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Karina Klinke
Universidade Federal de Minas Gerais, Doutoranda em Educação
O século XIX e as primeiras décadas do século inadequação dos espaços onde se davam os proces-
XX, no Brasil, podem ser caracterizados como um sos educativos, em grande parte improvisados, tor-
período de progressiva institucionalização da esco- nam-se mais agudas, levando à progressiva constru-
la como o principal espaço social da educação. Nes- ção de locais particularmente pensados para esse fim –
se processo, que se deu a partir de transformações os grupos escolares – a partir do final do século XIX
que não obedecem a um contínuo e a uma tempora- e início do século XX.1
lidade linear e homogênea, destacam-se, sobretudo Ao longo desse processo, vão-se instituindo, tam-
no decorrer do século XIX, a freqüência e a intensi- bém progressivamente, o ensino seriado e o emprego
dade dos discursos, em várias esferas, sobre a ne- do método simultâneo. De acordo com sua faixa etária
cessidade de escolarização da população, mobilizan- e seu nível de conhecimento, os alunos passariam a
do, em todo o país, as assembléias provinciais em se organizar em turmas classificadas em séries e o
torno da elaboração de textos legais que ordenas- professor ou professora passaria a desenvolver ativi-
sem a instrução formal. Questões como a profissio- dades coletivas com eles, utilizando um mesmo
nalização e o salário dos professores, métodos de en- material didático. Assim, o método simultâneo e a
sino e a própria organização do espaço escolar passam seriação nele implicada se caracterizariam pela clas-
a ser objeto de debate. Aos poucos, as críticas sobre a sificação dos alunos em grupos do mesmo grau de
adiantamento; pela realização conjunta dos mesmos
estudos, por meio dos mesmos livros e deveres; pela
preleção a todos em lugar de a um só; pela realização De acordo, por exemplo, com o relatório elabo-
de atividades em todas as classes de uma escola.2 rado por Gonçalves Dias, a pedido do imperador,
No interior desse quadro mais geral, a organiza- em 1852, sobre as condições de ensino nas provín-
ção e o lugar ocupado pelos saberes escolares e pelos cias do Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande, Paraíba,
materiais didáticos (sobretudo os manuais escolares) Pernambuco e Bahia, um dos defeitos das escolas
destinados a ensinar esses saberes passam por diversas visitadas era
transformações.3 Se, nas primeiras décadas do século
[...] a falta de Compêndios – no interior porque não os há –
XIX, os programas de ensino para a escola elementar
nas Capitais, porque não há escolha, ou foi mal feita; por-
se limitavam ao ensino inicial das habilidades da leitu-
que a escola não é suprida, e os pais relutam em dar os
ra, da escrita e do cálculo, progressivamente se foram
livros exigidos, ou repugnam aos mestres os admitidos pe-
constituindo conteúdos e saberes específicos para se-
las autoridades. (apud Almeida, 1989, p. 363)
rem ensinados pela instituição escolar; também pro-
gressivamente os saberes compreendidos como “leitu- Ainda de acordo com Gonçalves Dias, faltam às
ra” e “escrita” ganham novas dimensões, respondem a escolas, ainda, livros “pelos quais se dêem lições de
novas exigências e demandas sociais, assumem for- leitura manuscrita”.5 Segundo ele, a falta de livros di-
mas mais complexas de escolarização. Nesse contexto dáticos prejudicaria a utilização do método simultâ-
e com a paulatina implantação do método simultâneo, neo de ensino, tendo em vista que, para supri-la, o
foi necessária também a produção de materiais peda- professor “exige que os alunos tragam cartas, e como
gógicos especificamente destinados a esse modo de estas não podem ser idênticas, também não pode ha-
organização do ensino, como quadros-negros, carta- ver o emprego do método que a lei recomenda mais
zes, materiais de ensino, livros didáticos. proveito à instrução” (apud Almeida, 1989, p. 363).
Até meados do século XIX, os livros de leitura É só a partir da segunda metade do século XIX que
praticamente inexistiam nas escolas. Várias fontes, começaram, com mais freqüência, a surgir, no país,
como relatos de viajantes, autobiografias e romances livros nacionais de leitura destinados especificamen-
indicam que textos manuscritos, como documentos de te às séries iniciais da escolarização.
cartório e cartas, serviam de base ao ensino e à prática É nesse quadro mais geral de reorganização da
da leitura. Em alguns casos, a Constituição do Império escola brasileira que se insere a pesquisa que estamos
(e a lei de 1827 prescreve-o), o Código Criminal e a desenvolvendo sobre os livros escolares de leitura pro-
Bíblia serviam como manuais de leitura nas escolas.4 duzidos no Brasil, entre 1866 e 1956, para o ensino
elementar.6 A pesquisa desenvolve-se em duas eta-
2
Para uma caracterização dos métodos de ensino, especial-
5
mente do simultâneo, ver Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal A leitura manuscrita consistia numa prática comum nas
(2000). A base principal da caracterização aqui feita do método escolas do século XIX e início do século XX, voltada para o de-
simultâneo de ensino consiste numa prova, encontrada no Arqui- senvolvimento da capacidade de ler diferentes tipos de caligrafia.
vo Público Mineiro, de Fulgêncio Moreira Maia Júnior, redigida Existiam livros escolares, muitas vezes denominados paleógrafos,
quando se candidatava, em 1847, a um posto de professor da esco- produzidos especificamente para essa prática. Mais à frente, esses
la elementar, em Minas Gerais. livros serão comentados.
6
3
As relações entre os saberes escolares, bem como de suas A investigação inseriu-se, inicialmente, no quadro mais
formas de transmissão, com a organização do trabalho escolar, geral do projeto integrado de pesquisa “Escolarização, culturas e
particularmente com seus tempos e espaços, são analisadas em práticas escolares: investigação sobre a instituição do campo pe-
Batista (1990, 1996 e 1997). dagógico em Minas Gerais (1820-1950)”, coordenado pelos pro-
4
Ver também Pfromm Neto et al. (1974), Galvão et al. (2000) fessores Luciano Mendes de Faria Filho, Cynthia Greive Veiga e
e Galvão e Batista (1998). Maria Cristina Soares Gouveia.
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Livros escolares de leitura
pas: a primeira delas7 foi desenvolvida entre março as tomadas de posição discursivas, pedagógicas e edi-
de 1999 e março de 2001, e a segunda etapa vem-se toriais desenvolvidas no campo da produção editorial
realizando a partir deste último ano.8 escolar brasileira – particularmente daquela produ-
Uma equipe do Centro de Alfabetização, Leitu- ção voltada para o ensino da leitura, no nível primá-
ra e Escrita (CEALE), da Faculdade de Educação da rio –, no período referido. Em sua primeira etapa, pre-
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de- tendeu-se descrever a morfologia do livro escolar de
senvolve, desde seu início, a pesquisa, no Observa- leitura, sua variação e suas transformações ao longo
tório do Livro Escolar desse Centro. Essa equipe conta do período estudado. Na segunda etapa, busca-se: a)
com a participação de docentes e alunos do Progra- determinar os principais agentes (autores, ilustrado-
ma de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da res, adaptadores, tradutores, editores e impressores e
UFMG, assim como de docentes da Universidade Fe- instituições) envolvidos no campo da produção desse
deral de Pernambuco. Embora a produção de livros gênero de livro escolar, assim como suas posições;
escolares para o ensino elementar, como se verá mais b) analisar os usos e apropriações dos livros nos dois
à frente, fosse realizada em escala nacional,9 a legis- Estados em que a pesquisa é desenvolvida – Minas
lação sobre o livro, sobre sua escolha, aquisição e Gerais e Pernambuco –, por meio de estudos de caso
utilização ficava a cargo das províncias e, mais tarde, a respeito de títulos significativos da produção estu-
dos estados. Por essa razão, aspectos relacionados à dada e de sua circulação e uso.
circulação e utilização dos livros foram estudados, Os dois marcos temporais da pesquisa – toma-
na pesquisa em desenvolvimento, primeiramente com dos como duas grandes balizas – sinalizam um pe-
referência a Minas Gerais. A partir de agosto de 2000, ríodo, relativamente estável e uniforme, de constru-
os mesmos aspectos são estudados também com re- ção, consolidação e transformação do livro escolar
ferência a Pernambuco, o que atribui à pesquisa um de leitura, marcado por sua nacionalização e pelo
caráter comparativo. Apresentam-se aqui, de modo surgimento de novos modelos de livros de leitura.
central, os resultados parciais da investigação desen- Em 1866, Abílio César Borges iniciou a publicação
volvida em Minas Gerais. De modo complementar, de uma das séries mais editadas no período. Naque-
utilizam-se dados, também parciais, da investigação le momento, os livros foram considerados inovado-
desenvolvida em Pernambuco, particularmente aque- res: o Primeiro livro, destinado ao aprendizado ini-
les relacionados ao século XIX. cial da leitura e da escrita, poderia substituir as
O objetivo geral da pesquisa em desenvolvimento cartilhas grosseiras ou os materiais manuscritos. Em
é a descrição e análise do espaço de possíveis 1956, o que justifica o último marco temporal da
(Bourdieu, 1994)10 em torno dos quais se organizam pesquisa, Lourenço Filho inicia a publicação da sé-
rie Pedrinho e seus amigos, que renova os padrões
do livro escolar de leitura.
7
Apoiada pela FINEP, FAPEMIG e CNPq.
As fontes e seu tratamento
8
Com apoio das mesmas agências de financiamento.
9
A produção com destinação regional, apesar de pouco co-
Livros didáticos constituem as principais fontes
nhecida, parece ter sido pouco expressiva.
10
da pesquisa. Para diversificá-las, ampliá-las e cotejá-
Compreende-se por “espaço de possíveis” o “universo de
problemas, das referências, das balizas intelectuais [...], em suma,
las, vêm-se utilizando, também, programas e relató-
todo um sistema de coordenadas que é necessário ter em mente – o rios de instrução pública, legislação educacional, re-
que não quer dizer conscientemente – para estar no jogo” (Bourdieu, vistas que circulavam entre os professores, dados
1994, p. 61 – a tradução é de nossa responsabilidade) em torno do censitários, jornais, almanaques, autobiografias, ro-
qual se organiza a dinâmica dos campos de produção cultural. mances e entrevistas, quando possível.
A pesquisa tem lidado com uma dificuldade ine- amostra, ainda que lacunar, de impressos utilizados
rente a trabalhos que investigam objetos e materiais na escola. Em vista disso, os livros de leitura do acervo
escolares: considerados efêmeros e pouco dignos de podem ser tomados como partes de um caso prová-
catalogação e guarda, os livros didáticos raramente vel de uma biblioteca escolar e assim serão aqui es-
ocupam as prateleiras dos acervos públicos (Batista, tudados.
2000). Quando isso ocorre, nem sempre são localiza- O tratamento dessas fontes principais da pesqui-
dos ou estão em condições precárias de conservação. sa foi feito da seguinte maneira: em primeiro lugar,
Na pesquisa realizada em Pernambuco (Galvão fez-se uma análise geral do acervo para apreensão de
et al., 2000), alguns acervos estão sendo privilegia- categorias de descrição e análise (Batista, 2000); com
dos: a Biblioteca Pública Estadual de Pernambuco, o base nessa análise, separaram-se, em segundo lugar,
Gabinete Português de Leitura, o Arquivo Público os livros de leitura dos demais livros do acervo; e pro-
Estadual de Pernambuco e a Fundação Joaquim cedeu-se, em terceiro lugar, a sua descrição, por meio
Nabuco. Pretende-se também recorrer a acervos pri- de formulários construídos com essa finalidade. Em
vados e a sebos. seguida, e após sucessivas alterações nos formulários
No desenvolvimento da pesquisa em Minas Ge- de descrição, informatizaram-se os dados numa base,
rais, privilegia-se o acervo de livros didáticos do Se- que permite a realização de cruzamentos entre as prin-
tor de Documentação do CEALE. Esse acervo – cujos cipais categorias descritivas. Todo esse processo de
livros de leitura constituirão a principal base dos re- tratamento foi acompanhado do levantamento de in-
sultados apresentados neste artigo – possui caracte- formações sobre a produção e uso dos títulos.
rísticas que devem ser levadas em conta na análise Em razão de problemas na base, os dados apre-
desses resultados. Trata-se de uma coleção formada sentados a seguir não dizem respeito ao conjunto de
por aquisição de obras em sebos e, mais importante, livros de leitura do acervo (711 exemplares de obras),
por doações. Entre estas, destacam-se as de antigos mas apenas a 444 exemplares. Partes significativas
grupos escolares de Belo Horizonte e do interior de desse conjunto, sobretudo cartilhas (que integram sé-
Minas, assim como aquelas feitas por professores ou ries graduadas de livros de leitura) e livros de leitura
seus familiares. Neste último caso, têm especial peso recreativa (utilizando aqui uma denominação que se
na coleção os livros didáticos que compõem a biblio- consolida apenas nos anos de 1920 e 1930), estão sub-
teca da professora Lúcia Casasanta, autora de livros representadas.
escolares de grande sucesso em Minas Gerais e atuante
entre os anos de 1920 e 1980. Após sua morte, sua Um caso provável de biblioteca escolar
biblioteca foi doada ao CEALE.
Desse modo, não se trata de uma coleção É difícil datar com precisão as obras do acervo,
construída de forma planejada, mas conforme se fa- assim como de sua coleção de livros de leitura. Como
ziam doações e aquisições, dependentes da garimpa- costuma acontecer com livros didáticos, um número
gem de livros em sebos. Não é, portanto, representa- significativo de exemplares não apresenta data ou
tiva da produção editorial do período. Os dados que número de edição. Ainda está em execução um le-
se apresentam a seguir descrevem adequadamente ape- vantamento, na Biblioteca Nacional, dos dados da
nas os livros de leitura que integram tal coleção e só primeira edição do conjunto de exemplares. Apesar
indiretamente podem ser tomados como indicadores disso, podem-se, em linhas gerais, considerar as seis
do conjunto da produção editorial brasileira no pe- primeiras décadas do século XX como o período pre-
ríodo. O peso das doações de escolas e professores dominantemente representado na coleção de livros
na coleção, entretanto, mostra que são livros que cir- de leitura. A produção didática para a escola repu-
culavam nas escolas, fazendo supor que sejam uma blicana ou por ela utilizada é que caracterizaria, desse
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Livros escolares de leitura
Tabela 3
Distribuição das edições dos exemplares por período de publicação
Período 1872 a 1900 a 1920 a 1940 a 1960 a Sem Tot
No da edição 1899 1919 1939 1959 1975 data
1a4 3 1 9 24 24 22 83
5a9 0 1 8 23 19 18 69
10 a 14 1 1 3 16 13 3 37
15 a 19 0 1 2 7 14 1 25
20 a 24 0 0 3 9 9 0 21
25 a 29 0 0 2 5 10 2 19
30 ou mais 0 0 5 26 14 9 54
Sem data 2 6 12 18 38 60 136
Total 6 10 44 128 141 115 444
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Livros escolares de leitura
A distribuição dos exemplares por editora mos- cações, esses livros podem ser distribuídos em dois
tra um predomínio, na coleção, de títulos da Francis- grandes grupos, segundo sua função no trabalho pe-
co Alves, principal editora brasileira de obras escola- dagógico: o dos manuais e o dos paraescolares. Por
res nas cinco primeiras décadas do século XX. manuais compreendem-se, de acordo com Alain
Seguem-se suas principais concorrentes (Hallewell, Choppin (1992),
1984): a Melhoramentos, ao longo de todo o período,
[...] os utilitários da sala de aula: eles são concebidos na
e a Companhia Editora Nacional, a partir dos anos de
intenção, mais ou menos explícita ou manifesta segundo as
1930, particularmente.
épocas, de servir de suporte escrito ao ensino de uma disci-
plina no seio de uma instituição escolar. Se, até os meados
Tabela 6
do século XIX, esse papel não está sempre claramente for-
Distribuição dos exemplares por editora
mulado, principalmente no ensino primário, ele se torna
Editora Total em seguida mais passível de ser determinado com a criação
Francisco Alves 98 progressiva de estruturas educativas estáveis, uniformes e
Melhoramentos 66
Companhia Editora Nacional 38 cada vez mais diversificadas: o manual e as publicações
Agir 31 que gravitam em torno dele (livros ou guias para o profes-
Brasiliense 22 sor, antologias de documentos, cadernos ou fichários de
Editora do Brasil 22
Editora do Brasil em Minas Gerais 20 exercícios, léxicos, antologias de atividades) se destinam
Outras editoras 146 sempre a uma disciplina, a um nível, a uma série ou a um
Total 444
grau e se referem a um programa preciso. O manual apre-
senta, então, ao aluno, o conteúdo desse programa, segun-
Em síntese, a coleção de livros de leitura estuda- do uma progressão claramente definida, e sob a forma de
da não pode ser tomada como representativa do con- lições ou unidades. Essas obras são sempre concebidas para
junto da produção didática nacional no período da um uso tanto coletivo (em sala de aula, sob a direção do
pesquisa, situado entre 1866 e 1956. Pode, entretan- professor) e individual (em casa). (p. 16)11
to, ser tomada como um fragmento de um caso pro-
Por obras paraescolares compreendem-se, também
vável de uma biblioteca escolar que, ao ser estudado,
de acordo com Choppin, uma categoria de livros que
permite apreender um retrato, ainda que parcial, da
produção editorial que circulava nas escolas, em par- [...] reúne obras bastante diferentes que têm por função re-
te desse período, sobretudo no republicano. Os auto- sumir, intensificar ou aprofundar o conteúdo educativo trans-
res e títulos presentes na coleção são bastante diver- mitido pela instituição escolar. Auxiliares facultativos da
sificados e apresentam pequena concentração. aprendizagem, essas publicações [...] apresentam quase sem-
Predominam, entre as principais editoras, os livros pre uma indicação precisa do nível ao qual são destinadas.
da Francisco Alves. A presença de edições recentes Elas são concebidas para uma utilização individual, essen-
de obras mais antigas permite supor a existência de cialmente em casa [...], cuja aquisição é deixada à iniciati-
grande estabilidade na produção editorial, em seus va dos alunos ou de suas famílias. (p. 16-17)
modelos de livro e em sua relação com o público.
A utilização dessas duas categorias para a des-
crição dos livros mostrou-se, porém, problemática.12
Funções
Apenas as séries graduadas de leitura – tipos de ma- meus alçapões. Acordar à hora certa, comer à hora certa,
nuais que, como se verá a seguir, evidenciam de modo dormir à hora certa. E aquele homem impiedoso [o diretor
muito claro sua função pedagógica – puderam ser clas- da escola e professor] para tomar lições, para ensinar à cus-
sificadas com precisão. Um conjunto de livros, so- ta do ferrão o que eu não sabia, o que não quisera aprender
bretudo aqueles publicados nas primeiras décadas do com os meus professores [antes de entrar para o colégio
século XX, apresentavam diferentes problemas para interno], os que não me davam porque eu era neto do Coro-
a classificação. Eles não explicitavam o nível ou sé- nel Zé Paulino. Agora não havia mais disso. Era somente
rie a que se destinavam e poucas vezes prefácios e um Carlos de Melo como os outros, menino atrasado, no
exercícios indicavam os usos a que os livros deveri- segundo livro de leitura [da série graduada de Felisberto de
am se prestar. Mesmo quando raramente o faziam, Carvalho], quando existiam menores no Coração. (p. 8-9)
porém, dados sobre a utilização e circulação das obras
O mesmo Coração, porém, aparece, no decreto
mostravam uma indefinição da função atribuída a elas.
n 6.758, de 1o de janeiro de 1925, que aprova os pro-
o
O “Programa de Leitura” que acompanha a Lei
o
gramas de ensino de Minas Gerais, como um dos li-
n 434, de 28 de setembro de 1906, que reforma o
vros, ao lado de Através do Brasil, de Olavo Bilac e
ensino primário e normal em Minas Gerais, por exem-
Manuel Bomfim – obra que, diferentemente de Cora-
plo, faz referências muito genéricas ao livro a ser
ção, assume claramente, em seu prefácio, a função de
utilizado, o que permite supor o uso de livros tanto
manual – a serem utilizados na biblioteca escolar das
produzidos para servir como manuais quanto não es-
turmas de 4o ano, como obras paraescolares, portanto.
pecialmente elaborados com essa função. Os con-
Ao que indica a análise dos discursos sobre a lei-
teúdos relativos aos 3o e 4o anos, níveis em que se
tura escolar, em Minas Gerais,14 as duas categorias de
supõe que o aluno já tenha “vencido todas as difi-
funções talvez tenham sido construídas ao longo do
culdades mecânicas da leitura”, referem-se à “leitu-
período em estudo, na forma da oposição, que pro-
ra de novo livro que contenha histórias mais longas,
gressivamente se apresenta nos discursos e práticas
algumas composições poéticas fáceis” (no 3o ano)
escolares do período, entre “leitura” e “leitura recre-
ou de “novo livro em prosa e verso” (4o ano).
ativa”, entre os objetivos de “ensinar a ler” e “formar
José Lins do Rego, em Doidinho, romance de
o gosto ou o hábito da leitura”.
cunho memorialístico que se passa no início do sécu-
Tendo em mente esse conjunto de ressalvas, os
lo XX, mostra também, por exemplo, que o livro Co-
livros da coleção do CEALE, de acordo com sua fun-
ração, de Edmundo de Amices,13 era utilizado como
ção pedagógica preponderante, podem ser assim agru-
manual, lido cotidianamente em sala de aula, embora
pados:
os exemplares consultados não tragam indicação al-
guma de uso:
Tabela 7
Na cama começavam a chegar os meus pensamentos. Distribuição dos exemplares de acordo
Éramos seis no quarto pequeno de telha-vã. Ninguém po- com a função pedagógica preponderante
dia trocar palavras. Falava-se aos cochichos, e para tudo lá
Manuais Paraescolares Totais
vinha: – é proibido. A liberdade licenciosa do engenho so- no % no % no %
fria ali amputações dolorosas. Preso como os canários nos 312 70,27 132 29,73 444 100
13
Trata-se do Cuore, obra didática italiana utilizada em di-
14
ferentes países. No Brasil, foi traduzido por João Ribeiro, profes- Esta análise vem sendo realizada por Karina Klinke, em
sor do Colégio Pedro II e autor de diferentes livros didáticos. sua tese de doutorado, em andamento (Klinke, 2001).
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Livros escolares de leitura
100
15 80
Preferimos utilizar essa denominação à mais difundida
60
“livros-texto”. Embora esta última seja uma denominação com
40
tradição, tende a vincular um tipo de livro a uma função determi-
20
nada, aquela de um manual. Como, ao longo do período, muitos
0
dos livros passaram de manuais a pára-escolres (como livros de 1872 a 1899 1900 a 1919 1920 a 1939 1940 a 1959 1969 a 1975
Como se pode observar no Gráfico 1, a cada par Como se pode verificar na Tabela 8, os livros
de décadas em que foram publicados os exemplares, classificados como manuais deixam progressivamen-
diminui a representação de livros isolados, que ter- te, ao longo do período, de se caracterizarem como
minam, no período entre 1969 e 1975, por constituir livros isolados, manifestando-se uma crescente pre-
apenas cerca de 20% dos livros, quando, no período ferência pela organização de manuais em séries gra-
inicial, correspondiam a 100%. As séries graduadas duadas. O primeiro tipo de livro parece tornar-se, ao
experimentam uma trajetória oposta: não estão repre- final do período, aquele mais adequado para assumir
sentadas entre as obras publicadas entre 1872 e 1899, a função paraescolar, como leitura recreativa.
mas terminam, no último período, por constituir cer-
ca de 80% dos livros. Gêneros e exercícios
A pesquisa realizada em Pernambuco, que tem,
inicialmente, concentrado sua atenção em livros do Apreenderam-se quatro grandes gêneros de li-
século XIX, fornece elementos relevantes para a com- vros na coleção: narrativas, antologias, compêndios
preensão dessas tendências. Embora importantes sé- e cadernos de atividades.
ries graduadas (como as de Felisberto de Carvalho e Foram consideradas narrativas as obras que, em
do Barão de Macaúbas) tenham sido produzidas na maior ou menor grau, desenvolvem-se com base em
segunda metade do século XIX, não foram encontra- um esquema narrativo (apresentam seqüências de
das, até o momento, séries graduadas dentre os prin- acontecimentos), estruturado em torno de uma situa-
cipais livros utilizados no Estado. Predominava, ao ção de natureza ficcional e no interior da qual se rea-
que tudo indica, o emprego de livros isolados, muitos liza, também em maior ou menor grau, a transmissão
deles organizados em torno do método de ensino in- de conteúdos instrutivos, morais e cívicos ou religio-
dividual. Assim, é provável que a progressiva prefe- sos (mais à frente se discutirão esses conteúdos mais
rência por séries graduadas seja um fenômeno asso- detalhadamente). História de uma travessia pelo Bra-
ciado à progressiva organização do sistema de ensino sil de dois irmãos em busca do pai doente, Através do
brasileiro, caracterizada pela adoção da seriação e do Brasil, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim, por exem-
ensino simultâneo. plo, publicado pela Francisco Alves em 1910, ancora
Ao que parece, a preferência por obras seriadas nessa situação ficcional a transmissão de conhecimen-
faz-se acompanhar também, como já se observou, de tos sobre o Brasil, sua geografia, sua gente, sua histó-
uma distinção mais clara entre as funções a serem ria, assim como de um conjunto de valores. O pacto
preenchidas pelos livros, os isolados paulatinamente ficcional é assim instaurado no início da narrativa:
assumindo a função paraescolar, como livros de lei-
Eram dois irmãos, – Carlos e Alfredo, o primeiro de
tura recreativa, e as séries graduadas consolidando-
quinze anos de idade, e o segundo cinco anos mais moço.
se, também paulatinamente, como o tipo de livro mais
Não tinham mãe. Havia dois anos que a tinham perdido.
adequado para assumir a função de manual:
Tabela 8
Distribuição dos manuais por tipo e período (em %)
Tipo de livro Período de publicação
1872 a 1899 1900 a 1919 1920 a 1939 1940 a 1959 1969 a 1975 s.d.
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Livros escolares de leitura
Estavam ambos em um colégio, no Recife. O pai que Os Contos infantis são umas narrações singellas, em
era engenheiro, fôra obrigado a deixá-los aí, a fim de traba- que procurámos fazer sentir aos pequeninos paixões boas,
lhar na construção de uma estrada de ferro, no interior do levando-os com amenidade de historia em historia.
Estado. Era a primeira vez que se separava dos filhos, de- ...........
pois da morte da mulher; sempre fôra muito carinhoso e Assim, todas as nossas historias são simples; narra-
meigo; principalmente depois de enviuvar, tornara-se de ções de factos realizados, muitas. Julgamos que quanto mais
uma bondade excessiva, como querendo compensar com approximado fôr da verdade o assumpto, mais interesse
redobramento de ternura a falta dos cuidados maternos de desperta em quem o lê. D’esta arte o pequeno leitor segui-
que via os filhos privados. Era simples e afetuoso, preferin- rá, entretido, a historia de uma menina pobre; de uns pom-
do ser atendido e amado a ser obedecido e temido. Não binhos mansos; de uma velha engelhadinha e tremula; de
castigava nunca os filhos: era para êles um amigo, um ca- um burrinho trabalhador; ou de uma mãe carinhosa [...]
marada, um companheiro. O nosso fito é a educação moral e estética; um desejo que,
....... por ser bem intencionado, nos deve ser permitido. (p. 5-6)
Havia já dois mezes que o pai partira. [...]
Nessa antologia a maior parte dos textos não é
Em certa manhã de domingo, quando iam sair a pas-
assinada. Seu “Índice”, entretanto, esclarece que os
seio, receberam um telegramma. O pae estava doente. Doen-
textos em prosa são de autoria de Júlia Lopes de
te “sem gravidade”, – dizia o telegramma. Os dois meni-
Almeida, enquanto os textos em verso são de autoria
nos, porém, num sobresalto, imaginaram logo uma desgra-
de Adelina Lopes Vieira, escritoras que assinam a or-
ça [...].
ganização da antologia. Os textos assinados, no corpo
Carlos, o mais velho, disso logo, com os olhos rasos
da obra, são todos, de acordo com o prefácio à 2a edi-
de agua:
ção, de Luiz Rastibonne, autor de Comédie enfantine.
– Sabes, Alfredo? não me resigno a esta incerteza!
Consideraram-se compêndios aqueles livros que
Vou para junto de papae... E vou já! (p. 13-15)
se caracterizam como uma exposição didática de um
As antologias ou seletas caracterizam-se como conjunto de conteúdos, organizados de forma progres-
coletâneas de textos, em geral curtos. Embora, na siva, tendo em vista áreas de conteúdo diferentes. A
maior parte das vezes, esses textos sejam de diferen- pequena História do Brazil por perguntas e respos-
tes autores, encontram-se exemplos de antologias com tas, do Dr. J. Maria de Lacerda, é um dos livros desse
textos não assinados, levando à suposição de que te- gênero. Publicado originalmente pela Garnier no Im-
nham sido escritas pelos próprios autores do livro di- pério e completado em 1905, por Olavo Bilac, o livro
dático. A maioria das antologias encontradas obtinha apresenta um exposição didática de sete grandes pe-
sua organização apenas da seqüência de textos, rara- ríodos da história brasileira, do Descobrimento à Re-
mente submetendo essa seqüência a macro-organiza- pública.
dores de natureza temática. Adelina Lopes Vieira e Os cadernos de atividades são livros em que a
Júlia Lopes da Almeida, autoras de Contos infantis leitura constitui um dentre outros componentes em
em verso e prosa, da editora Francisco Alves (8a ed., torno dos quais a obra se organiza, ao lado de conteú-
1910), assim descrevem a organização dessa antolo- dos gramaticais e atividades de exploração de voca-
gia:16 bulário, estudos de texto, redação. Não se trata mais,
por isso, de um livro de leitura, mas de um livro de
língua materna. Um exemplo desse gênero de livro é
16 a obra Exercícios de linguagem (gramática funcio-
Ao que tudo indica, a primeira edição da obra é de 1886.
Segundo o prefácio da 2a edição, reproduzido na 8a, o livro teria
nal), de Edith Guimarães Lima, Maria Guimarães Ri-
sido aprovado pela Inspetoria Geral de Instrução da Capital Fede- beiro e Giselda Guimarães Gomes. Publicado pela
ral, para “uso das escolas públicas”, em 1891. Livraria Selbach, de Porto Alegre, presumivelmente
nos anos de 1950, a série graduada organiza-se em experimentam uma trajetória ascendente a partir de
unidades introduzidas por um texto das autoras ou de então, tornando-se o gênero de livro por excelência
escritores de obras didáticas; seguem-se exercícios de utilizado no ensino fundamental, na década de 1990
gramática funcional (de compreensão do texto e de do século XX. Nos diferentes Guia do livro didático
vocabulário, na maior parte das vezes) e, fechando a publicados pelo Ministério da Educação (1997, 1998
unidade, atividade de composição de texto. e 2001), apenas o relativo a 1997 contém duas anto-
logias; os demais livros recomendados se caracteri-
Gráfico 2 zam como cadernos de atividades.
Distribuição dos livros por gênero e ano (em %) Predominam, na coleção do CEALE, livros de
leitura que não apresentam exercícios, sendo compos-
100%
90% tos apenas de textos a serem lidos pelo aluno. O modo
80%
70%
pelo qual o texto deveria ser lido e as atividades que
60% deveria ensejar não são indicados.
50%
40%
30%
20%
Gráfico 3
10% Distribuição dos livros por período e pela
0%
1872 a 1899 1900 a 1919 1920 a 1939 1940 a 1959 1969 a 1975 presença de exercícios (em %)
Antologia Caderno de atividades Compêndio Narrativa
100%
90%
70%
sificação dos exemplares do acervo nessas categorias, 60%
40%
20%
tivas, que realizam em todo o período uma trajetória 10%
38 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20
Livros escolares de leitura
aos livros mesmos – que permitem descrever princí- Na legislação educacional mineira, encontramos
pios de didatização da leitura postos em funcionamen- algumas referências à necessidade de se ensinar a lei-
to na produção dos livros. Desse modo, embora, como tura de manuscritos. No decreto no 3.405, de 15 de ja-
se verá à frente, sejam utilizados livros para a exem- neiro de 1912, que aprova o Programa de Ensino dos
plificação dos modelos, não se podem reduzir as obras Grupos Escolares e demais escolas públicas do Esta-
aos modelos. do, é prescrita para as aulas de leitura do 3o ano a “lei-
Foram apreendidos cinco grandes modelos ou tura variada de manuscritos” e para o 4o ano a “leitura
princípios de didatização, e o primeiro deles desapa- de manuscritos”. Para o 4o ano das escolas rurais, pres-
rece ao longo do período ao passo que o último deles, creve-se a “leitura em livros manuscritos escolhidos”.
relativamente tardio, marca sua ruptura em relação As mesmas prescrições aparecem nos Programas de
aos demais. Os modelos identificados foram assim 1916 (decreto no 4.508) e de 1918 (decreto no 4.930).
designados: a) modelo da leitura manuscrita; b) mo- Já no decreto no 6.655, de 19 de agosto de 1924, que
delo instrutivo; c) modelo formativo; d) modelo aprova o Regulamento do Ensino Primário, não apare-
retórico-literário; e, por último, e) modelo autônomo. ce mais a prescrição da leitura em “livros manuscri-
Os dados levam a crer que o desenvolvimento desses tos”, como indicavam as legislações anteriores: nesse
modelos de leitura é correlato à progressiva consolida- momento, sugere-se apenas que a leitura seja feita no
ção da relativa autonomia do campo escolar e da cons- livro adotado, em jornais e em revistas.
trução de seus agentes. Ou seja, as transformações iden- Pode-se constatar, desse modo, que, mesmo com
tificadas nos livros escolares parecem se associar – a consolidação da imprensa no país, a escrita manus-
evidentemente que não de maneira direta e mecânica – crita e sua leitura continuaram a fazer parte do ensino
ao processo de institucionalização da escola. da leitura nas escolas brasileiras. Não foram encon-
O primeiro modelo é o dos livros de leitura ma- tradas outras edições do livro publicado pela Garnier.
nuscrita ou paleógrafos. Foram encontrados dois tí- No caso do livro da Francisco Alves, os exemplares
tulos baseados nesse modelo: o Curso graduado de encontrados, assim como informações obtidas da Bi-
letra manuscrita, publicado pela Garnier, em 1872, e blioteca Nacional, mostram que o gênero teve ainda
o Leitura manuscrita; lições coligidas, de BPR, pu- um longo ciclo de vida. A primeira edição do Leitura
blicado, a partir de sua 9a edição, em 1909, pela Fran- manuscrita não pode datar de antes dos primeiros anos
cisco Alves. Trata-se de antologias de textos manus- do século XX: dois dos textos que o compõem são
critos, redigidos com diferentes caligrafias. Dois textos autógrafos, copiados por seus autores, e apre-
princípios organizam as obras, particularmente a se- sentam a data de 1900 abaixo de sua assinatura. A
gunda: por um lado, são selecionados textos que ten- edição mais antiga que pudemos localizar é de 1909,
dem a enfatizar a transmissão de valores cívicos e primeira publicada pela Francisco Alves. Ao que tudo
morais; por outro lado, esses textos estão dispostos indica, esse livro ligado ao uso do manuscrito é utili-
de modo que formem uma progressão que vai de le- zado até o início da década de 1960. A Biblioteca
tras mais fáceis para aquelas mais difíceis. Dessa ma- Nacional, que possui exemplares de quatro diferen-
neira, o modelo tende a identificar o trabalho com a tes edições, estima que aquelas mais recentes sejam
leitura à transmissão de valores e à aquisição de flu- de 1954 e 1955. Não se encontraram informações so-
ência na leitura de textos escritos com diferentes ca- bre sua reedição ou uso após essas datas e a utiliza-
ligrafias. No caso do primeiro livro, mais antigo, a ção mais recente que se pôde documentar deu-se em
apresentação de modelos de caligrafia para a cópia é 1946. Tudo indica, portanto, que os primeiros 50 anos
uma importante dimensão do aprendizado da escrita. do século XX compõem o ciclo de vida e utilização
No segundo livro, mais recente, essa dimensão é ate- desse livro. Esse longo ciclo de vida e utilização, en-
nuada e termina por se apresentar de modo marginal. tretanto, está marcado, ao que parece, à medida que
se avança no século, por sua progressiva utilização conteúdos instrutivos (de ciências, geografia, história,
em escolas de meio rural e por seu progressivo aban- de “coisas”). O Quarto livro de leitura, por exemplo,
dono em escolas de meio urbano.17 organiza-se em lições que alternam textos sobre a his-
O segundo modelo identificado pela análise dos tória do Brasil, sobre a geografia brasileira, o corpo
exemplares do acervo é o dos livros de leitura instruti- humano, os animais e assim por diante.
vos ou enciclopédicos. Pode ser ilustrado pela série gra- Entre os livros solicitados pelas escolas primárias
duada de leitura (do Primeiro ao Quinto livro de leitu- de Minas Gerais no final do século XIX, destacam-se o
ra) de Felisberto de Carvalho, professor da escola Primeiro, o Segundo, o Terceiro e o Quarto livro de lei-
primária anexa à Escola Normal da capital da Provín- tura de Felisberto de Carvalho. Levantamento realizado
cia do Rio de Janeiro. Foram publicados, segundo por Karina Klinke (2001) mostra que, no esforço de uni-
Hallewell (1984), inicialmente pela Garnier (por volta formização das práticas escolares do período, necessá-
de 1892), e, posteriormente, pela Francisco Alves (pro- ria para a implantação do método de ensino simultâneo,
vavelmente dois anos depois, uma vez que o contrato foram feitas diferentes doações de livros didáticos por pre-
para a edição do 5o livro é, segundo Bragança, 2000, sidentes de câmaras municipais, por deputados ou por
de 1894). Nessas obras, o conteúdo pedagógico do li- um “distinto senhor”; os livros de Felisberto de Carva-
vro de leitura tende a se identificar a um conjunto de lho parecem ter sido uns dos mais doados:
Tabela 9
Cartilhas e séries graduadas recebidas por doações a escolas primárias
da 1a e 2a circunscrições literárias de Minas Gerais em 1893 e 1900 18
17
Foram localizadas apenas oito pessoas que o utilizaram e e sempre nas 3a e 4a séries do curso primário – se se trata de uma
todas elas no interior de Minas Gerais. Duas delas o fizeram em pequena cidade – ou apenas na 3 a série – se se trata de escola de
1913, quando cursavam a 4a série (e um deles quando também meio rural, que tradicionalmente não oferecia a 4a série.
a 18
cursava a 3 série) do antigo curso primário. Esses dois informan- Da primeira circunscrição: município de Santa Luzia do Rio
tes o utilizaram em escolas de pequenos núcleos urbanos, então das Velhas, seus distritos Inhaúma e Taboleiro Grande. Da segunda
distritos de Ouro Preto. Os demais informantes também utiliza- circunscrição: Ouro Preto. Esses são os únicos municípios dessas cir-
ram o livro em escolas de pequenas localidades ou de meio rural, cunscrições em 1900 cujos relatórios trazem títulos de livros.
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Livros escolares de leitura
Os livros marcadamente voltados para a trans- Os princípios da leitura ensejada por livros do
missão de valores e atentos a características do públi- modelo formativo são claramente ilustrados por
co infantil constituem o terceiro modelo de livro de Adelina Lopes Vieira e Júlia Lopes de Almeida no
leitura. Trata-se do modelo formativo, organizado em prefácio de seus Contos infantis. De acordo com as
torno da busca de transmissão não de conteúdos ins- escritoras, os exemplos contidos em seus livros de-
trutivos, mas, fundamentalmente, de valores. O mo- vem terminar por se aplicar ao aluno leitor por um
delo pode ser ilustrado por meio de Através do Bra- mecanismo de identificação do que está no livro ao
sil, de Olavo Bilac e Manuel Bomfim, e publicado que faz parte de sua vida cotidiana:
pela Francisco Alves, segundo Marisa Lajolo (2000),
[...] o pequeno leitor seguirá, entretido, a historia de uma
em 1910.
menina pobre; de uns pombinhos mansos; de uma velha
Os dados indicam que, ao final do século XIX e
engelhadinha e tremula; de um burrinho trabalhador; ou de
ao longo das primeiras décadas do século XX, dois
uma mãe carinhosa, – parecendo-lhe ver: na menina pobre,
principais modelos de ensino da leitura competem pela
a filha de um vizinho; nos pombos mansos, uns que lá vão
formas legítimas de ensinar a “leitura corrente”: o pri-
a miúde ao seu jardim, e aos quaes nunca mais fará mal; na
meiro modelo é o dos livros enciclopédicos de leitu-
velhinha, a sua avô querida; no burrinho trabalhador e pa-
ra, a que já nos referimos, e o segundo – do qual os
ciente, o pobre burro magro de um carroceiro bruto; e, fi-
livros de Olavo Bilac parecem ser um dos exemplos
nalmente, na mãe carinhosa, a sua propria mãe!
mais bem acabados –, associa o ensino da leitura aos
Elle verá então com sympathia os que soffrem, affeiçoando-
conteúdos morais, cívicos, ideológicos expressos pe-
se assim à grande família dos infelizes! (p. 5-6)
los textos utilizados. Um trecho do prefácio de Atra-
vés do Brasil evidencia as relações de concorrência Para essa identificação, é preciso, entretanto, se-
entre os dois modelos. gundo Bilac e Bomfim, despertar o sentimento e emo-
ção da criança:
É um erro compor o livro de leitura – o livro único –
segundo o molde das enciclopédias. Infelizmente, êsse êrro [...] quizemos que este livro seja uma grande lição de ener-
se tem repetido em diversas produções destinadas ao ensi- gia, em grandes lances de affecto. Suscitar a coragem, har-
no e constituídas por verdadeiros amontoados didáticos, sem monizar os esforços, e cultivar a bondade, – eis a formula
unidade e sem nexo, através de cujas páginas insípidas se da educação humana. Os heroes principaes d’estas simples
desorienta e perde a inteligência da criança: regras de gra- aventuras, não os apresentamos, está claro, para que sejam
mática misturadas com regras de bem viver e regras de arit- imitados em tudo, mas para que sejam amados e admirados
mética, noções de geografia e apontamentos de zootecnia, no que representam de generoso e nobre os estimulos que
descrições botânicas e quadros históricos, formando um todo os impelliram, nos diversos transes por que passaram. Não
disparatado, sem plano, sem pensamento diretor, que sir- se pode influir efficazmente sobre o espirito da criança e
vam de harmonia e base geral para a universalidade dos captar-lhe a atenção, sem lhe falar ao sentimento. Foi por
conhecimentos que a Escola deve ministrar. Como fonte de isso que demos ao nosso livro um caracter episodico, um
conhecimentos, a verdadeira enciclopédia do aluno nas clas- tom dramatico – para despertar o interesse do alumno e
ses elementares é o professor. (p. VI) conquistar-lhe o coração. A Vida é accção, é movimento, é
drama. (p. VII-VIII – ênfase adicionada)
Nos programas de ensino analisados, os livros de
Olavo Bilac são indicados para as aulas de leitura em O quarto modelo, aqui denominado retórico-li-
1925 (Através do Brasil de Bilac e Bomfim), no de- terário, organiza-se em torno de uma seleção textual
creto no 6.758 de 1o de janeiro de 1925; e em 1927 (o voltada para a formação do gosto literário e a apre-
mesmo livro), no decreto no 8.094 de 22 de dezembro sentação de modelos para redação. Embora seja um
de 1927. tipo de livro de leitura mais identificado com o ensi-
no secundário, encontraram-se títulos que utilizam es- nos exercicios de redacção.” Por esse motivo, os tex-
ses princípios de organização, ainda que em número tos foram classificados de acordo com o gênero da
reduzido, dentre os livros para o ensino primário da composição.
coleção do CEALE. Finalmente, identificamos um quinto modelo de
Um desses livros é a Selecta em prosa e verso, livro de leitura. Somente no final da primeira metade
de Alfredo Clemente Pinto. Identificado, no catálogo do século XX, a leitura parece ganhar certa autono-
da Livraria Selbach, de Porto Alegre, como um “Li- mia em relação aos conteúdos dos textos. A série de
vro de leitura e analyse para as aulas primarias e se- livros de leitura de Pedrinho, de Lourenço Filho, cons-
cundarias”, foi, ao que indica a data do prefácio do titui um exemplo desse modelo. Essa obra, que trou-
autor, publicado pela primeira vez em 1883. A edição xe como principal inovação, além da apresentação grá-
que consultamos, a 40a, é de 1930. fica cuidadosa, o planejamento do conteúdo e a
De acordo com o prefácio, a seleção textual or- especificação dos objetivos de ensino por série, mar-
ganiza-se com base em princípios próximos daqueles ca o surgimento de novos padrões que terminaram
defendidos por Olavo Bilac e Manuel Bomfim, apre- por influenciar o conjunto da produção posterior. Os
sentados anteriormente. Também de maneira seme- livros trazem exercícios de compreensão de textos,
lhante, esses princípios são evidenciados em contrapo- incluindo o estudo do vocabulário, explicações gra-
sição a características de livros do tipo instrutivo ou maticais, explicitando, em suas diferentes seções, a
enciclopédico: preocupação com a organização e a sistematização
do trabalho didático. Apesar de conter textos com con-
[...] tivemos muito em vista não só a correcção, clareza e
teúdos informativos e também formativos, a ênfase
elegancia da linguagem, condições essas essenciaes em um
do livro está num conjunto de habilidades discretas
livro de leitura, senão também a amenidade, variedade e
de leitura e não nos conteúdos dos textos. Assim, toda
utilidade dos assumptos. Omittimos, portanto, os que, por
a série graduada é apresentada por meio de objetivos
demasiadamente scientificos, só poderiam causar tedio aos
de ensino correspondentes a habilidades de leitura. A
nossos jovens e escolhemos os mais proprios para lhes des-
cartilha que integra a série, por exemplo, está volta-
pertarem nos animos o respeito da religião, o amor da patria
da, como descreve um quadro sinóptico da série (Lou-
e da familia, excitando-lhes ao mesmo tempo os sentimen-
renço Filho, 1961) para a “fase inicial da aprendiza-
tos mais elevados [...]
gem”, envolvendo a “percepção de pequenas frases”;
Atenta a não sobrecarregar o aluno de informa- o “reconhecimento de elementos comuns, nessa fra-
ções, a não causar tédio e a incutir valores, a obra ses”, assim como, dentre outras habilidades, “a re-
aproxima-se, portanto, do modelo formativo. Termi- combinação de tais elementos em novas unidades” e
na, entretanto, por se diferenciar desse modelo por a “aquisição de conveniente atitude de compreensão”.
organizar a coletânea com base em critérios de natu- O primeiro modelo de livro de leitura, também, por
reza literária e retórica. exemplo, volta-se para a “passagem da leitura hesi-
Ainda de acordo com o prefácio, os trechos es- tante para a leitura corrente” e possui, dentre outros
colhidos foram extraídos “das obras dos melhores objetivos, a “compreensão total de períodos e peque-
autores, tanto nacionaes como portuguezes”, de modo nas narrativas” e o “domínio geral do mecanismo e
que não apenas desperte “os sentimentos mais eleva- sentido da leitura”.
dos”, mas também aja “desenvolvendo pari passu a Percebe-se, claramente, portanto, que a leitura
imaginação e o bom gosto literário”. Além disso, a nesse momento se torna relativamente autônoma em
obra visa também “prestar um pequeno auxilio aos relação aos conteúdos dos textos, o que não ocorria
que se applicam à arte de escrever, pondo-lhes deante nos demais modelos, no interior dos quais era conce-
dos olhos trechos que lhes possam servir de modelo bida como um meio para se alcançarem outros objeti-
42 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20
Livros escolares de leitura
de vocabulário e atividades de redação, acabando por tes, de sua relativa autonomia, de outro. É que muitas
fazer desaparecer o próprio livro de leitura, tal como, modificações apreendidas na morfologia do livro, no
ao longo do período, terminou por se constituir. período, relacionam-se com as principais modifica-
Apreenderam-se, por fim, cinco grandes mode- ções atribuídas à escola no mesmo período: a progres-
los de livro. Ao que parece, dois deles são os mais siva predominância das séries graduadas, em confor-
antigos: o modelo da leitura manuscrita e o modelo midade com a progressiva consolidação do sistema
instrutivo. Se o primeiro irá progressivamente desa- de seriação; a também paulatina distinção das fun-
parecer da produção, o último irá disputar, pelo me- ções dos livros com uma paulatina maior clareza na
nos no início do século XX, com o modelo formativo, distinção das funções a serem preenchidas pela esco-
em maior grau, e com o modelo retórico-literário (num la; a autonomia atribuída à leitura pelo último mode-
grau ainda por se determinar) as preferências de au- lo que surge no período com uma autonomia da esco-
tores, editores e professores. O período é concluído la e de seus agentes.
com o aparecimento de um novo modelo de livro, para Em terceiro lugar, é necessário compreender de
o qual a leitura, seccionada por meio de um conjunto modo mais abrangente e cuidadoso as relações entre
de habilidades e conhecimentos, será convertida em os livros de leitura brasileiros e franceses. Trata-se,
objeto autônomo de ensino, independentemente do com certeza, de uma dimensão da influência mais
conteúdo do texto (instrutivo ou formativo) ou de sua geral da cultura francesa no Brasil, no século XIX e
forma apenas. início do século XX. Estudos sobre a edição brasi-
Além desses grandes traços da morfologia do li- leira vêm mostrando, no quadro mais amplo dessa
vro de leitura e de suas transformações, a análise per- influência no Brasil, os estreitos vínculos entre a pro-
mitiu perceber quatro grandes ordens de fenômenos dução editorial dos dois países ao longo do século
cuja participação na conformação dessas característi- XIX e do início do século XX, manifestados, parti-
cas do livro é preciso melhor conhecer. Em primeiro cularmente, pela presença de editoras francesas no
lugar, é preciso acompanhar mais detidamente a pro- país e pela impressão de obras brasileiras na França.
gressiva criação de uma distinção entre dois tipos de São poucas as referências, na historiografia brasi-
leitura escolar: a leitura para aprender a ler e desen- leira, entretanto, à produção editorial didática e, es-
volver a fluência em leitura, feita com o manual, e a pecificamente, aos vínculos entre os modelos do li-
leitura recreativa, para a formação do gosto ou do há- vro escolar brasileiro e os modelos franceses. Os
bito da leitura, feita com obras paraescolares, que de- principais resultados da investigação por nós desen-
vem integrar a biblioteca da sala de aula ou da escola. volvida, porém, mostram a necessidade de se apre-
Parece que essa progressiva distinção nas finalidades enderem esses vínculos, uma vez que os modelos
do trabalho com a leitura na escola termina por criar dos livros brasileiros descritos pela investigação se
uma distinção entre duas grandes funções a serem aproximam significativamente dos modelos descri-
preenchidas pelos livros, que se concretizará, aos pou- tos por Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard (1995,
cos, na criação de dois tipos de livros escolares: o 2000) no estudo de manuais franceses. Apreender a
livro didático e o paradidático ou de literatura infan- natureza desses vínculos e os processos e as condi-
til. É preciso conhecer melhor, portanto, os proces- ções sociais (os agentes, as instituições, as técnicas,
sos, os discursos e os agentes em torno dos quais es- a economia) por meio dos quais esses vínculos se efe-
sas distinções foram sendo construídas. tivaram é uma tarefa a ser desenvolvida.
Em segundo lugar, é necessário apreender, de Por último, é preciso conhecer o modo pelo qual,
modo mais sistemático, as relações entre as formas nas práticas de ensino, em sala de aula, os livros estu-
do livro de leitura e suas transformações, de um lado, dados eram acolhidos, abordados, lidos. Nos tratados
e a progressiva consolidação da escola, de seus agen- de metodologia de ensino e nas prescrições dos legis-
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Livros escolares de leitura
ladores, a leitura em voz alta é o modo por excelência mento da leitura oral e “de relevância capital no de-
da apropriação dos livros analisados. De acordo, por correr da vida prática” (Revista do Ensino,1926).
exemplo, com trechos do tratado de metodologia de No quadro dessa progressiva atenção ao “enten-
Felisberto de Carvalho, inseridos em seus livros es- dimento” e à leitura silenciosa, em oposição à memo-
colares, o trabalho com a leitura visaria à aquisição rização e em complementação à leitura oral, chama
de fluência na leitura. Ainda de acordo com esses tre- atenção a progressiva inclusão, nos livros, de exercí-
chos, a finalidade principal da atividade de leitura em cios. Os dois fenômenos parecem estar relacionados,
sala de aula seria uma adequada expressão oral do uma vez que os exercícios, em maior ou menor grau,
texto, para a qual concorreriam uma apropriada com- exploram aspectos da compreensão do texto e sinali-
preensão do texto e uma correta apreensão do “senti- zam a existência de uma nova maneira de pensar a
mento” que o autor quis exprimir. Recomenda-se, para pedagogia da leitura.
isso, que a leitura de cada lição ou texto se faça me- Estudos e investigações a respeito de livros didá-
diante etapas que envolvem a preparação do texto a ticos vinham apresentando sinais de esgotamento ao
ser lido; a leitura expressiva pelo professor; “a longo dos anos de 1990. A partir da segunda metade
catequização” dos alunos pelo professor, de modo que dessa década, assistiu-se a uma renovação do interesse
os faça perceber idéias principais, relações entre elas, por esse gênero de impresso, em decorrência das pos-
o gênero da composição e o “acento” que nela predo- sibilidades abertas pela utilização de esquemas inter-
mina; nova leitura expressiva pelo professor e, en- pretativos, de procedimentos e pressupostos origina-
fim, a leitura oral pelos alunos. dos por estudos mais gerais a respeito da história do
A leitura em voz alta era considerada, assim, livro, da leitura e da educação, assim como do letra-
até as primeiras décadas do século XX, a mais ade- mento. As contribuições mais gerais do projeto de pes-
quada ao ensino. Através da oralidade, caraterística quisa, cujos resultados parciais descrevemos aqui, bus-
predominante de diversas dimensões da vida brasi- cam situar-se no interior desse quadro e procuram
leira na época, os professores deveriam incentivar a explorar possibilidades diferenciadas de compreensão
leitura dos alunos e, ao mesmo tempo, proporcio- do livro escolar.
nar-lhes um bom desenvolvimento social e intelec-
tual. Nos programas de 1906 (lei no 439, de 29 de ANTÔNIO AUGUSTO GOMES BATISTA, doutor em edu-
setembro de 1906), de Minas Gerais, esse valor apa- cação pela Faculdade de Educação da UFMG, é professor nessa
rece nos cuidados em se ter uma “boa dicção”, fa- mesma faculdade e pesquisador do CNPq, no Centro de Alfabetiza-
zendo as corretas “pausas e inflexões” na leitura. A ção, Leitura e Escrita (CEALE). Atualmente realiza pós-doutorado
prática da recitação continua tendo lugar de desta- na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris. Seus
que nos exercícios escolares. Nesse programa é res- principais interesses de pesquisa referem-se ao estudo da cultura da
saltada a importância do “entendimento” do que se escrita no Brasil e das práticas de sua transmissão, no período con-
lê e se recita, em detrimento de uma decoração que temporâneo (séculos XIX-XX), de uma perspectiva social e históri-
se pretende abolir, porque nela se perde o sentido do ca, e privilegiam a pesquisa sobre a produção editorial em língua
portuguesa para o ensino da leitura, da escrita, e do português como
que é lido. Tal preocupação é evidenciada nos exer-
língua materna. Publicou Aula de português: discurso e saberes es-
cícios de “resumo”, “comentário” e “reflexões mo-
colares (Martins Fontes, 1997) e co-organizou, com Ana Maria de
rais”, que devem ser feitos especialmente nos 3o e 4o
Oliveira Galvão, Leitura: práticas, impressos, letramentos (Autên-
anos. É somente no programa de 1925 (decreto no
tica, 1999). É também autor de capítulos de livros e artigos em pe-
6.758 de 1o de janeiro de 1925) que aparece pela riódicos. Atualmente desenvolve a pesquisa Livros escolares de lei-
primeira vez na legislação mineira a preocupação tura: o espaço dos possíveis e o espaço das posições (1868-1950).
com a leitura silenciosa, considerada um comple- E-mail: aagbatista@aol.com e dute@fae.ufmg.br.
ANA MARIA DE OLIVEIRA GALVÃO, doutora em edu- BRASIL, (2001). Guia de livros didáticos; 1a a 4a série. Brasília:
CNPq, é professora do Centro de Educação da Universidade Fe- CARVALHO, Felisberto de, (s.d.). Quarto livro de leitura: curso
deral de Pernambuco e pesquisadora do CNPq. Dedica-se a estu- superior. Rio de Janeiro: Livraria Clássica de Alves e cia.
dos e pesquisas nas áreas de história da educação e da leitura no
CURSO graduado de letra manuscrita [...], (1872). Paris: Garnier.
Brasil. Publicou Amansando meninos: uma leitura do cotidiano
da escola a partir da obra de José Lins do Rego, 1890-1920 (Ed. DE AMICES, Edmundo, (s.d.). Coração. Rio de Janeiro: Francis-
da UFPB, 1998); Cordel: leitores e ouvintes (Autêntica, 2001); co Alves. Tradução de João Ribeiro.
História da educação (em co-autoria com Eliane Marta Teixeira
LACERDA, Dr. Joaquim Maria de (1906). Pequena história do
Lopes, DP&A, 2001); e co-organizou, com Antônio Augusto Go-
Brazil por perguntas e respostas. 9a. ed, Rio de Janeiro: H.
mes Batista, Leitura: práticas, impressos, letramentos (Autêntica,
Garnier. (Nova edição completada até 1905 por Olavo Bilac)
1999). É também autora de capítulos de livros e artigos em perió-
dicos. Atualmente desenvolve a pesquisa Livros escolares de lei- LIMA, Edith Guimarães, RIBEIRO, Maria Guimarães, GOMES,
tura: caracterização e usos (Pernambuco, 1868-1950). Giselda Guimarães, (s.d.). Exercícios de linguagem: (Gramá-
E-mail: anagalvao@nlink.com.br. tica funcional). 3a. ed. Porto Alegre: Livraria Selbach. [III ano
primário].
KARINA KLINKE, doutoranda em educação na Universi- LOURENÇO FILHO, M. B., (1961). Pedrinho. 11a ed. São Paulo:
dade Federal de Minas Gerais, é professora de história da educa- Melhoramentos.
ção na Fundação de Ensino Superior de Goiatuba-GO. Faz pes-
MINAS GERAIS, (1906). Coleção de Leis e Decretos do Estado.
quisas nas áreas de história da educação e da leitura no Brasil,
tendo publicado diversos trabalhos em anais de congressos nacio- Lei no 439 (de 29/9/1906) que Aprova a Reforma do Ensino Pri-
nais e regionais. É também autora de um capítulo do livro Lendo e mário e Normal do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
escrevendo Lobato (organizado por Eliane Marta Teixeira Lopes, MINAS GERAIS, (1906). Coleção de Leis e Decretos do Estado.
Autêntica, 2000). Atualmente desenvolve dois projetos de pes- Decreto no 1.947 (de 30/9/1906) que Aprova o Programa do
quisa: Livros escolares de leitura: o espaço das posições (1868- Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
1950), coordenado por Antônio Augusto Gomes Batista, e
MINAS GERAIS, (1912). Coleção de Leis e Decretos do Estado.
Escolarização da leitura no ensino primário de Minas Gerais na
Primeira República, ambos apoiados pelo CNPq. E-mail: Decreto no 3.405 (de 15/1/1912) que Aprova o Programa de
BPR., (s.d.) Leitura manuscripta; lições colligidas. Rio de Janei- Ensino Primário do Estado. Belo Horizonte: Imprensa Oficial.
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46 Maio/Jun/Jul/Ago 2002 Nº 20
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