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'ESCOLA NOVA E PROCESSO e eficiente,2 da velocidade das transformações, da


EDUCATIVO – DIANA GONÇALVES VIDAL in interiorização de normas de comportamentos
LOPES, Eliane M. Teixeira et alli. 500 anos de otimizados em termos de tempos e movimentos e da
Educação no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, valorização da perspectiva da psicologia experimental
2003. na compreensão “científica” do humano, tomado na
dimensão individual.
“(O ideal da escola ativa) é o mesmo ideal de O trabalho individual e eficiente tornava-se a base
Montaigne, de Locke e de Rousseau — e Pestalozzi, da constituição do conhecimento infantil. Devia a
Fíchte e Froebel fizeram já dele o centro de seus escola, assim, oferecer situações em que o aluno, a
sistemas educativos. É o ideal de todos os pedagogos partir da visão (observação), mas também da ação
intuitivos e geniais do passado, de todos os precursores; (experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber.
anos o que fez a força desses precursores, sua intuição, Aprofundava-se aqui a viragem iniciada pelo ensino
foi precisamente sua fraqueza, só se leva em conta a intuitivo no fim do século XIX, na organização das
difusão de sua obra e progresso da ciência. Eles práticas escolares. Deslocado do “ouvir” para o “ver”,
adivinharam a infância, mas não a conheceram, no agora o ensino associava “ver” a “fazer”.
sentido que o nosso século dá a este conceito. Antes do Nesse sentido, uma nova dinâmica impulsionava
advento da psicologia experimental, não existiam senão as relações escolares. O aluno assumia soberanamente o
meios de pressentir, hoje existem os meio de saber. A centro dos processos de aquisição do conhecimento
intuição dos grandes pedagogos do passado enriquece- escolar: aprendizagem em lugar de ensino. A psicologia
se assim nos nossos dias pelo conhecimento psicológico experimental dava suporte à cientificidade da
do espírito da criança e das leis do seu crescimento. pedagogia e produzia no discurso da escolarização de
Hoje sabemos que a criança cresce como uma pequena massas populares o efeito da individuação da criança: o
planta, segundo leis que lhe são próprias, e que não recurso aos testes e à constituição das classes
chega a possuir verdadeiramente senão o que adquiriu, homogêneas pretendia assegurar a centralidade da
e assimilou por um trabalho pessoal “ Fernando criança no processo educativo e garantir o respeito à
Azevedo sua individualidade em uma escola estruturada para o
ensino de um número crescente de alunos. A regulação
Na constituição de um discurso renovador da das práticas escolares realizava-se pela contabilidade de
escola brasileira, a “Escola Nova” produziu enunciados ritmos e produção de gestos eficientes. Os materiais da
que, desenhando alterações no modelo escolar, escola recebiam outra importância porque
desqualificavam aspectos da forma e a cultura em voga imprescindíveis à construção experimental do
nas escolas, aglutinadas em torno do termo conhecimento pelo estudante. Os métodos buscavam na
“tradicional”. Era pela diferença quanto às práticas e “atividade” sua validação.
saberes escolares anteriores que se construía a É tentando perceber como esses discursos
representação do “novo” nessa formação discursiva. operaram alterações nos dispositivos da escola primária
Operavam-se, no entanto, apropriações do modelo brasileira nos anos 20 e 30, em busca do que os
escolar negado, ressignificando seus materiais e educadores denominavam “racionalização” dos
métodos. processos educativos, que o presente artigo dispõe-se a
Já no fim do século XIX, muitas das mudanças abordar a “escrita”, a “leitura” e as “ciências naturais”
afirmadas como novidades pelo “escolanovismo” nos como disciplinas escolares.
anos 20 povoavam o imaginário da escola e eram
reproduzidas, como prescrição, nos textos dos relatórios A ESCRITA
de inspetores e nos preceitos legais: a centralidade da Rupturas sociais e históricas na noção de escrita
criança nas relações de aprendizagem, o respeito às promoveram alterações na maneira como foi sendo
normas higiênicas na disciplinarização do corpo do incorporada pela escola. A forma adequada de escrever
aluno e de seus gostos, a cientificidade da escolarização foi objeto de disputas e de normatização no universo
de saberes e fazeres sociais e a exaltação do ato de escolar, relacionadas a mudanças nas relações sociais,
observar, de intuir, na construção do conhecimento do espaciais, materiais f’ temporais que se constituíram no
aluno. interior da escola primária.
Na década de 20, entretanto, essas preocupações A escrita havia assumido o mesmo estatuto que a
voltaram a ser enunciadas como “novas” questões. A leitura na definição de alfabetizado no século XIX. Ler
ruptura entre urna e outra formação discursiva no vinha e escrever eram compreendidas como capacidades
associada a uma alteração dos enunciados, mas de seus fundamentais ao indivíduo no seu reconhecimento
significados. A escola renovada pretendia a como letrado. Apesar de ser indicado o ensino
incorporação de toda a população infantil. Serviria de simultâneo desde 1840, muitas escolas ainda
base à disseminação de valores e normas sociais em mantinham o ensino sucessivo, ensinando primeiro o
sintonia com os apelos da nova sociedade moderna, aluno a ler para depois chegar a escrever. Apontavam-se
constituída a partir dos preceitos do trabalho produtivo questões materiais, como O alto custo do papel e a
precariedade dos móveis escolares, como fatores
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importantes na continuidade do ensino sucessivo de Os debates em torno da caligrafia muscular
leitura e escrita. haviam- se iniciado na década de 20, em São Paulo,
No fim do século XIX e início do XX, recorrendo com a introdução do método no Colégio Mackenzie,
à higiene, a pedagogia começou a produzir estudos escola americana de orientação protestante, pelo deão
próprios tomando o corpo do aluno no ato da escrita. do curso comercial Mr. Alfredo A. Anderson, que
Pretendia distinguir o aluno escolarizado da criança publicara o livro Calligraphia Muscular de C. C. Lister,
sem escola pela posição tornada para o ato de escrever. em que explicitava o método em seus detalhes. No ano
A fórmula de Georg eSand — “papel direito, corpo de 1929, Anderson editava na revista Educação, órgão
direito, escrita direita” — foi evocada pelos educadores de difusão da Diretoria Geral de Instrução Pública de
na defesa da letra vertical como tipo caligráfico ideal. São Paulo, o artigo “O ensino da calligraphia”, em que
Apresentada como mais adaptada aos signos da defendia a superioridade da escrita muscular em
modernidade, porque levava para o universo escolar a comparação à vertical. Nesse mesmo ano, Lourenço
legibilidade e a simplicidade do texto produzido na Filho, demonstrando interesse pela escrita muscular,
máquina de escrever, a escrita vertical emergiu como a efetuou uma tradução manuscrita de Muscular
solução para os problemas de miopia e escoliose Movement Writing — Elcnzentary Book, de C. C.
verificados em alunos.3 Lister.
No mesmo período, esforçavam-se os governos Ao assumir a direção da Escola de Professores do
republicanos estaduais para construir prédios escolares, Instituto de Educação, no Rio de Janeiro, em 1932,
conformando os primeiros Grupos Escolares. A reunião Lourenço Filho, organizou algumas investigações com
das Escolas isoladas cm grupos permitia. por outro lado alunos da escola primária, dentre elas o estudo da
um maior controle do trabalhe docente, pela introdução caligrafia muscular, em consonância aos preceitos da
ia figura do diretor. Prestava-se, por outro, ao reforma de instrução pública iniciada por Anísio
desenvolvimento do ensino em classes graduadas, Teixeira, que pressupunha na criação de um Instituto o
substituindo o ensino multisseriado. oferecimento de condições essenciais para o exercício
O empenho da administração pública, laboratorial do ensino renovado; em compatibilidade
especialmente das áreas urbanas, para fornecer um com suas experiências anteriores na Escola Normal de
amplo conjunto de materiais à escola primária, São Paulo, onde desenvolveu as primeiras provas dos
intentava viabilizar o ensino intuitivo e pretendia Testes ABC durante os anos 1928 e 1929; e em
ampliar ao ensino público experiências efetuadas conformidade com sua simpatia por pesquisas acerca do
pontualmente nas escolas privadas desde o Império. ensino da escrita.
Mapas, cartazes e coleções eram alguns dos objetos A partir de exercícios preparatórios, quando a
indicados necessários à nova orientação pedagógica. criança era instada a apurar o controle dos movimentos
Representações do ensino intuitivo podem ser da mão e do antebraço, seja com desenhos no ar ou no
apreciadas ria imagem da Escola Nilo Peçanha (RJ), papel, iniciava-se o aprendizado do traçado de letras,
registrada provavelmente em 1911 e difundida no palavras e frases. A caligrafia muscular prescrevia uma
Brasil como cartão-postal. escrita de tipo inclinado e sem talhe, obtida por tração e
Mais especificamente relacionada ao ensino da não pressão, resultado da unidade entre o movimento
escrita estava a disseminação de carteiras, em geral dos músculos do antebraço e da mão, a postura corporal
importadas, preceituadas em proporcionalidade à do aluno na carteira, posição levemente oblíqua do
estatura do aluno e fixas ao chão para evitar a caderno, o ritmo regular do traçado da letra e a
mobilidade da criança, mantendo-a na posição rígida manutenção do lápis ou da pena constantemente sobre o
(4) —- o que reporta às prescrições higiênicas —, e papel. O ritmo era controlado pelas palmas ou canções
também o uso de ardósias para a aprendizagem inicial elaboradas para o exercício. À medida que se
do escrever, seguida de cadernos caligráficos nas séries aperfeiçoava o traço, reduzia-se paulatinamente seu
posteriores. tempo de execução.(5 )
Nos anos 20 e 30, surgiu novamente a discussão Os experimentos levados adiante por Orminda
acerca da escrita mais adaptada à modernidade, dando Marques, professora de Prática de Ensino da Escola de
visibilidade n um novo conjunto cio questões relativas Professores e diretora da Primária, tiveram duração de
às práticas escolares do escrever. O discurso higiênico três anos e geraram a publicação de artigos, do livro A
era substituído pelo da psicopedagogia. escrita na escola primária, pela Cia. Melhoramentos de
A velocidade acelerada das transformações sociais São Paulo, reeditado em 1950, e também a edição, entre
e a preocupação com a otimização das tarefas levaram 1940 e 1960, de vários cadernos de caligrafia adaptados
os educadores renovados a considerar maneiras de às diferentes séries da escola elementar: Brincando com
“racionalizar” a técnica da escrita. Apesar de não- o lápis, trabalho preliminar da série “Escrita brasileira’
hegemônica a proposta da “caligrafia muscular”, que e Escrita brasileira (caligrafia muscular) números 1,
associava à disciplinarização corporal do aluno um 2,3,4 o . Partindo de uma tiragem anual de 11 mil
controle mais minucioso do tempo individual, permitia exemplares em 1944, a série alcançou em 1952 a
compreender os novos desafios da escrita. tiragem de 250 mil exemplares distribuídos por todos o
estados brasileiros.
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Segundo a autora, a sociedade moderna Todo nosso esforço, neste ensaio, foi o de
demandava uma escrita clara, legível e rápida. Como procurar. por meios objetivos, fixar munia
meio de comunicação, a escrita deveria ser eficiente na técnica de escrita para as crianças brasileiras,
economia de tempo tanto para a leitura, “para que o nas condições reais e comuns do trabalho de
leitor não venha a sentir sua atividade mental dividida nossas escolas.10
entre a decifração das palavras e o conteúdo”(6) quanto
para a técnica de escrever. Eram estas premissas — velocidade de traço,
legibilidade e adequação às condições reais de trabalho
Tudo marcha rapidamente. O ritmo, que escolar — que faziam Orminda defender a caligrafia
temos de obedecer, vivendo a vida moderna, é muscular. Para assegurar as condições materiais ao
sempre cada vez mais acelerado. Nos primeiros desenvolvimento da experiências de outras atividades
anos de escolaridade, atendendo a essa crescente pedagógicas na escola, mesmo antes da elaboração dos
solicitação de eficiência, é que devemos preparar cadernos caligráficos por Marques, o Instituto de
a criança para mais feliz e segura partida. O Educação, na década de 30, mandava imprimir
ensino da escrita, como uma das técnicas cadernos para seus alunos na Casa Mattos.. papelaria
elementares da escola primária, deve ser também localizada ruas proximidades da escola. Um desses
moldado sob a preocupação do tempo. Além disso, cadernos foi utilizado por Haydée Gailo Coelho,
do ponto de vista puramente intelectual, é certo quando aluna da Escola de professores do Instituto de
também que a habilidade de quem escreve deve Educação do Distrito Federal na década de 30.
permitir tal velocidade, que não prejudique a Lourenço Filho realçava a importância da pesquisa
rapidez do pensamento.7 de Marques na introdução que escreveu a seu livro:

Essa preocupação econômica com a escrita se Na verdade, o que mais impressiona neste
pretendia atender às necessidades da sociedade trabalho — belo modelo de pedagogia
moderna respaldava-se no discurso da psicologia experimental — não é apenas a paciente e
experimental, propondo o uso racional das capacidades sincera experimentação, que, por muitas vezes,
do corpo, evitando o que Ferrière denominou de “fadiga tive a ocasião de acompanhar, em suas minúcias.
inútil”8 e que Anderson assim exemplificava: O que realmente impressiona aos que.estimam e
procuram compreender as crianças, é a
Simplicidade, seqüência e coordenação de constante e vitoriosa intenção da Autora em
movimentos, suficientemente repetidos de maneira documentar que o Ensino da escrita pode e deve
a serem devidamente feitos trazem uma execução ser ativo, isto é, apresentar-se em situação
que dá impressão de facilidade, tranqüilidade funcional, tal como o de outras disciplinas que a
mesmo, que às vezes engana quanto a rapidez. renovação escolar já alcançou em cheio,
Pode-se observar isto a qualquer hora. (...) reanimando-as em seus fundamentos e
Procurai acompanhar uma boa costureira no seu técnicas.11
trabalho, durante um dia. Não só fareis muito
menos trabalho, mesmo fazendo maior esforço Acrescentava a funcionalidade ao
como, no fim do dia estareis extenuadas, achando experimentalismo1 à racionalização e à eficiência,
que merecem um bom repouso, enquanto ela, compondo as principais característica que a escola nova
provavelmente, faz planos para ir a algum baile, associava ao ensino em sua produção como
onde passara metade da noite, e vi voltará sem “renovado”.
mostra de cansaço. Ela não se abate com o Se se mantinham algumas das premissas
trabalho e vós vos consumis com ele, continuando temporais, espaciais materiais e sociais já enunciadas
a atormentar-te no sonho. Este princípio pode no oitocentos quanto ao ato de escrever, as
aplicar-se à caligrafia cada vez mais.(9) investigações com a caligrafia muscular anunciavam
certas alterações nos seus significados.
Se mis investigações de Orminda pretendiam A nova noção de “gesto eficiente” integrava o
sintonizar a escola com mis mui lanças sociais, controle do corpo ao do tempo de escrita. Testes
propunham-se, também, a discernir qual escrita era realizados regularmente na escola primária pretendiam
mais adaptada à criança brasileira. Seus estudos, apurar o desenvolvimento individual da escrita e
portanto, apesar de embasados em pesquisas norte- oferecer subsídios à elaboração de uma escala brasileira
americanas e européias, recorrendo a autores como para aferição da habilidade em escrever, dividida entre
Robert Dottrens, Frank Freemam, e Lister, qualidade e velocidade12
determinavam a escola brasileira como locus A ampliação do quadro material, o uso crescente
privilegiado de experimentação e observação das de cadernos de caligrafia e a substituição das ardósias
teorias estrangeiras e de percepção de sua adequação ou por cadernos, aprimorava o controle do trabalho
no nossa realidade. docente e discente, conferindo-lhe maior durabilidade e
visibilidade .
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A concepção de ensino laboratorial avançava a passagens lidas por um ledor de apenas onze
atividade da escola e das pessoas que envolvia para anos. E com elas se emocionavam, como se
além da mera observação. Experimentar era a nova quisessem retribuir o esforço daquele que,
meta no universo escolar. Tanto alunos quanto mesmo reconhecendo a honraria do cargo, não
professores deveriam atuar como experimentadores na deixava de lastimar, vez por outra, as horas
construção de práticas mais eficazes de aquisição de perdidas de um folguedo querido ou de sono. E o
conhecimento. Uma outra dinâmica social, assim, jovem (...) lia os textos que lhe eram confiados,
impunha-se às relações escolares. repetindo trechos sempre que solicitado,
realizando pausas para dar lugar às expansões
A LEITURA dos ouvintes —expressões dos juízos a respeito
dos personagens e acontecimentos da trama,
Da mesma maneira que a escrita, a escolarização mas que, no fundo, constituíam uma avaliação
da leitura repousou num movimento de impregnação da interpretação emprestada ao texto pelo ledor.
das práticas escolares pelas práticas culturais e sociais
historicamente constituídas. E a forma apropriada de ler A percepção de que a leitura se fazia
também tendeu a ser normatizada a partir de mudanças principalmente por palavras e frases, recorrendo o leitor
nas relações espaciais, materiais, temporais e sociais à decifração de letras isoladas apenas para palavras
estabelecidas no interior da escola primária. desconhecidas, levou educadores oitocentistas a
Até o fim do século XIX, a leitura escolar defender o método analítico para o ensino da leitura (e
basicamente resumia-se à repetição de textos da escrita). Sintonizavam-se aos preceitos da lição
memorizados, aprendidos oralmente. A alfabetização intuitiva:
iniciava-se pelo ensino de letras isoladas.
Na década de 1880, surgiram os primeiros estudos O pensamento e a linguagem são também fatos
científicos na Europa e nos Estados Unidos da América observáveis já que, adquirir consciência das
sobre o ato de ler.° A compreensão de que a leitura se próprias operações intelectuais (...) consiste
fazia por palavras e frases, mais do que por justamente na observação do pensamento. Além
reconhecimento de letras isoladas, e a descoberta de disso, o pensamento adquire uma forma por
que os movimentos oculares na leitura eram meio das palavras que são compreendidas pela
descontínuos, consistindo uma série de períodos de junção de sons, ‘envelopes de idéias’, e que são
avanços, regressões e pausas impulsionaram um também elementos diretamente observáveis.
con1unto de pesquisas que, de acordo com Lourenço Justifica-se a&sim a análise dos sons que
Filho, distribuíram-se da seguinte maneira: de 1880 a compõem as palavras, acompanhada do estudo
1909, apenas 34 trabalhos especializados foram dos signos que a representam, isto é, a escrita.
publicados no mundo De 1910 a 1920 esse número (16)
saltou para 201 E, finalmente entre 1921 e 1926 430
pesquisas se realizaram. Fortemente ritualizada, a leitura em voz alta exigia
O crescimento do interesse em investigar a leitura do leitor uma postura correta, o domínio da respiração
era desencadeado pelo aumento das taxas de concomitante às pausas da pontuação e uma dicção
escolarização e pela percepção de que um contingente perfeita. Na escola, cuidava o professor de ensinar
maior de crianças na escola não significava diretamente meticulosamente os preceitos de uma boa leitura oral:
uma baixa dos índices relativos de analfabetismo. regras de pontuação, respiração, postura diante do livro
Havia sempre crianças que não logravam aprender a ler e respeito ao texto escrito.17
e escrever.(14) Uma leitura perfeita foi assim descrita por Roca:
Apesar da leitura escolar valorizada no fim dos
oitocentos e início dos novecentos ser ainda a oral, Júlio leia a lição:
distinguia-se da anterior pelo cultivo da leitura O aluno levantando-se, e ficando na posição de
expressiva e pelo recurso do método analítico. sentido, com o braço naturalmente distendido ao
Ao identificar bons hábitos de ler com a leitura longo do corpo, ao segurar o livro com a mão
expressiva, a escola se apropriava de uma prática esquerda, tendo o braço levemente dobrado de
cultural corrente na burguesia urbana: a leitura de modo que o livro ficasse a altura dos ombros e a
convívio em voz alta. No depoimento de José de vista caindo obliquamente sobre a respectiva
Alencar, escrito em 1873, e narrado por limar R. Mattos página, fez a leitura
(15) pode-se acompanhar uma dessas cenas:
Em geral, a leitura oral e, controlada também no
Na sala, o reduzido auditório sentado ao redor seu conteúdo, devendo ser precedida por uma
da mesa, no centro do qual havia um candeeiro. preparação do aluno pelo professor à compreensão do
Embora ocupadas com os trabalhos de costuras, texto a ser lido. A leitura oral era a estratégia utilizada
as mulheres esforçavam- se para não deixar de pela escola para cultivar a apreciação da literatura e
ouvir com toda atenção a mais insignificante das
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permitir a apreensão da mecânica de ler, atingindo sua A experiência de Juracy Silveira, diretora da escola
forma mais aprimorada na leitura expressiva. Vicente Lecínio, no Rio de Janeiro, em 1933, e autora
Os anos 20 trouxeram, entretanto, outros desafios do livro Leitura na escola primária, publicado em 1960
ao leitor. A aceleração do crescimento urbano, a pela editora Conquista, esclarecia como esses novos
proposta de escolarização de massas, a contabilização pressupostos foram operacionalizados nos anos 30:
mais pormenorizada do tempo e a profusão das Com o objetivo de melhorar a aprendizagem da
informações impunham uma leitura mais ágil e leitura, reuni com o corpo docente e expus a
individualizada que a oral. A leitura silenciosa conveniência de se abolir a leitura (ora)
despontou como a resposta aos apelos da nova fragmentada feita diariamente por todos os
sociedade moderna. alunos. (...) Aconselhei o hábito da leitura
De acordo com William Gray,(19) mais do que silenciosa, seguida de uni questionário oral ou
uma mera passagem da oralidade ao silêncio, a nova escrito.” 21
leitura permitia urna diferente relação entre leitor e lido. Constatava Juracy no relatório o aumento efetivo
A leitura era, naquele momento, concebida de freqüência dos alunos à biblioteca. Avaliava que a
melhora da compreensão em leitura silenciosa e em
(...) como um meio de ampliar as redação dos alunos do terceiro ano era, “positivamente,
experiências de meninos e meninas, de a conseqüência desse movimento de bib1ioteta”.
estimular esses poderes mentais e de ajudá- Filialmente apreciava que esse aumento se devia os
los a viver uma vida tão plena e tão rica seguintes medidas:
quanto possível. a) leitura e narração de histórias; b) supressão de
todas as exigências formais. Os livros estavam ao
Para Lourenço Filho: alcance do desejo e das mãos do aluno, em estantes
abertas, onde poderia escolhê-los e tocá-los à vontade;
Em face dessas modernas tendências, todas c) criação de uma hora do livro no dia escolar;
nascidas do estudo objetivo d,i questão, a leitura d) nova orientação dada ao ensino da leitura,
não pode ser definida, como outrora, ‘o processo visando ao seu verdadeiro objetivo — compreensão.”
ou habilidade de interpretar o pensamento, A experiência de Juracy Silveira, assim como a de
exposto num texto escrito ou impresso’. Essa Orminda Marques, era exemplar, mas trazia à evidência
definição é inepta (...) Diz demais porque, na alterações por que passava a escola nos anos 20 e 30 .
verdade, o pensamento não está exposto na
carta, no livro ou no jornal. O pensamento é A criação dos clubes de leitura, a instituição da
uma reação individual, diversa em cada leitor. festa do livro nas escolas primárias; a realização de
As palavras escrltas ou Impressas são possíveis inquéritos sobre leitura por diversas entidades, inclusive
estímulos da atividade do pensamento, não já a Associação Brasileira de Educação, e a avaliação dos
seu veículo das idéias. Diz de menos, porque livros infantis pelas Diretorias de Instrução Pública
tanto quanto as palavras nu frases sejam foram alguns dos mecanismos utilizados por
possíveis estímulos de pensamento, assim educadores “escolanovistas” para disseminar novos
também se apresentam como estímulos de hábitos de leitura e controlar a produção dos livros.(23)
estruturas emocionais, implicando em atitudes Essas novas práticas escolares de leitura
ou sentimentos promoviam e eram promovidas por alterações nas
relações temporais, espaciais, materiais e sociais da
Se tanto a tanto a leitura silenciosa quanto a oral escola.
poderiam responder aos novos objetivos do ler: não A revalorização das bibliotecas escolares permitia
mais interpretar, mas criar; somente a leitura silenciosa um uso mais largo do espaço da escola pelo corpo
permi1 iria atingi-los de maneira mais eficiente. Os discente e docente. Por outro lado, a introdução de
estudos sobre os movimentos oculares demonstravam bibliotecas de classe possibilitasse. ao aluno
que o avanço da visa-de era mais rápido do que a movimentar-se mais frequentemente dentro da sala de
oralização do lido. Logo, o domínio da leitura aula. Possibilidade que se ampliava, no horário escolar,
silenciosa possibilitava no Indivíduo o acesso a um com a realização de trabalhos cm grupo, requerida pelo
número maior de informações, concorrendo para método de projetos o, após, com as reuniões dos clubes
potencializar a ampliação de sua experiência de leitura. O bom funcionamento das bibliotecas
individual.. demandava também a aquisição de livros. Pais e ai unos
Caberia à escola oferecer os meios para o juntavam esforços às iniciativas da escola, doando ou
alargamento do universo de leitura do aluno. Deveria promovendo compras por meio das Caixas Escolares e
enfatizar o recurso à leitura em silêncio, ao mesmo do Círculo de Pais e Professores.
tempo em que teria de disponibilizar maior quantidade A leitura em silêncio enfatizava o ritmo individual
de livros ao público escolar, garantir sua qualidade e do ler, simultaneamente estimulando a leitura extensiva.
abolir a orientação do livro único. Sua eficiência era tanto maior quanto menor fosse a
oralização, daí o interesse constante de professores em
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impedir a movimentação da boca dos alunos, bem como O governo republicano paulista assim traduzia as
o hábito de seguir o texto com o dedo no ato de ler. novas orientações pedagógicas:
A leitura deveria ser apenas visual. Em fotografia
difundida por Lourenço Filho, no livro Introdução ao As lições sobre as matérias de qualquer dos anos
Estudo da Escola Nova, na edição de 1936, quando do curso deverão ser mais empíricas e concretas
ainda era Diretor do Instituto de educação do Distrito do que teóricas e abstratas e encaminhadas de
Federal, alunas e alunos foram a retratados lendo, modo que as faculdades infantis sejam
sentados no chão. Na legenda, destacava-se que “o provocadas a um desenvolvimento gradual e
interesse leva à disciplina natural”. A pretensa harmonioso.
informalidade da cena indiciava a intimidade entre o
leitor e o livro, almejada pelo discurso escolanovista. Especialmente talhado para os estudos de natureza
Toda essa preocupação “econômica” com o ler e para o campo das ciências naturais, pela ênfase na
harmonizava-se às exigências da nova sociedade, urna experiência dos sentidos, o ensino intuitivo transpunha
vez que ler rápida e eficazmente, decifrando com para o universo escolar urna nova concepção do “real”
velocidade os signos escritos era, e continua sendo, ao mesmo tempo em que se deslocava para observar a
uma das necessidades da sociedade moderna em que a antiga arte do ouvir e repetir: marca do ensino
apreensão veloz da mensagem escrita torna-se a única verbalista praticado nas escolas catequéticas do século
maneira de lidar com a profusão de impressos em XVI, atualizado para o ensino primário no fim do
circulação e com a proliferação de escritas que século XVIII.
demarcam os usos nos universos social, urbano e do O aluno era instado a observar fatos e objetos com
trabalho. Constituir leitores era, assim, para a escola das o intuito de conhecer-lhes as características em
décadas de 20 e 30, produzir decifradores de uma souàçi5t. de aprendizagem, como excursões nu lições
cultura urbana cada vez mais associada a signos de “coisas” — e na falta destas pelo estudo de desenhos
escritos; de urna cultura do trabalho relacionada a ou gravuras. O conhecimento, em lugar de ser
informes e manuais e de uma cultura social transmitido pelo professor para memorização, emergia
caracterizada pela profusão de informações por jornais da relação concreta estabelecida entre o aluno e esses
e rádios e pela explosão de imagens permitida peio objetos ou fatos, devendo a escola responsabilizar-se
cinema. por incorporar um amplo conjunto de materiais.
Para atingi-la era preciso “racionalizar” o ler, o Como parte desses esforços, era indicada a
que significava não apenas intensificar o ritmo de constituição de museus pedagógicos e escolares.
leituras e alargar a quantidade de material lido, mas Geralmente formados por coleções de objetos,
habilitar o leitor veloz a bem se1ecionar o que lia e a divididos em remos da natureza — minerais, animais e
apropriar-se rapidamente das informações recolhidas na vegetais —, teriam os museus pedagógicos a função de
elaboração de sua própria experiência. servir “ao estudo do professor”, enquanto os escolares
Nesse último sentido, artigos foram publicados na prestar-se-iam a “auxiliar o docente” no ensino das
imprensa pedagógica orientando os leitores à “leitura diversas disciplinas do curso primário.
inteligente”: sistematização do lido em fichas ou Apesar do ensino voltar-se para a observação
esquemas. Fixava-se, assim, a maneira adequada de ler. infantil e indicar a relevância da participação do aluno
Ler e escrever estavam associados. Aproximavam-se na aquisição do conhecimento eram ainda ao professor
como práticas da racionalidade, afirmando a “exclusão que se destinavam os museus.
do mundo mágico das vozes e da tradição” do universo A ruptura que se operou nos anos 20 e 30 não foi
escolar. para negar o movimento anterior, mas para aprofundá-
AS Ciências NATURAIS lo. Se os educadores “escolanovistas” insistiam no
A introdução das ciências naturais como disciplina valor da observação e ressaltavam a necessidade das
do ensino primário foi, também, resultado de excursões como atividades fundamentais na construção
apropriações escolares de saberes e práticas sociais. do conhecimento da criança eram como momentos
Entrelaçou-se a alienações materiais e metodológicas iniciais, preparatórios à nova ação do aluno:
da escola, que repercutiram na ressiginificação histórica experimentar.
de dinâmicas sociais, tempos, espaços e objetos De posse do material coletado em excursões, os
escolares. alunos transformavam-se em pesquisadores. Física e
No fim do século X1X, o acolhimento do método Química eram atividades de laboratório, onde se
intuitivo pela escola primária concorreu para alterar refaziam os passos da experiência científica. A
suas práticas. Pressupondo um ensino que partisse do dissecação de insetos servia à Anatomia; o cultivo de
concreto para o abstrato, do próximo para o distante, o plantas, à Botânica e os viveiros e aquários, à Zoologia.
método valorizava a aquisição de conhecimentos pelos Além do reforço à observação da realidade em seus
sentidos. Era pela visão, tato, audição, paladar e olfato detalhes, o estudo dessas disciplinas contemplava o
que a criança seria levada a conhecer o mundo que a ideal de escola como laboratório e de estudo como
cercava. O ensino sena realizado pelas “lições de aliado da pesquisa.”
coisas” — maneira como foi vulgarizado.
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Para efetivar esse novo ideal de ensino das desenvolvimento de um trabalho coletivo, e indicavam
ciências naturais, era aconselhável a constituição de a atuação da criança como experimentadora ativa.
laboratórios e de gabinetes de estudo nas escolas Ganhavam relevo, especialmente quando aprimorados
primárias. De formato mais simples e mais facilmente pela noção de método de projetos, que para os
construídos, os museus escolares ofereciam-se como educadores renovados, como Maria dos Reis
resposta à nova preocupação pedagógica. Campos,33 apresentava-se como o método que melhor
se adaptava aos ideais “escolanovistas” porque
A pedagogia nova não admite mais o ensino colocava o aluno diante da necessidade de traçar e
imposto, e, sim, o aprendizado ativo e funcional, realizar planos para solucionar problemas da vida
isto é, o aluno, respeitadas as leis de sua prática.
evolução e dos interesses correspondentes, Os novos museus escolares e de classe, em lugar
realizando o próprio aprendizado sob as vistas de mostruários de vidro nos quais se colecionavam
amigas e ponderadas do mestre. Por isso mesmo espécimes animais, vegetais e minerais, pretendiam
é que o museu escolar constará de objetos e acompanhar a atividade escolar. As coleções deixavam
materiais colhidos pelos alunos em suas de ser estáveis e abertas unicamente a visualização e
excursões e servirá, assim, não só de base ao passavam a ser constantemente alteradas, variando
estudo objetivo de todas as matérias do conforme o interesse das crianças e do trabalho escolar.
programa escolar, como de meio para a Potes de plantas em germinação, figuras recortadas,
divulgação de todas as possibilidades desenhos infantis e tabuleiros de areia pata modelagem
econômicas das diversas circunscrições em que conjunta constituíam-se nos “novos” objetos que
se acha a escola. (Grifos meus.) figuravam nos museus de saia.
Nos museus escolares, a repartição dos objetos
A centralidade da criança na construção do segundo os remos da natureza era abandonada e uma
conhecimento escolar era aqui afirmada claramente. O “feição declaradamente social” organizava as partições
ensino cedia o lugar à aprendizagem, nas palavras de que se realizavam nos eixos: educação física e higiene;
Luiz Galhanone. educação científica (inclusive história e geografia),
Esclarecedora era a nova proposta de constituição educação doméstica e educação cívica.
de museus escolares, implementada pela reforma da Afirmava Everardo Backheuser, administrador do
instrução pública do Rio de Janeiro, elaborada por Museu Pedagógico Central:
Fernando de Azevedo’ (19274930).
Prescrevia-se que cada escola deveria instituir seu De fato, a organização dos museus pedagógicos
próprio museu, com instalações adequadas e deve ser feita agora de modo bem diferente do
funcionários designados para sua guarda. Mais, cada que era anteriormente. Havendo mudado a
sala de aula constituiria um museu dinâmico como as orientação pedagógica do ensino, cumpre
relações de ensino e aprendizagem, adaptado também que os museus escolares tenham o seu
intimamente ao desenvolvimento dos estudos contando arranjo guiado por outras diretrizes mais de
com a contribuição dos alunos. acordo com os princípios da chamada escola
A criação de museus em sala de aula era nova.
determinada pela noção de “centros de interesse”.
Pregava a reforma que o ensino deveria pautar-se pela Não apenas tinham-se alterado as orientações
integração das matérias e ser estimulado por questões pedagógicas, mas a própria concepção das ciências
de interesse geral dos alunos, partindo de sua realidade naturais incorporada pelo universo escolar. O método
mais próxima. Os museus, assim, recolheriam o intuitivo, baseado no princípio de que a educação
material trazido pelas crianças ou por elas produzido, deveria recapitular no indivíduo o processo de evolução
como desenhos e outras manifestações artísticas, da humanidade, atrelava a pedagogia ao evolucionismo
valorizando-os e utilizando-os como reforço à spenceriano (a lei de recapitulação abreviada).
aprendizagem. Conforme mudassem os centros de Nesse sentido, o conhecimento da natureza e as
interesse, o museu da sala novamente constituiria seu lições de coisas preparavam o escolar para uma
acervo, espelhando a dinâmica da aprendizagem. concepção evolucionista da ciência e do homem. Ao
O ensino a partir do estudo de objetos de interesse reforçar a natureza como paradigma das ciências,
da criança já havia sido proposto por Herbart, no século dentre elas a biologia, e ao desprestigiar a memória
XIX. Dirigia-se, essencialmente, para o ensino como meio de aquisição de conhecimentos reafirmava
individual e pressupunha como passiva a experiência os determinismos raciais presentes no universo mental
(conhecimento primário) sobre a qual se exercia a oitocentista.
elaboração conceitual (conhecimento secundário). 32 Os anos 20 viam descortinar uma nova percepção
Revistos e discutidos por Decroly e Ferriére no século da relação entre ciência natural e educação. A
XIX, os centros de interesse eram utilizados para construção de uma nação brasileira, amálgama de
envolver toda a classe no estudo de temas específicos, brancos, negros e imigrantes, colocava como desafio a
permitindo conciliar a ação individual e o “regeneração social”, que para os educadores
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“escolariovistas” s6 poderia ser atingida pela educação Mas essas preocupações não se resumiam a
das massas. apresentar e discutir o pensamento exógeno. Adaptar as
teorias estrangeiras à realidade nacional e produzir
Para os novos intérpretes do Brasil que entram investigações sobre as características da escola, da
em cena nos anos 20. as teorias racistas que, criança e do adolescente brasileiro eram outros
desde o século anterior. constituíam a interesses manifestados pelos “escolanovistas”.
linguagem pela qual era formulada a questão A escola laboratório, aqui, apresentava-se como
nacional, são, assim, relativizadas por uma uma possível síntese. Oferecendo-se para teste das
nova crença: a de que sa0de e educação eram propostas elaboradas no exterior, abria-se à observação
fatores capazes de operar a regeneração das e à sistematização do comportamento infantil, à
populações brasileiras.3’ experimentação de novos métodos e práticas
pedagógicas enraizados na realidade brasileira, à
Questionavam-se os determinismos raciais e a construção de escalas e medidas, permitindo a
educação apresentava-se como possibilidade de elaboração de parâmetros científicos ao
produzir um novo cidadão brasileiro pela introjeção de desenvolvimento dos novos hábitos sociais e sua
hábitos higiênicos. Parafraseando-se a formulação de avaliação em padrões brasileiros, bem como à
Ferrière, a educação deveria servir para desenvolver o visibilidade das mudanças implementadas pela ação dos
indivíduo do “interior para o exterior”, disciplinando-o educadores renovados no Brasil.
não pela autoridade externa, mas pela atitude Os inquéritos constituíam-se em outra forma de
consentida. investigar a realidade educacional brasileira.
Pretendiam, além de consultar especialistas para debate
COMENTÁRIOS FINAIS de questões pedagógicas, detectar aspectos
As mudanças operadas nas práticas e nos saberes quantitativos da escolarização no Brasil. Censos sobre a
escolares nos anos 20 e 30 ocorram em função de um população em idade escolar foram apenas um exemplo.
conjunto de preocupações. Por um lado, os educadores Estava claro para os educadores renovados que se para
renovados pretendiam acompanhar as discussões muitos países a escola já representava a incorporação
teóricas e as inovações práticas realizadas na educação de largas parcelas da sociedade, no Brasil ela era ainda
européia e norte-americana. Nesse sentido, não apenas insipiente, alcançando a alfabetização apenas 20% da
liam textos estrangeiros como empreendiam esforços população nacional.
para tomar a bibliografia internacional acessível ao Estender para todo o território nacional as
magistério público brasileiro, por meio da tradução e condições materiais e técnicas da escola de massas3’
publicação no Brasil de várias obras. era o grande desafio que associava as largas dimensões
A criação de linhas editoriais, como a Biblioteca do Brasil à sua diversidade cultural e populacional.
de educação, em 1927, dirigida por Lourenço Filho Terra de imigrantes, educar o Brasil significava, para
para a Cia. Melhoramentos de São Paulo, como a além de nacionalizar o estrangeiro, “abrasileirar o
Coleção pedagógica em 1929, organizada por Paulo brasileiro”.
Maranhão para a F. Briguiet & Cia., e como a
Biblioteca pedagógica brasileira em 1931. administrada Organizar o trabalho nacional com recurso da
por Fernando de Azevedo para a Cia. editora Nacional, escola, civilizando as populações negras e
foram exemplos desses esforços. mestiças até então inaptas para o trabalho,
Utilizavam-se, ainda, dessa literatura estrangeira passa a ser o caminho alternativo para o
para respaldar sua ação educativa no território nacional. progresso. Não é outro o sentido da descoberto
Por isso não é de estranhar o recurso a Lis ter, Preeman, feita pelos entusiastas da educação na década de
Dotrens em suas pesquisas, ou a recorrência a citações 1920: a de que a educação era o grande
do Ferriêre, Decroly e Dewey em seus trabalhos, dentre problema nacional por sua capacidade de
muitos outros educadores estrangeiros indicados. Tanto regenerar as populações brasileiras,
a seleção das obras traduzidas quanto a dos trechos erradicando-lhes a doença e incutindo-lhes
atados davam indícios para a percepção dos modos hábitos de trabalho. ‘ (Grifos da autora.)
particulares como o “escolanovismo” brasileiro
apropriou-se da discussão internacional sobre educação. Se as conquistas educacionais do fim do século
Congressos, conferências e cruzadas constituíram- XIX não se haviam estendido a todo o Brasil, a
se em outras estratégias de difusão do pensamento proposta dos anos 20 e 30 não era simplesmente levar o
“escolanovista”, à medida que acolhiam professores de “modelo escolar” então constituído a outras regiões.
diferentes níveis para debate de temas específicos, Mais que isso, o discurso “escolanovista” operava
como higiene escolar, métodos de projetos, museus ressignificações em vários aspectos das inovações
escolares e muitos outros, e que atingiam pela sua oitocentistas.
divulgação na mídia impressa e radiofônica parcelas da O método de projetos questionava a rígida
população de vários centros urbanos. repartição de horários da escola primária.
Anteriormente relacionada à higiene e a características
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“biológicas” do aluno, a divisão consecutiva do tempo princípio ‘intempestivo’ de ‘escolhas
escolar em atividades era substituída pelo tempo caprichosas’.42
“psicológico” do interesse.
Não é a hora que fixa irremediavelmente o limite Nesse movimento, mais do que atualizar os
da lição, é a necessidade psicológica, do interesse princípios e as práticas educativas do fim do século
despertado que o mestre deve aproveitar, tratando, sem XIX, a escola nova promoveu, nos anos 20, rupturas
limite de tempo, a matéria ou desenvolvendo o nos saberes e fazeres escolares.. Não constituiu um
trabalho, por que a classe se interessou e que ela novo “modelo escolar”, mas produziu novas “formas” e
mesma, por isto, não desejaria abandonar.” alterou a “cultura escolar”.43
O método de projetos, ainda, organizava
diferentemente o espaço escolar. As carteiras fixas,
substituídas pelas móveis, abandonavam a ordenação
em fileiras e buscavam, na associação, oferecer
condições para o trabalho em grupo.

A escola passou a ser uma escola muito mais


liberal, muito mais alegre. Só você ver a criança
sentada junto.., de quatro, mesinhas de quatro
para trabalharem juntas e trabalhavam juntas,
trabalhavam em colaboração.

Na fotografia divulgada peio Instituto de Educação


do Distrito Federal, por meio de sua revista Arquivos
do Instituto de Educação, em 1934, a sala de aula da
escola primária foi registrada produzindo tal
representação do trabalho de projetos, realizado por
alunos e alunas, em seu horário livre, conforme indica a
legenda:

Os alunos trabalham em grupos,


organizados por eles próprios, para a
realização de pequenos ‘projetos’.

Na reorganização do espaço e reordenação do


tempo, uma nova relação entre professor e aluno se
estabelecia.
As professoras antigamente eram muito mais
severas, não é? E a professora do tempo do Anísio
Teixeira que foi quando mais ou menos, quando eu
comecei a minha vida de professora, ela tinha assim,
um contato direto com a criança. Ela sentava no meio
da criança na sala de aula. 4’
O aluno observador era substituído pelo
experimentador, enquanto a higiene via-se corrigida
pela psicopedagogia. O ensino dava lugar à
aprendizagem. Racionalização e eficiência eram
máximas que se impunham ao trabalho do aluno.

A pedagogia deixava-se impregnar pelo


novos ritmos da sociedade da técnica e do
maquinismo. Ritmos que faziam entravem
modalidades inéditas de interação disciplinar.
Assim, caberia ao professor ‘guiar’ a
‘liberdade’ do aluno de modo a garantir que
o ‘máximo de frutos’ fosse ‘obtido com um
mínimo de tempo e esforços perdidos’. Assim,
também urgia evitar que o ‘interesse’ do
aluno — peça fundamental da nova
pedagogia — se transformasse em ‘paixão’,

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