostras enviadas para cultura devem ser
acondicionadas em salina estéril ou em meio de
recomenda-se que as amostras sejam colhidas das invasiva de diagnóstico. Além disso, pode ser útil
bordas das lesões após antissepsia local com álcool também no acompanhamento da resposta
70%. As amostras podem ser colhidas por incisão terapêutica, pois existe uma aparente correlação
com bisturi ou um punch cirúrgico e logo depois entre a queda na titulação dos pacientes e a
acondicionadas em solução de formalina a 10%. resposta clínica observada. Os desenvolvedores
Uma desvantagem do uso do exame do teste determinaram um cutoff de 1:400 para
histopatológico é a necessidade de anestesia geral distinção entre pacientes doentes e sadios. No
ou sedação. Na microscopia, colorações de rotina entanto, alguns pacientes aparentam manter
co m o H e m atox i l i n a e Eo s i n a p e r m i te m a títulos residuais por alguns meses após a cura
v i s u a l i z a ç ã o d a s a l te ra ç õ e s i n fl a m at ó r i a s clínica. A exposição contínua ao agente também
associadas à infecção, porém não permitem boa pode justificar essa observação (Baptista et al.,
visualização das leveduras. Para isso, colorações 2021).
especiais como PAS e Grocott devem ser
solicitadas no envio da amostra, uma vez que De maneira geral, a amostra e o teste
destacam o fungo e permitem melhor distinção do utilizado para o diagnóstico da esporotricose em
meio circunjacente (Figura 5). g a to s s e g u e u m a l i n h a c l í n i c a q u a n to a
apresentação das lesões (Figura 6).

Figura 5. Corte histológico de lesão por esporotricose em paciente felino corado


com Period Schiff Acid (PAS), onde evidenciam-se as leveduras de Sporothrix sp. em
rosa escuro. Microscopia óptica – 40X

Recentemente, uma técnica para detecção


e quantificação de anticorpos felinos IgG contra o Figura 6- Esquema representando a escolha da melhor amostra e teste diagnóstico
de acordo com a apresentação clínica do paciente.
antígeno SsCBF da parede celular do Sporothrix sp.
pelo método ELISA (Enzyme-linked Immunosorbent
Assay) foi desenvolvida e comercialmente
disponibilizada (Baptista et al., 2021). O teste,
adaptado de um teste para humanos, é realizado
com o soro do paciente, ou seja, é uma forma não
Tratamento Tanto o itraconazol quanto o iodeto de
potássio possuem potencial hepatotóxico e, por
A terapia da esporotricose felina é isso, as transaminases hepáticas devem ser
desafiadora para o clínico e para o mensuradas no início e durante o tratamento, a
tutor por diversos motivos: a longa cada 1 ou 2 meses ou sempre que houver sinais
duração do tratamento; o custo da clínicos (inapetência, anorexia, vômito, náusea e
medicação; revisões e exames perda de peso). No caso da manifestação de sinais
frequentes; a dificuldade de muitos tutores clínicos, as drogas devem ser temporariamente
em administrar a medicação; e a crescente descontinuadas até que os sinais cedam. No caso
resistência ao tratamento. Dessa forma, tão de alteração laboratorial (↑ ALT e AST) sem sinais
importante quanto a escolha da droga e do aparentes, é recomendada a utilização de
protocolo terapêutico correto é o diálogo e protetores hepáticos como o S-adenosilmetionina
conscientização do tutor sobre todos esses (SAMe; 90 mg/gato VO SID) ou a silimarina (90
aspectos, a fim de evitar a frustração e o abandono mg/gato VO SID). A terapia pode durar de algumas
da terapia, que pode acontecer em até 40% dos semanas a meses, e após a resolução clínica das
casos (Gremião et al., 2021). lesões é recomendado que o tratamento seja
continuado por mais um mês em gatos sem
Semelhantemente a outras micoses felinas, acometimento de mucosa ou lesão nasal, e por
a primeira linha de tratamento da esporotricose dois meses em casos de lesões acometendo
são os antifúngicos azólicos. O itraconazol se superfícies mucosas e/ou causando sinais
consagrou como a droga de eleição, devido sua respiratórios (esporotricose nasal) (Gremião et al.,
eficácia contra o fungo e boa tolerabilidade pelo 2021).
felino. No entanto, considerando a dificuldade no
tratamento de certas formas clínicas, como a forma No entanto, como citado anteriormente, a
cutânea disseminada ou quando há envolvimento resistência do agente a essa droga é crescente,
de mucosa e/ou sinais respiratórios associados, fazendo com que, em alguns casos, outras
atualmente é preconizado que junto ao itraconazol, alternativas sejam necessárias. E um cuidado
o tratamento inicial inclua o iodeto de potássio. O especial deve ser tomado quanto aos
iodeto de potássio também é utilizado em medicamentos para o tratamento da esporotricose
pacientes em que o itraconazol sozinho não é (Figura 8). Alguns pacientes parecem ter
capaz de induzir uma remissão clínica satisfatória particular sensibilidade aos efeitos hepatotóxicos
(Figura 7) (Gremião et al. 2021). do itraconazol, impossibilitando o uso dessa droga.
Nesses casos, é recomendada a realização de uma
cultura e antifungiograma, para que o perfil de
suscetibilidade do isolado seja conhecido e a
melhor droga possa ser escolhida. Algumas
opções terapêuticas podem incluir o uso de
anfotericina B (via subcutânea ou via intralesional),
ressecção cirúrgica, crioterapia ou termoterapia,
dependendo da individualidade de cada caso
(Gremião et al., 2006; Honse et al., 2010; Gremião
et al., 2011; De Souza et al., 2016).

Figura 7- Figura 7. Esquematização do plano terapêutico para o tratamento da esporotricose


felina de acordo com sua apresentação clínica. Adaptado de Gremião et al. (2021).
sobre a possibilidade da
transmissão zoonótica e,
ainda, sobre como manejar o
paciente em casa para minimizar
os riscos para sua saúde. Entre as
medidas, destacam-se a importância
da realização adequada do tratamento,
o isolamento do felino dos membros da
família e demais animais, evitando qualquer
Figura 8- Cuidados necessários quanto ao uso de medicamentos para o tratamento
da esporotricose felina. tipo de contato físico direto, e a necessidade
de buscar um serviço de saúde no caso do
aparecimento de lesões ou no caso de
Complicações das lesões, como infecção arranhões/mordidas.
bacteriana secundária e miíase, requerem
tratamento específico. O uso de antibiótico A esporotricose, embora de notificação
sistêmico por longo período (mínimo de 30 dias) é obrigatória em poucos locais (estado do Rio de
fundamental em feridas contaminadas. Terapias Janeiro, Pernambuco e Distrito Federal, além de
tópicas são contraindicadas devido ao risco do cidades individuais), é uma enfermidade de
contato direto com o animal doente. A grande importância para a saúde pública,
higienização das lesões deve ser realizada pelo considerando que pacientes humanos, sobretudo
médico-veterinário sempre que necessário. A os imunocomprometidos, podem apresentar
terapia com o uso de clotrimazol 1% por via nasal formas graves e frequentemente fatais da doença.
também tem sido utilizada pelas autoras na rotina A subnotificação, além de configurar uma infração
clínica com resultados promissores. ao Código de Ética Profissional do Médico-
Veterinário (Resolução 1.138 de 16 de dezembro de
2016), põe em risco a saúde da população. Dessa
forma, é altamente indicado que, mesmo onde não
Prevenção e saúde pública exista a obrigatoriedade, a notificação dos casos
seja feita pelo médico-veterinário, visando a
A esporotricose felina pode ser facilmente conscientização dos órgãos responsáveis pelo
prevenida com a adoção de medidas como monitoramento e prevenção de zoonoses.
castração e domiciliação dos animais,
impedimento do contato de feridas abertas com o
meio ambiente (especialmente solo e locais ricos
em matéria orgânica), diagnóstico precoce de
lesões sugestivas, isolamento e tratamento dos
animais doentes e cremação daqueles que vão à
óbito. Desde 2021, com a sanção da lei 14.228/21, a
eutanásia de animais com esporotricose e outras
zoonoses curáveis não é mais autorizada em
Centros de Controle de Zoonoses, canis públicos e
outros órgãos oficiais congêneres. No entanto,
nada foi estabelecido a respeito do procedimento
em estabelecimentos privados (Brasil, 2021). É
possível que, em casos extremos, quando o
paciente está debilitado e não responde mais ao
tratamento, seja necessária a sua realização. Ainda
não existem vacinas disponíveis para a imunização
de animais ou pessoas contra a doença.

Durante a manipulação de pacientes com


suspeita de esporotricose, médicos-veterinários e
demais membros da equipe clínica devem fazer
uso de Equipamentos de Proteção Individual
(EPIs) para reduzir o risco de infecção. Os EPIs
considerados essenciais para o manejo do
paciente felino suspeito de esporotricose incluem
avental descartável de mangas longas e luvas. Se o
paciente estiver com sinais respiratórios, como
espirros, é recomendado ainda o uso de máscara
facial e óculos de proteção. O fungo é sensível à
desinfecção com hipoclorito a 1% (diluído a 1:3 na
água, deixando agir 10 minutos) (Gremião et al.,
2021).

Tutores devem ser sistematicamente educados


Referências bibliográficas

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