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Universidade Lusófona do

Porto

Livre Apreciação da Prova e a


Fundamentação da Convicção do
Juiz

Pedro Otávio Ferreira Santana


a22210568

Mestrado em ciências Jurídico-Criminais

Direito Processual Penal

Professora Dra. Inês Godinho


Indice
Livre Apreciação da Prova e a Fundamentação da Convicção do Juiz ____________________1
Introdução _____________________________________________________________________1
Livre Apreciação de Prova em Processo Penal ________________________________________2
A admissibilidade do Artigo 127.º do Código do Processo Penal ------------------------------------------2
Teoria da probabilidade quantitativa objectiva e subjetiva --------------------------------------------------3
A discricionaridade -----------------------------------------------------------------------------------------------5
Utilização de todos os meios de prova disponíveis ----------------------------------------------------------6
A argumentação ---------------------------------------------------------------------------------------------------6
Justificação Interna e Argumentação não dedutiva -----------------------------------------------------------7
Decisão contrária as regras a experiência ---------------------------------------------------------------------8
A Prova como Fonte do Convencimento _____________________________________________9
O princípio iudex debate iudicare secundam allegata et probata -------------------------------------------9
O princípio iudex debate iudicare sedundum conscientiam -------------------------------------------------9
Factos extra-processuais ----------------------------------------------------------------------------------------10
Juízo de inferência lógica --------------------------------------------------------------------------------------10
Processo Penal com uma estrutura acusatória ---------------------------------------------------------------11
O Dever de Fundamentação da Decisão Penal _______________________________________11
Juízo científico diferente e a arbitrariedade ------------------------------------------------------------------11
Princípios constitucionais da fundamentação da sentença -------------------------------------------------13
a)Princípio de Generalidade ...................................................................................................13

b)Princípio da indispensabilidade...........................................................................................13

c)Princípio da totalidade .........................................................................................................13

d)Princípio da publicidade ......................................................................................................13

A indicação da factualidade relevante no processo ---------------------------------------------------------13


O papel da motivação -------------------------------------------------------------------------------------------14
A validação igualitária da sentença ---------------------------------------------------------------------------15
Patologias relacionadas com a fundamentação da sentença penal _______________________15
Falta de fundamentação da sentença --------------------------------------------------------------------------15
Fundamentação insuficiente -----------------------------------------------------------------------------------16

Fundamentação Contraditória ---------------------------------------------------------------------------------16


Conclusão _____________________________________________________________________17
Bibliografia ____________________________________________________________________19



Introdução
O presente relatório debruça-se sobre a livre apreciação da prova e o dever de
fundamentação do juiz. Para tal, iremos caminhar pela admissibilidade do artigo 127.º do Código de
Processo Penal e alguns pontos que achamos pertinentes abordar neste âmbito .
Abordaremos a teoria das probabilidades quantitativas para explicar que com cálculos
matemáticos não se alcança nenhuma verdade e que esta não é absoluta, daí o preceito de verdade
material.
Iremos abordar de forma mais intensa o prisma do julgador e como este deve construir o seu
juízo de forma mais coerente para assim se afirmar o poder e garantia jurisdicional. Então iremos
abordar o juízo de ingerência lógica afastando a arbitrariedade da decisão, mas mantendo o poder
discricionário do julgador.
Posteriormente iremos tocar no dever de fundamentação da decisão penal diferenciando o
juízo cientifico da arbitrariedade do julgador, passando por alguns princípios basilares da sentença
penal.
Abordaremos a importância da construção da motivação do juiz e como esta deve ser
realizada para não criarmos anomalias na construção da sentença.
Ulterior a isto, iremos abordar as possíveis patologias da sentença penal que pode culminar
na sua inconstitucionalidade abrindo portas ao recurso.

Livre Apreciação de Prova em Processo Penal


A admissibilidade do Artigo 127.º do Código do Processo Penal
O artigo em análise trata da livre apreciação da prova que compete ao juiz debruçar-se sobre
esta matéria pautando-se pelas regras lógicas e da racionalidade para que os sujeitos processuais, q
quando confrontados pela dentição final, possam, de forma racional, demonstrar, ou não, a sua
adesão ao decidido.
A importância da aplicação deste preceito da livre apreciação da prova parte do
encadeamento lógico que fundamenta a decisão que pode-se refletir em diversos panoramas, tais
como a presunção de inocência, o direito ao recurso, o próprio direito de fundamentação das
sentenças, entre outros1.
O Professor FIGUEIREDO DIAS vem referir sobre este domínio que, com a produção de
prova em julgado, tem como objetivo munir o tribunal com elementos suficientes para este poder
formar a sua condição sobre a existência ou a inexistência dos factos relevantes.
A livre apreciação da prova em Processo Penal abrange dois caminhos, por um lado a
entidade que decide fá-lo em compromisso com a sua convicção que tem como alicerce toda a
prova apresentada no processo, por outro lado, essa convicção, formada de forma objetiva e linear
com o apoio das regras técnicas e das máximas de experiência, nao devendo estar sujeitas a
qualquer vedações legalmente estabelecidas. Assim o juiz tem a liberdade de de formar a sua
convicção2.
A livre apreciação da prova como o próprio nome diz, é a livre apreciação pelo juiz da prova
produzida. Para aprofundar mais temos de entender no que consiste as duas teorias vigentes para a
valoração das provas sujeitas a este regime. A probabilidade lógica e a probabilidade quantitativa.
No processo acusatório o juiz é quase soberano no tocante ao arquivamento ou abertura do
julgamento, sendo que a livre apreciação da prova também é um problema que recai sobre o
Ministério Público cabendo-lhe a correta valoração de indícios3.
Na determinação do estágio de fundamentação que pode ser concedida a uma possibilidade
relativo à existência de um facto, consiste na teoria da probabilidade quantitativa. Nos EUA a teoria

1 Código de Processo Penal Comentando, Edições Almedina, junho de 2014 , página 464;
2FIGUEIREDO DIAS, Jorge de in Direito Processual Penal. I Volume, Coimbra Editora, 1974, página 203 e
seguintes;
3 Artigo 127º do Código de Processo Penal - Lei n.º 13/2022, de 01/08
2







defendida é a teoria de BAYES, onde a probalidade é a medida de incerteza de um facto que não se
pode afirmar de forma absoluta de verdadeiro ou falso4.
Logo, a livre apreciação da prova é um principio máxime que vale para todo o processo
penal e para todos os orgãos de justiça criminal permitindo que estes possam apreciar a prova
existente nos autos com base na livre valoração destas e na sua própria convicção pessoal.
No tocante à constitucionalidade deste preceito, o Tribunal Constitucional tem vindo a
afirmar que esta regra não se pode confundir com uma apreciação arbitrária ou discricionária da
prova5.
Mas existem exceções que aparecem quando enunciamos os outros meios de prova
admitidos em Processo Penal, como a Prova Testemunhal; declarações do arguido, quando este
negue, fica esta negação à mercê da livre apreciação por parte do julgador; o silêncio confere outro
limite ao princípio da livre apreciação da prova, pois nunca poderá desfavorecer o arguido, isto
porque em direito o silêncio é exatamente isto, silêncio, e nada diz sobre o arguido. Entre outras
limitações. Logo, segundo Roxin, a livre convicção determina que o juiz considere de forma certa e
inequívoca um estado de coisas sem “sombra” de dúvidas.
No tocante ao arguido este deve ser amparado dos possíveis erros de valoração realizado
pelo juiz aquando da formação da sua convicção, daí que existem os recursos para permitir que
outros juizes possam controlar a sentença por estarem alheios a meras suposições6

Teoria da probabilidade quantitativa objectiva e subjetiva


Podemos dividir a teoria de BAYES em duas versão, uma objetiva e outra subjectiva.
Quando a probabilidade indica acontecimentos concretos, ou seja, indica a periodicidade com que
certo facto ocorre dentro uma classe de acontecimentos, sendo então uma viabilidade estatística,
estamos perante um prisma objetivo desta teoria. Numa visão subjectiva, considera-se a casualidade
de se identificar ou a poder vir a identificar a existência de um determinado facto. Nesta
compreensão subjectiva da teoria, o grau em que é possível perpetuar a verdade que se afirma
representa o valor quantitativo da probabilidade e este grau é determinado pelo cálculo do grau de

4Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 ed.. - Madrid : Editorial Trotta,
2005, pp 191;
5Acórdão 1165/96, Diário da República I série, de 6 de fevereiro de 1997 "o julgador, ao apreciar livremente
aprova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras da experiência comum
utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente
susceptíveis de motivação e controlo.” in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, junho de 2014,
anotação 5. ao art. 127.º, página. 466;
6 Código de Processo Penal Comentando, Edições Almedina, junho de 2014 , página 468;
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aceitação de uma hipótese bem como o grau de aceitação do facto que se pretende conhecer, devido
a sua frequência na classe de acontecimentos7.
Com o tempo a teoria de BAYES transforma-se num método de calculo que se baseia na
valorarão da aceitação de uma hipótese quanto a um facto, bem como a frequência deste dentro de
uma determinada classe de eventos, o que faz com que os precedentes deste facto permita atribuir a
frequência da probabilidade, que representa o grau de convencimento racional sobre o facto8.
Contudo opina-se que esta teoria para a resolução da valoração da prova apreciada
livremente pelo juiz não é a melhor, desde logo, a esfera racional não é alcançada através de
cálculos matemáticos e posteriormente por este cálculo se tornar complicado é difícil aplica-lo na
resolução de situações de inferência lógica mais complexas, por se precisar colocar na balança
várias proposições inferênciais e as características próprias do problema em concreto, o que torna
tudo muito complexo para ser resolvido por um calculo matemático9.
O que conseguimos perceber é que há a necessidade de sae aceitar que não é possível
alcançar verdades absolutas, assim sendo, aplicar a probabilidade lógica, apoiada em critérios
racionais, parece-nos ser o caminho mais correto para a resolução do problema.
Isto é, quando estamos perante um processo que muitas vezes se apresenta com falhas ou
dados irrelevantes para determinar a eficácia da prova, exclui, desde logo, a possibilidade de nos
socorremos ao calculo matemático de probabilidade, o que por sua vez, leva-nos para o lado do
senso comum, presunções e mais alto grau de experiência na resolução do caso. Certamente que
esta teoria não nos dá certezas nem garantias absolutas, pois o conhecimento não é quantificável,
nem podem ser sujeitos a cálculos, mas no tocante aos critérios de inferência funcionam e têm
capacidade de relacionara-se com os meios de prova ao caso concreto10.
A probabilidade lógica, melhor dizendo, define-se pela solução do problema através dos
componentes de prova que o próprio caso possibilita, ou seja, pela comprovação que os meios de
prova transmitem ao facto, podendo ser dado como provado ou não.

7Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição - Madrid : Editorial
Trotta, 2005 página 193 e 194;
8Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 195;
9Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição - Madrid : Editorial
Trotta, 2005,página 196 e 197;
10Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 227;
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Todavia, a arbitrariedade que se encontra na essência da apreciação livre da prova por parte
do juiz tem de ser limitada11. Para tal o legislador criou mecanismos de controlo como a
admissibilidade dos meios de prova, com o intuito de evitar erros na valoração de prova, excluindo,
ab initio, as provas inadmissíveis, o que traz uma racionalidade à valoração da prova e afasta a
discricionaridade, o que por sua vez, determina o valor de cada prova pela garantia e regras da
prova legal12.
A discricionaridade
É um acto legal permitido pelo legislador para que o agente administrativo possa ver a
realidade que está na sua frente e aplicar a melhor solução para o problema apresentado13. Assim
sendo, os critérios de racionalidade tombem deverão ser colocados em pratica no controlo da livre
apreciação de prova, isto, porque a função endo-processual é permitir a discricionaridade do juiz
face à fundamentação do seu raciocínio. Mas não confunde-mos a discricionaridade com o livre
arbitro. Já a função extra-processual permite, aos juizes dos tribunais superiores, afirmarem, ou não,
a validade dos argumentos e motivações declaradas pelo juiz na valoração da prova14.
A ciência inspirada na experiência e observação tem critérios de racionalidade bastante
exigentes que as ciências humanas, uma vez aplicado estes critérios mais exigentes ao Direito, iria
culminar na irracionalidade do raciocínio jurídico, assim sendo, para se alcançar a racionalidade no
Direito temos de utilizar critérios menos exigentes, como a razoabilidade15. A inspiração divida, a
intuição ou a certeza moral são critérios irracionais, logo, sem aplicabilidade pelo juiz na valoração
da prova livre16, isto porque, aplicando-se, torna-se difícil de controlar a motivação do juiz sobre
estes critérios.

11 FIGUEIREDO DIAS, Jorge de in Direito Processual Penal. I Volume, Coimbra Editora, 1974, página 203
e seguintes.
12Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 420 e 421;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
13
Decisão Penal). - 1.ª edição. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, página 119;
14Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 422;
15Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 422 e 423;
16Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 423;
5




Utilização de todos os meios de prova disponíveis


Um outro critério importante é a é a utilização de todo os meios de prova que juiz possa
obter, uma vez que estes materiais permitem o controlo através de critérios intersubjetivos17, assim
somente pelo facto de uma decisão se fundamentar nos meios de prova que existem no processo,
determina-mos a racionalidade.
A argumentação
É outro critério, que a nosso ver, relatam os factos e validam o raciocínio de todo o caminho
lógico. Nesta lógica, uma proposição segue a outra, mas isto somente ocorre quando a primeira é
considerada válida. Por conseguinte, havendo uma lógica válida, isto quer dizer que o caminho
inferêncial é válido, e por consequência, a valoração será válida18.
O mais alto nível de experiência é outro critério a ser ponderado. Sabemos que não é
possível definir um conceito absoluto quanto a estas experiências, insto porque o seu conteúdo e
estrutura é diferente de pessoa para pessoa. Assim sendo, nem todas as regras de máxima
experiência poderão ser utilizadas, devendo ser aplicáveis as experiências amplamente consensuais
no meio onde se inserem19.
Com isto, pretendemos dizer que será sempre necessária uma análise crítica face à
experiência utilizada e não somente aceita-las com o foco no controlo da valoração efetuada pela
juiz quanto à prova livremente apreciada. Portanto, não se pode dar uma inferência como certa
quando este é fundada numa experiência geral ou cognitiva20.
A valoração deve considerar todos os elementos de prova a disposição e relevantes para
poder se determinar um facto como positivo ou negativo, pois de outra forma não havia cabimento
não ter estes elementos probatórios levados em consideração21.
Uma exigência ao processo racional é a coerência interna na valoração dos meios de prova,
ou seja, as contradições estão proibidas. Lógico será que as provas não serão todas iguais, então o
risco da contradição das mesmas é algo a ser levado em conta. TARUFFO explica-nos uma

17Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 423;
18Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 424;
19Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 424 e 425;
20Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 424 e 425;
21Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 425;
6








condição adicional, a inadmissibilidade da contradição na valoração das provas em conjunto, neste


caso o juiz deverá resolver através da valoração das provas, ou seja, o juiz deve identificar as
contradições e de forma clara apontar a hipótese mais aceitável22.
Em suma, a discricionaridade do juiz não está de todo eliminada no que diz respeito à
valoração da prova, no entanto permite ser traçado um limite e distinção entre a discricionaridade
absoluta, que é inteiramente livre, da discricionaridade guiada que obedece critério de controlo
racionais, o que transforma a livre apreciação da prova num uso racional dos meios de prova.
Justificação Interna e Argumentação não dedutiva
Vinculando este problema ao modus operandi do juiz temos de olhar para a relação entre a
justificação e a racionalidade, tendo aquela de se basear em critérios de inferência lógica. Isto
significa que temos de ver a racionalidade de forma interna e externa.
Tocar na racionalidade interna, significa termos de ver os argumentos justificatórios ou seja
um saber como um tipo de experiência e relacioná-lo com os argumentos axiologicamente
aceitáveis, ou seja, argumentos propostos com base nos valores subjetivos atuais, para assim poder
se chegar próximo a uma conclusão mais acertada.
Pela justificação externa podemos dividi-la em dois patamares, o primeiro é dominado pelos
argumentos justificatórios aceites e o segundo dominado pela própria regra de inferência. Poder-se-
á acrescentar no tocante à construção de uma decisão racional com base quer em discursos
científicos quer nos valores de direito atual, se apreciadas separadamente podiam divergir ou
convergir no seu juízo de racionalidade, o que não se pretende23.
A questão critica dos argumentos exige um exercício não dedutivo, ainda que tenha alguma
interferência mínima de dedução, não é menos certo que as questões internas das decisões judiciais
nos parece ter a melhor aplicação por executar um discurso dedutivo formal que tem como regra
justificatória uma ordem de necessidade. Trata-se de reconhecer-se a experiência dos casos difíceis
onde a interpretação dos cálculos lógicos não triunfa e o conluio nos parece ser dominante.
Esta dupla possibilidade de justificação interna e argumentação não dedutiva permite
reconhecer o esqueleto argumentativo, o núcleo da referência, da justificação interna em que a
resolução final da reivindicação da consistência entre os factos iniciais e a conclusão construída
pelo julgador que sempre serão impostas e irão condicionar as argumentações não dedutivas, como

22Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid : Editorial
Trotta, 2005, página 426 e 427;
23 AROSO LINHARES, José Manuel, O Binómio casos fáceis/casos difíceis e a categoria da inteligibilidade
sistema jurídico, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, página 60;
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se fossem, de alguma maneira, mais frágeis ou menos importantes, devessem ter um tratamento
mais leviano e menos linear e por este enquanto permite identificar todos os elementos ilegítimos
para a investigação da descoberta na medida em que aprova o papel concreto da da argumentação
não dedutiva24
Decisão contrária as regras a experiência
É possível o julgamento de um caso que contrarie as regras da experiência, como ocorrido
num caso do Tribunal da Relação de Coimbra que veio julgar parcialmente o recurso com o
fundamento que uma lógica construída somente sobre as regras da experiência comum não é
suficiente, devido os padrões de normalidade estarem em constante mutação pela realidade do
quotidiano, logo, o Tribunal vem dizer que não há regras absolutas.
O Tribunal a quo veio condenar o casal por denúncia caluniosa, condenando também a
mulher que somente assinou por se limitar a fazer aquilo que marido, recorrente, lhe pedira, sem
grandes duvidas ou hesitações, estando totalmente alheia ao teor da denúncia realizada contra o
advogado.
Assim, contra as regras da experiência comum, veio o Tribunal da Relação de Coimbra
absolver a mulher do recorrente pois a lógica da experiência comum do Tribunal a quo conduziu a
um resultado que é desmentido por uma prova credível25.

24 AROSO LINHARES, José Manuel, O Binómio casos fáceis/casos difíceis e a categoria da inteligibilidade
sistema jurídico, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017, página 63;
25 Ac.
Tribunal da Relação de Coimbra, 693/09.3TACVL.C1, de 15 de março de 2013, disponível em: http://
www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9c054f4c28b686d080257b9000327d70?
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A Prova como Fonte do Convencimento26


Como ja vimos anteriormente, recai sobre o julgador o dever de decidir, e esta decisão
judicial deverá seguir um caminho lógico, articulado e coerente, para assim se formar a convicção27.
Mas é imperativo saber-se de onde vem esta convicção e para tal teremos de descortinar alguns
princípios basilares a esta convicção.
O princípio iudex debate iudicare secundam allegata et probata
Determina que o julgador não tenha acesso à utilização de qualquer meio de prova,
contrariamente já pode invocar qualquer facto não produzido intra-processualmente. A
aplicabilidade deste princípio na sociedade atual que se assenta num Estado de Direito
Democrático28 acabaria por criar uma limitação inaceitável ao poder-dever de investigação
autónoma de uma verdade material do julgador. Este não é passivo e participa de forma ativa no
processo e não tem a sua atividade investigatória restringida ainda que não seja um poder-dever
absoluto, tem limites precisos e processualmente bem definidos29.
O princípio iudex debate iudicare sedundum conscientiam
Reitera uma actividade probatória autónoma por parte do julgador que se for entendido de
forma absoluta, o direito processual penal que conhecemos seria insustentável, isto porque, o nosso
direito processual penal está construído por um conjunto de normas, regras e atos todos encadeados
entre si e visam um único objetivo, uma decisão justa submetida à apreciação jurisdicional.
Contrariamente, o arguido seria coloca à mercê da arbitrariedade do julgador o que violaria as
garantias de defesa do arguido e colocaria em causa a própria atividade jurisdicional. Para que tal

26 A prova indiciaria ou prova indireta, para ESTRAMPES, advém de um processo intelectual de inferência
praticada pelo julgador num momento posterior ao da produção de prova. O julgador irá analisar um
conjunto de indícios que transformará esta inferência, através de um processo lógico e casual existente entre
ambos, numa afirmação integrada pelas máximas de experiência e regras da lógica. Este tipo de prova, nos
dias de hoje, foi colocado em segundo plano, o que importa um impasse na tentativa de criminalização de
agentes nos crimes organizados, onde a sua conduta é tortuosa, logo, a prova indiciária tem um papel
essencial relativamente aos crimes complexos onde a dificuldade da prova aumenta exponencialmente. De
outro prisma também se torna improvável alcançar uma justiça uniforme ao sujeitar-mo-nos a uma prova
indiciária muito exigente. Em teoria percebe-se a necessidade de abstração da prova indireta, mas em
concreto existe uma necessidade de comprovar exaustivamente que os indícios apontados serviram de base
para o curso lógico da conclusão tomada. No nosso Processo Penal, o indício tem de ter uma suficiência, ou
seja, são considerados como suficientes o nascer de uma possibilidade razoável de ser aplicado ao arguido,
por força destes, uma pena ou medida de segurança
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
27
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 18;
28 Artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, 8ª ed.. - Edições Almedina, 2022;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
29
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 19 e 20;
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nao aconteça, este princípio tem o seu lado secundem conscieantiam mais desenvolvido, ou seja,
permite que o julgador valore as provas, mas obriga a este obter o resulta intra-processualmente30.
Factos extra-processuais
Outro problema é quando julgador tem contacto com factos fora do processo, devendo
somente ser atendidos aqueles os intra-processuais. Se forem factos dentro do processo no exercício
das suas funções, a situação é pacifica, mas se o julgador se afastar do campo intra-processual onde
o seu conhecimento vem ex ofício ou do seu conhecimento privado, o problema deixa de ser
pacifico. Certo é que o julgador não é um autómato, mas a decisão não pode estar contaminada
emocionalmente, nem pode ser puramente subjectiva, tem de estar sustentada por um ponto de vista
lógico face aos dados expostos31.
Juízo de inferência lógica
Não há um grau de certeza absoluta em cada inferência realizada, o que há é a soma das
probabilidades verificada a cada facto indiciado que determinar-se-á a certeza, por outras palavras, a
lógica interliga-se com a livre convicção do juiz, assim existe uma convergência dos factos
indiciados para a certeza sobre o facto32. Isto será possível através do critério da máxima
experiência, que figura um juízo de probabilidade por não pertencer à esfera dos factos, tem de ser
realizada uma dedução rigorosa para se poder afirmar um facto, não com plena certeza, mas como
uma possibilidade mais ou menos ampla33.
A prova indiciária é comprovada pela explicação, sendo esta uma explicação causal que
parte de duas premissas. A primeira consubstanciam as leis, regras da experiência, e a segunda são
as condições iniciais singulares, ou seja, factos históricos34.

Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na


30
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 21;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
31
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 22;
32Cabral, José António dos Santos, “ Prova direta e indireta” in “ Da prova indireta ou por indícios” , CEJ,
julho de 2020, p. 16, site: https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=2Q2jAFdx_c4=&portalid=30
33Cabral, José António dos Santos, “ Prova direta e indireta” in “ Da prova indireta ou por indícios” , CEJ,
julho de 2020, p. 17, site: https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=2Q2jAFdx_c4=&portalid=30 ,
no mesmo sentido Código de Processo Penal Comentando, Edições Almedina, junho de 2014 , página 464;
34Ruço, Alberto, “ Prova indiciária” in “ Da prova indireta ou por indícios” , CEJ, julho de 2020, p. 37, site:
https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=2Q2jAFdx_c4=&portalid=30
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Processo Penal com uma estrutura acusatória


Assim o legislador, mesmo integrando o princípio de investigação, constrói um Processo
Penal com uma estrutura acusatória35 e devido a essa construção podemos distinguir duas fazes,
uma preparatória ou preliminar e a fase de julgamento, onde se integra, naquela, a investigação para
se determinar se há ou não um crime36. Uma vez finda esta fase de inquérito e, facultativamente, de
instrução, coloca-se a questão de saber se há motivos para se levar alguém a julgamento? É aqui que
apresentamos os indícios suficientes sendo a resposta a esta questão afirmativa, para que assim o
processo continue37. Vale afirmar o cuidado máximo que se deve ter ao colocar alguém no “banco
dos réus”, pois ao atribuir a qualidade de arguido a alguém, mesmo que não seja condenado, sofrerá
prejuízos e afetará o seu bom nome e reputação, ou seja, tenta-se ao máximo evitar julgamentos
desnecessários. Outro problema que vem apenso ao atribuir a qualidade de arguido é o de poder-se
aplicar qualquer medida de coação ou de garantia processual que inevitavelmente poderia restringir
os direitos fundamentais que a Constituição da Republica Portuguesa atribui aos seus cidadãos.
Sendo as provas indiciarias os factos causais que explicam o facto a provar, os factos que
são efeitos do facto a provar e os factos laterais que sofreram os reflexos dos factos a provar. Com
este raciocínio podemos afirmar que, por vezes, um facto é indício de outro facto38.

O Dever de Fundamentação da Decisão Penal


Juízo científico diferente e a arbitrariedade
A decisão é um ato pelo qual permite concretizar de forma abstrata uma norma jurídica, que
para tal tem como requisito a realização de procedimentos de subvenção dos factos constatados por
meio das provas produzidas. Isto tem como objetivo permitir ao juiz um contacto real com a
realidade dos factos, podendo formar a sua convicção e aplicar o direito da melhor forma.
Como vimos, um juiz tem a liberdade de construir um juízo cientifico que não se confunde
com um ato arbitrário. A apreciação do caso tem de ser construída numa base material que se traduz
na prova produzida que, por sua vez, não poderá decorrer um ato voluntarista, ou seja, a apreciação

35 N.º 5 Artigo 32.º da Constituição da Republica Portuguesa, 8ª ed.. - Edições Almedina, 2022;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
36
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 36;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
37
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 37;
38Ruço, Alberto, “ Prova indiciária” in “ Da prova indireta ou por indícios” , CEJ, julho de 2020, p. 41, site:
https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=2Q2jAFdx_c4=&portalid=30
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da prova é condicionada e encontra-se dentro de um caminho que somente vê as finalidades do


processo. Nesta medida, o nosso código de Processo Penal veio impor a obrigatoriedade de
fundamentação para evitar motivações genéricas da decisão final39.
A obrigatoriedade de fundamentação nasce devido as regras processuais com o intuito da
descoberta de um crime e só por isto ser motivo de constrangimento aos direitos fundamentais.
Devido à possibilidade de utilização de medidas de coação que coloquem em causa direitos,
liberdades e garantias, sendo algumas delas limitações à liberdade do arguido, tem de haver uma
justificação rigorosa da sua utilização. Isto decorre da própria Lei Fundamental40 que indica
precisamente em quais situações se pode utilizar tais mecanismos processuais41.
A limitação ou restrição legal de um direito fundamental, principalmente os integrantes da
esfera de direitos, liberdades e garantia, requerem um respeito pelos seus pressupostos materiais da
sua limitação. A fundamentação é o suporte essencial para essa legitimação material das decisões
judiciais42. Esta fundamentação vai para alem do mero indicar os motivos para a condenação. O juiz
terá de explicar todo o iter lógico que fez para chegar à sua conclusão, devendo referir os factos que
fazem geminar a sua convicção e a fonte desses factos. O seu raciocino deve ser coerente e ao
mesmo tempo critico quanto aos meios de prova utilizados, para que assim se demonstre de forma
inequívoca que a sua condição foi formada sem vícios43.
Numa segunda visão, este dever de fundamentação, tem como objetivo legitimar a ideia de
soberania de Justiça para que se manifeste a soberania popular que a própria população indicio
como valor na construção penal. Olhamos desta maneira porque a sociedade também é uma
receptora da decisão que restrinja algum direito fundamental e por isso a fundamentação legitima o
exercício do poder jurisdicional44.

Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na


39
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 133;
40 N.º 1 Artigo 27.º da Constituição da Republica Portuguesa, 8ª ed.. - Edições Almedina, 2022;
41 N.º 2 e 3 Artigo 27.º da Constituição da Republica Portuguesa, 8ª ed.. - Edições Almedina, 2022;
42 N.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal - Lei n.º 13/2022, de 01/08;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
43
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 137;
Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição ( Na
44
Decisão Penal). - 1.ª ed.. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011, p. 137 e 138;
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Princípios constitucionais da fundamentação da sentença


a) Princípio de Generalidade
Princípio que impõe a obrigatoriedade resulta que todas as decisões judiciais devem ser
fundamentadas45.
b) Princípio da indispensabilidade
Este princípio indaga cuidadosamente sobre o caracter indispensável da obrigação de
fundamentação, sendo a abdicação da fundamentação estritamente proibido. A fundamentação é
realmente essencial e integra a decisão judicial sendo exigível, independentemente se os
destinatários de direito queiram ou não utilizar os mecanismos endo-processuais, isto porque a
lógica deste princípio surge na tutela extra-processual da fundamentação, onde o conhecimento das
razões pelo que se decidiu nasce através de jurisdição legitimadora46.
c) Princípio da totalidade
Devido a este princípio, a motivação do juiz deve ser fundamentada por inteiro, ou seja,
todos os elementos factuais que o juiz ache relevante e que ajude a justificação da sua decisão. Este
princípio justifica-se na medida em que a decisão deve valer por si só, ou seja, o documento tem de
ser auto-suficiente, logo, compreendido por qualquer cidadão47.
d) Princípio da publicidade
Este princípio constitui um meio que a sociedade se mune para controlar, de certa forma, a
atividade jurisdicional. Afirma-se que o conhecimento da razão para a decisão deva ser assegurado
pelo cidadão, isto legitima a democracia jurisdicional pois ao publicar permitirá ao cidadão
configurar a racionalidade da decisão judicial. A disponibilidade da decisão judicial perante a
sociedade é a sua fonte de legitimidade48.
A indicação da factualidade relevante no processo
A obrigação de fundamentação da sentença judicial e a demonstração racional do iter
processual, nasce dos romanos, ainda que não tinham de fazê-lo com o peso obrigacional que existe
nos dias de hoje.

45Lopes, António José Mouraz, A fundamentação da sentença no sistema penal português: Legitimar,
diferenciar, simplificar, Coimbra: Almedina Edições, 2011, p. 92;
46Lopes, António José Mouraz, A fundamentação da sentença no sistema penal português: Legitimar,
diferenciar, simplificar, Coimbra: Almedina Edições, 2011, p. 94;
47Lopes, António José Mouraz, A fundamentação da sentença no sistema penal português: Legitimar,
diferenciar, simplificar, Coimbra: Almedina Edições, 2011, p. 97;
48Lopes, António José Mouraz, A fundamentação da sentença no sistema penal português: Legitimar,
diferenciar, simplificar, Coimbra: Almedina Edições, 2011, p. 101 e 102;
13






Como vimos o convencimento deve ter impulso pela razão lógica que é alcançada por um
esforço psicológico, pondo de parte a liberdade absoluta do julgador, sempre alinhado com a sua
imparcialidade. Não quer isto dizer que não exista arbitrariedade do julgador, existe uma falsa
sensação de liberdade absoluta na apreciação das provas.
O julgamento de fato é a capacidade do julgador reconstruir a realidade com base nos
elementos trazidos pelas partes aos autos, tendo sempre respeito pelo thema decidendum. Mas o
julgador nao se deve contentar somente com isto, deverá olhar para outros factos que contribuam de
forma satisfatória para a descoberta da verdade material tomando o seu quadro de fatualididades
relevantes para, livremente, tomar o o seu convencimento sobre o caso49.
O papel da motivação
A motivação das decisões judiciais têm tido como foco a discussão da apreciação da matéria
de facto e a exigência da motivação relativa a esta. É importante olhas para a matéria de facto numa
visão narrativista, pois os factos realmente estão lá, de forma a organizar o discurso que encaminha
para uma irrelevância da descoberta da verdade ou tornar esta organização discursiva coerente com
o texto narrativo interno com o sentido de reconstrução do processo mental do juiz.
Certamente afirma-se que se trata de um ponto prévio quando se pergunta qual o objetivo do
processo, deve-se ser orientado para a descoberta da verdade material e se esta é possível de se
alcançar e também perceber se os factos dados como provados têm relevância ou não
compatibilizando-os com a verdade, se for possível.
É válido notar que a decisão judicial pode ser uma subespécie de decisão que se guia pelos
mesmo tramites e utiliza os mesmo instrumentos que se aplicam de forma geral à formação de
juízos e decisões humanas50.
Com as devidas modificações, a decisão judicial não pode ser controlada por medidas
racionais estritas, sendo muito mais ajustado ao fenómeno decisório que a justificação da sentença
judicial tenha um silogismo fundamentado por meio em que o juiz mostra que a decisão teve a sua
sustentação em numa linha lógica idónea para a tornar aceitável.
A reconstrução de processos mentais aparenta-se tanto impossível como desvantajosa, desde
logo, porque a formação da decisão não é exclusiva da pura racionalidade visto que existe um
conjunto de factores emocionais e alguns até da esfera inconsciente, como é sabido os
comportamentos humanos podem ser manipulados por estímulos externos.

49 Estudos de Direito, Ciência e Prova, Escola de Direito da universidade do Minho, 2019, página 38.
50De Carvalho, Maria Clara Calheiros, A base Argumentativa na decisão judicial in revista Julgar n.º 6,
2008, página 71;
14







Reforça-se a ideia que esta questão da reconstrução de processos mentais é indesejável, de


uma perspectiva é indiferente para o direito a existência de uma discrepância entre a formação da
justificação e o desdobrar do processo mental, visto de outro prisma, esta teoria, iria de certa forma
legitimar o apuramento da legitimidade do julgador o que culminaria numa possível destruição da
confiança que temos na justiça51.
A validação igualitária da sentença
É precisamente no Processo Penal que se faz sentir a imposição da convicção pública o que
confere uma certa ameaça de deixar o sistema jurídico render-se à força opressiva do populismo
penal.
As razões para tal suceder não está de todo nas mãos do judiciário, mas, até certo ponto, nas
mãos do estado por este não se esforçar em comunicar com os seus cidadãos. Mas certo é que há o
que mudar no mundo judiciário. É cada vez mais essencial que o suporte argumentativo em que a
decisão judicial se ampara deva ser composta com vista a não só explicar o ter lógico do processo, o
sentido das partes ou tornar-se acessível às outras instancias em sede de recurso, mas também fazer-
se acessível a todos os cidadãos em geral. Para tal, a base argumentativa, tem de ter um caminho
lógico, claro e linear, adequado ao ordenamento jurídico atual, para que se entenda de forma
inequívoca como a motivação foi construída para se tomar uma decisão.
Importante é que a decisão aparece não como um ato arbitrário, mas sim com autoridade
discricionária para então fazer valer a legitimação do exercício do poder judiciário52.

Patologias relacionadas com a fundamentação da sentença


penal
Falta de fundamentação da sentença
A fundamentação da sentença, como ja tivemos a oportunidade de referir em cima, é uma
obrigação consagrada na Constituição da República Portuguesa53 e a sua falta confere a
inconstitucionalidade da sentença, não produzindo os seus efeitos.
Face ao Estado de Direito Democrático que vivemos atualmente, a fundamentação concede
uma importante garantia constitucional, logo, defender a não obrigação de fundamentação da

51De Carvalho, Maria Clara Calheiros, A base Argumentativa na decisão judicial in revista Julgar n.º 6,
2008, página 73;
De Carvalho, Maria Clara Calheiros, A base Argumentativa na decisão judicial in revista Julgar n.º 6,
52 52
2008, página 74;
53N.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que pode ser encontrada aqui: https://
dre.pt/dre/legislacao-consolidada/decreto-aprovacao-constituicao/1976-34520775-49557075
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sentença é balizar o próprio sistema de direitos constitucionalmente consagrados, pois só


fundamentado uma decisão judicial é que iremos fortalecer a ideia que esta complementa o ato
jurisdicional e afirma a legitimidade democrática do exercício jurisdicional54.
Fundamentação insuficiente
Está em causa uma sentença onde a sua fundamentação se mostra insuficiente, ou seja, uma
fundamentação com uma estrutura racional lacunosa e inapropriada. Nestas fundamentações o juiz
não demonstra de forma clara e linear as ideias que serviram de base para a construção da sua
motivação, não conseguindo nem fundar as suas razões nem assegurar a aplicabilidade de máximas
de experiência.
Uma decisão parcialmente fundamentada é uma decisão sem fundamentação, por concordar-
se não existir meias fundamentações, isto para evitar que o juiz caia num juízo meramente
arbitrário.
Mas quando é que conseguimos afirmar que o dever de fundamentação foi cumprido?
Quando, no pensamento de SARAGOÇA DA MATTA55, se consiga definir sem duvidas como a
motivação do julgador foi construída. Este dever é aguçado quando quando a decisão penal se
baseia em factos provados por indícios de onde decorrem o fartum probandum.
Fundamentação Contraditória
A coerência é um dos requisitos principais da fundamentação da sentença, pois só assim se
irá perceber o processo construtivo da fundamentação da sentença, funcionando a sentença como
um todo, ou seja, todos os factos e justificações têm de de se articular entre si e fazerem sentido. A
incoerência é um erro gravíssimo porque para além de não se conseguir determinar o iter lógico do
raciocínio do julgador, torna-se impraticável o controlo deste raciocínio e por sua vez, o público em
geral não alcançará os motivos que construíram a motivação do julgador, fracassando o seu
principal objetivo, a garantia56

54Romão Pinto, Emanuel Alcides, Do dever de fundamentação das decisões judiciais como garantia
constitucional: em especial a sentença penal, página 112.
55Citado por Romão Pinto, Emanuel Alcides, in Do dever de fundamentação das decisões judiciais como
garantia constitucional: em especial a sentença penal, página 113.
56Romão Pinto, Emanuel Alcides, Do dever de fundamentação das decisões judiciais como garantia
constitucional: em especial a sentença penal, página 114.
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Conclusão
Chegado ao fim deste relatório apresentamos as seguintes conclusões.
Com a construção deste relatório chegamos à conclusão que o principio da livre apreciação
da prova é bastante relevante, mas limitado, não podendo ser visto como um preceito arbitrário, mas
sim como uma forma de liberdade conjugada com um dever, assim sendo, deverá cingir-se a
critérios certos e idóneos para ser passível de controlo pelos tribunais superiores.
O Professor FIGUEIREDO DIAS vem referir sobre a livre apreciação da prova como
objetivo munir o tribunal com elementos suficientes para este poder formar a sua condição sobre a
existência ou a inexistência dos factos relevantes.
Concluímos que a livre apreciação da prova em Processo Penal pode abranger dois
caminhos, um deles é a entidade que decide aprecia livremente em compromisso com a sua
convicção que tem como alicerce toda a prova apresentada no processo, por outro lado, essa
convicção, formada de forma objetiva e linear com o apoio das regras técnicas e das máximas de
experiência, não devendo estar sujeitas a qualquer limitações legalmente determinadas.
Posteriormente tocamos na teoria de BAYES que tem duas versões, uma objetiva e outra
subjectiva. Quando a probabilidade indica acontecimentos concretos, ou seja, indica a periodicidade
com que certo facto ocorre dentro uma classe de acontecimentos, sendo então uma viabilidade
estatística, estamos perante um prisma objetivo desta teoria. Então concluímos que com o tempo a
teoria de BAYES transforma-se num método de cálculo que se baseia na valoração da aceitação de
uma hipótese quanto a um facto, bem como a frequência deste dentro de uma determinada classe de
eventos.
Contudo conclui-se que esta teoria para a resolução da valoração da prova apreciada
livremente pelo juiz não é a melhor porque vimos que a esfera racional não é alcançada através de
cálculos matemáticos e posteriormente por este cálculo se tornar complicado é difícil aplica-lo na
resolução de situações de inferência lógica mais complexas.
Ao tocar no juízo de inferência lógica concluímos que não há um grau de certeza absoluta
em cada inferência realizada, o que há é a soma das probabilidades verificada a cada facto indiciado
que determinar-se-á a certeza. Isto será possível através do critério da máxima experiência, que
figura um juízo de probabilidade por não pertencer à esfera dos factos.
Ao falarmos do dever de fundamentação vimos que a decisão é um ato pelo qual permite -se
concretizar de forma abstrata uma norma jurídica. Isto tem como objetivo permitir ao juiz um

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contacto real com a realidade dos factos, podendo formar a sua convicção e aplicar o direito da
melhor forma divergindo assim o juízo científico da arbitrariedade.
Vimos também que a obrigatoriedade de fundamentação nasce devido as regras processuais
com o intuito da descoberta de um crime então concluímos que, devido à possibilidade de utilização
de medidas de coação que coloquem em causa direitos, liberdades e garantias, sendo algumas delas
limitações à liberdade do arguido, tem de haver uma justificação rigorosa da sua utilização. Isto
decorre da própria Constituição da República Portuguesa que indica precisamente em quais
situações se pode utilizar tais mecanismos processuais.
Também concluímos que a motivação das decisões judiciais têm tido como foco a discussão
da apreciação da matéria de facto e a exigência da motivação relativa a esta. É importante olhar para
a matéria de facto numa visão narrativista, de forma a organizar o discurso e dar sentido de
reconstrução do processo mental do juiz.
Assim conclui-se que poderão haver algumas patologias na sentença tais como a falta de
fundamentação da sentença ou a insuficiência desta fundamentação ou a contradição desta, tendo
sempre em atenção que só fundamentado uma decisão judicial de forma completa, coerente e linear
é que iremos fortalecer a ideia que complementa o ato jurisdicional e afirma a legitimidade
democrática do exercício jurisdicional e permite que o público em geral consiga perceber o sentido
da motivação do juiz.

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Bibliografia
• Código de Processo Penal Comentando, Edições Almedina, junho de 2014;
• FIGUEIREDO DIAS, Jorge de in Direito Processual Penal. I Volume, Coimbra Editora de 1974.
• Código de Processo Penal, legislação online.
• Código de Processo Penal Comentando, Edições Almedina, junho de 2014;
• Taruffo, Michele, La prueba de los hechos, trad. de Jordi Ferrer Beltrán. - 4 edição. - Madrid :
Editorial Trotta, 2005;
• Neves, Rosa Vieira, A livre apreciação da Prova e a Obrigação de Fundamentação da Condição
( Na Decisão Penal). - 1.ª edição. - Coimbra : Coimbra Editora, S.A, 2011;
• AROSO LINHARES, José Manuel, O Binómio casos fáceis/casos difíceis e a categoria da
inteligibilidade sistema jurídico, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017;
• Constituição da República Portuguesa, legislação online
• Cabral, José António dos Santos, “ Prova direta e indireta” in “ Da prova indireta ou por indícios”
, CEJ, julho de 2020;
• Ruço, Alberto, “ Prova indiciária” in “ Da prova indireta ou por indícios” , CEJ, julho de 2020, p.
37;
• Lopes, António José Mouraz, A fundamentação da sentença no sistema penal português:
Legitimar, diferenciar, simplificar, Coimbra: Almedina Edições, 2011;
• Estudos de Direito, Ciência e Prova, Escola de Direito da universidade do Minho, 2019;
• De Carvalho, Maria Clara Calheiros, A base Argumentativa na decisão judicial in revista Julgar
n.º 6, 2008;
• Romão Pinto, Emanuel Alcides, Do dever de fundamentação das decisões judiciais como
garantia constitucional: em especial a sentença penal;

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