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Sumário 1
SUMÁRIO
Sobre os Autores ............................................................................................................ 05
Apresentação .................................................................................................................. 07
SOBRE OS AUTORES
Elsa Garrido
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.
Professora Associada do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Com-
parada da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
Myriam Krasilchik
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo.
Professora Titular do Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada
e diretora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.
APRESENTAÇÃO
Para quem lança um olhar sobre a Educação como uma realidade social e
procura refletir a respeito de seus aspectos e rumos, o problema didático destaca-se
das outras dimensões desse campo como sendo o mais real e concreto entre eles.
Manifesta-se no plano da ação escolar de todos os dias e exige soluções imediatas.
Abrange a face mais aparente da Educação, concentrando-se no ensino, tal como se
revela na escola, nas interações entre professores e alunos e nas suas relações com
a aprendizagem, contemplando tanto a materialidade das classes em seu aspecto
espacial quanto a seqüência temporal do processo. Tal relevância, no entanto, não
se explica apenas por constituir aspecto tão visível da Educação, mas porque sofre
o reflexo dos valores, das normas e dos significados do contexto social no qual a
escola está inserida. Esse é um dos motivos pelos quais há uma constante renovação
de problemas didáticos, tanto aqueles que surgem como fatos novos decorrentes
da evolução das sociedades, como os antigos, que adotam novos disfarces e não
desaparecem.
Estamos apresentando uma nova proposta didática. Será tão nova assim?
Pois nela se encontrará um balanço entre a continuidade com outras iniciativas que
estes autores já apresentaram, alguns desde há muito tempo, outros mais recente-
mente, e a irrupção de possibilidades atualmente discutidas e pesquisadas. É certo
que problemas e soluções evoluem e que objetivos educacionais transformam-se.
Entretanto, existem valores permanentes, normas que se apóiam na natureza mais
profunda das relações pedagógicas em nossa cultura e em significados éticos que
não se perdem no tempo. O novo e o antigo, o permanente e o atual ficam, pois,
enlaçados numa relação de mútuo enriquecimento.
Pensamos a Didática com apoio em paradigmas teóricos diversificados, en-
trevendo suas possibilidades de complementação ou mesmo de conflitos fecundos.
Não houve preocupação em unificar pontos de vista ou pautar as contribuições a
partir de uma só teoria. São olhares que se entrecruzam, mas que, apesar da varie-
dade de abordagens, integram um propósito comum.
8 Ensinar a Ensinar
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Para os trabalhos aqui reunidos, escolhemos como título aquele que iden-
tifica sua intenção comum: Ensinar a Ensinar. No entanto, sabemos a dificuldade
de levar a bom termo esse propósito da Didática, sobretudo em nossos dias, quando
nos deparamos com novas camadas de problemas sociais, políticos e culturais,
que exigem a revisão das idéias tradicionais sobre o “poder” do ensino. Para levar
avante essa discussão, procuramos respostas a algumas questões atuais que exigem
exame crítico-reflexivo e estimulam o debate, sem perder de vista as condições da
Escola Brasileira Fundamental e Média.
O Ensino: Objeto da Didática 11
PARTE I
CAPÍTULO 1
O ENSINO: OBJETO DA DIDÁTICA
Amelia Domingues de Castro
Ouvi, muitas vezes, perguntas parecidas com estas: Qual é o número do seu
telefone? Quanto custa este livro? Para que serve este objeto? Como se chama esta
flor? Onde fica a Rua Iperê? O que é isto? Para respondê-las, o interlocutor, por
meio de palavras que podem ser acompanhadas por gestos, procura esclarecer uma
14 Ensinar a Ensinar
dúvida, suprir alguma ignorância. Às vezes, uma palavra basta, um número ou uma
cifra, outras vezes muitas frases, acompanhadas por gestos: um dedo apontando ou
um aceno do braço mostrando uma direção. Outras interpelações podem ser feitas:
Como se faz esse ponto de tricô? Como abrir um novo diretório no computador?
Como dirigir esta moto? É provável que nesses casos as palavras sejam poucas e a
gesticulação maior: quem responde poderá apenas indicar os movimentos a fazer,
dizendo: “venha cá, faça como eu.”
Pergunto se nestes casos haverá um processo de ensino e se houve aprendi-
zagem. Com segurança, posso afirmar que houve um processo de comunicação. A
oferta foi provocada, dirigida, pela necessidade de quem iniciou o diálogo e suponho
que a resposta tenha constituído um esforço para a transmissão de conhecimentos ou
habilidades a quem deles não dispunha. Numa antiga acepção, o termo ensinar era
entendido como assinalar, mostrar, anunciar e convém ao tipo de diálogo descrito.
Mas será esse o significado atual do verbo ensinar? Poderei referir-me a ensino
quando nas conversas cotidianas há relatos de acontecimentos ou troca de infor-
mações? Ou quando a intercomunicação assume a forma de debate ou discussão,
ora no nível mais elevado, incluindo argumentações e explicações, ora perdendo
a objetividade? Não duvido que nestas e em outras ocasiões semelhantes, certas
informações e mesmo conhecimentos organizados possam ser comunicados de uns
para outros espontaneamente ou seguindo-se a perguntas. Dizendo ou mostrando,
tenta-se transmitir certas mensagens. O processo de comunicação torna-se objeto de
estudos há algumas décadas e os progressos havidos nos meios para sua efetivação
tecnológica, vencendo distâncias planetárias, vieram acrescentar-lhe um problema
de informática. Da imprensa ao rádio, à televisão e à computação em rede, dispõe-
se hoje de meios para a difusão de todos os tipos de mensagens, ampliando-se as
possibilidades do intercâmbio social.
Ora, o processo de ensino poderia ser examinado apenas como especial mo-
dalidade do processo de comunicação e informação que tanto destaque vem tendo
em nossos dias, não fossem certas peculiaridades relativas tanto a seus propósitos
quanto a suas dificuldades específicas. Mais um exemplo pretende esclarecer meu
ponto de vista.
O mesmo instrumento – a televisão – pode servir para transmissão de um
noticiário e de uma aula. Nesta última, as informações serão organizadas, sistema-
tizadas, incluirão desenvolvimentos explicativos ou demonstrativos, reunidos com
a finalidade expressa de ensinar, ou melhor, com a intenção de produzir aprendiza-
gem. Entre os espectadores poderão estar aqueles que têm igualmente a intenção
de aprender e que, por suas próprias condições de desenvolvimento e experiência,
poderão conseguir realizá-la. Outros, por assisti-la sem aquele propósito ou sem as
condições necessárias, não chegarão a esse final feliz. Por outro lado, informativos
que não têm o objetivo explícito de ensinar (no sentido intencional acima referido)
poderão ser captados por interessados em aprender, tornando-se exemplos didáti-
cos, não obstante tivessem em vista apenas informar ou distrair. Esse qualificativo
O Ensino: Objeto da Didática 15
didático desde a Grécia antiga é usado com referência a obras ou situações desti-
nadas a ensinar. O que variou, passados mais de dois mil anos que nos separam da
antigüidade clássica, foi o conceito de ensino e não o intento que o dirige.
A primeira peculiaridade do processo de ensinar, pois, seria sua intenciona-
lidade, ou seja, pretender ajudar alguém a aprender. Não corresponde a uma certeza,
mas a um esforço. E se refere sempre a quem recebe a comunicação didática. Numa
relação interpessoal direta ou em procedimentos de transmissão à distância haverá,
forçosamente, alguém a quem se quer ensinar alguma coisa.
A essa altura, sinto-me obrigada a reconhecer que não sou capaz de distin-
guir, perfeitamente, os limites entre o que penso ter aprendido por mim mesma e o
que aprendi por um esforço “ensinante” realizado por alguém. Como disse o poeta,
existem situações pré-didáticas, “de dentro para fora”, nas quais se aprende, sem
que ninguém tenha ensinado, por aquela espécie de impregnação à qual se refere
com a nostalgia do sertão: “lá a pedra entranha a alma”. Sentimentos e convicções
assim são adquiridos, “entranhando a alma”.
Observo que as crianças descobrem, por si mesmas, graças à sua interação
com o mundo físico e social, uma enorme quantidade de informações que vão se
coordenando no decurso da construção de sua inteligência. Descobrem propriedades
dos objetos e características do comportamento humano, inclusive do seu próprio.
Têm concepções acerca da natureza e da vida que são sujeitas a modificações, sem
que percam sua origem espontânea. Os adultos continuam tendo experiências em
todas as áreas do saber, da afetividade, da moral ou da estética que não podem apontar
como lhes tendo sido ensinadas, mas que, por vezes, entendem ter sido aprendidas
(“aprendi por experiência própria”). O que se chama usualmente de autodidatismo
reflete o caso no qual o sujeito organiza seu processo de aprendizagem. Por mais
difícil que seja admitir que alguém ensine a si mesmo, devo reconhecer o fato de que
nesse caso o duplo papel – de ensinante e de aprendiz – é exercido pela mesma pessoa,
mudando-se a tônica do processo: quem quer aprender toma a iniciativa. Inventores
e descobridores seriam, talvez, os mais altos referenciais do autodidatismo, sem que
seja negado, no caso, o papel do ambiente com o qual interagem.
Estou denominando “ensinante” aquele que assume, em alguma circuns-
tância, a deliberação de ensinar, embora o modelo do executor dessa tarefa seja o
professor, termo que assume conotação profissional. Esta categoria à qual me or-
gulho pertencer conhece certas decepções, pois tantas vezes, supondo ter ensinado,
verifica-se que os alunos pouco ou nada aprenderam. O fato reforça a idéia de que a
ação de ensinar é sobretudo uma intenção e indica que na maior parte das vezes há
um longo caminho entre o propósito e sua realização. Para tanto, entram em cena
procedimentos ditos didáticos, visando um encontro entre o ensinar e o aprender.
16 Ensinar a Ensinar
1 Israel Sheffler. Bases y condiciones del conocimiento. Paidos, Buenos Aires, 1970. Para uma bibliografia
comentada sobre análise de conceitos educacionais, veja: J. F. Soltis., An introduction to the analysis
of educational concepts. Addison-Wesley, Mass. USA, 1968.
18 Ensinar a Ensinar
3 Muitas são as obras sobre o assunto, desde a de Norbert Wiener, Cibernética e Sociedade, datada de
1954 (trad. Cultrix, SP, 1968) até a de Francisco J. Varella (Invitation aux sciences cognitives, Ed. Seuil,
France, 1989), dentre outras mais recentes.
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