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de Frank Wedekind
PERSONAGENS
Melchior Gabor
Moritz Stiefel
Wendla Bergman
Hanschen Rilow
Ernst Robel
Martha Bessel
Thea
Ilse
Sra. Bergmann
Sra. Gabor
Reitor Sonnenstich
Sr. Schimidt
Senhor Dirfarçado
Prólogo
(Melchior enrolado em um cobertor)
PRIMEIRO ATO
Cena 1
(Sala de Estar)
Wendla: Mas esse vestido fica bem melhor do que esse camisolão.Ó
mãe, deixa eu pôr ele outra vez.Só esse verão.Estou sempre a tempo
de usar este com catorze ou mesmo com quinze anos. Vamos guarda-
lo até o ano que vem. Se o vestisse agora, andava sempre a pisando a
bainha.
Wendla: Penso nisso de noite quando não consigo dormir. Eu não fico
nada triste com isso e durmo até melhor. Ó mãe, será pecado pensar
nessas coisas?
Wendla: Agora que vem aí o verão? Por que tem tanto medo? As
pessoas da minha idade não têm frio e muito menos nas pernas. Seria
melhor que eu andasse a arder, mãe? Dá graças a Deus se um dia de
manhã a sua filha não cortar as mangas e não te aparecer assim ao
anoitecer e sem sapatos e sem meias. Nada de xingos, mãezinha!
Além do mais quem vai olhar as minhas pernas? Ninguém!
Cena 2
(Rua)
Melchior: Fala
Moritz: Já teve?
Melchior: O quê?
Melchior: Já.
Moritz: Eu também.
Moritz: Ah, muito pouco. Com pernas, com meias azul-celeste que
subiam pela mesa da professora. Mas eu só vi as pernas de raspão!
Melchior: O Ernest sonhou com a própria mãe.
Melchior: Remorsos?
Moritz: É verdade! Vai ver que o Rillow não sabe também o que fazer.
As pessoas nos enganam, Melchior! A gente finge que acredita. Eu não
me lembro como isso de tesão começou. Por que isso acontece antes
da gente saber das coisas? Meus pais não mereciam ter um filho como
eu. Estou crescendo e não sei o que fazer. Melchior, me explica direito
como a gente nasce?
Moritz: Como eu iria saber? As galinhas põem ovos, a minha mãe diz
que me trouxe no coração. Eu sei que é mentira. Mas, qual é a
verdade? Eu lembro que eu ficava vermelho quando via aquele decote
da dama de copas do baralho. Isso passou, mas sempre que converso
com uma garota, não consigo parar de pensar naquela figura,
Melchior!
Moritz: Não posso! Eu não posso conversar à vontade sobre isso! Você
não quer me fazer uma favor? Me dá suas explicações por escrito.
Escreve o que sabe. Coloca no meio do meu caderno. Eu levo pra casa
sem saber.
Melchior: Moritz.
Moritz: Hum?!
Moritz: Já.
Moritz: Completamente.
Cena 3
Martha: Que rosto ele tem! Mas eu acho que o amigo dele é mais
sensível, tem um olhar mais profundo.
Martha: Ahan
Thea: Ele sempre põe as pessoas numas situações... Toda vez que eu
dou com ele é um embaraço. Na festa do Hanschen Rilow ele me
ofereceu bombons. Imagina, Wendla, estavam todos moles e quentes.
Ele disse que ficaram muito tempo dentro do bolso da calça.
Wendla: É mesmo?
Wendla: Martha!
Thea: O que?
Martha: (imitanto a mãe) “Martha, nós temos regras nesta casa. Seu
pai não pode ser desobedecido!”
Thea: Martha, as marcas são horríveis! A gente precisa contar isso pra
alguém!
Martha: Não! Não!
Wendla: É preciso!
Thea: Martha, não fique assim. O meu tio Klauss diz que se você não
dá disciplina a um filho, é porque não gosta dele.
Thea: Quando eu tiver filhos, se forem meninos, eles vão poder usar
cor de rosa se quiserem. (Wendla ri) E as meninas vão poder usar
vestidos azuis.
Martha: Eu gosto de azul. Uma noite, coloquei uma fita azul na minha
camisola, ficou tão bonito! Mas a mamãe puxou o cobertor, me
agarrou pela trança e eu caí no chão, de joelhos.
Martha: "Então é isso o que você quer?", ela gritou. "Eu estou vendo
no que isso vai dar. Mas você vai aprender. Ah, você vai aprender. E aí
você vai entender que a sua mãe estava certa". Eu fiquei estendida no
chão, chorando e gritando. Aí o papai entrou. Um rasgo e pronto -
minha camisola se foi. Eu me enrolei no chão, sem roupa, tremendo.
E ele gritava: "Olha ali, a porta da rua! Por que não vai embora, assim
como está?"
Ilse (à parte): Eu sei que é errado. Mas não gritei... Deitada ali... não
gritei... Eu quero ser forte, eu vou pra rua espalhar, o que você me
ensinou! Como eu sou linda! Eu sou linda!
Cena 4
Ernest: Deixa ele ir aprontando. Um dia ele vai ver o que acontece.
Ernest: Se tudo der certo para ele, no mínimo ele vai levar um castigo
no domingo à tarde.
Hanschen Rillow: Ai, ai, ai, Moritz.O que foi que você foi fazer?
Moritz: Nada...nadinha!
Moritz: Você não sabe, Hanschen, você nem imagina o que estava em
jogo. Há três semanas que eu passava por ali como se aquele lugar
fosse a boca do inferno. Hoje vejo que a porta está encostada. Entro
na sala, abro o livro das atas, folheio, encontro-e o tempo todo...estou
cheio de arrepios...
Hanschen Rillow: Então você não deve ter lido direito. Tirando os
burros e somando você e o Lammermeier dá sessenta e um e a sala
de aula do ano que vem só vai poder ter sessenta alunos…
Hanschen Rillow: Aposto cinco marcos que você é quem vai dar o
lugar para ele.
Cena 5
(sala de estar)
Sra Bergmann: Wendla! Wendla!
Sra. Bergamann: Olha só, Wendla, a cegonha foi lá esta noite e lhe
deixou um menino.
Sra.Bergmann: Meu Deus! Que filha eu tenho. Você tem cada idéia.
Eu não posso, Wendla.
Wendla: Por que não, mãe? Por que não? Não pode ser tão horrível
assim, se o resultado alegra todo mundo!
Wendla: Eu estou indo. Sua filhinha vai direto perguntar pro homem
da chaminé como é que as coisas acontecem.
Wendla: Hoje. Agora. Agora que eu vejo como fica horrorizada, agora
eu não durmo sem saber o que acontece.
Wendla: Mãe, olha. Você senta aqui. Eu ponho a cabeça no seu colo
e a senhora coloca o avental por cima da minha cabeça e,
simplesmente começa a falar. Como se estivesse falando sozinha. Eu
não me mexo, não choro nem nada. Seja o que for, eu fico bem aqui.
Wendla: Mãe, eu não consigo agüentar isso mais tempo. Por favor.
Cena 6
(casa de Melchior)
Sra.Gabor: SRA. GABOR Aqui está o chá. Tem leite e açúcar, se vocês
quiserem. Como vai o senhor, Sr. Stiefel?
Sra.Gabor: Você acha isso correto, Sr. Stiefel? É sempre bom lembrar
que existem prioridades. E a saúde vem antes de tudo. Estudos nunca
vêm antes da saúde. Passear ao ar livre. Abrir os pulmões. É muito
mais importante na sua idade do que se enterrar nas lições de
Alemão.
Melchior: Fausto.
Sra.Gabor: Terminou?
Melchior: Mãe, como é que você pode saber uma coisa dessas? Eu sei
que não consigo compreender muitas coisas nele.
Sra. Gabor: Melchior, eu sei que você já tem idade para saber o que é
bom para você e o que não é. Você tem consciência de que só se faz
uma coisa quando se pode assumir a responsabilidade por essa coisa.
Eu vou ser sempre grata a você por não me colocar na posição de te
privar de nada. Só queria te lembrar que mesmo o melhor livro pode
ser prejudicial, se for lido na hora errada. O melhor precisa sempre de
maturidade. Experiência. Mas eu confio em você, Melchior, mais do
que em qualquer norma pedagógica. Se vocês precisarem de mais
alguma coisa, eu estou no meu quarto. (Sai).
Melchior: Você ache o que quiser, mas guarde pra você. Eu não me
permito nem sequer pensar sobre esse assunto.
Cena 7
(Floresta)
Melchior: Se eu não soubesse que era Wendla, diria que era uma
ninfa.
Wendla: Não, não. Sou a Wendla mesmo. E você, o que está fazendo
aqui?
Melchior: Pensando.
Melchior: Se você não precisa ir agora, pode ficar aqui comigo. Gosto
de olhar para aquele lado, o céu fica meio laranja quando o sol está se
pondo. Wendla, já faz um tempo que quero te perguntar uma coisa.
Melchior: Eu ouvi dizer que muitas vezes você vai à casa de gente
pobre. Que lhes leva comida, roupas, dinheiro. Quando você vai, é por
que quer? Ou por que tua mãe te mandam?
Wendla: Claro que gosto! Como você pode perguntar uma coisa
dessas?
Melchior: E ainda assim vai pro “céu”.Eu estava certo.Que culpa tem
o egoísta se não tem prazer em visitar crianças pobres e doentes?
Wendla: Por que magoar seus pais, Melchior? Faça a crisma. Não
custa nada.
Melchior: Não se tem que fazer nada pelos outros! O sacrifício não
existe! Os bons ssofrem e os maus e alegram... Em que você estava
pensando antes de eu chegar?
Wendla: Bobagens
Melchior: Só?
Wendla: Pensei como seria se eu fosse uma menina muito pobre, uma
mendiga. Teria que acordar muito cedo, pedir esmola o dia todo, ver
as pessoas com frieza, maldade. Voltando pra casa com fome e frio, e
por que não tinha conseguido o dinheiro, meu pai me batia, batia.
Wendla: Eu deixo.
Melchior: Nunca.
SEGUNDO ATO
Cena 1
(quarto de Hanschen Rillow)
Cena 2
(Um celeiro)
Wendla: Então você está aqui, Melchior Todos estão procurando você
pra ajudar com esse feno; vem vindo um temporal...
Wendla:Pois agora‚ que eu não saio. (ajoelha-se perto dele) Por que
você não vai me ajudar a recolher o feno, Melchior. Credo, aqui está
abafado e escuro...
Melchior: Wendla!
Cena 3
(Hanschen volta a olhar para a Vênus)
(Rasga a foto)
Cena 4
(Quarto dos Srs Gabor)
Sra. Gabor: Caro Sr. Stiefel. Tenho pensado sobre o que me escreveu.
Agora, com o coração pesado, respondo. Dou minha palavra que não
tenho como emprestar o dinheiro para sua passagem para Amsterdam.
Mesmo se eu tivesse o dinheiro, não seria irresponsável a ponto de
cometer esse pecado, oferecendo os meios para um ato tão irrefletido
e cheio de conseqüências. Será injusto da sua parte imaginar que isso
seja falta de amor. Ao contrário. Se ajudar, escrevo para os seus pais.
Posso tentar explicar que você fez tudo o que era possível, até o limite
do esgotamento - e que uma avaliação severa demais seria
imensamente prejudicial à sua saúde física e psíquica. Mas o que me
deixou perplexa foi a menção de que pretende tirar a própria vida,
caso não tenha meios de fugir. Não há desgraça que justifique isso.
Além disso, me entristece a maneira como você tenta me tornar
responsável por esse crime horrível, a mim que sempre te dei provas
de bondade e simpatia. Isso se chama chantagem. De você eu nunca
esperaria isso. Estou convencida que o terror compromete sua razão e
espero que minhas palavras o encontrem mais equilibrado. Não
exagere - não se julga ninguém pelos boletins da escola. E saiba que,
no que depender de mim, sua relação com Melchior continua a
mesma. Por mais que te condenem, eu admiro e apóio a amizade de
vocês. Levante a cabeça, Stiefel! Crises assim são parte da vida - se
todos apelassem ao punhal ou ao veneno, não haveria mais homens
no mundo. De sua amiga... Fanny Gabor.
Cena 5
(Crepúsculo. O céu está levemente encoberto. Ouve-se a uma certa
distância o murmúrio do rio)
Moritz: É o melhor a fazer. Eu não me adapto a isso. Eles que se
danem. Fecho a porta atrás de mim e me liberto disso tudo. Não estou
muito interessado em me deixar levar, não. Eu não me impus, por que
haveria de me impor agora. Não tenho nenhum contrato com o Nosso
Senhor. De qualquer modo, meus pais deveriam estar preparados para
o pior. Eles tinham idade suficiente para saber o que estavam fazendo.
Eu não, eu era um bebê quando vim ao mundo... Mas por que eu é
que tenho que pagar pelos erros dos outros? Por que devo pagar pelo
fato de todos os outros já estarem aqui? As pessoas nascem
totalmente por acaso e depois de refletirem bem, elas deviam, é...dar
um tiro na cabeça. Não quero chorar outra vez... Não quero pensar no
meu enterro. O Melchior vai colocar uma coroa no meu caixão. O
Pastor Kahlbauch vai consolar os meus pais, o reitor Sonnentisch vai
citar exemplos da história. Eles não devem me dar um túmulo. Eu
gostaria de ter um túmulo de mármore branco, mas também não
sentirei falta. Os monumentos são para os vivos e não para os
mortos...
Eu precisaria de um ano para poder me despedir de todos em
pensamento. Não quero chorar outra vez. Estou contente por poder
olhar para trás sem amargura. Quantas noites agradáveis eu passei
com o Melchior. Soluço de tristeza por minha perda. A vida mostrou o
seu lado amargo.(Tira a arma) E eu tenho aqui o meu bilhete para a
liberdade...
Moritz:Ilse!
Moritz: Que susto que eu levei. Eu não sei o que foi que eu perdi.
Ilse: Que bom. Quando você sai da escola o tempo voa. Lembra
quando a gente brincava de ladrão, eu, você, a Wendla Bergman e os
outros? Como a gente bebia leite de cabra ainda quente, lá em casa?
O que a Wendla anda fazendo? Eu me encontrei com ela, quando
teve a enchente. E o Melchior Gabor? Ele ainda tem aquele olhar
melancólico? A gente ficava de frente um pro outro na aula de canto.
Moritz: (mentindo) Essa noite a gente bebeu feito uns porcos. Fui
pra casa às cinco da manhã, tropeçando.
Ilse: Deus queira que esteja morto. Um dia ele saiu pra buscar
absinto, eu pus o casaco e fugi. O carnaval já tinha passado e a polícia
me pegou. Que é que eu pretendia assim, vestida de homem? Me
levaram pra delegacia. Então apareceram o Nohl, o Fehrendorf, o
Padinsky. Eles me tiraram de lá. Num carro de aluguel. Desde esse
dia, eu sou fiel a todos eles. O Fehrendorf é um gorila. O Nohl é um
porco. O Padinsky um burro. Mas eu amo todos eles e não quero mais
ninguém, mesmo que o resto dos homens fossem anjos e milionários.
Ilse: Durma bem! Você e o Melchior ainda saem juntos? Ah, quando
vocês chegarem onde estou agora, eu com certeza já estarei um lixo!
(sai correndo)
Cena 6
Cemitério. Chove muito.
Ilse: Por quê? A gente pode trazer flores novas depois. Sempre
trazendo mais flores. Tem tantas por aí. (joga as flores na cova)
Ilse: E toda vez que eu passar aqui, eu rego as flores. Vou trazer
miosótis do riacho e crisântemos da casa do Padinsky.
Thea: Pobre!
Cena 7
(Sala de conselhos – Melchior e Reitor Sonnentisch)
(Melchior foge)
Cena 8
(Quarto de Wendla)
Sra Bergmann: Disse que você tem que tomar leite e comer carnes
e verduras. Assim que tenha apetite de novo.
Wendla: Não, mãe, não tenho! Eu sei, sinto. Não tenho uma
anemia... Tenho uma barriga d'água!
Sra Bergmann: Você não vai morrer, filha. Você não tem uma
hidropsia! Tem um filho! Você esta grávida, Wendla! Por que você me
fez uma coisa dessas, minha filha?!
Sra Bergmann: Não minta, Wendla. Sei tudo. Olha, preferia não te
dizer nada. Wendla, minha Wendla...
Wendla: Mas não é possível! Eu não sou casada!
Sra Bergamann: Eu não ouvi nada, meu amor. (vai até a porta e
abre)
Cena 1
(Hanschen Rillow e Ernst rolando na relva murcha – Os sinos batem)
Hanschen: (rindo) Você esta falando sério? Meu Deus, como você é
sentimental!
Ernst: Eu?
Ernst: Mas o que você faz com Nata e Creme, Hanschen? Porque eles
não são doces. Não seria melhor lamber o mel?... (Hanschen ri
dirfaçadamente) Você esta rindo? De quê? De mim?
Hanschen: Desculpa.
Ernst: Hanschen...
Hanschen: O mel está em mim... Vem provar o néctar nos meus
lábios. (Beija Ernst)
Ernst: Hanschen, quando a gente tava vindo pra cá, eu achei que a
gente só iria conversar...
Cena 2
(Um cemitério)
“AQUI JAZ
WENDLA BERGMANN
NASCIDA A CINCO DE MAIO DE 1878
FALECIDA COM ANEMIA
A VINTE E SETE DE OUTUBRO DE 1892
BEM AVENTURADOS OS PUROS DE CORAÇÃO...”
Melchior: Com as culpas que caem sobre mim não vai ser um bom
jantar que vai devolver a paz!
Sr.Disfarçado: Então?!
Moritz: Não briguem! Por favor! Estamos aqui às duas da manhã, dois
vivos e um morto e vamos brigar?!
Moritz: Não creio que somos tão diferentes assim para que o senhor
não fosse ao meu encontro quando eu estava com a pistola.
Melchior: Obrigado por ter vindo, Moritz. Não esqueça esses quatorze
anos. Não importa o que aconteça comigo, de bom ou de ruim. Eu não
vou esquecer.
Moritz: Obrigado.
Melchior: Quando eu for velho, de cabelo branco, quem sabe a gente
volte a ficar perto assim, um do outro.
FIM