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ÂNIMA EDUCAÇÃO

HYAGO DAMASCENO ROCHA SANTOS

A APLICABILIDADE DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS DE BENS


CONVERTIDOS EM CRIPTOATIVOS DURANTE A FASE DE OCULTAÇÃO NO
PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO.

São Paulo
HYAGO DAMASCENO ROCHA SANTOS

A APLICABILIDADE DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS DE BENS


CONVERTIDOS EM CRIPTOATIVOS DURANTE A FASE DE OCULTAÇÃO NO
PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Direito da Universidade São Judas
como requisito para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Kim Modolo Diniz

São Paulo

2022
HYAGO DAMASCENO ROCHA SANTOS

A APLICABILIDADE DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS DE BENS


CONVERTIDOS EM CRIPTOATIVOS DURANTE A FASE DE OCULTAÇÃO NO
PROCESSO DE LAVAGEM DE DINHEIRO.

Este Trabalho de Conclusão de Curso foi


julgado adequado à obtenção do título de
Bacharel em Direito e aprovado em sua forma
final pelo Curso de Direito da Universidade São
Judas.

São Paulo, _____ de _____________________ de 2022.

___________________________________________________________________

Prof. Dr. Orientador Kim Modolo Diniz

Universidade São Judas

___________________________________________________________________

Prof(a). Dr(a).

Universidade

___________________________________________________________________

Prof(a). Dr(a).

Universidade
RESUMO

Com o advento da tecnologia e as mais recentes inovações, notadamente as


criptomoedas, observa-se uma quebra de paradigmas no que tange ao sistema
financeiro mundial, principalmente após a crise financeira no ano de 2008. O objetivo
deste estudo é analisar a possibilidade da tipificação do crime de lavagem de
dinheiro através do uso de bitcoin, durante a fase de ocultação no processo de
lavagem de dinheiro. Para tanto, serão inicialmente explorados os conceitos
basilares da tecnologia que resguarda tal espécie de criptografia, o chamado
blockchain, bem como outros aspectos relacionados, como a criptografia de chave-
pública. Por sua vez, no capítulo 2, será explorado de que modo o bitcoin pode ser
utilizado como instrumento capaz de dar aparência lícita a recursos ilícitos, com
especial enfoque às exchanges de criptoativos e a outras tecnologias relacionadas
ao bitcoin, como os mixing-services. Nesta etapa, além de relatórios técnicos de
entidades como o GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), serão utilizados
dados secundários produzidos pela Eliptic e pela Chainalysis, duas companhias
especializadas na temática. Já no capítulo 3, o estudo exploratório será realizado no
âmbito da dimensão jurídica da lavagem de dinheiro, tanto na doutrina como em
elementos normativos, com foco na legislação brasileira, centrando-se na
aplicabilidade das medidas assecuratórias de bens convertidos em criptoativos
durante a fase de ocultação no processo de lavagem de dinheiro.

Palavras-chave: Criptoativos. Bitcoin. Blockchain. Lavagem de Dinheiro. Ocultação.


Medidas assecuratórias. Legislação.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CRIPTOMOEDAS E
FUNCIONAMENTO DO SISTEMA BLOCKCHAIN E BITCOIN ...............................
8
1.1 A CRIAÇÃO E A EMISSÃO DE BITCOINS ............................................ 9
1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DOS
BITCOINS ..............................................................................................................
12
1.3 CHAVES PÚBLICA E PRIVADA, ASSINATURA DIGITAL E
CRIPTOGRAFIA ....................................................................................................
16
2 A UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BITCOIN PARA A PRÁTICA DOS
CRIMES DE LAVAGEM DE
DINHEIRO ............................................................................... 20
2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO .....................................................................................................................
2.2 O BITCOIN COMO OBJETO MATERIAL DO CRIME DE LAVAGEM DE
DINHEIRO .............................................................................................................
20
2.2.1 As exchanges .......................................................................................
32
2.2.2 Os mixing-services ................................................................................
36
3 DA (AUSÊNCIA DE) REGULAMENTAÇÃO E DAS MEDIDAS
ASSECURATÓRIAS ............................................................................................. 39
3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES ...............................................................
39
3.2 PROJETO DE LEI Nº 4.401/2021 (ANTIGO PROJETO DE LEI Nº
2.303/2015) ............................................................................................................
41
3.3 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.888/2019, DA SECRETARIA ESPECIAL
DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL ......................................................................
43

3.4 COMUNICADOS DO BANCO CENTRAL DO BRASIL ............................


43

3.5 NOTA DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS .............................


44

3.6 DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E SUA APLICABILIDADE .............


45

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo é analisar a possibilidade da tipificação do crime de


lavagem de dinheiro através do uso de bitcoin, durante a fase de ocultação no
processo de lavagem de dinheiro. Para tanto, serão inicialmente explorados os
conceitos basilares da tecnologia que resguarda tal espécie de criptografia, o
chamado blockchain, bem como outros aspectos relacionados, como a criptografia
de chave-pública.
Adicionando ao debate o contexto da tecnologia, percebe-se que grande parte
das condutas típicas, cada vez mais, utilizam recursos computacionais no seu iter
criminis. Mesmo os crimes patrimoniais mais simples empregam tecnologia: a
comunicação entre um indivíduo que comete um furto e o seu respectivo receptador
pode ocorrer por meio de aplicativos de comunicação móvel tais como Whatsapp ou
Telegram, cujo funcionamento emprega redes de telecomunicação, criptografia,
dentre outros recursos.
Não seria diferente dentro de um contexto de um delito mais sofisticado, como
é a tipificação da lavagem de dinheiro que recebe a marca da contemporaneidade e
se aproveita dos recursos tecnológicos disponíveis. É nesse contexto, que a
utilização de bitcoins torna-se mais uma candidata para realizar ocultação da origem
ilícita de valores.
Ainda que o tema vertente seja ainda pouco explorado pelo Direito, a
relevância da temática não pode ser ignorada, posto que, anualmente são
movimentados bilhões de dólares em criptomoedas ao redor do mundo e, pode-se
afirmar com certa convicção que, parcela da aludida movimentação é utilizada para
o
cometimento de ilícitos penais dos mais variados.
Vive-se em um contexto em que tecnologias como Inteligência Artificial,
Ciência de Dados e Blockchain (usada no bitcoin) são realidades desenvolvidas e
aprimoradas a cada dia e, deste modo, a sociedade como um todo deve atentar-se
aos efeitos dessas inovações.
A tecnologia deve ser tratada pelo Direito proporcionalmente às mudanças
que trouxe ao mundo, seja na esfera criminal, financeira, contratual, ou na
observância de direitos fundamentais.
O cerne deste estudo é analisar a aplicabilidade quanto ao uso de medidas
assecuratórias de bens convertidos em criptoativos durante a fase de ocultação no
processo de lavagem de dinheiro.
Se a princípio, afirmarmos a possibilidade de realizar essa conduta por meio
do uso de bitcoin, por outro lado, a publicidade dos registros gerados em cada
transação feita na blockchain seria um fator que inviabilizaria a lavagem de capitais,
razão pela qual não seria tão simples ocultar uma transação ilícita; entretanto, um
dos elementos característicos que compõem o bitcoin, qual seja, a pseudonimidade,
é um forte indicador de que o emprego da tecnologia poderia facilitar a ocultação da
origem ilícita de dinheiro, ainda que as operações realizadas
Apesar das operações “pseudônimas” realizadas na blockchain, o registro
público nesta gerado é um contraponto à efetividade do branqueamento,
especialmente na fase de ocultação.
A análise terá como fatores norteadores o contexto e impacto social e
econômico da temática, a observação das condutas possivelmente típicas
relacionadas ao delito de lavagem de dinheiro e o contexto do tema na esfera de
persecução penal no Brasil.
No capítulo 1 deste artigo analisaremos os aspectos técnicos das
tecnologias
relacionadas ao bitcoin, principalmente aquilo que se refere ao blockchain,
criptografia, e as principais formas de obtenção da criptomoeda.
Em seguida, no capítulo 2, será explorado de que modo o bitcoin pode ser
utilizado como instrumento capaz de dar aparência lícita a recursos ilícitos, com
especial enfoque às exchanges de criptoativos e a outras tecnologias relacionadas
ao bitcoin, como os mixing-services. Nesta etapa, além de relatórios técnicos de
entidades como o GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), serão utilizados
dados secundários produzidos pela Eliptic e pela Chainalysis, duas companhias
especializadas na temática.
Por sua vez, no capítulo 3, o estudo exploratório será realizado no âmbito da
dimensão jurídica da lavagem de dinheiro, tanto na doutrina, como em elementos
normativos, com foco na legislação brasileira e, finalmente, o posicionamento do
Poder Judiciário frente à tais questões.
9

1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CRIPTOMOEDA E


FUNCIONAMENTO DO SISTEMA BLOCKCHAIN E BITCOIN

São chamadas de criptomoedas as moedas que não possuem existência


física, sendo criadas por computadores exclusivamente no espaço digital. Tais
moedas são criadas de forma descentralizada, sem a intervenção ou aval de
qualquer governo ou autoridade monetária. Elas também não possuem garantia de
conversão para a moeda oficial, além de não serem lastreadas por ativo real de
qualquer espécie e não possuírem força obrigatória 1. Outra característica importante
das criptomoedas é que elas se baseiam no uso da criptografia para controlar tanto
a sua criação como a respectiva transferência.
De acordo com o senso comum, o bitcoin é uma criptomoeda. No entanto,
embora esta noção esteja correta, Andreas M. Antonopoulos 2 observa que:

“Bitcoin é dinheiro digital, mas é muito mais que isso. Dizer que o bitcoin é
dinheiro digital é como dizer que a internet é um telefone sofisticado. É
como dizer que a internet se resume a e-mail. O dinheiro é apenas sua
primeira aplicação. O Bitcoin é uma tecnologia, é uma moeda e é uma rede
internacional de pagamentos e câmbio completamente descentralizada. Não
depende de bancos. Não depende de governos.”

Assim, para o estudo do tema, é importante considerar, antes de mais nada,


que o termo Bitcoin compreende vários aspectos distintos, a saber: (i) é uma
tecnologia digital; (ii) é um protocolo, ou seja, um sistema de comunicação que
funciona através da internet3; (iii) é um software de código aberto, disponível para
qualquer pessoa gratuitamente; (iv) é uma rede de pagamentos online
descentralizada, onde os usuários gerenciam o sistema sem intermediários ou
autoridade central; e, por fim, (v) é uma criptomoeda.
1
Vide BANCO CENTRAL DO BRASIL. Comunicado 25.306, de 19 de fevereiro de 2014. Esclarece
sobre os riscos decorrentes da aquisição das chamadas “moedas virtuais" ou "moedas
criptografadas" e da realização de transações com elas. Disponível em:
http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/normativo.asp?
numero=25306&tipo=Comunicado&data=19/2/2014. Acesso em: 11 nov. 2022.
2
“Bitcoin is digital money, but it’s so much more than that. Saying bitcoin is digital money is like saying
the internet is a fancy telephone. It’s like saying that the internet is all about email. Money is just the
first application. Bitcoin is a technology, it is a currency, and it is an international network of payments
and exchange that is completely decentralized. It doesn’t rely on banks. It doesn’t rely on
governments.”. Tradução livre. ANTONOPOULOS, Andreas M. The internet of money. Merkle Bloom
LLC. [Formato digital], [S. l.: s. n.], 2017. p. 65.
3
Protocolo é um conjunto padronizado de regras que especifica o formato, a sincronização, o
sequenciamento e a verificação de erros em comunicação de dados. Dois computadores devem
utilizar o mesmo protocolo para poderem trocar informações. O protocolo básico utilizado na internet
é o TCP/IP. CARAVINA, Adriano. Bitcoin e altcoins: fácil, prático e completo. Brasil. 2017.
[Formato digital], [S. l.: s. n.], 2017. p. [53314].
10

É possível fazer com bitcoin a mesma coisa que se faz com moedas comuns,
como comprar e vender bens, enviar dinheiro ou ainda realizar a extensão de
crédito. Casas de câmbio especializadas, as chamadas exchanges (conceito que
será melhor abordado posteriormente) compram, vendem ou convertem bitcoins em
outras moedas.
Uma observação do contexto em que se utiliza a palavra é que pode elucidar
a que conceito refere-se e, para tanto, é necessária a compreensão da tecnologia
como um todo, mesmo que de forma instrumental e menos atenta aos detalhes de
implementação. Esse entendimento nos parece pertinente para os fins desta
pesquisa.
De forma semelhante, Ammous Saifedean explica que o termo refere-se à
uma tecnologia com a função do dinheiro, alavancando possibilidades da era
computacional para resolver um problema que sempre existiu na humanidade: como
movimentar valor pelo tempo e pelo espaço4.
Por sua vez, a Instrução Normativa nº 1.888/2019, em seu artigo 5º, inciso I,
expedida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, denomina como:

criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria


unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local
ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de
criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado
como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou
acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal 5;

1.1 A CRIAÇÃO E A EMISSÃO DE BITCOINS.

Atribui-se a Satoshi Nakamoto a criação dessa moeda virtual e ele explica


que a ideia da criptomoeda conhecida como bitcoin surge como uma alternativa ao
sistema de pagamentos eletrônicos, em um modelo que não se baseie em
instituições financeiras, ou seja, no sistema da confiança.
Isto é: todo o funcionamento de um sistema financeiro tradicional, baseia-se
numa instituição financeira central, como um banco, por exemplo. A garantia de que
uma transação financeira ocorreu, é feita por essa instituição central que registra as
movimentações, intermediando um remetente A, e um destinatário B. A confiança
4
AMMOUS, Saifedean. O Padrão Bitcoin: a alternativa descentralizada ao banco central. Talín:
Konsensus Network, 2020, p.14.
5
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa nº 1.888, de 03 de maio de 2019. Institui e
disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com
criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Acesso em 11 de nov. de 2022.
11

naquela instituição central é a base da relação. Assim, enquanto bancos tradicionais


funcionam num sistema centralizado, os bitcoins são movimentados num sistema
distribuído.
O bitcoin poderia ser pensado, então, como uma moeda eletrônica que utiliza
um sistema eletrônico de pagamento alternativo baseado em criptografia e não em
confiança, como o sistema tradicional de pagamento. Um servidor distribuído ponto-
a-ponto em contraposição à utilização de instituições financeiras. Esse servidor
produz marcas temporais geradoras da prova computacional das transações em
ordem cronológica, razão pela qual se pode conceituar o bitcoin em referência a um
sistema descentralizado de verificação de transações.
Nesse sentido, bitcoin é um algoritmo distribuído que possibilita o trânsito de
valores por uma moeda independente de terceiros de confiança. Ou seja, bitcoin
automatiza aquilo que um banco central moderno faz, e torna suas funções
previsíveis e digitalmente imutáveis, sendo programada em código descentralizado
entre diversos membros da rede, sem que algum deles possa alterar o código sem a
concordância dos demais.
As informações sobre bitcoin não são armazenadas num arquivo central, mas
sim gravadas na chamada blockchain (corrente de blocos), que pode ser descrita
como um registro situado numa rede de verificação e aprovação de cada transação
por bitcoin. Essa rede (blockchain) é distribuída: é executada no computador de
voluntários espalhados por todo o mundo. Assim não há um banco de dados central
que possa ser hackeado e fraudado. Daí utilizar o termo bitcoin se referindo à
blockchain.
Esse processo é feito pela atividade de mineração (mining), que consiste na
criação de novos bitcoins em cada bloco da blockchain (termo que será
posteriormente explicado). Essa criação é análoga à impressão de dinheiro por um
banco central. É um processo que gasta energia elétrica na resolução de um
problema matemático por meio da computação. O minerador (miner) é aquele que
resolve esse problema primeiro que os demais que estão tentando fazer o mesmo,
recebendo uma recompensa de novos bitcoins e taxas de transação. O prêmio só
será dado ao minerador se ele validou todas as transações de acordo com regras de
consenso da comunidade. Esse processo de encontrar a solução matemática é o
responsável pela prova-de-trabalho (Proof-of-Work). Os outros mineradores podem
validar a solução, ressaltando-se que apesar da resolução de um problema pela
12

primeira vez exigir um enorme esforço computacional, conferir a validade da solução


exige muito menos poder de processamento. Essa é a base do sistema de confiança
do bitcoin, que confere segurança sem a necessidade de uma autoridade central 6.
Em suma, aquele que faz a validação de transações ganha um prêmio por
bloco consistente em bitcoins novos, adicionados à oferta, de forma conjunta com as
demais taxas de transação que as pessoas que estão transacionando devem pagar.
Este é o processo de mineração, em analogia à uma mineradora de metais
preciosos. É essa a razão para que aqueles que resolvem a prova-de-trabalho sejam
chamados mineradores7.
Neste sentido, podemos compreender que o minerador é o primeiro detentor
da moeda, como forma de recompensa de seu trabalho computacional e gasto de
energia elétrica para minerar bitcoins. A partir da mineração, um bitcoin (ou uma
fração dele) está apto a ser utilizado em uma transação.
A blockchain é pública, todas as transações podem ser vistas por todos,
formando uma espécie de auditoria distribuída. Além disso a corrente é encriptada,
tem sua segurança virtual garantida.
A partir disso, podemos ver de que forma o funcionamento do bitcoin
independe da confiança, de um ente central. Cada um que está ligado à rede é uma
fonte de prova da existência de determinada transação.
A tecnologia blockchain é feita de tal forma que, aproximadamente a cada 10
minutos, todas as transações já feitas por bitcoin são verificadas e
armazenadas em um “bloco” de dados, e é armazenada por toda a rede. Cada bloco
está ligado ao bloco antecedente, produzido 10 minutos atrás, criando uma corrente
(chain). Em suma, a corrente de blocos é um registro distribuído, que representa um
consenso de toda a rede de usuários do bitcoin sobre a ocorrência de cada
transação.
Daí a ideia de rede ponto-a-ponto (à qual o termo bitcoin também pode se
referir): cada computador que faz parte da rede do blockchain é um ponto de
verificação, ligado diretamente aos demais pontos participantes, sem um terceiro
intermediário, como uma instituição financeira. Todos os registros de transação são

6
ANTONOPOULOS, Andreas M. Mastering Bitcoin: programming the open blockchain. 2. ed.
Sebastopol, California: O'Reilly Media, 2017. Disponível em: bitcoinbook.info. Acesso em: 11 de nov.
de 2022.
7
AMMOUS, Saifedean. O Padrão Bitcoin: a alternativa descentralizada ao banco central. Talín:
Konsensus Network, 2020, p.173.
13

armazenados em todos os pontos da rede. “Ponto-a-ponto” (peer to peer) também


pode se referir às transações feitas diretamente entre dois pontos (nós) da rede.
Finalmente, é interessante trazer a perspectiva de Ammous Saifedean sobre
esse conjunto de ideias: bitcoin pode ser visto como uma corporação
autossuficiente, que surgiu de forma espontânea, oferecendo uma nova forma de
dinheiro e uma nova rede de pagamentos. Essa empresa não tem estrutura
administrativa, pois as decisões são automatizadas e pré-programadas.

1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DOS


BITCOINS

Considerando sua notória utilização como meio de troca – uma das funções
da moeda segundo os economistas –, a primeira etapa a ser enfrentada no presente
capítulo refere-se, justamente, à eventual caracterização dos bitcoins como moeda
em sentido jurídico.
No ordenamento jurídico brasileiro, a matéria é tratada no art. 21, inciso VII,
da Constituição Federal, que atribui competência exclusiva à União para emitir
moeda. O art. 164, também da Constituição Federal, esclarece que tal competência
deve ser exercida privativamente pelo Banco Central do Brasil.
A Constituição Federal ainda confere à União, nos termos dos artigos 22,
inciso VI, 48, incisos XIII e XIV, competência para legislar, em caráter privativo,
sobre o “sistema monetário” e sobre “matéria financeira, cambial e monetária”, bem
como sobre a “moeda e seus limites de emissão”.
Assim, no exercício de sua competência, tal como dispõe a Constituição
Federal – que outorga ao Estado (em sentido amplo) o monopólio sobre a moeda –,
a União Federal editou as Leis 8.880/94, 9.069/95 e 10.192/01, estabelecendo que o
Real é a única moeda válida no território nacional.
Note-se que o reconhecimento pela ordem jurídica é fundamental para a
caracterização da moeda. Com efeito, conforme observa Luciana Pereira Costa: “(é)
a ordem jurídica que estabelece o padrão monetário, atribuindo à moeda seu caráter
de efetividade, ao determinar que seja aceita como meio de pagamento nas relações
internas do país, promovendo a liberação dos vínculos obrigacionais.” 8
8
Vale destacar, também neste sentido, o voto proferido pelo Ministro Eros Grau no RE 478.410.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. (Tribunal Pleno). Recurso Extraordinário nº 478.410. Relator:
Min. Eros Grau. Brasília, 10 março de 2010. Disponível em:
14

Não obstante. conforme afirma Letácio Jansen 9, a emissão da moeda é um


dos atributos da soberania nacional, de forma que cada Estado soberano emite uma
moeda, ou seja, uma unidade monetária, distinta da unidade monetária dos outros
Estados soberanos.
Além de estabelecer a moeda oficial no país, as normas acima referidas
também dispõem sobre o curso legal do Real, seu poder liberatório e, ainda, sobre o
seu curso forçado. Curso legal é a capacidade que notas e moedas têm de serem
utilizadas como meio de pagamento num dado território, no qual é obrigatória a sua
aceitação pelo respectivo valor nominal. As notas e moedas de Reais são o único
meio de pagamento com curso legal no Brasil, conforme previsto expressamente no
art. 1º da Lei 9.069/95 e no art. 315 do Código Civil.
O curso forçado do Real está previsto no art. 1º da Lei 10.192/01. Note-se que
este atributo é reforçado pelo art. 43 da Lei das Contravenções Penais 0, segundo o
qual está sujeito a multa aquele que se recusar a receber, pelo seu valor, moeda de
curso legal no país.
Conclui-se, portanto, como decorre da interpretação literal das normas legais
e constitucionais acima referidas, que, no ordenamento jurídico brasileiro, o bitcoin
não possui a natureza jurídica de moeda, não sendo possível enquadrá-lo nos
estreitos limites das normas citadas acima. O Real é a única moeda admitida no
Brasil, cabendo destacar que a legislação brasileira não reconhece a existência de
moeda emitida por partes privadas, já que a Constituição Federal outorga ao Estado
o monopólio sobre a moeda.
Contudo, embora não possa ser considerado moeda no sentido jurídico do
termo, ou seja, aquele que decorre expressamente da Constituição Federal e das
Leis mencionadas acima, na prática, o bitcoin cumpre um dos propósitos
econômicos da moeda10, eis que, em certos mercados, ele é aceito como meio de
troca de bens e serviços11, revelando sua utilidade econômica.

http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=611071. Acesso em: 11 nov.


2022.
9
JANSEN, Letácio. A face legal do dinheiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1991. p. 147.
10
CASSEB, Paulo Adib. Moedas digitais na sociedade da informação: aspectos constitucionais.
In: BARBOSA, Tatiana Casseb B. M. (Coord.). A revolução das moedas digitais: bitcoins e altcoins.
São Paulo, Cotia: Editora Revoar, 2016. p. 202.
11
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013. p. 62. ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto
Ludwig von Mises Brasil, 2014. p. 113.
15

O bitcoin não possui, assim, no atual estágio de sua evolução, natureza


jurídica de moeda, mas de uma utilidade econômica, ou melhor, de um bem que
serve como meio de troca. Um bem incorpóreo que, contudo, é identificável e sujeito
à apropriação. É bastante ilustrativa, a propósito, a lição de San Tiago Dantas:

No mundo exterior, os direitos subjetivos, ou recaem sobre outras pessoas,


como nos direitos de família, ou recaem sobre utilidades econômicas, como
acontece nos direitos patrimoniais. Estes últimos é que estão no caso que
ora nos interessa.

(...)

Este objeto, sobre o qual recaem os direitos patrimoniais, é que se chama


coisa, ou bem; res, diziam os romanos. Todo direito patrimonial, por
conseguinte, recai sobre uma res, diretamente, como nos direitos reais, ou
indiretamente, como nos direitos de
crédito; porque o credor espera sempre a res do devedor, o que não quer
dizer que ele seja unicamente o objeto do direito.

Há uma diferença capital entre o conceito de coisa, que o direito nos


fornece, e o seu conceito simplesmente natural. O conceito natural é muito
mais amplo; abrange objetos que o direito não classifica entre bens e
coisas, abrange os astros, o mar, o ar atmosférico, todos os objetos que não
são considerados coisas pelo direito porque não são suscetíveis de
apropriação. Isto é, que não podem se tornar objeto de um direito subjetivo.

De maneira que, então, o conceito jurídico de coisa é este: coisa é todo


objeto do mundo externo suscetível de apropriação.

Já se notou bem que a palavra apropriação está tomada aqui num sentido
muito lato para exprimir toda submissão da coisa ao senhorio do homem,
quer este senhorio tome a forma de propriedade, quer a forma de novo
direito. Os objetos que se chamam juridicamente coisas podem ser
materiais ou imateriais.

Essa capacidade para servir como meio de troca é legítima porque o fato de o
Estado deter o monopólio da emissão da moeda (isto é, moeda com curso legal,
poder liberatório e curso forçado) não elimina o exercício da autonomia privada na
criação de instrumentos que perfaçam a função de bem intermediário de troca.
A adoção dos bitcoins como meio de troca decorre, portanto, do princípio da
autonomia privada, ou seja, da liberdade assegurada aos sujeitos de direito de
agirem com o objetivo de criar relações jurídicas de acordo com seus próprios
interesses.
Deve ficar claro, no entanto, que, ao contrário do que acontece com o Real, o
poder liberatório dos bitcoins é meramente contratual, decorrendo de pacto entre
contratantes, fruto da autonomia privada 12. Em outras palavras, isso significa que,
12
BAROSSI FILHO, Milton; SZTAIN, Raquel. Moeda e desafios da moeda virtual. Revista Jurídica
Luso-Brasileira, [s. l.], n. 1, p. 1683, 2015.
16

embora os bitcoins não possuam curso legal, nem curso forçado, é lícito aos
agentes econômicos, por acordo de vontades, ajustar a sua circulação entre eles,
conferindo poder liberatório à criptomoeda, que, dada sua natureza contratual, só
será aplicável entre esses agentes.
A autonomia privada não é, contudo, absoluta, podendo vir a ser restringida
pois, como afirma Daniel Sarmento13, “tem que ser conciliada, em primeiro lugar,
com o direito das outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade, e, além disso,
com outros valores igualmente caros ao Estado Democrático de Direito (...).” Na
hipótese, isso pode ocorrer, por exemplo, quando houver risco ao funcionamento do
mercado financeiro.
A posição adotada até o momento pelos reguladores brasileiros não conflita
com o entendimento acima. A literatura jurídica local, embora escassa, também não
diverge radicalmente do exposto acima. A jurisprudência, igualmente exígua, parece
caminhar na mesma direção, conforme se pode constatar através da leitura do
Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000 14, proferido pela 36ª Câmara
de Direito Privado, onde se concluiu que os bitcoins possuem a natureza de bem
imaterial com conteúdo patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça – STJ também já se pronunciou sobre a
matéria nos autos do Conflito de Competência nº 161.123 - SP 15, ocasião em que
concluiu no sentido de que os bitcoins não teriam a natureza jurídica de moeda.
Cumpre fazer menção, ainda, ao Recurso Especial nº 1.696.214 - SP 16, de onde se
extrai a seguinte conclusão, que, embora não corresponda exatamente ao
entendimento exposto acima, também não destoa dele:

A moeda virtual, em geral, pode ser compreendida como um protocolo


computacional de código aberto, criptografado (o que envolve um conjunto
13
SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2004. p. 188.
14
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 36ª Câmara de Direito Privado. Agravo
de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000. Relator Des. Milton Paulo de Carvalho Filho. São
Paulo, 21 nov. 2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?
cdAcordao=10988627&cdForo=0. Acesso em: 12 de nov. de 2022.
15
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Terceira Seção). Conflito de Competência nº 161.123 - SP.
Relator: Min. Sebastião Reis Junior, 28 nov. 2018. Brasília. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?
componente=ATC&sequencial=90021910&num_registro=201802484304&data=20181205&tipo=5&for
mato=PDF. Acesso em: 12 de nov. de 2022.
16
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. (Terceira Turma). Recurso Especial nº 1.696.214 – SP.
Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze, 16 out. 2018. Brasília. Disponível em:
https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/inteiroteor/?
num_registro=201702244334&dt_publicacao=16/10/2018. Acesso em: 12 de nov. de 2022.
17

de princípios e técnicas empregadas para cifrar uma mensagem e torná-la


inintelegível a quem não tem acesso às convenções combinadas -
Dicionário Houaiss) e matematicamente válido, que representa uma unidade
de valor, por meio do qual se efetivam transações comerciais e/ou
financeiras, a consubstanciar um sistema econômico alternativo, criado por
particulares, e não por um Estado. Possui, como principais características, a
incorporeidade, a desnecessidade de um terceiro intermediário para
realização de transações e a ausência de uma autoridade central emissora
e controladora.

É preciso mencionar, contudo, que a posição defendida acima não é pacífica


no âmbito internacional, destacando-se que os entendimentos manifestados por
autoridades de uma mesma jurisdição são, por vezes, conflitantes.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o FinCEN 17, órgão subordinado ao
Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, que tem, dentre suas missões, a
proteção do sistema financeiro e o combate à lavagem de dinheiro, editou um
relatório em março de 2013 em que destaca que as criptomoedas não possuem a
natureza de moedas (real currency) por não possuírem poder liberatório.
Na Europa, a questão também não está sedimentada. Neste sentido, destaca-
se que, para o Banco Central Europeu18, os bitcoins não são moedas, sendo
definidos como “ativos especulativos”, ou seja, como propriedade. Tal entendimento
não parece ter prevalecido, entretanto, no âmbito da Corte Europeia de Justiça.

1.3 Chaves pública e privada, assinatura digital e criptografia

A fim de se determinar a propriedade de um bitcoin (não se referindo ao


conceito stricto sensu civilista de propriedade) são necessárias chaves digitais,
endereços bitcoin e assinaturas digitais. As chaves digitais não ficam armazenadas
na rede bitcoin, mas sim criadas e guardadas pelo usuário em um arquivo simples,
na wallet (carteira), que podem tanto estar armazenadas em um arquivo virtual,
como escrita em um simples pedaço de papel.
A breve descrição dessas ideias delineia a complexa tecnologia.
Cada transação de bitcoin exige a utilização de assinaturas válidas, geradas
por chaves digitais válidas, para ser inserida na blockchain. Assim qualquer pessoa
que possua a cópia destas chaves tem o controle sobre os bitcoins daquela conta

17
Rede de proteção a crimes financeiros. Tradução livre.
18
8 BANCO CENTRAL EUROPEU. What is bitcoin? Disponível em:
https://www.ecb.europa.eu/explainers/tell-me/html/what-is-bitcoin.en.html. Acesso em: 12 de nov. de
2022.
18

(wallet). As chaves são feitas em pares, sendo uma chave pública e uma privada. A
chave pública é como o número de uma conta bancária, e a chave privada, pode ser
entendida como uma “senha”, ou uma assinatura em um cheque.
Ressalta-se que as chaves poderiam ser de conhecimento de mais de uma
pessoa, como é relativamente comum que um cônjuge, por exemplo, saiba a senha
do cartão de crédito do outro. Quem possuir a chave privada é que pode gerar
assinaturas digitais. É a assinatura digital que será registrada na blockchain e será
validada pela comunidade de usuários. É assim que se autentica a propriedade e
legitimidade de uma transação. Dizendo de outra forma: a chave pública é usada no
recebimento de bitcoins, e a chave privada para promover a assinatura de uma
transação, e enfim gastar a moeda.
Essa é a base da segurança e pseudoanonimidade ou pseudonimidade do
bitcoin: a criptografia de chave pública. Nas palavras de Andreas M. Antopoulos 19:

“Criptografia de chave pública é uma base matemática para a segurança da


computação e da informação”
(...)
Criptografia de chave pública é um método de autenticação que depende de
um conjunto de números matematicamente relacionados: uma chave
privada, uma chave pública, e uma ou mais assinaturas.”

A partir da criação da criptografia de chave pública, várias funções


matemáticas, como a exponencial, função hash e a multiplicação da curva elíptica
foram descobertas. Esse tipo de função é irreversível (One-way), ou seja, são fáceis
de ser calculadas em uma direção, mas é praticamente impossível se fazer o
caminho oposto. Em outras palavras, a chave pública pode ser obtida a partir da
chave privada, mas o inverso não é possível. Em resumo, com base em funções
matemáticas, a criptografia permite que sejam criadas assinaturas digitais
“infraudáveis”.
A tecnologia bitcoin utiliza a multiplicação da curva elíptica como base de sua
criptografia. Assim, o acesso às moedas está vinculado ao conhecimento das
chaves pública e privada, cujo funcionamento dá-se da seguinte forma: por meio da
função multiplicação da curva elíptica obtemos uma chave pública (Public key), a
partir da chave privada (Private key); em seguida, a partir da chave pública, usamos
uma função hash que gera um endereço bitcoin (bitcoin adress).

19
ANTONOPOULOS, Andreas M. Mastering Bitcoin: programming the open blockchain. 2. ed.
Sebastopol, California: O'Reilly Media, 2017. Disponível em: bitcoinbook.info. Acesso em: 11 de nov.
de 2022.
19

A função hash utilizada por esse método possibilita identificar um dado


publicamente sem revelar nada a respeito dele, e pode ser usada para verificar de
forma segura e confiável se várias pessoas possuem o mesmo dado. O dado
publicado é o endereço bitcoin. Uma vez que todos os pontos da rede possuem a
mesma informação, existe consenso sobre a existência da transação direcionada a
um determinado endereço.
Na etapa de pagamento de uma transação, o endereço bitcoin corresponde
ao destinatário dos valores. Analogamente, é o nome de um beneficiário de um
cheque, como o campo “Pague à ordem de”.
Voltando a outro ponto importante, a chave privada, que é guardada em sigilo,
pode gerar uma chave pública, que por sua vez pode ser disponibilizada livremente,
uma vez que é impossível determinar a chave privada apenas com a pública. Assim
o dono de bitcoins só tem acesso aos seus valores se tiver acesso às suas chaves
privadas, entretanto o seu endereço público pode ser livremente divulgado.
Este ponto é crucial no âmbito desse estudo: qualquer pessoa que transferir
uma determinada quantia para um endereço bitcoin, apesar de conhecer o endereço
bitcoin, não conhecerá qual foi a chave privada que gerou aquela transação. Essa
tecnologia permite então a segurança de uma transação financeira, sem expor o
beneficiário. Qualquer pessoa pode enviar valores para um endereço, mas apenas o
detentor da chave privada pode gastar os bitcoins a ela relacionados. É isto que
garante que uma pessoa A envie uma quantia de bitcoins para outra pessoa B, sem
que para isso seja necessário possuir seus dados pessoais, e nem mesmo seja
necessário saber quem é a pessoa que está recebendo aqueles valores.
O princípio da privacidade (apontado por Don Tapscott como uma
característica do bitcoin) parte da premissa que todas as pessoas devem ter controle
sobre seus dados. Cada indivíduo deve ter o poder de decidir de que forma sua
identidade deve ser compartilhada com outrem. No sistema criado por Satoshi
Nakamoto, não há necessidade de conhecer a identidade de alguém, para fazer
uma interação, ou transação20.
Esse princípio traduziria a intenção de seu idealizador e é um dos grandes
diferenciais do sistema de pagamentos criado por ele: a garantia da proteção de

20
TAPSCOTT, Don; TAPSCOTT, Alex. Blockchain Revolution: how the technology behind
bitcoin is changing money, business, and the world. New York: Penguin Random House Llc,
2016, p.52.
20

dados pessoais, e um certo nível de independência do indivíduo em relação ao


Estado e às grandes corporações.
A consequência do princípio da privacidade, é que para participar da rede,
não há necessidade do fornecimento de um nome, e-mail, ou outros dados pessoais
para utilizar bitcoins; embora os participantes possam manter certo nível de
anonimidade, é temerário afirmar que as as transações efetuadas nessa rede são
completamente anônimas, pois na verdade ela é feita através de um pseudônimo.
Assim, apesar de improvável, é possível estabelecer relação entre a
identidade real e endereços de bitcoin, tratando-se, portanto, praticável o
rastreamento inteiro das transações feitas por um endereço, desde que sua
identidade seja estabelecida. Isto é, uma vez que conhecemos um endereço bitcoin
ou uma wallet e estabelecemos um vínculo dele com uma pessoa, poderemos
identificar todas as operações provavelmente efetuadas pelo mesmo indivíduo.
A blockchain faz da ocultação algo mais difícil que na internet. É simples
descartar um aparelho físico, uma conta de e-mail, ou um endereço IP, mas é mais
complexo apagar totalmente o caminho de fundos para um endereço bitcoin e, por
definição, a blockchain não é ideal para privacidade.
Feito este contraponto, podemos dizer que enquanto a blockchain é pública, a
identidade de seus usuários é pseudônima, ou seja, é necessária uma quantidade
relevante de triangulação de dados para chegar à identidade do proprietário de
determinada chave pública, sendo que qualquer pessoa pode possuir múltiplas
chaves públicas e privadas.
Esse conjunto de ideias é básico para o entendimento de uma transação
operada diretamente na blockchain, entretanto essa não é a única forma de
obtenção da criptomoeda, o que será melhor esclarecido a seguir.

2 A UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BITCOIN PARA A PRÁTICA DOS CRIMES


DE
LAVAGEM DE DINHEIRO

2.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRIME DE LAVAGEM DE


DINHEIRO
21

A lavagem de dinheiro pode ser definida como o “processo pelo qual o


criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma
origem aparentemente legal”, conforme se extrai da cartilha elaborada pelo
Conselho de Controle de Atividades Econômicas (Coaf) 21 em parceria com o
Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP) 22.
Esse conceito não difere daquele previsto na Lei 9.613/98, que rege a matéria no
Brasil, nem das definições propostas por legisladores, órgãos e agências
internacionais e pela literatura especializada. É, portanto, sob este enfoque que
analisaremos o Sistema Bitcoin verificando se é possível usar o sistema em questão
para incorporar recursos de origem ilícita à economia com o fim de dar-lhes
aparência legal.
Para melhor compreensão do tema cumpre esclarecer que, o ponto de partida
para a adoção de medidas de combate à lavagem de dinheiro foi a Convenção das
Nações Unidas de Viena, realizada na Áustria em dezembro de 1988, que teve
como fim específico o combate ao tráfico de entorpecentes e substâncias
psicotrópicas.
Embora o tema já estivesse na agenda mundial desde a década de 80 do
século passado, a preocupação com o crime de lavagem de dinheiro difundiu-se de
forma mais significativa a partir do final dos anos 90 do mesmo século com o
crescimento do mercado econômico mundial, quando o delito assumiu grandes
dimensões em razão de técnicas criminosas cada vez mais elaboradas, que
ultrapassam fronteiras e burlam diversos sistemas jurídicos, tornando-se uma
preocupação mundial.
Destacam-se neste cenário a celebração de diversas convenções
internacionais, como, por exemplo, a Convenção sobre a Lavagem de Dinheiro,
Busca, Apreensão e Confisco dos Produtos do Crime, celebrada em Estrasburgo,
França, em 199323, a Convenção Interamericana contra a Corrupção, celebrada em
Caracas, Venezuela, em 1996; a Convenção Internacional para a Supressão do

21
O Coaf, órgão criado no âmbito do Ministério da Fazenda, foi instituído pela Lei 9.613/98 e atua
eminentemente na prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
204 COAF. Lavagem de Dinheiro - Um Problema Mundial. Coaf. Disponível em:
http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/publicacoes/cartilha.pdf/view. Acesso em: 12 de nov. de
2022.
22
COAF. Lavagem de Dinheiro - Um Problema Mundial. Coaf. Disponível em:
http://www.coaf.fazenda.gov.br/menu/pld-ft/publicacoes/cartilha.pdf/view. Acesso em: 12 de nov. de
2022.
23
Atualizada pela Convenção de Varsóvia, celebrada na Polônia em 2005.
22

Financiamento do Terrorismo, celebrada em Nova York, EUA, em 1999; a


Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional,
celebrada em Palermo, Itália, em 2000; a Convenção Interamericana contra o
Terrorismo, celebrada em Bridgetown, Barbados, em 2002; e a Convenção das
Nações Unidas contra a Corrupção, celebrada em Mérida, México, em 2003 24.
Ainda no mesmo contexto, cumpre fazer referência ao Grupo de Ação
Financeira Internacional/The Financial Action Task Force (Gafi/FATF), criado em
1989 em Paris, França, por países membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico - OCDE, com o propósito de desenvolver e promover
políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao
financiamento do terrorismo em escala global. O Gafi/FATF é o centro do sistema
internacional antilavagem de dinheiro. Para cumprir seus objetivos, o Gafi/FATF
publicou 40 Recomendações com o fim de estabelecer um padrão internacional de
regulação25.
No Brasil, a primeira norma sobre a matéria, a Lei 9.613, editada somente em
1998, não se ateve exclusivamente à repressão da lavagem ou da ocultação de
patrimônio obtido em consequência do narcotráfico, mas também não se acomodou
aos sistemas que admitem a conexão ampla e genérica dos crimes de lavagem com
qualquer tipo de ilícito precedente.

24
RIZZO, Maria Balbina Martins de. Prevenção da lavagem de dinheiro nas organizações. São
Paulo: Trevisan Editora, 2016. p. 107-110. Com exceção da Convenção de Estrasburgo, o Brasil é
signatário das demais convenções internacionais referidas no texto.
25
As Recomendações do GAFI “estabelecem um sistema abrangente e consistente de medidas que
os países devem adotar para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, bem
como o financiamento da proliferação de armas de destruição em massa. Os países possuem
sistemas legais, administrativos e operacionais diversos e diferentes sistemas financeiros e, dessa
forma, não podem todos tomar medidas idênticas para combater as ameaças. As Recomendações do
GAFI, portanto, estabelecem um padrão internacional que os países devem adotar por meio de
medidas adaptadas às suas circunstâncias particulares.” FATF/GAFI. Padrões Internacionais de
Combate à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo e da Proliferação. As
Recomendações do Gafi. Coaf. Fevereiro de 2012. Disponível em:
http://www.coaf.fazenda.gov.br/links- externos/As%20Recomendacoes%20GAFI.pdf. Acesso em: 12
de nov. 2022. Em 1990, o Gafi/FATF redigiu 40 Recomendações, que foram revistas em 1996. Em
2001, foram redigidas mais oito Recomendações (sobre financiamento ao terrorismo), posteriormente
expandidas para nove. Em 2003, as 49 Recomendações foram novamente revisadas. Em 2012 as
Recomendações foram condensadas em 40. Vide também DE SANCTIS, Fausto Martins. Lavagem
de Dinheiro por meio de obras de arte: uma perspectiva judicial criminal. Belo Horizonte: Del
Rey Editora, 2015. p. 19-20.
23

Na legislação atual26, no entanto, não há mais uma lista fechada de delitos


antecedentes, de forma que o crime pode provir de qualquer espécie de infração
penal. Cabe observar, por último que, de acordo com a maior parte dos autores 27, a
lavagem de dinheiro se desenvolve como um processo dinâmico que abrange três
etapas, a saber: (i) colocação (placement); (ii) dissimulação (layering); e (iii)
integração (integration), que podem ser realizadas separada ou simultaneamente,
embora muitas vezes se sobreponham.
Na etapa de colocação, que corresponde à primeira etapa do processo de
lavagem, o dinheiro auferido em atividades ilegais é colocado no sistema
econômico, adotando-se mecanismos capazes de ocultar sua origem. Neste sentido,
André Luís Callegari28:

É nesta fase que os criminosos procuram livrar-se materialmente das


importantes somas de dinheiro que geraram suas atividades ilícitas. O
efetivo arrecadado é normalmente transferido a uma zona ou localidade
distinta daquela de onde se originou, colocando-se, em seguida, em
estabelecimentos financeiros tradicionais ou não-tradicionais (casas de
câmbio, cassinos etc.), ou ainda em outros tipos de negócios de variadas
condições (hotéis, restaurantes, bares, etc).

Por meio da dissimulação, ou seja, da segunda etapa do processo de


lavagem, os criminosos tentam afastar ou dificultar o rastreamento dos recursos
ilícitos. Busca-se agora, fazê-los parecer legítimos: disfarçar a origem ilícita e
dificultar a reconstrução pelas agências estatais de controle e repressão da trilha de
papel (paper trail). Os criminosos procuram, assim, contas correntes localizadas em
jurisdições protegidas por sigilo bancário ou, ainda, a utilização de “laranjas”, contas
“fantasmas” ou empresas fictícias. São escolhidas, preferencialmente, jurisdições
26
Lei 9.613, com as modificações feitas pela Lei 12.683/12. BRASIL. Lei 9.613, de 3 de março de
1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da
utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm. Acesso em: 12 nov. 2022
27
DE SANCTIS, Fausto Martins. Lavagem de Dinheiro por meio de obras de arte: uma
perspectiva judicial criminal. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2015. p. 18. RIZZO, Maria Balbina
Martins de. Prevenção da lavagem de dinheiro nas organizações. São Paulo: Trevisan Editora,
2016. p. 31. BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro:
aspectos penais e processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei
12.683/2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 31. AMARAL, Thiago Bottino do;
TRENGROUSE, Pedro. Lavagem de dinheiro e futebol. Boletim IBCCRIM, v. 23, 2015. Vide
também COAF. Fases da lavagem de dinheiro. Disponível em: http://www.coaf.fazenda.gov.br/links-
externos/fases-da-lavagem-de-dinheiro. Acesso em: 12 de nov. de 2022. De acordo com Isidoro
Blanco Cordero essa é a classificação mais aceita, sendo adotada pelo GAFI em suas 40
recomendações. Vide CORDERO, Isidoro Blanco. El Delito de Blanqueo de Capitales. Espanha:
Thomson Reuters Aranzadi, 2015. p. 73.
28
CALLEGARI, André Luís. Lavagem de dinheiro. Aspectos penais da Lei nº 9.613/98. Porto
Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 45.
24

com baixa tributação, conhecidas como “paraísos fiscais”, a fim de que o processo
de lavagem não seja oneroso.
A última etapa é aquela em que os ativos são integrados formalmente ao
sistema econômico sob aparente legalidade. Nesta etapa, o agente converte o
‘dinheiro sujo’ em capital lícito, adquirindo propriedades de bens, pagando dívidas,
constituindo empresas e estabelecimentos lícitos, financiando atividades de
terceiros, concedendo empréstimos, dentre outros.
Cabe acrescentar, por último, sem adentrar, dadas as limitações do presente
trabalho, em todos os aspectos relacionados à autoria, que o autor do crime de
lavagem de dinheiro é, de acordo com a definição proposta por Pierpaolo Cruz
Bottini29, “o agente com domínio dos fatos, com controle causal do branqueamento,
seja como executor direto, como autor funcional, nos casos de coautoria, ou como
autor mediato”. Assim, incluem-se neste conceito aquele que pratica, direta ou
indiretamente, quaisquer dos comportamentos descritos na norma legal aplicável,
bem como aquele que colabora com o delito, desde que de forma consciente e com
poder para impedir o seu desdobramento, tais como doleiros e contadores.
São estas, em linhas gerais, as principais características do crime de lavagem
de dinheiro.

2.2 O BITCOIN COMO OBJETO MATERIAL DO CRIME DE LAVAGEM DE


DINHEIRO

Uma vez traçado um panorama geral do crime de lavagem de dinheiro é


preciso examinar se os bitcoins incluem-se na definição do objeto material do delito,
tal como previsto nas normas aplicáveis.
De acordo com Pierpaolo Cruz Bottini30, objeto material é aquele sobre o qual
recai o comportamento ilícito. No Brasil, o objeto material do crime de lavagem de
dinheiro são bens, direitos e valores provenientes de infração penal antecedente,
conforme estabelece a Lei 9.613/98.

29
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e
processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 167.
30
BOTTINI, Pierpaolo Cruz; BADARÓ, Gustavo Henrique. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e
processuais penais: comentários à Lei 9.613/1998, com as alterações da Lei 12.683/2012. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 109.
25

Marco Antonio Barros31 observa que a expressão “bens, direitos e valores” foi
utilizada pelo legislador em sentido genérico para abranger quaisquer bens, direitos
e valores. Na mesma linha, Rogério Filippetto 32 esclarece que “a vontade da lei foi a
de não podar o intérprete diante da riqueza de variáveis do mundo fático”.
Partilhando do mesmo entendimento, Gerson Godinho Costa 33 destaca a
preocupação legislativa em evitar eventual lacuna que resultasse em atipicidade.
Ao estabelecer o conceito de bens, Filippetto237 34 afirma haver consenso em
seguir-se a definição proposta pela Convenção de Viena 35, que abrange os ativos de
qualquer tipo, corpóreos e incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis,
e os documentos ou instrumentos legais que confirmam a propriedade ou outros
direitos sobre os ativos em questão.
O mesmo autor conceitua direito como o “vínculo existente entre a pessoa
humana e um patrimônio, material ou imaterial, mas sempre suscetível a uma
avaliação econômica.” Incluem-se nesta categoria os direitos reais e os direitos de
crédito, por exemplo. Os valores, por último, conforme explica Marco Antonio
Barros36, “exprimem o grau de utilidade das coisas, ou bens, ou a importância que
lhes concedemos para a satisfação de nossas necessidades.”
Cabe observar, ainda, que, no que se refere à origem, os bens passíveis de
lavagem (assim como os direitos e valores) são aqueles que decorrem direta ou
indiretamente do crime antecedente. Os bens diretamente provenientes têm ligação
imediata com o crime anterior, enquanto os indiretamente são resultado de uma
transformação ou substituição dos bens anteriores na tentativa de mascarar sua
origem criminosa ou compreendem lucros havidos do proveito ilícito.
Nos Estados Unidos, a expressão utilizada para identificar o objeto material
do crime de lavagem de dinheiro é proceeds, que, conforme definição constante da
31
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo: RT,
2014. p. 65.
32
FILIPPETTO, Rogério. Lavagem de dinheiro: crime econômico da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 137.
33
GODINHO COSTA, Gerson. O tipo objetivo da lavagem de dinheiro. In: BALTAZAR JUNIOR,
José Paulo; MORO, Sérgio Fernandes (Orgs.). Lavagem de dinheiro: comentários à Lei pelos juízes
das varas especializadas em homenagem ao Ministro Gilson Dipp. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007. p. 36.
34
FILIPPETTO, Rogério. Lavagem de dinheiro: crime econômico da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 136.
35
Art. 1. BRASIL. Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Promulga a Convenção Contra o Tráfico
Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0154.htm. Acesso em: 12 de nov. de 2022.
36
BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas. São Paulo: RT,
2014. p. 76.
26

Fraud Enforcement and Recovery Act of 2009 (FERA), que abrange qualquer
propriedade derivada, obtida ou possuída, direta ou indiretamente, através de
alguma forma de atividade ilegal, incluindo os ganhos brutos de tal atividade,
compreendendo também os compreende ativos intangíveis.
Na Europa, a definição do objeto material do crime também não difere do
exposto acima. De fato, a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 20/05/2015, também adota o conceito de bens, definindo-os como
quaisquer bens, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou
intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos sob qualquer forma, incluindo
a eletrônica ou digital, que comprovem o direito de propriedade ou outros direitos
sobre esses bens.
O Gafi/ FATF, por fim, adota os conceitos de proceeds, definidos como
qualquer propriedade derivada ou obtida, direta ou indiretamente, através do
cometimento de um crime; e de property, que (igualmente) se refere a qualquer
propriedade derivada ou obtida, direta ou indiretamente, através do cometimento de
um crime.
Por todo o exposto, a conclusão que se extrai é de que bitcoins se incluem no
objeto material do crime de lavagem. De fato, dada a sua natureza de bem
incorpóreo, as criptomoedas em questão se inserem, sem qualquer dúvida ou
restrição, na definição de bens.

2.3 A UTILIZAÇÃO DO SISTEMA BITCOIN PARA A PRÁTICA DO CRIME DE


LAVAGEM DE DINHEIRO

A pergunta que se pretende responder neste item é de que forma o Sistema


Bitcoin pode ser utilizado como instrumento para a prática do crime de lavagem de
dinheiro. Para encontrar uma resposta a esta indagação é importante fazer
referência a alguns aspectos que merecem ser preliminarmente estudados.
O primeiro aspecto consiste em saber por que razão o bitcoin seria atrativo,
ou seja, em que medida essa criptomoeda difere, no contexto do crime de lavagem
de dinheiro, de outros ativos como, por exemplo, moedas eletrônicas, dinheiro em
espécie, obras de arte e metais preciosos.
Quanto a este aspecto, a tecnologia inovadora dos bitcoins permite a criação
e a organização de uma rede global de pagamentos online por meio da qual é
27

possível transferir valores de forma segura, independentemente de intermediação


bancária e da ação de qualquer governo, sem entraves, barreiras ou restrições
cambiais, fiscais, alfandegárias ou comerciais. Em outras palavras, trata-se de uma
rede de pagamentos que funciona fora do controle de qualquer país e fora do
sistema bancário.
Essas características conferem aos bitcoins considerável vantagem com
relação às moedas eletrônicas, assim consideradas aquelas que representam
dinheiro real, soberano, emitido pelo governo e depositado em instituições
financeiras. As inovações financeiras permitiram que as pessoas realizassem
transações econômicas muito além das restrições impostas pela moeda física.
Com efeito, nos últimos anos, o sistema financeiro tem funcionado como
importante aliado dos governos na fiscalização tributária e na investigação criminal,
tal como decorre, por exemplo, dos artigos 9º a 11º da Lei 9.613/98 37 e da Lei
Complementar 105/0138. Destacam-se, neste sentido, as palavras de Maíra Rocha
Machado39:
Neste contexto, o intercâmbio de informações de natureza bancária-
financeira passa a ser elemento-chave das estratégias de intervenção penal
que têm sido formuladas em âmbito internacional para lidar com crimes que
geram benefícios materiais. Intercâmbio que deve alcançar tanto os órgãos
do sistema de justiça no interior de determinado país (cooperação penal
interna) como o intercâmbio que se realiza entre diferentes países
(cooperação penal internacional).
Este processo ganhou força a partir de 2010 com a edição, nos Estados
Unidos, do Foreign Accounts Tax Compliance Act (Fatca) que, dentre outras
disposições, estabelece que as instituições financeiras devem reportar ao Internal
Revenue Service – IRS, a receita federal americana, todas as informações sobre

37
A Lei 9.613/98 estabelece, em seus arts. 9º a 11, a obrigatoriedade de instituições financeiras,
dentre outras, prestarem informações ao Coaf com o fim de prevenir a lavagem de dinheiro. A Lei
Complementar 105/01, por sua vez, dentre outros dispositivos, estabelece, em seu art. 1º, § 3º, IV,
que não constitui violação do dever de sigilo a comunicação, às autoridades competentes, da prática
de ilícitos penais ou administrativos, abrangendo o fornecimento de informações sobre operações que
envolvam recursos provenientes de qualquer prática criminosa. BRASIL. Lei 9.613, de 3 de março
de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção
da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9613.htm. Acesso em: 12 nov. 2022
38
BRASIL. Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001. Dispõe sobre o sigilo das operações
de instituições financeiras e dá outras providências. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp105.htm. Acesso em: 12 nov. 2022
39
MACHADO, Maíra Rocha. Cooperação Internacional e o intercâmbio de informações bancárias: as
decisões do STF sobre a quebra de sigilo em cartas rogatórias. In: MACHADO, Maíra Rocha;
REFINETTI, Domingos Fernandes (Coords.). Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos:
Brasil, Nigéria, Reino Unido e Suíça. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 102.
28

transações financeiras dos cidadãos americanos, independentemente de onde eles


residam.
Com fundamento no Fatca, os Estados Unidos vêm celebrando acordos
bilaterais com diversos países visando a troca de informações. Um dos principais
objetivos destes acordos é acabar com o sigilo bancário, o que torna esquemas
clássicos de lavagem de dinheiro, baseados em regras de sigilo, cada vez menos
atrativos. Note-se que o Fatca e os acordos internacionais decorrentes dele não são
iniciativas isoladas, refletindo uma tendência mundial de extinção dos sigilos
bancário e fiscal.
Neste cenário, os bitcoins podem ser considerados como uma alternativa em
relação à moeda eletrônica, já que, como mencionado, não dependem do sistema
bancário, ou seja, não estão necessariamente sujeitos a entidades que se
encontram obrigadas a fornecer informações financeiras de seus clientes às
autoridades e órgãos públicos.
Os bitcoins mostram-se como a grande quebra de expectativas de um mundo
sem segredos bancários e, o conjunto de medidas expostas acima, em vez de
idealmente controlar o fluxo de dinheiros, talvez venha, sim, a incentivar outros
mercados, como o bitcoin.
Ainda no que tange à comparação dos bitcoins com outros ativos, cabe fazer
menção às dificuldades de armazenamento e transporte de ativos como dinheiro em
espécie e metais preciosos, que não estão presentes quando se trata de bitcoins.
Não se pode olvidar, de outra parte, que as transações com bitcoins ocorrem
exclusivamente no ambiente virtual, envolvendo computadores e dados
eletrônicos criptografados. Assim, elas não deixam evidências físicas, como
eventuais anotações, por exemplo, ao contrário do que pode ocorrer com as
transferências bancárias, conforme observa Mariano-Florentino Cuellar 40.
Deste modo, o rastreamento de operações no ambiente virtual é dificultado
por diversos fatores, tais como a falta de comunicação entre as pessoas do
ambiente real e as contas de criptomoedas; a existência de obstáculos para o

40
“What makes layering possible is the fact that money can be moved around, even across the world,
in a series of relatively routine and inexpensive transactions. But the fact that layering is possible does
not necessarily make it useful to criminals. Most bank transactions leave a record of some kind, either
in paper or electronic form.” Tradução livre. CUELLAR, Mariano-Florentino. The tenuous relationship
between the fight against money laundering and the disruption of criminal finance. Journal of
Criminal Law and Criminology, [s. l.], v. 93, Issue 2, p. 327, Winter 2003.
29

rastreamento, como misturadores de criptografia e “anonimizadores”; a possibilidade


de criação de um número ilimitado de contas e a falta de regulamentação.
Destaca-se, ainda, que o rastreamento de transações gravadas na Blockchain
é, significativamente, mais complexo do que intimar um banco local que opera em
redes financeiras tradicionalmente reguladas. Todas estas circunstâncias parecem
dificultar a localização de bitcoins, favorecendo criminosos, já que as autoridades
policiais e judiciais dependem do auxílio de peritos e de técnicos altamente
especializados.
Adicionalmente, por serem exclusivamente virtuais e descentralizados, os
bitcoins apresentam a vantagem de dificilmente serem alcançados por juízes e pela
polícia, como destaca Adriano Caravina:

A única forma de conseguir penhorar (apreensão judicial) bitcoins é


conhecendo o par de chaves (a privada e a respectiva pública vinculada); as
quais, em regra, somente são do conhecimento do seu titular. E, se está
sendo necessária a realização de penhora, é porque o titular está relutante
ou está querendo esconder as bitcoins que possui. Portanto, o titular não vai
querer fornecer voluntariamente. Desse modo, será preciso apreender os
dispositivos (computadores, notebooks, tablets e smartphones) do
Requerido, tanto de sua residência como do seu local de trabalho, para que
sejam submetidos à perícia policial e/ou judicial com a finalidade de se
descobrir as tais chaves necessárias. Se o requerido não tiver colocado
senha em sua carteira bitcoin desktop, o trabalho será mais fácil.

Destaca-se, também neste sentido, o Acórdão proferido nos autos do Agravo


de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000 41, no qual a 36ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento a pedido
de penhora de bitcoins com base no argumento de que o requerente não teria
apresentado “sequer indícios” de que os requeridos tivessem investimentos em
bitcoins ou que fossem “titulares de bens dessa natureza”, nem onde os mesmos
estariam custodiados, acrescentando não ser possível determinar a constrição de
bitcoins à “Rede de Internet”.
É importante recordar, de outra parte, que as transações com bitcoins não
têm fronteiras, podendo se espalhar por diversos países, o que dificulta não só a
ação da polícia, como também a determinação do ordenamento jurídico aplicável,
vale dizer, da lei de regência e dos tribunais competentes. Destaca-se, a propósito,

41
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 36ª Câmara de Direito Privado. Agravo
de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000. Relator Des. Milton Paulo de Carvalho Filho. São
Paulo, 21 nov. 2017. Disponível em:
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=10988627&cdForo=0. Acesso em: 11 de nov de
2022.
30

que ainda não existem acordos de colaboração entre os países que tratem
especificamente das criptomoedas e suas peculiaridades.
O segundo ponto que merece ser examinado diz respeito ao anonimato. dos
titulares de bitcoins. Considerando que todas as transações são necessariamente
registradas na Blockchain, podendo ser vistas por todos que façam parte da rede, o
bitcoin é realmente anônimo?
Em regra, as carteiras e endereços bitcoins não possuem qualquer
informação pessoal sobre seus proprietários e, por isso, o bitcoin é considerado
anônimo para o mundo exterior; vez que cada usuário de bitcoin é identificado
apenas pelo número de sua carteira, cuja senha é uma chave criptográfica.
É preciso observar, entretanto, que, embora a identidade do respectivo titular
possa permanecer desconhecida, o bitcoin não é totalmente anônimo, já que todas
as transações com a citada criptomoeda são armazenadas na rede de forma
permanente e pública, podendo ser vistas por qualquer um.
Além disso, o fato de o nome dos proprietários dos bitcoins não constar da
Blockchain não significa que seja impossível vincular uma pessoa a um endereço
bitcoin, já que informações de identificação, como um endereço de IP, são
frequentemente registradas quando alguém realiza uma transação com a referida
criptomoeda em uma página na web, sendo também plenamente possível colher
identidades simplesmente olhando a Blockchain e combinando os dados coletados.
Assim, embora a tarefa de identificar titulares nem sempre seja simples, não
se pode afirmar que exista garantia de anonimato no Sistema Bitcoin. Exatamente
por essa razão, foram desenvolvidos vários mecanismos destinados a proteger a
privacidade dos titulares de bitcoins. São as chamadas tecnologias de
anonimização, ou seja, serviços e ferramentas destinados a esconder a origem de
transações com bitcoins, buscando garantir seu anonimato. Dentre tais ferramentas
e serviços destacam-se os serviços de mistura e o software Tor – The Onion Router.
Os serviços de mistura, como o próprio nome indica, têm por finalidade
misturar um pagamento em bitcoins com lotes de outros pagamentos de usuários
distintos, dificultando a identificação de quem realmente está enviando bitcoins para
quem.
O Tor – The Onion Router, por sua vez, é um software que permite a
navegação
31

anônima na internet, e, em particular, uma navegação em certas partes da


internet inacessíveis através dos browsers comuns, escondendo tanto o IP dos
utilizadores como o IP dos servidores.
Dentre as condutas mais usuais destacam-se (i) publicar seu nome e
endereço Bitcoin (chave pública) online (isso é comum em sites e blogs onde são
pedidas doações e em sites onde o endereço bitcoin é divulgado sem identificação
do proprietário que, no entanto, registra o domínio em seu nome); (ii) trocar bitcoins
por moeda oficial em plataformas de negociação que estão obrigadas a identificar
seus clientes. Ainda que não haja essa exigência, a identificação pode ser feita
através de contas bancárias para onde e de onde são transferidos os recursos na
moeda oficial; e (iii) fazer compras com bitcoins junto a comerciantes que solicitam
algum tipo de identificação dos respectivos clientes. Isso muitas vezes é feito pelo
fornecimento de um número de telefone ou endereço residencial ou comercial do
comprador, dados que este pode não perceber que são capazes de identificá-lo.
Outra possibilidade de permanecer anônimo é utilizar exclusivamente dinheiro
em espécie para comprar e vender bitcoins. O interessado poderá ter dificuldades
para encontrar pessoas com o mesmo interesse, mas já existem sites
especializados em intermediar negócios dessa natureza.
A criação de um número ilimitado de endereços Bitcoin e a utilização de um
endereço diferente em cada transação também pode ser uma estratégia que,
embora não garanta o completo anonimato, pode dificultar o rastreio dos recursos
ilícitos e a identificação do respectivo titular.
Conforme explicitado neste artigo, e conforme demonstrado pela doutrina
especializada, a profissionalização e a internacionalização são características
marcantes da lavagem de dinheiro. Ambas fornecem parâmetros determinantes para
uma conclusão se as tecnologias bitcoin propiciam um conveniente ambiente para o
cometimento do delito.
Sobre a internacionalização, podemos dizer que as tecnologias relacionadas
ao bitcoin permitem que transações financeiras sejam feitas entre países de forma
muito rápida e, muitas vezes, sem intervenção estatal, razão pela qual pode-se
afirmar que se tratam de tecnologias facilitadoras. A distância física entre o
remetente e o destinatário é irrelevante numa transação com criptoativos.
Em resenha sobre a tese de doutorado de Johanna Grzywotz, Heloisa
Estellita traz ideias semelhantes, quando diz que as características das
32

criptomoedas que podem impulsionar a lavagem de capitais são: a descentralização,


pseudoanonimidade e a globalidade. A característica de internacionalização da
lavagem de dinheiro é potencializada quando falamos fundamentalmente na
descentralização e globalidade do bitcoin.
A globalidade se refere ao fato de que as negociações podem ser feitas por
todo o mundo sem intermediários, sejam entidades públicas ou privadas, tornando o
meio propício às estampas de colocação, dissimulação e integração dos valores
ilícitos.
Sobre a descentralização: não existe entidade central gerenciadora de
operações. Já quando uma operação é intermediada por uma exchange, esta é a
única entidade que intermedia o sistema de bitcoins e o sistema econômico formal.
Entretanto, vale lembrar que a exchange não é a única forma de negociar bitcoin,
podendo ser feita de forma direta entre os indivíduos.
E nesse sentido, mostraremos que a descentralização pode ser relativizada
pelo uso de exchanges, mas a ausência de um ente central ainda é uma
característica presente em outras formas de negociação, como a negociação peer-
to-peer.
A habilidade técnica dos negociadores determina se eles possuem aptidão
para negociar peer-to-peer ou se precisam de uma entidade intermediária que faça
esse trabalho por eles. Por isso, o nível de profissionalização é um parâmetro que
vai determinar se de fato uma organização criminosa vai ser bem sucedida ao
utilizar bitcoin para esconder a origem de recursos ilícitos. Sobre o universo de
tecnologias bitcoin e a pseudoanonimidade, Ammous Saifedean diz que tudo
“depende de quão bem você se esconde, e como os outros procuram”.
E é exatamente por isso que o sucesso da persecução penal está relacionada
não apenas ao nível de especialização dos lavadores, como também dos
investigadores.
As características do bitcoin dificultam encontrar os valores, pois as
autoridades policiais e judiciais sujeitam-se à alta especialização de peritos e
técnicos. E, portanto, a identificação dos proprietários das wallets de bitcoin exige
uma investigação especializada, já que a utilização da criptomoeda não exige o
registro de dados pessoais. O acesso à wallet pode se dar tanto pela exchange,
como por aplicações específicas, por sites na internet feitos para o gerenciamento
de carteiras, ou mesmo pelo celular ou hardware específico. Assim, num primeiro
33

momento, o bitcoin poderia ser considerado potencializador da lavagem de dinheiro


em razão da pseudonimidade e da globalidade. Porém devemos nos atentar à forma
que esses bitcoins são negociados. As maneiras de acesso aos recursos são
inúmeras e são reinventadas a todo momento.

2.2.1 As exchanges

Dadas as diversas formas de se obter bitcoins, um ou outro método pode ser


mais ou menos propício a garantir a ocultação e o mascaramento das pessoas
envolvidas numa transferência de ativos. Alguns métodos exigem maior capacidade
técnica do usuário para realizar a transferência, enquanto a utilização de exchanges
pode ser feita praticamente por qualquer pessoa, outras formas de obtenção e
venda de criptoativos exigem maior conhecimento.
A Receita Federal, no art. 5º, inciso II, da Instrução Normativa 1.888/2019 42
considera exchange:

a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços


referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive
intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer
meios de pagamento, inclusive outros criptoativos.

Apesar de existir a obrigatoriedade desde 2019 (em razão da referida


Instrução Normativa da Receita Federal) para que as exchanges concedam
informações dos titulares das wallets, essa obrigação não impõe grandes
dificuldades para outros meios de transação que não utilizam esse meio (mesmo
havendo previsão normativa para tal no artigo 6º, inciso II, alínea “b”), o que facilita a
criação de uma carteira sem o fornecimento de dados pessoais. Assim, pelo simples
uso de um pendrive criptografado, por exemplo, que sirva como forma de acesso à
wallet, apenas o proprietário poderá acessar a carteira, sem necessidade de
identificação.
A aludida Instrução Normativa prevê penalidades para as exchanges que não
prestarem as informações necessárias e, em tese estas penalidades também
alcançariam pessoas físicas ou jurídicas que operam sem o intermédio de uma

42
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa nº 1.888, de 03 de maio de 2019. Institui e disciplina
a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos à
Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Acesso em 11 de nov. de 2022.
34

exchange, mas é pouco provável a fiscalização das operações pseudônimas


realizadas diretamente na blockchain, sem intervenção estatal.
Compreende-se, então que se por um lado o uso de exchanges, por exemplo,
tem sido objeto de regulação, e inclusive pode ser uma forma de identificar os
titulares de criptoativos, outras tecnologias podem dificultar o rastreamento, razão
pela qual coloca-se a figura das exchanges como um ponto importante de atenção
para as autoridades responsáveis pela persecução penal. Estudos 43 corroboram a
ideia de que as ditas casas de câmbio especializadas (exchanges) são um
importante ponto de atenção quando falamos em criptomoedas e lavagem de
dinheiro.
Em 12 de janeiro de 2018 foi publicado artigo desenvolvido na Elliptic,
entidade especializada em análise forense de criptomoedas e soluções anti-lavagem
de dinheiro, com o título Bitcoin Laundering: an analysis of illicit flows into digital
currency services44. O objeto de estudo do artigo utilizou a ferramenta de análise
forense desenvolvida pela própria Elliptic e os dados analisados estão
compreendidos entre 2013 e 2016, sendo eles dados públicos da blockchain, além
de endereços bitcoin associados a entidades conhecidas.
Neste estudo, a própria entidade reconhece as limitações do estudo,
informando não ter a intenção da abrangência de todo o escopo de bitcoins
utilizados em atividades ilícitas, mas sim cobrir a maior parte das entidades
conhecidas por esta natureza, como mercados na darknet (v.g. o Silk Road),
ransomwares e atividades fraudulentas.
Posteriormente, em Setembro de 2020, a empresa especializada em
criptomoedas Chainalysis, uma das maiores entidades em estudos sobre o tema,
publicou45 um relatório nomeado The 2020 Geography of Cryptocurrency Report:
Analysis of Geographic Trends in Cryptocurrency, Adoption, Usage and Regulation,
o

43
Grande parte da produção de conhecimento a respeito dos criptoativos é oriunda de entidades
privadas, e em razão disso, analisamos dois relatórios técnicos de empresas especializadas no tema
de prevenção à lavagem de dinheiro com o uso de criptomoedas. É o caso dos relatórios da Eliptic e
da Chainalysis.
44
FANUSIE, Yaya J.; ROBINSON, Tom. Bitcoin Laundering: an analysis of illicit flows into digital
currency services. Londres: Elliptic, 2018. Disponível em: https://www.elliptic.co/. Acesso em: 11
nov. 2022.
45
CHAINALYSIS. The 2020 Geography of Cryptocurrency Report: analysis of geographic trends
in criptocurrency. adoption, usage and regulation. Nova York: Chainalysis, 2020.
35

qual analisou o fluxo de movimentação de criptomoedas ao redor de todo o


mundo e criou um índice para ranquear os países do mundo que mais
movimentaram o ativo.
O relatório da Chainalysis também separou a análise por região e fez um
estudo da região que conhecemos como América Latina, incluindo toda a América
do Sul, e países como México e demais países da América Central. Essa região foi
responsável, segundo a pesquisa, por 7% do fluxo de valores enviados e recebidos
de criptomoedas negociadas no mundo inteiro. Os dados utilizados são referentes
ao período de julho de 2019 até junho de 2020. A fração de 7% corresponde a 24
bilhões de dólares recebidos na América Latina e 25 bilhões de dólares enviados
pela região naquele período46.
Alguns dados interessantes foram trazidos ao estudo mostrando a origem dos
valores totais de criptoativos enviados para a região. De todo o fluxo, 84% dos
recursos enviados foram advindos de exchanges. Dos 16% restantes, há uma
parcela de 25% que corresponde a valores obtidos por mineração e 16% por
serviços ilícitos. Por sua vez, os serviços ilícitos subdividem-se em 71% dos valores
advindos de fraude/golpes, 26% por bitcoins negociados na darknet e apenas 2%
foram objeto de furto.123 Em suma, observa-se todos os valores enviados para a
região em análise, a porcentagem que corresponde a valores ilícitos que entraram
na América Latina é de 2,56%. O valor não é desprezível, mas é pouco expressivo
se comparados aos demais 97,44% que são, a princípio, advindos de
movimentações lícitas.
Observa-se então, por esses números, que as exchanges são responsáveis
pela maior fatia do fluxo de criptomoedas para o bloco.
No contexto da lavagem de dinheiro, pode-se recordar que valores
patrimoniais podem ser inseridos no sistema de blockchain pela obtenção de
bitcoins utilizando dinheiro proveniente de crime anterior, caracterizando a fase de
colocação. Diversas são as maneiras de se fazer isto: por meio de exchanges, por
caixas automáticos, com valores e em espécie, pela obtenção de bitcoins pela
compra de um produto ou serviço, entre outros.
Da análise desta parte do estudo promovido pela Chainalysis, afere-se a
importância que as exchanges possuem, quando o foco é a compras de criptoativos

46
CHAINALYSIS. The 2020 Geography of Cryptocurrency Report: analysis of geographic trends
in criptocurrency. adoption, usage and regulation. Nova York: Chainalysis, 2020, p. 66.
36

pelos seus clientes, uma vez que a fase de colocação na lavagem de dinheiro é o
momento em que ainda não há grande distância entre a origem dos valores ilícitos e
sua fonte e, deste modo, políticas internas de compliance dentro das exchanges
podem evitar o delito de lavagem, tornando-se imprescindível as precauções no
âmbito interno dessas entidades privadas, tanto no Brasil quanto no exterior.
É por esta razão que os principais esforços regulatórios no tocante às
criptomoedas e a prevenção da lavagem são direcionados às exchanges,
determinando medidas de identificação dos usuários.
Impende ressaltar, também, a existência de exchanges não tradicionais, no
sentido em que diferentemente das exchanges comuns, as DEX (decentralized
exchanges) operam sem intermediar negociações. Enquanto numa exchange
comum a transferência é feita numa wallet administrada pela corretora, nas DEX
essa negociação é feita num ambiente de negociação direta entre as duas partes,
podendo ser considerada uma negociação peer-to-peer47.
Esse tipo de empreendimento também é alcançado pela regulação feita pela
Receita Federal na Instrução Normativa nº 1888/2019, no parágrafo único do artigo
5º, ao incluir o conceito de intermediação por exchange: “a disponibilização de
ambientes para a realização das operações de compra e venda de criptoativo
realizadas entre os próprios usuários de seus serviços” 48.
Corroborando o entendimento de que a maior parte das negociações ocorrem
por intermédio de uma exchange, o estudo da Eliptic aponta que, nos quatro anos
analisados, nos serviços de conversão de valores ilícitos para economia tradicional,
as exchanges especializadas em bitcoin representaram 45,43% da amostra, 25,79%
representam sites de aposta e 23,4% representam mixing-services, sendo que
ATM's foram utilizados em apenas 0,01% das conversões dos valores lavados. Além
disso, se considerada a movimentação de bitcoins lícitos e ilícitos, as exchanges
foram responsáveis por 75% dos valores convertidos para a economia tradicional.
Deste modo, afere-se que as exchanges possuem papel importante não
apenas na primeira fase da lavagem de dinheiro, mas também na terceira fase,
quando ocorre a conversão dos valores eventualmente ilícitos em moeda nacional
corrente, podendo enfim os lavadores utilizarem esses recursos agora limpos.
47
BUENO, Thiago Augusto. Bitcoin e crimes de lavagem de dinheiro. Campo Grande: Contemplar,
2020, p.123.
48
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa nº 1.888, de 03 de maio de 2019. Institui e
disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com
criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Acesso em 11 de nov. de 2022.
37

2.2.2 Os mixing-services

A pesquisa realizada pela Eliptic aponta para os mixing-services como outra


fonte de conversão de valores para a economia formal, cuja ação poderia ser mais
uma forma de efetivação da terceira fase do delito em estudo, uma vez que esta
tecnologia associada ao bitcoin tem um potencial muito importante quando falamos
em lavagem de dinheiro.
Outros autores também apontam que, além das próprias barreiras impostas
pelas tecnologias do bitcoin foram criados os mixing-services, que buscam garantir
sigilo da identidade daqueles que movimentam valores.
Os serviços de mistura são softwares que desvinculam recursos das wallets
utilizadas, aumentando o risco do uso do criptoativo para lavar dinheiro, razão pela
qual são ferramentas de grande valor para aquele que deseja esconder o caminho
dos valores durante as transações efetuadas49.
Aqui, trata-se não apenas da tecnologia do bitcoin na sua forma pura criada
por Satoshi Nakamoto em 2008, mas de outro instrumento, o qual cria mais uma
barreira na determinação do proprietário de valores em criptoativos. Esse
instrumento nada mais é que um serviço oferecido para indivíduos que querem
transacionar com bitcoin com uma camada extra de privacidade.
O serviço de mixing pode ser útil para o cometimento do crime de lavagem de
dinheiro, especialmente na segunda etapa do delito. De forma geral, no uso de
bitcoins a fase de dissimulação pode ocorrer de forma simples ou complexa, sendo
que na primeira, o usuário pode gerar infinitas chaves públicas, alterando o
endereço dos bitcoins, sem a perda do controle sobre eles e, por sua vez, na forma
complexa, é possível utilização dos mixing-services, sendo que estes serviços de
mistura são capazes de embaçar o rastro dos bitcoins na blockchain, quebrando a
transparência que o próprio sistema garante.
Alguns tipos de serviços de mixing especializados possuem o objetivo de criar
uma camada extra de dissimulação entre as duas partes que transacionam,
operando do seguinte modo: cada usuário envia uma quantidade de bitcoin ao

49
BUENO, Thiago Augusto. Bitcoin e crimes de lavagem de dinheiro. Campo Grande: Contemplar,
2020, p.122.
38

mixer, juntamente com um endereço no qual pretende receber o mesmo valor,


descontada a taxa do serviço de mistura. As quantias de vários usuários são
misturadas e, o valor que cabe a cada usuário é designado ao endereço indicado,
mostrando-se possível realizar o envio por pequenas frações e fazer operações
sucessivas, razão pela qual, segundo pesquisas 50 indicam, esse serviço tem o
condão de impossibilitar o rastreamento dos criptoativos. Este serviço é
especialmente interessante, pois a própria divisão de valores em pequenas frações
encaixa-se perfeitamente ao smurfing que ocorre na segunda fase da lavagem de
dinheiro.
Sobre essa técnica, Marcelo Batlouni Mendroni explica que no smurfing, o
indivíduo divide um montante em pequenas quantias de dinheiro, dentro do limite
que a lei permite movimentar e, ato contínuo, o autor do crime faz vários depósitos
para reunir o valor inicial51.
Com o uso dos mixing-services é perfeitamente possível dividir um valor
grande de dinheiro em pequenas quantias, fazendo com que uma só transação seja
pulverizada em várias, dificultando o rastreamento e, somando ainda com a própria
característica da tecnologia de mixing, que impõe ainda mais uma barreira para
encontrar o remetente e o destinatário desses recursos.
É necessária especial atenção para o contexto em que o serviço de mixing é
utilizado para a lavagem de dinheiro, pois, diferentemente do que acontece nas
operações intermediadas por exchanges, em que é mais fácil encontrar os
criminosos, quando há uso de mixing-services, o rastreamento é muito mais custoso.
Nesse sentido, a Elliptic afirmou que certos tipos de serviços 52 são mais
propensos ao recebimento de bitcoins de fontes ilícitas, entre eles principalmente os
mixing-services assim como os sites de apostas online. Os mixing-services teriam
sido utilizados em 20% dos casos de transação direta de conversão de origens
ilícitas e, não obstante, 97% do volume de bitcoins lavados em mixing-services e em
sites de apostas foram lavados utilizando apenas três serviços 53. Três serviços já
50
ESTELLITA, Heloisa. Criptomoedas e lavagem de dinheiro. Resenha de: GRZYWOTZ, Johanna.
Virtuelle Kryptowährungen und Geldwäsche. Berlin: Duncker & Humblot, 2019. Revista Direito GV, v.
16, n. 1, jan./abr. 2020, e1955, p. 5.
51
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p.
207.
52
Todos esses números também fazem referência à amostra referente ao período de quatro anos do
estudo realizado pela entidade.
53
FANUSIE, Yaya J.; ROBINSON, Tom. Bitcoin Laundering: an analysis of illicit flows into digital
currency services. Londres: Elliptic, 2018. Disponível em: https://www.elliptic.co/. Acesso em: 11
nov. 2022.
39

são suficientes para caracterizar a dissimulação, que ocorre na segunda fase da


lavagem de dinheiro.
Propriamente, os mixing-services não possuem nada de ilícito. É a sua
utilização com o dolo de ocultar origens ilícitas é que deve ser punido.
Em suma, o crime de lavagem de dinheiro pode sim ser feito mediante o uso
de tecnologias bitcoin. Entretanto, é necessário um olhar mais detalhado sobre qual
tipo de tecnologia está de fato sendo utilizada, pois o bitcoin é operado de diversas
formas, usando-se exchanges, por meio de ATMs, diretamente pela blockchain
(peer-to-peer), associando-se a tecnologias de mixing-service, por meio de websites
especializados que operam sem a obtenção de dados dos usuários, entre diversas
outras formas que surgem a cada dia. Somente pelos detalhes de cada meio
empregado podemos saber se aquele tipo de transação é mais ou menos propício a
criar um ambiente seguro ao branqueamento de ativos.
40

3 DA (AUSÊNCIA DE) REGULAMENTAÇÃO E DAS MEDIDAS


ASSECURATÓRIAS

3.1 BREVES CONSIDERAÇÕES

Primeiramente, para facilitar a compreensão, vamos entender a etimologia da


palavra regulação, a qual é o ato ou efeito de regular. Portanto, regular algo
conforme as leis, a praxe, a natureza.
No sentido jurídico, a regulação econômico-social consiste na atividade
estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de
modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a
realização dos direitos fundamentais.
Portanto, o ato de regular é a intervenção indireta do Estado nas ações dos
entes públicos e privados em seus ramos de atividades, sendo que esta regulação
será permanente e sistemática.
A regulação é uma atividade exclusiva do Estado, concernente a todas as
esferas federativas, a qual possui como característica natureza normativa,
objetivando atuar como uma forma repressiva e promocional, a fim de mudar e guiar
as práticas de condutas dos sujeitos públicos e privados.
A partir deste entendimento, a regulação é uma forma de ordenamento de
conduta para os sujeitos envolvidos em uma determinada situação, sendo um norte
para as suas tomadas de decisões particulares, sendo que estas não podem ser
nem aquém e nem além do que determina a lei. Se levarmos estes conceitos para a
esfera econômica, o Estado não atua como sujeito de atividade empresarial, mas
intervém de modo significativo e enfático, com o objetivo de o mercado não se
autorregular e criar modelos de negócios que podem ser catastróficos para a
economia. O Estado terá sua atuação como observador e interventor quando for
preciso, a fim de proteger sua economia e o seus cidadãos de práticas indevidas dos
agentes financeiros.
Em nosso ordenamento jurídico, a competência regulatória compete aos
diversos entes da federação, e os critérios de regulação estão descritos
constitucionalmente.
41

A produção da regulação compete ao regulador praticar atividades vinculadas


e adotar tendências de escolha discricionária. Mas é valido salientar que o Estado
não deve realizar uma regulação fora da realidade e do conhecimento técnico do
assunto a ser regulado, deve-se basear a regulação em critérios objetivos.
A regulação é um planejamento estatal, ou seja, o Estado deve observar o
contexto atual, os possíveis problemas e os desdobramentos futuros do que se
pretende regular, sendo, portanto, o planejamento um ato vinculante do Estado,
conforme previsto em nossa Constituição Federal de 1988.
É válido salientar que tanto o planejamento quanto a regulação estatal, estão
subordinados a um dever de observar o princípio da prevenção ou precaução, que
tem o objetivo de exigir que a atuação estatal e privada seja dotada de todo o
cuidado possível. Contudo, este princípio é norteado pela proporcionalidade, visto
que é difícil mapear todas as alternativas possíveis, posta a impossibilidade de
eliminar de forma absoluta a possibilidade de dano.
Um outro aspecto relevante que é necessário comentar diz respeito ao
requisito de Análise de Impacto Regulatório. Esta análise objetiva avaliar os custos,
benefícios e os efeitos da regulação pretendida, bem como coletar a maior
quantidade de informações para embasar a decisão tomada pelo agente regulador.
Havendo a ausência dessa análise, demonstra que o agente regulador faltou em
refletir e ponderar sobre os atos necessários. Dessa forma, sua decisão não foi
tomada com consciência, e sim teve um formato subjetivo, sem fundamento técnico-
científico, podendo acarretar em um defeito insanável, tornando a regulação, a
norma ineficaz, prejudicial à sociedade, pois não houve uma avaliação minuciosa
dos possíveis impactos da regulação.
Portanto, o Estado precisa intervir indiretamente nas atividades dos sujeitos
que manejam com as criptomoedas, a fim de proteger usuários, intermediários e a
própria rede.
No Brasil, o legislador não acompanha o mesmo ritmo que a inovação exige,
e, com essa inércia, permite que haja uma lacuna dentro do ordenamento jurídico,
acarretando insegurança jurídica e ensejando, assim, a inúmeras interpretações.
A esse respeito, disserta Maria Eugênia Finkelstein 54:

54
FINKELSTEIN, Maria Eugênia. Manual de Direito Empresarial, 8ª ed. rev., ampl. e ref. São Paulo:
Atlas, 2016. p. 55.
42

Ocorre, no entanto, que a Internet e o comércio eletrônico ainda não


apresentam regulação satisfatória, de forma que não se tem certeza da
forma
de solução de conflitos, caso estes se apresentam. Assim sendo, estamos
diante de uma criação tecnológica que permite o desenvolvimento de
sistemas ainda mais sofisticados, havendo a necessidade imediata de os
juristas, juízes e legisladores orientarem-se pelos pareceres e laudos de
especialistas em informática, quando a elaboração de leis ou do julgamento
de lides.

Um fator relevante à regulamentação do Bitcoin, em âmbito do Direito


Nacional, seria a questão das leis serem baseadas na territorialidade, o que difere
por completo dos aspectos de transnacionalidade do bitcoin e do próprio comércio
eletrônico, pois é necessário ter uma lei que proteja o usuário brasileiro em qualquer
transação com bitcoin nacional ou internacional. Este é, portanto, um dos desafios
da regulamentação do bitcoin.
Deste modo, passa-se à análise das ações que estão sendo encaminhadas
por autoridades estatais brasileiras, devido à ausência de regulação em nosso país.

3.2 PROJETO DE LEI Nº 4.401/2021 (ANTIGO PROJETO DE LEI Nº 2.303/2015)


E PROJETO DE LEI Nº 2.060/2019

O Projeto de Lei nº 4.401/2021 (substitutivo do Projeto de Lei nº 2.303/2015 -


Banco Central Regular Moedas Digitais), está tramitando na Câmara dos
Deputados, cuja fase atual encontra-se pronta para discussão no Pleno 55 da Câmara
dos Deputados.
A base do atual Projeto de Lei nº 4.401/2021 é o Projeto de Lei nº 2.303/2015,
o qual dispõe acerca sobre a prestadora de serviços de ativos virtuais; e altera o
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs
7.492, de 16 de junho de 1986, e 9.613, de 3 de março de 1998, para incluir a
prestadora de serviços de ativos virtuais no rol de instituições sujeitas às suas
disposições.
Em sua justificação:

55
BRASIL. Projeto de Lei 4.401, de 27 de abril de 2021. Dispõe sobre a prestadora de serviços de
ativos virtuais; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis
nºs 7.492, de 16 de junho de 1986, e 9.613, de 3 de março de 1998, para incluir a prestadora de
serviços de ativos virtuais no rol de instituições sujeitas às suas disposições. Disponível em:
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1555470. Acesso em 11
de nov. de 2022.
43

“As chamadas “moedas virtuais” ganham cada vez mais destaque nas
operações financeiras atuais.
Apesar de não haver ainda uma regulamentação nem nacional e nem
internacional sobre a matéria, há uma preocupação crescente com os
efeitos das transações realizadas por meios destes instrumentos.
O assunto mereceu um relatório especial do Banco Central Europeu (BCE)
em outubro de 2012, que foi atualizado em fevereiro de 2015. Apesar de
concluir pela desnecessidade da introdução imediata de uma regulação
mais ativa sobre as moedas virtuais, tal relatório aponta um conjunto de
riscos que devem ser devidamente monitorados. Colocaremos a seguir um
quadro com cada uma das principais conclusões do relatório e um
comentário.
(...)

Em certa medida acreditamos que tanto o Banco Central como o Conselho


de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e os órgãos do consumidor já
tem competência para fiscalizar e regular moedas virtuais. No entanto,
entendemos que as legislações que conferem tais atribuições podem
ser mais transparentes em relação a tais atribuições, o que evita
desnecessários questionamentos judiciais.
Sendo assim, endereçamos no projeto de lei proposto três questões
relacionadas às moedas virtuais, uma em cada artigo: i) regulação
prudencial pelo Banco Central, ii) lavagem de dinheiro e outras atividades
ilegais e iii) defesa do consumidor. Deixamos claro no art. 1º que os
“arranjos de pagamento” citados no inciso I do art. 9º da Lei 12.865, de 09
de outubro de 2013 inclui “aqueles baseados em moedas virtuais e
programas de
milhagens aéreas”. Ademais, deixamos claro no art. 2º que as operações
que envolvem moedas virtuais estão incluídas na fiscalização do COAF: Por
fim,
não deixamos margem a dúvida de que a legislação de defesa do
consumidor
se aplica ao mundo das moedas virtuais no art. 3º.
(...)”

Por sua vez, o Projeto de Lei nº 2.060/2019 foi apresentado no mês de abril
de 2019, do Deputado Áureo Ribeiro, do Rio de Janeiro, com o objetivo de dispor
sobre o regime jurídico dos criptoativos. Também, tal qual o PL nº 4.401/2021,
encontra-se pendente de apreciação pelo Pleno da Câmara dos Deputados.
Neste projeto de lei, há a descrição no artigo 1º, de quais são os tipos de
criptoativos: a) os criptoativos que são usados como meio de pagamento; b) os que
são reserva de valor; c) os que são utilidade e valor mobiliário. Neste projeto não
está somente em estudo quais são os tipos de criptoativos, mas também o
entendimento de aumento de pena para aqueles que cometem crime de “pirâmide
financeira”, e para os crimes que dizem respeito ao uso fraudulento de criptoativos.
A justificativa para a criação deste projeto é a de se permitir a confluência dos
interesses dos cidadãos em utilizar a tecnologia blockchain, em face de haver uma
regulamentação que ampare essa utilização e permita uma maior evolução no
44

cenário econômico, permitindo a aceitação pelo Sistema Financeiro Nacional das


criptomoedas.
A regulamentação entende que não deve ser limitadas a ponto de paralisar o
potencial econômico e tecnológico advindo do âmbito dos criptoativos, bem como
não se pode pensar em um formato de regulação que se aproxime muito das que
são utilizadas para regular o sistema financeiro tradicional em nosso país, dado o
caráter inovador e econômico que tal tecnologia propicia.

3.3 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 1.888/2019, DA SECRETARIA ESPECIAL


DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL

Na mencionada Instrução Normativa56, a Secretaria Especial da Receita


Federal do Brasil instrui a obrigatoriedade de declarar no Imposto de Renda quem
movimentou mais de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) ao mês em moedas digitais,
devendo, portanto, recolher a porcentagem de 15%, a título de tributação.
Deste modo, ainda que as criptomoedas não sejam consideradas como
moeda para a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e, ao mesmo tempo,
não há uma regulamentação específica, a aludida Secretaria entende pela
equiparação das criptomoedas a ativos financeiros e, com isso, a obrigação
instrumental de declarar pelo valor de aquisição, no Imposto de Renda.
Também, nesta Instrução Normativa, o órgão inclui a obrigatoriedade de envio
de informações mensais pelas exchanges e pelas pessoas físicas a partir de agosto
de 2019, instruções para procedimentos das exchanges para com os usuários. Outra
novidade é a inclusão de penalidades em caso de descumprimento das ações que
devem tomar as pessoas físicas e jurídicas, apresentadas na Instrução Normativa.

3.4 COMUNICADOS DO BANCO CENTRAL

Em 2014, o Banco Central emitiu o Comunicado 25.306, datado de 19 de


fevereiro, o qual avisava sobre os riscos da aquisição de “moedas virtuais” e das
transações feitas com elas, bem como informava a diferença entre moeda eletrônica

56
BRASIL. Receita Federal. Instrução Normativa nº 1.888, de 03 de maio de 2019. Institui e
disciplina a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com
criptoativos à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil (RFB). Acesso em 11 de nov. de 2022.
45

(são as moedas nacionais, que são transacionadas e armazenadas em dispositivos


ou sistemas móveis) e moeda virtual (moedas que não são emitidas por nenhum
Estado Nacional), e que não havia nenhuma autoridade governamental responsável
por sua gestão, regulação e comercialização.
Já no ano de 2017, o Banco Central do Brasil novamente emitiu um
Comunicado (nº 31.379), datado de 16 de novembro, alertando a respeito dos riscos
provenientes de operação de guarda e negociação das moedas virtuais.
Dessa forma, o Banco Central do Brasil, instituição que emite moedas e que
demanda diretrizes sobre o Sistema Financeiro Nacional, emitiu suas considerações
a respeito das criptomoedas, informando à sociedade os potenciais riscos de
aquisição e utilização.

3.5 NOTA DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é uma autarquia federal que regula


o mercado financeiro. No mercado de ações existe o chamado IPO, do termo em
inglês (Initial Public Offering), que diz respeito à oferta pública de ações a ser
negociada em bolsa de valores. Usando a analogia do mercado tradicional de ações,
quando há uma oferta pública de criptomoedas, normalmente para arrecadar fundos
para o desenvolvimento do projeto, chama-se ICO, do inglês, (Initial Coin Offering),
oferta pública de criptomoedas. Em contrapartida, á a emissão dos chamados
tokens ou coins. A respeito desse assunto, ICO, a autarquia emitiu uma nota no dia
11 de outubro de 2017, alertando sobre suas preocupações.
No mês seguinte do mesmo ano, em 16 de novembro de 2017, a CVM emite
novamente uma nota a respeito do ICO. Já nesta nota, ela detalha o que seria um
ICO, suas modalidades e informa sobre outros aspectos relacionados ao ICO.
No dia 07 de março de 2018, novamente a autarquia emite uma nota, cujo
tema é novamente o ICO, mas neste comunicado, em específico, ela não ratifica e
nem faz recomendações sobre esta prática. Também informa ao investidor as
atenções que este deve ter em relação aos riscos de fazer investimentos em ICO.
A partir deste comunicado, a CVM emite ao investidor as precauções o qual
deve adotar e que tal atividade de ICO não é regulada no país. Portanto, para a
autarquia, elas são práticas irregulares.
46

Assim, podemos perceber que instituições importantes do Estado brasileiro


emitiram suas considerações e diretrizes para as criptomoedas, mas é válido
ressaltar que, como não há uma regulação a respeito do assunto, principalmente no
que concerne ao âmbito da Receita Federal, haverá uma obrigação de declarar a
Receita a partir de agosto de 2019, mas a diretriz desse órgão é questionável,
devido ao não reconhecimento das criptomoedas pelo Estado brasileiro,
ocasionando, portanto, uma confusão de diretrizes emitidas pelas instituições.

3.6 DAS MEDIDAS ASSECURATÓRIAS E SUA APLICABILIDADE

O capítulo II da lei 9.613 trata das disposições processuais especiais, no qual


a partir do art. 4º ao 6º, disciplinam as medidas assecuratórias.
No entanto, o art. 17-A desta lei consigna a subsidiariedade do Código de
Processo Penal à lei especial, descrendo da seguinte forma: “Art. 17-A. Aplicam-se,
subsidiariamente, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941
(Código de Processo Penal), no que não forem incompatíveis com esta Lei.”
O decreto-lei 3.689 em seu capítulo VI dos artigos 125 ao 144-A
regulamentam as medidas assecuratórias, enquanto nos artigos 240 ao 250 tratam
da busca e da apreensão.
Neste contexto, considerando a hipótese de que o bitcoin fosse usado como
instrumento ou produto da prática da lavagem, seria possível ao Poder Judiciário
aplacar medidas constritivas sobre este, nas quais são regidas pela legislação
extravagante e pelo CPP acima descritos? Questiona-se ainda, seria possível a
constrição judicial sobre os bitcoins quando estes são o instrumento ou produto do
crime de lavagem. As medidas judiciais seriam efetivas e eficazes, no intuito de
assegurar a reparação civil e indenizatória dos prejuízos causados pela infração
penal ou mesmo para custear penas pecuniárias, multas ou despesas processuais?
Estas são algumas das perguntas que se faz à vista deste crime, por ser
considerado necessariamente crime de ordem econômica e financeira, uma vez que
o objeto material e jurídico deste crime pode ser o bem, direito ou valor proveniente
de qualquer crime antecedente. O objeto jurídico é complexo, envolvendo a ordem
econômica, o sistema financeiro, a ordem tributária, a paz pública e a administração
da justiça.
47

A outra questão a ser feita é a própria característica da moeda virtual pois,


como visto nos capítulos anteriores, o bitcoin é descentralizado de qualquer sistema
financeiro governamental ou controle monetário de Estado.
A priori, quando a requisição de sequestro de bens imóveis é evidente que
estes são passíveis de sequestro, pois são dependentes de registro imobiliário via
cartorária, bastando um despacho do juízo ou a expedição de um mandado de
sequestro dirigido ao cartório de sua circunscrição para que se efetue à averbação
no registro do imóvel especificado. Todavia, o bitcoin é um bem móvel e por conta
de sua natureza virtual não é passível de registro oficial de nenhum governo.
Sabendo disso, pergunta-se, é possível que as autoridades possam, como
alternativa, requerer ao juízo da causa que determine a busca e a apreensão dos
bens móveis (bitcoins), conforme previsão legal tanto da lei específica quanto do
CPP (Código de Processo Penal)?
O bitcoin pode ser mantido por diversas modalidades, dentre elas a
armazenagem em carteiras digitais nos computadores pessoais, carteiras digitais,
nos smartphones, carteiras digitais na nuvem (online), em microchips (pendrive),
custodiado nas carteiras digitais das exchanges, nas carteiras digitais dos sites de
mineração ou ainda podem ser impressos em papel.
No caso dos bitcoins estarem armazenados em papel impresso, em carteiras
digitais nos computadores pessoais, nas carteiras digitais de smartphones, em
microchips (pendrive), em carteiras digitais das exchanges (pessoa jurídica regular);
é possível que, em havendo determinação judicial as autoridades competentes
alcancem êxito nas apreensões.
Ressalta-se que, as corretoras exchanges mantém sob a sua custódia
bitcoins e basta a ordem judicial para que estas sejam obrigadas a bloqueá-los em
cumprimento judicial, semelhantemente aos bloqueios efetuados às instituições
financeiras tradicionais (bancos), com a diferença de que estes são cumpridos via
sistema SISBAJUD e aquelas via de ofício às exchanges ou mesmo por
cumprimento da polícia do mandado judicial por se tratar de procedimento criminal.
Importante mencionar que os bitcoins são extremamente voláteis no seu
valor, sendo imperioso ao juízo que determine a conversão em moeda corrente no
momento da ordem de bloqueio, garantindo e preservando contra a sua depreciação
com o posterior depósito em conta judicial vinculada ao processo criminal,
garantindo-se a atualização monetária.
48

É evidente que os atuais sistemas a disposição do Poder Judiciário, como por


exemplo, o RENAJUD, SISBAJUD e INFOJUD não são capazes de
constrição do bitcoin, pois estes atinem-se apenas as questões específicas para o
qual foram criados.
Não obstante, o juiz tem o poder de determinar que sejam efetuados
bloqueios de bens móveis e imóveis, e neste caso, o bitcoin como bem móvel terá
seus obstáculos à efetivação do sequestro ou de apreensões.
Se os bitcoins estiverem armazenados em carteiras digitais de sites (com
hospedagem sem certificação digital) ou sem qualquer identificação de pessoa física
ou jurídica regular, em carteiras digitais na nuvem de quaisquer sites ou, ainda, sites
internacionais, em carteiras digitais de exchanges (mesmo que em sites de
hospedagem no brasil mas sem qualquer identificação), em todos estes casos, é
possível que as autoridades não obtenham êxito nas apreensões em cumprimento
de determinação judicial.
Não estando os bitcoins armazenados em sites, mas apenas em dispositivos
em posse de quaisquer pessoas, as autoridades terão maiores possibilidades de
apreensões, considerando que numa missão para efetuar a busca e apreensão, a
depender do cuidado e sigilo aplicado à operação, ao agir das autoridades nas
residências e locais em que se encontram os bens (bitcoins), será possível o
cumprimento destas.
Por outro lado, como vimos no tópico anterior, as exchanges, de acordo com
as suas atividades serão responsabilizadas administrativamente como pessoas
sujeitas ao mecanismo de controle, dessa forma, poderá o Estado buscar medidas
preventivas com a finalidade de disciplinar, aplicar penas administrativas, receber,
examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas previstas nesta
Lei, sem prejuízo das competências de outros órgãos e entidades.
Foi com semelhante intuito que o BACEN e a CVM emitiram comunicados
informando sobre os ricos em se operar com os bitcoins, não por ser ilícito o seu
uso, mas por causa de uma variedade de outras circunstâncias, inclusive, o risco em
se investir em bitcoins em sites não oficiais, pois estes podem desaparecer com os
investimentos “da noite para o dia”.
Num outro aspecto, vale ressaltar que o bitcoin pode ser proveniente do crime
de duas formas: na primeira, o bitcoin pode ser utilizado como meio de ocultação ou
dissimulação, para a lavagem e, no segundo, o bitcoin pode ser o próprio proveito do
49

crime antecedente. Seja qual for a modalidade dos aspectos mencionados,


nas duas ocasiões será possível a determinação judicial para cumprimento das
medidas assecuratórias, a fim de se ter a efetiva constrição do bem:

(...) a propósito, que a lei prevê a possibilidade de aplicação das medidas


assecuratórias em relação a bens, direitos e valores que sejam instrumento,
produto ou proveito dos crimes previstos nesta Lei ou das infrações penais
antecedentes, de tal forma que tanto objetos dos crimes quanto seus
proveitos estejam abrangidos pelas medidas assecuratórias. 57

Noutro entendimento, os termos: instrumento, produto ou proveito dos crimes,


são termos genéricos, nos quais remetem a quaisquer bens, por consequência o
bitcoin será alcançado pelo confisco judicial.
Com a finalidade de demonstrar que o Poder Judiciário pode ser efetivo na
determinação de medidas assecuratórias via do sequestro de bitcoins, cumprido
pelas autoridades judiciárias, apresenta-se o seguinte decisum do STJ autos do
Habeas Corpus nº 515.782/RS (2019/0170803-9) 58:
Ementa
Habeas Corpus contra o indeferimento de liminar em writ impetrado em
Tribunal Estadual. Súmula 691/STF. Prisão Preventiva. Operação Egypto.
Superveniência do julgamento do mérito do prévio writ. Concessão parcial
da ordem pelo Tribunal de origem. Deferimento de prisão domiciliar,
mediante fiança e outras cautelares. Novo título judicial. Observância dos
limites da impetração. Ulterior apresentação do relatório final pela
autoridade policial, com indiciamento da paciente. Relevante alteração do
cenário fático-processual. Perda do objeto. Habeas corpus prejudicado.
Decisão
(...) Tal fenômeno se deu pelo fato de que com a apreensão de todos os
bens, todos os recursos financeiros e todos os ativos criptográficos de
titularidade da empresa INDEAL e dos seus respectivos sócios (foram
sequestrados pelo Juízo Federal 3.992 bitcoins, equivalentes a R$
140.000.000,00 - cento e quarenta milhões de reais – que estavam
alocados na BLOCKCHEIN POLONIEX sediada nos Estados Unidos da
América) obstaculizou-se toda e qualquer possibilidade de manutenção do
exercício da atividade empresarial - o que afastou o risco à ordem pública e
à ordem econômica. A par da discussão acerca da legalidade de a
jurisdição federal brasileira ingressar no domínio de empresa americana
(POLONIEX) e proceder na troca de senhas de uma wallet detentora de
3.992 bitcoins, fato é que o bloqueio de todos os ativos criptográficos da
empresa INDEAL - perpetrado no bojo da Representação Criminal sigilosa
número 5031487-27.2019.404.7100/RS, elidiu o fundamento de risco de
fuga dos investigados para fora do país por manterem vultuosa carteira de
ativos virtuais no exterior - pois tais ativos tornaram-se inacessíveis pelos
investigados, pois todo este valor hoje está em posse da Superintendência
da Polícia Federal no Rio Grande do Sul.
57
MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de lavagem de dinheiro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p.
161.
58
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas Corpus nº 515782 / RS (2019/0170803-9).
Relator Ministro Sebastião Reis Junior. Brasília, 1º de agosto de 2019. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?
tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=201901708039&totalRegistrosPorPagina=40&apli
cacao=processos.ea. Acesso em: 12 de nov. de 2022.
50

Difere-se às determinações da esfera criminal (sequestro, hipoteca legal e


arresto) da esfera cível (arresto e a penhora), no entanto, assemelham-se no tocante
à constrição de bens.
Em uma, a constrição advém das precedentes infrações penais; em outra,
trata-se de intervenção judicial no patrimônio do devedor decorrente doutras
relações jurídicas, seja de ordem consumerista, em cobrança ou execução de
dívidas e ainda de ilícitos cíveis.
Nesta esteira, as determinações na área cível e penal de confisco, também se
utilizam do mesmo procedimento à concretização de bloqueio de bens, com poucas
diferenças. Abaixo, colacionam-se alguns julgados oriundos do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo:

Execução de título extrajudicial. Decisão agravada que indeferiu nova


realização de bloqueio via BacenJud e pesquisas via InfoJud e RenaJud.
Insurgência da Exequente. Cabimento. Providências que devem ser
realizadas pelo Juízo, justificado o pedido de reiteração, até mesmo em
razão do lapso de tempo decorrido das pesquisas anteriores, que restaram
infrutíferas, ante a possibilidade de alteração da situação financeira da
Executada. Pesquisa junto ao CRC_Jud também possível, no entanto,
apenas para obter os dados atualizados do registro civil da Executada.
Impossibilidade de pesquisa de moedas virtuais, ante a ausência de
qualquer indício de sua existência e de sua regulamentação.
Precedente jurisprudencial. Recurso parcialmente provido. 59

TUTELA DE URGÊNCIA – Rescisão de contrato e devolução de valores –


Contrato de Intermediação de investimento em bitcoin – Pretensão da
autora de bloqueio de ativos financeiros dos réus para garantia do
ressarcimento pretendido na lide – Perigo de dano iminente não
demonstrado – Indeferimento – Decisão que se mostra acertada – Recurso
não provido.60

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Penhora de


moeda virtual (bitcoin). Indeferimento. Pedido genérico. Ausência de
indícios de que os executados sejam titulares de bens dessa natureza.
Decisão mantida. Recurso desprovido.61

59
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 37ª Câmara de Direito Privado. Agravo
de Instrumento nº 2088088-53.2018.8.26.0000. Relator Des. João Pazine Neto. São Paulo, 25 maio
2018. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=10988627&cdForo=0.
Acesso em: 11 de nov de 2022.
60
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 33ª Câmara de Direito Privado. Agravo
de Instrumento nº 2170059-60.2018.8.26.0000. Relator Des. Sá Duarte. São Paulo. 08 out. 2010.
Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=10988627&cdForo=0. Acesso
em: 11 de nov de 2022.
61
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 3633ª Câmara de Direito Privado.
Agravo de Instrumento nº 2202157-35.2017.8.26.0000. Relator Des. Milton Carvalho. São Paulo. 21
nov. 2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=10988627&cdForo=0.
Acesso em: 11 de nov de 2022.
51

Afere-se, portanto, que é possível o bloqueio judicial de bitcoins, assim como


a aplicabilidade de outras medidas assecuratórias, tal como o arresto, posto que os
Tribunais já equiparam, por analogia, o uso de bitcoins ao de moeda corrente
nacional e, portanto, passível de submissão à mesma legislação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As considerações ora apresentadas corroboram a hipótese trazida aos autos,


quanto à aplicabilidade das medidas assecuratórias na execução penal de bens
convertidos em criptoativos durante a fase de ocultação do processo de lavagem de
dinheiro, centrando-se no bitcoin e no Sistema Blockchain como delimitadores de
estudo.
Deste modo, ainda que a efetividade da conduta dependa de outros fatores,
como a profissionalização dos lavadores, bem como outras tecnologias associadas
às transações financeiras, e a presença ou não de intermediários, como as
exchanges.
Foi possível conhecer uma breve noção do funcionamento do bitcoin no
Capítulo 1 deste estudo. As inovações trazidas pela tecnologia blockchain são
revolucionárias e inspiraram a criação de diversas outras criptomoedas ao redor do
mundo. Caracterizado pela pseudonimidade (ou pseudoanonimidade) e pela
criptografia de chave pública, o bitcoin tem propriedades próprias que não
necessariamente se replicam nos demais criptoativos.
Algumas operações e noções do crime de lavagem de dinheiro, expostas no
Capítulo 2 também são fundamentais para entender a possibilidade do uso do
criptoativo neste tipo de delito. Em especial, entender em que momento ocorre cada
fase da lavagem nos permite visualizar as situações em que há tipificação do
referido crime. A consumação do crime estudado pode ocorrer desde a primeira fase
e é por esta razão que o uso das exchanges pode ser, desde já, uma conduta
tipificada, desde que presentes os demais requisitos penais.
A necessidade da existência do dolo, e a possibilidade da autolavagem
também são essenciais para aferir que aqueles que cometem crimes virtuais podem
52

ser sujeitos ativos da lavagem de dinheiro, quando tentam ocultar o objeto da


conduta ilícita antecedente, seja pelo tráfico de drogas, seja por outros fatos típicos.
Esse tipo de conduta, além das ações intermediadas pelas mais diversas formas de
obtenção de bitcoins, com o fim de limpar recursos maculados, podem perfeitamente
encaixar-se nas condutas descritas pela lei brasileira de lavagem de dinheiro.
Entretanto verificamos no capítulo III a existência de relatórios técnicos,
nacionais e internacionais, feitos por entes públicos e privados, que demonstram que
a quantidade de bitcoins em circulação que são de fato utilizados no cometimento de
delitos não é tão representativa se considerarmos todo o volume negociado, se
incluirmos os valores movimentados dentro da legalidade.
Assim, as autoridades do sistema criminal devem concentrar seus esforços
na identificação das movimentações ilícitas, que buscam ocultar recursos oriundos
de infração penal. Portanto, não é o meio (bitcoin) que deve ser criminalizado. A
regulação inicialmente feita pela Secretaria da Receita Federal do Brasil já são um
bom início no tocante ao controle das transações feitas pelas exchanges,
especialmente se considerarmos que temos evidências de que a maior quantia de
criptomoedas negociadas é movimentada por esse meio.
Desta feita, as responsabilizações criminais também serão alcançadas pela
jurisdição, o que pode ser verificado no Capítulo 3 pela análise específica dos crimes
especiais, quais sejam, os crimes contra a ordem tributária, contra o sistema
financeiro e a lavagem de dinheiro. Tratando-se do crime de ordem tributária, é
possível a tipificação nos artigos 1º, 2º e 3º da lei 8.137/90.
Nestes crimes a competência para a persecução penal e a condução das
investigações, seguirão de acordo com a esfera de competência tributária.
Quanto aos crimes contra o sistema financeiro nacional tem-se que é possível o
enquadramento legal nos tipos penais dos artigos 2º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 12,
13, 16, e 23 da lei 7.492/86, os quais estão diretamente ligados ao objeto do crime, o
bitcoin, quando assim o for considerado um valor mobiliário.
Em especial, nos artigos 21 e 22 da mesma lei, constatou-se que não há o
tipo penal da evasão de divisas pelo uso do bitcoin, por não se tratar de operação de
câmbio não autorizada, nem tão pouco pela finalidade de promover a evasão de
divisas, considerando que o bitcoin não é moeda fiduciária estrangeira. Na lavagem
de dinheiro positivada na lei 9.613/98 é possível a tipificação dos delitos do artigo 1º
e seus parágrafos quando o bitcoin for usado como meio ou instrumento para o
53

crime, assim, entende-se que o uso desta criptomoeda para os fins ilícitos desta lei,
ou seja, a ocultação ou dissimulação de um bem, direito ou valor procedente de
crimes anteriores é plenamente possível, não importando se os criminosos terão ou
não êxito no ato.
Extrai-se também que, os usuários e operadores do bitcoin serão
considerados para os fins desta lei como pessoas sujeitas ao mecanismo de
controle, as quais serão passíveis de responsabilização administrativa, civil e penal,
nos termos da lei 9.613/98.
Importa ainda destacar que o bitcoin poderá sofrer as constrições judiciais em
decorrência das medidas assecuratórias, porém, com alguns entraves na execução
das medidas assecuratórias. As autoridades judiciais, na medida de sua
competência e capacidade técnica efetuarão as apreensões da moeda criptográfica,
com meios tecnológicos ou mesmo de forma mecânica pelo arrebatamento do
suporte físico no qual estão acautelados os bitcoins.
Esses crimes em específico foram tema desta análise justamente pela sua
proximidade com as características do bitcoin, a moeda criptográfica e em
decorrência do aprofundamento do estudo destas espécies criminais pode se aferir
que é plenamente aplicável a imputação penal a determinados casos em concreto,
em pese a ausência de regulamentação específica para criptoativos, não obstante
os Projetos de Lei pendentes de apreciação pela Câmara dos Deputados.
Enquanto não houver regulamentação específica para as moedas
criptográficas, aplica-se a regra geral, da mais específica para a mais geral; no
entanto, não se deixa de responsabilizar as evidentes ilicitudes com o uso do bitcoin,
apenas por não haver norma especial, pois o Estado não pode fugir à aplicação do
jus puniendi, nem tampouco aplicar o princípio da inafastabilidade da jurisdição,
considerando as possíveis infrações de ordem administrativa, civil ou penal.
Destarte, dos crimes analisados, o uso do bitcoin em uma circunstância ou
outra será passível de imputação criminal, levando-se a persecução penal à
competência de cada órgão jurisdicional, sendo certo que seus usuários devem se
atentar para estas possibilidades, ou seja, o cabimento da responsabilização
administrativa, civil e penal dos usuários do bitcoin, apesar da falta de regras
específicas quanto a moeda virtual.
Deste modo, o presente estudo mostrou que a possibilidade de aplicação de
medidas assecuratórias centra-se, necessariamente, em três pilares: i) a aprovação
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e atualização de legislação específica, a fim de que a conduta típica possa ser


objeto de penalização pelo Estado, per si e não por analogia a outras legislações; ii)
o uso ilimitado de acordos de cooperação jurídica internacional eficientes para o
rastreamento de transações internacionais, especificamente em países e regiões
conhecidas como “paraísos fiscais” e iii) a fiscalização c atualização sobre as
diferentes inovações tecnológicas que permitem a movimentação de recursos de
origem ilícita.
Ao lado do setor público não deve ser esquecida o papel desempenhado
pelas entidades privadas no controle das transações que intermedeiam, como as
políticas Know Your Customer e Due Diligence, no compliance das exchanges e
demais pessoas jurídicas de direito privado, que centralizam operações de
criptoativos, uma vez que são estas empresas que função central no combate à
criminalidade posta a popularidade do uso desses empreendimentos do que a
negociação peer-to-peer.
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