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MICROFONES REVEZAMENTO
MELCHIOR 01 WENDLA: 05
MORITZ 02 ILSE: 06
HANSCHEN: 03 MARTHA: 07
LAMENAIER: NÃO
PROFESSORA: REVEZA
REITOR: REVEZA
DOUTOR: REVEZA
ABERTURA MICROFONES 01 – 02 – 03 – 04 – 07 – 08
(QUALQUER COISA TIRA O MONOLOGO DA ANNA)
MELCHIOR: Frio, muito frio. Queria abrir um buraco e me enterrar, mas não dá. Eu
passei por tantas mortes e quase não chorei. Mas, às vezes, dependendo de como o
sol se põe por trás da ponte ou de como as nuvens se debatem formando espirais de
chumbo no céu, aí eu choro... Um choro que me sacode, que vem em soluços. Eu me
entrego sem resistência, em espasmos de tristeza. Eu choro pelo fim da inocência, pela
escuridão do coração humano e pela falta que me fazem o meu amigo (sempre os
sonhos entre nós) e o meu amor – agora eu sei que era amor. Desculpe, eu esqueci de
dizer o meu nome: é Melchior.
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ILSE: A alma humana é um abismo – que droga! A Morte já esbarrou em mim tantas e
tantas vezes. Eu perdi a conta de quantas vezes o Heinrich apontou o revólver para
mim e ameaçou: “É hoje, Ilse!”. Mas eu entendo o Melchior Gabor. É que comigo,
bom... comigo é diferente. Parece que ela não vai me pegar nunca – ou, pelo contrário,
um dia, quem pega a Morte de surpresa sou eu!
HANSCHEN: Eu não sou muito de sentimentalismo. Por isso vou ser bem prático e
claro. Meu nome é Hanschen Rilow. É verdade que um monte de coisas aconteceu
desde a última primavera. Mas não interessa ficar aqui contando, agora. O que
interessa é que aquele encantamento foi se apagando aos poucos. E agora fica um
vazio e uma saudade...
THEA: Eu me chamo Thea e a Wendla Bergman ainda é a minha melhor amiga. A mãe
dela estava com os olhos tão inchados, parecia ter envelhecido dez anos em um. A
Wendla gostava de me levar na casa da irmã - a gente passava tardes e tardes
brincando com o bebê... O Karl é gordinho... Sempre achei que só os velhos morriam.
Mas agora! Será que eu e a Martha pegamos a mesma doença que ela e não sabemos?
MARTHA: Todas as sextas-feiras eu planejo encontrar a Ilse, pra levarmos flores pro
Moritz. Eu gostava dele. Ninguém mais comenta o que aconteceu. Já cheguei a fugir da
escola e esperar durante horas e nada de ela aparecer. Mas eu sempre vou. Eu me
deito no chão e falo baixinho pra ele: “Eu e a Ilse te oferecemos estas flores. Um beijo
da sua amiga, Martha!”.
ERNST: Sabe, o Hanschen me disse uma vez que os adultos usam a autoridade deles
pra justificar a sua estupidez. Que no fundo eles fazem tudo como a gente faz, as
mesmas burrices. As mesmas idiotices. Essa é uma história cheia de burrice e
estupidez. Quando eu me lembro do que aconteceu fico até arrepiado. Agora tudo
parece fazer sentido – o Moritz Stiefel foi um revolucionário.
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MORITZ: “A Lua cobre o rosto. E depois tira de novo o véu. Mas nem por isso parece
ter alguma coisa a dizer. Vou voltar para o meu lugar. Endireitar a cruz que o louco
idiota derrubou brutalmente. E quando estiver tudo arrumado, eu me deito outra vez
de costas, me aqueço ao calor da minha putrefação. E sorrio.” (arranca a página do
livro e guarda no bolso do paletó, luz cai)
CENA 1 MICROFONES 05 – 08
WENDLA: Mãe.
SRA. BERGMAN: Meus Deus, olhe pra você nessa camisola! Minha filha, moças não
podem ser vistas assim.
SRA. BERGMAN: Mas você já está desabrochando, fez quatorze anos! Quase me
esqueci da boa notícia. Ontem à noite, a cegonha visitou sua irmã e deixou um menino
de presente.
SRA BERGMAN: Só vou terminar de soltar a barra do seu vestido, assim você poderá se
vestir decentemente e...
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WENDLA: Mamãe, sou tia pela terceira vez e ainda não sei como isso acontece.
Mamãe, tenho vergonha de perguntar, mas a quem perguntar senão à senhora?
SRA. BERGMAN: Não sei o que fiz para merecer esse tipo de conversa! E justo hoje...
Vá se vestir.
WENDLA: Não seria melhor perguntar para o homem que limpa a chaminé? Ele pode
saber, não pode?
SRA. BERGMAN: Muito bem, eu conto tudo. Mas, por Deus, não hoje. Amanhã. Ou
depois. Na semana...
WENDLA: Mãe, olhe: você senta aqui. Eu coloco a cabeça no seu colo e você me cobre
com o meu vestido, aí você começa a falar. Como se estivesse falando sozinha. Por
favor.
SRA. BERGMAN: Para uma mulher engravidar... (tira o vestido da cabeça de Wendla) -
Está entendendo?
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SRA. BERGMAN: Para uma mulher ficar grávida ela deve... (enrola para falar) De seu
modo pessoal, ela deve amar seu marido. (Enrola) Amar... E deve amar somente ele.
Somente ele, ela deve amar do fundo... do coração (Puxa totalmente o vestido e o
coloca nas costas da cadeira). Pronto, agora sabe tudo!
WENDLA: Tudo?
WENDLA: Mamãe...
MELCHIOR: Por que não posso passear no horto ao invés de me preocupar com o
colégio?
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MORITZ: América Central! Luís XV! Sessenta versos de Homero! Sete equações!
ERNST: Se pelo menos a composição do latim não fosse também para hoje...
MORITZ: A gente não pode pensar em nada sem a droga deste colégio no meio!
(Entra Reitor)
REITOR: Lammermeier, em pé. Latim.
REITOR: Sr. Stiefel. Sr. Stiefel. (Moritz cochilando na aula – reitor grita) Sr. Stiefel!
MORITZ: Senhor.
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REITOR: Continue, por favor.
REITOR: Sim.
REITOR: Multum “Olim”? Então Enéas já sofreu muito nos dias ainda por vir? Sr.
Stiefel, faz ideia do que acabou de dizer?
MELCHIOR: Se me permite!
MELCHIOR: Se me permite, Sr. Sonnenstich, não podemos considerar isso como uma
conjectura plausível?
REITOR: Melchior Gabor, não estamos aqui para fazer conjecturas textuais. O garoto
errou.
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MELCHIOR: Veja o balanço da retórica. Multum Olim apresentando Multum quoque.
Um paralelo, senhor, entre o que Enéas já sofreu em guerra e os sofrimentos à frente.
REITOR: Sr. Gabor. Desde os tempos de Sérvio, Aulo Gélio, Cláudio Donato... Não,
desde a morte de Virgílio nosso mundo tem sido sujado com conjecturas textuais.
MELCHIOR: Com todo o respeito, o Sr. está sugerindo que não podemos ter
pensamento crítico ou interpretação? Então, por que... (reitor bate no peito de
Melchior com a vara)
REITOR: Não estou sugerindo nada. Estou confirmando que ele errou. E estou pedindo,
não, estou mandando que corrija o erro e continue. Fui claro? (Melchior não responde
e leva outra varada no peito) Gabor, fui claro?
REITOR: Agora, por favor: “Inferretque deos latio”, os sete poemas seguintes de cor.
MORITZ: Mas eu devia saber. Multum Ille. É que não dormi a noite toda. Na verdade,
fui visitado pelo fantasma mais obscuro e horrendo.
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MELCHIOR: Você sonhou?
MORITZ: Um pesadelo, na verdade. Pernas com meias azuis, que iam subindo pela
mesa do professor.
REITOR: Sr. Stiefel! Não preciso lembrá-lo que, de todos os alunos, o senhor é o que
mais precisa se empenhar durante as aulas. Não vou avisá-lo novamente!
REITOR: Entreguem os versos sem opiniões pessoais. E vejo vocês amanhã, às sete.
LAMMERMEIER: Eu também.
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ERNEST: Não você não pode ir em casa, meus pais... ah... esquece.
MORITZ: Melchi... Por quê? Por que sou assombrado pelas pernas de uma mulher?
Parece que uma parte obscura do meu destino faz parte delas.
MELCHIOR: Tudo bem. Eu te contarei tudo. Aprendi com os livros. Mas se prepare! Eu
virei ateu depois disso.
MORITZ (fica nervoso): Então não! Não, aqui não. Não posso falar. (sai correndo, mas
pára e volta) Pode me fazer um favor?
MELCHIOR: Sim.
MORITZ: Escreve tudo e coloca no meio dos meus cadernos amanhã durante a aula. Se
quiser, pode colocar algumas ilustrações.
MORITZ: Tudo.
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CENA 3 - MICROFONES REITOR 03 – PROFESSORA 04
PROFESSORA: Enorme.
PROFESSORA: O melhor.
BARULHO DE CHUVA
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ANNA: A decoração é de orquídeas.
ANNA: Espero que sua mãe aprove o homem com quem vou me casar um dia.
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ILSE: Sabem dos rumores? Ele não acredita em nada. Nem em Deus, nem no céu, nem
em nada nesse mundo inteiro.
WENDLA: Mas mesmo assim ele é maravilhoso, Ilse. Dizem que ele é o melhor em
tudo.
THEA: E o melhor de tudo é que ele não liga para nada disso.
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GEORGE: Como o Prelúdio em dó menor?
HANSCHEN: Está sim, pai. George está com problemas de compreensão, mas irei
ajudá-lo nessa parte.
GEORGE: Não estou com problema algum, Hanschen. Qual é a sua? Por que está me
tratando dessa forma? Por que você trata todos dessa forma agressiva? Só porque
você é adotado.
HASCHEN: (Mandando George embora). Vá embora, meus problemas são só meus, vai,
some da minha frente.
(George sai e Hanchen tem um surto e começa a quebrar algumas coisas)
MELCHIOR: 16 de outubro, a questão é: vergonha. Qual sua origem? E por que somos
assombrados pela sombra infeliz? A égua sente vergonha ao acasalar com o alazão?
Ou finge ser surda ao que seus quadris lhe dizem até entregarmos uma certidão de
casamento? Eu acho que não. Ao meu ver, a vergonha não passa de um produto da
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educação. Enquanto isso, o velho padre Kaulbach insiste cegamente em cada sermão
que está enraizado profundamente na nossa natureza humana pecadora. Por isso
agora me recuso a ir à igreja.
(De fora, a mãe: Moritz Stiefel quer vê-lo.) (Moritz entra desesperado)
MORITIZ: Melchior, me desculpe o atraso! Enfiei uma jaqueta, penteei o cabelo e vim
voando feito um fantasma.
MORITZ: Estou exausto, fiquei acordado até três da madrugada lendo o ensaio que
você me deu, até que eu não conseguia mais enxergar direito.
MORITZ: Olhe como estou tremendo! Na noite passada eu rezei como Cristo no
Monde das Oliveiras. Por favor, Deus, me dê tuberculose e afaste esses sonhos de
mim!
MELCHIOR: Com sorte Ele ignorará essa oração. Calma, Moritz, vou pedir à minha mãe
que traga um chá para nós dois.
MORITZ: Um chá ia me fazer bem. (Melchior sai por um instante e volta). Melchi, eu
não consigo me concentrar em nada. Até agora, parece que... Bem, eu vejo, ouço e
sinto claramente, porém tudo parece tão estranho!
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MORITZ: Multiplicaram em dez vezes! Ao invés de meias, agora sou assombrado por...
(Moritz faz o contorno de um corpo feminino no ar)
SRA. GABOR: Você deve se cuidar, Moritz. Sua saúde é mais importante que o grego
antigo.
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SRA. GABOR: Mas mesmo assim, eu acho... vocês já têm idade para decidir o que é
bom e o que não é. Se precisarem de algo mais, me chamem. (Sai)
MELCHIOR: Sim. Você vê como todos se fixam nessa história? É como se o mundo
fosse hipnotizado por esse tipo de relação... a relação entre os corpos.
MORITZ: Eu sou. (pausa). Ainda mais agora, depois de ler sua redação. O que escreveu
sobre a mulher... Não consigo parar de pensar nisso. Essa parte... (pega a redação e
mostra à Melchior) Isso é mesmo verdade?
MORITZ: Mas como você consegue entender isso? Melchi, como uma mulher deve se
sentir?
MUSICA 05 VENHA
(Todos saem, ficando só Melchior sentado lendo seu livro – Entra Wendla)
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CENA 7 – MICROFONES 01 - 05
MELCHIOR: Wendla Bergman. Parece uma ninfa caída das árvores. O que faz aqui
sozinha?
MELCHIOR: Este é meu lugar predileto. Meu lugar pessoal para pensar.
WENDLA: Essa manhã foi maravilhosa! O grupo de jovens levou roupas e comida aos
pobres.
MELCHIOR: Não. Nossos pequenos atos de caridade. O que acha, Wendla? Nossos atos
de caridade fazem a diferença?
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MELCHIOR: Exatamente. Receio que a indústria está se determinando rapidamente
contra eles.
WENDLA: Contra nós todos. Eu acho que... O melhor para cada um é o melhor para
todos.
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WENDLA: Estou atrasada. Tenho que chegar em casa antes das cinco.
WENDLA (puxando o cesto para junto de si – Melchior a olha assustado): Não! Quer
dizer... Não, não precisa. Eu carrego sozinha.
(Os dois saem e os garotos entram pelo outro lado – Melchior entra procurando
alguém)
CENA 7 – MICROFONES 01 – 02 – 03 – 04
HANSCHEN: É, ele está indo um pouco longe demais, vai se dar mal!
ERNEST: É mesmo... Eu é que não queria ser ele numa hora dessas!
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LAMMERMEIER: Ele está na sala dos professores, só isso!
HANSCHEN: Sem chances, tampinha. Ele deve ter uma chave mestra.
ERNEST: Eu não tenho nada a ver com isso, mas estou tão nervoso... Não aguento, a
culpa vai cair sobre mim! Eu... eu já volto. (Sai correndo)
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MELCHIOR: É melhor mesmo, pernas de saracura! Você vai acabar estragando tudo e
entregando o Moritz.
MORITZ: Eu passei! Melchior, eu fui aprovado, eu passei! Agora pode acontecer tudo,
o pior, não importa! Eu passei! Quem iria pensar... Ainda não acredito direito! Li meu
nome umas vinte vezes! Não posso acreditar, meu Deus, mas o nome estava lá! Eu
passei! (Ri) Sei lá, estou me sentindo até meio estranho, parece que o chão está
rodando... Melchior, se você soubesse o quanto eu sofri!
MORITZ: Você não sabe, Hanschen, não imagina o quanto eu estava dependendo
disso, era uma agonia! Quando eu passava por aquela porta, parecia que eu estava
passando pela boca do inferno! Hoje, quando eu estava passando por lá, vi que a porta
só estava encostada, aí eu entrei! Mesmo se me dessem um milhão, nada conseguia
me impedir de entrar! Entrei na sala, abri a pasta dos exames, virei as páginas! Durante
todo o tempo... senti um arrepio...
MORITZ: A porta ficou escancarada! Nas minhas costas! Como foi que eu saí e desci as
escadas, não faço a menor ideia!
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HANSCHEN: Ernest Robel passou? Ele saiu daqui meio estranho...
LAMMERMEIER: Você não deve ter lido direito! Tirando os outros, com você e Ernest,
a classe fica com sessenta e um alunos, e o número de vagas é sessenta!
MORITZ: Por isso que eu demorei! Lá estava escrito que nós dois passamos com uma
condição: no primeiro semestre, eles vão escolher quem vai ficar. Ou ele, ou eu.
Coitado do Ernest! Coitado! Agora eu juro: não tenho mais medo nenhum!
MORITZ: Não, eu não vou deixar você jogar o seu ÚNICO rim fora! Meu Deus, a partir
de agora eu vou ter que estudar feito um louco! Vocês podem não acreditar, mas se eu
não tivesse passado, dava um tiro na cabeça!
LAMMERMEIER: Mentira!
HANSCHEN: Uuuuuh!
MORITZ: Tudo!
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ERNEST: Eu passei?
MELCHIOR: O que você tem a ver com isso? Moritz, vamos embora!
WENDLA: Vamos.
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WENDLA: Amanhã, vou trazer uma tesoura!
MARTHA: Não, Wendla! Ou meu pai me dá uma surra ou então minha mãe me põe de
castigo três noites no porão! (Pausa – todas olham para ela espantadas) Bem... não,
não é nada.
ANNA: Martha! Martha! (Puxa ela pelo braço) Somos suas amigas.
ANNA: O que?
MARTHA: “Temos regras nessa casa. Seu pai não será desobedecido”. Uma noite corri
até a porta. “Vai sair? Então passará a noite na rua!”.
ANNA: Não.
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MARTHA (mostrando o braço marcado): Vejam.
MARTHA: Anna, não. Veja o que aconteceu com a Ilse. Morando com qualquer um em
qualquer lugar.
THEA: Meu tio Klaus diz que, se não disciplinar o filho, é porque não o ama.
ANNA: Quando tiver filhos, deixarei que sejam livres. E serão ótimas pessoas.
MARTHA: Livres?
THEA: Como saberemos o que fazer se nossos pais não nos disserem?
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(Melchior está escrevendo)
MELCHIOR: Um mundo onde professores, assim como os pais, nos veem como obra
prima para uma sociedade obediente e produtiva. Um corpo militar e uniformizado,
onde todos os fracos devem ser destruídos. Onde o progresso dos alunos se reflete
apenas no ranque e ordem da faculdade e, portanto, uma nota baixa é vista como uma
ameaça.
MORITZ: Não!
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SR. STIEFEL: Posso ver no seu rosto...
SR. STIEFEL: Finalmente, chegamos a esse ponto. Não posso dizer que estou surpreso.
Você reprovou. Agora me diga: o que sua mãe e eu faremos? Como ela sairá nas ruas?
O que direi no banco? Como iremos à igreja? O que diremos? Meu filho reprovou.
Reprovou... Graças a Deus meu pai não viveu para ver isso! (Pai sai de cena)
MUSICA 8 A CARTA
CENA 11 MICROFONES 1 - 5
WENDLA: Está vindo uma tempestade. Não pode ficar nesse sótão.
WENDLA: Seu amigo Moritz não foi a igreja. Não o viram o dia todo...
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MELCHIOR: Ficou?
WENDLA: Melchior sinto muito pelo que aconteceu. Entendo que esteja bravo. Não sei
o que pensava.
MELCHIOR: Chega!
MELCHIOR: Por favor, chega! Foi minha culpa. Só minha. Algo em mim surgiu quando
eu te bati.
MELCHIOR: Te machuquei.
WENDLA: Venha até a campina. (Fazendo carinho no ombro dele). Está escuro e
abafado aqui. Podemos correr na chuva. Ficar ensopados e nem ligar.
MELCHIOR: Me perdoe.
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WENDLA: Foi minha culpa. Só minha. (Abraça ele).
WENDLA: E eu ouço o seu (Melchior tenta beijá-la – Ela recua). Não... Não posso... Não
devemos...
MELCHIOR: O que? Não devemos fazer o que? Amar? Sei lá. Isso existe? Eu ouço o seu
coração. Sinto sua respiração (Música começa aqui)
MUSICA 10 ACREDITO
MELCHIOR: em todo lugar. Na chuva. No feno. Por favor, Wendla (Ele toca seu rosto e
a beija)
MELCHIOR: Por que é bom? Por que nos faz sentir algo? Não tenha medo. (Ele avança
sobre ela)
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Apaga a luz Wendla e Melchior saem e entra Moritz no mesmo local
CENA 12 MICROFONES 2 -6
MORITZ: A minha passagem pra liberdade está aqui. A vida é só uma questão de gosto:
ou você gosta dela, ou vai embora. (Coloca a arma na cabeça - Entra Ilse, ele se
assusta e esconde a arma rapidamente)
MORITZ (ainda tentando esconder a arma): Por que me assustou? Droga, droga... Mas
que droga!
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MORITZ (nervoso): Então... Por onde você tem andado?
MORITZ: Falópia?
ILSE: Sei lá! Tomara que não! E você, Moritz? Ainda na escola?
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ILSE: Acompanha-me até em casa?
MORITZ: E?
MORITZ: Foi uma época incrível, mesmo. Nos escondendo na nossa oca.
ILSE: Pois é. Faço cachos no seu cabelo. Você pode andar no meu cavalinho de pau.
Você acredita que ele ainda existe?
ILSE: O quê?
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MORITZ: Parallelepipedon…
MORITZ: É grego… Tudo isso aí está me pesando na cabeça. Boa noite, Ilse!
ILSE: Quer saber? Quando você realmente acordar, estarei num monte de lixo! (Sai)
MORITZ: Pelo amor de Deus! Eu só tinha que dizer “sim”. Ilse! Ilse! . Que pena! Eu
perdi uma oportunidade, a última… Então, o que direi? Direi a todos eles. Aos anjos...
Eu cantei. E brinquei de pirata com os meus amigos! Sim, direi a todos eles. Estou
pronto agora. Eu serei um anjo. (Ajoelha). Um minuto atrás, dava para ver o horizonte
inteiro. Agora, apenas o anoitecer. As primeiras poucas estrelas. Tão escuro... (Pega a
arma) Tão escuro... Tão escuro. E eu não volto pra casa nunca mais.
BARULHO DE TIRO
REITOR: E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;
temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo.
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MONÓLOGOS LUTO MICROFONES 01 – 06 – 07 – 08 THEA
SOM TELEFONE ANTES THEA (TERCEIRA)
CENA 13 MICROFONES 6 - 7
(Martha joga uma coroa de flores dentro da cova, Ilse abre o avental e deixa cair uma
chuva de pétalas de rosa sobre o caixão.)
MARTHA: Vou arrancar umas roseiras lá de casa e plantar aqui. Eles vão me
bater, mas pelo menos aqui elas vão poder crescer…
ILSE: Sempre que eu passar por aqui, vou regar. Vou trazer miosótis do
rio e os lírios da minha casa.
MARTHA: Coitadinho…
ILSE: Disse!
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MARTHA: O quê?
ILSE: De manhã cedo quando eu estava passando por lá encontrei ele morto. Tirei o
revólver de sua mão.
ILSE: Ela devia estar cheia de água. As plantas estavam cheias de sangue. Encontrei
também uns pedaços de cérebro no meio do mato.
CENA 14 MICROFONES 01 – 02
REITOR: Temos que tomar medidas imediatas e decisivas para não sermos vistos como
aquelas instituições afligidas pela epidemia de imoralidades de adolescentes.
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HANSCHEN: Esses sinos dão tanta paz.
ERNEST: Em meio a tanta confusão é mesmo. Em dias quietos como esse, eu me vejo
como um pastor. Com minha esposa de bochechas vermelhas, minha biblioteca e
meus diplomas. Meninos e meninas da vizinhança andam ao meu lado, brincando com
meus filhos.
MELCHIOR: Agora eu vi, Wendla. Como essa sociedade burguesa funciona. Como tudo
o que tocamos vira terra. No fim das contas, temos só um ao outro. (vai subindo a
passarela) Devemos construir um mundo diferente. Apesar do que os mais velhos
dizem, quero pôr a cabeça no seu peito e respirar de novo naquele paraíso.
DOUTOR: Não se preocupe, mocinha. Receito isso desde antes de você nascer.
Recentemente eu os recomendei à baronesa de Dortmund. Oito dias depois, fico feliz
em dizer que ela está em um SPA em Piermont, comendo frango assado e batatas no
café da manhã. Menina, três por dia, uma hora antes da refeição, e em algumas
semanas você ficará bem. Até comerá leitão no café da manhã.
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DOUTOR: Só isso.
DOUTOR: É comum. Confie, menina, você ficará bem. Podemos conversar, sra.
Bergman?
SRA. BERGMAN: Certamente, doutor. (Os dois vão para o canto e ele cochicha algo no
ouvido dela e sai)
WENDLA: Mamãe?
SRA. BERGMAN: Wendla? O que você fez consigo mesma? Comigo, Wendla!
WENDLA: Nome dele? O que você... Aquilo? Como aquilo... Só queria ficar com ele.
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SRA. BERGMAN: Wendla, chega, por favor.
WENDLA: Eu só queria abraçar ele. Meu Deus! Por que não me contou tudo? (Mãe
levanta a mão para bater em Wendla)
SRA. BERGMAN: Bem, vai ter que me dizer quem foi. Wendla, estou esperando.
George? Hanschen? Quem então? Moritz Stiefel? Melchior Gabor? (Wendla começa a
chorar) Wendla? Foi o Melchior Gabor? Wendla!
MELCHIOR: “Querido Melchior, rezo para que leia essa carta. Já escrevi tantas e não
recebi respostas. Quando penso em você nesse lugar horrível, meu coração dói. Queria
estar perto de você e conversar com você. Tenho notícias incríveis. Aconteceu algo,
Melchior. Que eu mal entendo...” “...Na minha cama, todas as noites tenho tantos
sonhos. O mundo melhor que construiremos juntos. Com nosso filho”. Um filho?
MUSICA 15 MURMURAR
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ILSE: “Ilse, estou fugindo a dias, mas não consigo voltar. Eu te imploro, pelo bem da
nossa amizade. Leve Wendla até o cemitério atrás da igreja essa noite”.
MELCHIOR: Wendla? Olhe para isso. Passei a vida toda fugindo da igreja e olhe onde
vim parar. (Olha um túmulo, abaixa) Moritz... Meu velho amigo. Eles não vão me
pegar. Nem a Wendla. Eu não... Não vou deixar. Vamos construir aquele mundo juntos
para o nosso filho! (Toca o sino) Meia noite. Meu Deus... Todos esses pequenos
túmulos... e aqui um novo. “Aqui jaz em Deus Wendla Berg...” (Ajoelha e limpa o
túmulo) Nascida... Morreu... De anemia? Meu Deus, Wendla também! Não! Não!
(Começa a chorar) Não!
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(No final da música, Moritz e Wendla saem – Moritz entrega um papel para Melchior
antes de sair)
MELCHIOR: Sozinho. (Desamassa o papel e lê) “A Lua cobre o rosto. E depois tira de
novo o véu. Mas nem por isso parece ter alguma coisa a dizer. Vou voltar para o meu
lugar. Endireitar a cruz que o louco idiota derrubou brutalmente. E quando estiver
tudo arrumado, eu me deito outra vez de costas, me aqueço ao calor da minha
putrefação... E sorrio”. (Ajoelha)
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