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Transtornos respiratórios e relação mãe-bebê no primeiro ano de vida

Article  in  Psicologia Argumento · November 2017


DOI: 10.7213/psicol.argum.32.S01.AO12

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2 authors:

Mariléia Orn Scalco Tagma Donelli


Universidade do Vale do Rio dos Sinos Universidade do Vale do Rio dos Sinos
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PSICOLOGIA ARGUMENTO ARTIGO
doi: 10.7213/psicol.argum.32.S01.AO12  ISSN 0103-7013
131 Psicol. Argum., Curitiba, v. 32, n. 79, p. 131-141, Supl 1., 2014

[T]

Transtornos respiratórios e relação


mãe-bebê no primeiro ano de vida
[I]
Breathing disorders and mother-infant relationship in the first year of life
[A]
Mariléia Orn Scalco , Tagma Marina Schneider Donelli[b]
[a]

[R]

Resumo
[a]
Mestra em Psicologia pela
Universidade do Vale do Rio dos
Entre as áreas de manifestação dos sintomas psicofuncionais, o transtorno respiratório desta-
Sinos, São Leopoldo, RS – Brasil, ca-se pela alta incidência e pela gravidade que o acompanha. A literatura aponta para a exis-
e-mail: tência de uma relação entre a presença de tais sintomas no bebê e a dinâmica da relação deste
marileia.scalco@gmail.com
com a mãe. A partir de uma perspectiva psicanalítica, a presente pesquisa, de caráter explo-
[b]
Doutora em Psicologia pela
ratório e abordagem qualitativa, utilizou o delineamento de estudo de casos múltiplos a fim
Universidade Federal do Rio de compreender as manifestações sintomáticas psicofuncionais relacionadas ao transtorno
Grande do Sul, professora do respiratório e suas possíveis intersecções com a relação mãe-bebê, durante o primeiro ano
Programa de Pós-graduação em
Psicologia Clínica da Universidade
de vida. Participaram deste estudo três duplas mãe-bebê indicadas por um pediatra da área
do Vale do Rio dos Sinos, São metropolitana de Porto Alegre, que apresentaram indicadores de sintomas psicofuncionais, re-
Leopoldo, RS – Brasil, e-mail: lacionados ao transtorno respiratório, no primeiro ano de vida. Os instrumentos utilizados fo-
tagmad@unisinos.br
ram o Symptom Check-List, uma ficha de dados sociodemográficos, entrevista semiestruturada
com a mãe e sessão de observação da interação livre das mães com seus bebês. Os resultados
Recebido: 08/04/2013 apontam que, apesar de não ocorrer de forma causal, falhas na função materna manifestadas
Received: 04/08/2013 por meio de superproteção da mãe em relação ao filho, podem favorecer o surgimento dos
Aprovado: 30/07/2013
sintomas associados ao transtorno respiratório, em fase precoce do desenvolvimento. Assim,
Approved: 07/30/2013 aprofundar a compreensão da relação mãe-bebê pode ser entendida como uma forma de pre-
venção, visto que se ocupa da detecção precoce, podendo ser considerada um novo território
de intervenção e um novo olhar, tanto teórico quanto técnico, para a criança em seus primeiros
anos de vida.[#]
[#]
[P]

Palavras-chave: Relação mãe-filho. Sintomas psicofuncionais. Transtorno respiratório.[#]

[R]

Abstract
Among the areas of manifestation of psychofunctional symptoms, the breathing disorder is dis-
tinguished by its high incidence and severity that accompanies it. The literature points out to
the existence of a relationship between the presence of such symptoms in the baby and the dyna-
mics of its relationship with the mother. From a psychoanalytic perspective, this research, with
an exploratory and qualitative approach, used delineation of multiple cases study to understand
the symptomatic psychofunctional manifestations related to breathing disorders and its possible

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132 Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S.

intersections with the mother-infant relationship during the first year of life. The study included
three mother-infant pairs indicated by a pediatrician in the metropolitan area of Porto Alegre,
Brazil, who showed psychofunctional symptoms indicators related to a respiratory disorder in the
first year of life. The instruments used were the Symptom Check List, a form of socio-demographic
data, semi-structured interview with the mother and observing session of free interaction of mo-
thers with their babies. The results show that, even though it does not occur in causal gaps in ma-
ternal function expressed through the overprotective mother for the child, it may favor the emer-
gence of symptoms associated with respiratory disorders in early stage of development. Further
understanding of the mother-infant relationship can be seen as a form of prevention since early
detection is concerned, and it may be considered a new area of intervention and a new look, both
theoretical and technical, for the child in its early years.[#]
[#] [K]

Keywords: Mother-child relations. Psychofunctional symptoms. Respiratory disorder.[#]

Introdução conteúdos mentais pela sua condição do aparelho


psíquico ainda em desenvolvimento e a forma que
Ao realizar-se a abordagem do desenvolvimento ele encontra para descarregar esta avalanche de
físico e emocional do bebê, a imagem da mãe fica emoções é a via corporal (EDELSTEIN, 2000).
em evidência, especialmente em função da depen- Kreisler (1978), um dos pioneiros no estudo da
dência do bebê em relação a ela no início da vida psicopatologia da criança pequena, aponta que a
(EDELSTEIN, 2000; TEPERMAN, 2005; STERN, expressão somática ocupa posição de destaque na
1997). Desta forma, o bebê que ainda tem sua cons- psicopatologia do bebê, tendo em vista o fato de
tituição psíquica em formação e necessita que a mãe atingir as principais funções: sono, alimentação, eli-
ofereça condições suficientes de continência que lhe minação e respiração. Esses sintomas denominados
proporcionem a experiência de plenitude e de sus- psicofuncionais podem ser entendidos, então, como
tentação (WINNICOTT, 1960/1990). À medida que manifestações somáticas e do comportamento da
a mãe consegue oferecer estas condições, ela possi- criança, sem uma causa orgânica definida e que po-
bilita os processos de maturação do bebê e facilita o dem indicar dificuldades na interação mãe-bebê ou
desenvolvimento da confiança deste bebê para com pais-bebê, podendo ser compreendidos até mesmo
o mundo ao seu redor (WINNICOTT, 1965/2005). como sintoma de relação, evidenciando a estreita
Entretanto, quando ocorrem falhas do cuidado relação entre o psíquico e o somático. Os sintomas
materno na sua função continente, seja por ausên- psicofuncionais mais comuns, que aparecem no
cia física, afetiva ou por inadequação na devolução início da vida, são relacionados às seguintes áreas:
dada às projeções do bebê, este se torna percepti- sono, alimentação, digestão, respiração, pele e com-
vo, não da falha em si, mas da necessidade de re- portamento (PINTO, 2004; ROBERT-TISSOT et al.,
agir a algum desconforto. Cada falha do cuidado é 1989).
sentida como interrupção, o que resulta no enfra- A manifestação dos sintomas psicofuncionais no
quecimento do self e constitui, segundo Winnicott início da vida pode expressar uma distorção na re-
(1960/1990), ameaça de aniquilamento. lação entre a mãe e o bebê, que altera a qualidade
Em uma compreensão das fases primitivas do de suas primeiras trocas e pode repercutir sobre
ciclo de vida humano, Winnicott (1960/1990) es- o desenvolvimento deste bebê (DEBRAY, 1988).
tabelece que as falhas maternas, quando ocorrem Wendland (2001) aponta que, tanto dificuldades
de modo sistemático, repetidas vezes, e em inten- ligadas ao contexto familiar, cultural ou econômico
sidade acima daquele limiar que o bebê é capaz quanto a presença de problemas físicos no bebê, po-
de suportar, podem levá-lo à vivência de perda de dem repercutir negativamente nas interações pais-
continuidade do ser, fragilizando a integração entre -bebê. Nesse sentido, as consequências observadas
a psique e o soma. Neste cenário, entende-se que podem apontar não somente para perturbações
o bebê encontra dificuldades de processar alguns na relação ou no vínculo afetivo entre ambos, mas

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também para a presença de sintomas psicofuncio- dão ênfase a uma fase mais adiantada do desenvolvi-
nais, que evidenciam a estreita relação entre o psí- mento infantil (BORBA & SARTI, 2005; GOULART &
quico e o somático nas crianças pequenas e princi- SPERB, 2003). Um dos poucos estudos encontrados
palmente nos bebês. que abordou a problemática que envolve especifica-
Dentre as áreas de manifestação dos sintomas psi- mente a área respiratória em fase precoce do desen-
cofuncionais, destaca-se pela alta incidência e pela volvimento foi realizado por Oliveira e Lopes (2002),
gravidade que o acompanha o transtorno respirató- com cinco díades mãe-bebê com crianças asmáticas de
rio. Este, por sua vez, manifesta-se na forma de aler- até dois anos, com o objetivo de compreender os fenô-
gias que, do ponto de vista médico, representa uma menos psicossomáticos, em especial a asma, em con-
capacidade de reação exagerada do organismo a de- junto com as formas de operar da função materna. O
terminadas substâncias como pó, pólen, frio, calor ou estudo revela que a angústia materna pode incidir de
umidade (CARVALHO & RIOS, 2001; FORTES, 1998). forma operante na díade, sendo a asma infantil com-
Entre as manifestações alérgicas do aparelho respi- preendida como a própria angústia manifestada no
ratório e suas possíveis complicações encontram-se corpo. Identificou-se a relevância das vivências mater-
a asma, bronquite, alergias respiratórias e infecções nas infantis para a qualidade dos cuidados maternais,
de repetição, como laringites e faringites, que podem evidenciando que quanto menor o nível de simboliza-
evidenciar as circunstâncias psicológicas do momen- ção materno, mais graves poderão ser as manifesta-
to da crise (PINTO, 2004). Desta forma, essas mani- ções sintomáticas na criança.
festações alérgicas do aparelho respiratório caracte- Este estudo teve como objetivo, compreender
rizam-se por uma reação de sensibilidade exagerada as manifestações dos sintomas psicofuncionais re-
a determinadas substâncias apresentando uma etio- lacionadas ao transtorno respiratório e suas possí-
logia multifatorial, predominantemente alérgica, mas veis intersecções com a relação mãe-bebê durante o
podendo ser desencadeada por estímulos ambientais primeiro ano de vida.
e emocionais (CARVALHO & RIOS, 2001).
Conforme Kreisler (1978), as circunstâncias
psicológicas envolvidas no momento da crise têm Método
grande interferência na origem das crises respirató-
rias, principalmente a asma. Por um lado, a criança
apresenta a dependência extrema em relação à mãe Delineamento
e, por outro lado, existe a proteção exagerada desta
mãe, que a mantém sempre sob seu controle, favo- Foi utilizado nesta pesquisa o estudo de casos
recendo a instauração de uma relação simbiótica e múltiplos, no qual foram analisados três casos, em
bloqueando o impulso de separação-individuação que cada dupla mãe-bebê constitui um caso, segun-
da criança. Essa superproteção se reflete no fato de do o modelo de estudo de caso proposto por Yin
a mãe somente tolerar que o bebê tenha satisfações (2005).
que sejam originárias do contato materno. A mãe
superprotetora acaba por manter o bebê em estado
de tensão elevada, cuja descarga é realizada através Participantes
da crise respiratória.
A opressão respiratória tem, então, um sentido Participaram deste estudo três duplas de mães
simbólico inconsciente e pode representar a repeti- e seus bebês, que buscaram atendimento médi-
ção de uma situação relacional por meio da angústia co em uma Unidade Básica de Saúde da região
respiratória, impedindo que o bebê crie um espa- Metropolitana de Porto Alegre. Para habilitar sua
ço de subjetivação a partir da ausência materna e, participação nesta pesquisa, as duplas preenche-
portanto, crie defesas psíquicas. Assim, essa sinto- ram os seguintes critérios: i) mães adultas, com
matologia interfere negativamente no processo de idade entre 18 anos e 40 anos, ensino fundamental
crescimento, funcionando a favor da manutenção da completo e em relacionamento estável com pai do
dependência (KREISLER, 1978). bebê há pelo menos 2 anos; ii) os bebês têm entre
Os estudos que investigam questões relacionadas 6 e 12 meses de idade, nascidos a termo, com idade
com os problemas respiratórios, na maioria das vezes, gestacional a partir de 37 semanas, sem histórico

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134 Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S.

Tabela 1 - Participantes
Nome Nº de Nome do
Idade Escolaridade Profissão Idade Ordem de nascimento
da mãe filhos bebê
Lourdes 29 E. M. Completo 03 Lar Leandro 9 meses 03
Luisa 21 E. M. Incompleto 01 Operadora Telemarketing Daniel 12 meses 01
Alice 25 Sup. Incompleto 02 Lar Frederico 6 meses 02

de internação neonatal e com presença de sintomas et al.,1989) para identificar quais sintomas psico-
psicofuncionais, conforme observado na Tabela 1. funcionais estavam presentes nos bebês. Mais tar-
A indicação das duplas para participação na pes- de, foram realizadas as entrevistas semi-estrutura-
quisa foi feita pelo pediatra que acompanha o de- das sobre a gestação, o parto, os primeiros meses de
senvolvimento das crianças em conjunto com a pes- vida dos bebês e aspectos atuais do relacionamento
quisadora, a partir da percepção acerca da presença mãe-bebês que foram gravados e transcritos logo
de uma sintomatologia psicofuncional reincidente e após sua ocorrência. Por fim, ocorreu a sessão de
sem resposta ao tratamento médico habitual. observação da interação livre das mães com os be-
bês. Todas as etapas foram realizadas em um único
dia em função da dificuldade de acesso aos locais
Procedimentos e instrumentos de coleta e da disponibilidade das mães que preferi-
ram realizar as etapas em um único encontro.
A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em
Pesquisa vinculado ao CONEP, respeitando todos
os princípios éticos para pesquisa em Psicologia Resultados e discussão
com Seres Humanos contidos na Resolução nº
016/2000, do Conselho Federal de Psicologia (CFP) Todo o material foi analisado e interpretado a
e do Conselho Nacional de Saúde, Resolução nº partir do referencial teórico psicanalítico, que versa
196/1996. Em seguida, foi realizado contato com a respeito da relação mãe-bebê e dos sentimentos
pediatras de municípios da região metropolitana de referentes à sintomatologia precoce manifestada no
Porto Alegre para apresentar os objetivos e a pro- primeiro ano de vida relacionada ao transtorno res-
posta do presente estudo. O pediatra que concordou piratório, além de pesquisas que abordam a temáti-
em participar desta pesquisa solicitou que a pesqui- ca na contemporaneidade.
sadora o acompanhasse em seus atendimentos de Os casos foram construídos procurando integrar
puericultura que aconteciam em horários pré-defi- os resultados obtidos com a aplicação dos instru-
nidos, a fim de localizar os possíveis participantes mentos. Para a análise dos dados, inicialmente as
deste estudo. respostas do Symptom Check-list foram codificadas
As duplas participantes deste estudo foram loca- conforme protocolo e roteiro próprios do instru-
lizadas, inicialmente, nestes acompanhamentos de mento. A codificação baseia-se em três dimensões
consulta. Mais tarde foram contatadas por telefone, para cada sistema (sono, alimentação, digestão,
a fim de realizar o convite para participar da pesqui- respiração, pele e comportamento) a ser avaliadas.
sa. Após a concordância em participar do estudo, foi São elas: 1. variações dentro do normal; 2. tensões
agendado um encontro presencial na residência de significativas, com alguma desarmonia na regulação
cada dupla, com o objetivo de explicitar a proposta, da tarefa; e 3. sistema claramente disfuncional. O
os objetivos e procedimentos do estudo. Com a con- roteiro do instrumento aponta que, quanto maior a
firmação do interesse em fazer parte desta pesqui- pontuação obtida nas respostas, mais disfuncional é
sa, cada mãe assinou um Termo de Consentimento o sistema que está em avaliação. Essas respostas au-
Livre e Esclarecido (TCLE), como previsto nos pro- xiliaram na construção do estudo dos casos, visando
cedimentos éticos. compreender e aprofundar a temática em questão.
Nesse contato, foi preenchida também a ficha de Os dados levantados na ficha de dados sócio-demo-
dados sociodemográficos, realizada a aplicação do gráficos foram considerados como complementares
questionário Symptom Check-List (ROBERT-TISSOT para a contextualização e entendimento de cada

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Transtornos respiratórios e relação mãe-bebê no primeiro ano de vida 135

caso. A observação da relação mãe-bebê foi anali- (1998) investigou aspectos clínicos da asma nas
sada qualitativamente, contribuindo para a constru- crianças, utilizando amostra de 1009 pacientes aten-
ção dos casos e o aprofundamento da compreensão didos em um ambulatório especializado. Os autores
destes. As entrevistas com as mães foram gravadas destacaram que, até a adolescência, há um ligeiro
e posteriormente transcritas literalmente, com a predomínio da doença no sexo masculino, porém a
autorização das participantes. Inicialmente, o mate- explicação para este fato ainda é desconhecida.
rial foi analisado em uma tentativa de compreensão A diferença de faixa etária entre os bebês é im-
das convergências e divergências entre os casos. portante ser citada quando se aborda o primeiro
Foi realizada uma compreensão psicodinâmica ano de vida. A idade das crianças oscilou entre 6, 9
dos casos, conforme os seguintes eixos: I - o dese- e 12 meses de idade. Apesar de tratar-se apenas de
jo pela maternidade; II - gestação e parto; III - pri- meses de diferença, no primeiro ano de vida dife-
meiros meses e o sintoma do bebê; e IV - relação renças e avanços significativos acontecem no inter-
mãe-bebê. valo de um mês.
Conforme atitudes que se destacaram durante No que se refere ao Eixo I - Desejo pela
a observação das duplas, os comportamentos da Maternidade, percebe-se que este momento se reve-
mãe foram analisados a partir de quatro estilos de lou tenso para duas das mães entrevistadas, Luisa e
comportamento materno (WIESE & LEENDERS, Alice. De acordo com os relatos colhidos, a gravidez
2006): i - Sensibilidade; ii - Estruturação; iii - Não não foi um evento conscientemente desejado nem
Intrusividade; e iv - Não Hostilidade. aceito por estas duas mães entrevistadas. No caso
Os dados obtidos por meio dos instrumentos de Luisa e Alice, as palavras utilizadas para descre-
considerados para esse estudo foram analisados em ver a notícia da gravidez revelaram a presença de
conjunto a fim de obter uma compreensão ampla do sentimentos desfavoráveis provocando reações ne-
caso estudado. Como se trata de um estudo quali- gativas. Além de Daniel e Frederico não terem sido
tativo, que reconhece o pesquisador como sujeito desejados, foram, inclusive, rejeitados inicialmen-
ativo da pesquisa, as impressões do entrevistador te por suas respectivas mães. Um estudo de cunho
também foram descritas e consideradas como da- qualitativo de Tachibana, Santos e Duarte (2006) a
dos complementares para a análise e compreensão respeito do conflito entre o consciente e o incons-
dos casos estudados e dos resultados da pesquisa. ciente na gravidez não planejada investigou 12
Integrada aos resultados está apresentada a Síntese gestantes utilizando a entrevista psicológica como
de Casos Cruzados (YIN, 2005), que confronta con- instrumento. Os resultados obtidos revelaram que
vergências e divergências entre os casos. em alguns casos, o motivo consciente contrário à ir-
rupção da gravidez não planejada era justamente a
motivação que inconscientemente levava a gestante
Síntese dos Casos Cruzados a desejar engravidar.
Além disso, percebeu-se que sentimentos de an-
A partir da observação e relato das três duplas siedade envolveram as três gestações, inclusive no
participantes deste estudo, pode-se inferir que a caso de Lourdes, que foi a única gestação, no caso
relação mãe-bebê é uma relação única, singular e deste estudo, que foi conscientemente planejada.
permeada por contribuições de ambos os integran- Lourdes sofreu demasiada pressão para engravidar,
tes da dupla. A seguir, foi realizado um cruzamento fazendo testes de gravidez todo mês, às vezes até
entre os dados de cada caso a fim de levantar con- sem atraso menstrual, o que lhe causava, segundo
vergências e divergências entre os mesmos. relato dela, muita ansiedade. A ansiedade durante a
Após a coleta de dados, observou-se que todos gestação está associada com uma posterior vivência
os bebês participantes desta pesquisa são do sexo negativa da experiência do parto (WALDENSTRÖM,
masculino. Como o número de participantes desta 1999). Ela é capaz de influenciar o curso da gravidez,
pesquisa foi reduzido, não se pode afirmar nenhu- do trabalho de parto, do parto propriamente dito e
ma tendência neste sentido, mas considerou-se im- da adaptação entre mãe e bebê no período pós-parto.
portante apontar como fator que se destacou nes- Entende-se também que, no caso de Lourdes, como
te estudo. Contribuindo para este entendimento, em suas outras gestações engravidou rapidamente,
uma pesquisa realizada por Trippia, Filho e Ferrari essa espera de um ano com cobranças internas dela

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136 Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S.

mesma associadas à pressão exercida pelo marido, Conforme o pensamento winnicottiano, entende-
fizeram com que experimentasse sentimentos seme- -se que quando a gravidez ocorre em um ambiente
lhantes ao das mulheres com diagnóstico de inferti- favorável, tanto para a mãe quanto para o bebê, este
lidade, como inferioridade, tristeza, angústia, impo- momento tem mais chances de ser vivenciado sem
tência e incapacidade (EYNG & SOUZA, 2006). maiores dificuldades, mesmo que seja o primeiro fi-
Assim, percebe-se que estas mães encontraram lho, como no caso de Luisa. Quando ocorre o contrá-
dificuldades para vivenciar a efetivação da gravidez rio, as chances de acontecerem interferências nesta
por razões relacionadas a sua própria subjetividade relação também aumentam. Desta forma, nos dois
e seu momento de vida particular. Se essa recepti- exemplos citados acima, o momento da gestação foi
vidade negativa pode ser considerada prenúncio bastante conflitivo e caracterizado por tensões.
de uma gestação atribulada, pode-se pensar que os Duas mães, Lourdes e Luisa, relatam dificuldades
bebês, ao invés de uma adaptação ativa e sensível, mais evidentes no momento do parto, como dores,
tenham vivenciado o ambiente materno como inva- horas de espera e momentos de angústia. Somente
sivo, provocando reações que podem ter sido preju- Alice se referiu ao parto como um acontecimento
diciais ao seu desenvolvimento. tranquilo, sem relato de maiores dificuldades. No
No que se refere ao Eixo II - Gestação e Parto, estudo de Lopes, Donelli, Lima e Piccinini. (2005) os
constatou-se que Luisa iniciou seu pré-natal so- pesquisadores destacam que o momento do parto
mente no quinto mês, o que denota que até esse marca profundamente a história das mulheres. Ele é
momento não aceitava sua gestação e parecia, in- antecipado na gravidez, por meio das expectativas,
clusive, negar o acontecimento e o bebê, sem rea- e continua repercutindo posteriormente, na forma
lizar o acompanhamento necessário. Alice, por sua de lembranças e sentimentos que acompanham a
vez, apesar de ter iniciado o pré-natal no período mãe. De um lado, ele exacerba intensas fantasias e
indicado, passou também pela dificuldade de acei- ansiedades frente a um momento muito esperado,
tação da gestação e precisou fazer uso de medica- mas cercado pelo imprevisível. Por outro lado, a
ção controlada, no caso a fluoxetina, para estabili- sua vivência marca profundamente a vida das mu-
zar seu humor, visto que tinha humor oscilante e lheres, seja pelas emoções positivas ou negativas
chorava muito. Um estudo de revisão realizado por experimentadas.
Borsa (2007) apontou a importância da existência Dessa forma, percebe-se que os relatos apresen-
de uma relação materno-fetal intensa embasada, tados pelas participantes Lourdes e Luisa retratam
especialmente, nos sentimentos ou expectativas da a intensidade dos sentimentos que cercam este mo-
gestante sobre o bebê. Os resultados deste estudo mento da maternidade, com possíveis implicações
sugerem que conhecer o bebê antes do nascimen- para o relacionamento mãe-bebê e futuro desenvol-
to, estar com ele, pensar sobre ele, imaginar suas vimento da criança.
características, traz implicações para a construção No que se refere ao Eixo III - Primeiros meses e
da representação do bebê, da maternidade e para a o sintoma do bebê, as mães Luisa e Alice relataram
posterior relação mãe- bebê. facilidade na descida do leite e no processo de ama-
A formação do vínculo mãe-bebê tem origem mentação como um todo. Por outro lado, Lourdes
desde antes da concepção, nas vivências primitivas apresentou dificuldades na descida do leite e nas
da mãe. Contudo, o período da gestação ganha im- primeiras mamadas, já que em função da icterícia,
portância na medida em que se caracteriza como Leandro dormia muito e não queria mamar. Daniel,
um evento complexo, com ocorrência de diversas por sua vez, apresentou cólicas nos primeiros três
mudanças na vida da mulher. Trata-se de uma ex- meses de vida e Luisa contava com a ajuda de sua
periência repleta de sentimentos intensos, variados mãe para dividir esses momentos.
e ambivalentes que podem dar vazão a conteúdos Os primeiros dias após o nascimento do bebê são
inconscientes da mãe. Esta relação da mãe com carregados de emoções intensas e variadas, como se
seu filho, que começa na gestação, irá basear a re- pode perceber pelo relato das mães. Nas primeiras
lação mãe-bebê que se estabelecerá depois do nas- vinte e quatro horas, a sensação de desconforto pela
cimento e ao longo do desenvolvimento da crian- fadiga do parto permanece lado a lado com a excita-
ça (BRAZELTON & CRAMER, 1992; CARON, 2000; ção pelo nascimento do filho (MALDONADO, 2002).
KLAUS & KENNEL, 1993; SOIFER, 1992). No caso de Lourdes isso se intensificou pela reação

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Transtornos respiratórios e relação mãe-bebê no primeiro ano de vida 137

alérgica que sofreu com a anestesia do parto, junta- amamentação exclusiva; Daniel, por sua vez, ma-
mente ao amarelão desenvolvido por Leandro, que nifestou a primeira crise aos sete meses, semanas
era um acontecimento novo para ela, diferindo de depois da mãe iniciar sua atividade profissional;
suas gestações anteriores. as situações descritas são momentos marcantes no
Compreende-se o quanto é complexo este mo- desenvolvimento infantil. No caso de Leandro não
mento para a vida da mulher, possibilitando inú- foi identificada nenhuma particularidade quando
meros sentimentos ambivalentes. A labilidade emo- ocorreram as primeiras manifestações do transtor-
cional é o padrão mais característico da primeira no respiratório.
semana após o parto, já que a euforia e a depres- Todas as mães entrevistadas referem ficar mui-
são alternam-se rapidamente, esta última poden- to tensas e angustiadas diante da manifestação
do atingir, em muitos casos, grande intensidade da sintomatologia de seus filhos, que confirma o
(MALDONADO, 2002). entendimento realizado até o momento de que o
Os três bebês apresentaram a sintomatologia sintoma manifesto dos bebês toma a frente da re-
ligada ao transtorno respiratório que destaca-se lação e passa a ser o centro das atenções da vida
pela alta incidência e pela gravidade que o envolve dessas mães. É importante observar que o senti-
(CARVALHO & RIOS, 2001). Kreisler (1978) destaca mento de angústia frente ao problema de saúde do
que o funcionamento da dupla mãe-bebê, nestes casos, filho é considerado esperado para a mãe respon-
acontece com a criança apresentando a dependência sável e dedicada. O transtorno respiratório, por
extrema em relação à mãe e esta, por sua vez, super- relacionar-se com uma área vital, tem um sentido
protegendo exageradamente a criança, mantendo-a simbólico, gerando uma dependência ainda maior
sob seu controle, favorecendo a instauração de uma da criança em relação a esta mãe. Ela acaba por
relação simbiótica. A superproteção materna acaba superproteger o filho, favorecendo a instauração
por manter o bebê em estado de tensão elevada, cuja de uma relação simbiótica. Dessa forma, esta sin-
descarga é realizada por meio da crise respiratória. tomatologia interfere negativamente no processo
Nos casos estudados percebe-se que a super- de crescimento e desenvolvimento da criança, fun-
proteção materna aparece na relação das três du- cionando a favor da manutenção da dependência
plas mãe-bebê. No caso Lourdes e Leandro, assim (Kreisler, 1978).
como Alice e Frederico, destaca-se a dificuldade de No que se refere ao Eixo IV - Relação Mãe-Bebê,
afastamento da criança por parte da mãe, conforme chama atenção, nos três casos apresentados, que as
relatos, com prevalência de sentimentos de insegu- mães referem extrema dificuldade em afastar-se de
rança em deixar as crianças com outra pessoa. No seus bebês, sendo que Lourdes e Alice não exercem
caso de Luisa isso também aparece, porém de uma atividade profissional fora do lar para ficar todo o
forma mais velada, visto que ela trabalha em meio tempo com os filhos. Luisa, por sua vez, deixa o filho
período e consegue delegar os cuidados com Daniel meio turno para trabalhar, mas somente sua mãe
para sua mãe, mas no restante do tempo é ela quem fica com ele. Além disso, Leandro e Daniel dormem
realiza os cuidados com ele e refere ter dificuldade na cama com os pais, somente Frederico dorme em
de se afastar do filho. Os bebês, por sua vez, mani- seu quarto, tendo seu próprio espaço.
festam dependência importante em relação às suas Para Winnicott (1965/2005) é fundamental que
mães, seja em razão dos momentos de crise aguda, a mulher que, inicialmente, entrou no estado de
seja pela pouca idade. preocupação materna primária para receber o bebê
Conforme Kreisler (1978), as circunstâncias como ser em situação de dependência absoluta,
psicológicas envolvidas no momento da crise têm possa ir, gradativamente, organizando com seu bebê
grande interferência na origem das crises respira- o jogo presença-ausência, favorecendo o distancia-
tórias. Considerando esta afirmação, nenhuma das mento e o retorno ao seu bebê, oscilando entre ser o
três mães participantes associou o momento inicial que o bebê necessita que ela seja e, alternadamente,
do transtorno respiratório com algum estado emo- ser ela própria. Desta forma, a capacidade da mãe de
cional diferenciado ou acontecimento importante adaptar-se às necessidades do bebê sem perder sua
na vida da criança. No entanto, após as entrevis- própria identidade permite a ela, progressivamen-
tas, observou-se que no caso de Frederico, a crise te, não mais acolher a todas as demandas do bebê,
respiratória teve início logo após a interrupção da permitindo que o amadurecimento dos processos

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138 Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S.

intelectuais e afetivos do bebê favoreçam seu pro- o fato de se antecipar muito na questão da alimen-
cesso de independização. As participantes deste tação, passando a maior parte do tempo em que a
estudo parecem não ter evoluído do estado inicial dupla foi observada oferecendo os mais diversos
de preocupação materna primária, acreditando na tipos de alimentos a Daniel, como bolachas, pães e
impossibilidade de seus bebês amadurecerem seus mamadeira.
processos intelectuais e afetivos, percebendo-os No caso de Alice e Frederico, o bebê permanece
como seres totalmente dependentes delas, o que quase todo o tempo no colo, identificando-se desta
favorece a manutenção da relação simbiótica e, con- forma a presença do toque, trocas afetivas, conver-
sequentemente, a manifestação de uma sintomato- sas carinhosas, carícias e beijos, com resposta po-
logia associada ao transtorno respiratório. sitiva do bebê aos estímulos da mãe. É importante
Essa dificuldade de separação relatada nos casos ressaltar aqui que Frederico é o bebê mais jovem
apresentados manifesta-se inclusive no horário da deste estudo, o que poderia justificar o período
noite, permitindo essas mães que os filhos compar- maior que permanece no colo da mãe.
tilhem com os pais a mesma cama. Importante fri- Apesar do estilo interativo diferente, os com-
sar que, caso não dormissem com os pais, a outra portamentos maternos descritos conforme Wiese
opção dessas crianças seria dormir em outra cama, e Leenders (2006) parecem muito semelhantes. O
porém ainda no mesmo quarto, levando em consi- aspecto sensibilidade, no caso de Lourdes e Alice,
deração a indisponibilidade de outro cômodo na re- apresentou-se inconsistente, pois apesar de ser
sidência. Dificuldades de natureza econômica, local identificadas amostras de sensibilidade parental,
de moradia precário e necessidade de trabalhar fora considerou-se difícil afirmar que o comportamen-
são, entre outros, fatores que atravessam os relatos to da mãe seja saudável, seja por inconsistências,
e devem ser considerados para melhor compreen- ambivalências ou flutuações. No caso de Lourdes, a
são dos casos apresentados. ambivalência se expressa quando a mãe refere “não
Ainda no que se refere ao Eixo IV - Relação Mãe- se desgrudar do filho” e, ao mesmo tempo, não são
Bebê, considerou-se importante analisar, mais espe- evidenciados muitos contatos físicos no momento
cificamente, os aspectos interativos que envolvem a da observação. A inconsistência na sensibilidade no
relação das díades. caso de Lourdes se evidencia também nos perigos
Percebe-se que a interação ocorreu de forma disponíveis próximos de Leandro, retirados somen-
diferente em cada dupla. Lourdes apresenta pouco te quando a criança se aproxima deles. Em relação
contato físico com o filho, já que ele permanece boa a Alice, o mesmo comportamento materno foi iden-
parte do tempo no cercadinho, mas nos momentos tificado quando a sensibilidade inconsistente se
de cuidado (inalação) e higiene (troca de fraldas), evidencia na afetividade expressiva da mãe em re-
a mãe realiza trocas afetivas com Leandro, conver- lação a Frederico, conversando com ele carinhosa-
sa carinhosamente com ele, troca carícias e afagos mente, brincando com o bebê, porém atendendo a
e recebe resposta positiva de Leandro aos seus es- criança tardiamente quando esta manifestava algu-
tímulos. No que se refere ao atendimento ao bebê, ma necessidade. Ainda no aspecto sensibilidade, no
este é realizado a partir da necessidade manifesta caso de Luisa, esta se apresentou como fraca, pois
de Leandro, sem antecipação por parte de Lourdes. corresponde a um estilo passivo/deprimido e afeti-
Luisa, por sua vez, parece ter a interação mais vamente pouco expressivo (plano), no qual, no en-
distante em relação Daniel, tendo pouco contato fí- tanto, se pode observar alguns aspectos positivos.
sico com ele e os diálogos são voltados, na maioria Este comportamento se evidencia em Luisa quando
das vezes, às questões de segurança com objetivo conversa com Daniel em tom de voz baixo e pouco
de evitar quedas e pequenos acidentes domésticos, expressivo, com ausência de falas carinhosas, deno-
sendo que trocas afetivas quase não foram identifi- tando certa passividade, expressando pouco seus
cadas. Vale lembrar que Daniel é a criança mais ve- afetos em relação ao filho.
lha deste estudo, com 12 meses, já tendo adquirido No aspecto estruturação, todas as participantes
a capacidade de locomoção, querendo nesta fase do ficam na categoria inconsistente, que é atribuída
desenvolvimento explorar o ambiente em que se en- quando há inconsistências na forma como o adulto
contra. Em relação ao atendimento ao bebê, a mãe o estrutura ou estabelece limites para a criança. No
atende apenas quando necessário, mas destaca-se caso de Lourdes e Leandro, os limites da criança

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Transtornos respiratórios e relação mãe-bebê no primeiro ano de vida 139

existem apenas quando está no cercadinho, nos sofrimento que podem estar acobertados. No caso
outros momentos tem permissão para o que quiser de Lourdes esta categoria pode ser exemplificada
realizar em casa, desde mexer em qualquer lugar a pelo episódio da mamadeira próxima a criança, mas
bater com objetos nos móveis, com aprovação dos longe do seu alcance, gerando angústia e irritação
pais. No caso de Luisa e Daniel, este comportamento em Leandro. Esses sinais são percebidos no caso de
se reflete no atendimento tardio a Daniel, quando Luisa e Daniel, quando a mãe aponta sinais de des-
este explorava o ambiente, afastando o obstáculo conforto com a maternidade e a privação que ela re-
em frente à escada, conseguindo ir até o segundo ou presenta, demonstrando atitude de sofrimento rela-
terceiro degrau, para somente então a mãe agir. No cionada a esta maternidade. A hostilidade encoberta
caso de Alice e Frederico, a estruturação foi consi- é percebida, também, no caso de Alice e Frederico,
derada inconsistente, pois os limites para Frederico quando a mãe aponta sinais de desconforto com a
ainda não foram bem estabelecidos, talvez em fun- maternidade no início da gestação, quando demora
ção da pouca idade da criança, sendo que este fica a atender às solicitações de Frederico, esperando
no colo sempre que quer, mesmo que a mãe tenha que ele demonstre repetidamente seu desconforto,
que deixar algo importante para atender as “ma- quando fica tempo excessivo com o bebê no colo,
nhas” de Frederico. causando inclusive certo desconforto em Frederico
No aspecto intrusividade, as três participantes e, também, quando mostra fotos apenas do filho
podem ser classificadas no estilo parcialmente in- mais velho em um momento que Frederico deveria
trusivo, que é atribuído quando a mãe/pai frequen- ser o foco de atenção.
temente estabelece os passos da interação, faz per-
guntas, dirige o curso da brincadeira, faz sugestões
e propõe mudanças para temas opostos àqueles es- Considerações finais
colhidos pela criança; é um comportamento que se
parece mais como diretivo e superprotetor do que De acordo com o material obtido na pesquisa
propriamente intrusivo. No caso de Lourdes, esse encontrou-se a presença de sentimentos de ambi-
estilo pode ser evidenciado quando esta coloca o valência em relação à maternidade nos três casos
bebê no cercadinho e estabelece o período em que analisados, manifestados por meio de perturbações
ficará ali, o período em que ficará com ele no colo ou durante a gravidez, parto ou primeiros meses do
permitirá que assista televisão, atividades que pare- bebê. Esses podem ser indicativos do quanto a exis-
cem ser mais dirigidas por ela do que consideran- tência real desse bebê não tenha sido plenamente
do a vontade do bebê. No caso de Luisa, esse estilo significada e investida pela mãe.
se evidencia quando a mãe sugere jogar bola com É importante assinalar que não se pretende afir-
o menino, estabelece o período da atividade, assim mar aqui que os bebês portadores de alergias respi-
como assistir televisão e outras atividades que pa- ratórias necessariamente têm mães que encontra-
recem ser mais dirigidas por ela do que consideran- ram dificuldades em exercer seu papel materno, até
do a vontade do bebê. No caso de Alice, esse estilo se porque procurou-se analisar casos com manifesta-
evidencia quando a mãe escolhe a brincadeira a ser ções bastante precoces e frequentes. Os fenômenos
realizada, como o episódio em que Frederico brin- psicossomáticos abordados neste trabalho, em uma
cava com as mãos dela, estabelecendo o período da perspectiva psicanalítica, partem do princípio de
atividade, assim como assistir televisão e outras ati- que não há relação de causalidade linear no desen-
vidades que parecem ser mais dirigidas por ela do cadeamento destes e, sim, um processo dinâmico
que considerando a vontade do bebê. É importante que age no sujeito de acordo com sua capacidade
observar que Frederico é um bebê de seis meses, subjetiva de lidar com as adversidades da vida.
fase em que ainda sugere mais dependência em re- Sendo assim, este estudo ganha relevância ao
lação a estas escolhas. aprofundar a compreensão da relação mãe-bebê
Na categoria hostilidade, encontram-se as três sendo entendida como uma forma de prevenção,
mães, apontando para a categoria hostilidade en- visto que se ocupa da detecção e da intervenção
coberta, quando o adulto mostra alguns sinais de precoces, em um momento em que as estruturas
hostilidade como impaciência, desconforto, abor- psíquicas estão em formação e o futuro do bebê está
recimento, provocação, elevação da voz, atitude de sendo esboçado. Dessa forma, essa compreensão

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140 Scalco, M. O., & Donelli, T. M. S.

pode ser considerada um novo território de inter- Eyng, M. B. S. & Souza, S. V. (2006). Sentimentos Gerados
venção, originando um novo olhar, tanto teórico nas Mulheres com Dificuldade para Engravidar.
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A partir dos resultados desta pesquisa que bus- bre as doenças alérgicas. Teresópolis: Clip Art.
cou articular novas reflexões a respeito da relação
mãe-bebê no contexto do transtorno respiratório e Goulart, C. M. T. & Sperb, T. M. (2003). Histórias de crian-
da pouca literatura encontrada acerca da temática ça: as narrativas de crianças asmáticas no brincar.
abordada, verifica-se a necessidade de novas pes- Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(2), 355-365.
quisas nesta área, visando ampliar e aprofundar o Klaus, M. & Kennel, J. (1993). Pais/bebê – a formação do
conhecimento sobre esta tão importante relação apego. Porto Alegre: ArtMed.
que se configura no início da vida entre mães e be-
bês e se reflete posteriormente em todo desenvolvi- Kreisler, L. (1978). A criança psicossomática. Lisboa:
mento infantil. Sugere-se também que novas ques- Editorial Estampa.
tões sejam pensadas, considerando a possibilidade Lopes, R. C. S., Donelli, T. M. S., Lima, C. M. & Piccinini,
de um acompanhamento longitudinal entre a mãe e C. (2005). O Antes e o Depois: Expectativas e
o bebê com transtorno respiratório, incluindo tam- Experiências de Mães sobre o Parto. Psicologia:
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