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A escolha pelo caminho da dor

Essa tragédia teve grande repercussão no Rio de Janeiro. Num condomínio de luxo, uma criança
de 3 anos caíra do 26o andar, ao debruçar-se na janela à procura de alguém. O pai havia saído,
deixando o menino dormindo, aos cuidados da mãe e do irmão de 9 anos. A mãe foi chamada
na loja que mantinha no condomínio e precisou descer. O irmão mais velho, vendo o garotinho
num sono profundo, desceu para brincar no playground. Quando a mãe retornou, a confusão já
havia começado. Ela achou estranho e se aproximou das pessoas que ali já estavam rodeando o
menino. Não conseguiu acreditar. Logo em seguida o pai chegou e o desespero se instalou. Não
havia mais o que fazer.

Passados 1 ano, um amigo da família veio me procurar para que eu atendesse aquele pai. Logo
após a tragédia, ele transferira as suas empresas para um administrador de confiança,
separando-se da esposa em seguida. Não conseguia perdoá-la. Comprou um terreno grande no
interior do estado e foi viver numa espécie de gruta. Precisava se punir, pois não suportava a dor
da culpa. Seu amigo me dissera que ele não tomava banho, não fazia a barba e comia o que
aparecia. Estava um trapo.

Marquei então o nosso encontro numa sala reservada na Escolinha do meu filho, que na época,
estava com 6 anos. Foi bastante forte esse atendimento. O que dizer àquele pai tão sofrido.
Esperei que os amigos mutidimensionais me orientassem. Antes de qualquer manifestação
minha, ele me disse que naquele momento não sabia como conseguira chegar até ali. Tinha feito
um juramento que jamais retornaria ao bairro de Botafogo, local onde o filho fora enterrado e
em hipótese alguma, entraria numa escola-creche. Nós estávamos ali, exatamente numa
pré-escola, ao lado do cemitério S.João Batista, em Botafogo. Tudo o que ele não queria. O
amigo que o trouxe confirmou que ele ficara paralisado na porta. Coincidira a hora de sua
chegada com a hora do recreio. Ele ainda estava branco quando entrou na sala.

Homem alto, de feições marcadas pela dor, cabisbaixo e triste, muito triste. Fiquei silenciosa
por algum tempo e perguntei-lhe: “Quer saber o porquê dessa tragédia?” Seus olhos saltaram,
respondendo-me que sim. Pois bem, você ouviu falar de uma época em que Herodes deu ordens
aos soldados romanos para saírem à caça de Jesus, ainda menino, decepando as cabeças de
todas as crianças de até 3 anos? Adivinha quem estava lá! Ele arregalou mais ainda os olhos e
me perguntou: “Eu?” Respondi-lhe que sim. Que por causa desse episódio ele pedira para sofrer
a perda de um filho, da mesma idade e ficar do mesmo jeito que aquelas mães se perguntando
“por quê”. Que ele poderia ter vindo nessa vida como médico pediatra, dono de escola, dono de
creche, de hospital infantil etc, mas preferiu o caminho da dor. Aquela criança só ficaria aqui 3
anos. Esse foi o acordo entre vocês dois, acrescentei. Imediatamente o menininho apareceu e
começou a querer que eu transmitisse algumas informações ao pai. Antes de fazê-lo,
perguntei-lhe outra vez: “Seu filho está aqui, quer falar com ele?” Disse-me que ainda não
estava preparado, mas aceitou que eu intermediasse a mensagem. O menino então começou a
falar que ele não se sentisse culpado por não ter colocado rede de proteção nas janelas, pois
independente do que se fizesse, ele iria embora naquele dia mesmo. De qualquer forma, seria o
último dia. Que não punisse a mãe, pois ela já estava sofrendo muito por sua partida e duas
perdas já eram demais. Aquele homem começou então a chorar como criança. Era um misto de
alívio da culpa, da dor da saudade, juntamente com a alegria de sentir a presença do filho. Ele
sentiu o filho passar a mão no seu rosto. O menino então completou a mensagem pedindo-lhe
que fundasse uma associação para proteger crianças carentes e, se quisesse, que colocasse o seu
nome; ele iria adorar.

Alguns anos mais tarde Soube, através desse mesmo amigo, que ele voltara para a esposa e
fundara uma ONG para crianças carentes. Nesse momento ele optara pelo caminho do Amor.

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