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ISSN 2525-7374

Volume 34 | Número 3 | Jul-Set 2019

BRASPEN
JOURNAL
Volume 34 | Número 3 | Julho-Setembro/2019
BRASPEN JOURNAL

Brazilian Society of Parenteral


and Enteral Nutrition
ISSN 2525-7374

BRASPEN Journal Volume 34 – número 3


Julho/Setembro de 2019

Publicação Oficial
Brazilian Society of Parenteral Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN)
and Enteral Nutrition Federación Latinoamericana de Nutrición Parenteral y Enteral (FELANPE)
Indexada na base de dados LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde

Editor Chefe: Simone Vasconcelos Generoso


José Eduardo de Aguilar-Nascimento   Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Nutrição
  Diretor do Curso de medicina, UNIVAG (Várzea Grande, MT, Brasil)   (Belo Horizonte, MG, Brasil)
Enfermeiros
Editora Executiva:
Paula Pexe Alves Machado Claudia Satiko Takemura Matsuba
  Centro Universitário de Várzea Grande, Cursos de Medicina e Nutrição.   Hospital do Coração-São Paulo, Equipe Multiprofissinal Terapia
  (Cuiabá/Várzea Grande, MT, Brasil)   Nutricional - EMTN (São Paulo, SP, Brasil)
MEMBROS DO CONSELHO EDITORIAL: Leticia Faria Serpa
  Hospital Alemão Oswaldo Cruz (São Paulo, SP, Brasil)
Antonio Carlos Ligocki Campos
  Universidade Federal do Paraná, Departamento de Cirurgia do Setor de Maria Isabel Pedreira de Freitas
  Ciências da Saúde (Curitiba, PR, Brasil)   Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Enfermagem
  (Campinas, SP, Brasil)
Dan Linetzky Waitzberg
  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento Suely Itsuko Ciosak
  de Gastroenterologia (São Paulo, SP, Brasil)   Universidade de São Paulo, Departamento de Enfermagem em Saúde
  Coletiva (São Paulo, SP, Brasil)
Maria Isabel Toulson Davisson Correia
  Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Cirurgia Bióloga
  (Belo Horizonte, BH, Brasil) Raquel Susana Matos de Miranda Torrinhas
EDITORES ASSOCIADOS NACIONAIS   Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento
  de Gastroenterologia (São Paulo, SP, Brasil)
Médicos
EDITORES ASSOCIADOS INTERNACIONAIS
Alessandra Miguel Borges
  Centro de Pesquisas Oncológicas de Florianópolis (CEPON) Alessandro Laviano
  (Florianópolis, SC, Brasil)   University of Rome (Roma, Itália)
Carlos Antonio Bruno da Silva Andrew Ukleja
  Universidade de Fortaleza, Diretoria do Centro de Ciências da Saúde   Department of Gastroenterology at Cleveland Clinic Florida (Weston,
  (Fortaleza, CE, Brasil)   Florida, Estados Unidos)
José Raimundo Araujo de Azevedo Carla Prado
  Hospital São Domingos, Serviço de Terapia Intensiva (São Luis, MA, Brasil)   University of Alberta (Alberta, Canadá)
Melina Gouveia Castro Carol Ireton Jones
  Hospital Mario Covas (São Paulo, SP, Brasil)   Nutrition Therapy Specialist, Carrollton, Texas (Carrollton, Texas,
  Estados Unidos)
Odery Ramos Júnior
  Universidade Federal do Paraná e Faculdade Evangélica de Medicina do Gordon Jensen
Paraná, Disciplina de Gastroenterologia (Curitiba, PR, Brasil)   University of Vermont College of Medicine (Burlington, Vermont,
  Estados Unidos)
Paulo Roberto Leitão de Vasconcelos
  Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Medicina (Fortaleza, CE, Brasil) Nicolas Velasco
  Pontifical Catholic University of Chile (Santiago, Chile)
Roberto Carlos Burini
  Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Departamento Luiza Kent Smith
  de Saúde Pública (Botucatu, SP, Brasil)   University of Saskatchewan (Saskatoon, Saskatchewan, Canada)
Roberto José Negrao Nogueira Paula Alves
  Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Médicas   Instituto Portugues de Oncologia do Porto de Francisco Gentil
  (Campinas, SP, Brasil)   (IPOPFG-E.P.E) (Porto, Portugal)
Pediatria Remy Meier
Mario Cicero Falcão   Medical University Hospital Liestal (Liestal, Switzerland)
  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento Robert Martindale
  de Pediatria (São Paulo, SP, Brasil)   Oregon Health & Science University (Eugene, Oregon, Estados Unidos)
Rubens Feferbaum Stephen McClave
  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento   University of Louisville (Louisville, Kentucky, Estados Unidos)
  de Pediatria (São Paulo, SP, Brasil)
José Vicente Spolidoro Vanessa Fuchs
  Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade   Universidad ANAHUAC and UNAM (Cidade do México, México)
  de Medicina, Departamento de Pediatria (Porto Alegre, RS, Brasil) COMITÊ CONSULTIVO
Nutricionistas Joel Faintuch
Cristina Martins   Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento
  Fundação Pró-Renal Brasil (Curitiba, PR, Brasil)   de Gastroenterologia (São Paulo, SP, Brasil)
Diana Borges Dock Nascimento Steven B. Heymsfield
  Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de Nutrição   Pennington Biomedical Research Center (Baton Rouge, Louisiana,
  (Cuiabá, MT, Brasil)   Estados Unidos)
Graziela Ravacci Secretária:
  Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Departamento Vanice Silva de Oliveira Freitas
  de Gastroenterologia (São Paulo, SP, Brasil)
Revisora Científica:
Mariana Raslan Paes Barbosa Rosangela Monteiro
  Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
  (Campo Grande, MS, Brasil) Projeto Gráfico, Diagramação e Revisão:
Criativa Comunicação e Editora
Silvana Paiva Orlandi
  Universidade Federal de Pelotas, Faculdade de Nutrição Impressão:
  (Pelotas, RS, Brasil) Pontograf
Faintuch J & Ramos O

Brazilian Society of Parenteral and Enteral Nutrition


www.braspen.org

Presidente:  Comitê de Fonoaudiologia: 


Diogo Oliveira Toledo Maria de Fatima Lago Alvite

Vice-Presidente:  Comitê da Criança e do Adolescente 


Haroldo Falcão Ramos Cunha
Daniela França Gomes
Primeiro Secretário: 
Melina Gouveia Castro Comitê de Reabilitação Intestinal: 
Silvio Jose de Lucena Dantas
Segundo Secretário: 
Gilmária Millere Tavares Comitê de Assistência Domiciliar: 
Denise Philomene Joseph Van Aanholt
Primeiro Tesoureiro: 
Ivens Augusto Oliveira de Souza 
Membros do Comitê Educacional:  
Segundo Tesoureiro: José Eduardo Aguilar Nascimento
Arnaldo Aires Peixoto Junior Robson Freitas de Moura
Odery Ramos Junior
Comitê de Defesa Profissional:
Sérgio Henrique Loss
Maria Isabel T. Davisson Correia
Guilherme Duprat Ceníccola
Comitê de Farmácia:  Cristiane Comeron Gimenez Verotti
Lívia Maria Gonçalves Barbosa Dirce Akamine
Márcia Antunes
Comitê de Nutrição:
Karla Lopes Pereira Gomes
Leticia Fuganti Campos
Maria Izabel Pedreia de Freitas
Comitê de Enfermagem:  Mariade Fatima Lago Alvite
Cláudia Satiko Takemura Matsuba Ana Maria Furkim

Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral


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Disponível on line: http://www.braspen.org/braspen-journal
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Telefone: (11) 3889-9909 – E-mail: revista@braspen.org

Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): XX-XX


2
Sumário

Editorial/ Editorial
Mais uma edição focada na atualização e aprimoramento profissional........................................................................................... 215
Another edition focused on updating and professional improvement
José Eduardo de Aguilar-Nascimento

Artigos Originais/Original Articles

Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral.............................. 217


BRASPEN Manual of Parenteral Nutrition Dispensing and Administration Competencies
Rodrigo Costa Gonçalves, Liane Brescovici Nunes de Matos, Haroldo Falcão Ramos Cunha, Fernanda Totti,
Julia Yaeko Kawagoe, Lelia Gonçalves Rocha Martin, Andreia Maria Minutti de Almeida, Melina Gouveia Castro,
Paulo Cesar Ribeiro, Wander Campos, Mario Jorge Sobreira da Silva, Lívia Maria Gonçalves Barbosa,
Ana Cristina Schmidt de Oliveira Netto, Diogo Oliveira Toledo, Maria Isabel Toulson Davisson Correia

Adequação calórico proteica da terapia nutricional enteral em pacientes adultos internados em uma unidade de
terapia intensiva................................................................................................................................................................................... 233
Protein caloric adequacy of enteral nutritional therapy in adult patients hospitalized in an intensive care unit
Camilla Christina Gomes de Oliveira, Nara Lúcia Andrade Lopes Segadilha

Avaliação da qualidade da terapia nutricional enteral ofertada ao paciente oncológico hospitalizado....................................... 239
Assessment of the quality of enteral nutritional therapy offered to hospitalized oncological patients
Thyra Pimentel Alves, Jacqueline Moura Barbosa, Larissa Nobre Veras, Nayara de Souza Gomes Cabral

Consumo de alimentos ricos em substâncias pró e anticarcinogênicas por pacientes oncológicos em


atendimento domiciliar........................................................................................................................................................................ 245
Consumption of foods rich in pro and anticarcinogenic substances by cancer patients in home care
Larissa Sander Magalhães, Karina Sanches Machado d’Almeida, Débora Simone Kilpp, Anne y Castro Marques

Atraso no início da terapia nutricional parenteral e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos...................................... 251
Delay in starting parenteral nutrition therapy and mortality in intensive care patients
Thayse Emanuelli Godoy Behne, Diana Borges Dock-Nascimento

Correlação e acurácia de métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional com desfechos clínicos em
pacientes cirúrgicos.............................................................................................................................................................................. 258
Correlation and accuracy of subjective methods of nutritional assessment with clinical outcomes in surgical patients
Franciele Maciel Campos, Norma Guimarães Marshall

Avaliação do tempo de jejum pré e pós-operatório e do estado nutricional de pacientes pediátricos submetidos a
transplante hepático............................................................................................................................................................................ 265
Assessment of pre and post-operative fasting and nutritional status of pediatric patients undergoing liver transplantation
Mariana Takahashi, Camila Vieira dos Santos, Maria Aparecida Carlos Bonfim, Rafael Cairê de Oliveira dos Santos,
Camila Pugliese

Reação inflamatória de fase aguda após lipoaspiração: qual o impacto do volume de gordura aspirado?................................... 271
Acute phase inflammatory response after liposuction: which is the Impact of the aspirated volume of fat tissue?
Sérgio de Souza Oliveira1, Jubert Sanches Cibantos, Wagner Targa Ripari, José Eduardo de Aguilar-Nascimento
Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): XX-XX
3
Faintuch J & Ramos O

MNA-versão reduzida vs. NRS-2002: detecção do risco nutricional em pacientes idosos hospitalizados..................................... 276
MNA-reduced version vs. NRS-2002: detection of nutritional risk in hospitalized elderly patients
Gleiciane Teixeira Souza, Juliene dos Santos Souto Ferreira, Nara Lúcia Andrade Lopes Segadilha

Relação do Geriatric Nutritional Risk Index com tempo de hospitalização e mortalidade em pacientes idosos........................... 281
Relationship among Geriatric Nutritional Risk Index, hospitalization time and mortality in elderly patients
Adaize Mognon, Tamara Becker, Vanessa Maria Bertoni, Maria Cristina Zanchim, Ana Luisa Sant’Anna Alves, Daiana Kumpel

Perfil de pacientes em nutrição parenteral e a influência do estado nutricional no tempo de acompanhamento da


equipe multiprofissional de terapia nutricional................................................................................................................................. 287
Patient’s profile in parenteral nutrition and the influence of nutritional status on follow-up of the multiprofessional
nutritional therapy team
Aline Loschi Mazzaro, Maíra Silveira Coelho, Bruna de Abreu Toscano Souza, Guilherme Duprat Ceniccola

Adequação de energia e proteína para pacientes críticos em terapia nutricional enteral............................................................. 293
Energy and protein adequacy for critically ill patients in enteral nutrition therapy
Karla Mendonça Gonçalves de Jesus, Letícia Sabino Santos, Karina Marques Vermeulen, Marcia Regina
Dantas de Araújo Oliveira, Lucia Leite-Lais, Márcia Marília Gomes Dantas Lopes, Niethia Regina Dantas de Lira,
Sancha Helena de Lima Vale

Artigo de Revisão/Review Article

O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa................................................... 299
The use of indirect calorimetry in a pediatric intensive care unit: integrative review
Andreia Ribeiro Pereira Aguiar de Paula, Jerusa Márcia Toloi, Martins Fideles dos Santos Neto

Instruções aos Autores / Instructions for Authors................................................................................................... 309

Rev Bras Nutr Clin 2014; 29 (2): XX-XX


4
E
Editorial

Mais uma edição focada na atualização e


aprimoramento profissional
Another edition focused on updating and professional improvement

Caros leitores,
Estamos às vésperas do XXIII Congresso Brasileiro de Nutrição Parenteral e
Enteral. Foz do Iguaçu está preparada para receber mais de 1500 participantes. E o
nosso BRASPEN Journal segue sua meta, rumo à indexação pela SciELO.
Nesse número, a revista publica um Manual de Competências Relacionadas à
Dispensação e Administração de Nutrição Parenteral. É um artigo muito importante
e certamente norteará profissionais, equipes multiprofissionais de terapia nutricional
(EMTNs) e hospitais. Nessa linha, outro estudo com mais de 3000 pacientes incluídos
demonstra que o atraso no início de nutrição parenteral no doente crítico pode aumentar
a mortalidade na UTI. Esses dois artigos se alinham bem e ilustram a importância da
nossa revista para esse tópico.
Este número da revista traz, ainda, uma boa revisão do uso de calorimetria indireta
em UTI pediátrica. Essa revisão aborda 31 artigos, a maioria representada por estudos
de coorte e conclui que o método é padrão ouro para mensuração do gasto energético
em crianças criticamente enfermas.
No total, são 13 artigos de excelente nível e espero que nossos leitores apreciem
a todos.
Solicito que nossos associados, especialmente os ligados à pós-graduação stricto
sensu, que enviem produtos de dissertações e teses, que certamente engrandeceriam
o nosso BRASPEN Journal.

José Eduardo de Aguilar-Nascimento


Editor

BRASPEN J 2019; 34 (3): 215


215
CITE OS ARTIGOS DO BRASPEN JOURNAL NAS SUAS PUBLICAÇÕES.
AS CITAÇÕES ROBUSTECERÃO NOSSAS CHANCES DE INDEXAÇÃO.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 215


216
A Artigo Especial
Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

Manual BRASPEN de Competências Relacionadas


à Dispensação e à Administração de Nutrição
Parenteral
BRASPEN Manual of Parenteral Nutrition Dispensing and Administration Competencies

RESUMO
Rodrigo Costa Gonçalves1
Liane Brescovici Nunes de Matos2 A prática da terapia nutricional parenteral teve início no Brasil através de bolsas manipuladas,
Haroldo Falcão Ramos Cunha3 sendo suas normas de formulação, manipulação, distribuição e infusão regulamentadas por
Fernanda Totti4
Julia Yaeko Kawagoe5 portaria própria do Ministério da Saúde. Já as fórmulas prontas para uso surgiram no mercado
Lelia Gonçalves Rocha Martin6 brasileiro em 2005, obtendo a equivalência a medicamentos e, por ausência de legislação
Andreia Maria Minutti de Almeida7
Melina Gouveia Castro8 específica, espelham-se na mesma portaria já existente. Nos últimos anos, a terapia nutricional
Paulo Cesar Ribeiro9 parenteral foi aprimorada, tornando-se mais complexa, sobretudo no que diz respeito a novos
Wander Campos10
Mario Jorge Sobreira da Silva11 equipamentos e uso de insumos complementares para sua infusão. Neste contexto, a Sociedade
Lívia Maria Gonçalves Barbosa12 Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN), compreendendo a relevância do tema,
Ana Cristina Schmidt de Oliveira Netto13
Diogo Oliveira Toledo14 elaborou esse documento visando contemplar as etapas de dispensação e administração de
15
Maria Isabel Toulson Davisson Correia nutrição parenteral, buscando melhorar a segurança dos processos. O Manual BRASPEN de
Competências Relacionadas à Dispensação e Administração de Nutrição Parenteral constitui
Unitermos: documento importante para orientação da prática diária à comunidade de profissionais até que
Nutrição Parenteral. Segurança do paciente. Admi- haja legislação específica para solucionar as dúvidas decorrentes de novos insumos e dispositivos.
nistração de nutrição parenteral. Dispensação de
nutrição parenteral. Erros de medicação.
ABSTRACT
Keywords: The practice of parenteral nutritional therapy began in Brazil through compounded bags, and its
Parenteral Nutrition. Patient safety. Parenteral nutri-
tion administration. Parenteral nutrition dispensing. formulation, manipulation, distribution and infusion rules were regulated by the Ministry of Health’s.
Medication errors. Ready-to-use formulas emerged in the Brazilian market in 2005, obtaining the equivalence to
medicines and due to the absence of specific legislation, mirror the same existing ordinance. In
Endereço para correspondência:
Rodrigo Costa Gonçalves recent years, parenteral nutritional therapy has been improved, becoming more complex, espe-
Avenida 136, 761, sala A – 46 – Setor Sul – Goiânia, cially with regard to new equipment and the use of complementary ingredients for its infusion. In
GO, Brasil – CEP: 74093-250. this context, the Brazilian Society of Parenteral and Enteral Nutrition (BRASPEN), understanding
E-mail: nutrir.terapianutricional@gmail.com
the relevance of the theme, prepared this document to contemplate the steps of dispensing and
Submissão administration of parenteral nutrition, seeking to improve process safety. The BRASPEN Manual of
12 de abril de 2019 Parenteral Nutrition Dispensing and Administration Competencies is an important document for
Aceito para publicação guiding daily practice to the professional community until specific legislation is in place to address
22 de julho de 2019 questions arising from new inputs and devices.

1. Médico; Especialista em Medicina Intensiva, Nutrologia e Nutrição Parenteral e Enteral; Hospital de Urgências da Região Noroeste de Goiânia – HUGOL, Goiânia,
GO, Brasil.
2. Médica Nutróloga pela ABRAN e BRASPEN/ SBNPE; Hospital São Luiz – Unidade Itaim, São Paulo, SP, Brasil.
3. Médico; Especialista em Medicina Intensiva, Nutrologia e Nutrição Parenteral e Enteral; Nutroclin – Clínica e Assistência Nutricional, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
4. Pós-Graduada em Cardiologia pela Beneficência Portuguesa de SP; Pós-Graduada em Nutrição Clínica pelo GANEP; Especialista em Nutrição Enteral e Parenteral
pela BRASPEN; Membro do Comitê de Enfermagem da BRASPEN; Hospital Samaritano São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
5. Enfermeira; Doutora (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo); Mestrado Profissional Enfermagem - FICS Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
6. Enfermeira; Doutora (Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo); Doctrina Educação em Saúde, Salvador, BA, Brasil.
7. Pós-Graduada em Enfermagem em Terapia Intensiva pela Universidade São Camilo; Pós-Graduada em Nutrição Humana e Aplicada e Terapia Nutricional pelo
Instituto de Metabolismo e Nutrição (IMeN); Especialista em Nutrição Enteral e Parenteral pela BRASPEN; Membro do Comitê de Enfermagem da BRASPEN; Hospital
Santa Catarina, São Paulo, SP, Brasil.
8. Médica, PhD; Especialista em Nutrologia; Hospital Estadual Mário Covas, Santo André, SP, Brasil.
9. Mestre em cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo; Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB; Especialista em Nutrição
Parenteral e Enteral pela BRASPEN; Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, Brasil.
10. Farmacêutico; Especialista em Farmácia Hospitalar – Associação Mineira de Farmacêuticos, 2001; Pós-graduado em Nutrição Clínica – GANEP, 2006; Farmacêutico
Especialista em nutrição parenteral e enteral pela SBNPE 2011; Famap Nutrição Parenteral, Belo Horizonte, MG, Brasil.
11. Farmacêutico com Doutorado e Mestrado em Saúde Pública e Especialista em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral; Instituto Nacional de Câncer, Rio de Janeiro,
RJ, Brasil.
12. Hospital Sírio Libanês, São Paulo, SP, Brasil.
13. Médica Intensivista com área de atuação em Nutrição Parenteral e Enteral; Título de Especialista em Medicina Intensiva; Título de Especialista em Nutrição Parenteral
e Enteral; Mestrado em Medicina Interna e Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Hospital de Clínicas, Curitiba, PR, Brasil.
14. Hospital São Luiz – Unidade Itaim, São Paulo, SP, Brasil; Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil.
15. Rede Mater Dei; Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232


217
Gonçalves RC et al.

INTRODUÇÃO cenários, da unidade de terapia intensiva (UTI) ao domicílio,


Nutrição parenteral (NP) pode ser entendida, conforme dependendo, assim, da habilidade de enfermeiros, farma-
o Art. 4o inciso XVI, da RDC (Resolução de Diretoria Cole- cêuticos e médicos para reconhecimento, monitorização e
giada) No 24 de 14 de junho de 20111, como “solução ou prevenção de eventos adversos associados ao processo.
emulsão, composta basicamente de carboidratos, amino- Desta forma, requerem-se protocolos bem definidos, boa
ácidos, lipídios, vitaminas e minerais, estéril e apirogênica, comunicação entre equipes e vigilância constante ao
acondicionada em recipientes de vidro ou plástico, desti- processo. Erros frequentes incluem os relativos à progra-
nada à administração intravenosa em pacientes desnutridos mação da bomba de infusão, interrupções recorrentes da
ou não, em regime hospitalar, ambulatorial ou domiciliar, infusão, não ativação completa entre as câmaras das bolsas
visando à síntese ou à manutenção dos tecidos, órgãos ou prontas para uso, dentre outros5.
sistemas”. Nos últimos anos, avanços tecnológicos, como surgi-
A NP é classificada no grupo de “medicamentos espe- mento de novos insumos de NP e cateteres, geraram
cíficos”, conforme a mesma RDC (Artigo 3o, § 1°), por se controvérsias não contempladas na Portaria MS 272/1998.
tratarem de: “produtos farmacêuticos, tecnicamente obtidos A Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral
ou elaborados, com finalidade profilática, curativa ou (BRASPEN), compreendendo a relevância do tema, elaborou
paliativa, não enquadrados nas categorias de medicamento esse manual visando assistir às etapas do processo de uso
novo, genérico, similar, biológico, fitoterápico ou notificado de NP, minimizar controvérsias, colaborar com a construção
e cuja (s) substância (s) ativa (s), independente da natureza de protocolos e garantir uso de NP mais seguro. Este
ou origem, não é passível de ensaio de bioequivalência, documento foi elaborado após questionário específico e
frente a um produto comparador”. objetivo ter sido enviado a distintos profissionais de várias
Existem no mercado brasileiro duas estratégias para especialidades que lidam com esta terapêutica. Mesmo
atender às necessidades de pacientes com indicação de NP2: sendo as recomendações aqui apresentadas pautadas em
evidências, é primordial o entendimento de que as deci-
• estratégia padronizada, por meio de fórmulas prontas
sões clínicas sempre devem ser soberanas, contemplando
para uso, de composição definida e proporções entre
as condições clínicas atuais e circunstâncias individuais de
nutrientes constitutivos fixas de fábrica. São produzidas
cada paciente. Além disso, este documento contém reco-
por processo industrial;
mendações para treinamento e monitorização das compe-
• estratégia individualizada, por meio de fórmulas mani- tências relacionadas à dispensação e à administração de
puladas, produzidas conforme a prescrição médica, NP, incluindo um checklist, que poderá servir como guia
capazes de atender diversas proporções entre nutrientes. para as instituições brasileiras.
São produzidas por manipulação.
As fórmulas individualizadas foram as primeiras a surgir
ACESSOS VENOSOS PARA NP
no mercado brasileiro, e os requisitos para formulação,
distribuição, infusão e controle foram estabelecidos na
Portaria do Ministério da Saúde (MS) 272/19983. Naquele Qual é a recomendação para preparo da pele e
documento, estão especificados normas e requisitos para realização de curativos do cateter de NP?
manipuladoras de NP ou hospitais que façam a própria
manipulação para seus pacientes. As fórmulas prontas para Antissepsia da pele com clorexidina alcoólica
uso surgiram no mercado brasileiro em 2005, obtendo a > 0,5%, desinfecção de conexões com solução à
equivalência a medicamentos. Os requisitos para emprego base de álcool e curativos transparentes ou com
desta modalidade, na ausência de legislação específica, gaze, com trocas programadas.
espelham-se na Portaria MS 272/1998.
NP é tratamento sujeito a variedade de erros, desde A indicação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária
indicação, prescrição, manipulação, dispensação e admi- (ANVISA) para reduzir o risco de infecções relacionadas a
nistração. Não existem, no Brasil, estatísticas de prevalência cateteres é realizar o preparo da pele com solução alcoólica
de erros de NP, mas estudos americanos apontam alto de gluconato de clorexidina > 0,5%. A degermação prévia
número de falhas associadas à manipulação e dispensação, à antissepsia da pele não é recomendada rotineiramente,
principalmente, seguidas de erros associados ao processo estando reservada para casos onde exista sujidade visível.
de administração4. Os cuidados para Cateteres Centrais de Inserção Periférica
A dispensação e a administração de NP são processos (PICC) seguem as mesmas recomendações de cateteres
complexos, que podem ser executados em diferentes centrais de curta permanência6.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232
218
Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

A European Society for Clinical Nutrition and Meta- dos acessos venosos e, preferencialmente, começar por veia
bolism (ESPEN) recomenda: escolha apropriada do local de extremidades. O conhecimento atual indica que o risco
de inserção, uso de clorexidina a 2% como a antissép- de infecção e tromboflebite não aumenta com a duração
tico para pele, desinfecção dos adaptadores, drenos e de cateterismo12. Rotineiramente, o cateter periférico não
conectores, bem como troca regular dos conjuntos de deve ser trocado em período inferior a 96 horas. A decisão
administração 7. Deve ser realizada a desinfecção das de estender a frequência de troca para prazos superiores
conexões, dos conectores valvulados e ports de adição ou quando clinicamente indicado dependerá da instituição.
de medicamentos com solução antisséptica à base de Neste caso, a remoção dos cateteres é indicada apenas no
álcool, com movimentos aplicados de forma a gerar caso de existirem sinais de inflamação no local da inserção
fricção mecânica, entre 5 e 15 segundos 6,8. O tempo de e o cateter deve ser removido imediatamente com o início
desinfecção (5 a 15 segundos) com solução alcoólica dos sintomas ou sinais5,13-15.
recomendado pela ANVISA é classificado como nível
de evidência moderado, sendo que a efetividade irá Que tipo de cateter é recomendado para NP
depender da técnica da fricção e do desenho/modelo do domiciliar?
conector que irá facilitar ou não a desinfecção. Caberá
à instituição avaliar, estipular o tempo de desinfecção e CVC tunelizados e PICC são os cateteres de
monitorar as infecções6. Atentar para realizar a desin- preferência para uso em NP domiciliar.
fecção dos conectores antes de cada acesso ou manipu-
lação e os mesmos devem ser trocados imediatamente
A diretriz da Sociedade Americana de Nutrição Paren-
em caso de desconexão do cateter ou sistema de infusão,
teral e Enteral (ASPEN) reporta a grande dificuldade de se
presença de sangue ou outra sujidade6.
ter evidências para melhores práticas em relação à escolha
Os dois tipos de curativos mais comumente utilizados são de cateteres, uma vez que não há estudos controlados
curativos transparentes ou gaze e fita adesiva esterilizada. randomizados. As recomendações são baseadas em estudos
Recomenda-se trocar a gaze, no máximo, a cada 48 horas observacionais e opiniões de especialistas16.
e os curativos transparentes a cada 7 dias. A liberação
Em pacientes em NP domiciliar, tem sido recomen-
sustentada do curativo de gluconato de clorexidina 2% está
dado o uso de PICC, principalmente se o tempo do uso
disponível para a colocação em torno da inserção do cateter
da NP for limitado a 3-4 meses, uma vez que o risco de
ou no local de saída. Qualquer tipo de curativo deve ser
contaminação durante esse período é semelhante ao
trocado imediatamente, independente do prazo, se estiver
dos cateteres de maior permanência, porém com menor
sujo, solto ou úmido6,9.
risco de complicações mecânicas na inserção e maior
facilidade de retirada do acesso, ao término da utilização
Que tipo de cateter é recomendado para NP da NP. As desvantagens seriam a maior dificuldade de
hospitalar? autocuidado do local da inserção, maior desconforto
para utilização do braço puncionado em atividades do
Cateteres venosos centrais (CVC) não tuneli- dia-a-dia do paciente, além de maior risco de trombose
zados, PICC e cateteres periféricos podem ser venosa profunda.
utilizados para NP hospitalar. Também se utilizam os cateteres tunelizados e os total-
mente implantados, caso a utilização de NP seja prevista por
Em pacientes hospitalizados, a NP pode ser infundida períodos mais longos (> 3 meses a anos). Os cateteres tune-
via CVC não tunelizados, de um, dois ou mais lúmens (uso lizados tipo Broviac ou Hickman apresentam menores taxas
de dias a semanas) ou por meio de PICC. A decisão sobre de infecção pela fixação de um cuff subcutâneo distante da
o tipo de cateter depende de fatores específicos de cada inserção na pele, e permitem que o próprio paciente realize
paciente – estabilidade clínica, tempo de permanência a conexão/desconexão com maior facilidade. Os cateteres
hospitalar, previsão de uso da NP e tipo de fórmula utilizada. totalmente implantados, tip o Port-A-Cath exigem punção
Além dos fatores relacionados ao paciente, deve-se levar frequente do reservatório, o que não é confortável para o
em consideração a experiência do profissional responsável paciente. O número de punções do reservatório é de cerca
pela colocação do acesso. de 2000-30008,17-21.
Caso o tempo de NP seja curto (poucos dias) e a osmo- Um acesso de exceção seria a utilização de fístulas
laridade seja < 900 mOsm/L, podem-se utilizar os cateteres arteriovenosas para a infusão da NP, quando o paciente
venosos periféricos8,10,11. A definição do local de inserção apresentar rede vascular deficiente, histórico de sepses
do acesso periférico deve estar de acordo com a qualidade prévias por cateter e estiver em hemodiálise22,23.

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219
Gonçalves RC et al.

Há preferência para uso de cateteres mono A única situação na qual o CVC deve ser substituído (mais
lúmen para infusão de NP? rapidamente possível, isto é, dentro de 48 horas) é quando a
adesão à técnica asséptica não pode ser assegurada (cate-
Não há evidência que recomende a utilização de teres inseridos durante a urgência médica, por exemplo)28.
cateter mono lúmen para infusão de NP. A instituição de saúde poderá determinar critérios para
utilizar um CVC previamente em uso. Por exemplo, avaliar
São escassos os estudos que abordam a relação entre checklist de inserção de CVC, sinais e sintomas de infecção
o número de lúmens (vias) do cateter e a infusão de NP. relacionados ao acesso vascular, o tempo determinado para
Revisão sistemática recente, visando reunir evidências o tipo de CVC (CVC de curta permanência, conforme a
sobre a relação entre a infusão de NP, CVC mono e política institucional pode-se determinar 15 dias de uso),
múltiplos lúmens com infecção de corrente sanguínea complicações mecânicas durante o uso do cateter, entre
relacionada a cateter venoso (ICSRC), avaliou 34 estudos outros.
e destes, apenas dois foram incluídos 24. A conclusão foi
que não há relação entre a infusão de NP, o número de A via do cateter utilizada para infusão de NP
lúmens de CVC e ICSRC. Outros autores por meio de deve ser exclusiva?
metanálise, publicada em 2003, ao analisar estudos de
qualidade, também não evidenciaram diferenças entre A via utilizada para infusão de NP deve ser
usar mono ou múltiplos lumens na colonização de cateter exclusiva.
ou ICSRC25.
De acordo com ASPEN16, deve-se selecionar CVC com Recomenda-se que a via do cateter utilizada para infusão
o menor número de lúmens segundo a terapia prevista para de NP seja exclusiva. Caso seja empregado um cateter do
o estado clínico do paciente, com o apoio teórico de que tipo multi-lúmen, deve-se manter uma via exclusiva para
quanto menos lúmens, menor o número de oportunidades administração da NP, com emprego de técnica asséptica
de contaminação do acesso vascular. Porém, há ressalva no manuseio deste lúmen11,29-36. Existe risco aumentado
de que a redução no número de lúmens provavelmente não de infecção quando se manipula o acesso de NP muitas
reduzirá a incidência de complicações. Essa afirmativa é vezes25,37.
justificada por autores quando alertam para a necessidade Além disso, cabe destacar que na via de administração
de maior atenção quanto à garantia de técnica asséptica de NP não devem ser administrados medicamentos, exceto
na inserção do CVC e manipulação posterior26. quando houver dados farmacêuticos que descrevam a
compatibilidade físico-química e estabilidade dos medi-
Pode-se utilizar um cateter já previamente camentos co-infundidos e quando houver dados clínicos
inserido para infusão de NP? que confirmem ações terapêuticas dos medicamentos
em co-infusão. Não se deve extrapolar dados além dos
Não foram identificados estudos que abordem parâmetros empregados nos estudos (por exemplo: doses,
essa temática, porém não há justificativa para concentrações, fabricantes)38,39.
não utilizar um cateter central previamente Critérios específicos para avaliar a compatibilidade
inserido para infusão de NP. e a estabilidade de medicamentos e NP são bem difun-
didos, e devem ser adotados40,41. Qualquer potencial de
As instituições devem descrever as políticas e os proce- incompatibilidade ou instabilidade como resultado da
dimentos para suporte à melhor decisão, com base nos interação físico-química é uma preocupação de segurança.
recursos disponíveis, sejam humanos ou materiais. Outra A compatibilidade física não é necessariamente indicativa
maneira para garantir a assistência adequada com menor de compatibilidade química. Além disso, compatibilidade
ou nenhuma complicação associada com a infusão da NP e estabilidade química isoladamente não são suficientes
via CVC está relacionada com capacitação da equipe inter- para indicar o uso de um medicamento pelo mesmo acesso
disciplinar5,27. A instituição deverá planejar e disponibilizar da NP42-44. A ação farmacológica ou a eficácia terapêutica
treinamento para todos que manuseiem o acesso vascular, deve ser mantida ou melhorada, sem qualquer risco de
reações adversas, quando um medicamento é administrado
abordando temas relacionados à escolha do melhor tipo
concomitantemente com a NP, o que exige a realização de
de cateter, inserção, manutenção e remoção do CVC, em
estudos clínicos45, uma vez que as evidências para apoiar
pacientes recebendo ou não NP, com ênfase na técnica
a administração de medicamentos pelo mesmo acesso da
asséptica. Desta maneira, poderá ser utilizado um cateter
NP são escassas40,41.
já previamente inserido para infusão de NP.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232
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Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

Qual é a recomendação para lock terapia em O Center for Disease Control (CDC) recomenda que
cateteres de longa permanência? a LTA profilática seja usada apenas para CVC de longa
duração com ICSRC recorrente após terem sido assegu-
Até o momento, não existem dados suficien- radas as técnicas assépticas recomendadas. A diretriz da
tes para recomendar um tipo específico de lock ASPEN, apesar de não recomendar o uso de nenhuma lock
­terapia. terapia específica, afirma que com base em dois estudos,
LTE e LTA devem ser consideradas para prevenir infecções
A ICSRC é uma das complicações mais comuns e impor- recorrentes16.
tante causa de morbidade e mortalidade entre os pacientes A ESPEN, por sua vez, na diretriz de falência intestinal,
que usam NP prolongada. O lock profilático em cateteres recomenda que o lock do cateter com taurolidina possa
de pacientes em NP com alto risco de desenvolver ICSRC ser usado para prevenir infecções relacionadas a CVC.
pode ajudar a diminuir a incidência e, consequentemente, Por outro lado, indica que o bloqueio do cateter com
a morbidade e a mortalidade associadas a NP46. etanol a 70% não deve ser utilizado, pois o uso está
Dados referentes ao uso profilático de lock terapia associado à toxicidade sistêmica, oclusão do cateter e
com antibióticos (LTA) e lock terapia com etanol (LTE) em dano ao cateter. Para pacientes com infecções recorrentes
pacientes que recebem NP prolongada são limitados. No relacionadas ao CVC, o uso de lock antimicrobiano pode
que se refere a tratamento, estudo retrospectivo mostrou ser considerado 52.
que a combinação de terapia LTA-LTE foi igualmente eficaz
para controle da ICSRC quando comparada à remoção DISPENSAÇÃO DE NP
de cateter47. Outro estudo, que comparou a eficácia de
LTA comparada à LTE, tanto de forma profilática como em
resposta a ICSRC, demonstrou que ambas apresentavam a Qual é a recomendação para duração e tempe-
mesma eficácia em reduzir infecções em pacientes de alto ratura de transporte e armazenamento de NP
risco que recebem NP46. manipulada?
Um motivo de preocupação quanto à utilização de
LTA é que o uso disseminado de compostos antimicro- Durante o transporte, manter a temperatura
bianos inevitavelmente aumente a resistência antimicro- entre 2°C e 20°C por, no máximo, 12 horas.
biana. Para evitar tal desfecho, pode ser interessante E no armazenamento, manter a temperatura
o uso de soluções antimicrobianas não antibióticas, entre 2ºC e 8ºC por, no máximo 24 horas.
como etanol e taurolidina 48. A solução de etanol, por
outro lado, pode levar a dano estrutural do CVC e O que está estabelecido tem embasamento na Portaria
aumentar o risco de obstrução do cateter por interferir MS 272/19983:
na permeabilidade 49. Toda NP deve ser conservada sob refrigeração, em
A taurolidina é um derivado do aminoácido taurina. É geladeira exclusiva para medicamentos, com temperatura
agente bactericida eficaz contra organismos gram-positivos entre 2°C e 8°C.
e gram-negativos, assim como alguns fungos50. Existem O transporte de NP deve ser feito em recipientes
muitos estudos que mostram a eficácia da solução de lock térmicos exclusivos, em condições pré-estabelecidas
de taurolidina para profilaxia secundária de ICSRC. No e supervisionadas pelo farmacêutico responsável pela
entanto, como descrito em metanálises, a maioria desses preparação, de modo a garantir que a temperatura da
estudos é limitada pelo método (observacional) e pequeno NP se mantenha na faixa entre 2°C e 20°C durante o
tamanho da amostra50. tempo do transporte que não deve ultrapassar 12 horas,
Saunders et al.51 sugerem alguns critérios para o uso de além de ser protegida de intempéries e da incidência
taurolidina com base na experiência dos autores: direta de luz solar.
• Pacientes com episódios recorrentes de ICSRC; Imediatamente após o preparo, a NP deve ser mantida
• Pacientes com fonte potencial de sepse intra-abdominal sob refrigeração (2°C a 8°C), exceto nos casos de admi-
persistente aguardando cirurgia definitiva (exemplo: nistração imediata.
fístulas enterocutâneas persistentes); O transporte da NP deve obedecer a critérios estabele-
• Pacientes com acesso vascular muito limitado, nos quais cidos nas normas de boas práticas em NP, conforme Anexo
a perda adicional de acesso vascular pode impedir a II, na mesma Portaria.
continuação do tratamento de nutrição parenteral que O farmacêutico (da unidade hospitalar ou da unidade
sustenta a vida. manipuladora) é o responsável pela manutenção da

BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232


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Gonçalves RC et al.

qualidade da NP até a entrega ao profissional responsável A portaria do MS 272/1998 recomenda a utilização de


pela administração, devendo orientar e treinar os funcio- filtro de linha para a infusão segura de NP, porém não trata
nários que realizam o transporte. da especificação do filtro recomendado3.
O consenso de recomendações de segurança em NP
Há necessidade de fotoproteção para infusão de de 2014 da ASPEN fornece orientação quanto ao uso de
NP manipulada e para NP pronta para uso? filtros em linha para administração de NP, para reduzir o
potencial de dano ao paciente devido a partículas, micro-
As formulações manipuladas destinadas a recém- precipitações, microrganismos e embolia gasosa30.
nascidos prematuros devem receber fotoproteção. As recomendações são30,58:
Enquanto as manipuladas destinadas a outras
• Utilizar filtro de 0,22 micra para formulações contendo
faixas etárias e formulações prontas para uso
dextrose / aminoácidos (2 em 1);
não existem consenso quanto à necessidade de
fotoproteção. • Utilizar filtro de 1,2 micra para misturas totais de
nutrientes (3 em 1);
Vários componentes da NP são fotossensíveis, ocor- • Colocar o filtro o mais próximo possível do paciente no
rendo reações de degradação, redução ou oxidação prin- sistema de administração;
cipalmente por exposição direta à luz. A intensidade desta • Trocar os filtros (e os conjuntos de administração) a cada
foto-reação dependerá de fatores, como tempo de infusão, nova bolsa de nutrição parenteral;
concentração dos aditivos, temperatura de exposição, pH • Remover o filtro, caso apresente oclusão e o substituir
final da formulação, tipo e tamanho do envase e equipo. por novo filtro. Não permitir que mistura não filtrada
À temperatura ambiente, alguns aminoácidos e vita- continue sendo infundida.
minas, como a riboflavina e o retinol, são sensíveis à luz Este consenso de recomendações de segurança em
e podem se degradar à exposição53-55. Ressalta-se que NP não aborda a utilização de filtros durante a infusão de
formulações prontas para uso não contêm vitaminas.
emulsões lipídicas intravenosas, quando administrada em
Outra importante reação ocorrida em presença da luz é a
infusão separada59.
peroxidação da emulsão lipídica. O produto desta reação
é um hidroperóxido que pode ser citotóxico para pacientes Contudo, desde a publicação do documento da ASPEN,
prematuros56. A exposição de soluções lipídicas à irradiação os fabricantes de emulsões lipídicas intravenosas dos EUA
de luz azul (luz de fototerapia) pode aumentar significati- revisaram as instruções de administração e incluíram decla-
vamente a peroxidação lipídica levando a danos celulares ração para filtrar todas as infusões de emulsões lipídicas,
e ainda com propensão ao aumento da mortalidade desse usando filtro de linha de 1,2 micra. Esta mesma recomen-
grupo de pacientes56,57. dação está incluída nos Padrões de Prática de Terapia de
Infusão Intravenosa da Sociedade Americana de Enfermeiras
As formulações destinadas aos bebês prematuros devem
de 201660.
ser protegidas da luz em todo o conjunto de infusão da NP.
Para formulações destinadas a crianças maiores e
adultos, sejam essas manipuladas ou industrializadas, em Qual é a recomendação para troca de equipos
virtude de variadas condições, como: composição, tempo de infusão de NP?
e modo de infusão, e a inexistência de comprovação de
malefícios da degradação dos componentes da formu- A troca do equipo e dispositivo complementar de
lação de NP pela ação da luz54,57, não existe consenso NP deve ser realizada a cada bolsa. No caso de
que indique necessidade de fotoproteção. No entanto, infusões exclusivamente lipídicas, o equipo e o
é importante que as bolsas de NP não fiquem expostas dispositivo complementar devem ser trocados a
diretamente à luz e a opção quanto ao uso do dispositivo cada 12 horas.
de administração fotoprotetor fica a critério das equipes
de de Terapia Nutricional, considerando potencial risco de O equipo de infusão endovenosa é material médico-
degradação de vitaminas e peroxidação lipídica. hospitalar, considerado crítico do ponto de vista da assis-
tência, pelo potencial risco para os pacientes. São estruturas
Há recomendação para uso de filtros de linha em NP? destinadas à introdução de grandes volumes de líquido
na circulação sanguínea, com a finalidade de entremear
Recomenda-se o uso de filtro de linha para a ligação do dispositivo venoso ao recipiente que contém
­infusão de NP. líquido a ser infundido5.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232
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Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

Metanálise publicada pela Cochrane 61, avaliando É considerada área de ambiente controlado a sala onde
estudos de baixa a moderada qualidade, não identificou a temperatura é mantida entre 15°C e 30°C66,67.
associação entre trocas dos dispositivos complementares Na prática, o tempo necessário, após retirada da
de infusão e ICSRC. No entanto, ASPEN, ANVISA e Infusion geladeira, para atingir a temperatura próxima de 15 graus
Nursing Society recomendam a troca regular do conjunto vai variar de acordo com o volume da formulação e a
de administração a cada bolsa de NP ou a cada 24 horas temperatura do ambiente. O uso do termômetro infraver-
e, no caso de infusões lipídicas exclusivas, troca a cada melho pode ser uma opção para aferição da temperatura
12 horas3,6,28,30,60. externa da bolsa. Em geral, o período de 60 a 90 minutos
é o suficiente para atingir a temperatura adequada de
ADMINISTRAÇÃO DE NP administração, sem comprometer a estabilidade físico-
química da formulação.

A instalação e a retirada da NP devem ser reali-


Qual é a validade para infusão de bolsas de NP
zadas exclusivamente por enfermeiro?
individualizadas e de bolsas prontas para uso,
após reconstituição?
A conexão e a desconexão de NP são atribuições
exclusivas do enfermeiro.
A Portaria MS 272/1998 recomenda que a NP
individualizada deva ter seu início da infusão até
O enfermeiro é o responsável pela instalação e retirada
24h após a preparação, com tempo máximo de
da NP62, como também pelo processo de educação perma-
infusão de 24h adicionais. Já as fórmulas pron-
nente da equipe de enfermagem que presta o cuidado a
tas para uso (não contempladas pela portaria
pacientes sob esta terapia, buscando prevenir, detectar e
MS 272/1998) têm validade de 24 até 48 horas,
agir sobre os possíveis eventos adversos5.
de acordo com as informações prestadas pelas
Artigo publicado recentemente por membros do ASPEN empresas fabricantes.
Parenteral Nutrition Safety Committee, baseado em dados
do Institute for Safe Medication Practication Error Reporting
A determinação da estabilidade físico-química e da
Program (ISMP MERP), observou que o maior número de garantia de esterilidade é fundamentada por referências de
erros estava associado com a composição e a distribuição compêndios oficiais e o prazo de validade é determinado
da NP. Os segundos erros mais comuns foram associados ao por meio de estudos de estabilidade, quando a intenção
processo de administração, como taxas de infusão incorretas, do fabricante (indústria ou manipuladora) for registrar um
falha na ativação da bomba, troca de linhas e fragilidade de prazo maior que as referências disponíveis.
assepsia na via de infusão4,63-65. Desta maneira, ressalta-se
a importância do profissional enfermeiro qualificado nas
melhores práticas de administração da NP abrangendo desde Bolsas Individualizadas
a instalação até a suspensão total da terapia, pois é o profis-
sional que assiste o paciente durante as 24 horas. O apoio Segundo a Portaria MS 272/19983, devem ter o início
das instituições e órgãos governamentais em implementar da infusão até 24h após a preparação, com tempo máximo
políticas e procedimentos que assegurem a realização da de infusão de 24h adicionais.
terapia são imprescindíveis para a realização de cuidado
seguro, fortalecido, qualificado e humanizado. Bolsas Prontas para Uso (RTU)

Qual é a temperatura mais adequada para Após reconstituição, as bolsas têm validade de até 48h,
infusão da NP manipulada? de acordo com as informações prestadas pelas empresas
fabricantes de fórmulas RTU no Brasil.
A NP deve ser administrada em temperatura No mercado brasileiro, até a data de redação deste
ambiente (15°C a 30°C). documento, existem cadastrados na ANVISA os seguintes
produtos industrializados para nutrição parenteral,
A NP deve ser retirada antecipadamente da refrigeração, apresentados em ordem alfabética por fabricante no
a fim de ser administrada à temperatura ambiente. Quadro 1.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232
223
Gonçalves RC et al.

Quadro 1 – Características dos produtos industrializados para nutrição parenteral cadastrados pela ANVISA.

Baxter68 B Braun69 Fresenius Kabi70

Conservação Validade de < 25°C Conservar em temperatura


24 meses Não congelar inferior a 25°C
Validade de 24 meses

Duração após a mistura Uso imediato. Recomenda-se Após a mistura - armazenada “ A emulsão misturada poderá ser
contra o armazenamento por até 4 dias em temperatura armazenada por até 6 dias a 2-8°C
> 24 horas entre 2 e 8°C de 2 - 8°C ou 48h até 25°C antes do uso. Após o término do
armazenamento a 2-8°C, a mistura
deverá ser infundida no período de
24 horas”.
Após a mistura das 3 câmaras, o
armazenamento poderá ocorrer a
25°C, duração de 24h.

Tempo de Infusão Até 24h, seja para NP ou para (Não consta na bula) Até 24h
módulo de AA 10%

Em relação às bolsas RTU, vale mencionar que o Além do atendimento dos requisitos para registro, a
mecanismo de validação do insumo difere daquele esta- comercialização requer testes periódicos com amostras
belecido para as fórmulas individualizadas (validação de cada lote, conforme RDC específica76.
do processo). As fórmulas RTU devem ser registadas na
Ao todo, duas barreiras de requisitos são atendidas: a
ANVISA, conforme RDC própria, que dispõe sobre o
primeira na planta de produção do país de fabricação e
registro de medicamentos específicos e devem cumprir os
a segunda, pelo órgão competente no Brasil, dentro das
seguintes requisitos71:
especificações da Portaria n° 802/199877.
• A fábrica deve ser inspecionada pela ANVISA, conforme
a RDC nº17/201072, para emissão do Certificado de
As bolsas de NP podem receber aditivos após
Boas Práticas de Fabricação e Controle (CBPF);
finalização da manipulação ou da produção?
• Apresentar Estudos de Estabilidade que comprovem
o prazo de validade do produto, de acordo com a RE A NP não deve receber aditivos após manipulação
01/05 73, que poderão ser estudos de estabilidade de ou produção.
longa duração na condição de 25°C/60% UR, por
período de 24 meses, ou estudos de estabilidade
Seguindo a Portaria MS 272/19983, recomenda-se que
acelerado na condição de 40°C/25% UR, por período
bolsa manipulada “pronta” não receba aditivos a posteriori.
de seis meses;
Entretanto, a Portaria, uma vez publicada antes do advento
• Relatório de Produção, detalhando cada etapa do das fórmulas RTU, não estabelece norma para bolsas indus-
processo produtivo e controles; trializadas. Na informação de bula fornecida pelos fabri-
• Relatório de Controle de Qualidade, descrevendo cantes, não há impedimento ao acréscimo de suplementos
todo o método analítico que será utilizado, bem como na bolsa industrializada, desde que respeitadas as condições
todas as validações pertinentes de acordo com a RDC assépticas e físico-químicas para adições. Como não há
n°166/201774; legislação específica que inclua as bolsas industrializadas,
• Dados de Eficácia e Segurança, de acordo com a RDC a prática usual recai muitas vezes na semelhança do que
n° 09/201575. a Portaria MS 272/1998 contempla.
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Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

Qual é o limite de osmolaridade da NP para Micronutrientes podem ser infundidos em via


infusão em veia periférica? E tempo para uso do intravenosa periférica ou central por tempo
acesso periférico? máximo de infusão de 24 horas, separadamente,
necessitando os polivitamínicos de fotoproteção,
Recomendamos que a osmolaridade da NP não quando em infusão prolongada.
ultrapasse 900 mOsm/L. E que não seja usada
por período superior a 14 dias. Polivitamínicos e oligoelementos devem ser oferecidos
diariamente aos pacientes em uso de NP, preferencialmente
A administração de NP em veia periférica, referida aditivados à formulação, a fim de evitar déficits destes
como nutrição parenteral periférica (NPP), é limitada pela nutrientes30,82. No entanto, quando a aditivação destes
tolerância à fórmula concentrada de macronutrientes e altos componentes é impossibilitada por motivos de incompatibi-
volumes de fluidos. A complicação mais significativa que lidades ou no caso de bolsas de NP prontas para uso, estes
limita a tolerância da NPP é o desenvolvimento de trom- micronutrientes (polivitamínicos e oligoelementos) devem ser
boflebite. A incidência de tromboflebite está relacionada infundidos separadamente83,84.
ao conteúdo osmótico da fórmula infundida e à taxa de Os polivitamínicos devem ser administrados pela via
infusão. Glicose, aminoácidos e eletrólitos são contribuintes intravenosa periférica ou central55, por período de até 24
significativos para a osmolaridade da solução. Estudos horas de infusão85. As vitaminas A, E e B6 são sensíveis à
disponíveis que avaliaram a tromboflebite venosa periférica luz55,86, e por tal, as soluções de polivitamínicos, quando
com infusão de NPP são limitados pelo pequeno tamanho infundidas separadamente da NP, devem ser fotoprote-
da amostra e por desenho, na maioria, observacional. Não gidas85, quando em infusão prolongada, uma vez que são
há consenso sobre o que é considerado taxa “tolerável” de soluções concentradas.
tromboflebite ou duração de infusão aceitável antes que As formulações de oligoelementos devem ser admi-
ocorra flebite78,79. nistradas pela via intravenosa periférica ou central87, por
A ASPEN recomenda em sua diretriz que osmolaridade período de até 24 horas85. Não existem evidências sobre
de até 900 mOsm/L possa ser infundida com segurança componentes nas soluções de oligoelementos que sejam
em acesso periférico. Já valores mais altos de osmolaridade fotossensíveis88, não sendo recomendado uso de fotopro-
também podem ser tolerados, mas faltam evidências para teção durante a infusão.
garantir o limite seguro38.
A NPP é frequentemente usada quando o acesso venoso Qual é a recomendação para seleção, limpeza e
central não é possível ou ainda não foi obtido. O uso de manutenção de bombas de infusão de NP?
NPP pode prevenir atrasos no estabelecimento de terapia
nutricional. Devido à natureza hiperosmolar das formula- Recomenda-se utilização de bombas de contro-
ções de NP, o uso de NPP requer controle da osmolaridade le de fluxo volumétrico, com desinfecção a cada
e monitoramento de sinais de flebite. Como as soluções 24 horas e sempre quando trocada para uso em
de NPP não podem ser altamente concentradas, maiores outro(s) pacientes(s), com manutenção periódica
volumes são frequentemente necessários para atingir as pela engenharia da instituição.
metas de nutrientes. Pacientes com disfunção cardíaca,
renal ou hepática geralmente têm restrição a volumes As bombas infusoras são equipamentos eletromédicos,
maiores e podem não atingir metas calóricas com NPP. Por em evolução tecnológica, capazes de controlar o fluxo de
estas questões, é consenso que a via periférica não deve líquidos por meio de dispositivos, garantindo a infusão do
ser utilizadas por longos períodos de tempo para infusão volume desejado dentro do período programado, buscando
de NP. O tempo máximo de utilização desta via varia segurança e êxito da terapia intravenosa89.
de 5 a 14 dias, conforme dados da literatura80,81. Desta É necessário conhecer o tipo, funcionamento de cada
forma, considera-se que esta formulação está indicada bomba e características para a administração desta terapia.
para doentes com expectativa de uso de NP por período Recomendam-se as bombas de controle de fluxo volumé-
inferior a 14 dias. tricas, com sistema que impeça o fluxo livre.
A manutenção das bombas infusoras deverá ser
Quais são as recomendações para via, tempo realizada pelo departamento de engenharia clínica da
de infusão e fotoproteção dos polivitamíni- instituição, para garantir o bom desempenho do equipa-
cos e oligoelementos quando infundidos em mento. Geralmente estas manutenções são denominadas
separado? de “manutenção preventiva”, e seguem a recomendação
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Gonçalves RC et al.

de itens (inspeção visual, análise da bateria, sensores e e mantidas em condições ideais por, pelo menos, sete dias,
alarmes, teste de segurança elétrico e de desempenho) a para servirem de contraprova quando necessário, em casos
serem verificados de acordo com as orientações dos fabri- de suspeita de infecção pela solução.
cantes. A manutenção deverá ser realizada anualmente As diretrizes do CDC28 e da ESPEN7 não recomendam
com registros. a retirada do CVC ou periférico pelo simples fato da ocor-
Em se tratando da limpeza das bombas de infusão para rência de febre, isoladamente. Se o contexto clínico sugere a
administração da NP, a desinfecção da superfície e do painel possibilidade de uma infecção do dispositivo venoso, como
deve ser realizada, no mínimo, a cada 24 horas e sempre a presença de sinais flogísticos ou saída de pus pelo óstio
quando trocada para uso em outro(s) pacientes(s), alinhadas de entrada do cateter, se há quadro séptico associado ou
com o Serviço de Controle de Infecção Hospitalar (SCIH) infecção complicada como endocardite, esse deve ser reti-
Institucional, utilizando-se produtos conforme recomendação rado. Quando se tratar de cateter totalmente implantado ou
do fabricante6. de um paciente com chances mínimas de receber um novo
É fundamental que se tenham protocolos para operação cateter, a decisão de retirá-lo deve ser ainda mais criteriosa.
segura de bombas de infusão, equipe treinada e que as A antibioticoterapia deve ser orientada, a princípio, de
organizações de saúde adquiram equipamentos adequados acordo com o tipo de cateter e quadro clínico do paciente,
e em quantidade suficiente para cada terapia. Isso busca o histórico pregresso infeccioso do paciente e do histórico
reduzir erros associados à fragilidade do processo, como de microrganismos mais frequentes em infecção de cateteres
falha na programação da bomba, ocasionando taxa e na instituição.
tempo de infusão incorretos5. O êxito da terapia necessita Posteriormente, ela deverá obedecer aos resultados de
não somente de tecnologia, mas também de processos bem culturas indicando os agentes responsáveis e sua sensibili-
alinhados e desenhados. dade a antibióticos ou antifúngicos.
A principal conduta é a coleta de duas amostras de
Em caso de reações febris durante a infusão de NP, sangue periférico e duas pelo lúmen do cateter central, se
como proceder? possível durante o episódio de febre ou bacteremia, para
melhor identificação do microrganismo correspondente
Recomenda-se colher hemoculturas pareadas. A e sensibilidade a agentes antimicrobianos, através de
retirada do cateter deve ser feita apenas se con- culturas quantitativas ou semi-quantitativas. Se o cateter
texto clínico sugerir que há possibilidade real de for retirado, a ponta do cateter (5 cm), cortada com
infecção. Antibioticoterapia deve ser proposta de técnica asséptica, deve ser também enviada para cultura
acordo com o tipo de cateter e quadro clínico do e antibiograma. O advento de novas tecnologias que
paciente. Deve-se realizar investigação de conta- auxiliam na detecção de infecção de um dispositivo venoso
minação de NP como fonte da reação febril. como cultura do óstio cutâneo, diagnósticos moleculares,
biomarcadores, e inovações como biosensores no lúmen
do CVC permitem um julgamento clínico mais preciso, e
A NP é considerada por alguns autores fator de risco
uma decisão mais acertada sobre a retirada ou não de
independente para ICSRC 90. A infecção pode estar rela-
um dispositivo venoso92.
cionada ao dispositivo de infusão ou à própria solução
de NP. Há situações a serem consideradas:
Em pediatria, caso ocorram sinais como febre (acima de
38,5°C, ou aumento em 1°C), acidose metabólica, trom- 1. CVC ou PICC de curta permanência
bocitopenia ou instabilidade glicêmica, a principal suspeita A simples ocorrência de febre não justifica a retirada
é de que seja infecção do cateter para a administração da automática do cateter. Essa decisão deve se apoiar em
NP ou da própria solução de NP91. A decisão da retirada um julgamento clínico completo, como: sinais flogísticos
do cateter deve depender, principalmente, do julgamento e infecciosos no óstio cutâneo por onde o cateter entra,
clínico. ausência de outros focos infecciosos, tempo de permanência
De forma geral, a solução de NP deve ser desprezada de do cateter. Quando a suspeita sobre o cateter for grande,
imediato, lembrando-se de colher amostra da mesma para quando houver sepse ou complicações da infecção como
cultura e antibiograma. Se for NP manipulada, a empresa endocardite, trombose séptica ou infecção metastática, o
de manipulação deve ser avisada para conferir as amostras dispositivo deve ser retirado7.
da solução (contraprova). A legislação3 recomenda que Quando se julgar apropriada a retirada do cateter,
amostras sejam colhidas de 100% das soluções preparadas a ponta do mesmo deve ser enviada para exame de
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Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

identificação do microrganismo causador do processo, consequências indesejáveis. Cada caso deve ser pesado,
cultura e antibiograma ou fungigrama. Quando a febre é dentro do seu contexto.
por infecção do cateter venoso, sem outros comemorativos
como sepse, bacteremia, ou complicações infecciosas, a O que fazer quando o paciente apresenta reação
simples retirada resolve o problema, na maioria das vezes. alérgica durante a infusão de NP?
Quando há bacteremia, quadro séptico, implicando na
presença de microrganismos na corrente sanguínea, é acon- Suspender imediatamente a infusão da NP e des-
selhável o tratamento com antibióticos ou antifúngicos por, prezar a solução. Reintroduzir a NP sem lípides,
no mínimo, sete dias. Inicialmente, o antibiótico escolhido vitaminas ou oligoelementos quando todas as
deve ser empírico, baseado nos dados epidemiológicos manifestações alérgicas desaparecerem.
da instituição, para ser imediatamente trocado por medi-
cação específica, orientada pela sensibilidade do agente A hipersensibilidade à NP pode se manifestar como
etiológico. reação cutânea, com “rash” cutâneo ou prurido, eritema ou
Em caso de infecção fúngica na presença de CVC, é por manifestações outras, como broncoespasmo ou insufici-
muito difícil se estabelecer se a infecção está relacionada ência respiratória aguda.
ao CVC ou PICC ou a outra fonte (abdominal é a mais Os componentes com maior risco para reação alérgica
frequente). Contudo, a relação de infecção fúngica com em NP são95:
CVC em indivíduos neutropênicos e não neutropênicos é
• Vitaminas e oligoelementos: pelo princípio ativo e, espe-
muito grande93. Por essa razão, se recomenda a retirada cialmente, pelo excipiente;
do cateter e o envio da ponta distal do mesmo para iden-
• Lípides: hipersensibilidade ao fosfolípide do ovo, soja,
tificação de agente infeccioso por meio de cultura e teste
amendoim ou óleo de peixe;
de fungigrama94.
• Látex (presentes em luvas, conectores ou equipos);
• Sulfito: componente presente na formulação dos
2. CVC ou PICC supervalorizado
aminoácidos;
Em situação de cateteres supervalorizados, ou seja,
• Heparina;
quando a possibilidade de o paciente receber um novo
cateter for mínima ou nula, pode-se tratar a suposta infecção • Insulina.
bacteriana do cateter original por meio de lock de antibi- Tratamento sintomático da reação alérgica deve
óticos e antibióticos sistêmicos, no caso de infecção não contemplar, além de antialérgicos, corticosteroides, anti-
complicada7. piréticos ou epinefrina, de acordo com o quadro clínico
do enfermo.
3. Cateteres venosos semi-implantáveis ou total- A solução de NP pode ser reintroduzida assim que todos
mente implantáveis. os sintomas e sinais de hipersensibilidade tenham desapa-
recido, porém, sem conter vitaminas, oligoelementos ou
A retirada de um dispositivo de longa permanência
lípides, inicialmente.
deve ser sempre decidida num contexto clínico adequado.
Está indicada quando houver alta suspeita da infecção Paulatinamente, podemos reintroduzir primeiramente os
ser causada pelo cateter, quando houver claros sinais de lípides, depois vitaminas e, finalmente, os oligoelementos,
infecção do dispositivo, como infecção do túnel subcu- conferindo sinais e sintomas de nova hipersensibilidade a
tâneo, sinais flogísticos e infecciosos no óstio cutâneo cada reintrodução de componentes.
de entrada do cateter, choque séptico, ou complicações Em situação de hipersensibilidade a componentes
infecciosas como endocardite, trombose séptica, infecção fundamentais, como lípides, pode-se avaliar a possibili-
metastática 7. dade de troca da emulsão lipídica. Por exemplo, escolher
Dependendo do contexto clínico, dada a maior comple- uma emulsão lipídica sem óleo de peixe ou sem óleo
xidade para se retirar um cateter de longa permanência de oliva, caso esses componentes estejam presentes
totalmente implantável, pode-se proceder ao tratamento na emulsão que supostamente causou a reação alér-
antibiótico ou antifúngico sistêmico e através de lock de gica. Tentar um processo de dessensibilização é outra
alternativa.
antibióticos ou antifúngicos e só retirá-lo caso os sinais
de infecção persistam7. Geralmente, em casos de infecção
fúngica, a manutenção do dispositivo exige tratamento Devemos interromper ou manter a infusão de NP
muito mais prolongado, o que também pode trazer durante procedimentos cirúrgicos?
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Gonçalves RC et al.

Em operações de grande porte, devemos inter- A prática mostra que, quando se usa NP cíclica, a
romper a infusão de NP e reintroduzir no período incidência de hipoglicemia é muito rara98. No entanto, se
pós-operatório, quando as condições clínicas do possível, seria prudente suspender a infusão da NP entre
paciente permitam. Em pacientes submetidos a quatro e seis horas antes do procedimento. A infusão
vários procedimentos cirúrgicos de repetição, endovenosa de SG 10%- 500 mL entre quatro e seis horas
entre duas a três vezes por semana, a NP deve anteriormente à cirurgia é medida de segurança, mas muitas
ser mantida durante o procedimento cirúrgico, vezes supérflua. A suspensão imediatamente antes de o
tomando-se as precauções necessárias. paciente ser anestesiado, no entanto, incorre no risco de o
paciente desenvolver hipoglicemia nas primeiras duas horas
Em relação à manutenção da infusão de NP durante após a suspensão da NP, durante a anestesia.
procedimentos cirúrgicos, as evidências científicas são 2. Operações de pequeno porte e de repetição:
muito escassas e a conduta poderá variar de acordo com a
São considerados nesse item situações em que os
operação proposta e o protocolo do serviço:
procedimentos cirúrgicos não são de grande porte, mas
1- Operação de grande porte:
se repetem sistematicamente de forma programada e
Os seguintes fatos devem ser contemplados: em frequência igual ou superior a duas ou três vezes por
• As condições hemodinâmicas podem variar durante a semana. São exemplos, curativos de grandes queimados,
operação de grande porte, havendo momentos de hipo- debridamentos de partes moles infectadas, troca de cura-
perfusão de órgãos e sistemas; tivos a vácuo em peritoneostomias. Nessas situações, a
• As condições metabólicas se assemelham à fase Ebb da interrupção sistemática da infusão da NP, várias vezes na
resposta orgânica ao trauma; semana, trará consequências indesejadas para o estado
• Não se pode garantir que o cateter pelo qual a NP nutricional do paciente e sua recuperação. O ideal é
está sendo infundida tenha o cuidado adequado manter-se a infusão da NP durante o procedimento cirúr-
durante o procedimento cirúrgico, ou mesmo se gico, alinhando com a equipe de anestesia e do centro
aquela via não será usada em uma situação de cirúrgico todos os cuidados que devem ser tomados em
emergência. relação à manipulação do cateter e via pela qual a NP
Portanto, as preocupações com o uso inadequado intrao- é infundida.
peratório do cateter por onde a NP é administrada é, talvez,
o maior fator para se evitar a manutenção da infusão da NP TREINAMENTO DE COMPETÊNCIAS
durante operações de grande porte.
Embora não haja contraindicação formal para se usar
Para dispensação e administração de NP mais segura, a
NP no intraoperatório de operações de grande porte, desde
BRASPEN sugere que as instituições tenham protocoladas as
que todos os preceitos de boas práticas sejam seguidos,
seguintes competências relativas ao processo:
sugerimos que a NP deve ser suspensa temporariamente em
paciente que será submetido a operação de grande porte. O
cuidado é para que a suspensão não se faça imediatamente 1 - Indicações e contraindicações de NP;
antes de o paciente ir para o centro cirúrgico. Algumas 2 - Identificação segura de NP;
evidências apontam para o baixo risco de desenvolvimento 3 - Seleção, inserção e cuidados relativos aos acessos
de hipoglicemia sintomática quando da suspensão abrupta venosos para NP;
de NP, uma vez que as respostas à insulina, ao glucagon,
4 - Monitorização de NP;
à epinefrina, à norepinefrina, ao cortisol e ao hormônio
do crescimento devam ser contempladas96. Yanagisawa et 5 - Dispensação e administração de NP;
al.96 descrevem que, em adultos, a descontinuação abrupta 6 - Manual de interação medicamento-nutriente;
da NP não acarreta hipoglicemia sintomática. Em geral, 7 - Complicações relativas à NP;
há estabilização da glicemia duas horas após o término
8 - Programa de educação continuada das competências;
da infusão, mesmo nos casos em que a descontinuação
é gradual, sendo muito baixa a probabilidade de indução 9 - Monitorização de erros, eventos adversos e indicadores
de hipoglicemia, principalmente com infusões de glicose de qualidade;
inferiores a 5 mg/kg/min97. 10 - Limpeza, seleção e manejo de bombas de infusão.
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Manual BRASPEN de Competências Relacionadas à Dispensação e à Administração de Nutrição Parenteral

CHECK LIST – DISPENSAÇÃO E ADMINISTRAÇÃO DA NUTRIÇÃO PARENTERAL

FARMÁCIA Check
1 - CONFERÊNCIA DE PRESCRIÇÃO MÉDICA
2 - AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADES DE FORMULAÇÃO
3 - AVALIAÇÃO DE AUSÊNCIA DE ALERGIA A OVOS, AMENDOIM, SOJA OU ÓLEO DE PEIXE
4 - ARMAZENAMENTO DA BOLSA DE NP:
TEMPERATURA ADEQUADA (SE BOLSA MANIPULADA DEVE SER MANTIDA EM REFRIGERAÇÃO ENTRE 2-8ºC)
BOLSA DE NP DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE
5- AUSÊNCIA DE PRECIPITADOS/HETEROGENEIDADE, MUDANÇA DE COLORAÇÃO DA BOLSA DE NP
6- IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
ENFERMAGEM Check
1 - RECEBIMENTO DA BOLSA DE NP:
IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
BOLSA DE NP DENTRO DO PRAZO DE VALIDADE
AUSÊNCIA DE PRECIPITADOS/HETEROGENEIDADE, MUDANÇA DE COLORAÇÃO DA BOLSA DE NP
2 - ADMINISTRAÇÃO DA BOLSA DE NP:
IDENTIFICAÇÃO DO PACIENTE
DUPLA CONFERÊNCIA DA PRESCRIÇÃO MÉDICA/NP
CONFIRMAÇÃO DE VIA DE ADMINISTRAÇÃO (PERIFÉRICA X CENTRAL)
IDENTIFICAÇÃO DO ACESSO VENOSO (VIA EXCLUSIVA DE INFUSÃO)
CONFERÊNCIA DE TEMPERATURA DA BOLSA (AMBIENTE)
IDENTIFICAÇÃO DA DATA DE VALIDADE, DATA E HORÁRIO DO INÍCIO DA INFUSÃO DA BOLSA
SE BOLSA DE NP PRONTA PARA USO, HOMOGENEIZADO COMPARTIMENTOS
CONFERÊNCIA SE A VIA DO CATETER VENOSO ESTÁ PÉRVIA, CURATIVO E ORIFÍCIO DE INSERÇÃO
TÉCNICA ASSÉPTICA PARA INSTALAÇÃO DA NP
PROGRAMADO VAZÃO DA BOMBA DE INFUSÃO
HÁ NECESSIDADE DE FOTOPROTEÇÃO? SE SIM, MARCAR
3- CONTROLES E CUIDADOS DE ENFERMAGEM (GLICEMIA CAPILAR, BALANÇO HÍDRICO, ANOTAÇÃO DO VOLUME
INFUNDIDO CONFORME PROTOCOLOS INSTITUCIONAIS)
4- OBSERVAÇÃO DE REAÇÕES ALÉRGICAS OU FEBRIS DURANTE USO DA NP (SE SIM MARCAR)
5- ORIENTAÇÃO AO PACIENTE E ACOMPANHANTES SOBRE NÃO INTERRUPÇÃO/ DESCONEXÃO DA NP E SOBRE OS
ALARMES DA BOMBA DE INFUSÃO
6- OUTRAS INTERCORRÊNCIAS DURANTE O USO DA NP (SE SIM MARCAR E DESCREVER)

CONCLUSÃO convergência com outras especialidades, como, por exemplo,


NP é terapia complexa, devendo ser dispensada e a Infectologia, a Enfermagem e a Farmácia.
administrada por profissionais habilitados. Desenvolvi- Desde a publicação da Portaria MS 272/1998,
mento de protocolos institucionais, educação continuada, marcos regulatórios publicados por outras agências ou
utilização de checklists e avaliações a beiro leito são sociedades buscaram responder às questões técnicas e
fundamentais para garantir efetividade e segurança do algumas operacionais que se apresentaram a partir da
processo. prática diária, como as diretrizes e recomendações da
Nos últimos anos, a prática da terapia nutricional American Society of Hospital Pharmacists, da ASPEN em
tornou-se complexa e relevante no contexto organizacional, várias ocasiões, desde o final dos anos 90, e da ESPEN.
sobretudo no que diz respeito a novos equipamentos, uso Entretanto, nenhuma destas recomendações têm força de
de insumos complementares para infusão de NP e áreas de lei. O Manual BRASPEN de Competências Relacionadas
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Gonçalves RC et al.

à Dispensação e Administração de Nutrição Parenteral 15. Simmons S, Bryson C, Porter S. "Scrub the hub": cleaning dura-
constitui documento importante para orientação da prática tion and reduction in bacterial load on central venous catheters.
Crit Care Nurs Q. 2011;34(1):31-5.
diária à comunidade de profissionais até que haja legis- 16. Kovacevich DS, Corrigan M, Ross VM, McKeever L, Hall AM,
lação da ANVISA para solucionar as dúvidas decorrentes Braunschweig C. American Society for Parenteral and Enteral
de novos insumos e dispositivos. Nutrition Guidelines for the selection and care of central venous
access devices for adult home parenteral nutrition administra-
Assim, enquanto não há marco legal definitivo e abran- tion. J Parenter Enter Nutr. 2019;43(1):15-31.
gente, cumpre-nos oferecer sugestões para questões básicas, 17. Hill S, Ksiazyk J, Prell C, Tabbers M, ESPGHAN/ESPEN/
reconhecendo, contudo, a legitimidade da ANVISA sobre a ESPR/CSPEN working group on pediatric parenteral nutri-
responsabilidade legal dos temas aqui discutidos. tion. ESPGHAN/ESPEN/ESPR/CSPEN guidelines on pedia-
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Local de realização do estudo: BRASPEN, São Paulo, SP, Brasil.

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 217-232


232
A Adequação calórico proteica da terapia nutricional enteral em pacientes adultos internados em uma unidade de terapia intensiva
Artigo Original

Adequação calórico proteica da terapia


nutricional enteral em pacientes adultos
internados em uma unidade de terapia intensiva
Protein caloric adequacy of enteral nutritional therapy in adult patients hospitalized in an
intensive care unit

RESUMO
Camilla Christina Gomes de Oliveira1
Nara Lúcia Andrade Lopes Segadilha2 Introdução: A desnutrição é frequente no mundo inteiro. Diversos estudos têm evidenciado
elevada prevalência de desnutrição em pacientes adultos hospitalizados. O aporte nutricional
adequado é considerado uma estratégia terapêutica importante, pois diminui complicações e o
tempo de permanência na unidade de terapia intensiva (UTI), minimizando custos hospitalares.
O presente estudo teve como objetivo analisar a adequação calórica e proteica da terapia nutri-
cional enteral (TNE), em pacientes internados em uma UTI de um hospital no Rio de Janeiro.
Método: Estudo observacional, retrospectivo, de abordagem quantitativa, realizado entre julho e
dezembro de 2017, com pacientes acima de 18 anos em uso de TNE exclusiva, internados em uma
UTI. Resultados: Foram analisados 57 pacientes internados na UTI de um hospital particular no
Estado do Rio de Janeiro, sendo 61,4% do sexo feminino e 38,6% do sexo masculino, com média
de idade de 65 ± 19,6 anos. A principal indicação de nutrição enteral foi a impossibilidade da
alimentação por via oral (61,4%). No período analisado, foi observado que a média de calorias
prescritas e infundidas foi de 1717,8 ± 359 kcal/dia e 1511,2 ± 575,8 kcal/dia, respectivamente,
com um déficit de 206,6 ± 465,5 kcal/dia. A média de proteínas prescrita e infundida foi de
78,3 ± 17,6 g/dia e 67,9 ± 25,4 g/dia, respectivamente, com um déficit de 10,4 ±18,4 g/dia. A
adequação calórica para o grupo do estudo foi de 88 ± 38,7% e a adequação proteica de 86,8
± 24,8%. Conclusão: De acordo com os dados analisados, observou-se que a TNE estabelecida
na referida UTI, para a população estudada, em média atendeu o percentual preconizado para a
oferta calórica e proteica. No entanto, ainda são necessários mais treinamentos e conscientização
da equipe quanto à importância da administração efetiva da TNE.

ABSTRACT
Introduction: Malnutrition is common worldwide. Several studies have shown a high prevalence
Unitermos: of malnutrition in hospitalized adult patients. Adequate nutritional intake is considered an impor-
Nutrição Enteral. Unidade de Terapia Intensiva. Ne-
tant therapeutic strategy, because it reduces complications and length of stay in the intensive
cessidades Nutricionais.
care unit (ICU), reducing hospital costs. The objective of the present study was to analyze the
Keywords: caloric and protein adequacy of enteral nutritional therapy (ENT), in patients admitted to an ICU
Enteral Nutrition. Intensive Care Units. Nutritional at a hospital in Rio de Janeiro. Methods: Observational, retrospective, quantitative based study
Requirements. conducted between July and December 2017, with patients over 18 years of age using exclusive
ENT admitted to an ICU. Results: Were analyzed 57 patients admitted to the ICU of a private
Endereço para correspondência: hospital in the State of Rio de Janeiro, 61.4% female and 38.6% male, with a mean age of 65 ±
Camilla Christina Gomes de Oliveira 19.6 years. The main indication of enteral nutrition was the impossibility of oral feeding (61.4%).
Rua Angra dos Reis, 167 – Penha – Rio de Janeiro, RJ, In the analyzed period, it was observed that the average of prescribed and infused calories was
Brasil – CEP: 21070-240 1717.8 ± 359 kcal/day and 1511.2 ± 575.8 kcal/day, respectively, with a deficit of 206.6 ±
E-mail: camillacg.oliveira@gmail.com
465.5 kcal/day. The mean of protein prescribed was 78.3 ± 17.6 g/day and 67.9 ± 25.4 g/day,
Submissão respectively, with a deficit of 10.4 ± 18.4 g/day. The caloric adequacy for the study group was
8 de maio de 2019 88 ± 38.7% and the protein adequacy was 86.8 ± 24.8%. Conclusion: According to the data
analyzed, it was found that the ENT established in the ICU for the studied population, on average
Aceito para publicação covered the percentage recommended of caloric and protein supply. However, are still needed
1 de outubro de 2019 more training and awareness of the team about the importance of effective administration of ENT.

1. Nutricionista aluna pós-graduanda no curso de Terapia Nutricional do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, Rio de Janeiro, RJ. Hospital de
Clínicas Mario Lioni, Duque de Caxias,RJ, Brasil.
2. Nutricionista Mestre em Nutrição Clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ. Instituto D'Or de Pesquisa e
Ensino, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8


233
Oliveira CCG et al.

INTRODUÇÃO Hospitalares / HPC, em junho de 2018, de acordo com a


A desnutrição é frequente no mundo inteiro. Diversos resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde,
estudos têm evidenciado elevada prevalência de desnutrição número do parecer 2.730.466. Foi solicitada dispensa do
em pacientes adultos hospitalizados. Um estudo multicêntrico Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por se
realizado com pacientes internados em hospitais latino- tratar de um estudo retrospectivo.
americanos constatou uma prevalência de desnutrição de A coleta de dados foi realizada a partir de prontuário
aproximadamente 50,2%1. eletrônico dos pacientes que estiveram sob o acompanha-
No Brasil, uma pesquisa multicêntrica (IBRANUTRI) reali- mento nutricional no período descrito. Foram utilizadas
zada pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral informações de gênero, idade, diagnóstico de internação,
(SBNPE), no ano de 1996, envolvendo 4000 mil pacientes diagnóstico nutricional, dados antropométricos, como peso e
internados em hospitais da rede pública, evidenciou que 48,1% altura, índice de massa corporal (IMC), valor energético total
destes indivíduos apresentaram algum grau de desnutrição. (VET) diário prescrito e infundido, VET recomendado, prote-
Nos pacientes em terapia intensiva, a desnutrição atingiu 60%2. ínas (em g) diárias prescritas e infundidas, fórmula enteral
prescrita, data de início da TNE, data do alcance do VET
Pacientes desnutridos são mais suscetíveis às infecções,
pleno, Nutritional Risk Screening (NRS) 2002 e desfecho. O
apresentam dificuldade de cicatrização, diminuição da imuni-
diagnóstico nutricional foi determinado pelo IMC, utilizando
dade, hipoproteinemia, aumentando o tempo de internação
a referência da Organização Mundial de Saúde (OMS)
hospitalar e custos relacionados à saúde3.
através da fórmula IMC: peso (kg)/ altura (m)², e classificado
Nesse contexto, pacientes críticos apresentam um intenso de acordo com a OMS7, para adultos até 65 anos, que
estresse metabólico, com acelerado catabolismo proteico determina a faixa de eutrofia, de ambos os sexos, de 18,5
e, como consequência, evoluem com depleção muscular, a 24,9 kg/m². Para os idosos acima de 65 anos, utilizou-se
prejuízo do estado nutricional, com desnutrição, dentre outras
para classificação o Organização Pan-Americana de Saúde
alterações4. A terapia nutricional enteral (TNE) mostra-se
(OPAS)8, que determina a faixa de eutrofia, de ambos os
fundamental para o desfecho clínico destes pacientes, visto
sexos, de 23 a 28 kg/m², seguindo o protocolo do hospital.
que é um conjunto de procedimentos terapêuticos adotados
para manutenção ou recuperação do estado nutricional por Na ausência de informações de peso e altura informado
meio de nutrição enteral (NE) para aqueles com impossi- pelo paciente ou acompanhante, a estatura foi estimada por
bilidade parcial ou total de manter a via oral como via de aferição da altura do joelho pela fórmula de Chumlea et al.9,
alimentação4. sendo para idosos: Homem= (2,02 x altura do joelho*) - (0,04
x idade**) + 64,19; Mulher = (1,83 x altura do joelho*) -
O aporte nutricional adequado pela NE é considerado
(0,24 x idade**) + 84,88, e para adultos: Homens (1,83 x
uma estratégia terapêutica importante, pois diminui compli-
altura do joelho*) + 72,803, e Mulheres: (2,184 x altura do
cações e o tempo de permanência na unidade de terapia
joelho* + 51,878 (*altura do joelho em centímetros e idades
intensiva (UTI), minimizando custos hospitalares5. Porém,
em anos). O peso corporal estimado por IMC médio pela
diversas variáveis podem influenciar negativamente na oferta
OMS7, conforme a fórmula: PI = IMC ideal x altura estimada
energético-proteica durante o processo de TNE, tais como
em metros ao quadrado. Adotou-se IMC ideal de 22 kg/m2
instabilidade hemodinâmica, jejum prolongado, perda da
para adultos até 60 anos e de 24,5 kg/m² para idosos.
via de acesso enteral, intolerância à fórmula nutricional,
sintomas gastrintestinais (vômitos, diarreia, elevado volume Foi utilizada com ferramenta de triagem nutricional a NRS
de resíduo gástrico, etc)6. 2002, que considera pacientes com risco nutricional os que
obtiveram pontuação ≥ 3 e sem risco nutricional, os que
O presente estudo teve como objetivo analisar a
obtiveram pontuação < 310.
adequação calórica e proteica da TNE dos pacientes inter-
nados em uma UTI de um hospital no Rio de Janeiro. Na pesquisa, foram incluídos pacientes acima de 18
anos, em uso de TNE por um período superior a 72 horas,
e excluídos pacientes que receberam dieta via oral (VO) ou
MÉTODO nutrição parenteral (NPT) exclusivas ou associadas à TNE.
Estudo observacional, retrospectivo e de abordagem Para calcular o aporte energético total e proteico de
quantitativa foi realizado entre julho e dezembro de 2017, cada paciente foi utilizado o valor de 20 a 30 kcal/kg/dia
incluindo pacientes adultos e idosos, de ambos os sexos, em e proteínas de 1,2 a 2,0 g/kg/dia recomendado pela Euro-
uso TNE, internados em uma UTI de um Hospital no Estado pean Society for Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN)11.
do Rio de Janeiro. Para pacientes obesos críticos, utilizou-se como referência
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa a diretriz da American Society for Parenteral and Enteral
do Hospital Pró-Cardíaco - Escho Empresa de Serviços Nutrition (ASPEN), cujas recomendações são: IMC maior que
BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8
234
Adequação calórico proteica da terapia nutricional enteral em pacientes adultos internados em uma unidade de terapia intensiva

30 kg/m2, oferecer de 11 a 14 kcal por kg de peso atual ou


Tabela 1 – Características demográficas e clínicas dos pacientes em terapia
22 a 25 kcal por kg de peso ideal. Oferta proteica, para IMC nutricional enteral (n=57).
inferior a 30 kg/m2, a recomendação é de 1,2 a 2 g por kg de Variáveis Categoria N %
peso atual; IMC entre 30 e 40 kg/m2, oferecer valores iguais
Sexo
ou superiores a 2 g/kg peso ideal; e IMC superior a 40 kg/
Feminino 35 61,4
m2, a recomendação de valores iguais ou superiores a 2,5
g/kg peso ideal12. A adequação energética foi avaliada por Masculino 22 38,6
meio do percentual do valor calórico recomendado e valor Faixa etária
calórico ingerido em 24 horas: adequação das calorias (kcal) Adulto 28 49,2
recomendadas (%) = kcal infundidas/kcal recomendadas x Idoso 29 50,8
100. Para a avaliação da adequação proteica foi utilizada Motivo de internação
a quantidade de proteínas (em g) recomendada e recebida Respiratório 20 35,0
nas últimas 24 horas: adequação das proteínas (PTNs) (g) Neurológico 14 24,6
infundidas (%) = PTNs infundidas/PTNs recomendadas x 100. Complicações da doença 9 15,8
Conforme protocolo institucional, a administração da de base
dieta enteral foi realizada de forma contínua (em 24 horas), Cardiovasculares 7 12,3
com o gotejamento controlado por bomba de infusão e, Gastrointestinais 5 8,8
sendo realizado o recálculo do volume da dieta enteral Neoplasias 2 3,5
quando a mesma é interrompida para exames ou proce- Indicação da TNE
dimentos por um período superior a 2 horas. A meta para Impossibilidade VO 35 61,4
adequação calórico e proteica dos pacientes em uso de TNE
Motivos neurológicos 10 17,5
é de > 80% do valor estimado ou calculado.
Disfagia 9 15,9
Inapetência 3 5,2
RESULTADOS Tipo de dieta
Foram avaliados os prontuários eletrônicos de 57 Polimérica 39 69
pacientes, sendo 61,4% do sexo feminino e 38,6% do sexo Oligomérica 18 31
masculino, com média de idade de 65 ± 19,6 anos. Desses Desfecho clínico
pacientes, 51% eram idosos acima de 65 anos. Via oral 19 33
A maior parte dos pacientes foi internada por doenças Óbito 18 32
respiratórias (35%), seguidas de internações por doenças Alta da UTI 17 30
neurológicas (24,6%), complicações da doença de base Transferência hospitalar 3 5
(15,8%), doenças cardiovasculares (12,3%), doenças TNE=Terapia nutricional enteral; VO=Via oral
gastrointestinais (8,8%) e neoplasias (3,5%) (Tabela 1).
Os principais motivos que levaram à indicação de NE
foram impossibilidade da utilização da via oral (61,4%), 42,9% apresentaram diagnóstico de eutrofia, seguido por
seguido por motivos neurológicos (17,5%), disfagia (15,9%) 46,4% de sobrepeso e 10,7% de obesidade. No grupo
e inapetência (5,2%). Todos os pacientes receberam dieta de idosos, 37,9% apresentavam desnutrição, 41,4% eram
enteral de forma contínua por bomba infusora, sem repouso eutróficos, 6,9% com sobrepeso e 13,9% apresentavam
gástrico. Sendo que, 69% dos pacientes receberam formu- obesidade (Tabela 2).
lação polimérica e 31% receberam formulação oligomérica Todos os pacientes foram triados pela NRS 2002 nas
(Tabela 1). Observou-se uma média de 1,0 ±1 dia para o primeiras 24 horas de internação, sendo observado que 82,5%
alcance do VET pleno. apresentavam escore acima de 3, com risco nutricional, e
Em relação ao desfecho clínico, observou-se que 33% 17,5% não apresentavam risco nutricional (Tabela 2).
dos pacientes reabilitaram a via oral, 32% foram a óbito, O valor médio de calorias prescritas e infundidas foi de
30% receberam alta da UTI e 5% representaram transferência 1717,8 ± 359 kcal/dia e 1511,2 ± 575,8 kcal/dia, respec-
hospitalar (Tabela 1). tivamente, com um déficit de 206,6 ± 465,5 kcal/dia. A
Para o diagnóstico nutricional, os pacientes foram divi- média de proteínas prescrita e infundida foi de 78,3 ±17,6
didos em dois grupos, de acordo com protocolo hospitalar, g/dia e 67,9 ± 25,4 g/dia, respectivamente, com um déficit
adultos até 65 anos por IMC segundo OMS7, e idosos acima de 10,4 ± 18,4 g/dia. A adequação calórica foi de 88 ±
de 65 anos por IMC segundo OPAS8. No grupo dos adultos, 38,7% e adequação proteica de 86,8 ± 24,8% (Tabela 3).
BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8
235
Oliveira CCG et al.

DISCUSSÃO
Tabela 2 – Diagnóstico nutricional dos pacientes com terapia nutricional
enteral (n=57). O presente estudo identificou predomínio do gênero
Variáveis Categoria N % feminino na população estudada, corroborando com o
IMC adulto (OMS, 1997) achado de Gambato & Boscaini13, em que a maior parte da
Eutrofia 12 42,9 sua população foram mulheres (53,4%), divergindo, porém,
Sobrepeso 13 46,4
do estudo de Pereira et al.14, os quais evidenciaram preva-
lência do gênero masculino em 61% de sua amostra em sua
Obesidade 3 10,7
pesquisa sobre adequação energética e proteica de pacientes
IMC idoso (OPAS, 2002)
em TNE em uma UTI. Analisando a idade, observou-se que
Desnutrição 11 37,9 maior parte da população era de idosos, assim como Santos
Eutrofia 12 41,4 et al.15. que encontraram em seu estudo prevalência de idosos
Sobrepeso 2 6,9 (73,7%), o que pode ter relação com a maior suscetibilidade
Obesidade 4 13,9 de desenvolver doenças nessa faixa etária. Vale ressaltar
NRS, 2002 que, no presente estudo, só foram considerados idosos os
Com risco nutricional 47 82,5 pacientes acima de 65 anos, podendo haver diferenças nos
percentuais, já que a maioria dos estudos no Brasil considera
Sem risco nutricional 10 17,5
como idosos pacientes acima de 60 anos.
IMC= Índice de massa corporal; NRS= Nutritional Risk Screening; OMS= Organização Mundial
de Saúde; OPAS= Organização Pan-Americana da Saúde. Todos os pacientes foram triados pela NRS 2002, nas
primeiras 24 horas de internação, em acordo com a reco-
mendação das Diretrizes Brasileiras de Terapia Nutricional
Tabela 3 – Aporte de caloria e proteína (prescritos e infundidos) e adequação (DITEN)16, de realização da triagem nutricional em até 48
da terapia nutricional enteral. horas após a admissão hospitalar e considerando-se a
Prescrito Infundido Adequação (%) rápida deterioração do estado nutricional que ocorre em
Média ± DP Média ± DP Média ± DP pacientes críticos. Com isso, no presente estudo, observou-
Caloria (kcal/dia) 1717,8 ± 359 1511,2 ± 575,8 88 ± 38,7 se que 82,5% apresentavam escore acima de 3, com risco
Proteína (g/dia) 78,3 ± 17,6 67,9 ± 25,4 86,8 ± 24,8 nutricional, e 17,5% não apresentavam risco nutricional.
DP=desvio padrão; kcal=quilocaloria; g=gramas. O estudo de Ueno et al.17, sobre perfil de pacientes hospi-
talizados em uso de TNE, demonstrou que os diagnósticos de
internação, com maior frequência, estavam relacionados à
Os motivos para suspensão da TNE foram: sintomas doença neurológica (20,14%), doença respiratória (14,54%)
gastrointestinais (êmese, melena, hematêmese, distensão e doença cardiovascular (12,99%), resultados divergentes
abdominal, etc) 12,3%, instabilidade hemodinâmica 11%, do encontrado nesse estudo, em que a maior parte dos
pausas para exames e procedimentos cirúrgicos 24,7%, pacientes foi internada por doenças respiratórias (35%),
causas desconhecidas 42%, perda de cateter enteral (CNE) seguidas de internações por doenças neurológicas (24,6%).
2,5%, óbito 2,5%, desmame da TNE para VO 2,5%, ausência Resultado semelhante foi observado no estudo de Simões et
de dados (falta de balanço hídrico) 2,5% (Figura 1). al.18, realizado em um hospital particular de São Paulo, que

Figura 1 - Distribuição percentual dos motivos associados à oferta inadequada da terapia nutricional enteral (n=57).

BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8


236
Adequação calórico proteica da terapia nutricional enteral em pacientes adultos internados em uma unidade de terapia intensiva

revelou as doenças respiratórias como principal morbidade causas desconhecidas foram comuns em 29% dos casos.
apresentada pela população analisada. Foram observados, também, casos de interrupção da TNE
Stefanello & Poll19, analisando o estado nutricional dos por sintomas gastrointestinais, instabilidade hemodinâmica,
pacientes na primeira avaliação nutricional durante a inter- pausas de TNE para exames e cirurgias, perda de CNE,
nação, considerando a classificação do IMC, identificaram óbito, reabilitação para VO e falta de balanço hídrico. Por
16,7% dos doentes em estado de magreza, 44,44% em outro lado, no estudo de Campanella et al.6, verificou-se
eutrofia e 38,9% com excesso de peso. Os resultados são que, dentre as intercorrências relacionadas à TNE, a mais
comparáveis aos do presente estudo, que também demonstra frequente foi o atraso da dieta (39%), em decorrência de
a maior parte da população adulta e idosa com eutrofia problemas relacionados à administração, tanto por pausa
(43% e 41%, respectivamente), ao contrário do estudo de na infusão da dieta para procedimentos rotineiros, não início
Isidro & Lima20, que verificaram uma alta taxa de desnutrição, ou reinício do mesmo em tempo determinado, atraso para
variando de 40,6% a 71,9%. troca da dieta e para repassagem da sonda após o paciente
Um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Univer- retirá-la, entre outros fatores.
sidade Federal de Pernambuco (HC/UFPE)3 verificou que a No estudo de Campanella et al.6, observou-se em relação
impossibilidade de usar a VO para alimentação foi a principal ao desfecho da internação que a maior parte dos avaliados
indicação de iniciar a TNE (68,8% IC95%= 49,99-83,88), (83%) recebeu alta hospitalar (76% com dieta por via oral
assim como no presente estudo. e 24% por via enteral) e 17% foram a óbito. No presente
Santana et al.21, em um estudo na UTI clínica e cirúrgica estudo, pode-se observar que 33% dos pacientes retomaram
do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, a via oral e 32% foram a óbito. Esta diferença pode ter ocor-
mostraram que a média de caloria ofertada foi 1053,06 ± rido pelo fato desse estudo ter analisado somente pacientes
366,37 kcal/dia e de proteína, 52,34 ± 20,65 g/dia, o que internados na UTI, e o estudo em comparação realizado com
representa, respectivamente, uma adequação de 76,47 ± pacientes internados em todos os setores do hospital, uma
29,57% e 69,11 ± 25,37%. Ribeiro et al.5 estudaram 93 vez que, dificilmente, pacientes em uso de TNE internados
pacientes internados em uma UTI de um hospital univer- em UTI recebem alta hospitalar.
sitário em São Paulo-SP, e identificaram uma adequação Como limitação do estudo, destaca-se a coleta dos
de 82,2%, tanto para calorias quanto para proteínas. Um dados por meio de prontuários eletrônicos preenchidos por
estudo realizado em dois hospitais localizados no sul do País terceiros, peso e altura estimados, visto que a instituição não
verificou que a adequação de caloria prescrita e ingerida foi possui cama balança.
de 40% em ambos os hospitais, existindo déficit do aporte
energético em mais da metade da população estudada17.
CONCLUSÃO
Os resultados do estudo em discussão, comparados com
os descritos anteriormente, foram satisfatórios, com uma De acordo com os dados apresentados e analisados,
adequação calórica foi de 88 ± 38,7% e adequação observou-se que, apesar de ter como base um protocolo de
proteica de 86,8 ± 24,8%. administração da NE para favorecer a infusão adequada
Lins et al.3, em um estudo do tipo série de casos, realizado e, além de se ter uma assistência nutricional diária na UTI,
na UTI do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando houve diferenças entre o planejamento nutricional e sua
Figueira (IMIP, Recife-PE), com 45 pacientes, mostraram que efetiva administração para o paciente.
foi necessário um tempo médio de 2,89 ± 2,03 dias para Diante do exposto, sugere-se a realização de treinamentos
atingir cota calórica e 2,51 ± 2,92 dias para atingir cota mais específicos para toda a equipe, para conscientização da
proteica, já no presente estudo observou-se uma média de importância da oferta do aporte nutricional adequado aos
1,0 ±1 dia, para o alcance do VET pleno, porém não foi pacientes da UTI, bem como da descrição correta dessas
analisado o tempo para atingir meta calórica e proteica sepa- informações em prontuário eletrônico, contribuindo, assim,
radamente. Em uma meta-análise, Doig et al.22 verificaram para prestar uma assistência de alta qualidade a esses
que o início da terapia nutricional em 24 horas impactou pacientes. E, dessa forma, auxiliar no melhor prognóstico,
positivamente na redução da mortalidade. interferindo de forma positiva na redução das complicações
Em 42% dos casos em que houve interrupção da TNE, e do tempo de permanência desses pacientes na UTI.
as causas eram desconhecidas, o que demonstra a falta
de conscientização da equipe quanto à importância do REFERÊNCIAS
aporte nutricional adequado aos pacientes de UTI, sendo
1. Atkinson M, Worthley LI. Nutrition in the critically ill patient:
indispensável relatar em prontuário essas variáveis. No part I. Essential physiology and pathophysiology. Crit Care
estudo de Uozumi et al.23, também foi verificado que as Resusc. 2003;5(2):109-20.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8


237
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Local de realização do estudo: Hospital de Clínicas Mário Lioni, Duque de Caxias, RJ, Brasil.

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 233-8


238
A Artigo Original
Avaliação da qualidade da terapia nutricional enteral ofertada ao paciente oncológico hospitalizado

Avaliação da qualidade da terapia nutricional


enteral ofertada ao paciente oncológico
hospitalizado
Assessment of the quality of enteral nutritional therapy offered to hospitalized oncological
patients

RESUMO
Thyra Pimentel Alves1
Jacqueline Moura Barbosa1 Introdução: Os indicadores de qualidade em terapia nutricional (IQTN) são úteis para o cumpri-
Larissa Nobre Veras1 mento das metas estabelecidas e para evitar complicações decorrentes do tratamento clínico,
Nayara de Souza Gomes Cabral2 melhorando a terapia nutricional (TN). O objetivo do trabalho foi avaliar a qualidade da terapia
nutricional enteral (TNE) ofertada a pacientes oncológicos hospitalizados. Método: Trata-se de
um estudo transversal, com pacientes oncológicos em uso de TNE, internados em um hospital
universitário da Região Nordeste, de junho de 2016 a junho de 2017. Realizou-se o acompanha-
mento diário dos prontuários, fichas de avaliação nutricional e prescrições médicas e dietéticas.
Analisaram-se as informações clínicas e nutricionais que permitissem o cálculo dos IQTN. As
frequências foram comparadas com o proposto pelo International Life Sciences Institute (ILSI).
As variáveis categóricas foram apresentadas em frequência simples e percentual, as variáveis
contínuas foram testadas quanto à normalidade pelo teste de Shapiro-Wilk. Resultados: Com
relação à qualidade da administração, todos os indicadores estiveram adequados: frequência
de saída inadvertida de sonda enteral na enfermaria (1,5%) e na unidade de terapia intensiva
(3,4%) e frequência de obstrução de sonda enteral (2,2%). Já no controle clínico e nutricional, os
indicadores encontraram-se todos inadequados: frequência de episódios de diarreia (48,4%), de
resíduo gástrico elevado (25,8%), de episódios de constipação (29%) e de distensão abdominal
(22,6%). Como limitação, pode-se citar a coleta diária das informações por parte dos pesquisa-
dores. Conclusão: Os indicadores de qualidade de administração da terapia nutricional enteral
encontravam-se adequados, enquanto os relacionados ao controle clínico e nutricional estavam
inadequados.

Unitermos: ABSTRACT
Neoplasias. Terapia Nutricional. Nutrição Enteral. Introduction: The quality indicators in nutritional therapy (QINT) are useful for accomplishing the
Indicadores de Qualidade em Assistência à Saúde. established goals and avoiding complications resulting from clinical treatment, therefore improving
Qualidade de Vida.
nutritional therapy (NT). The aim of this study was to evaluate the quality of enteral nutritional
Keywords: therapy (ENT) offered to hospitalized oncological patients. Methods: This is a cross-sectional study
Neoplasms. Nutrition Therapy. Enteral Nutrition. with oncological patients using enteral nutritional therapy, admitted to a university hospital in the
Quality Indicators, Health Care. Quality of Life. Northeast Region, from June 2016 to June 2017. A daily follow-up of medical records, nutritional
assessment sheets, medical and dietary prescriptions was performed. The clinical and nutritional
Endereço para correspondência: information that allowed the calculation of the QINT were analyzed. The frequencies were compared
Nayara de Souza Gomes Cabral with those proposed by the International Life Sciences Institute (ILSI). The categorical variables
Universidade Estadual do Ceara - Campus do Itaperi were presented as simple frequency and percentage and the continuous variables were tested
Av. Dr. Silas Munguba, 1700 Fortaleza, CE, Brasil. for normality using the Shapiro-Wilk test. Results: Regarding the quality of the administration,
CEP 60740-000 all indicators were adequate: frequency of accidental enteral feeding tube in the infirmary (1.5%)
E-mail: nayara.gomes@uece.br
and in the intensive care unit (3.4%); and frequency of enteral feeding tube obstruction (2.2%). As
Submissão for clinical and nutritional control, all indicators were inadequate: frequency of diarrhea (48.4%),
17 de junho de 2019 high gastric residue (25.8%), constipation (29%) and abdominal distension (22.6%) episodes. As
a limitation, we can point out the daily collection of information by the researchers. Conclusion:
Aceito para publicação The enteral nutrition administration quality indicators were adequate, while those related to clinical
8 de outubro de 2019 and nutritional control were inadequate.

1. Nutricionista, Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Liga Acadêmica de Terapia Nutricional Enteral e Parenteral (LATNEP), Fortaleza, CE,
Brasil.
2. Nutricionista, Especialista em Nutrição Clínica pelo Programa de Residência em Nutrição do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de
Pernambuco (PRN/HC-UFPE), Docente do Curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44


239
Alves TP et al.

INTRODUÇÃO antropométrica foi composta pela aferição de peso e estatura,


realizados pelos nutricionistas da instituição, para cálculo do
Os indicadores de qualidade em terapia nutricional
índice de massa corporal (IMC). Para a classificação do IMC,
(IQTN) são ferramentas utilizadas para auxiliar os profis-
utilizou-se o proposto pelo Sistema de Vigilância Alimentar
sionais de saúde no melhor manejo clínico e nutricional do
e Nutricional (SISVAN)5.
paciente, evitando complicações, melhorando a adequação
da terapia nutricional (TN) e garantindo uso racional dos A necessidade energético-proteica foi estimada para
recursos hospitalares1,2. adultos da clínica médica e cirurgia de acordo com as reco-
mendações do Consenso Nacional de Nutrição Oncológica,
Comumente os pacientes oncológicos encontram-se em
utilizando-se o peso atual6. Para idosos e pacientes da UTI,
risco nutricional, devido a fatores como: falta de apetite,
optou-se pelo Consenso Nacional de Nutrição Oncológica7,
náusea, dificuldades de deglutição, constipação, diarreia,
volume 2, aplicando o peso atual, com exceção de pacientes
vômito, entre outros. Esses sintomas aumentam o risco de
da UTI com obesidade, onde considerou-se o peso ideal ou
complicações durante o tratamento do câncer, trazendo
estimado.
resultados negativos, como maior toxicidade à quimioterapia
e piora clínica3. Diante disso, a European Society for Clinical A adequação proteico-calórica da quantidade prescrita
foi calculada por meio da comparação entre os valores
Nutrition and Metabolism (ESPEN) recomenda o uso da TN
obtidos pela relação percentual entre o que foi prescrito e o
em casos de incapacidade de se alimentar por mais de uma
que foi planejado, e a adequação da oferta administrada foi
semana ou quando, por mais de uma ou duas semanas, o
obtida em relação ao prescrito. Foi utilizado como referen-
paciente consome menos de 60% das necessidades nutri-
cial a ser atingido o valor de 90%, onde uma diferença de
cionais. Inicialmente, é indicado incluir intervenções nutri-
mais de 10% pode ser considerada clinicamente negativa,
cionais, como aconselhamento e uso de suplementos orais.
promovendo perda de peso não desejada, por exemplo8. Os
Se a inadequação persistir, orienta-se dar início à terapia
indicadores foram aplicados de acordo com o proposto pela
nutricional enteral (TNE)4.
publicação da Força Tarefa em Nutrição Clínica do Comitê
Garantir a qualidade necessária para a eficácia da TNE no de Nutrição do International Life Sciences Institute – ILSI9. No
indivíduo oncológico se relaciona com a diminuição das taxas Quadro 1, encontram-se os indicadores utilizados.
de mortalidade, menor toxicidade da quimioterapia, auxilia no
manejo de sintomas relacionados à doença e ao tratamento.
Além dos vários benefícios aos pacientes, o uso eficaz da TN
Quadro 1 – Indicadores de qualidade em terapia nutricional avaliados e
diminui o tempo de internação e reduz gastos hospitalares. suas respectivas metas.
Portanto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a qualidade da
Indicadores e metas da qualidade na administração em terapia
TNE ofertada a pacientes oncológicos hospitalizados. nutricional:
Frequência de saída inadvertida de <5% na UTI
MÉTODO SE em pacientes em TNE < 10% em unidades
de internação
Trata-se de um estudo transversal, com delineamento Frequência de obstrução de SE em
descritivo, realizado em hospital universitário da Região pacientes em TNE <5%
Nordeste, de junho de 2016 a junho de 2017. A amostra foi Indicadores e metas da qualidade no controle clínico e nutricional
do tipo não-probabilística, composta por todos os pacientes em terapia nutricional:
oncológicos internados nas enfermarias de Clínica Médica, Frequência de dias de administração com
AC entre 25-40 kcal/kg/dia no total de dias >70%
Cirurgia e Unidade de Terapia Intensiva (UTI) que estavam em pacientes em TN
em uso de TNE. Foram incluídos os pacientes de ambos os Frequência de dias de administração com
sexos, com idade maior ou igual a 18 anos e que estavam aporte proteico excessivo no total de dias < 10%
em uso exclusivo da TNE por, pelo menos, 72 horas. Foram em pacientes em TN
excluídos os pacientes em cuidados paliativos. O paciente Frequência de episódios de diarreia em
era descontinuado da pesquisa quando havia alta hospitalar, pacientes em TNE < 10%
óbito, alta da TNE ou uso da TNE concomitante com a terapia Frequência de pacientes com resíduo
gástrico elevado em TNE < 7%
nutricional parenteral (TNP) ou via oral.
Frequência de episódios de constipação em
A coleta de dados foi realizada por meio do acompanha- pacientes em TNE < 10%
mento diário dos registros feitos em prontuários, fichas de Frequência de distensão abdominal em
avaliação nutricional, prescrições médicas e dietéticas. Foram pacientes em TNE < 15%
coletadas informações sobre a identificação do paciente, TNE = Terapia Nutricional Enteral; UTI = Unidade de Terapia Intensiva; SE = Sonda Enteral; AC
= Aporte Calórico; TN = Terapia Nutricional.
características clínicas e dados nutricionais. A avaliação Fonte: Adaptada de Força Tarefa em Nutrição Clínica (ILSI Brasil, 2008)9.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44


240
Avaliação da qualidade da terapia nutricional enteral ofertada ao paciente oncológico hospitalizado

Considerou-se como diarreia apenas quando o paciente


Tabela 1 – Características demográficas e clínicas dos pacientes em terapia
apresentou de duas a três evacuações líquidas no dia10. nutricional enteral (n=57).
Para o resíduo gástrico, optou-se por volume superior a 200 Variáveis N %
mL11. Por fim, definiu-se como constipação a ausência de
Faixa Etária
evacuação por três dias12.
Adultos 15 48,4
As variáveis categóricas foram apresentadas em
Idosos 16 51,6
fre­quência simples e percentual. Já as variáveis contínuas
Local de internamento
foram testadas quanto à normalidade por meio do teste
de Shapiro-Wilk e expressas em média, desvio padrão ou Clínica Médica 5 16,1
mediana e intervalo interquartil. Cirurgia 12 38,7

A presente pesquisa é um recorte de um projeto maior, UTI 13 41,9


intitulado “Impacto dos Indicadores de Qualidade no Estado UTI + Clínica Médica 1 3,3
Nutricional de Pacientes Hospitalizados em um Hospital de Diagnóstico
Referência de Fortaleza-CE”, aprovado pelo Comitê de Ética Neoplasia de cabeça e pescoço 13 41,9
em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Neoplasia do TGI 10 32,2
do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), sob o Neoplasia de pulmão 1 3,3
CAAE nº 54950516.0.0000.5534 e número do parecer Outros 7 22,6
1.579.658. Os protocolos utilizados seguiram a Resolução Desfecho
466/12 do Conselho Nacional de Saúde13 referente a
Alta hospitalar 13 41,9
pesquisas em seres humanos.
Óbito 5 16,1
Alta TNE 8 25,8
RESULTADOS Cuidados paliativos 5 16,1
A amostra totalizou-se em 31 pacientes avaliados, com Sintomas TGI
média de idade de 60 ± 15,8 anos e, em sua maioria, do Resíduo gástrico 8 25,8
sexo masculino (67,8%; n=21). Os indivíduos passaram por Vômito 10 32,2
volta de 22 (12,5 - 29,5) dias internados e tiveram como Diarreia 15 48,4
principal desfecho a alta hospitalar (41,9%; n=13).
Constipação 9 29
A TNE teve duração de 8 (4 – 15) dias e, na maioria Distensão abdominal 7 22,6
dos casos, era ofertada através de sonda nasogástrica e
Classificação do IMC
uso de bomba de infusão contínua (BIC) (71%; n=22) com
Magreza 13 41,9
administração intermitente (96,8%; n=30). A fórmula enteral
Eutrofia 13 41,9
mais utilizada era padrão (58,1%; n=18), polimérica (71%;
n=22) e com adição de fibras (58,1%, n = 18). Na Tabela Excesso de peso 5 16,2
UTI = Unidade de Terapia Intensiva; TGI = Trato Gastrintestinal; TNE = Terapia Nutricional
1, são apresentadas as demais características demográficas, Enteral; IMC = Índice de Massa Corporal.
clínicas e nutricionais.
A dieta enteral foi interrompida em 54,8% (n=17) dos
pacientes para realização de exames (23,5%; n=4), devido Os critérios de elegibilidade da presente pesquisa não
à ocorrência de vômitos ou saída da sonda (11,8%; n=2) permitiram a coleta de dados necessários para o cálculo da
ou sem descrição do motivo de interrupção em prontuário “Frequência de dias de administração com AC entre 25-40
e/ou prescrição (64,7%; n=11). kcal/kg/dia no total de dias em pacientes em TN” e da
Após o cálculo dos IQTN, os valores obtidos foram “Frequência de dias de administração com aporte proteico
comparados às metas propostas pela ILSI. Em relação à quali- excessivo no total de dias em pacientes em TN”.
dade da administração da TNE, que envolve a fre­quência Porém, calculou-se a necessidade média para ingestão de
de saída inadvertida e obstrução da sonda enteral em energia e proteína, assim como os percentuais de adequação
pacientes de enfermaria e UTI, todos os indicadores estavam calórica e proteica, para a dieta prescrita e administrada
adequados conforme evidenciado na Figura 1. (Tabela 2). A média das adequações de caloria e proteína
Quanto aos indicadores de controle clínico e nutricional prescritas estiveram acima de 90%, enquanto a média de
avaliados, todos estiveram acima das metas propostas e, adequação da dieta administrada para calorias e proteína
portanto, inadequados. As frequências dos indicadores de obtiveram valores mais baixos, com 68,9 ± 27,6% e 75,9
controle clínico e nutricional podem ser observadas na Figura 2. ± 36,6%, respectivamente.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44
241
Alves TP et al.

Figura 1 - Frequência dos indicadores e metas de qualidade na administração da terapia nutricional enteral.
TNE = Terapia Nutricional Enteral; 1 = Frequência de saída inadvertida de sonda enteral em pacientes da enfermaria; 2 = Frequência de saída inadvertida
de sonda enteral em pacientes da Unidade de Terapia Intensiva; 3 = Frequência de obstrução de sonda enteral.

Figura 2 - Frequência dos indicadores de qualidade no controle clínico-nutricional e percentuais aceitáveis de ocorrência.
TNE = Terapia nutricional enteral; 1 = Frequência de episódios de diarreia; 2 = Frequência de pacientes com resíduo gástrico elevado; 3 = Frequência de
episódios de constipação; 4 = Frequência de distensão abdominal.

DISCUSSÃO
Tabela 2 – Valores médios para necessidades nutricionais e percentuais
de adequação calórico-proteica (n=31). Os IQTN podem ser ferramentas úteis no cuidado nutri-
Variáveis Média Desvio Padrão cional do paciente oncológico, auxiliando no uso da TNE,
Faixa Etária com o cumprimento das metas impostas pelo hospital. O
Necessidade calórica (kcal/dia) 1608,7 ±248,7 presente estudo traz resultados importantes sobre os IQTN,
Necessidade proteica (g/dia) 70,5 ±13,9 contribuindo com o conhecimento da administração de dietas
Kcal prescrita (kcal/dia) 1438,1 ±443,4 enterais, comumente utilizadas na população pesquisada.
Kcal administrada (kcal/dia) 1054,1 a
898,1 – 1331,5b Todos os indicadores de administração da TNE mostraram
Proteína prescrita (g/dia) 68,7 ±25,5 bons resultados, com frequência abaixo dos valores máximos
Proteína administrada (g/dia) 52 ±23,5 estipulados pela ILSI. Em estudos semelhantes, a fre­quência
Adequação kcal prescrita (%) 90,2 ±35,5 de saída inadvertida da sonda foi de 2,1% a 4,6% e de
Adequação proteína prescrita (%) 98,7 ±35,9 obstrução de sonda enteral em 11,5%14,15, enquanto, na
Kcal = quilocaloria; g = grama; a = mediana; b = intervalo interquartil presente pesquisa, foi observada em 1,5% e 2,2% dos
BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44
242
Avaliação da qualidade da terapia nutricional enteral ofertada ao paciente oncológico hospitalizado

pacientes, respectivamente. Embora esse resultado seja O presente estudo foi um grande desafio, por necessitar
considerado satisfatório, houve interrupção da dieta enteral de uma coleta de dados diária no hospital, buscando as
sem descrição do motivo na maioria dos pacientes avaliados. informações de maneira precisa, podendo considerar-se
Essa interrupção evita que o paciente atinja o volume pres- uma limitação da pesquisa. Dessa forma, é possível compre-
crito, podendo ser um fator responsável pela dificuldade no ender a necessidade da padronização das informações para
tratamento16,17. garantir a qualidade dos serviços.
Os indicadores de aporte calórico e aporte proteico
não foram calculados por falta de informações nas fontes CONCLUSÃO
pesquisadas. Apesar disso, observou-se uma inadequação
Observou-se a adequação dos indicadores relacionados
da caloria administrada (68,9%) quando comparada à
à administração da TNE, comprovando um bom manejo
prescrita (90,2%) e o mesmo verificou-se quanto à proteína
desta. Entretanto, verificou-se inadequação dos indicadores
administrada (75,9%) em comparação à prescrita (98,7%).
relacionados ao controle clínico e nutricional. Além disso,
Resultado similar foi encontrado em uma pesquisa com
houve impossibilidade de calcular todos os indicadores
pacientes oncológicos em TNE, onde havia 60,51% de
escolhidos, devido à ausência de informações.
adequação de caloria administrada14. Em outro estudo,
houve maior tempo de internação hospitalar quando a Desta forma, faz-se necessário maior atenção ao registro
adequação da dieta administrada era menor que 80%. das informações necessárias para o cálculo dos IQTN, a fim
Sendo assim, definiu-se como adequação calórica e proteica de garantir uma TNE efetiva e proporcionar um bom estado
volumes ≥80%, por ser um valor de possível impacto ao nutricional ao paciente oncológico, contribuindo na recupe-
estado nutricional dos pacientes18. Porém, a ILSI considera ração e qualidade de vida desses pacientes.
adequado quando ≥90%.
A interrupção da dieta enteral sem motivo aparente e REFERÊNCIAS
a presença de sintomas gastrointestinais são fatores que 1. International Life Sciences Institute Brasil (ILSI BRASIL).
contribuem para baixa adequação da dieta administrada. Na Força-Tarefa de Nutrição Clínica. Indicadores de qualidade
presente pesquisa, a frequência de diarreia, distensão abdo- em terapia nutricional: 10 anos de IQTN no Brasil, resultados,
desafios e propostas. 3ª ed. São Paulo: ILSI Brasil; 2018.
minal, constipação e resíduo gástrico foram elevadas e acima 264p.
das metas aceitáveis, tornando estes indicadores de controle 2. Shiroma GM, Waitzberg DL. Indicadores e controle de qualidade
clínico e nutricional inadequados. Todos os participantes da de terapia nutricional parenteral. In: Waitzberg DL, ed. Nutrição
oral, enteral e parenteral na prática clínica. 5ª ed. Rio de Janeiro:
pesquisa apresentaram algum sintoma gastrointestinal e a Atheneu; 2017. p.1183-93.
maioria apresentou episódios de vômito ou diarreia, fato que 3. Gyan E, Raynard B, Durand JP, Guily JLS, Gouy S, Movschin
pode ser justificado pelo diagnóstico de neoplasia do TGI ML, et al. Malnutrition in patients with cancer: comparison
em 32,2% da amostra. of perceptions by patients, relatives, and physicians - results
of the NutriCancer2012 study. JPEN J Parenter Enteral Nutr.
Pacientes com câncer gastrointestinal necessitam de 2018;42(1):255-60.
suporte nutricional e intervenções nutricionais para manejos 4. Arends J, Bachmann P, Baracos V, Barthelemy N, Bertz H,
Bozzetti F, et al. ESPEN guidelines on nutrition in cancer
dos sintomas do TGI de impacto nutricional19. É comum a patients. Clin Nutr. 2017;36(1):11-48.
presença de vômito, diarreia, odinofagia, náusea e perda 5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde.
de peso nesses indivíduos20. Departamento de Atenção Básica. Orientações para a coleta e
análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Norma
Por sua vez, a administração da TNE pode levar a algumas Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional –
complicações gastrointestinais, entre elas diarreia, distensão SISVAN. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. 76p.
abdominal, náuseas, vômitos e resíduo gástrico elevado18. 6. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Gestão Assis-
Desta forma, não há como confirmar se os sintomas foram tencial, Hospital do Câncer I, Serviço de Nutrição e Dietética.
causados pelas complicações da TNE ou devido à neoplasia. Consenso nacional de nutrição oncológica. 2ª ed. Rio de Janeiro:
INCA. 2015. 182p.
Quanto à fórmula, 71% utilizaram a polimérica, por ser o 7. Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer José
tipo mais tolerável por esses pacientes, com exceção daqueles Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Gestão Assis-
com diarreia ou má absorção, que podem necessitar de uma tencial, Hospital do Câncer I, Serviço de Nutrição e Dietética.
Consenso nacional de nutrição oncológica. 2ª ed. rev. ampl. atual.
fórmula hidrolisada7. Mais da metade da população teve sua
Rio de Janeiro: INCA; 2016. 112p.
alimentação acrescida de fibra, sendo este nutriente essencial 8. Van Den Broek PW, Rasmussen-Conrad EL, Naber AH, Wanten
para reduzir episódios de diarreia e diminuir casos de cons- GJ. What you think is not what they get: significant discrepancies
tipação em pacientes crônicos, como no caso de portadores between prescribed and administered doses of tube feeding. Br
J Nutr. 2009;101(1):68-71.
de câncer20.Entretanto, ainda com o acréscimo da fibra, os 9. Waitzberg DL. Indicadores de qualidade em terapia nutricional.
casos de diarreia e constipação foram bastante prevalentes. São Paulo: ILSI Brasil; 2008. 142p.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44


243
Alves TP et al.

10. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson 15. Cervo AS, Magnago TSBS, Carollo JB, Chagas BP, Oliveira AS,
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14. Souza IA, Bortoletto MM, Dias AMN, Almeida NM, Ribeiro 20. Coppini LZ, Waitzberg DL, Campos FG, Habr-Gama A. Fibras
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Local de realização do estudo: Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza, CE, Brasil.

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 239-44


244
A Consumo de alimentos ricos em substâncias pró e anticarcinogênicas por pacientes oncológicos em atendimento domiciliar
Artigo Original

Consumo de alimentos ricos em substâncias pró e


anticarcinogênicas por pacientes oncológicos em
atendimento domiciliar
Consumption of foods rich in pro and anticarcinogenic substances by cancer patients in home care

RESUMO
Larissa Sander Magalhães1
Karina Sanches Machado d’Almeida2 Introdução: Alguns compostos presentes nos alimentos podem induzir ou prevenir a carci-
Débora Simone Kilpp3 nogênese. O objetivo deste trabalho foi avaliar o consumo de alimentos ricos em substâncias
Anne y Castro Marques4 potencialmente indutoras e protetoras da carcinogênese entre pacientes oncológicos. Método:
Tratou-se de um estudo transversal analítico, com pacientes oncológicos em atendimento domici-
liar (Programa Melhor em Casa) em Pelotas, RS, no primeiro semestre de 2019. Foram coletados
dados sociodemográficos, sobre a doença e sobre o consumo alimentar antes do diagnóstico de
câncer. Os dados foram avaliados por meio de análise descritiva, e a associação entre as variá-
veis foi verificada por teste de qui-quadrado (p<0,05). Resultados: Participaram do estudo 30
pacientes, sendo a maioria homens, idosos, de cor branca e casados. Os cânceres de pâncreas,
laringe e pulmão foram mais prevalentes, e a grande maioria dos sujeitos estava em tratamento
paliativo. Em relação ao consumo alimentar, a maioria apresentava, antes do diagnóstico, alto
consumo de carnes vermelhas (diariamente) e de churrasco (1 a 2 vezes na semana), e quase
um terço referiu consumo diário de embutidos e defumados. Já o consumo de frutas, legumes
e verduras foi referido como diário pela maioria dos pacientes, entretanto esse hábito não se
repetiu em relação às oleaginosas. Encontrou-se associação significativa entre consumo de frutas
e câncer de pulmão e entre embutidos e câncer de laringe. Conclusão: Os pacientes oncológicos
apresentaram hábitos potencialmente indutores da carcinogênese (consumo de carnes/churrasco,
embutidos e defumados, e baixa ingestão de oleaginosas), assim como hábitos protetores, como
o consumo diário de frutas, legumes e verduras.
Unitermos:
Aminas. Antioxidantes. Hidrocarbonetos policíclicos ABSTRACT
aromáticos. Neoplasias. Nitrosaminas. Introduction: Some food compounds may induce or prevent carcinogenesis. The aim of this study
was to evaluate the consumption of foods which are rich in potentially inducing and protective
Keywords: carcinogenic substances among oncologic patients. Methods: This was an analytical cross-sectional
Amines. Antioxidants. Polycyclic aromatic hydrocar- study with oncologic patients in home care (Best at Home Program) in Pelotas, RS, Brazil, in the
bons. Neoplasms. Nitrosamines. first semester of 2019. Sociodemographic data and data about disease and food consumption
before the cancer diagnosis were collected. Data were evaluated by descriptive analysis and the
Endereço para correspondência: association between variables was verified by chi-square test (p <0.05). Results: Thirty patients
Larissa Sander Magalhães joined the study, mostly men, elderly, white and married. Pancreatic, laryngeal and lung cancers
Av. Fernando Osório, 8625 – Bairro Retiro – Pelotas, were more prevalent, and the vast majority of subjects were under palliative treatment. Regar-
RS, Brasil – CEP: 96070-861 ding food consumption, most had, before diagnosis, a high consumption of red meat (daily) and
E-mail: larissasama@hotmail.com of barbecue (1 to 2 times a week), and almost a third reported daily consumption of sausages
and smoked products. The consumption of fruits and vegetables was reported as daily by most
Submissão patients, however this habit was not repeated in relation to oilseeds. Significant association was
18 de setembro de 2019 found between fruit consumption and lung cancer and between sausages and laryngeal cancer.
Conclusion: Cancer patients had potentially carcinogenesis-inducing habits (meat, barbecue
Aceito para publicação and sausages consumption, and low oilseed intake), as well as protective habits, such as daily
11 de outubro de 2019 consumption of fruits and vegetables.

1. Graduanda em Nutrição pela Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.


2. Doutora em Ciências da Saúde: Cardiologia e Ciências Cardiovasculares/ Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Professora do
Curso de Nutrição/ Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Itaqui, RS, Brasil.
3. Especialista em Farmacologia e Interações Medicamentosas/ Centro Universitário Internacional (UNINTER), Especialista em Gestão Pública e
em Gestão de Organizações Públicas de Saúde, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Nutricionista do Ambulatório de Nutrição
do Centro de Pesquisas em Saúde Dr. Amílcar Gigante e do serviço de Nutrição do Hospital-Escola da Universidade Federal de Pelotas/Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (UFPEL/EBSERH).
4. Doutora em Alimentos e Nutrição/ Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Professora do Curso de Nutrição/ Universidade Federal
de Pelotas (UFPEL), Pelotas, RS, Brasil.

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245
Magalhães LS et al.

INTRODUÇÃO MÉTODO
Estima-se que o ônus global do câncer tenha aumentado Trata-se de um estudo transversal analítico, realizado com
para 18,1 milhões de novos casos em 2018, e que desses pacientes oncológicos em atendimento domiciliar (Programa
novos casos, 9,6 milhões foram de mortes1. As causas do Melhor em Casa), na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul,
câncer, doença caracterizada pelo crescimento desordenado no primeiro semestre do ano de 2019. A atenção domiciliar é
de células, são multifatoriais, estimando-se que 80% dos uma política estratégica para o município, altamente impac-
casos da doença estão relacionados ao meio ambiente. tante em indicadores como desospitalização e humanização,
Entende-se como risco ambiental o meio em geral (água, atendendo cerca de 150 pacientes ao mês10.
terra e ar), o ambiente ocupacional (indústrias químicas e Fizeram parte deste estudo indivíduos de ambos os
afins), o ambiente de consumo (alimentos e medicamentos) sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, avaliados por
e o ambiente social e cultural (estilo e hábitos de vida)2. profissionais do Programa Melhor em Casa e que aceitaram
A dieta está estreitamente relacionada com a indução, participar mediante assinatura do Termo de Consentimento
como também com a proteção do câncer. Alguns compostos Livre e Esclarecido (TCLE). Aqueles pacientes em que a
alimentares podem alterar a estrutura química das células, pesquisadora não pôde comparecer à residência foram
interferindo no surgimento e no prognóstico da doença3. excluídos da pesquisa.
Dentre esses compostos, pode-se destacar os hidrocar- A coleta de dados foi realizada a partir de um questionário
bonetos aromáticos policíclicos e as aminas heterocíclicas, elaborado pelas próprias autoras e, a partir dessa ferramenta,
os quais se desenvolvem quando o alimento é submetido a foram coletados dados sociodemográficos do paciente (sexo,
altas temperaturas4. No aquecimento excessivo de gorduras, idade em anos completos, cor da pele, estado civil), infor-
formam-se produtos como os peróxidos, que são altamente mações sobre a doença (data do diagnóstico, localização
cancerígenos, esse processo ocorre porque temperaturas do tumor, tratamento atual). Quando o paciente não soube
elevadas aceleram a oxidação e degradação dos lipídeos5. informar os dados referentes à doença, os mesmos foram
Nesse sentido, existem os ácidos graxos trans, que se buscados no prontuário.
formam nos processos em que o alimento é frito por tempo Quanto ao consumo alimentar, foi investigada a
prolongado6. Além do mais, existem os nitratos, que são ingestão de substâncias potencialmente cancerígenas,
aditivos industriais utilizados como conservantes de carnes assim como de substâncias antioxidantes, antes do diag-
processadas e embutidos; tais substâncias se tornam tóxicas nóstico de câncer. Os alimentos listados no questionário
e cancerígenas, por causarem uma formação endógena de e que possuem substâncias potencialmente cancerígenas
composto n-nitrosos após serem ingeridas7. foram: embutidos e defumados, carne vermelha, frituras,
Em contrapartida, compostos como os antioxidantes alimentos industrializados (salgadinhos de pacote, bolo
podem ser capazes de contribuir para a neutralização do pronto, margarina, alimentos prontos para consumir, etc),
perfil pró-oxidativo do câncer e de seu tratamento, sendo e churrasco. Já os grupos alimentares ricos em substâncias
assim, uma alimentação rica em substâncias como vitamina antioxidantes investigados foram: frutas (ex.: laranja, limão,
C, E e carotenoides poderá reduzir o risco de mortalidade manga, mamão), legumes (ex.: abóbora, cenoura, tomate,
causado por essa doença. Dito isso, é importante optar etc), verduras (ex.: couve, brócolis, espinafre, etc) e oleagi-
por uma dieta rica em frutas, hortaliças e oleaginosas, que nosas (amendoim, avelãs, nozes). A ferramenta de coleta foi
venham a fornecer um aporte significativo e equilibrado de composta por questões fechadas, com o intuito de tornar
antioxidantes8,9. a entrevista menos cansativa ao paciente. A categorização
Dessa forma, a nutrição está diretamente relacionada de consumo dos alimentos foi realizada da seguinte forma:
com a prevenção e proteção do câncer, já que é a partir não/raramente, mensal/quinzenal, 1 a 2 vezes na semana,
dos alimentos que se obtém os nutrientes necessários para 3 a 6 vezes na semana e diariamente.
a adequada manutenção das funções orgânicas. Os dados coletados foram digitados no programa
A partir do exposto, é de extrema importância conhecer os Microsoft Excel e conferidos pela pesquisadora respon-
hábitos alimentares de pacientes oncológicos, identificando sável. A análise dos dados foi realizada no programa
quais os alimentos com potencial carcinogênico mais consu- estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS
midos, assim como identificar a baixa ingestão de alimentos 25.0), por meio de análise descritiva. A associação entre
protetores, anteriormente ao diagnóstico da doença. Dessa as variáveis foi verificada por teste de qui-quadrado, com
forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar o consumo de nível de significância de 5%. Este projeto foi aprovado
alimentos ricos em substâncias potencialmente cancerígenas, pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da
bem como de alimentos redutores da carcinogênese, de Universidade Federal de Pelotas e aprovado sob número
pacientes oncológicos em atendimento domiciliar. 3.103.309.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 245-50
246
Consumo de alimentos ricos em substâncias pró e anticarcinogênicas por pacientes oncológicos em atendimento domiciliar

RESULTADOS
Tabela 2 – Características do tumor e tratamento de pacientes em aten-
A coleta de dados foi realizada entre os meses de feve- dimento domiciliar de um hospital público em Pelotas, RS, 2019. n=30.
reiro e abril de 2019, sendo que neste período o número Variáveis N %
médio de pacientes internados na modalidade domiciliar foi Local do tumor
de 72 indivíduos. Destes, 31 pacientes tinham o diagnóstico
Esôfago/estômago 3 10,0
confirmado de câncer e 30 foram convidados a participar da
Intestino 2 6,7
pesquisa, com 100% de aceite. A exclusão de um paciente
com diagnóstico de câncer se deu por questões logísticas, já Fígado 2 6,7
que a responsável pela coleta de dados não tinha disponibi- Pâncreas 4 13,3
lidade para comparecer à residência do candidato elegível. Laringe 4 13,3
Na Tabela 1, são apresentados os dados sociodemo- Pulmão 4 13,3
gráficos da população estudada. Destaca-se que a maioria Próstata 3 10,0
dos pacientes era do sexo masculino, idosos, de cor branca
Mama 3 10,0
e casados.
Pele 2 6,7
Outros 3 10,0
Tratamento
Tabela 1 – Dados sociodemográficos de pacientes oncológicos em aten-
dimento domiciliar de um hospital público em Pelotas, RS, 2019. n=30. Paliativo 23 76,7
Variáveis N % ou média (DP) Curativo 7 23,3
Sexo
Feminino 14 46,7
Masculino 16 53,3
Tabela 3 – Frequência de ingestão de alimentos antes do diagnóstico de
Faixa Etária câncer, de pacientes em atendimento domiciliar de um hospital público de
Idade (média) 61,5 (12,8) Pelotas, RS, 2019. n = 30.
Adultos (33 a 59 anos) 14 46,7 Alimentos Não/ Mensal/ 1-2x/ 3-6x/ Diário
Idosos (60 a 90 anos) 16 53,3 Raramente Quinzenal sem sem
Alimentos considerados de risco
Cor da pele
Nitritos e Nitratos
Brancos 26 86,7
Embutidos e 10 3 5 3 9
Não-brancos
defumados (33,3%) (10,0%) (16,7%) (10,0%) (30,0%)
Estado civil Aminas Heterocíclicas
Solteiro 4 13,3 Carne Vermelha
Casado 17 56,7 Produtos da 3 2 8 6 11
Divorciado 4 13,3 peroxidação (10,0%) (6,6%) (26,7%) (20%) (36,7%)
lipídica
Viúvo 5 16,7
Frituras 13 1 7 4 5
Ricos em AGT (43,3%) (3,3%) (23,3%) (13,3%) (16,7%)
Ricos em AGT
Os dados referentes à doença são apresentados na Alimentos 14 1 4 1 10
Tabela 2. Destaca-se que os cânceres de pâncreas, laringe industrializados (46,7%) (3,3%) (13,3%) (3,3%) (33,3%)
e pulmão foram mais prevalentes, seguidos por cânceres de HPAS
esôfago/estômago, próstata, mama, intestino, fígado e pele. Churrasco 11 7 11 1 __
Além disso, a grande maioria dos sujeitos estava no estado (36,7%) (23,3%) (36,7%) (3,3%)
avançado da doença (dados não mostrados), realizando Alimentos considerados protetores
tratamento paliativo. Frutas 8 __ 3 3 16
Em relação ao consumo de alimentos ricos em substâncias (26,7%) (10,0%) (10,0%) (53,3%)
protetoras ou potencializadoras da carcinogênese, os dados Legumes 4 1 6 4 15
são apresentados na Tabela 3. (13,3%) (3,3%) (20,0%) (13,3%) (50,0%)
Verduras 7 __ 5 4 14
É possível notar que a maioria dos pacientes apresentava, (23,3%) (16,7%) (13,3%) (46,7%)
antes do diagnóstico, um alto consumo de carnes verme- Oleaginosas 23 3 3 __ 1
lhas (diariamente) e de churrasco (1 a 2 vezes na semana). (76,7%) (10,0%) (10,0%) (3,3%)
Quase um terço dos participantes referiu o consumo diário HPAS= hidrocarbonetos aromáticos policíclicos; AGT= ácidos graxos trans.

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247
Magalhães LS et al.

de embutidos e defumados, enquanto a ingestão de frituras mutagênico7. Neste estudo, pôde-se observar associação
e de alimentos industrializados foi apontada pela maioria positiva com o câncer de laringe, já que todos os pacientes
como de consumo raro ou inexistente. Por sua vez, o consumo que desenvolveram esse tipo de neoplasia consumiam
de frutas, legumes e verduras foi referida como diária pela diariamente tal grupo alimentar. Não foram encontrados
maioria dos pacientes, entretanto esse hábito não se repetiu na literatura dados que corroborassem com este achado.
em relação às oleaginosas. Especialistas concluíram que uma porção de 50 gramas de
Ao se verificar a associação entre os tipos de câncer e a carne processada ingerida diariamente aumenta o risco de
frequência de consumo dos diferentes alimentos, foi encon- câncer colorretal em 18%16.
trada associação significativa entre o consumo de frutas e No presente estudo, a ingestão diária de carne vermelha
câncer de pulmão (p = 0,043) e o consumo de embutidos entre os participantes foi de 36,6%. É válido ressaltar que
e defumados com o câncer de laringe (p = 0,008). o consumo médio de carne vermelha não deve ultrapassar
300g por semana, incluindo pouca ou nenhuma quanti-
dade de carne processada17. Alimentos ricos em proteínas,
DISCUSSÃO
essencialmente a carne vermelha, quando submetidos a altas
Ao realizar este estudo, procurou-se identificar os hábitos temperaturas e longos períodos de cozimento acabam por
alimentares de pacientes oncológicos antes do diagnóstico de formar aminas heterocíclicas; compostos que, se consumidos
câncer, focando no consumo de alimentos ricos em substân- em excesso, podem ser potencialmente carcinogênicos5.
cias potencialmente carcinogênicas, bem como no consumo Evidências científicas apontam que o consumo de carne
de alimentos protetores do processo. Em relação aos dados vermelha está relacionado com o aumento do risco de câncer
sociodemográficos, notou-se que a maioria dos pacientes colorretal18,19. Além disso, o Instituto Nacional de Câncer20
era do sexo masculino, idosos, cor branca e casados, assim alerta que carnes vermelhas, quando consumidas em excesso,
como observado por outros autores11,12. podem facilitar o desenvolvimento de câncer intestinal, já que
Nesse estudo, observou-se uma ampla distribuição de são ricas em ferro heme e esse nutriente quando consumido
localização do tumor inicial, sendo os cânceres com maior em excesso pode ser tóxico às células.
prevalência pâncreas, laringe e pulmão. Esses dados não Em relação ao consumo de frituras, 43,3% dos pacientes
refletem exatamente as estimativas do Instituto Nacional de consumiam raramente e 23,3% consumiam uma a duas
Câncer do ano de 2018, as quais apontaram que os cânceres vezes na semana. No estudo de Azevedo et al.15, dos 33
mais incidentes no mundo foram de pulmão (1,8 milhão), participantes com câncer gástrico, 14 consumiam frituras
mama (1,7 milhão), intestino (1,4 milhão) e próstata (1,1 diariamente, sendo que seis consumiam menos de três vezes
milhão)13. Num estudo realizado com 213 pacientes, no na semana e nove, mais de três vezes na semana. A ingestão
Município de Pelotas-RS, que visou caracterizar o Programa de alimentos fritos duas ou mais vezes na semana está rela-
de Internação Domiciliar Interdisciplinar (PIDI) para pacientes cionada com a indução do câncer gástrico21. Alimentos ricos
oncológicos, obteve-se que os cânceres mais prevalentes em lipídios, como óleos vegetais, são fontes promissoras de
foram de pulmão (18,2%), esôfago (7,4%), intestino (10,8%), contaminação por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos,
mama (10,8%) estômago (6,4%) e cabeça e pescoço uma vez que estes contaminantes possuem natureza alta-
(10,3%)14. Semelhanças foram encontradas em afirmações do mente lipofílica, facilitando, assim, a sua solubilidade nestes
Instituto Nacional de Câncer do ano de 2018, que indicam produtos alimentícios. Ainda, em relação à cocção, alimentos
que nas regiões Sul e Sudeste do Brasil predominam os submetidos a altas temperaturas, como as frituras, possuem
cânceres de próstata e de mama, bem como os cânceres um percentual adicional de hidrocarbonetos aromáticos poli-
de pulmão e intestino13. cíclicos, compostos que podem causar cânceres de pulmão,
No que se refere à ingestão de alimentos potencialmente trato gastrointestinal e mama4. Além disso, nos processos de
carcinogênicos, 30% dos participantes consumiam embutidos fritura, principalmente por imersão, formam-se os peróxidos,
e defumados diariamente antes do diagnóstico, sendo esses compostos altamente prejudiciais à saúde, obtidos a partir
alimentos ricos em nitritos e nitratos. O estudo de Azevedo et da degradação e oxidação lipídica5.
al.15, realizado com pacientes (n=33) com câncer gástrico No que diz respeito ao consumo de alimentos indus-
de um hospital de Pernambuco, mostrou que apenas 3% trializados, notou-se que 33,3% dos pacientes consumiam
dos participantes ingeriam carnes processadas e alimentos diariamente esses alimentos, dado semelhante ao encon-
embutidos, sendo que nenhum paciente consumia diaria- trado por Azevedo et al.15. Esse grupo alimentar é rico em
mente esses alimentos. A principal preocupação do uso de ácidos graxos trans, formados termicamente em operações
nitritos e nitratos em alimentos é que a exposição prolongada de frituras e durante o processo industrial de refino, prin-
a esses compostos gera efeitos carcinógenos, causados pela cipalmente na etapa de desodorização de óleos vegetais,
formação endógena de compostos n-nitrosos com potencial podendo ser indutor da carcinogênese. De acordo com
BRASPEN J 2019; 34 (3): 245-50
248
Consumo de alimentos ricos em substâncias pró e anticarcinogênicas por pacientes oncológicos em atendimento domiciliar

a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a dieta deve avaliada, e por se tratarem de pacientes com baixo poder
fornecer uma quantidade muito baixa de ácidos graxos trans aquisitivo (dados não mostrados).
de, no máximo, 1% do valor energético total, o que equivale Conforme já mencionado, é possível que não se tenha
a 2 g/dia6. observado neste estudo maior número de associações entre
Em relação ao consumo de churrasco, 36,6% do total os tipos de câncer e os hábitos alimentares dos pacientes
consumiam pelo menos 1 a 2 vezes na semana. Preparar por se tratar de uma amostra pequena, com número muito
carnes em temperaturas muito elevadas, como é feito amplo de localização tumoral. Além disso, é preciso referir o
em frituras, grelhados e assados, pode estar associado possível viés de memória dos pacientes, visto que os dados
à formação de hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, de consumo alimentar se referiam ao período anterior ao
formando compostos químicos carcinogênicos que se aderem diagnóstico, e alguns indivíduos estavam doentes há meses
à superfície das carnes5. ou anos.
Em contrapartida, foi avaliado o consumo de alimentos
protetores (frutas, legumes, verduras e oleaginosas) da CONCLUSÃO
carcinogênese antes do diagnóstico de câncer; tais alimentos
possuem papel antioxidante, sendo importantes para a Neste estudo, pôde-se observar que alguns hábitos
prevenção de diversas doenças. No que concerne às frutas, alimentares dos pacientes, antes do surgimento do câncer,
constatou-se que 53,3% dos participantes consumiam diaria- podem ser potencializadores da carcinogênese, tais como
mente esse grupo alimentar, o qual é rico em fibras, minerais o alto consumo de carnes/churrasco, embutidos e defu-
e vitaminas antioxidantes22. No estudo de Freitas et al.23, com mados, assim como o baixo consumo de oleaginosas. Em
60 casos (diagnosticados com melanoma) e 24 controles contrapartida, encontraram-se também hábitos alimentares
(sem diagnóstico) em Campinas – SP, constatou-se alta proba- considerados protetores da carcinogênese, como o consumo
bilidade de inadequação do consumo de vitaminas A, C, E diário de frutas, legumes e verduras. Além disso, observou-se
e do mineral zinco, não atingindo a necessidade nutricional associação significativa entre o consumo de frutas e câncer
recomendada, favorecendo o status pró-oxidante verificado de pulmão, assim como a ingestão de embutidos e câncer de
nos casos. Para a prevenção do câncer é recomendado um laringe. Diante disso, é fundamental incentivar bons hábitos
consumo de, no mínimo, 600g de frutas, legumes e verduras alimentares como promotor da saúde e como prevenção de
diariamente, o que equivale a 5 porções de cada grupo17. cânceres relacionados a fatores ambientais.
Neste estudo, observou-se uma associação significativa
entre o consumo de frutas com o câncer de pulmão, ou REFERÊNCIAS
seja, os pacientes que não consumiam ou consumiam frutas
1. World Health Organization. International Agency for Research
raramente (26,7%) tiveram maior prevalência de câncer de on Cancer. Latest global cancer data: cancer burden rises to 18.1
pulmão (dados não mostrados). million new cases and 9.6 million cancer deaths in 2018. Geneva:
World Health Organization; 2018.
Em relação ao consumo de legumes e verduras, 50% 2. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva.
e 46,6% dos participantes consumiam diariamente esses Câncer: prevenção e fatores de risco. Rio de Janeiro: INCA;
alimentos, respectivamente. Esses grupos alimentares são 2017.
3. Pereira PL, Nunes ALS, Duarte SFP. Qualidade de vida e
de extrema importância, não apenas por serem ricos em
consumo alimentar de pacientes oncológicos. Rev Bras Cancerol.
vitaminas e minerais, mas também por conterem potenciais 2015;61(3):243-51.
antioxidantes, vindo a serem grandes protetores do processo 4. Paz APS, Nascimento ECP, Marcondes HC, Silva MCF, Hamoy
da carcinogênese22. Existem relatos a respeito do poder antio- M, Mello VJ. Presença de hidrocarbonetos policíclicos aromá-
ticos em produtos alimentícios e a sua relação com o método
xidante da vitamina C em diferentes doses/concentrações, a de cocção e a natureza do alimento. Braz J Food Technol.
mesma atua em diversos mecanismos, incluindo diminuição 2017,20:1-7.
da citotoxicidade, redução da apoptose, proteção de células 5. Marques AC, Valente TB, Rosa CS. Formação de toxinas durante
o processamento de alimentos e as possíveis consequências para
neoplásicas contra a peroxidação lipídica e controle do
o organismo humano. Rev Nutr. 2009;22(2):283-93.
crescimento tumoral24. 6. Brasil. Anvisa. Gerência Geral de Alimentos. Ácidos graxos
No que diz respeito ao consumo de oleaginosas, 76,6% trans: documento de base para discussão regulatória. Brasília:
Anvisa; 2018.
da amostra consumiam raramente esses alimentos. As 7. Imarino LZ, Oliveira MC, Antunes MM, Oliveira M, Rodrigues
oleaginosas são ricas em vitamina E, sendo essa um poten- RO, Zanin CICB, et al. Nitritos e nitratos em produtos cárneos
cial anticarcinogênico, principalmente no que se refere ao enlatados e/ou embutidos. Gestão Foco. 2015;7:246-51.
câncer de pulmão22-25. O baixo consumo de oleaginosas 8. Ma E, Iso H, Yamagishi K, Ando M, Wakai K, Tamakoshi A.
Dietary antioxidant micronutrients and all-cause mortality: the
provavelmente tenha ocorrido por questões de dificuldade Japan collaborative cohort study for evaluation of cancer risk. J
de aquisição, por se tratar de um alimento caro na região Epidemiol. 2018;28(9):388-96.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 245-50


249
Magalhães LS et al.

9. Taneja P, Labhasetwar P, Nagarnaik P, Ensink JHJ. The risk of 1 7. World Cancer Research Fund/American Institute for
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Local de realização do estudo: Hospital Escola (Programa Melhor em Casa) da Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS,
Brasil.

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 245-50


250
A Artigo Original
Atraso no início da terapia nutricional parenteral e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos

Atraso no início da terapia nutricional parenteral


e mortalidade em pacientes em cuidados
intensivos
Delay in starting parenteral nutrition therapy and mortality in intensive care patients

RESUMO
Thayse Emanuelli Godoy Behne1
Diana Borges Dock-Nascimento2 Introdução: Em situações de insucesso ou impossibilidade do uso da nutrição enteral, a terapia
de nutrição parenteral (TNP) é uma alternativa segura e eficaz para garantir a oferta calórico-
proteica. O presente estudo teve por objetivo investigar se o atraso do início da nutrição parenteral
implica em maior mortalidade em pacientes em cuidados intensivos. Método: Estudo retrospectivo,
realizado com pacientes internados em unidade de terapia intensiva (UTI), entre 2014 e 2016.
Foram elegíveis 3366 pacientes e destes 143 (4,2%) receberam TNP em qualquer momento da
internação e fizeram parte do estudo. A variável principal foi a mortalidade na UTI. Dados demo-
gráficos, dia de início da TNP, dias em dieta zero, necessidades nutricionais de calorias (kcal/kg
de peso) e proteínas (g/kg de peso), dia que foi atingida a necessidade calórico-proteica, tempo
de internação e exames também foram coletados e comparados com a ocorrência ou não de
óbito. Resultados: A idade média da amostra foi de 57,5 anos, sendo 54,5% do sexo masculino.
A taxa de mortalidade foi de 43,4% (n=62). Em 44,8% (n=64) dos pacientes, a TNP foi iniciada
em 24-48h. Permanecer em dieta zero ≥2 dias (OR:3,97 IC95% 1,13–13,91; p=0,031) e início
da TNP após o quarto dia (OR:3,00 IC95%1,29–6,97; p=0,010) foram preditores independentes
de mortalidade. A probabilidade de sobrevida acumulada em 30 dias foi menor em pacientes
com dieta zero ≥2 dias (p=0,019). Conclusão: O atraso no início da TNP pode estar associado
à mortalidade em pacientes em cuidados intensivos.
Unitermos:
Unidades de terapia intensiva. Nutrição parenteral.
ABSTRACT
Mortalidade.
Introduction: Parenteral nutrition therapy (TPN) is a safe and efficient alternative to guarantee
Keywords: calories and protein delivery when enteral nutrition is either not succeed or impossible. This study
Intensive care units. Parenteral nutrition. Mortality. aimed at investigating whether a delayed beginning of TPN implies in greater mortality in critically
ill patients. Methods: This is a retrospective study involving patients admitted into intensive care
Endereço para correspondência: unit (ICU) from 2014 to 2016. A total of 3366 patients were eligible and 143 (4,2%) who received
Diana Borges Dock-Nascimento TPN during hospitalization were studied. The main endpoint was ICU mortality. Demographic data,
Rodovia Arquiteto Helder Cândia, 2755 – Condomínio the day of beginning of TPN, number of days of fasting, caloric (kcal/kg of weight) and protein (g/
Country, casa 15 – Ribeirão do Lipa – Cuiabá, MT, kg of weight) needs, day of meeting the nutritional goals, and length of ICU stay were collected
Brasil – CEP: 78048-150 and correlated to mortality. Results: The mean age was 57.5 years-old and 54.5% were males.
E-mail: dianadock@hotmail.com
The mortality rate was 43.4% (n=62). In 44.8% (n=64) of the cases, TPN was initiated in 24-48h.
Submissão Independent predictors of mortality after multivariate analysis treatment were fasting for two
29 de junho de 2019 or more days (OR: 3.97 CI95% 1.13–13.91; p=0.031) and initiation of TPN after the 4th day of
admission (OR: 3.00 CI95%1.29–6.97; p=0.010). The accumulate survival probability in 30 days
Aceito para publicação was significantly smaller in patients fasted for ≥2 days (p=0.019). Conclusion: The delay for the
1 de outubro de 2019 initiation of TPN is associated with greater mortality in critically ill patients.

1. Nutricionista, Mestranda pela Universidade Federal de Mato Grosso, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Cuiabá, MT, Brasil.
2. Nutricionista, Professora Doutora da Universidade Federal de Mato Grosso, Departamento de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Nutrição,
Cuiabá, MT, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7


251
Behne TEG et al.

INTRODUÇÃO Variáveis Estudadas


O fornecimento de calorias e proteínas é fundamental A variável principal de desfecho foi a mortalidade
para a redução da morbimortalidade em pacientes na UTI. Como variáveis secundárias, além dos dados
demográficos, foram registrados: dia de início da terapia
críticos1-3. Neste cenário, a terapia nutricional (TN) atenua
nutricional (precoce se iniciada em 24h ou tardia se após
a resposta metabólica ao trauma, por meio da oferta
esse período), tipo de TN prescrita nas primeiras 24-48h
equilibrada de nutrientes e calorias1. O início precoce da
(oral, enteral, parenteral, enteral associada à parenteral),
TN é recomendável, principalmente com desnutrição pree-
peso corporal estimado (kg, obtido pelo relato do paciente
xistente4. Contudo, observa-se que um terço dos pacientes
ou familiares ou pela análise ectoscópica), necessidade
que internam eutróficos tornam-se desnutridos durante a
de calorias (kcal/kg de peso corporal) e proteínas (g/kg
hospitalização4. Uma revisão sistemática mostrou que a
de peso corporal), tempo de internação na UTI e o estado
incidência de desnutrição varia de 38% a 78% entre os
nutricional na internação e no desfecho (alta, transferência
pacientes críticos e progride durante a internação, contri-
ou óbito). Investigou-se, também, número de dias de
buindo para piores desfechos4.
permanência em dieta zero, dia de início da TNP e dia em
A escolha da via de nutrição é determinante para que foi atingida a necessidade calórico-proteica.
atingir a meta nutricional calculada. A TN enteral (TNE) é
Diariamente eram dosados lactato sérico (mg/dL),
a primeira via a ser recomendada, por ser mais fisiológica,
glicemia (mg/dl), albumina sérica (g/dL) e proteína C
manter a integridade intestinal e o microbioma e, além
reativa (PCR, mg/dL), sendo então calculada a razão PCR/
disso, apresenta menor custo quando comparada à terapia
albumina. Obteve-se a média aritmética de três exames
de nutrição parenteral (TNP)5. Entretanto, a infusão da
diários referentes aos 3 primeiros dias da internação para
TN por via enteral não é isenta de dificuldades e estudos
caracterizar cada paciente. Os resultados desses exames
demonstram que o percentual infundido varia de 50% a
serviram para caracterizar a gravidade dos pacientes
87% da quantidade prescrita ao dia6,7.
estudados.
Na fase aguda da resposta inflamatória da doença
Comparou-se o risco de óbito (odds ratio) para três
crítica e na presença de insuficiência intestinal, atingir a
variáveis nutricionais: tempo de jejum até início da TN,
meta nutricional apenas com TNE às vezes é difícil, pois
dia do início da TNP e dia em que as necessidades nutri-
muitos pacientes não toleram toda dieta ofertada via
cionais calculadas foram atingidas. Essas variáveis foram
enteral8. Assim, nessas situações, a TNP está indicada
categorizadas em: 1) permanência em dieta zero por 2
isoladamente ou como suplemento da TNE3,7,8,9. A pres-
dias ou mais versus início precoce (24-48h) da TN; 2)
crição da TNP como suplemento da enteral é amplamente
início da TNP antes ou após o quarto dia de internação;
discutida como uma alternativa para reduzir a hipoali-
e 3) alcance das necessidades calóricas e proteicas antes
mentação na UTI e seus prejuízos8,10,11. No entanto, ainda
ou após o quinto dia de início da TN. Os dados foram
existe muita controvérsia sobre o momento de associar ou
preenchidos pelas nutricionistas do serviço diariamente
começar a TNP em unidades de terapia intensiva (UTI).
em prontuários, de onde foram coletados para realização
Diante dessa situação, em que muitos pacientes críticos do estudo.
se beneficiam da oferta de nutrientes e calorias pela TNP
exclusiva ou associada à TNE, o presente estudo teve por
objetivo investigar se o atraso do início da TNP implica em Estado Nutricional e Protocolo de Terapia Nutri-
maior mortalidade em pacientes sob cuidados intensivos. cional
O estado nutricional foi aferido pela avaliação subjetiva
global (ASG)12. Os pacientes foram classificados como
MÉTODO eutrófico (ASG-A), desnutrido moderado ou risco (ASG-B)
Tipo de Estudo e Aspectos Éticos e desnutrido grave (ASG-C).
Estudo clínico, observacional retrospectivo, envolvendo No protocolo da UTI, a TN foi iniciada após a estabili-
3366 pacientes internados em UTI de um hospital privado dade hemodinâmica. A TNP exclusiva foi prescrita para os
(Hospital Santa Rosa), em Cuiabá-MT, entre os anos de pacientes que não puderam utilizar a via digestiva e TNP
2014 e 2016. Neste estudo, planejou-se incluir pacientes associada à enteral para aqueles cuja TNE não era sufi-
críticos, de ambos os sexos, em tratamento clínico ou ciente para atingir as necessidades nutricionais. O cálculo
cirúrgico, que receberam TNP exclusiva ou associada das necessidades nutricionais foi realizado de acordo com
à TNE em qualquer momento da internação. O estudo a diretriz da ESPEN (European Society for Clinical Nutrition
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, CAAE and Metabolism), sendo de 20 a 30 kcal/kg/dia e 1,25 a
65658917.8.0000.5541 na Plataforma Brasil. 2,0g de proteína/kg de peso/dia10.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
252
Atraso no início da terapia nutricional parenteral e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos

Método Estatístico
Tabela 2 – Dados nutricionais dos pacientes críticos recebendo terapia
Utilizou-se o teste do Qui-quadrado para análise nutricional parenteral.
univariada, comparando-se o risco de óbito (odds ratio) Variáveis n %
[OR] e intervalo de confiança [IC] 95%) entre as variáveis
Necessidades calóricas 23,8 ± 4,70 _ _
nutricionais estudadas. A análise multivariada foi realizada kcal/kg (média±DP)
por meio da regressão logística binária, utilizando-se Necessidades proteicas g/ 1,34 ± 0,22 _ _
variáveis com p< 0,20 na análise univariada. kg (média ± DP)
As variáveis contínuas foram, inicialmente, analisadas Dieta precoce (24h) 125 87,4
pelo teste de Kolmogorov-Smirnov, para determinar a Tipo de TN iniciada em 24-48h
normalidade, seguido do teste de Levene, para averiguar Via oral 20 14,0
a homogeneidade. Dados homogêneos e com distribuição Enteral 34 23,8
normal foram analisados estatisticamente pelo teste t de Parenteral exclusiva 89 62,2
Student para amostras independentes. Os resultados foram Atingiu as necessidades 55 45,0
expressos em média e desvio padrão (DP) ou mediana e calóricas até o 3o dia
variação, quando apropriados. Atingiu as necessidades 63 51,0
Comparou-se a probabilidade de sobrevida acumulada proteicas até o 3o dia
TN = terapia nutricional.
por curva de Kaplan-Meier entre pacientes com dieta zero
por dois ou mais dias versus aqueles com dieta precoce
iniciada entre 24-48h, pelo teste do log-rank. Para a curva
associada à TNE foi iniciada nas primeiras 24 horas da
de sobrevida foram censurados pacientes que obtiveram
internação, até o quarto dia para 72,7% (n=104) e para
alta para enfermaria ou domicílio, bem como pacientes
81,8% (n=117) dos casos, a TNP foi iniciada até o sétimo
transferidos para outro hospital. Estabeleceu-se um limite
dia de internação (frequência acumulada).
de significância estatística de 5% (p< 0,05). Utilizou-se o
pacote SPSS 20.0 para os cálculos estatísticos. A grande maioria dos pacientes apresentava-se com
algum grau de desnutrição. Tanto na internação quanto
no desfecho, somente 2,1% (n=3) dos pacientes estavam
RESULTADOS eutróficos. Foram considerados em risco nutricional
Foram incluídos 143 (4,2%) pacientes que atenderam ou desnutrido moderado 66,5% (n=95) na internação
aos critérios de inclusão já citados. As características e 48,3% (n=69) no desfecho. Os desnutridos graves
demográficas, peso corporal e os dados bioquímicos dos compreenderam 31,5% (n=45) na admissão e 49,7%
143 pacientes estudados podem ser observados na Tabela (n=71) no desfecho (Figura 1). Dessa maneira, houve
1. Os dados nutricionais encontram-se descritos na Tabela uma redução na população com risco nutricional ou
2. Para 44,8% (n=64) dos pacientes, a TNP exclusiva ou desnutrição moderada da internação para desfecho (66,5
vs. 48,3%; p=0,002), com consequente aumento dos
casos de desnutrição grave (31,5 vs. 49,7%; p=0,002),
(Figura 1).
Tabela 1 – Características demográficas, peso corporal, dados bioquímicos O tempo de internação na UTI foi de 18,5±16
e razão PCR/albumina dos pacientes críticos recebendo terapia nutricional
parenteral. [mediana:14 (variação:1-107)] dias. Apenas 2% (n=3)
Variáveis Média ± DP Mediana e variação dos pacientes receberam alta hospitalar e 78 (55%) foram
transferidos para outras unidades do próprio hospital
Idade (anos) 57,5 ± 17,8 60 (17-92)
ou para outras instituições. A mortalidade foi de 43,4%
Sexo (n; %)
(n=62) e significativamente maior entre os mais velhos
Masculino 78 (54,5) _
(p=0,018), nos que demoraram mais dias para iniciar
Feminino 65 (45,5) _ a TNP (p=0,017), nos que ficaram mais dias em dieta
Peso corporal estimado (kg) 76,2 ± 22,3 74,0 (35-178) zero (p=0,003), nos que ficaram mais tempo internados
Albumina sérica (g/dL) 2,51 ± 0,47 2,4 (1,6-4,0) (p=0,015) e nos pacientes com lactato sérico mais elevado
PCR (mg/dL) 203,4 ± 130,8 192 (8,7-662) (p=0,008) (Tabela 3).
Razão PCR/albumina 86,3 ± 50,0 80,6 (2,49-275,8) Em análise univariada, o risco de óbito foi maior
Lactato sérico (mg/dL) 20 ± 10,9 17 (7-102) entre pacientes que permaneceram em dieta zero
Glicemia (mg/dL) 152,6 ± 47,4 144,5 (68-198) ≥2 dias (odds ratio [OR]: 6,71; IC9% 2,34–19,26;
PCR = proteína C reativa. p<0,001), para aqueles que iniciaram a TNP após
BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
253
Behne TEG et al.

Figura 1 - Estado nutricional dos pacientes críticos estudados com nutrição parenteral na internação e no desfecho. *p=0,002 vs. risco nutricional ou desnutrido
moderado no desfecho (ASG=B); *p=0,002 vs. desnutrido grave no desfecho (ASG=C).

Tabela 3 – Comparação de média e desvio padrão de acordo com a ocorrência ou não de óbito entre os pacientes críticos recebendo terapia nutricional
parenteral.
Óbito
Variáveis Sim (M ± DP) Não (M ± DP) p
Idade (anos) 61,5 ± 16,2 54,5 ± 18,3 0,018
Peso corporal (kg) 77,4 ± 25,9 75,3 ± 19,3 0,582
Necessidade calórica (kcal/kg) 23,2 ± 4,76 24,2 ± 4,65 0,232
Necessidade proteica (g/kg) 1,32 ± 0,23 1,36 ± 4,76 0,344
Dia para início da TNP 6,6 ± 8,7 3,5 ± 5,1 0,017
Dias em dieta zero 0,92 ± 1,28 0,36 ± 0,69 0,003
Dia que atingiu a NC 4,8 ± 3,1 3,9 ± 2,1 0,075
Dia que atingiu a NPtn 4,6 ± 3,2 3,6 ± 1,8 0,057
Tempo de internação (dias) 22,4 ± 19,2 15,5 ± 12,3 0,015
Albumina sérica (g/dl) 2,49 ± 0,50 2,52 ± 0,45 0,800
PCR (mg/dL) 211,2 ± 134,5 197,3 ± 128,4 0,531
Razão PCR/albumina 91,1 ± 63,5 82,7 ± 55,6 0,406
Lactato sérico (mg/dL) 23,0 ± 14,5 17,7 ± 6,07 0,008
Glicemia (mg/dL) 156,2 ± 45,5 149,7 ± 48,9 0,423
TNP= terapia de nutrição parenteral; NC= necessidade calórica; NPtn= Necessidade proteica, PCR= proteína C reativa.

o quarto dia (OR: 3,23; IC95% 1,5–6,97; p=0,002) IC95% 1,29–6,97; p=0,010) foram fatores de risco
e naqueles pacientes cujas necessidades proteicas só independentes para mortalidade entre os pacientes em
foram alcançadas após o quinto dia de TNP (OR: 3,28; cuidados intensivos.
IC95% 1,36–7,90; p=0,006) (Tabela 4). A análise A probabilidade de sobrevida acumulada em 30 dias
multivariada mostrou que permanecer em dieta zero foi de 68,8%, para pacientes com início precoce (24-48h)
por 2 ou mais dias (OR: 3,97; IC95% 1,13–13,91; da TN, e de 22,2%, para aqueles que permaneceram em
p=0,031) e iniciar TNP após o quarto dia (OR: 3,00; dieta zero por 2 ou mais dias (p=0,019) (Figura 2).
BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
254
Atraso no início da terapia nutricional parenteral e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos

Tabela 4 – Razão de chances (OR) e intervalo de confiança 95% para os fatores de risco relacionados ao óbito entre os pacientes críticos recebendo
terapia nutricional parenteral.
Variáveis Odds Ratio IC 95% p
Dieta zero ≥2 dias 6,71 2,34 – 19,26 <0,001
Início da TNP após o quarto dia 3,23 1,5 – 6,97 0,002
Atingir as necessidades proteicas 3,28 1,36 – 7,90 0,006
após o quinto dia
Atingir as necessidades calóricas 1,94 0,85 – 4,43 0,111
após o quinto dia
TNP= terapia de nutrição parenteral.

Figura 2 - Probabilidade de sobrevida acumulada (curva de Kaplan-Meier) em 30 dias para doentes críticos com dieta zero (linha verde) por 2 ou mais dias ou
dieta precoce com início entre 24-48 horas (linha azul). Diferença significante entre os dois grupos pelo teste do log-rank (p=0,01).

DISCUSSÃO Novos estudos têm desmistificado a ideia de que TNP em


pacientes críticos está associada a maior risco de complica-
Nossos resultados demonstraram que o jejum prolongado
ções. Várias pesquisas demonstraram que a TNP precoce
pode aumentar o risco de mortalidade em doentes críticos.
exclusiva ou associada à TNE, na verdade, leva à redução
Da mesma forma, retardar o início de TNP na UTI também de complicações, tempo de ventilação e mortalidade13,14.
aumenta o risco de óbito. Na nossa análise, essas duas vari- Provavelmente, esses novos estudos já utilizaram novas
áveis foram consideradas como preditores independentes de fórmulas de TNP, com novos lipídeos e sem promover uma
mortalidade. De outro ângulo, os resultados deste trabalho sobrecarga de calorias para o paciente crítico.
também mostraram que a probabilidade de sobrevida O estudo CALORIES, por exemplo, que comparou TNP
acumulada foi significativamente menor para os pacientes ou TNE, mostrou que no grupo TNP não houve aumento da
mantidos em dieta zero por 2 dias ou mais. mortalidade ou de complicações infecciosas15. Nessa linha, o
BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
255
Behne TEG et al.

estudo TICACOS16 demonstrou redução da mortalidade para Cerca de 50% dos nossos pacientes receberam metade
os pacientes com TNP associada à TNE vs. TNE exclusiva de das suas necessidades nutricionais, tanto calórica como a
28% vs. 48% (p<0,03). proteica, até o terceiro dia. Isso também pode ter influenciado
Entretanto, uma das limitações do presente estudo foi a em nossos resultados, uma vez que o preconizado é que a
não investigação da real causa do jejum prescrito, pois, na meta nutricional seja alcançada nesse terceiro dia.
instabilidade hemodinâmica, o jejum é terapêutico, devendo Recentemente, o estudo randomizado NUTRIREA-2, que
a TN ser postergada até que a estabilidade seja garantida17. teve por objetivo comparar a oferta de 20 a 25 kcal/kg
Contudo, é importante frisar que ainda existe um dogma em apenas 24 horas pela TNE ou TNP, mostrou que a TNE
quanto à prescrição precoce da TNP para os pacientes. Isso precoce não reduziu a mortalidade ou o risco de infecções,
pode ser constatado por meio dos nossos resultados, que mas foi associada a maior complicações do trato digestório,
demonstraram baixa prescrição da TNP, de apenas 4,2%. Em como diarreia, vômitos e isquemia intestinal em comparação
um estudo retrospectivo é difícil a investigação das causas à TNP precoce24. Os resultados desse estudo confirmam a
dessa baixa utilização. No entanto, é possível imaginar que dificuldade em atingir a meta nutricional apenas pela via
a manutenção dos pacientes com TNE insuficiente por muitos enteral, principalmente para pacientes críticos.
dias, associado ao receio da prescrição precoce da TNP, Nessa linha de raciocínio, a nutrição parenteral suple-
sejam as causas mais prováveis. mentar (NPS) vem sendo indicada como uma estratégia para
Outro ponto que pode limitar o início da TNP é a gravi- atenuar malefícios de uma nutrição enteral tardia ou insufi-
dade do paciente crítico, determinada pelos marcadores ciente7,10,12,15,16. Porém, o momento ótimo de iniciar TNP exclu-
bioquímicos, como, por exemplo, na presença de hiper- siva ou suplementar diverge de acordo com duas importantes
glicemia e desequilíbrio hidroeletrolítico. Nesse contexto, sociedades de TN. Manter a TNE exclusiva até o 7o dia (American
embora o paciente possa evoluir com inflamação grave Society of Parenteral and Enteral Nutrition - ASPEN)3 ou iniciar
ou sepse, isso por si não contraindica o início da TNP. Por TNP no 3o dia de TNE insuficiente (ESPEN) são discussões atuais
exemplo, nossos dados mostraram que pacientes com níveis e frequentes em TN para o paciente crítico9,15.
mais elevados de lactato sérico foram os que apresentaram A utilização de NPS para otimizar a oferta nutricional tem
maior mortalidade, todavia não podemos afirmar que para sido estudada, com resultados promissores, como apresen-
esses pacientes a TNP está contraindicada. tado por Heidegger et al.6 em um estudo controlado e rando-
Em relação à mortalidade, os pacientes mais velhos ou mizado. Os pacientes selecionados foram aqueles que não
os idosos apresentaram maior risco de óbito quando compa- conseguiram atingir 60% das suas necessidades nutricionais
rados aos mais jovens. Realmente, pacientes idosos apre- por meio da TNE até o 3º dia. O estudo concluiu que TNP
sentam maior risco de óbito devido às alterações orgânicas associada à TNE diminuiu infecções nosocomiais, tempo de
associadas ao envelhecimento18. O envelhecimento por si já ventilação mecânica e custos hospitalares.
é um preditor independente para a mortalidade na UTI entre Por outro lado, o atraso no início da TN resulta em
os idosos19. Também os dados demonstraram, sem diferença aumento de complicações, tempo de permanência hospitalar
estatística, que os pacientes que foram a óbito eram também e mortalidade9,12,20,25. Nossos achados estão em concor-
os mais inflamados segundo a razão PCR/albumina. Nesse dância com a literatura, uma vez que permanecer em jejum
contexto da inflamação, alguns estudos correlacionaram por dois ou mais dias mostrou ser preditor independente de
uma proteína de fase aguda negativa (albumina) e outra óbito para pacientes críticos que receberam TNP em algum
positiva (PCR), bem como a razão PCR/albumina, como momento da internação. Também, para esses pacientes em
marcadores importantes de inflamação e de prognóstico dieta zero, a probabilidade de sobrevida foi significativamente
para mortalidade20,21. menor em 30 dias quando comparada a dos pacientes que
Outro ponto é que, embora nossos dados tenham iniciaram TN no período menor que dois dias.
mostrado que a TN precoce foi iniciada para aproxima- Quanto à desnutrição, nossos dados encontraram uma
damente 90% dos pacientes, nem todos iniciaram a TNP realidade preocupante, uma vez que cerca de um terço
no primeiro dia, e isso pode ter contribuído para o déficit dos pacientes que receberam TNP internaram desnutridos
calórico-proteico e, consequentemente, para a taxa de óbito. graves e ainda esse percentual aumentou para quase 50%
É fato que a meta nutricional é mais difícil de ser atin- ao longo da internação. Durante o tempo de permanência
gida com TNE quando comparada à TNP. A via entérica, em UTI, os pacientes podem evoluir, nos primeiros 10 dias,
embora mais fisiológica, está comumente associada a maior dependendo da gravidade, com desnutrição grave, devido
intolerância pelos transtornos do trato digestório3,10,14-17. Ao à resposta inflamatória sistêmica, que cursa com proteólise
contrário, a TNP garante uma oferta maior e mais precoce intensa e consequente perda de massa magra, desenvolvendo
de calorias e nutrientes10,13,16,22,23. a fraqueza adquirida na UTI4,26,27.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
256
Atraso no início da terapia nutricional parenteral e mortalidade em pacientes em cuidados intensivos

É sabido que o tema desnutrição hospitalar continua 13. Simpson F, Doig GS. Parenteral vs. enteral nutrition in the criti-
sendo alvo de pesquisas que confirmam o elevado percentual cally ill patient: a meta-analysis of trials using the intention to
treat principle. Intensive Care Med. 2005;31(1):12-23.
de pacientes desnutridos nas unidades hospitalares28. Internar 14. Doig GS, Simpson F, Sweetman EA, Finfer SR, Cooper DJ,
desnutrido e a piora no estado nutricional durante a inter- Heighes PT, et al. Early PN Investigators of the ANZICS
nação podem ter contribuído com os resultados encontrados. Clinical Trials Group. Early parenteral nutrition in criti-
cally ill patients with short-term relative contraindications to
early enteral nutrition: a randomized controlled trial. JAMA.
2013;22;309(20):2130-8.
CONCLUSÃO 15. Doig GS, Simpson F. CALORIES trial offers confirmatory
evidence that parenteral nutrition does not cause infectious compli-
Assim, como avaliação final, nossos dados demonstraram
cations in critically ill patients. Evid Based Med. 2015;20(2):60.
os prejuízos do jejum prolongado, do atraso em iniciar a 16. Singer P, Anbar R, Cohen J, Shapiro H, Shalita-Chesner M, Lev
TNP, bem como em atingir as necessidades nutricionais, S, et al. The tight calorie control study (TICACOS): a prospec-
podendo então estar associados à mortalidade em pacientes tive, randomized, controlled pilot study of nutritional support
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Local de realização do estudo: Hospital de Câncer de Mato Grosso, MT, Brasil.

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.


BRASPEN J 2019; 34 (3): 251-7
257
A Artigo Original
Campos FM et al.

Correlação e acurácia de métodos subjetivos de


avaliação do estado nutricional com desfechos
clínicos em pacientes cirúrgicos
Correlation and accuracy of subjective methods of nutritional assessment with clinical outcomes
in surgical patients

RESUMO
Franciele Maciel Campos¹
Norma Guimarães Marshall2 Introdução: A desnutrição hospitalar tem alta prevalência e apresenta correlação com o aumento
da morbimortalidade. Recomenda-se o uso de triagem nutricional precoce para garantir uma
terapia nutricional adequada e redução das complicações. O objetivo deste trabalho foi avaliar
a concordância e acurácia entre métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional com
desfechos clínicos em pacientes cirúrgicos de um hospital público do Distrito Federal, Brasil.
Método: Foi realizado um estudo de acurácia e correlação de desfechos em um hospital público
do Distrito Federal. Aplicaram-se, em até 72 horas da admissão, a Avaliação Subjetiva Global
(ASG) e ferramenta de diagnóstico nutricional da AND-ASPEN (Academy of Nutrition and Dietetics
– American Society of Parenteral and Enteral Nutrition), assim como parâmetros antropométricos.
Os desfechos avaliados foram: presença de complicações infecciosas e não-infecciosas, tempo de
internação ou óbito. Foram calculados médias, desvio padrão, teste do Qui-quadrado, sensibili�
dade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo e Kappa. Resultados: Foram avaliados
153 pacientes, cujo tempo médio de internação foi 6,36 ±6,66 dias. Houve associação positiva
entre tempo de internação e complicações infecciosas e não-infecciosas (p<0,00001), assim como
em relação aos pacientes classificados como desnutridos por qualquer uma das ferramentas. Em
relação à acurácia do método, foi encontrada especificidade de 100%, sensibilidade de 87% e
acurácia de 88%, considerado satisfatório. Conclusão: A presença de desnutrição identificada
tanto pela ASG quanto pela AND-ASPEN foi associada a maior ocorrência de complicações infec�
ciosas e não-infecciosas. Por ser um método recente e inovador, mais estudos são necessários
para consolidação do uso dessa ferramenta em pacientes hospitalizados.

ABSTRACT
Introduction: Hospital malnutrition has a high prevalence and is correlated with increased
morbidity and mortality. Early nutritional screening is recommended to ensure adequate nutritional
Unitermos: therapy and reduction of complications. The objective of this study was to evaluate the agree�
Desnutrição. Avaliação Nutricional. Estado
�������������
Nutri� ment and accuracy between subjective methods of assessment of nutritional status with clinical
cional. outcomes in surgical patients of a public hospital in the Federal District, Brazil. Methods: A study
accuracy and correlation of outcomes in a public hospital in the Federal District was conducted.
Keywords: It is applied within 72 hours of admission to Subjective Global Assessment (SGA), and the new
Malnutrition. Nutrition Assessment. Nutritional Status.
nutritional diagnostic tool AND-ASPEN (Academy of Nutrition and Dietetics - American Society of
Parenteral Enteral Nutrition in) as well as anthropometric parameters. The outcomes evaluated
Endereço para correspondência:
Franciele Maciel Campos were: presence of infectious and noninfectious complications, time of hospitalization or death.
Rua Paranaíba Qd. 09 Lt. 04 – Divino Espírito Santo Outcomes were evaluated until 28 days after hospital admission by the presence of infectious
– Mineiros, GO, Brasil – CEP 75830-000. and non-infectious complications, length of stay or death. Results: A total of 153 patients, whose
E-mail: francampos2533@gmail.com.br average length of stay was 6.36 ± 6.66 days. There was a positive association between length
of stay and complications (p<0.00001), as compared to patients classified as malnourished by
Submissão either tool. With respect to validation, a specificity of 100% was found, sensitivity of 87% and
5 de junho accuracy of 88% which gives a satisfactory result for the indicators. Conclusions: Malnutrition
identified both by ASG as the AND-ASPEN was associated with a higher incidence of infections
Aceito para publicação and non-infectious complications. Because it is a new and innovative method, further studies are
10 de outubro needed to consolidate the use of this tool in hospitalized patients.

1. Residente do Programa de Residência em Nutrição Clínica, Hospital Regional da Asa Norte, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal,
Brasília, DF, Brasil.
2. Preceptora do Programa de Residência em Nutrição Clínica, Hospital Regional da Asa Norte, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal,
Brasília, DF, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64


258
Correlação e acurácia de métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional com desfechos clínicos em pacientes cirúrgicos

INTRODUÇÃO possibilita recuperação mais rápida do estado nutricional e


No ambiente hospitalar, a desnutrição é prevalente, como a possível minimização de complicações clínicas6,7.
verificado pelo Estudo Latino-Americano de Nutrição (ELAN)1 Com o passar das décadas, foram criadas diversas ferra-
e o Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar mentas com o objetivo de avaliar o estado nutricional, adap-
(IBRANUTRI)2, na América Latina e no Brasil, que demons- tadas ao público e tipo de serviço hospitalar oferecido. Avaliação
traram que cerca de 50% da população avaliada apresen- Subjetiva Global (ASG) é validada em pacientes cirúrgicos. Essa
tavam algum tipo de desnutrição. A desnutrição hospitalar ferramenta é reconhecida mundialmente e, muitas vezes, consi-
também está associada ao aumento da mortalidade, morbi- derada o padrão ouro de Avaliação Nutricional Subjetiva6-8.
dade, risco de infecções, dificuldade de cicatrização, tempo Um método subjetivo de avaliação e diagnóstico nutri-
de internação e custos hospitalares3,4. cional foi proposto em 2012, após reunião entre especia-
A desnutrição em pacientes cirúrgicos pode ser causada listas durante os congressos da ASPEN (American Society for
tanto por condições socioeconômicas, como também pelo Parenteral and Enteral Nutrition) e ESPEN (European Society
fato de o trauma induzir ao aumento do catabolismo, for Clinical Nutrition and Metabolism) e, sugere a análise
especialmente naqueles com doenças gastrintestinais, mais da causa da desnutrição baseada na sua etiologia (doença
vulneráveis a condições clínicas, como ingestão alimentar aguda ou crônica) e quanto à gravidade (em grave ou não
insuficiente, má-absorção intestinal e expressiva perda de grave). Tudo isso baseado no pressuposto de que a infla-
massa muscular2,5. mação associada a situações clínicas agudas ou crônicas
Quando se identifica precocemente a desnutrição, contribui para a piora do estado nutricional, com uma maior
torna-se possível a intervenção nutricional adequada, que perda muscular (Figura 1 e Quadro 1)9-11.

Figura 1 - Definições de desnutrição baseada na etiologia.

Quadro 1 – Relação entre presença de infecção e desnutrição.


Sem Inflamação Com Inflamação
Desnutrição não relacionado à doença Desnutrição relacionado à doença
OU Doença: aguda = < 3 meses (Inflamação grave)= trauma, queimaduras,
Desnutrição relacionada à inanição Infecção grave, pancreatite aguda, sepse, grandes cirurgias, necroses,
radiação, DII, TU vários graus
Inanição Doença Crônica => 3 meses (Inflamação L/M) = Ex: CH, câncer de pâncreas, falência
Anorexia nervosa de órgãos, artrite reumatoide, obesidade sarcopênica
Fome crônica pura
Em 1 semana ocorre ↑catabolismo proteico para produzir ↑PCR e ↓ Albumina, ↑ febre, ↑ do metabolismo e das necessidades, Má absorção,
glicose, a seguir há resposta de adaptação ao jejum diarreia, ↑ proteólise, PTN de fase aguda, produção de radicais livres,
cobre sanguíneo, ↓ capacidade de cicatrização, intelectual e funcional,
↓ MM e tecido adiposo ↑ tempo de internação

BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64


259
Campos FM et al.

O objetivo deste trabalho foi avaliar a concordância e O método AND-ASPEN classifica a doença em aguda
acurácia entre métodos subjetivos de avaliação do estado ou crônica, considerando o tempo de acometimento pela
nutricional com desfechos clínicos em pacientes cirúrgicos doença: até 3 meses, doença aguda, e tempo superior, em
de um hospital público do Distrito Federal. doença crônica. Para definição da gravidade da desnutrição,
são avaliados os critérios: ingestão energética; perda de peso
MÉTODO recente; perda de gordura subcutânea e de tecido muscular;
presença de edema e força do aperto de mão. Para diag-
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa nóstico da desnutrição, um mínimo de dois (2) parâmetros
da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde avaliados devem apresentar alteração. Para cada parâmetro
(FEPECS), sob o número de protocolo 960.637∕15. Os é realizada uma análise subjetiva e classificação em “sem
pacientes foram informados minuciosamente sobre os objetivos alteração”, “alteração leve a moderada” e “alteração impor-
da pesquisa, riscos e benefícios, bem como dos parâmetros a tante”. A análise de todos os parâmetros em seu conjunto
serem avaliados e cada um assinou o Termo de Consentimento favorece a classificação do diagnóstico nutricional em: “não
Livre e Esclarecido (TCLE). Todos os dados foram mantidos em desnutrido”, “desnutrido não grave” e “desnutrido grave”. No
sigilo, assegurando o anonimato dos sujeitos de pesquisa, de momento da coleta de dados, o serviço ainda não possuía
acordo com a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional
dinamômetros para avaliação da força de aperto de mão.
de Saúde do Ministério da Saúde (CNS/MS).
O peso dos pacientes foi aferido com balança eletrônica
Foi realizado de abril a junho de 2015, um estudo de
digital portátil, a estatura foi aferida com uso de estadiômetro
acurácia, prospectivo observacional analítico e de concor-
e para os acamados, foi utilizada a aferição da altura recum-
dância de métodos subjetivos de avaliação do estado nutri-
bente, com o paciente trajando roupas leves e sem sapatos.
cional com desfechos clínicos, em um hospital público do
Nos casos em que não foi possível aplicar nenhum método
Distrito Federal, o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN),
recorreu-se à utilização do peso e altura referidos. O índice
na unidade de Cirurgia Geral.
de massa corporal foi calculado em sequência (kg∕m²). A
Foram incluídos todos os pacientes internados durante classificação foi feita com base na Organização Mundial
os 3 meses referentes ao período de coleta de dados da de Saúde12, para pacientes de 19 a 59 anos de idade, e
pesquisa para realizar cirurgia do trato gastrointestinal, sendo Lipschitz13, para pacientes de 60 anos ou mais.
excluídos os pacientes menores de 18 anos, os internados há
A avaliação dos desfechos foi realizada por análise de
mais de 3 dias em outra unidade hospitalar; pacientes que
óbitos, alta ou permanência na unidade de internação e
realizaram cirurgia bariátrica ou urológica; pacientes que
foram reinternados com complicações no período anterior reinternações em até 28 dias após a avaliação. As compli-
ao início da pesquisa; os incapazes de informar os dados cações pós-operatórias foram classificadas em infecciosas
necessários para a realização das avaliações ou que não ou não-infecciosas. Consideraram-se complicações pós-
tivessem acompanhante apto para esse fim, cirurgias cance- operatórias anormalidades que ocorreram no período
ladas, pacientes que tiveram transferência para outro hospital após a operação. As complicações não-infecciosas foram
antes do tempo necessário para acompanhar o desfecho. aquelas em que houve exacerbação de doenças prévias
ou insuficiências orgânicas, deiscências e fístulas. Compli-
Foram coletados dados referentes à identificação dos
cações infecciosas consideraram-se sepse, pneumonia e
pacientes, diagnóstico, data de internação e alta, tempo
infecção da ferida operatória.
de internação, cirurgia realizada, antropometria, resultados
das avaliações nutricionais, além de desfechos clínicos e O porte das cirurgias foi verificado pela avaliação da
complicações pós-operatórias, sendo estes registrados em descrição do procedimento cirúrgico no prontuário eletrônico
um formulário de coleta de dados. do paciente, que levou em consideração tempo da cirurgia,
tamanho da incisão e avaliação do próprio cirurgião.
A avaliação nutricional foi realizada com a aplicação
simultânea da ASG e AND-ASPEN, sendo realizada por um Os dados foram tabulados utilizando o software Micro-
único profissional, treinado para esse fim, em até 72 horas soft Excel® 2013. Para análise dos resultados, foi utilizado o
da admissão. A ASG avalia critérios de integração da história software estatístico R versão 3.1.0, com auxílio do ambiente
clínica recente (alteração de peso recente e ingestão alimentar, de trabalho RStudio. As médias estão descritas juntamente
sintomas gastrintestinais, capacidade funcional, estresse meta- com o desvio padrão. A associação e significância estatística
bólico da doença) e exame físico, que analisa perda de tecido foram testadas pelo teste Qui-quadrado com a correção
adiposo subcutâneo e tecido muscular, presença de ascite e de Yates para duas variáveis dicotômicas. Foi avaliada a
edema). A análise de todos os itens forma em seu conjunto o acurácia dos instrumentos de avaliação nutricional, por meio
diagnóstico nutricional final de: A (bem nutrido), B (modera- do cálculo da especificidade, da sensibilidade, do valor predi-
damente desnutrido) ou C (gravemente desnutrido). tivo positivo e do valor preditivo negativo. Para possibilitar a
BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64
260
Correlação e acurácia de métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional com desfechos clínicos em pacientes cirúrgicos

comparação entre os métodos de avaliação nutricional (AND- O tempo médio de internação hospitalar foi de 6,36
ASPEN e ASG), os pacientes classificados pela AND-ASPEN ±6,66 dias. Ao se estratificar observou-se que os pacientes
como "desnutridos não graves" e "desnutridos graves" foram com complicações estiveram internados por uma média de
agrupados como "pacientes desnutridos", assim como os 13,2±9,3 dias (infecciosas 12,5±9 dias e não-infecciosas
pacientes classificados como "moderadamente desnutridos" 14,4±10 dias). Após o período de acompanhamento
e "gravemente desnutridos" pela ASG. Para avaliação de dos desfechos, 9 pacientes permaneceram internados na
concordância entre os instrumentos de avaliação de diagnós- unidade hospitalar.
tico do estado nutricional, foi calculado o coeficiente Kappa Os resultados da aplicação da ASG mostraram que
(K). A presença de significância estatística foi determinada 10% da amostra apresentavam algum grau de desnu-
conforme p-valor < 0,05. trição, enquanto que pela AND-ASPEN 22% apresentavam
desnutrição. Os resultados da aplicação da ASG e AND-
RESULTADOS ASPEN com seus respectivos graus de desnutrição podem
No período de coleta de dados, foram internados 564 ser observados na Tabela 2.
pacientes na unidade de cirurgia geral, dos quais 210 assi- Pela análise dos dados, verificou-se que a associação
naram o TCLE, mas de acordo com os critérios de exclusão, entre tempo de internação e complicações teve diferença
57 destes não fizeram parte da amostra. significativa (p<0,00001). Entre os pacientes que ficaram
Dos 153 pacientes restantes, 62,1% eram do sexo feminino internados por até 15 dias aproximadamente, 17% tiveram
(n=95), a média das idades foi de 45,2±15,5 anos (idades complicações. Já quando se analisaram aqueles que
entre 18 e 86 anos), sendo que 19% eram idosos (n=29). A ficaram mais de 15 dias internados, esse número cresceu
maioria das cirurgias foi considerada de pequeno porte (51%) e para mais de 82% dos pacientes.
o número de cirurgias de médio e grande porte foram similares. Resultados similares foram encontrados quando inves-
De modo geral, 76% da amostra não apresentaram compli- tigada a associação do estado nutricional da amostra e
cações (n=116), os demais desfechos podem ser analisados o tempo de internação. Observou-se que, independente-
pela análise descritiva encontrada na Tabela 1. mente do método de avaliação nutricional empregado,
15% dos pacientes desnutridos apresentaram internação
menor de 15 dias. Porém, quando se considerou o tempo
Tabela 1 – Caracterização da amostra dos pacientes internados na clínica de internação maior que 15 dias, esse valor aumentou
cirúrgica do HRAN, DF, Brasil, 2015 (n=153). para 50% e 76,5% para o método de avaliação ASG e
Variáveis N (%) AND-ASPEN, respectivamente. Nove pacientes permane-
Sexo ceram internados após o período de 28 dias de avaliação
dos desfechos.
Homens 58 37,9
Mulheres 95 62,1 Verificou-se, também, uma associação positiva entre
pacientes com perda ponderal e tempo de internação
Faixa etária
(p=0,00001), ou seja, pacientes com maior perda de
18 – 59 anos 124 81
peso apresentaram tempo de internação mais prolongado.
> 60 anos 29 19
Não houve diferença estatística significativa entre os
Peso (kg)
idosos desnutridos segundo a ASG e a ocorrência de
18 – 59 anos 73,6±13,2
complicações (p=0,1043), mas quando se utilizou a
> 60 anos 63,6±11,3 AND-ASPEN essa diferença foi observada (p=0,00868).
IMC (kg∕m²) As demais associações relacionadas aos idosos podem
18 – 59 anos 24,6±4,0 ser observadas na Tabela 3.
> 60 anos 27,3±4,9 Em relação à acurácia do método AND-ASPEN, foi
Porte da cirurgia evidenciada uma sensibilidade (capacidade de identificar o
Pequeno 79 51,6 paciente desnutrido) de 87% e especificidade (capacidade
Médio 35 22,9 de identificar o paciente que não apresenta desnutrição) de
Grande 39 25,5 100%. O valor preditivo positivo foi de 100% e o negativo
Complicações de 48,5%. A acurácia mostra que a aceitação dos dados
é de 88%, o que significa um resultado satisfatório para
Sem complicações 116 76
os indicadores utilizados. Dentro da escala de estudo, o
Infecciosas 22 14,2
índice Kappa encontrado de 0,59% é considerado regular
Não-infecciosas 15 9,8
(Tabela 4).
BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64
261
Campos FM et al.

Tabela 2 – Classificação de pacientes desnutridos de acordo com classificação de cada método de avaliação nutricional, internados na clínica cirúrgica
do HRAN, DF, Brasil, 2015.
AND-ASPEN DNGCDA DGCDA DNGCDC DGCDC DNGCCA DGCCA Não desnutridos
% (n) 8,49 (13) 5,88 (9) 4,57 (7) 1,96 (3) 0,7 (1) ___ 78,4 (120)
ASG ASG A ASG B ASG C
% (n) 89,5 (137) 9,8 (15) 0,65 (1)
Desnutrido (n) % Não desnutrido (n) %
ASG 16 10 137 90
AND 33 22 120 78
DNGCDA= desnutrição não grave no contexto da doença aguda; DGCDA= desnutrição grave no contexto da doença aguda; DNGCDC= desnutrição não grave no contexto da doença crônica;
DGCDC= desnutrição grave no contexto da doença crônica; DNGCCA= desnutrição não grave no contexto das circunstâncias ambientais; DGCCA= desnutrição grave no contexto das circunstân-
cias ambientais. ASG A= bem nutrido. ASG B= moderadamente desnutrido. ASG C= gravemente desnutrido.

Tabela 3 – Associações entre as variáveis da amostra dos pacientes ido- Tabela 4 – Validação da ferramenta de diagnóstico AND-ASPEN utilizando
sos ou adultos pelo teste X², internados na clínica cirúrgica do HRAN, DF, como padrão-ouro a ASG.
Brasil, 2015, n=153. Indicador %
Associação p-valor Sensibilidade 87,6
Tempo de internação Especificidade 100
Complicações Acurácia 88
Todos <0,00001 Valor Preditivo Positivo 100
> 60 anos 0,0008 Valor Preditivo Negativo 48,5
Desnutrido ASG Kappa 59
Todos <0,00001
> 60 anos 0,04267
Desnutridos AND-ASPEN DISCUSSÃO
Todos <0,00001
Identificar, de maneira precoce, o estado nutricional
> 60 anos 0,02137
de um paciente é vital para o início de terapia nutricional
Perda ponderal recente adequada, para evitar maior perda ponderal ou promover
Todos <0,00001 a sua recuperação, contribuindo para um melhor prog-
> 60 anos _ nóstico clínico durante a internação14. Estudos de acurácia
Porte da cirurgia são importantes para que sejam identificados os melhores
Todos <0,00001 métodos para o diagnóstico nutricional e sua respectiva
> 60 anos 0,01708 correlação com os desfechos clínicos15.
Complicações A média de idade encontrada neste estudo foi de
Desnutridos ASG 45,2±15,5 anos, diferentemente de outros estudos que
Todos 0,00004 encontraram uma maior frequência de idosos 5,8,16. A
> 60 anos 0,1043 fre­quência do sexo feminino foi de 62,1%. Almeida et al.8,
Desnutridos AND-ASPEN ao avaliarem 300 pacientes cirúrgicos, também observaram
Todos <0,00001 maior frequência do sexo feminino (56%), assim como
> 60 anos 0,00868 Moriana et al.16. Entretanto, Vidal et al.17 obtiveram 40,7% de
mulheres em sua amostra. Os estudos em geral demonstram
IMC
uma maior frequência de mulheres buscando o serviço de
Desnutridos ASG
saúde preventivamente, isso justifica a maioria desse gênero
Todos 0,00019
nos hospitais, tanto para realizar diagnóstico quanto para o
> 60 anos 0,03086
tratamento de doenças.
Desnutridos AND-ASPEN
O porte de cirurgia predominante neste estudo foi de
Todos 0,00005
pequenas cirurgias (51,6%), sendo que as cirurgias de médio
> 60 anos 0,0784
e grande porte foram em sua soma quase equivalentes
BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64
262
Correlação e acurácia de métodos subjetivos de avaliação do estado nutricional com desfechos clínicos em pacientes cirúrgicos

(48,4%). No estudo de Pham et al.18, realizado no Vietnã, era a prevalência de complicações infecciosas (33,6%) no
os pesquisadores aplicaram a ASG em 274 pacientes que pós-operatório em relação aos bem nutridos. Já Kuzu et al.21,
realizaram cirurgias de grande porte, dos quais 77,7% foram avaliando 460 pacientes cirúrgicos desnutridos pela ASG em
considerados com algum grau de desnutrição, já no presente um hospital da Turquia, obtiveram um índice de complicações
estudo foram 30,7% com esse mesmo resultado, tendo em de 30,6%. Goiburu et al.22 verificaram uma taxa de 58,4% de
vista o tamanho da amostra e o porte de cirurgia observado complicações infecciosas e não-infecciosas em desnutridos,
nesse estudo. índices maiores do que os encontrados em nosso estudo,
O tempo médio de internação encontrado entre todos justificado por fazer parte da amostra pacientes com trauma.
os pacientes foi de 6,36 ± 6,66 dias de internação, resul- O número de desnutridos detectados pela ASG foi menor
tado similar ao obtido por Moriana et al.16 em um estudo (n=16) do que pela AND-ASPEN (n=33), isso pode ser expli-
transversal com pacientes clínicos e cirúrgicos de um hospital cado pela ASG ter sido criada para detectar a desnutrição já
terciário, cujo tempo médio de internação hospitalar foi de instalada e ser pouco sensível a mudanças agudas, enquanto
6,97 dias. Leandro-Merhi et al.19, em outro estudo transversal a outra ferramenta já é mais sensível às mudanças, por levar
realizado com pacientes cirúrgicos de um hospital público em consideração a desnutrição como processo inflamatório.
brasileiro, obtiveram um tempo de internação de 5,6 ± 5,3 É sabido que pacientes cirúrgicos são mais propensos a
dias. O curto período de tempo de internação observado desenvolver um alto catabolismo e inflamação, o que pode
neste estudo pode ser justificado pelo grande número de facilitar o desenvolvimento da desnutrição nesses pacientes21.
cirurgias eletivas realizadas no período da pesquisa. O IMC teve associação com ambos os métodos de
Houve diferença significativa entre o tempo de inter- avaliação subjetiva, indicando que existe relação entre o IMC
nação quando estratificaram os pacientes conforme estado e a ocorrência de desnutrição. Nesta análise, a associação
nutricional. Em pacientes classificados como desnutridos maior foi com os pacientes com os menores valores de IMC.
pela ASG em relação aos bem nutridos, o p-valor foi de Pelo método da AND-ASPEN, a possibilidade de pacientes
<0,00001, mesmo resultado obtido por Almeida et al.5 em acima do peso serem classificados como desnutridos é maior
outra publicação. O que retifica o fato de que a desnutrição do que pela ASG. Wu al.23 avaliaram 751 pacientes chineses
é fator contribuinte para o aumento do tempo de internação submetidos a cirurgia e correlacionaram os resultados obtidos
hospitalar. pela ASG com o IMC. A ASG identificou 48,2% dos pacientes
como desnutridos contra 9,6% pelo IMC, sugerindo que o
Nicolo et al.20 fizeram um estudo em dois hospitais
IMC não é um bom parâmetro de avaliação isolado.
terciários dos Estados Unidos para verificarem a facilidade
para a aplicação da ferramenta da AND-ASPEN em 262 A ferramenta de diagnóstico da AND-ASPEN demonstrou
pacientes cirúrgicos e de clínica médica. A prevalência de uma sensibilidade de 87,6% e especificidade de 100%, valor
desnutrição entre os pacientes avaliados comparando-se preditivo positivo de 100% e valor preditivo negativo 48,5%.
ao deste estudo foi semelhante em relação à classificação Não há ainda estudos que tenham validado essa ferramenta
de doenças agudas, no entanto, quando avaliados em em pacientes cirúrgicos. Os resultados obtidos sugerem a
doenças crônicas foi diferente. Isso se deve principalmente possibilidade de ser bem aplicada nessa população.
ao tipo de participantes do estudo, que incluiu pacientes A ausência de óbitos neste estudo pode ser justificada pelo
de clínica médica. curto tempo em que se analisaram os desfechos e o grande
Não foram encontrados trabalhos que tenham reali- número de cirurgias eletivas. O estudo de Ceniccola et al.24,
zado os mesmos testes em pacientes cirúrgicos utilizando realizado com pacientes internados em UTI, demonstrou
o método AND-ASPEN, como no presente estudo. Nas a aplicabilidade da ferramenta AND-ASPEN em predizer
análises realizadas, houve diferença estatística significativa mortalidade.
tanto entre o tempo de internação dos pacientes desnutridos Uma das limitações do estudo foi o número de pacientes
(p<0,00001) quanto em relação à presença de complicações identificados com desnutrição por ambos os métodos ser
(p<0,00004), quando comparado aos classificados como menor do que o verificado por outros estudos1-4, provavel-
"não desnutridos" por essa ferramenta. Verificou-se que mente devido à característica da amostra, que em sua maioria
57% dos pacientes considerados desnutridos apresentaram correspondia a cirurgias eletivas e de pequeno porte. A baixa
complicações, enquanto entre aqueles que não tiveram incidência de desnutrição pode ter contribuído também na
desnutrição este número foi de aproximadamente 18%. baixa correlação entre outras variáveis.
A presença de complicações em pacientes considerados O método de diagnóstico nutricional da AND-ASPEN é
desnutridos pela ASG foi de 10%, com diferença significativa um instrumento novo e, apesar do treinamento realizado,
em relação aos bem nutridos (p=0,00004). Pham et al.18 a falta de prática e familiaridade do pesquisador com esse
verificaram que, quanto mais grave a desnutrição, maior método em detrimento da ASG pode ter influenciado no baixo
BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64
263
Campos FM et al.

valor de Kappa. Outras limitações observadas foram o curto 9. White JV, Guenter P, Jensen G, Malone A, Schofield M; Academy
período de coleta de dados que influenciou no tamanho da of Nutrition and Dietetics Malnutrition Work Group; A.S.P.E.N.
Malnutrition Task Force; A.S.P.E.N. Board of Directors. Consensus
amostra e a escassez de estudos com a ferramenta AND- statement of the Academy of Nutrition and Dietetics/American
ASPEN para comparação dos resultados. Society for Parenteral and Enteral Nutrition: characteristics recom-
mended for the identification and documentation of adult malnutri-
tion (undernutrition). J Acad Nutr Diet. 2012;112(5):730-8.
CONCLUSÃO 10. Malone A, Hamilton C. The Academy of Nutrition and Diete-
tics/The American Society for Parenteral and Enteral Nutrition
Os resultados do presente estudo sugerem que a ferra- consensus malnutrition characteristics application in practice.
menta de diagnóstico nutricional da AND-ASPEN é uma boa Nutr Clin Pract. 2013;28(6):639-50.
11. Jensen GL, Compher C, Sullivan DH, Mullin GE. Recognizing
opção para avaliação nutricional em pacientes cirúrgicos, malnutrition in adults: definitions and characteristics, screening,
tendo em vista os valores de sensibilidade, especificidade e assessment, and team approach. JPEN J Parenter Enteral Nutr.
acurácia encontrados em relação ao padrão ouro utilizado. 2013;37(6):802-7.
12. WHO. Obesity: preventing and managing the global epidemic.
Verificou-se uma associação significativa entre o estado Report of a WHO Consultation. WHO Technical Report Series
nutricional e os desfechos no pós-operatório. A presença de 894. Geneva: World Health Organization; 2000.
13. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim
desnutrição identificada tanto pela ASG quanto pela AND- Care. 1994;21(1):55-67.
ASPEN foi associada à maior ocorrência de complicações 14. Thieme RD, Cutchma G, Chieferdecker ME, Campos AC. Nutri-
infecciosas e não-infecciosas. Assim como o porte da cirurgia tional risk index is predictor of postoperative complications in
operations of digestive system or abdominal wall? Arq Bras Cir
e a perda ponderal recente foram associados a um maior
Dig. 2013;26(4):286-92.
tempo de internação hospitalar. 15. Beghetto MG, Luft VC, Mello ED, Polanczyk CA. Accuracy
Por ser um método recente e inovador, mais estudos são of nutritional assessment tools for predicting adverse hospital
outcomes. Nutr Hosp. 2009;24(1):56-62.
necessários para consolidação do uso dessa ferramenta em 16. Moriana M, Civera M, Artero A, Real JT, Caro J, Ascaso JF, et al.
pacientes cirúrgicos hospitalizados. Validity of subjective global assessment as a screening method
for hospital malnutrition. Prevalence of malnutrition in a tertiary
hospital. Endocrinol Nutr. 2014;61(4):184-9.
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Local de realização do estudo: Programa de Residência em Nutrição Clínica, Hospital Regional da Asa Norte, Secretaria de
Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasil.
Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 258-64
264
A Avaliação do tempo de jejum pré e pós-operatório e do estado nutricional de pacientes pediátricos submetidos a transplante hepático
Artigo Original

Avaliação do tempo de jejum pré e pós-


operatório e do estado nutricional de pacientes
pediátricos submetidos a transplante hepático
Assessment of pre and post-operative fasting and nutritional status of pediatric patients un-
dergoing liver transplantation

RESUMO
Mariana Takahashi1
Camila Vieira dos Santos2 Introdução: O tempo prolongado de jejum perioperatório pode ocasionar prejuízos ao estado
Maria Aparecida Carlos Bonfim3 nutricional. Sendo a desnutrição um dos fatores que interferem na sobrevida de crianças submetidas
Rafael Cairê de Oliveira dos Santos4 a transplante hepático, a abreviação do jejum pré-operatório, bem como a realimentação precoce,
Camila Pugliese5 são pontos de grande relevância na recuperação destes pacientes. O objetivo deste estudo foi
avaliar o tempo de jejum pré e pós-operatório e o estado nutricional de crianças e adolescentes
submetidos a transplante hepático. Método: Foram avaliados 31 pacientes, o estado nutricional
foi classificado em relação à presença ou não de desnutrição, indicada pela classificação da
circunferência do braço. O protocolo institucional para abreviação do tempo de jejum preconiza o
consumo de alimentos sólidos leves até 6 horas antes do procedimento cirúrgico, e a reintrodução
de dieta em até 48 horas. Os tempos de jejum no pré e pós-operatório foram comparados com o
proposto pelo protocolo em questão. Resultados: No total, 16 (61,5%) pacientes apresentaram
percentil de circunferência do braço indicativo de desnutrição. O tempo de jejum pré-operatório
mediano foi de 9 horas (IIQ: 4,83 – 62,5 horas), enquanto o pós-operatório foi de 53,16 horas
(IIQ: 28 – 171,3 horas), 5 (16,12%) pacientes realizaram jejum pré-operatório conforme orien-
tação do protocolo institucional, enquanto 13 (46,42%) foram realimentados segundo o protocolo.
Conclusão: Os pacientes permaneceram em jejum por um período de tempo maior do que o
recomendado. Sabendo que com frequência essa população encontra-se desnutrida, é necessário
um esforço conjunto da equipe multidisciplinar, para que o protocolo seja colocado em prática.
Unitermos:
Transplante de Fígado. Avaliação Nutricional. Des- ABSTRACT
nutrição. Jejum. Pediatria. Introduction: Prolonged perioperative fasting may lead to impairment of nutritional status. Malnu-
trition is one of the factors that interfere in the survival of children undergoing liver transplanta-
Keywords: tion, preoperative fasting abbreviation, as well as early refeeding are points of great relevance
Liver Transplantation. Nutrition Assessment. Malnu- in the recovery of this patient. The purpose of this study is to assess of pre and post-operative
trition. Fasting. Pediatrics. fasting and the nutritional status of children and adolescents who underwent liver transplantation.
Methods: We studied 31 patients, the nutritional status was classified according to the presence
Endereço para correspondência: or absence of malnutrition indicated by the arm circumference. The fasting abbreviation institu-
Mariana Takahashi tional protocol recommends the consumption of light solid foods until 6 hours before the surgical
Rua Visconde de Inhaúma, 178 – apt 507 – Bairro procedure, and the diet reintroduction within 48 hours. The pre and postoperative fasting were
Saúde – São Paulo, SP, Brasil – CEP: 04145-030 compared with that proposed by the protocol. Results: In total, 16 (61.5%) patients have arm
E-mail: mariana.mtakahashi@gmail.com circunference percentile indicative of malnutrition. The median preoperative fasting was 9 hours
(IIQ: 4.83 - 62.5 hours), while the postoperative fasting was 53.16 hours (IIQ: 28 - 171.3 hours),
Submissão only 5 (16.12%) patients were fasted preoperative as recommended by the institutional protocol,
18 de setembro de 2019 while 13 (46.42%) were re-fed according to the protocol. Conclusion: Patients remain fasted for
a longer period than recommended. Given the knowledge that these patients frequently face
Aceito para publicação malnourishment, it becomes necessary a joint project of the multidisciplinary team, so that the
13 de outubro de 2019 service is put into practice.

1. Nutricionista Residente do Programa de Atenção Clínica Especializada em Pediatria com ênfase em Cardiopulmonar, Instituto da Criança do
Hospital das Clínicas, São Paulo, SP, Brasil.
2. Nutricionista Residente do Programa de Atenção Clínica Especializada em Pediatria com ênfase em Cardiopulmonar, Instituto da Criança do
Hospital das Clínicas, e Especialista em Nutrição em Saúde Pública pelo Programa de Aprimoramento Profissional de Nutrição da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
3. Nutricionista da Enfermaria Cirúrgica Infantil do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, São Paulo, SP, Brasil.
4. Farmacêutico Clínico do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, Mestre em Educação em Saúde pela Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
5. Nutricionista do ambulatório do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, Doutora em Ciências pelo programa de Medicina (Pediatra) pela
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70


265
Takahashi M et al.

INTRODUÇÃO estatura (E) ou comprimento (C) pré-cirúrgicos. Utilizando


A desnutrição energético-proteica grave afeta aproxima- esses dados, o índice de massa corporal (IMC) foi calculado
damente 60% das crianças com doença hepática crônica, pela divisão do peso pela estatura ao quadrado.
sendo secundária à interação de múltiplos fatores, entre os De acordo com os critérios da Organização Mundial
quais, diminuição da ingestão alimentar, má absorção intes- da Saúde (OMS)11, foram obtidos os índices de escore-z de
tinal e aumento das necessidades de nutrientes em função estatura para idade (zE/I) e de IMC para idade (zIMC/I) para
de maior gasto energético1,2. todas os pacientes avaliados, de peso para idade (zP/I) para
Tem sido demonstrado que a desnutrição, ou a piora do as crianças menores de 10 anos, e de peso para estatura
estado nutricional, é um dos fatores que interferem na sobre- (zP/E) para as menores de 5 anos. Para calcular os valores de
vida e está relacionada a maiores taxas de complicações pós- escore-z foram utilizados os softwares WHO Anthro® (versão
cirúrgicas em crianças submetidas a transplante hepático3. 3.2.2)12, para pacientes com faixa etária entre 0 a 5 anos, e
WHO Anthro Plus®13 para maiores de 5 anos.
O tempo prolongado de jejum perioperatório, somado
ao hipercatabolismo, provocado pelo estresse metabólico ao Antes da entrada no centro cirúrgico, foram aferidas as
trauma cirúrgico, pode ocasionar prejuízos ao estado nutri- medidas de circunferência do braço (CB) com auxílio de
cional ou exacerbar uma possível desnutrição pré-existente. uma fita métrica inelástica milimetrada, e da dobra cutânea
Além disso, um longo tempo de jejum provoca aumento triciptal (DCT) com um adipômetro (Plicômetro Skinfold
da resistência à insulina, aumenta o risco para infecções, Caliper - Saehan - SH5020), ambas no braço direito no
diminui a integridade intestinal e compromete o processo ponto médio entre o acrômio e o olecrano14. Os valores da
de cicatrização, podendo prolongar o tempo de internação4. circunferência muscular do braço (CMB) foram calculados
de acordo com Frisancho15 com a seguinte equação: CMB
Atualmente, a abreviação do jejum pré-operatório, bem
(mm) = CB (mm) - 3.14 x PCT (mm).
como a realimentação precoce, são pontos de grande
relevância na recuperação do paciente cirúrgico5. Estudos O estado nutricional foi classificado em relação à
apontam que realizar a última ingestão de alimentos sólidos presença ou não de desnutrição indicada pela circunferência
leves 6 horas antes do procedimento cirúrgico e reintrodução do braço. Devido ao frequente quadro de edema e/ou ascite
da dieta em até 48 horas após cirurgia são seguros e trazem existente em pacientes com doenças hepáticas3,16, parâmetros
inúmeros benefícios6-10. Porém, ainda observa-se grande que utilizam o peso não foram empregados para esta clas-
resistência dos serviços tradicionais em cirurgia pediátrica sificação. O valor de CB foi classificado utilizando a tabela
para a implantação desta conduta5. percentilar proposta por Frisancho17 para crianças maiores
Diante do pressuposto, o objetivo deste estudo é avaliar o de 1 ano, a qual classifica valores menores que percentil 5
tempo de jejum no pré e pós-operatório e o estado nutricional como desnutrição. Para crianças menores de 1 ano, a CB
de pacientes pediátricos submetidos a transplante hepático. foi classificada pelo do escore-z (zCB), utilizando o software
WHO Anthro (versão 3.2.2)12, sendo indicativo de magreza
valores abaixo de -2,00 (< percentil 3).
MÉTODO
Estudo do tipo transversal, no qual foram incluídos 31 Tempo de Jejum
pacientes de 0 a 17 anos, de ambos os sexos, submetidos a O tempo de jejum pré-operatório foi obtido a partir
transplante hepático no Instituto da Criança - Hospital das da diferença entre o horário da última ingestão alimentar
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São (informação contida no prontuário médico institucional ou
Paulo (HCFMUSP), no período de janeiro a novembro de referida pelo acompanhante) e o horário de entrada no
2018. Foram excluídos do estudo pacientes dos quais não centro cirúrgico. No pós-operatório, o tempo de jejum foi
fosse possível verificar o horário de início do jejum pré-opera- determinado a partir do horário de saída do centro cirúr-
tório e de reintrodução de dieta pós-cirurgia, ou que não gico até o momento da realimentação (via oral, enteral ou
houvesse dados suficientes para avaliação antropométrica. parenteral).
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi No hospital em que o estudo foi realizado é instituído o
apresentado e assinado pelos pais ou responsáveis legais, protocolo de abreviação de jejum pré e pós-operatório18,
bem como o Termo de Assentimento para pacientes entre 7
que visa reduzir o tempo de jejum de crianças e adoles-
e 17 anos, após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa
centes que serão submetidos a procedimentos cirúrgicos ou
da instituição sob o número 89768318500000068.
exames. O protocolo é fundamentado nas recomendações
do Projeto ACERTO6 e pela Resolução 2.1748, que dispõe
Avaliação do Estado Nutricional sobre o ato anestésico, e preconizam que o consumo de
Para a avaliação antropométrica foram coletados em alimentos sólidos leves seja realizado até 6 horas antes do
prontuário médico institucional os valores de peso (P) e procedimento cirúrgico, e a reintrodução de dieta aconteça
BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70
266
Avaliação do tempo de jejum pré e pós-operatório e do estado nutricional de pacientes pediátricos submetidos a transplante hepático

até 48 horas pós-cirurgia. O tempo de jejum no pré e pós-


Tabela 1 – Caracterização geral dos pacientes submetidos a transplante
operatório foram comparados com o proposto pelo protocolo hepático (n=31).
em questão18. População n (%)
Idade
Análise Estatística <2 anos 17,0 (54,8%)
A população estudada foi analisada de acordo com
2 a <5 anos 4,0 (12,9%)
idade, sexo, diagnóstico, tipo de transplante (doador cadáver
5 a <10 anos 7,0 (22,6%)
ou intervivos), modalidade cirúrgica (eletiva ou não-eletiva),
tempo de internação (calculado do dia da realização do >10 anos 3,0 (9,7%)
transplante hepático até a alta hospitalar), mortalidade, Sexo
dados antropométricos, e tempo de jejum pré e pós-opera- Masculino 13,0 (41,9%)
tório. Os dados foram tabulados em uma planilha de Excel®. Feminino 18,0 (58,1%)
Para análise estatística, as variáveis quantitativas foram Tipo de transplante
descritas em média e ± desvio padrão, quando distribuição Doador cadáver 7,0 (22,6%)
simétrica, e em mediana e intervalo interquartil (valor Intervivos 24,0 (77,4%)
mínimo – valor máximo), quando assimétrica. Os dados
Modalidade cirúrgica
categóricos foram apresentados em valores percentuais.
Para comparação do tempo de jejum pré e pós-cirúrgico Eletiva 23 (74,2%)
com o recomendado pelo protocolo de abreviação de jejum Não-eletiva 8 (25,8%)
foram gerados pelo programa Excel® os gráficos de dispersão Diagnósticos
(scatter plot). As variáveis foram analisadas pelo programa Atresia de vias biliares 16,0 (54,6%)
SPSS versão 13,0 e MedCalc 17.9.2. Hepatite (fulminante, idiopática ou autoimune) 7,0 (22,6%)
Colestase 6,0 (19,4%)
RESULTADOS Tirosinemia 1,0 (3,2%)
Foram incluídos 31 pacientes, com idade mediana de Hiperoxalúria primária 1,0 (3,2%)
18 meses (IIQ: 6 – 214 meses), com maior predominância Mortalidade
de crianças menores de 2 anos, sendo a maioria do sexo Óbitos 8,0 (25,8%)
feminino (Tabela 1). O principal motivo para realização do Tempo de internação (dias) 23,0 (1,0 - 92,0)
transplante hepático foi atresia das vias biliares. O tempo Os dados foram expressos em n (%) ou em mediana e intervalo interquartil quando indicado.
mediano de internação hospitalar foi de 23 dias (IIQ: 1 – 92
dias), com aproximadamente um quarto de óbitos.
Os valores antropométricos foram descritos na Tabela Tabela 2 – Avaliação antropométrica e classificação do estado nutricional
2. Em relação ao estado nutricional, 52,6% das crianças (n=31).
maiores de 1 ano apresentaram percentil de CB menor que Características n
5, e, portanto, o estado nutricional classificado como desnu- Peso (kg) 10,6 (6,6 - 41,0)
trição, e 85,7% das crianças menores de 1 ano apresentaram
Estatura (cm) 80,0 (60,6 -163,0)
magreza, com classificação de escore-z de CB menor que
IMC (kg/m²) 16,66 (± 2,92)
-2,0 ou menor que percentil 3. Em toda amostra, 16 (61,5%)
pacientes encontram-se com classificação de CB indicativa Escore-z P/I n=29 -1,06 (±1,21)
de desnutrição. Não foi possível aferir a medida de circunfe- Escore-z E/I -1,53 (±1,51)
rência do braço de 5 crianças, as quais realizaram transplante Escore-z IMC/I -0,08 (±1,67)
hepático não eletivos, com doador cadáver. Escore-z P/E n=21 -0,24 (±1,69)
O tempo de jejum pré-operatório mediano foi de 9 horas CB (cm) n=26 14,0 (±3,10)
(IIQ: 4,83 – 62,5 horas), enquanto o pós-operatório foi de DCT (mm) n=26 6,0 (2,0 - 15,0)
53,16 horas (IIQ: 28 – 171,3 horas). Ao comparar o tempo CMB (mm) n=26 11,95 (±2,51)
de jejum pré-operatório (Figura 1) e pós-operatório (Figura 2)
Estado nutricional (CB)
com o recomendado pelo protocolo de jejum, constatou-se
>1 ano (pCB < 5) n=19 10 (52,6%)
que 5 (16,12%) pacientes realizaram jejum pré-operatório
menor do que 6 horas, enquanto 13 (46,42%) foram reali- <1 ano (zCB < -2,00) n=07 6 (85,7%)
mentados em até 48 horas. Foram incluídos somente 28 Os dados foram expressos como média (± DP) ou em mediana e intervalo interquartil quando
indicado. O valor indicativo do estado nutricional foi expresso como número absoluto e per-
pacientes na análise do tempo de jejum pós-cirúrgico, pois centual (%). P/I = peso para idade; E/I = estatura para idade; IMC/I = índice de massa corporal
para idade; P/E = peso para estatura; CB = circunferência do braço; DCT = dobra cutânea
3 pacientes foram a óbito antes de serem realimentados. tricipital; CMB = circunferência muscular do braço.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70


267
Takahashi M et al.

Tempo de jejum pré-operatório

Pacientes (n = 31)

Tempo jejum pré-operatório Tempo jejum esperado (6 horas)


Figura 1 - Tempo de jejum pré-operatório em relação ao tempo de jejum sugerido pelo protocolo de jejum.
Tempo de jejum pós-operatório

Pacientes (n = 28)

Tempo jejum pós-operatório Tempo jejum esperado (48 horas)


Figura 2 - Tempo de jejum pós-operatório em relação ao tempo de jejum sugerido pelo protocolo de jejum.

DISCUSSÃO incentiva a redução do tempo de jejum pré-operatório e


Este estudo foi o primeiro a investigar o tempo de a realimentação precoce.
jejum do período perioperatório de pacientes pediá- Mais de 80% dos pacientes tiveram um tempo de jejum
tricos submetidos a transplante hepático. Os resultados pré-operatório superior à recomendação de 6 horas. No
demonstram que estes permaneceram um tempo em pós-operatório, apesar dos resultados serem melhores, mais
jejum pré e pós-operatório maior do que o recomendado da metade dos pacientes foi realimentada somente após 48
pelo Projeto ACERTO6 e pela Resolução 2.174 (2017)8, horas do término do procedimento cirúrgico. Brunet-Wood et
apesar da existência do protocolo institucional18, o qual al.19 encontraram resultados semelhantes no pré-operatório,
BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70
268
Avaliação do tempo de jejum pré e pós-operatório e do estado nutricional de pacientes pediátricos submetidos a transplante hepático

em um estudo com 53 pacientes pediátricos, os quais reali- Considerando-se que o transplante hepático pediátrico
zaram cirurgias gerais, neurocirurgias ou procedimentos ainda é pouco realizado em relação às demais cirurgias
urológicos, sendo estas divididas entre cirurgias complexas infantis no Brasil, o estudo apresentou como limitação uma
e não-complexas, 70% permaneceram em jejum por mais amostra reduzida. Além disso, foram incluídas crianças que
de 8 horas, já no pós-operatório, o tempo de jejum mediano realizaram cirurgias eletivas e não-eletivas, apesar da dife-
das cirurgias complexas foi de 30 horas. rença do preparo pré-operatório.
Apesar de evidências apontadas por diversos estudos Outro ponto de limitação do estudo foi que, embora o
recentes de que não há risco de aspiração associado à Projeto ACERTO6 e a Resolução 2.174 (2017)8 recomendem
anestesia ao reduzir o tempo de jejum pré-operatório, longos o uso de líquidos claros sem resíduos para abreviação do
períodos de jejum de 8 a 12 horas ainda são praticados6,19. tempo de jejum em até duas horas antes do procedimento,
O mesmo ocorre no pós-operatório, quando a conduta e do local do estudo usar está técnica em cirurgias eletivas,
convencional só permite a liberação da dieta após sinais a mesma não está sendo aplicada como rotina nos casos
clínicos do retorno do peristaltismo. Tal prática faz com que de transplante hepático. Isto se deve ao fato de a instituição
o jejum pós-operatório se prolongue por até cinco dias em não contar com nutricionistas disponíveis durante o período
média, no entanto, estudos vêm demonstrando que o abre- noturno, quando seria necessária a aplicação do protocolo
viamento do jejum é capaz de promover um retorno mais com líquidos, já que o transplante é sempre agendado no
rápido da função gastrointestinal4,10,20,21. primeiro horário do centro cirúrgico.
O tempo de jejum prolongado no pré-operatório encon- Neste contexto, observa-se a necessidade de novos
trado nos resultados pode ter sido influenciado pela gravi- estudos, que analisem a aplicabilidade de protocolos de
dade dos casos dessa população, pacientes com quadro de abreviação de jejum pré e pós-operatório em cirurgias pediá-
hepatite fulminante, por exemplo, podem ter permanecido tricas de grande porte, como o transplante hepático. No caso
em jejum prolongado durante o pré-operatório devido às deste transplante, também é imprescindível averiguar se a
condições clínicas.
realimentação em até 48 horas é factível, devido à comple-
Outro ponto a ser considerado é a inclusão de casos de xidade cirúrgica e à frequente presença de complicações
transplantes eletivos e não-eletivos no estudo, já que estes pós-operatórias, o que pode indicar a necessidade de um
diferem em relação ao preparatório pré-cirúrgico. Sendo o guideline de abreviação de jejum específico para pacientes
procedimento eletivo previamente planejado, a abreviação pediátricos que serão submetidos a cirurgias de transplante
de jejum pode ser melhor conduzida, no entanto, a má no sistema gastroentérico.
aderência às orientações pré-operatórias pelos familiares
ou responsáveis dos pacientes pode acarretar em um jejum
prolongado também nestes casos22,23. CONCLUSÃO
Já, no pós-operatório, o longo tempo para reintrodução Apesar de já estar bem elucidada na literatura a impor-
alimentar pode estar relacionado à complexidade da cirurgia tância do tempo de jejum pré e pós-operatório reduzidos
de transplante hepático e possíveis complicações pós-opera- e da existência de um protocolo de abreviação de jejum
tórias, como sangramentos, instabilidade hemodinâmica, institucional, os pacientes permaneceram em jejum por um
insuficiência renal, infecções e trombose da artéria hepática período de tempo maior do que o recomendado.
ou veia porta. Além disso, com frequência esses pacientes Sabendo que, com frequência, essa população encontra-
são submetidos à reabordagem cirúrgica, ainda nos primeiros se desnutrida, é necessário um esforço conjunto da equipe
dias de pós-operatório1,24. multidisciplinar, envolvendo principalmente médicos cirur-
É importante salientar que, o jejum prolongado pode giões, enfermeiros e nutricionistas, para que o protocolo seja
ser um fator ainda mais prejudicial para os pacientes do colocado em prática sempre que possível, não permitindo,
estudo, os quais em grande parte encontram-se desnutridos, assim, que os longos períodos de jejum sejam mais um fator
o mesmo resultado foi apresentado por trabalhos anteriores prejudicial para o estado nutricional desses pacientes.
que avaliaram o estado nutricional de pacientes com doenças
hepáticas crônicas2,3,16.
AGRADECIMENTO
O problema torna-se mais crítico para as crianças com
idade abaixo dos 2 anos, faixa etária predominante no Agradecemos à equipe do transplante hepático pediátrico,
estudo. Estes são responsáveis pelo maior número de indica- especialmente ao Dr. Uenis Tannuri, pelas suas contribuições,
ções de transplante hepático pediátrico, e o estado nutricional e aos enfermeiros Paulo Renato de Alencar e Helena Thie
comprometido, associado ao procedimento cirúrgico de Miyatani, pelo auxílio na entrega dos termos de consenti-
grande porte, pode contribuir para um risco de mortalidade mento, ao estatístico Ulysses Doria Filho e nutricionista Bruna
ainda maior1,24,25. dos Santos Cardoso, pelo auxílio com a análise estatística,
BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70
269
Takahashi M et al.

e à coordenadora do centro de pesquisa clínica Juliana de 12. World Health Organization (WHO) [website] Anthro for personal
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Local de realização do estudo: Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 265-70


270
A Artigo Original
Reação inflamatória de fase aguda após lipoaspiração

Reação inflamatória de fase aguda após


lipoaspiração: qual o impacto do volume de
gordura aspirado?
Acute phase inflammatory response after liposuction: which is the Impact of the aspirated vo-
lume of fat tissue?

RESUMO
Sérgio de Souza Oliveira1
Jubert Sanches Cibantos2 Introdução: A resposta orgânica ao trauma operatório é importante causa de morbi-mortalidade.
Wagner Targa Ripari3 O impacto metabólico na lipoaspiração é pouco conhecido. O objetivo desse estudo foi investigar a
José Eduardo de Aguilar-Nascimento4 reação inflamatória de fase aguda imposta pela lipoaspiração, correlacionando o volume aspirado
de gordura no procedimento. Método: A amostra foi de 20 pacientes do sexo feminino não-obesas,
sem comorbidades, com idade entre 21 e 43 anos, índice de massa corporal entre 19 e 27 kg/
m2, submetidas à lipoaspiração. A lipoaspiração foi realizada pela técnica úmida, sob anestesia
geral. Foram colhidas amostras de sangue logo após a operação e no 1º dia de pós-operatório
para dosagem de marcadores de fase aguda. Resultados: A análise estatística foi realizada por
uma linha de corte de 1500 g de gordura aspirada e revelou reação inflamatória de fase aguda
significativamente mais intensa no grupo >1500 g em relação ao grupo ≤1500 g (p=0,02). A
proteína C reativa (PCR) e os índices IPIN (Índice Prognóstico Inflamatório Nutricional) e relação
Unitermos: PCR/albumina foram os marcadores mais alterados. Conclusões: A lipoaspiração determina
Lipectomia. Inflamação. Resistência à Insulina. Pro-
maior reação de fase aguda correlacionada ao volume de gordura aspirado.
teína C-reativa.

Keywords: ABSTRACT
Lipectomy. Inflammation. Insulin Resistance. C- Introduction: The intensity of the organic response to surgical trauma is a major cause of morbi-
reactive protein. dity and mortality. The impact of liposuction in metabolic response impact is narrowly known. This
study intended to investigate the acute phase response in liposuction, correlating its intensity to
Endereço para correspondência: the volume of fat suctioned. Methods: The sample consisted of 20 non-obese female patients,
José Eduardo de Aguilar-Nascimento with age ranging from 21 to 43 years, with body mass index between 19 and 27 kg/m2 submitted
Rodovia Helder Candia Condomínio Country, 15 – to liposuction. Liposuction was performed by wet technique and under general anesthesia. Blood
Cuiabá, MT, Brasil – CEP 78048-150 samples were collected at both the end of the surgery and on the 1st postoperative day for acute
E-mail: aguilar@terra.com.br
phase proteins assay. Results: Statistical analysis was performed establishing a cut-off point of
Submissão 1500 g of aspirated fat and showed significantly higher acute phase response in the group >
17 de agosto de 2019 1500 g in comparison to the group ≤ 1500 g (p = 0.02). C-reactive protein (PCR) plus the IPIN
(inflammatory nutritional prognostic index) and PCR/albumin ratio were the most altered markers.
Aceito para publicação Conclusions: Liposuction leads to increased postoperatively acute phase response which is related
3 de outubro de 2109 to the amount of aspirated fat tissue.

1. Professor da Disciplina de Anestesiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, MT, Brasil.
2. Cirurgião Plástico, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Cuiabá, MT, Brasil.
3. Cirurgião Plástico, Cuiabá, MT, Brasil.
4. Diretor Curso de Medicina do UNIVAG, Cuiabá, MT, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 271-5


271
Oliveira SS et al.

INTRODUÇÃO – MT, conforme protocolo Nº.766/CEP-HUJM/10. A


A resposta orgânica consequente ao trauma produzido amostra de pacientes utilizada para obtenção dos dados foi
por intervenções operatórias tem sido constante objeto selecionada segundo critério de conveniência, sendo recru-
de estudo, com demonstração de que, quando excessiva, tada entre os pacientes encaminhados para realização de
apresenta resultados negativos sobre os pacientes 1-4. A lipoaspiração praticada por dois cirurgiões plásticos, com
extensão do trauma responde diretamente pela intensi- técnica operatória semelhante e que operam no mesmo
dade desta resposta e das consequências sistêmicas1,2. ambiente hospitalar.
Ela tem fisiopatologia dependente de duas vias de esti- O critério de inclusão dos indivíduos obedeceu à
mulação: a aferência ao sistema nervoso e a sinalização seleção por intervalo de idade (18 a 45 anos), sexo femi-
direta das lesões celulares, pela liberação de citocinas1,4. nino, IMC entre 18 e 30 kg/m2 e condição clínica isenta
Ambas as vias confluem para o aumento da resistência de morbidade (escore ASA I). Os critérios de exclusão
insulínica, induzem à resposta inflamatória, alteram o foram recusa da paciente em participar do estudo,
metabolismo de aminoácidos, a função plaquetária e a tabagismo, etilismo, uso de drogas ilícitas, uso de medi-
função de órgãos, promovendo o catabolismo proteico, cação anorexígena ou derivada de hormônio tireoidiano,
gliconeogênese e lipólise1,5. A alteração na secreção da climatério precoce, alterações clínicas ou laboratoriais
insulina após o trauma tem duplo efeito: inicialmente na avaliação pré-operatória que significassem condição
ocorre supressão da sua liberação, como efeito direto física diferente de ASA I, cirurgias associadas, exceto
do pico de catecolaminas (fase aguda traumática ou implante de próteses mamárias ou quando o implante
fase ebb). Inicia-se nos primeiros minutos após o trauma, excedesse 120 minutos.
mantendo-se enquanto houver o estímulo agudo. Num As pacientes foram avaliadas em consulta pré-anestésica
segundo momento, há rápida elevação da insulina e sua condição clínica foi determinada pela anamnese e
(fase flow), consistindo numa atividade reacional à exame clínico, com verificação de parecer de risco cardioló-
ação contrária dos hormônios do eixo hipófise-adrenal, gico pré-operatório e exames complementares laboratoriais
tireoidianos, e ao efeito de citocinas e outros mediadores gerais. A anestesia geral venosa total foi a técnica empre-
inflamatórios liberados na sequência4. gada, com hidratação por administração de cristaloides
Ao tecido gorduroso corporal tem sido atribuído papel (ringer lactato) na infusão de 4-10 ml/kg/h. Os parâmetros
central no desempenho do metabolismo energético do de monitorização durante o ato operatório foram: pressão
organismo. Atualmente, vem sendo entendido como arterial indireta, cardioscopia, oximetria de pulso, capno-
tecido orientador de muitos dos processos do metabolismo grafia e diurese. A lipoaspiração foi realizada pela técnica
energético, do impacto endócrino-metabólico relacionado úmida, com a injeção subcutânea de aproximadamente 1
aos estados de fome/saciedade, da formação e liberação ml de ringer lactato/ ml de gordura aspirada, associado à
de produtos celulares à distância e das reações inflama- adrenalina 1:1000 000.
tórias sistêmicas6. A nossa hipótese é que a resposta de
Foram anotados os tempos da operação principal e da
fase aguda ao trauma seja proporcional ao volume de
prótese de mamas, nos casos de associação. O número de
gordura aspirada na lipoaspiração. A literatura é pobre
áreas corporais de incidência da lipoaspiração foi compu-
na descrição da resposta metabólica decorrente da lesão
tado, segundo o sítio anatômico da operação. A gordura
do tecido gorduroso durante a lipoaspiração. Assim,
total aspirada foi pesada em balança digital.
acreditamos que um trabalho que investigasse a reação
inflamatória de fase aguda em relação à quantidade de Foram colhidas amostras de sangue para a dosagem
gordura aspirada poderia contribuir com novos dados à sérica das proteínas de fase aguda inflamatória, no
literatura. início da anestesia, ao término da operação e no 1º de
dia de pós-operatório. Consistiram essas dosagens em
O objetivo desse estudo foi investigar a reação inflama-
mensuração de: albumina, pré-albumina, alfa1globulina
tória de fase aguda imposta pela lipoaspiração, correlacio-
ácida e proteína C-reativa ultrassensível. Os métodos
nando sua intensidade com a extensão da operação e volume
laboratoriais utilizados foram verde de bromocresol para
aspirado de tecido gorduroso.
albumina, nefelometria para a pré-albumina, turbidimetria
para a alfa1globulina ácida e nefelometria para proteína
MÉTODO C-reativa ultrassensível.
Trata-se de um estudo de coorte prospectivo. A pesquisa A partir das dosagens das proteínas de fase aguda
foi realizada após a aprovação pelo Comitê de Ética e inflamatória, foi calculado o Índice Prognóstico Inflamatório
Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Muller, em Cuiabá Nutricional (IPIN), como variável de resultado principal na
BRASPEN J 2019; 34 (3): 271-5
272
Reação inflamatória de fase aguda após lipoaspiração

mensuração da resposta inflamatória. Seu cálculo obedeceu


Tabela 1 – Dados demográficos e de bioimpedância basais (pré-opera-
à seguinte fórmula: tórios). (N=20)
Variáveis Média ± desvio padrão Erro padrão
Idade (anos) 31,1 ± 6,32 1,41
IMC (kg/m2) 23,23 ± 2,25 0,5
Gordura corporal total (g)* 19526 ± 4068 909
Índice Proteína C-reativa/Albumina (P/A) Água corporal total (ml)* 31430 ± 4635 1036
A partir das dosagens da albumina e PCR, como represen- IMC = índice de massa corporal.
*mensuradas por bioimpedância.
tativas das proteínas de fase aguda inflamatória, foi calculado
esse índice, como variável de resultado na mensuração da
resposta inflamatória. Sua fórmula simplesmente divide PCR/
Tabela 2 – Tempo de operação e número de áreas de lipoaspiração
albumina:
Variáveis N Média ± desvio Erro padrão
padrão
Tempo de lipoaspiração (min) 20 174,80 ± 11,09 49,61
Tempo de prótese mama (min) 9 63,55 ± 30,53 10,17
Nº de áreas aspiradas (1 a 4) 20 2,28 ± 0,16 0,70
Todos os dados contínuos foram inicialmente analisados
pelo teste de Levene, para testar a homogeneidade, e pelo
teste de Kolmogorov-Smirnov. Os dados homogêneos e
normais foram comparados pelo teste t de Student. Caso Tabela 3 – Resultados das variáveis bioquímicas principais colhidas ao final
da operação e índices calculados.
contrário, aplicou-se o teste de Mann-Whitney. As variáveis
Variáveis Média ± desvio Erro padrão
principais também foram comparadas pela correlação
padrão
bivariada de Pearson e pela análise multivariada pelo teste
Pré albumina sérica (mg/l) 296,0 ± 22,02 98,48
de ANOVA de medidas repetidas. O nível de significância
Albumina sérica (g/l) 3,57 ± 0,008 0,38
foi de 95% e os valores de p<0,05 considerados estatisti-
camente significantes. Todos os cálculos foram feitos por Proteína C-reativa (mg/l) 3,31 ± 0,87 3,91
computador, utilizando-se o programa Statistical Package Alfa1glicoproteína ácida (mg/l) 588,65 ± 38,42 171,81
for the Social Sciences (SPSS) for Windows 8.0. Os dados IPIN 0,21 ± 0,006 0,27
foram apresentados como média, desvio padrão e erro PCR/Albumina 0,11 ± 0,003 0,12
padrão médio. Os dados foram apresentados nas tabelas
como média, desvio padrão e erro padrão médio. Para a
variável contínua gordura total aspirada (GTA), mensurada Tabela 4 – Resultados das variáveis principais bioquímicas colhidas no 1º
em gramas, estabeleceu-se uma linha de corte de 1500g, a dia de pós-operatório.
partir da média calculada, subtraída de um desvio padrão. Variáveis Média ± desvio Erro padrão
Da mesma forma, para o tempo de cirurgia o corte foi de padrão
180 minutos. Pré albumina sérica (mg/l) 257,5 ± 13,88 62,05
Albumina sérica (g/l) 3,47 ± 0,12 0,55
RESULTADOS Proteína C-reativa (mg/l) 28,18 ± 5,86 26,22
Alfa1glicoproteína ácida (mg/l) 680,00 ± 43,66 195,29
Foram elegíveis 24 pacientes para o estudo, sendo que
IPIN 1,76 ± 0,32 1,42
quatro pacientes foram excluídas: três por recusa em parti-
cipar da pesquisa e uma por apresentar intolerância à glicose. PCR/ Albumina 0,67 ± 0,10 0,47
PCR = Proteína C Reativa.
Dessa forma, foram analisados 20 pacientes no estudo.
Não houve morbidade ou mortalidade no pós-operatório.
A partir dos dados coletados, a amostra ficou dividida em Analisando-se a distribuição dos casos nos dois grupos
dois grupos: grupo 1 = GTA ≤ 1500g (N = 11); e grupo com volume de gordura total aspirada (GTA) abaixo e acima
2 = GTA > 1500g (N = 9). Os dados demográficos estão de 1500g, observou-se que os valores comparativos apre-
apresentados na Tabela 1. Os dados relativos à operação sentaram diferença significativa, com elevação expressiva
estão dispostos na Tabela 2. Os dados bioquímicos são no grupo GTA ≥1500g, tanto ao final da operação, quanto
apresentados na Tabela 3 (pós-operatório imediato) e Tabela no 1º dia de pós-operatório. A diferença mais importante
4 (1º dia de pós-operatório). foi observada no 1º dia de pós-operatório, quando a PCR
BRASPEN J 2019; 34 (3): 271-5
273
Oliveira SS et al.

mostrou maior diferença entre os grupos divididos pela linha


Tabela 5 – Análise univariada para os valores de IPIN nos grupos de GTA
de corte, com significância estatística pela análise de Mann- ≤ 1500g e GTA > 1500g.
Whitney (p=0,03) (Figura 1).
IPIN GTA ≤1 500 GTA > 1500 P
Média ± desvio Média ± desvio
Demais Proteínas de Fase Aguda padrão (N=11) padrão (N=9)
Quando comparamos os dados entre os grupos de Início operação 0,12 ± 0,22 0,29 ± 0,26 0,12
GTA, nota-se que houve diferença entre eles, com o Final operação 0,11 ± 0,22 0,33 ± 0,28 0,08
grupo GTA>1500g apresentando aumento significativo 1º dia de pós- 1,11 ± 0,22 2,55 ± 1,66 0,02
da alfa1globulina ácida (p=0,015) em relação ao grupo operatório
GTA≤1500g (ANOVA de medidas repetidas). As demais
proteínas não apresentaram diferença significativa.
A relação PCR/albumina apresentou aumento significativo
tanto no grupo GTA≤1500g (de 0,06 ± 0,22 para 0,51 ±
IPIN e Relação PCR/albumina 0,32) quanto no grupo GTA>1500g (de 0,16± 0,11 para
O IPIN do grupo GTA>1500g foi significativamente maior 0,89 ± 0,55). Entretanto, o grupo GTA>1500g apresentou
(p=0,02) que o grupo GTA≤1500g na amostra do 1º dia esse índice maior tanto no PO imediato quanto no 1º dia de
de pós-operatório (Tabela 5 e Figura 2). pós-operatório (p<0,05).

Figura 1 - Evolução peri-operatória dos níveis de PCR antes e após a lipoaspiração nas duas amostras independentes de gordura total aspirada (GTA) ≤ 1500g e
>1500g. Dados representam a média e o desvio padrão. Os números em percentuais representam o aumento em cada grupo a partir do dado basal.

Figura 2 - Evolução do IPIN no peri-operatório antes e após a lipoaspiração nas duas amostras independentes de gordura total aspirada (GTA) ≤ 1500g e
>1500g. Dados representam a média e o desvio padrão. Os números em percentuais representam o aumento em cada grupo a partir do dado basal.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 271-5


274
Reação inflamatória de fase aguda após lipoaspiração

DISCUSSÃO apresentar um risco relativo significativamente aumentado


quando é ultrapassado o limite de 1500g de gordura, como
foi demonstrado no estudo de Gravante et al.7.
Os resultados obtidos pelo estudo demonstraram que
Em suma, os nossos achados demonstraram que o volume
a lipoaspiração desencadeia um aumento significativo
de gordura aspirado é impactante na resposta inflamatória
da reação inflamatória de fase aguda. Observando-se a
e metabólica na lipoaspiração. A tradução clínica dessa
análise dos dados apresentados, segundo a linha de corte
premissa sugere que mais complicações, principalmente
de 1500 gramas de gordura aspirada, ficou evidenciado
tromboembolismo pulmonar, possam ter incidência aumen-
que a intensidade dessa resposta foi dependente do total
tada na dependência direta do montante de gordura retirado.
da gordura retirada. A análise estatística que evidenciou
Nesse contexto, mais estudos são necessários e bem-vindos
essas correlações apresentou força e significância e não
para melhor entendimento.
apontou nenhuma outra variável que apresentasse seme-
lhante associação, incluindo tempo operatório, número
de áreas corporais lipoaspiradas e operação associada. REFERÊNCIAS
A amostra foi constituída por pacientes não obesas, 1. Aguilar-Nascimento JE, Marra JG, Slhessarenko N, Fontes CJF.
sendo que o maior IMC chegou a 27. A ideia desse Eficácia do escore NNIS, proteínas de fase aguda e interleucina-6
na predição de infecções pós-operatórias em operações gastroin-
desenho de estudo foi a de retirar obesos que já tem um testinais de grande porte. São Paulo Med J. 2007;125(1):34-41.
processo inflamatório basal das análises. Os resultados 2. Cerra FB. Hypermetabolism-organ failure syndrome: a metabolic
apoiam a tese de que a lipoaspiração aumenta a reação response to injury. Crit Care Clin. 1989;5(2):289-302.
3. Mateos AGL, Martìnez JL, Castilla MS. Respuesta inflamatoria
de fase aguda como é proporcional ao volume de gordura sistémica: definiciones, marcadores inflamatorios y posibili-
aspirado. A resposta inflamatória elevada foi vista pela dades terapéuticas. Med Intensive. 2000;24(8):361-70.
determinação do IPIN, na relação PCR/albumina e na 4. Marshall JC, Cook DJ, Christou NV, Bernard GR, Sprung
CL, Sibbald WJ. Multiple organ dysfunction score: a reliable
própria dosagem da PCR. Os índices IPIN e P/A apresen- descriptor of a complex clinical outcome. Crit Care Med.
taram resultados estatísticos semelhantes, tendo ambos 1995;23(10):1638-52.
demonstrado forte significância estatística. A observação 5. Lippi G, Favaloro EJ, Montagnana M, Franchini M. C-reactive
protein and venous thromboembolism: causal or casual associa-
na variação das proteínas de fase aguda evidenciou
tion? Clin Chem Lab Med. 2010;48(12):1693-701.
que a PCR consistiu no marcador mais importante para 6. Fonseca-Alaniz MH, Takada J, Alonso-Vale MIC, Lima FB. O
determinação do IPIN. Seria importante ressaltar que o tecido adiposo como centro regulador do metabolismo. Arq Bras
ápice de elevação das proteínas de fase aguda positiva Endocrinol Metabol. 2006;50(2):216-29.
7. Gravante G, Araco A, Sorge R, Araco F, Nicoli F, Caruso R, et al.
pós-trauma é esperado após 48 horas do início deste. Pulmonary embolism after combined abdominoplasty and flank
Dentro das primeiras 24 horas, entretanto, sua ascensão liposuction: a correlation with the amount of fat removed. Ann
já havia aumentado significativamente. Plast Surg. 2008;60(6):604-8.
8. Pottmeyer E, Vassar MJ, Holcroft JW. Coagulation, inflamma-
O corte de 1500g de gordura aspirada também foi reali- tion, and responses to injury. Crit Care Clin. 1986;2(4):683-703.
zado por Gravante et al.7, que avaliaram esse valor com a 9. Gingrass MK. Lipoplasty complications and their prevention.
Clin Plast Surg. 1999;26(3):341-54.
incidência de tromboembolismo pulmonar, no pós-operatório 10. Rohrich RJ, Broughton 2nd G, Horton B, Lipschitz A, Kenkel
de lipoaspiração. Pode-se inferir que procedimentos muito JM, Brown SA. The key to long-term success in liposuction:
extensos de lipoaspiração devem ser desencorajados, justa- a guide for plastic surgeons and patients. Plast Reconstr Surg.
2004;114(7):1945-53.
mente pela observação de que devam estar associados a
11. Yoho RA, Romaine JJ, O’Neil D. Review of the liposuction,
um risco indesejável para uma cirurgia de cunho estético7-10. abdominoplasty, and face-lift mortality and morbidity risk lite-
Apesar de ser uma operação segura, as graves complicações rature. Dermatol Surg. 2005;31(7 Pt 1):733-43.
da lipoaspiração continuam consternando a todos11-13. Dentre 12. Hughes 3rd CE. Reduction of lipoplasty risks and mortality: an
ASAPS Survey. Aesthet Surg J. 2000;21(2):120-7.
essas, o tromboembolismo pulmonar é a mais importante11,12. 13. Cárdenas-Camarena L. Lipoaspiration and its complications: a
Sua correlação com a quantidade de gordura removida pode safe operation. Plast Reconstr Surg. 2003;112(5):1435-43.

Local de realização do estudo: Universidade Federal de Mato Grosso, Curso de Pós-graduação em Ciências da Saúde, Cuiabá,
MT, Brasil..

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.

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275
A Artigo Original
Souza GT et al.

MNA-versão reduzida vs. NRS-2002: detecção


do risco nutricional em pacientes idosos
hospitalizados
MNA-reduced version vs. NRS-2002: detection of nutritional risk in hospitalized elderly patients

RESUMO
Gleiciane Teixeira Souza1
Juliene dos Santos Souto Ferreira2 Introdução: A prevalência mundial de desnutrição entre pacientes idosos hospitalizados é alta.
Nara Lúcia Andrade Lopes Segadilha3 Isso leva a repercussões clínicas e econômicas negativas. Assim, torna-se indispensável promover
o diagnóstico precoce de pacientes com risco nutricional por meio de rastreio nutricional rotineiro.
O objetivo deste estudo foi comparar a MNA-versão reduzida e NRS-2002 quanto à aplicabi-
lidade na detecção do risco nutricional em pacientes idosos hospitalizados. Método: Estudo
prospectivo e observacional, de corte transversal e abordagem quantitativa, qualitativa e analítica
com pacientes idosos admitidos no Hospital Estadual Prefeito João Batista Cáffaro, em julho de
2018. A coleta de dados ocorreu em até 48 horas da admissão hospitalar. Inicialmente, foram
coletados do prontuário do paciente dados de identificação, como nome completo, sexo, data de
nascimento e diagnóstico de internação. Posteriormente, foram aplicados a NRS-2002 e a MNA-
versão reduzida, seguindo-se a antropometria daqueles pacientes que não souberam informar
seu peso e altura. Resultados: A amostra do estudo foi composta por 50 pacientes, dentre eles,
24 mulheres e 26 homens, com uma média de idade 73 anos e índice de massa corporal (IMC)
médio de 24,3 kg/m2. As causas mais frequentes de internação foram doenças infecciosas ou
inflamatórias, doenças cardíacas, doenças cerebrovasculares, fratura e outras causas. De acordo
com a MNA-versão reduzida, 14 (28%) pacientes estavam desnutridos, 19 (38%) estavam sob risco
de desnutrição e 17 (34%) tinham o estado nutricional normal. A NRS-2002 demonstrou que 19
(38%) pacientes não estavam em risco nutricional e que 31 (62%) estavam em risco nutricional.
Conclusão: A NRS-2002 demandou uma média de tempo menor para a sua aplicação, no
entanto, a MNA-versão reduzida classificou um maior número de pacientes em risco nutricional
e, além disso, gerou menos dificuldades no momento da sua aplicação.

Unitermos: ABSTRACT
Idoso. Avaliação Nutricional. Desnutrição/diagnós- Introduction: The global prevalence of malnutrition among elderly hospitalized patients is high.
tico. Fatores de Risco. Medição de Risco. Hospita- This leads to negative clinical and economic repercussions. Therefore, it is essential to promote
lização. the early diagnosis of patients with nutritional risk through routine nutritional screening. The
objective of this study was to compare the reduced-version MNA and NRS-2002 regarding
Keywords: the applicability of nutritional risk in elderly hospitalized patients. Methods: A cross-sectional,
Aged. Nutrition Assessment. Malnutrition/diagnosis. prospective and observational study with a quantitative, qualitative and analytical approach with
Risk Factors. Risk Assessment. Hospitalization. elderly patients admitted to the Hospital Estadual Prefeito João Batista Cáffaro, in July 2018. Data
collection occurred within 48 hours of hospital admission. Initially, identification data, such as full
Endereço para correspondência: name, gender, date of birth and diagnosis of hospitalization were collected from the patient’s
Gleiciane Teixeira Souza chart. Subsequently, they were applied to the NRS-2 and MNA-reduced version, followed by the
Rua Cecília Pereira dos Santos, 55 – São Francisco anthropometry of those patients who were unable to report their weight and height. Results: The
de Assis – Cachoeiras de Macacu, RJ, Brasil – CEP: study sample consisted of 50 patients, including 24 women and 26 men, with a mean age of 73
28680-000. years and a mean body mass index (BMI) of 24.3 kg/m2. The most frequent causes of hospitaliza-
E-mail: gleicianets@gmail.com tion were infectious or inflammatory diseases, heart diseases, cerebrovascular diseases, fracture
and other causes. According to the MNA-reduced version, 14 (28%) patients were malnourished,
Submissão 19 (38%) were at risk of malnutrition and 17 (34%) had normal nutritional status. NRS-2002
27 de maio de 2019 showed that 19 (38%) patients were not at nutritional risk and that 31 (62%) were at nutritional
risk. Conclusion: The NRS-2002 required a shorter average time for its application, however, the
Aceito para publicação MNA-reduced version classified a greater number of patients at nutritional risk and, in addition,
23 de setembro de 2019 generated fewer difficulties at the time of its application.

1. Nutricionista aluna pós-graduanda do curso de terapia nutricional multidisciplinar do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, Rio de Janeiro, RJ,
Brasil.
2. Nutricionista pós-graduada em geriatria e gerontologia pela Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil.
3. Nutricionista mestre em nutrição clínica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordenadora acadêmica do curso de pós-graduação
em terapia nutricional multidisciplinar do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 276-80


276
MNA-versão reduzida vs. NRS-2002: detecção do risco nutricional em pacientes idosos hospitalizados

INTRODUÇÃO indivíduos idosos nutridos ou em risco de desnutrição. Sua


A desnutrição é prevalente em todo o mundo e representa precisão diagnóstica é comparável à MNA completa11.
um problema de extrema relevância para pacientes e institui- A Triagem de Risco Nutricional 2002 (NRS-2002) foi
ções de saúde1. A Sociedade Brasileira de Nutrição Paren- descrita por Kondrup et al.12. Tem sido proposta como ferra-
teral e Enteral (SBNPE), em 1996, desenvolveu o Inquérito menta universal de triagem para desnutrição em pacientes
Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI), adultos e também de idosos hospitalizados por meio da
um estudo epidemiológico transversal, que avaliou o estado avaliação do índice de massa corporal (IMC), perda de
nutricional de 4000 pacientes internados na rede pública de peso, perda do apetite e gravidade da doença. Permite uma
12 Estados e do Distrito Federal do País e revelou que quase identificação rápida e simples de pacientes que necessitam
metade (48,1%) dos pacientes internados encontrava-se de suporte nutricional e reflete especialmente a gravidade
desnutrida2. Uma revisão sistemática, publicada em 2016, das comorbidades agudas13.
avaliou 66 publicações latino-americanas (12 países, aproxi- O objetivo do estudo foi comparar a MNA-versão redu-
madamente 30.000 pacientes) e confirmou a manutenção da zida e NRS-2002 quanto à aplicabilidade na detecção do
alta prevalência de desnutrição em pacientes hospitalizados risco nutricional em pacientes idosos hospitalizados.
(40%-60% no momento da admissão)3.
A prevalência mundial de desnutrição entre pacientes MÉTODO
geriátricos hospitalizados varia de 12% a 75%4. O envelhe-
cimento leva a mudanças fisiológicas (sensoriais e diges- Estudo prospectivo e observacional, de corte transversal e
tivas) que afetam o estado nutricional. Pacientes idosos abordagem quantitativa, qualitativa e analítica com pacientes
hospitalizados apresentam maior vulnerabilidade devido ao idosos admitidos nos setores de terapia intensiva e enferma-
seu estado catabólico, diminuição do sistema imunológico, rias do Hospital Estadual Prefeito João Batista Cáffaro, no
investigações que exigem jejum, atraso no suporte nutri- período de julho de 2018, com aprovação do CEP do Instituto
cional e manifestações da doença. Esses fatores aumentam D’Or de Pesquisa e Ensino, parecer de número 2.774.360. A
as necessidades nutricionais, resultando na utilização das amostragem teve como critérios de inclusão idosos com 60
reservas nutricionais que levam à desnutrição5. anos ou mais14, de ambos os sexos, com admissão hospitalar
dentro do período de 48 horas. Foram excluídos os pacientes
O estado nutricional deficiente leva a repercussões
que não quiseram participar do estudo, não houve outras
clínicas e econômicas negativas, como, por exemplo, o
perdas além dessas. Os pacientes que aceitaram participar
aumento do tempo de permanência hospitalar, denotando
da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e
um atraso na recuperação do paciente, o que muitas vezes Esclarecido (TCLE), no caso dos pacientes que, por algum
pode estar relacionado com a maior susceptibilidade a motivo, não puderam assinar, o referido termo foi assinado
infecções. Além disso, observa-se um aumento da taxa de pelo familiar ou responsável legal pelo paciente.
readmissão hospitalar prematura, e uma considerável alte-
ração da independência e qualidade de vida do indivíduo. A coleta de dados ocorreu em até 48 horas da admissão
Isso contribui para um aumento da morbimortalidade, bem hospitalar por duas nutricionistas da unidade. Mediante a
como um aumento dos custos em saúde6. disponibilidade de dias e horários das mesmas, todos os
pacientes que atenderam aos critérios de inclusão foram
Assim, é essencial promover o diagnóstico precoce de recrutados. Após a realização de um treinamento, as duas
pacientes com risco nutricional ou desnutridos, para que ferramentas (MNA-versão reduzida e NRS-2002) foram
uma intervenção imediata seja adotada5 e, se possibilite um aplicadas aleatoriamente por cada uma das nutricionistas,
melhor prognóstico7. Para isso, recomenda-se que o rastreio em momentos distintos e independente uma da outra.
nutricional seja rotineiramente realizado em pacientes hospi- Inicialmente, foram coletados do prontuário do paciente
talizados para identificar aqueles que podem se beneficiar dados de identificação, como nome completo, sexo, data
da intervenção nutricional1. de nascimento e diagnóstico de internação. Posteriormente,
A Mini Avaliação Nutricional (MNA) é uma ferramenta foram aplicadas a NRS-2002 e a MNA- versão reduzida,
utilizada para o rastreio nutricional, é curta e válida para seguindo-se a antropometria para estimativa do peso e altura,
pessoas idosas, sendo composta por perguntas relacionadas mesmo daqueles pacientes que souberam informar seu peso
a condições nutricionais e de saúde, independência, quali- e altura. Somente o tempo necessário para a realização das
dade de vida, cognição, mobilidade e saúde subjetiva8,9. A perguntas contidas em cada ferramenta foi cronometrado.
Para avaliação antropométrica foi aferida a altura do joelho
MNA é facilmente concluída em 10 a 15 minutos, porém
para estimativa da altura e do peso. A medida da altura do
é usada com pouca frequência devido em parte ao tempo
joelho foi realizada com o paciente em decúbito dorsal, com
necessário para completá-la9,10. Para reduzir ainda mais este o tornozelo e o joelho flexionados a um ângulo de 90 graus,
tempo, Rubenstein et al.10 desenvolveram uma versão redu- utilizando uma fita métrica inelástica, cuja extremidade foi
zida da MNA composta por seis perguntas. Essa ferramenta colocada na borda superior da patela, estendendo-se para-
apresenta alta sensibilidade, especificidade e correlação lelamente à tíbia até o calcanhar. A estatura estimada pela
ao MNA completo10. Esta MNA-versão reduzida identifica altura do joelho foi obtida através das equações de Chumlea
BRASPEN J 2019; 34 (3): 276-80
277
Souza GT et al.

et al.15 segundo o gênero: homens = [64,19 - (0,04 x idade) Para fins de comparação entre os valores obtidos com as
+ (2,02 x altura do joelho em cm)] e mulheres = [84,88 duas ferramentas de triagem do risco nutricional, os resul-
- (0,24 x idade) + (1,83 x altura do joelho em cm)]. Já o tados foram reorganizados em duas categorias: pacientes
peso estimado foi obtido por meio da altura ao quadrado em risco nutricional ou desnutridos e pacientes sem risco
multiplicada pelo IMC para idosos16, que foi estabelecido nutricional ou com estado nutricional normal. Os resultados
através de uma classificação subjetiva da seguinte forma: obtidos nesta análise encontram-se descritos na Tabela 4.
idosos considerados desnutridos = altura (m2) x 22, idosos No que se refere à média do tempo gasto para a apli-
considerados eutróficos = altura (m2) x 24,5 e idosos consi- cação da NRS-2002 e da MNA-versão reduzida, este foi,
derados com sobrepeso = altura (m2) x 27. respectivamente, de 1 minuto e 4 segundos e 1 minuto e 24
A NRS-2002 e a MNA-versão reduzida são questionários, segundos (Tabela 5). O tempo utilizado para a obtenção das
onde as perguntas foram lidas, preenchidas e avaliadas pelos medidas antropométricas não foi incluído na cronometragem.
nutricionistas, de acordo com as respostas dos pacientes/fami- Em relação às dificuldades encontradas no momento da
liares ou responsável legal. A NRS-2002 analisa cinco itens, aplicação da MNA-versão reduzida, destacam-se o fato dos
idade do paciente (>70 anos), IMC, apetite, perda de peso pacientes não saberem referir seu peso e altura. Por outro
acidental e gravidade da doença aguda. É uma ferramenta lado, na aplicação da NRS-2002, destacam-se as seguintes
para somatório de pontos, na qual o escore máximo é 7. Uma dificuldades: ausência de informação quanto ao peso e
pontuação de 0 indica pacientes sem risco de desnutrição, altura, dificuldade para descrever a quantidade de perda
uma pontuação de 1-2 indica baixo risco e uma pontuação de peso, ausência do motivo da internação na listagem do
de 3-7 risco moderado a grave de desnutrição. A MNA-versão quadro destinado à gravidade da doença.
reduzida é composta por seis itens, perda do apetite, perda
de peso não intencional, mobilidade, estresse psicológico ou
doença aguda, problemas neuropsicológicos, IMC ou circunfe- Tabela 1 – Principais causas de internação hospitalar.
rência da panturrilha (CP). O escore máximo é 14, onde uma Causa da internação Nº pacientes (%)
pontuação de 12 a 14 pontos indica estado nutricional normal, Doenças infecciosas / inflamatórias 23 (46%)
uma pontuação de 8 a 11 pontos indica risco de desnutrição Doenças cardíacas 9 (18%)
e uma pontuação de 0 a 7 indica desnutrição.
Doenças cerebrovasculares 7 (14%)
O estudo não teve como objetivo avaliar a sensibilidade
Fraturas 2 (4%)
e especificidade das ferramentas, visto que isto já é bem
descrito na literatura científica. Outras causas 9 (18%)

Os dados coletados foram tratados a partir do software


da Microsoft (Office Excel 2016). Na análise exploratória Tabela 2 – Classificação do Risco Nutricional pela Mini Avaliação Nutri-
das variáveis quantitativas, foram calculadas as medidas de cional – versão reduzida.
tendência central e de dispersão (média e desvio padrão) Estado nutri- Sob risco Desnutrido
e na comparação das médias dos grupos foi empregado o cional normal de desnutrição Pacientes
teste t de Student. Para verificar associação entre variáveis Pacientes (%) Pacientes (%) (%)
categóricas foi empregado o teste do qui-quadrado. MNA-versão
reduzida 17 (34%) 19 (38%) 14 (28%)
* MNA = mini avaliação nutricional (p= 0,68).
RESULTADOS
A amostra do estudo foi composta por 50 pacientes,
dentre eles, 24 (48%) mulheres e 26 (52%) homens, sem Tabela 3 – Classificação do Risco Nutricional pela Triagem de Risco Nu-
tricional 2002.
diferença estatística (p=0,77), com uma média de idade 73
+ 9,34 anos e IMC médio de 24,3 + 3,62 kg/m2. Sem risco nutricional Em risco nutricional
Pacientes (%) Pacientes (%)
As causas mais frequentes de internação foram doenças
NRS-2002 19 (38%) 31 (62%)
infecciosas ou inflamatórias, doenças cardíacas, doenças
* NRS = triagem de risco nutricional (p=0,09).
cerebrovasculares, fratura e outras causas (Tabela 1), com
diferença estatística entre os grupos (p>0,001).
Os resultados obtidos através da aplicação da MNA- Tabela 4 – Comparação entre Mini Avaliação Nutricional – versão reduzida
versão reduzida, quanto ao número de pacientes classificados e Triagem de Risco Nutricional 2002.
como desnutridos, sob risco de desnutrição e estado nutri- Em risco Sem risco nutricional/
cional normal, encontram-se descritos na Tabela 2. Quanto nutricional/desnutridos estado nutricional normal
aos resultados obtidos por meio da aplicação da NRS-2002, MNA-versão 33 (66%) 17 (34%)
em relação ao número de pacientes classificados como reduzida
sem risco e com risco nutricional, encontram-se descritos NRS-2002 31 (62%) 19 (38%)
na Tabela 3. * MNA = mini avaliação nutricional; NRS = triagem de risco nutricional.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 276-80


278
MNA-versão reduzida vs. NRS-2002: detecção do risco nutricional em pacientes idosos hospitalizados

Tabela 5 – Tempo gasto na aplicação da Mini Avaliação Nutricional – versão reduzida e Triagem de Risco Nutricional 2002.
Nutricionista 1 Nutricionista 2 Média do tempo Média do tempo
NRS-2002 MNA-versão Diferença entre NRS-2002 MNA-versão Diferença entre NRS-2002 Nutr. 1 MNA-versão
reduzida NRS-2002 e reduzida NRS-2002 e e Nutr. 2 reduzida Nutr. 1
MNA-versão MNA-versão (min e s) e Nutr. 2
reduzida reduzida (min e s)
01:03 01:23 00:24 01:06 01:26 00:28 01:04 01:24
* min = minutos; s = segundos; MNA = mini avaliação nutricional; NRS = triagem de risco nutricional; Nutr. = nutricionista.

DISCUSSÃO duas ferramentas entre pacientes idosos, detectaram 42%


de pacientes em risco nutricional por meio da NRS-2002 e
Para eleger uma ferramenta de triagem nutricional
72,8% através da MNA-versão reduzida.
é necessário considerar a que seja mais completa e, ao
mesmo tempo, a de mais fácil aplicabilidade. Para isso, é O risco nutricional detectado pela MNA-versão reduzida,
necessário avaliar alguns aspectos, tais como: possibilidade nesse estudo, foi semelhante ao encontrado por Persson et
de ser aplicada por qualquer profissional de saúde, tempo al.22, que avaliaram 83 pacientes idosos em um hospital
de duração para sua aplicação, capacidade de detectar o geriátrico usando a MNA-versão reduzida e descobriram que
risco nutricional com confiança, entre outros17. Nesse estudo, 69% estavam em risco nutricional. Em um estudo realizado
duas ferramentas de triagem do risco nutricional (MNA-versão com 259 pacientes idosos em um hospital universitário,
reduzida e NRS-2002) foram comparadas para determinar Feldblum et al.23 encontraram 81,5% em risco nutricional
sua aplicabilidade para pacientes idosos hospitalizados. usando a MNA-versão reduzida.
A NRS-2002 engloba todos os pacientes presentes no Raslan et al.21 relataram que, embora o maior número
âmbito hospitalar, adultos ou idosos. independente da de pacientes tenha encontrado risco nutricional usando a
doença. No entanto, o acréscimo de 1 ponto ao seu escore MNA-versão reduzida, esta ferramenta pode superestimar
total ocorre somente nos casos de pacientes com idade a o risco nutricional em relação à NRS-2002, uma vez que
partir de 70 anos, considerando a fragilidade dos idosos, a MNA-versão reduzida teve o mesmo desempenho que a
uma vez que, sabe-se que o risco nutricional aumenta NRS-2002 na previsão de resultados clínicos desfavoráveis.
conforme a idade se torna mais avançada. É um questionário No que se refere à média do tempo gasto na aplicação
para triagem nutricional, que indica o risco nutricional ou a das ferramentas em questão, a NRS-2002 demandou menos
ausência do mesmo em determinado momento13. tempo, uma média de 24 a 28 segundos a menos. Em seu
A MNA-versão reduzida foi desenvolvida para idosos estudo, Donini et al.24 também identificaram um menor
acima de 65 anos nos países desenvolvidos. Pode ser apli- tempo na administração da NRS-2002 quando comparada
cada por qualquer profissional de saúde, não pontua de à MNA-versão reduzida. Raslan et al.21 também descrevem
acordo com motivo da internação hospitalar, mas de forma que identificaram um menor tempo na administração daquela
abrangente, quando se refere a doença aguda. Poderia ser ferramenta quando comparada a esta.
utilizada como uma ferramenta de avaliação nutricional, Em relação às dificuldades encontradas para a aplicação
visto que não só determina o risco, mas também indica dos questionários, a NRS-2002 gerou um maior número de
o estado nutricional como normal ou em desnutrição10,11. dificuldades quando comparada à MNA-versão reduzida.
Nesse estudo, foi utilizado o ponto de corte de 60 anos ou A dificuldade apresentada pela MNA-versão reduzida foi
mais para as análises. em relação à ausência de informações quanto ao peso e à
No presente estudo, a prevalência de pacientes em altura, no entanto, esta ferramenta apresenta a possibilidade
risco nutricional variou entre 62%, pela NRS-2002 a 66%, da utilização da circunferência da panturrilha em substituição
pela MNA-versão reduzida. Nosso achado corrobora com ao IMC, não inviabilizando o resultado. Omran & Morley25
a literatura quanto à alta prevalência de desnutrição em afirmam que este parâmetro simples, semelhante ao IMC, é
pacientes hospitalizados3. Velasco et al.18 compararam quatro provavelmente tão bom quanto as medidas antropométricas
ferramentas de triagem nutricional, entre elas a NRS-2002 mais sofisticadas na estimativa do estado nutricional.
e MNA-versão reduzida, e detectaram prevalências de risco No que se refere à NRS-2002, considerar a gravidade
nutricional entre 34,5% e 58,5%, respectivamente. Ye et da doença aguda é um fator considerado importante, pois
al.19, ao comparar a NRS-2002 e MNA-versão reduzida, leva em consideração o efeito da doença no estado nutri-
verificaram prevalências de risco nutricional entre 52,2% e cional, porém a ausência da descrição de muitas doenças
47,8%, respectivamente. caracteriza-se como um fator de dificuldade e confundimento
Assim como neste estudo, Zhou et al.20 também identifi- no momento da sua aplicação. Além disso, apresenta a difi-
caram um número maior de pacientes em risco nutricional culdade relacionada à obtenção da informação a respeito do
pela MNA-versão reduzida, comparado à NRS-2002, 45% peso perdido em determinado período, pois muitos pacientes
e 38%, respectivamente. Raslan et al.21, ao comparar as que relatam perda de peso não conseguem descrever em
BRASPEN J 2019; 34 (3): 276-80
279
Souza GT et al.

quanto tempo houve a perda. Aquino17 também ressalta, 10. Rubenstein LZ, Harker JO, Salva A, Guigoz Y, Vellas B. Scre-
em seu estudo, a dificuldade de se obter esta informação. ening for undernutrition in geriatric practice: developing the
short-form Mini-Nutritional Assessment (MNA-SF). J Gerontol
O presente estudo possui algumas limitações. O peso e a A Biol Sci Med Sci. 2001;56(6):M366-72.
altura dos pacientes foram estimados e não aferidos devido 11. Kaiser MJ, Bauer JM, Ramsch C, Uter W, Guigoz Y, Cederholm
à indisponibilidade de balança e à impossibilidade de muitos T, et al. Validation of the Mini Nutritional Assessment Short-
Form (MNA-SF): a practical tool for identification of nutritional
dos pacientes ficarem de pé. Além disso, outra limitação é o status. J Nutr Health Aging. 2009;13(9):782-8.
fato de serem questionários, muitos pacientes dependeram do 12. Kondrup J, Rasmussen HH, Hamberg O, Stanga Z; Ad Hoc
auxílio de familiares e cuidadores para responder às perguntas. ESPEN Working Group. Nutritional risk screening (NRS 2002):
Isso pode ter influenciado as respostas e, portanto, o resultado a new method based on an analysis of controlled clinical trials.
Clin Nutr. 2003;22(3):321-36.
final. O perfil do hospital também pode ter influenciado o 13. Drescher T, Singler K, Ulrich A, Koller M, Keller U, Christ-Crain
resultado final do estudo. Por se tratar de um hospital público, M, et al. Comparison of two malnutrition risk screening methods
os pacientes, em geral, são desfavorecidos economicamente, (MNA and NRS 2002) and their association with markers of
o que, por si só, os torna mais vulneráveis à desnutrição. protein malnutrition in geriatric hospitalized patients. Eur J Clin
Nutr. 2010;64(8):887-93.
14. Brasil. Lei nº 8842, de 04 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a
CONCLUSÃO política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso
e dá outras providências. Diário Oficial da União 05 jan 1994;
A prevalência de pacientes idosos hospitalizados em risco seção 1: 77.
nutricional e desnutridos é alta, o que reforça a necessidade da 15. Chumlea WC, Roche AF, Steinbaugh ML. Estimating stature
from knee height for persons 60 to 90 years of age. J Am Geriatr
adoção de ferramentas capazes de identificar precocemente esses Soc. 1985;33(2):116-20.
pacientes para que as estratégias de intervenção adequadas à 16. Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim
manutenção e/ou recuperação do estado nutricional sejam Care. 1994;21(1):55-67.
implantadas de forma imediata. Neste estudo, foi possível 17. Aquino RC. Fatores associados ao risco de desnutrição e desen-
observar que a NRS-2002 demandou uma média de tempo volvimento de instrumentos de triagem nutricional [Tese de
Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública da Univer-
menor para a sua aplicação, no entanto, a MNA-versão reduzida sidade de São Paulo; 2005.
classificou um maior número de pacientes em risco nutricional 18. Velasco C, García E, Rodríguez V, Frias L, Garriga R, Alvarez
e gerou menos dificuldades no momento da sua aplicação. É J, et al. Comparison of four nutritional screening tools to detect
fundamental levar em consideração as vantagens e desvantagens nutritional risk in hospitalized patients: a multicentre study. Eur
J Clin Nutr. 2011;65(2):269-74.
de cada uma das ferramentas expostas e eleger aquela que 19. Ye XJ, Ji YB, Ma BW, Huang DD, Chen WZ, Pan ZY, et al.
melhor se adequa ao perfil de seus pacientes e de sua instituição. Comparison of three common nutritional screening tools with
the new European Society for Clinical Nutrition and Metabolism
(ESPEN) criteria for malnutrition among patients with geriatric
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Local de realização do estudo: Hospital Estadual Prefeito João Batista Cáffaro, Itaboraí, RJ, Brasil.
Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 276-80
280
A Artigo Original
Relação do Geriatric Nutritional Risk Index com tempo de hospitalização e mortalidade em pacientes idosos

Relação do Geriatric Nutritional Risk Index com


tempo de hospitalização e mortalidade em
pacientes idosos
Relationship among Geriatric Nutritional Risk Index, hospitalization time and mortality in el-
derly patients

RESUMO
Adaize Mognon1
Tamara Becker2 Introdução: A desnutrição hospitalar é um problema de saúde pública e está associada direta�
Vanessa Maria Bertoni3 mente ao aumento significativo de morbidade e mortalidade. O objetivo do estudo foi associar o
Maria Cristina Zanchim4 risco nutricional através do Geriatric Nutritional Risk Index com o tempo de hospitalização e morta�
Ana Luisa Sant’Anna Alves5 lidade em pacientes idosos. Método: Estudo retrospectivo, com utilização de dados secundários
Daiana Kumpel6 de 186 idosos em um hospital de grande porte da região norte do Estado do Rio Grande do Sul,
entre março de 2016 e abril de 2017. Para determinação do risco nutricional, foram avaliadas
diferentes formas de determinação de risco nutricional, tais como Mini Avaliação Nutricional
(MAN), índice de massa corporal (IMC) e Geriatric Nutritional Risk Index. Todos foram associados
por meio do teste qui-quadrado com o tempo de internação e ao desfecho hospitalar. Resultados:
Ao associar o estado nutricional através dos diferentes métodos estudados com o desfecho do
idoso hospitalizado, o óbito foi mais prevalente entre aqueles classificados com risco nutricional
elevado pelo Geriatric Nutritional Risk Index. Quanto ao tempo de internação observado, 63,4%
(n=118) dos pacientes permaneceram internados por até 15 dias, 23,1% (n=43) entre 16 e 29
dias e 13,4% (n=25) por 30 dias ou mais. Pelos resultados obtidos por meio do IMC, o óbito foi
mais frequente nos pacientes classificados como eutróficos e, pela MAN, a maior frequência do
óbito foi entre os idosos que apresentaram estado de nutrição de normalidade. Conclusão: O
Geriatric Nutritional Risk Index mostrou ser um útil preditor de mortalidade em idosos hospita�
lizados, portanto, seria válido considerar sua adoção como complemento à detecção de risco
Unitermos: nutricional em âmbito hospitalar.
Avaliação nutricional. Idoso. ����������������������
Hospitalização. Desnu�
trição. Mortalidade hospitalar. ABSTRACT
Introduction: Hospital malnutrition is a public health problem and is directly associated with a
Keywords: significant increase in morbidity and mortality. The aim of the study was to associate nutritional risk
Nutrition Assessment. Aged. Hospitalization. ������
Malnu� through the Geriatric Nutritional Risk Index with length of hospitalization and mortality in elderly
trition. Hospital Mortality. patients. Methods: A retrospective study using secondary data from 186 elderly people in a large
hospital in the northern region of Rio Grande do Sul State, between March 2016 and April 2017.
To determine the nutritional risk, different forms of determination were evaluated. risk factors such
Endereço para correspondência: as Mini Nutritional Assessment (MNA), body mass index (BMI) and Geriatric Nutritional Risk Index.
Adaize Mognon All were associated through the chi-square test with length of stay and hospital outcome. Results:
Rua Uruguai, 2050 – Centro – Passo Fundo, RS, Brasil When associating nutritional status through the different methods studied with the outcome of the
– CEP: 99010-111 hospitalized elderly, death was more prevalent among those classified as having high nutritional
E-mail: adaizemognon@gmail.com risk by the Geriatric Nutritional Risk Index. Regarding the length of stay observed, 63.4% (n =
118) of the patients remained hospitalized for up to 15 days, 23.1% (n = 43) between 16 and 29
Submissão days and 13.4% (n = 25) for 30 days or more. From the results obtained through BMI, death was
20 de junho de 2019 more frequent in patients classified as eutrophic and, by MAN, the highest frequency of death was
among the elderly who presented normal nutritional status. Conclusion: The Geriatric Nutritional
Aceito para publicação Risk Index proved to be a useful predictor of mortality in hospitalized elderly, so it would be valid
14 de outubro de 2019 to consider its adoption as a complement to nutritional risk detection in hospitals.

1. Nutricionista, Especialista em Saúde do Idoso Modalidade Residência Multiprofissional Integrada pela Universidade de Passo Fundo. Nutricionista
Clínica no Hospital São Vicente de Paulo Unidade Uruguai. Passo Fundo, RS, Brasil.
2. Nutricionista, Especialista em Saúde do Idoso Modalidade Residência Multiprofissional Integrada pela Universidade de Passo Fundo. Nutricionista
Clínica no Hospital São Vicente de Paulo. Passo Fundo, RS, Brasil.
3. Nutricionista, Mestre em Envelhecimento Humano pela Universidade de Passo Fundo. Nutricionista Clínica no Hospital São Vicente de Paulo. Passo
Fundo, RS, Brasil.
4. Nutricionista, Mestre em Envelhecimento Humano pela Universidade de Passo Fundo. Docente do Curso de Nutrição na Universidade de Passo Fundo.
Passo Fundo, RS, Brasil.
5. Nutricionista, Doutora em Epidemiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Docente do Curso de Nutrição na Universidade de Passo
Fundo. Passo Fundo, RS, Brasil.
6. Nutricionista, Mestre em Envelhecimento Humano pela Universidade de Passo Fundo. Docente do Curso de Nutrição na Universidade de Passo Fundo.
Passo Fundo, RS, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6


281
Mognon A et al.

INTRODUÇÃO pacientes com risco de complicações nutricionais, voltada


A proporção da população idosa está crescendo mais especificamente para a população idosa. Esse índice é uma
rapidamente do que qualquer outra faixa etária, especial- adaptação do NRI, no qual o peso corporal habitual, utili-
mente nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde zado na ferramenta original, é substituído pelo peso ideal,
esse processo acontece de forma bastante acelerada1. calculado através da fórmula de Lorentz10.
Atualmente, os idosos somam 23,5 milhões dos brasileiros, Identificar idosos hospitalizados desnutridos, ou em
mais que o dobro do registrado em 1991, quando a faixa risco de desnutrição, é parte fundamental da assistência.
etária contabilizava 10,7 milhões de pessoas2. Estima-se Dessa forma, pode-se intervir precocemente e incrementar
que, em 2020, o número de idosos poderá ultrapassar os o processo curativo e, consequentemente, a economia de
30 milhões de pessoas no país, o que representará 13,6% recursos por parte da instituição11. Porém, poucos trabalhos
da população total. Além disso, a faixa etária acima dos 80 estudam a influência do estado nutricional de idosos como
anos deve constituir o grupo de maior crescimento3. determinante na morbidade e mortalidade. Por isso, obje-
Dentre as inúmeras questões que cercam o envelheci- tivou-se com este estudo, associar o risco nutricional através
mento, a saúde aparece como elemento fundamental devido do GNRI com o tempo de hospitalização e mortalidade em
a seu forte impacto sobre a qualidade de vida, constituindo-se pacientes idosos.
como uma das principais fontes de estigmas e preconceitos
em relação à velhice4. MÉTODO
De acordo com Confortin et al. , os idosos tendem a
5
Trata-se de um estudo retrospectivo, com utilização de
utilizar mais os serviços de saúde devido à presença de dados secundários de um hospital de grande porte da região
doenças crônico-degenerativas. Essa faixa etária apresenta Norte do Estado do Rio Grande do Sul (RS), no período de
taxas de internação hospitalar muito mais elevadas do que março de 2016 a abril de 2017. Este trabalho faz parte do
as observadas em outros grupos etários, assim como uma projeto intitulado “Estado nutricional de pacientes idosos
permanência hospitalar mais prolongada4,5. internados no Hospital São Vicente de Paulo”, aprovado
A desnutrição hospitalar é um problema de saúde pública pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob parecer nº
e está associada diretamente ao aumento significativo de 2.014.267.
morbidade e mortalidade. Está presente entre 20% a 50% dos Foram incluídos no estudo pacientes com idade igual ou
pacientes hospitalizados6. No contexto nacional e mundial, a superior a 60 anos e que possuíssem em seu registro o valor
incidência de desnutrição em idosos hospitalizados é alta; no da albumina sérica. Como critérios de exclusão, considerou-
Brasil, particularmente, estima-se que 69,2% dos pacientes se aqueles que não possuíam dados completos registrados e
adultos e idosos internados apresentam risco de desnutrição7. aqueles em terapia nutricional enteral/parenteral.
Existem diversas ferramentas que podem ajudar na iden- O banco de dados utilizado segue um protocolo nutricional
tificação de risco nutricional em pacientes hospitalizados, previamente definido e aplicado nas primeiras 48 horas de
entretanto, poucas possuem sensibilidade para identificar a internação hospitalar nas unidades de atuação da Residência
desnutrição em pacientes idosos. A Sociedade Europeia de Multiprofissional em Saúde do Idoso. Consta, nesse proto-
Nutrição Parenteral e Enteral (ESPEN) e a Associação Dieté- colo a MAN, que compreende 18 perguntas agrupadas em
tica da Austrália recomendam a Mini Avaliação Nutricional 4 categorias: avaliação antropométrica; avaliação geral do
(MAN) para uso específico em pacientes idosos, uma vez que estilo de vida, uso de medicamentos, mobilidade; avaliação
é considerada padrão ouro para esta população8,9. Porém, dietética e a autoavaliação (percepção da saúde). Além disso,
na bibliografia específica da área, destacam-se alguns do prontuário médico foram obtidos dados clínicos, tais como
aspectos limitantes desta ferramenta, como, por exemplo, sua diagnóstico de internação e patologias associadas, além da
aplicação, que pode levar até 15 minutos, requer medidas albumina sérica como marcador bioquímico. Ademais, todos
antropométricas que podem ser difíceis de serem obtidas em os pacientes foram monitorados e registrados quanto ao tempo
alguns casos e a necessidade de colaboração do paciente de internação e desfecho hospitalar.
e/ou familiares em algumas questões9. A partir dos indicadores antropométricos, foi realizado o
Para adultos hospitalizados, é comum utilizar a combi- cálculo do IMC (kg/m²) e classificados conforme os critérios
nação entre o Índice de Massa Corporal (IMC) e a perda de adotados para idosos, proposto por Lipschitz12, em: IMC<22
peso recente não intencional ou o Índice de Risco Nutricional kg/m² – magreza; IMC entre 22 e 27 kg/m² – eutrofia; e
(NRI). Porém, entre os idosos, muitas vezes não é possível IMC>27 kg/m² – sobrepeso. Os indicadores antropométricos
obter dados atuais referentes ao peso corporal. Portanto, o também possibilitaram o cálculo do GNRI [(1.489 x albumina
Geriatric Nutritional Risk Index (GNRI) surgiu a partir da neces- g/L) + (41.7 x peso atual/peso ideal)] e seus resultados foram,
sidade de uma ferramenta simples, que pudesse identificar posteriormente, classificados conforme critérios propostos por
BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6
282
Relação do Geriatric Nutritional Risk Index com tempo de hospitalização e mortalidade em pacientes idosos

Bouilanne10: <82 - risco elevado; 82 < 92 – risco moderado; Ao associarmos o estado nutricional, por meio dos diferentes
92 ≤ 98 – baixo risco e > 98 – sem risco nutricional. índices (IMC, GNRI e MAN), com o desfecho hospitalar, cons-
Os dados foram analisados em software de estatística tatamos uma associação estatisticamente significativa apenas
SPSS versão 18.0. As variáveis quantitativas foram descritas para o GNRI e o desfecho. Ao ser associado com o desfecho
como médias e desvio padrão. O teste qui-quadrado foi óbito, o IMC apresentou-se mais prevalente entre os idosos
aplicado para as análises de associação, considerando o eutróficos, do mesmo modo quando avaliada a MAN, houve
valor p≤0,05 para resultados com significância estatística. maior percentual de óbito entre aqueles classificados em estado
de nutrição de normalidade. Em contrapartida, associado ao
desfecho óbito, o GNRI apresentou maior associação naqueles
RESULTADOS pacientes classificados com risco nutricional elevado (Tabela 2).
Foram analisados 186 idosos, com média de idade de Quanto ao tempo de internação observado, 63,4% (n=118)
71,6 anos (DP±8,30) e a maioria era do sexo feminino dos pacientes permaneceram internados por até 15 dias, 23,1%
(52,7%). Em relação ao diagnóstico da internação, preva- (n=43) entre 16 e 29 dias e 13,4% (n=25) por 30 dias ou mais.
leceram as doenças cardiovasculares, seguidas de doenças Foi observada associação entre o tempo de hospitalização com
do sistema gastrointestinal e câncer. Referente às patologias risco nutricional obtida através do GNRI (p=0,019), prevaleceu
associadas, identificou-se que a maioria apresentava o diag- a classificação de sem risco nutricional tanto para os pacientes
nóstico de hipertensão arterial sistêmica. Os diagnósticos hospitalizados por até 15 dias, quanto para os de 16-29 dias
não foram classificados em subtipos. Quanto ao tempo de e também para aqueles com mais de 30 dias hospitalizados.
hospitalização, a média foi de 15,7 dias (DP=0,72) e o O alto risco nutricional foi observado para os pacientes hospi-
desfecho prevalente foi a alta hospitalar. As características talizados até 15 dias e o risco moderado para aqueles com um
dos pacientes estão descritas na Tabela 1. tempo de hospitalização superior a 15 dias (Figura 1).
Ao associarmos o desfecho hospitalar e o tempo de
Na análise do estado nutricional, de acordo com o IMC,
hospitalização com GNRI, constatamos que a grande maioria
49,5% foram classificados como eutróficos (n=92), outros
dos pacientes (59%) classificados sem risco nutricional teve
31,7% com sobrepeso (n=59) e, com magreza, 18,8%
como desfecho da internação a alta hospitalar e, destes,
(n=35). Já conforme o GNRI, 55,4% (n=103) dos idosos não
61% permaneceram internados até 15 dias. Por outro lado,
apresentaram risco nutricional, 15,6 (n=29) e 15,1% (n=28)
a maior parte dos pacientes que foram a óbito (32%) não
apresentavam, moderado e baixo risco, respectivamente, e
apresentava risco nutricional. O mesmo percentual foi
14% (n=26) com risco elevado.
encontrado para aqueles que estavam classificados com alto
Quanto à análise dos valores obtidos através da MAN, risco nutricional, o que reforça a ideia de que o GNRI possui
43,5% (n=81) foram classificados em risco nutricional, maior sensibilidade para identificar risco de mortalidade. A
seguido de 40,3% (n=75) em estado de normalidade e associação do GNRI com desfecho e tempo de internação
16,1% (n=30) dos idosos avaliados estavam desnutridos. hospitalar estão descritos na Tabela 3.

Tabela 1 – Perfil demográfico e clínico dos idosos hospitalizados (n=186).


Variáveis Categoria n %
Gênero Feminino 98 52,7
Masculino 88 47,3
Motivo da internação Doenças cardiovasculares 40 21,5
Doenças gastrointestinais 39 21
Câncer 34 18,3
Outras 73 39,2
Patologia associada ao motivo de Hipertensão arterial sistêmica 61 32,8
internação
Diabetes mellitus 34 18,3
Nenhuma patologia associada 45 24,2
Outras 46 24,9
Desfecho Alta hospitalar 161 86,6
Óbito 25 13,4

BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6


283
Mognon A et al.

Tabela 2 – Associação do estado nutricional com os desfechos de idosos hospitalizados.

Parâmetro Classificação Alta hospitalar Óbito Total %

(%) N (%) N N P

IMC Baixo peso 32 (91,4) 3 (8,6) 35 0,052

Eutrofia 74 (80,4) 18 (19,6) 92

Sobrepeso 55 (93,2) 4 (6,8) 59

GNRI Risco nutricional elevado 18 (69,2) 8 (30,8) 26 0,020*

Risco nutricional moderado 26 (82,8) 5 (17,2) 31

Baixo risco nutricional 22 (85,7) 4 (14,3) 26

Sem risco nutricional 95 (92,2) 8 (7,8) 103

MAN Desnutrição 26 (86,7) 4 (13,3) 30 0,670

Risco nutricional 72 (88,9) 9 (11,1) 81

Normalidade 63 (84,0) 12 (16,0) 75


* Teste do Qui Quadrado.
GNRI = Geriatric Nutritional Risk Index; IMC = Índice de Massa Corporal; MAN = Mini Avaliação Nutricional

Figura 1 - Relação do Geriatric Nutritional Risk Index (GNRI) com o tempo de internação de idosos hospitalizados.

Tabela 3 – Associação do Geriatric Nutritional Risk Index com desfecho e tempo de internação de idosos hospitalizados.

Variáveis Geriatric Nutritional Risk Index (GNRI)

Sem risco Baixo risco Moderado risco Alto risco


nutricional nutricional nutricional nutricional
n (%) n (%) n (%) n (%)

Desfecho Alta hospitalar 95 (59%) 22 (13,7%) 26 (16,1%) 18 (11,2%)


Óbito 8 (32%) 4 (16%) 5 (20%) 8 (32%)

Tempo de Até 15 dias 72 (61%) 12 (10,2%) 16 (13,6%) 18 (15,3%)


internação 16 – 29 dias 21 (48,8%) 12 (27,9%) 6 (14%) 4 (9,3%)
> 30 dias 10 (40%) 2 (8%) 9 (36%) 4 (16%)

BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6


284
Relação do Geriatric Nutritional Risk Index com tempo de hospitalização e mortalidade em pacientes idosos

DISCUSSÃO Outros estudos que utilizaram o GNRI para verificar


A média de idade do estudo em questão foi 71,6 anos, o risco nutricional e sua associação com mortalidade em
valor este semelhante à expectativa de vida da população idosos hospitalizados demonstraram resultados positivos,
brasileira, que é de 75,5 anos, conforme divulgada pelo como o estudo de Tsai et al.22, que sugere que pacientes
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em com GNRI basal ≥ 92 apresentavam menor probabilidade
201613. Houve prevalência de pacientes do sexo feminino de mortalidade. De acordo com o estudo de Luo et al.23, o
(52,7%), similar ao estudo de Soares & Mussoi14 e de Felix & GNRI também pode ser um marcador preditivo de amputação
Souza15, nos quais, respectivamente, 55% e 59% dos idosos entre pacientes idosos com isquemia crítica crônica (ICC). O
avaliados eram do sexo feminino e diferente do exposto por estudo sugere que, especialmente, as pequenas amputações
Carvalho16, que avaliou o impacto da hospitalização e do poderiam ser evitadas, se diagnosticadas previamente com
estado nutricional em idosos e teve sua amostra composta, o apoio nutricional adequado.
em sua maioria, por idosos do sexo masculino (59,6%). Cereda et al.24, em seu trabalho, concluíram que o GNRI
Foi possível verificar que a maioria dos investigados é um bom preditor de tempo da permanência hospitalar
apresentou, como principal motivo de hospitalização, e da perda de peso em pacientes idosos hospitalizados.
doenças cardiovasculares, seguido de doenças do sistema Em um estudo prospectivo de coorte de 332 pacientes, o
gastrointestinal e câncer, semelhante ao achado de Soares GNRI mostrou-se um forte preditor geral de mortalidade em
& Mussoi14, no qual 30,3% dos idosos apresentavam como pacientes em terapia de substituição renal (TSR)25.
principal motivo de internação as doenças cardiovasculares, No que se refere ao tempo de hospitalização, o resultado
seguido de câncer (10,1%) e doenças gastrointestinais (7,9%). mostrou-se semelhante ao encontrado por Santos et al.26,
O estado nutricional de idosos hospitalizados pode ser em que a maioria dos investigados (57%) permaneceu inter-
influenciado por diversos fatores. A desnutrição nessa faixa nada por menos de 15 dias. É consenso que, quanto maior
etária pode ser responsável por várias complicações. Ao o tempo de hospitalização, maior possibilidade do paciente
compararmos idosos bem nutridos e idosos em risco de ficar desnutrido, o que, consequentemente, leva ao aumento
desnutrição com diagnóstico similar, é possível observar que da permanência hospitalar. Esse círculo vicioso acaba acarre-
aqueles que apresentam risco nutricional são também os que tando mais problemas para os pacientes e mais gastos para
possuem um aumento substancial em tempo de internação, o serviço de saúde27. Pacientes em risco nutricional têm um
taxa de readmissão, mortalidade e custo de hospitalização17. tempo de hospitalização, em média, 50% maior o que os
saudáveis. Além disso, a hospitalização por mais de 15 dias
No presente estudo, o perfil nutricional foi avaliado por
está associada a um risco três vezes maior de desnutrição28.
diferentes métodos. De acordo com o IMC, 49,5% dos idosos
Assim, Dou et al.29 sugerem que o uso rotineiro do GNRI
hospitalizados apresentaram-se eutróficos, apresentando
pode ser realizado para planejar intervenções adequadas
concordância com o relatado na bibliografia especializada
aos pacientes e, consequentemente, diminuir seus custos
para a faixa etária em diferentes países18,19. Em estudo que
para o sistema de saúde.
avalia o estado nutricional de idosos hospitalizados em um
hospital geral de alta complexidade do RS, os autores encon-
traram 50,4% da população classificada como eutrófica CONCLUSÃO
pelo IMC20. O uso do IMC como um indicador do estado O GNRI não é um índice de desnutrição, mas é útil
nutricional é comum por sua facilidade de aplicação, baixo como preditor de risco nutricional. Portanto, concluímos que
custo e pequena variação intra ou intermediador. Todavia, seria válido considerar a adoção do GNRI para prever risco
como indicador de risco nutricional do idoso, existem questio- de mortalidade e morbidade. Desta forma, seria possível
namentos sobre o fato desse índice não refletir a distribuição usar o GNRI nos casos em que a MAN não é aplicável, ou
de gordura no organismo21. mesmo como complemento da MAN em pacientes idosos
Ainda sobre o perfil nutricional, em relação à MAN, 43,5% hospitalizados.
encontravam-se em risco nutricional, o que vem ao encontro
do trabalho de Soares & Mussoi14, que demonstra valores
REFERÊNCIAS
semelhantes, onde cerca de 40% dos idosos avaliados foram
classificados com risco nutricional. 1. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Diretoria de Pesquisas.
O GNRI classificou sem risco nutricional 55,4% dos Coordenação de População e Indicadores Sociais. Mudança
pacientes, vindo ao encontro da classificação de eutrofia demográfica no Brasil no início do século XXI: subsídios para
por meio do IMC, porém, em discordância da MAN, na as projeções da população. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística; 2015.
qual a classificação dos idosos em risco de desnutrição foi 2. Brasil. Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão (MPOG).
de 43,5% . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censos

BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6


285
Mognon A et al.

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Local de realização do estudo: Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo, RS, Brasil

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 281-6


286
APerfil de pacientes em nutrição parenteral e a influência do estado nutricional no tempo de acompanhamento da equipe multiprofissional de terapia nutricional
Artigo Original

Perfil de pacientes em nutrição parenteral e a


influência do estado nutricional no tempo de
acompanhamento da equipe multiprofissional de
terapia nutricional
Patient’s profile in parenteral nutrition and the influence of nutritional status on follow-up of
the multiprofessional nutritional therapy team

RESUMO
Aline Loschi Mazzaro1
Maíra Silveira Coelho2 Introdução: A desnutrição possui alta prevalência em pacientes hospitalizados, aumenta o tempo
Bruna de Abreu Toscano Souza3 de internação e piora a resposta ao tratamento. A nutrição parenteral é indicada quando requer
Guilherme Duprat Ceniccola4 repouso do tubo digestivo e pode minimizar o catabolismo e melhorar o estado nutricional. Diante
do exposto, este estudo visou verificar o perfil dos pacientes em nutrição parenteral e a influência
do estado nutricional no tempo de acompanhamento pela equipe multiprofissional de terapia
nutricional. Método: Trata-se de um estudo longitudinal retrospectivo e analítico desenvolvido
através de análise do banco de dados dos pacientes em nutrição parenteral que foram acompa-
nhados pela equipe multidisciplinar do hospital, no período de janeiro de 2015 a março de 2016.
Resultados: O perfil dos pacientes em nutrição parenteral é caracterizado majoritariamente por
homens, com idade média de 55 anos (DP + 17,4), onde 50,8% eram pacientes oncológicos e
77,8% submetidos à parenteral com associação de outras vias. Observou-se tempo médio de
acompanhamento de 11 dias (DP + 12,8) e prevalência de desnutrição de 85%. Não houve
relação estatística significativa entre o tempo de acompanhamento e o risco nutricional e entre
essa duração e a desnutrição. Conclusão: Encontrou-se grande prevalência de desnutrição e a
maioria dos pacientes utilizou mais de uma via para terapia nutricional. Não foi possível afirmar
que o estado nutricional influencia o tempo de acompanhamento. Contudo, mais estudos são
necessários para esclarecer o tema.
Unitermos: ABSTRACT
Terapia nutricional. Estado nutricional. Nutrição
Introduction: Malnutrition has a high prevalence in hospitalized patients, increases length of
parenteral.
hospital stay and worsens response to treatment. Parenteral nutrition is indicated when it requires
Keywords: rest of the digestive tract and can minimize catabolism and improve nutritional status. In view
Nutrition therapy. Nutritional status. Parenteral of the above, this study aimed to verify the profile of the patients in parenteral nutrition and the
nutrition. influence of nutritional status on the follow-up time by the Nutrition Support Team. Methods:
This was a longitudinal retrospective and analytical study developed through an analysis of
Endereço para correspondência: database of patients in parenteral nutrition who were followed up by the nutrition support team
Aline Loschi Mazzaro of the hospital from January 2015 to March 2016. Results: The patient’s profile in parenteral
SQN, 316 – bloco H, apto 318 – Asa Norte – Brasília, nutrition is characterized by predominantly males, with a mean age of 55 years (SD ± 17.4),
DF, Brasil. where 50.8% were cancer patients and 77.8% were submitted to parenteral with other routes. An
E-mail: niniloschi@gmail.com
average follow-up time of 11 days (SD ± 12.8) and the prevalence of malnutrition was 85% was
Submissão observed. There was no statistically significant relation between follow-up time and nutritional
5 de setembro de 2019 risk and between this duration and the malnutrition. Conclusion: There was a high prevalence
of malnutrition and the majority of patients used more than one route for nutritional therapy. It
Aceito para publicação was not possible to affirm that the nutritional status influences the follow-up time. However, more
10 de outubro de 2019 studies are needed to clarify the subject.

1. Especialista, Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal, Hospital de Base do Distrito Federal, Núcleo de Nutrição e Dietética,
Brasília, DF, Brasil.
2. Mestre, Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Hospital de Base do Distrito Federal, Núcleo de Nutrição e Dietética, Brasília, DF, Brasil.
3. Especialista, Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Hospital de Base do Distrito Federal, Núcleo de Nutrição e Dietética, Brasília, DF, Brasil.
4. Mestre, Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Hospital de Base do Distrito Federal, Núcleo de Nutrição e Dietética, Brasília, DF, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92


287
Mazzaro AL et al.

INTRODUÇÃO intensiva (UTI) de um hospital geral na Coreia do Sul, conclu-


Em indivíduos hospitalizados, a desnutrição é decorrente íram que a presença da EMTN gerou aumento da qualidade
de vários fatores e está relacionada ao tratamento e/ou à do suporte nutricional, redução de custos e melhor desfechos
doença prévia. A ingestão alimentar inadequada é consi- para o paciente. O paciente em NP demanda mais cuidado
derada uma das principais causas e pode ser resultado da especializado no formato proposto pela EMTN, o que no Brasil
inapetência e de procedimentos de investigação clínica e é uma prerrogativa legal, conforme Portaria 272/9812, porém
tratamento, que geram necessidade de jejum e alterações ainda não é uma realidade em todos os hospitais.
na composição da dieta1. Diante do exposto, este estudo visou verificar o perfil dos
A desnutrição energético-proteica pode ser definida como pacientes em nutrição parenteral e a influência do estado
uma doença multifatorial, capaz de gerar várias alterações nutricional no tempo de acompanhamento pela EMTN.
fisiológicas para adaptação do organismo à insuficiente
disponibilidade de nutrientes. O atraso no diagnóstico pode MÉTODO
gerar maior tempo de internação, bem como elevados índices
de mortalidade e desnutrição secundária2. No Brasil, um Delineamento do Estudo
estudo com 19.222 pacientes revelou que a desnutrição Trata-se de um estudo longitudinal retrospectivo e
acomete aproximadamente 46,6% dos indivíduos hospita- analítico desenvolvido através de análise do banco de
lizados, muito semelhante às estatísticas da América Latina dados dos pacientes em NP que foram acompanhados
e do mundo3. pela EMTN de um hospital público terciário do Distrito
Federal, no período de janeiro de 2015 a março de 2016.
Em pacientes adultos com baixo risco nutricional, quando
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
há impossibilidade de ingestão via oral ou enteral, ou quando
em Seres Humanos da Fundação de Ensino Pesquisa em
a alimentação por meio do trato gastrointestinal é ineficiente
Ciências da Saúde da Secretaria de Estado de Saúde do
por um período de 7 dias a 10 dias, indica-se nutrição
Distrito Federal (CEP/FEPECS/SES-DF), sob o CAAE número
parenteral (NP)4. De acordo com o Projeto Diretrizes sobre
55759916.3.0000.5553. O trabalho foi dispensado de
a terapia nutricional no paciente grave, se em 7 a 10 dias
termo de consentimento livre e esclarecido, visto que o
a nutrição enteral não atingir 100% das necessidades, a NP
projeto não envolve contato direto com os participantes,
deve ser considerada5.
somente o uso de dados já cadastrados anteriormente
A NP consiste em nutrição por via venosa e é indi- pela equipe multidisciplinar no momento da admissão e
cada em situações especiais, onde as vias oral e enteral da alta, não havendo interferência na TN dos participantes
não são viáveis e/ou efetivas, em virtude do uso da do projeto. Para minimizar quaisquer riscos envolvidos na
NP aumentar o risco de infecções, sepse, distúrbios pesquisa, assegurou-se o sigilo quanto à identificação dos
hidroeletrolíticos e descontrole glicêmico 6,7. Segundo participantes e a restrita utilização dos dados encontrados
Rabelo et al. 8, em pacientes com fístula digestiva, onde na pesquisa apenas com esta finalidade.
a NP exclusiva é indicada, esta forma de TN é capaz de
prevenir a desnutrição.
Corroborando com estudos longitudinais que analisaram a Critérios de Inclusão e Exclusão
ingestão energética ao longo do período de internação, Aquino Os critérios de inclusão foram todos os pacientes
e Philippi9 observaram que 48% dos pacientes internados não acompanhados pela EMTN do hospital que receberam NP,
atingem as necessidades proteico-energéticas através da no período de janeiro de 2015 a março de 2016. Foram
ingestão alimentar. Destes, 81,9% foram diagnosticados como excluídos os pacientes com idade inferior a 18 anos, bem
desnutridos; onde a ingestão alimentar inadequada foi asso- como os que receberam NE exclusiva, os que foram triados
ciada à desnutrição e a inapetência aumentou em 10 vezes o por outro método diferente da NRS13 ou cujos dados estavam
risco de desnutrição. Goiburu et al.10 reportaram que cerca de incompletos.
70% dos pacientes desnutridos pioram seu estado nutricional
após admissão hospitalar, o que contribui para o aumento da Coleta de Dados
morbi-mortalidade em 65% dos pacientes. A coleta de dados foi feita a partir do banco dados da
Apesar de melhorias no suporte nutricional nas últimas EMTN, desenvolvido em planilha GoogleDocs®, o qual era
décadas, poucos estudos avaliam o papel da equipe multi- atualizado pelos nutricionistas responsáveis pela EMTN, no
profissional de terapia nutricional (EMTN) na reabilitação momento da admissão e da alta dos pacientes. No ato da
nutricional de pacientes hospitalizados. Segundo Mo et al.11, admissão, foram coletados os seguintes dados: peso atual
em estudo sobre os efeitos da atuação da EMTN sobre o (aferido, referido ou estimado) e nos últimos 3 meses; altura
tipo de oferta de nutrição em paciente de unidade de terapia (aferida, referida ou estimada pela altura do joelho); índice
BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92
288
Perfil de pacientes em nutrição parenteral e a influência do estado nutricional no tempo de acompanhamento da equipe multiprofissional de terapia nutricional

de massa corporal (IMC)14; Triagem de Risco Nutricional câncer de colo de útero, câncer gástrico, dentre outros),
(NRS)13; exames bioquímicos; diagnóstico de desnutrição cirúrgicos (apendicectomia, enterectomia, fístula duodenal,
pelo método da And-ASPEN Clinical Characteristics Malnu- fechamento de ileostomia, dentre outros), trauma (poli-
trition (AA-CCM)15. trauma, traumatismo cranioencefálico, hemorragia suba-
O peso corporal foi aferido por meio da balança científica racnóidea traumática, hematoma subdural crônico, dentre
da marca Plenna®, com escala de 100g e capacidade de outros), doenças do trato gastrointestinal (abdome agudo,
150 kg, previamente calibrada, instalada em local afastado semioclusão intestinal, apendicite, estenose de esôfago, este-
da parede, com superfícies planas, firmes e lisas. nose cáustica de esôfago, doença do refluxo gastroesofágico,
dentre outros) e outros diagnósticos (quilotórax, abscesso
A estatura foi medida com auxílio de um estadiômetro,
dentário e doença renal crônica).
marca Sanny® e com o paciente em pé, descalço, com os
pés unidos e em paralelo, costas eretas, braços estendidos
ao lado do corpo e a cabeça ereta olhando para o horizonte Acompanhamento da EMTN
no plano de Frankfurt. A EMTN é composta por um médico nutrólogo, cinco
Para determinação da estatura estimada de pacientes nutricionistas, dois enfermeiros, uma farmacêutica e residentes
acamados, utilizou-se a fórmula de Chumlea et al.16, que nutricionistas, que atendem a todos os pacientes internados no
contempla a medida da altura do joelho (AJ). A estimativa hospital com necessidade de acompanhamento. Esse processo
do peso foi realizada pela fórmula de Chumlea et al.17, que ocorria por meio de pedido de parecer, enviado por médico
contempla AJ, circunferência do braço (CB) e idade. ou nutricionista que identificaram alguma necessidade espe-
cial do ponto de vista nutricional, como a indicação de NPT.
A aferição da CB foi realizada com a fita métrica de aço
Contudo, devido às limitações do serviço, o acompanhamento
plano, marca Sanny® colocada em torno do ponto médio do
e prescrição diária pela EMTN eram realizados preferencial-
braço não dominante. O valor da circunferência foi obtido
mente aos pacientes que recebiam NP exclusiva ou associada
em centímetros (cm).
à outra via. Os critérios para alta da EMTN foram instabilidade
A AJ foi aferida com o indivíduo em posição supina, com clínica com necessidade de suspensão da NP, desmame da
a perna formando um ângulo de 90 graus com o joelho e o NP, melhora do ponto de vista nutricional, transferência para
tornozelo, utilizando-se uma fita métrica de aço plano, marca outra unidade hospitalar e óbito.
Sanny®, posicionada da superfície plantar do pé (calcanhar)
até a cabeça da patela (rótula). O valor da altura foi obtido
em centímetros (cm). Análise Estatística
As variáveis qualitativas e quantitativas foram repre-
O IMC, razão entre o peso atual em quilogramas pela
sentadas por meio de tabelas e figuras, nos quais foram
estatura em metros ao quadrado (kg/m²), seguiu a classifi-
apresentados a frequência e o percentual, enquanto para
cação da OMS14. Em casos em que o peso foi estimado e o
as variáveis quantitativas foram calculadas as medidas de
paciente apresentava edemas, utilizou-se também o método
posição e dispersão.
de estimativa de IMC através do emprego de escala de
figuras Aplicada à Avaliação Subjetiva do IMC de Pacientes Para avaliar a normalidade dos dados das variáveis
Acamados (determinação visual do IMC do indivíduo corres- quantitativas, aplicou-se o teste de Kolmogorov-Smirnov.
pondendo a uma das nove figuras, ordenadas da mais magra Para avaliar a correlação entre variáveis calculou-se o
para a mais obesa) proposta por Fogaça & Oliveira18. O coeficiente de correlação de postos de Spearman. A fim de
IMC visual foi realizado por 2 avaliadores (nutricionistas) comparar dois grupos, realizou-se o teste de Mann-Whitney,
quando eram mais de dois grupos, aplicou-se o teste de
devidamente treinados.
Kruskal Wallis.
O instrumento de Triagem de Risco Nutricional – NRS
Utilizou-se o Statistical Package for Social Science
utiliza como parâmetros o estado nutricional, a gravidade
(SPSS), versão 18.0. Considerou-se um nível de signifi-
da doença e a idade13.
cância de 0,05.
O diagnóstico nutricional de desnutrição foi classificado
segundo a gravidade (grave ou não grave) e o contexto (doença
ou trauma agudo; doença crônica; circunstâncias sociais e RESULTADOS
ambientais) pelo modelo de AA-CCM15. Todos esses proce- A amostra inicialmente foi de 76 pacientes, foi excluído
dimentos e aplicação de ferramentas foram realizados pela um que possuía menos de 18 anos, quatro foram triados por
EMTN como atividades rotineiras dentro da atenção hospitalar. outro método diferente da NRS13, três cujos dados estavam
Os pacientes foram agrupados segundo diagnóstico incompletos e 5 que receberam NE exclusiva. Totalizou-se,
clínico, como oncológicos (linfoma, leucemia, mieloma, assim, 63 pacientes, sendo 63,5% do sexo masculino (n=40)
BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92
289
Mazzaro AL et al.

e 36,5% do sexo feminino (n=23). A média de idade dos


Tabela 1 – Influência dos sintomas gastrointestinais no alcance das metas
pacientes foi de 55 anos (DP + 17 anos), o mais novo tinha nutricionais (n=63). Brasília, 2017.
19 anos e o mais idoso possuía 88 anos. A metade dos
Sintomas gastrointestinais Meta calórica Meta proteica
pacientes estudados apresentou idade igual ou superior a
Constipação 68% 66%
58 anos. O principal diagnóstico encontrado foi o de câncer
(50,8%), seguido de pacientes cirúrgicos (25,4%), pacientes Diarreia 79% 80%
de trauma (11,1%), doenças do trato gastrointestinal (6,3%) Disfagia/odinofagia 92% 100%
e outros diagnósticos (6,3%). Distensão abdominal 65% 65%
Em média, os pacientes foram acompanhados pela EMTN Fístula 64% 64%
por 11 dias (DP + 13 dias). Dentre os estudados, metade Melena 95% 73%
ficou sob os cuidados da EMTN por 8 dias ou menos e o
Náuseas 96% 99%
paciente com maior tempo de acompanhamento foi de
PIA elevada 89% 84%
aproximadamente três meses.
Vômitos 100% 100%
Quanto ao tipo de TN recebida, 22,2% dos pacientes
estavam em NP exclusiva (Figura 1). Nenhum 77% 79%

Figura 1 - Distribuição da amostra segundo tipo de TN recebida (n=63). Brasília, 2017.

Não foi encontrada relação entre a quantidade de A maioria dos pacientes acompanhados pela EMTN
sintomas gastrointestinais e o alcance das metas calórica estava desnutrida no momento da admissão pela equipe, o
(p=0,247) ou proteica (p=0,879) no momento da alta. que evidencia uma alta prevalência de desnutrição (87,3%).
Quando se analisou cada sintoma, observou-se que os Através do teste Mann-Whitney, observou-se que não há
pacientes que apresentaram constipação, distensão abdo- diferença entre o tempo de acompanhamento pela EMTN
minal, fístula, vômitos ou diarreia tiveram um percentual de entre os pacientes desnutridos e aqueles que estavam não
adequação das metas calórica e proteica inferior aos outros desnutridos (p= 0,812).
pacientes (Tabela 1). Contudo, após o teste de Kruskal Wallis,
observou-se que as diferenças não foram significativas. O
p-valor, quando analisada a relação entre as variáveis e a DISCUSSÃO
meta calórica, foi de 0,522, e para a meta proteica foi de Observou-se que a idade média dos pacientes estudados
0,219. foi de 55 anos (DP + 17 anos), possivelmente devido à preva-
De acordo com o teste Mann-Whitney, verificou-se que lência de diagnósticos oncológicos e cirúrgicos, uma vez que
não há relação entre o risco nutricional e o tempo de acom- atingem uma faixa etária variada. A característica da amostra
panhamento (p=0,530). Cabe destacar que apenas dois também justifica a alta indicação de NP, devido à necessidade
pacientes não apresentaram risco. de jejum pré e pós-cirúrgico e à baixa tolerância à dieta por
BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92
290
Perfil de pacientes em nutrição parenteral e a influência do estado nutricional no tempo de acompanhamento da equipe multiprofissional de terapia nutricional

parte dos pacientes oncológicos. Em conformidade com o um plano nutricional preventivo e terapêutico, visando reduzir
encontrado, Feitosa et al.19, em investigação retrospectiva taxas de complicações evitáveis e custos hospitalares.
analítica com 196 indivíduos submetidos à cirurgia oncoló- Houve grande prevalência de desnutrição na amostra
gica de um Hospital Geral de Fortaleza-CE, constataram que estudada. Ao analisar a relação entre o tempo de acom-
a média de idade dos pacientes foi de 53 anos. panhamento pela EMTN e a desnutrição, observou-se não
Neste trabalho, o tempo médio de acompanhamento foi haver correlação. Possivelmente devido ao perfil da amostra
de 11 dias (DP + 13 dias), onde a metade dos pacientes ser majoritariamente composta por pacientes oncológicos.
esteve sob os cuidados da equipe por 8 dias ou menos. No Em consonância, Caillet et al.24, em uma revisão sistemática
mesmo sentido, Parent et al.20, ao analisar prospectivamente que visou determinar a prevalência de desnutrição e caquexia
794 pacientes que recebiam NP de 2005 a 2010, para averi- em pacientes em quimioterapia, observaram que 83% dos
guar a utilização de NP após a implementação da EMTN, pacientes estavam desnutridos e um terço deles já possuíam
verificaram que a avaliação multidisciplinar dos pacientes esse diagnóstico antes mesmo de iniciar o tratamento. No
que receberam NP reduziu em 27% o número de novas mesmo sentido, DeLegge e Kelley25 observaram, em sua
prescrições de NP e, em 30%, os pacientes permaneceram pesquisa sobre a EMTN nos EUA, que a incidência de desnu-
com esta TN de curta duração (NP < 5 dias). trição em pacientes hospitalizados ainda se mantém elevada,
o que implica em maior morbi-mortalidade, aumento do
Esse estudo encontrou grande prevalência de NP asso-
tempo de internação e custo associado.
ciada a outras vias. Em contrapartida, uma pesquisa com
1286 pacientes internados em 245 UTIs de hospitais do Observou-se como limitações deste trabalho que pode
Reino Unido, ao avaliar o atual suporte nutricional recebido, existir viés de seleção, pois a equipe só era acionada para
observou que 54,6% dos pacientes recebiam dieta via sonda fazer acompanhamento dos pacientes de NP, devido à uma
nasogástrica, 1,5% via gastrostomia, 1,5% via sonda naso- limitação do serviço por falta de recursos humanos. Além
jejunal, 11,4% estavam em NP e nenhum paciente recebeu disso, por se tratar de uma busca de dados já registrados,
terapia nutricional por dupla via. O mesmo trabalho também alguns dados encontravam-se incompletos, fator que refletiu
verificou que 83,1% dos hospitais não possuíam EMTN dispo- na redução do tamanho amostral. Outras limitações compre-
nível na UTI e, em 4,7% dos hospitais, não havia nutricionista endem a não utilização de desfechos tradicionais, como a
ou enfermeiro especialista em nutrição na UTI21. mortalidade e o tempo de internação. Como ponto forte,
cita-se que todos os profissionais responsáveis por realizar a
Na presente pesquisa, não houve relação estatística entre
triagem e avaliação nutricional foram devidamente treinados
o alcance das metas no momento da alta da equipe e a
e capacitados para tal atividade e, por se tratar de uma coleta
ocorrência de sintomas gastrointestinais durante o acompa-
de dados já registrados, os nutricionistas desconheciam os
nhamento. Este é um achado importante, visto que a diretriz objetivos da pesquisa que foram estabelecidos previamente
da BRASPEN sobre terapia nutricional no paciente grave reco- à coleta de dados.
menda que a ocorrência de sintomas gastrointestinais, como
a diarreia, não justifica a interrupção da infusão da dieta22.
CONCLUSÃO
Nesse trabalho, a relação entre a NRS13 e o tempo de
acompanhamento não foi significativo. Acredita-se que a Nessa pesquisa, observou-se uma amostra majoritaria-
relação entre as variáveis foi de fraca intensidade, prova- mente composta por pacientes oncológicos, alto percentual
velmente devido ao fato de que apenas dois pacientes não em risco nutricional e com tempo médio de acompanhamento
apresentaram risco nutricional e que a EMTN só era acionada de 11 dias. Encontrou-se grande prevalência de desnutrição
para acompanhar os pacientes mais graves que, conse- e a maioria dos pacientes utilizou mais de uma via para
quentemente, apresentavam risco nutricional. Em contraste terapia nutricional, sendo a NP a via prioritária. Contudo,
com o encontrado, Mercadal-Orfila et al.23, em seu estudo neste estudo, não foi possível afirmar que o estado nutricional
transversal com 1075 pacientes internados em um hospital influenciou o tempo de acompanhamento. Nesse sentido,
regional da Espanha, ao relacionar o risco de desnutrição mais estudos se fazem necessários para avaliar essa relação.
pela NRS13 com as taxas de morbidade e de mortalidade,
observaram que 62% dos pacientes apresentavam risco nutri- REFERÊNCIAS
cional e que há uma associação estatística significativa entre
1. Raslan M, Gonzalez MC, Dias MC, Nascimento M, Castro M,
a presença de risco nutricional, pelo método da NRS, e o Marques P, et al. Comparison of nutritional risk screening tools
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BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92


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Local de realização do estudo: : Hospital de Base do Distrito Federal, Brasília, DF, Brasil.

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 287-92


292
A Artigo Original
Adequação de energia e proteína para pacientes críticos em terapia nutricional enteral

Adequação de energia e proteína para pacientes


críticos em terapia nutricional enteral
Energy and protein adequacy for critically ill patients in enteral nutrition therapy

RESUMO
Karla Mendonça Gonçalves de Jesus¹
Letícia Sabino Santos1 Introdução: A terapia nutricional enteral para pacientes críticos é considerada um tratamento
Karina Marques Vermeulen2 coadjuvante, que fornece energia e nutrientes importantes para função imunológica e manu-
Marcia Regina Dantas de Araújo Oliveira3 tenção da massa magra, minimizando o risco de complicações metabólicas. Este estudo avaliou
Lucia Leite-Lais4
Márcia Marília Gomes Dantas Lopes4 a adequação de energia e proteína da terapia nutricional enteral prescrita para pacientes críticos
Niethia Regina Dantas de Lira3 internados na unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital universitário. Método: Estudo
Sancha Helena de Lima Vale4 prospectivo, no qual as necessidades e a oferta de energia e proteínas foram avaliadas, fornecendo
informações sobre os percentuais de adequação, o tempo médio para atingir a meta nutricional
e as intercorrências relacionadas à terapia. Resultados: Foram avaliados 31 pacientes, com
idade média de 53,8 ± 16,0 anos, sendo 58,1% do sexo feminino. Os diagnósticos clínicos mais
frequentes foram relacionados ao sistema neurológico e sistema digestório, abrangendo 45,2%
da amostra. O tempo de permanência na UTI foi de 20,4 ± 16,4 dias. O tempo necessário para
atingir a meta de energia e proteína foi de 6,7 dias (160,0 ± 74h) e 7,3 dias (175,2 ± 76,8h),
respectivamente. Dentre as intercorrências, as complicações gastrointestinais foram os principais
motivos para retardar o início da dieta ou limitar sua progressão. Conclusão: O período de 72h
para a oferta de pelo menos 80% das necessidades energéticas e proteicas não foi suficiente para
a adequação nutricional da população avaliada. Dentre as intercorrências observadas destacam-
se as alterações das funções gastrointestinais e as situações de instabilidade hemodinâmica,
denotando a necessidade de criação de protocolos para o manejo das complicações relacionadas
à terapia nutricional enteral.
Unitermos:
ABSTRACT
Estado nutricional. Nutrição enteral. Unidades de
terapia intensiva. Introduction: Enteral nutrition therapy is considered an adjuvant treatment for critically ill
patients, that provides energy and nutrients important for immune function and maintenance
Keywords: of lean mass, minimizing the risk of metabolic complications. This study evaluated the energy
Nutritional status. Enteral nutrition. Intensive care and protein adequacy of the enteral nutrition prescribed for critically ill patients, admitted to the
units. intensive care unit (ICU) of a university hospital. Methods: This was a prospective study in which
the requirements and consumption of energy and protein were evaluated, providing information
Endereço para correspondência: on the adequacy, the average time to reach the nutritional goal, and the complications related to
Sancha Helena de Lima Vale the enteral nutrition. Results: A total of 31 patients with a mean age of 53.8 ± 16.0 years, 58.1%
Universidade Federal do Rio Grande do Norte female, were included. The most frequent clinical diagnoses were related to the neurological and
Av. Senador Salgado Filho, 3000 – Lagoa Nova –
digestive system, representing 45.2% of the sample. The length of stay in the ICU was 20.4 ±
Natal, RN, Brasil – CEP: 59078-970
E-mail: sanchahelena@hotmail.com 16.4 days. The time required to reach the energy and protein goal was 6.7 days (160.0 ± 74h)
and 7.3 days (175.2 ± 76.8h), respectively. Gastrointestinal complications were the main reason
Submissão for delaying the onset of the diet or limiting its progression. Conclusion: The 72h period for the
15 de abril de 2019 supply of at least 80% of energy and protein needs was not sufficient for the nutritional adequacy
of the population evaluated. Among the observed complications, we highlight the alterations of
Aceito para publicação the intestinal expended functions and hemodynamic instability situations, denoting the need to
8 de outubro de 2019 create protocols for the management of enteral nutritional therapy related complications.

1. Especialista em Terapia Intensiva Adulto pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, RN, Brasil.
2. Doutoranda em Ciências da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
3. Nutricionista da Unidade de Nutrição Clínica do Hospital Universitário Onofre Lopes/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, Natal, RN,
Brasil.
4. Professora adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Nutrição, Natal, RN,
Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8


293
Jesus KMG et al.

INTRODUÇÃO causando prejuízos ao estado nutricional do paciente hospi-


A doença crítica está associada ao estresse catabólico dos talizado6. Entre as principais causas que limitam a admi-
pacientes, acarretando uma resposta inflamatória sistêmica, nistração da TNE em pacientes críticos estão os problemas
acompanhada de complicações como aumento de infecções, relacionados com a tolerância à dieta, manipulação do
disfunção múltipla de órgãos, maior tempo de hospitalização paciente, administração de medicamentos, procedimentos
e maior mortalidade. Tradicionalmente, a terapia nutricional e exames7. O conhecimento e controle desses fatores pela
para essa população foi considerada como um tratamento equipe multiprofissional faz com que medidas possam ser
coadjuvante que fornece energia e nutrientes importantes adotadas com a finalidade de otimizar a utilização da TNE,
para função imunológica e manutenção da massa magra, possibilitando o fornecimento dos nutrientes aos pacientes
minimizando o risco de complicações metabólicas1. críticos de forma mais adequada8.
A terapia nutricional é reconhecida por trazer bons resul- Reconhecendo que a TNE tem influência direta sobre o
tados na terapia intensiva2. A via enteral de alimentação é estado nutricional e prognóstico clínico do paciente crítico,
a mais utilizada em pacientes críticos estáveis que tenham esse estudo objetivou avaliar a adequação da quantidade
contraindicações imediatas para utilização da via oral. As de energia e de proteína via TNE para os pacientes críticos
principais contraindicações para a terapia nutricional enteral e identificar as principais intercorrências que impedem a
(TNE) são instabilidade hemodinâmica, níveis de lactato adequação e progressão dessa terapia.
em ascensão ou persistentemente elevados, sangramento
gastrintestinal ativo, diarreia grave, síndrome compartimental MÉTODO
abdominal e síndrome do intestino curto3.
Trata-se de um estudo descritivo, prospectivo, com
A American Society of Parenteral and Enteral Nutrition
amostragem não probabilística, realizado após aprovação
(ASPEN), em sua atualização mais recente, afirma que níveis
da Comissão de Ética e Pesquisa da instituição (CAAE:
tróficos de nutrição enteral (NE), geralmente definidos como
61106116.5.0000.5292). Todos os participantes ou
10 a 20 mL/h ou 10 a 20 kcal/h, podem ser suficientes para
responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e
prevenir a atrofia da mucosa intestinal e manter sua integri-
Esclarecido.
dade em pacientes de baixo ou moderado risco, mas que
podem ser insuficientes para aqueles de alto risco1. Dessa A amostra foi constituída por 31 indivíduos, de ambos
forma, essa sociedade sugere que 80% das necessidades os sexos, admitidos na UTI do Hospital Universitário Onofre
energética e proteica sejam alcançadas em um período de Lopes, com idade igual ou superior a 18 anos, no período
48 a 72 horas, com o objetivo de reduzir a mortalidade1. de setembro de 2017 a novembro de 2018. Como critérios
De outro modo, a Diretriz Brasileira de Terapia Nutricional, de seleção, foram incluídos os pacientes com TNE exclusiva
proposta pela Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral nas primeiras 72h. Foram excluídos os pacientes readmitidos
e Enteral (BRASPEN), recomenda iniciar com uma oferta na mesma UTI, ou que iniciaram outra forma de alimentação
energética de 15 a 20 kcal/kg/dia e progredir para 25 a 30 nas primeiras 72h de admissão.
kcal/kg/dia somente após o quarto dia, quando inicia a fase Os dados sociodemográficos, clínicos e intercorrências
considerada de recuperação4. Segundo dados da European foram coletados do prontuário eletrônico e das fichas de
Society of Parenteral and Enteral Nutrition (ESPEN), a dieta controle da enfermagem. O volume da dieta infundido é
hipoenergética, ou seja, não superior a 70% da energia esti- registrado rotineiramente nesse serviço, pela equipe de enfer-
mada, deve ser administrada na fase inicial da doença aguda magem, subtraindo o volume de dieta residual do volume
e, somente após o terceiro dia, o fornecimento energético total prescrito e instalado para administração por bomba
pode ser aumentado até 80-100%5. de infusão. Todos os pacientes foram monitorados desde a
Em relação à proteína, a recomendação da BRASPEN admissão na UTI até o desfecho de alta ou óbito.
é de 1,2 a 2,0 g/kg/dia. Esta oferta proteica é justificada O peso e estatura dos participantes do estudo foram
pela demanda aumentada de aminoácidos na fase inicial da aferidos utilizando balança eletrônica (Balmak, BK50F, São
doença e, na fase mais tardia, pela tentativa de vencer a resis- Paulo, SP, Brasil) e estadiômetro (Stadiometer Professional
tência anabólica e minimizar a perda de massa muscular4. Sanny, American Medical do Brasil, São Paulo, SP, Brasil),
Divergências entre o que é prescrito e o que é infun- respectivamente. O índice de massa corporal (IMC, em kg/
dido via enteral, assim como o tempo de jejum ao qual os m2) foi calculado como a razão entre o peso corporal e o
pacientes são submetidos, negligenciam a qualidade do quadrado da estatura. Para os indivíduos impossibilitados de
tratamento nutricional2, uma vez que a modulação nutricional terem o peso e a altura aferidos foram utilizadas fórmulas de
em resposta ao estresse em pacientes críticos tem entre seus estimativa: Chumlea et al.9, para o peso e altura de adultos e
objetivos a infusão adequada da dieta1. peso de idosos, e Bermúdez & Tucker10, para altura de idosos.
Algumas intercorrências podem afetar a administração da A avaliação antropométrica e as necessidades nutricio-
dieta e causar a sua suspensão temporária ou permanente, nais foram realizadas e calculadas por uma nutricionista
BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8
294
Adequação de energia e proteína para pacientes críticos em terapia nutricional enteral

treinada. As necessidades de energia e proteína foram


Tabela 1 – Caracterização dos pacientes críticos, em uso de terapia nutri-
calculadas de acordo com a ASPEN1, sendo 20-30 kcal/ cional enteral, internados na unidade de terapia intensiva de um hospital
kg de peso atual/dia e 1,2-2,0 g de proteína/kg de peso universitário (n=31).
atual/dia. A quantidade de energia inicialmente ofertada foi
Variáveis n (%)
20 kcal/kg de peso atual/dia e foi progredindo de acordo
Classificação de acordo com o IMC*
com a evolução do paciente, até atingir as 30 kcal/kg de
peso atual/dia. Para os indivíduos obesos, as necessidades Baixo peso
de energia foram calculadas utilizando 11-14 kcal/kg peso Adultos 1 (6,3)
atual/dia ou 22-25 kcal/kg peso ideal/dia. As necessidades Idosos 2 (13,3)
de proteína foram calculadas considerando o IMC1, sendo
Peso adequado
2,0 g proteína/kg de peso ideal dia, para IMC entre 30 e
Adultos 5 (31,3)
40 kg/m2, e para IMC maior que 40 kg/m2, até 2,5 g/kg
de peso ideal dia. Idosos 8 (53,3)
Foram calculadas e registradas as metas de energia e Sobrepeso e/ou obesidade &

proteína nas primeiras 24h de admissão. Posteriormente, as Adultos 10 (62,5)


quantidades de energia e proteína infundidas no período de Idosos 5 (33,3)
24, 48 e 72 horas foram coletadas das fichas de controle
Diagnóstico clínico#
da enfermagem e observados os percentuais de adequação
DCNT** 8 (25,8)
de energia e proteína, o tempo médio para atingir a meta
nutricional e as intercorrências relacionadas à dieta. A oferta Doenças pulmonares 10 (32,3)
de energia e proteína foi considerada satisfatória quando Doenças cardíacas 8 (25,8)
o percentual de adequação atingido até 72h era igual ou Doenças do sistema digestório 14 (45,2)
maior que 80%.
Doenças esplênicas 2 (6,5)
A análise estatística foi realizada pelo software SPSS
Sepse /Choque séptico/ Cho- 7 (22,6)
Statistics v. 23. O teste de Shapiro-Wilk foi aplicado para veri- que hipovolêmico
ficar a normalidade da distribuição dos dados. As variáveis
Doenças renais 10 (32,3)
quantitativas com distribuição normal foram expressas como
média e desvio padrão e as variáveis que não apresentaram Doenças sanguíneas 4 (12,9)
distribuição normal, como mediana e valores interquartis Doenças vasculares 4 (12,9)
mínimos e máximos com 95% do intervalo de confiança. Doenças neurológicas 14 (45,2)
Doenças psiquiátricas/medica- 1 (3,2)
RESULTADOS mentosas
Doenças endócrinas 1 (3,2)
Foram avaliados 31 indivíduos, com idade média de 53,8
± 16 anos, sendo 58,1% do sexo feminino. A mediana do Desfecho***
IMC dos indivíduos adultos foi de 26,3 (23,9; 31,4) kg/m2 Alta 19 (61,3)
e dos idosos, foi de 25,9 (23,9; 31,4) kg/m2. A média de Óbito 10 (32,3)
permanência na UTI foi de 20,4 ± 16,4 dias. Quanto ao *IMC = Índice de Massa Corporal, Classificação de acordo com Brasil, 201111. &Classificação
utilizada apenas para adultos. #Alguns indivíduos possuíam mais de um diagnóstico clínico.
diagnóstico dos pacientes admitidos, os mais prevalentes **DCNT = doenças crônicas não transmissíveis. ***No momento da coleta de dados, dois
foram as doenças relacionadas ao sistema digestório e pacientes ainda estavam internados.
neurológico, seguidas por doenças pulmonares e doenças
renais. A faixa de mortalidade durante a internação foi de
32,3% (Tabela 1).
As necessidades nutricionais dos pacientes críticos e a Tabela 2 – Necessidades nutricionais diárias e tempo decorrido até atender
a meta de 80% das necessidades totais de energia e proteínas dos pacientes
quantidade de dias necessários para atingir as metas nutri- críticos, em uso de terapia nutricional enteral, internados na unidade de
cionais estão dispostas na Tabela 2. terapia intensiva de um hospital universitário (n=31).
O período de 72h não foi suficiente para atender ao Variáveis Média ± DP*
objetivo de atingir 80% das metas de energia e proteína da Necessidade energética (kcal) 1731,5 ± 309,1
maioria dos pacientes internados na UTI. Nesse período,
Necessidade proteica (g) 121,7 ± 20,4
foi possível alcançar aproximadamente 30% da meta
energética e 20% da meta proteica para esses pacientes Necessidade proteica (g/kg de peso) 1,8 ± 0,3
(Figura 1). Apenas 6,5% dos pacientes atingiram 80% da Tempo até atender meta energética (h) 160,0 ± 74
necessidade de energia, enquanto 3,3% atingiram meta Tempo até atender meta proteica (h) 175,2 ± 76,8
proteica em 72h. *DP = Desvio padrão.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8


295
Jesus KMG et al.

Figura 1 - Quantidade percentual de energia e proteínas ofertadas aos pacientes críticos, via terapia nutricional enteral, nas primeiras 24h, 48h e 72h de interna-
ção na unidade de terapia intensiva de um hospital universitário (n=31).

As intercorrências que retardaram o início da dieta ou classificados com baixo peso, quando avaliados pelo IMC,
limitaram sua progressão estiveram presentes na maioria esses achados podem ser relativizados considerando-se
dos sujeitos. As complicações gastrointestinais acometeram a provável alteração no estado hídrico, característico de
a maior parte deles, seguidas pela instabilidade hemodinâ- pacientes internados em UTI, além de outros fatores, como a
mica (Tabela 3). necessidade do uso de fórmulas preditivas para estimar peso e
altura do paciente e a dificuldade de informações fidedignas.
O hospital em que foi realizado o estudo é referência de
Tabela 3 – Fatores limitantes da terapia nutricional enteral em pacientes alta complexidade em neurologia, neurocirurgia e doenças
críticos internados na unidade de terapia intensiva de um hospital univer-
sitário (n=31).
cardiovasculares. Conquanto as condições clínicas mais
observadas nos pacientes críticos avaliados foram além das
Intercorrências n (%)
relacionadas ao sistema neurológico, aquelas relacionadas
Sim 27 (87,1) ao sistema digestório. Esses achados se contrapõem a alguns
Não 4 (12,9) resultados encontrados na literatura, onde as doenças respi-
Tipos ratórias prevaleceram12,14,15, mas corroboram a característica
Instabilidade hemodinâmica 13 (41,9) heterogênea dessa população.
Jejum para exames/procedimentos 5 (16,1) Pacientes criticamente enfermos, que permanecem por
Alterações das funções gastrointestinais* 16 (51,6) mais de 48 horas na UTI, devem ser considerados pacientes
Choque cardiogênico 1 (3,2) em risco de desnutrição16. O suporte nutricional precoce pode
Baixa vazão da dieta 1 (3,2) reduzir a gravidade da doença, as complicações, o tempo de
Uso de nimodipimo 3 (9,7)
permanência na UTI e impactar no desfecho do paciente de
*Alterações das funções gastrointestinais: êmese, diarreia, distensão abdominal, hemorragia
forma favorável1. Nesse contexto, é importante conhecer as
digestiva alta, melena, aumento do resíduo gástrico. características e limitações da TNE em cada local, a fim de
traçar as estratégias terapêuticas mais adequadas.
A dieta oral deve ser preferida em relação à TNE ou
DISCUSSÃO
nutrição parenteral (NPT) em pacientes que são capazes de se
Indivíduos hospitalizados, frequentemente, apresentam alimentar. Se a ingestão oral não for possível, a NE precoce
desnutrição, sendo este um fator complicador para o prog- deve ser iniciada16. Estudos demonstram que NE iniciada
nóstico clínico. Dados demonstram que na UTI a desnutrição precocemente associa-se a menor incidência de úlcera de
acomete mais de 35% dos pacientes já na admissão, podendo estresse e de lesão trófica intestinal, menor produção de
variar entre 43% e 88% ao longo da permanência12,13. No citocinas inflamatórias e menor morbidade infecciosa, além
presente estudo, observou-se que poucos indivíduos foram de uma tendência à diminuição da mortalidade17.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8
296
Adequação de energia e proteína para pacientes críticos em terapia nutricional enteral

Embora, no presente estudo, mais da metade dos indiví- por tempo superior a 14 dias. Já no estudo de Galdino et
duos tenha iniciado dieta enteral em até 48h da admissão na al.15, o tempo médio de permanência na UTI foi de 26 dias,
UTI, apenas 6,5% dos pacientes atingiram a meta de energia, semelhante ao observado na nossa análise.
enquanto que 3,3% dos pacientes atingiram meta proteica Considerando o número de óbitos em relação a todos os
no período de 72h. Resultados distintos foram encontrados pacientes admitidos no período da coleta de dados, a taxa
no estudo de Galdino et al.15, onde 80,2% dos pacientes de mortalidade geral da UTI foi de 12,1%. Em relação aos
iniciaram alimentação dentro das primeiras 24 horas após pacientes admitidos e incluídos no estudo no mesmo período,
admissão na UTI e atingiram as metas nutricionais em até o número de óbitos foi superior (32,3%). Apesar disso, o
72 horas. Ribeiro et al.12 observaram que 82% dos pacientes valor encontrado foi inferior ao de outros estudos6,15,17-20,
ficaram em jejum por menos de 48 horas antes do início da chegando a 60% de óbitos em um deles19.
NE e 80% atingiram 100% da meta em período menor que
A interpretação dos nossos achados à luz de outros
36 horas. Vale ressaltar que, em ambos estudos, o diagnós-
resultados descritos na literatura reforça a condição ímpar de
tico de internação da maioria dos pacientes foi relacionado
cada UTI e fortalece a necessidade da instituição de proto-
a problemas respiratórios, enquanto, no presente estudo, o
colos individuais, que considerem a especificidade de cada
diagnóstico prevalente foi de doenças gastrointestinais.
serviço, sem deixar a observação crítica das recomendações
A despeito dos resultados obtidos, as recomendações da das diversas sociedades à margem.
BRASPEN4 e ESPEN5 são mais flexíveis em relação às metas
energética e proteica e ao tempo para atingi-las, do que a
recomendação proposta anteriormente pela ASPEN1. Singer CONCLUSÃO
et al.5 sugerem dieta hipoenergética, ou seja, até 70% da Neste estudo, foi possível identificar que o período de
necessidade de energia nos três primeiros dias e, em seguida, 72h, ora preconizado pela ASPEN para a oferta de pelo
a progressão da dieta para 80-100% da necessidade de menos 80% das necessidades energéticas e proteicas, não
energia, quando utilizada a calorimetria indireta para o foi suficiente para a adequação nutricional da população
cálculo do gasto energético. Se fórmulas de estimativa forem avaliada. Entretanto, nesta UTI, a adequação foi estabelecida
utilizadas para o cálculo, assim como ocorreu no presente na primeira semana de internação, em consonância com
estudo, a dieta hipoenergética deve ser mantida na primeira as proposições da ESPEN e BRASPEN. Dentre as intercor-
semana de internação. rências que impediram a progressão e adequação da TNE,
Conquanto, nesse estudo, as necessidades de energia e destacam-se as alterações das funções gastointestinais e,
proteína demoraram mais que o recomendado (72h) para adicionalmente, as situações de instabilidade hemodinâ-
serem atingidas. Outro estudo conduzido no Brasil com micas, as quais não apenas impedem a progressão, mas
pacientes sépticos também relatou inadequação em relação também são cruciais para o início da terapia. Estas intercor-
ao tempo de adequação da dieta, onde 50% dos pacientes rências denotam a necessidade de criação de protocolos para
atingiram 100% da recomendação energética em sete dias, o manejo das complicações relacionadas à TNE.
sendo a adequação proteica atingida em prazo ainda maior18.
A inadequação energética e proteica constatada no REFERÊNCIAS
nosso estudo teve como causa e/ou situações agravantes as
1. McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson
intercorrências que estiveram presentes na evolução clínica DR, Braunschweig C, et al. Guidelines for the provision and
durante o período de internação. As intercorrências limitam assessment of nutrition support therapy in the adult critically ill
o início precoce, bem como a progressão da dieta enteral. patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American
Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN
De forma semelhante ao que foi descrito nos resultados, J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.
Galdino et al.15 encontraram alterações gastrointestinais 2. Muñoz KFF, Pereira CA, Lima JR, Lora PS. Nutrologia e nutrição
como principais intercorrências na evolução clínica dos em unidade de terapia intensiva: sinergia em busca de excelência.
sujeitos avaliados (45,6%). Gonçalves et al.14 atribuíram a Int J Nutrol. 2016;9(1):109-17.
3. Singer P, Cohen J. How could we make nutrition in the intensive
demora no início da TNE, principalmente, ao uso de altas care unit simple? Rev Bras Ter Intensiva. 2016;28(4):369-72.
doses de drogas vasopressoras (83,3%) e à presença de 4. Castro MG, Ribeiro PC, Souza IAO, Cunha HFR, Silva MHN,
sonda nasogástrica aberta (16,6%). Enquanto que Ribeiro et Rocha EEM, et al. Diretrizes brasileiras de terapia nutricional
al.12 observaram que as principais responsáveis pelas inter- no paciente grave. BRASPEN J. 2018;33(Supl 1):2-36.
5. Singer P, Blaser AR, Berger MM, Alhazzani W, Calder PC,
rupções na TNE foram as pausas para extubação (29,9%) e Casaeret MP, et al. ESPEN guideline on clinical nutrition in the
complicações gastrintestinais (21,4%). intensive care unit. Clin Nutr. 2019;38(1):48-79.
O tempo médio de permanência na UTI descrito na litera- 6. Oliveira SM, Burgos MGPA, Santos EMC, Prado LVS, Petribú
MMV, Bomfim FMTS. Complicações gastrointestinais e
tura é bastante variável, Oliveira et al.6 reportam 9,3 ± 4,2 adequação calórico-protéica de pacientes em uso de nutrição
dias, Santana et al.13 observaram tempo médio de 16,47 ± enteral em uma unidade de terapia intensiva. Rev Bras Ter
10,13 dias, sendo que 63,2% dos pacientes permaneceram Intensiva. 2010;22(3):270-3.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8


297
Jesus KMG et al.

7. Ruotolo F, Severine AN, Rodrigues ALCC, Ribeiro PC, Suiter 14. Gonçalves CV, Borges LR, Orlandi SP, Torres R, Bertacco A.
E, Yamaguti A, et al. Monitoramento da adequação calórico- Monitoramento da terapia nutricional enteral em unidade de
proteica da terapia nutricional enteral exclusiva em pacientes terapia intensiva: adequação calórico-proteica e sobrevida.
internados em hospital privado da cidade de São Paulo. Rev BRASPEN J. 2017;32(4):341-6.
Bras Nutr Clín. 2014;29(3):221-5. 15. Galdino NMBV, Galdino GV, Cabral PC. Conduta nutricional
8. Fujino V, Nogueira LABNS. Terapia nutricional enteral em em terapia intensiva: um estudo realizado em um hospital
pacientes graves: revisão de literatura. Arq Ciênc Saúde. privado no município de Paulista-PE. Rev Bras Nutr Clin.
2007;14(4):220-6. 2013;28(2):107-12.
9. Chumlea WC, Guo SS, Kuczmarski RJ, Flegal KM, Johnson 16. Burgos R, Bretón I, Cereda E, Desport JC, Dziewas R, Genton
CL, Heymsfield SB, et al. Body composition estimates L, et al. ESPEN guideline clinical nutrition in neurology. Clin
from NHANES III bioelectrical impedance data. Int J Obes. Nutr. 2018;37(1):354-96.
2002;26(12):1596-609. 17. Nunes ALB, Koterba E, Alves VGF, Abrahão V, Correia MITD.
10. Bermúdez OI, Tucker KL. Uso de la altura de rodilla para corregir Terapia nutricional no paciente grave. Projeto Diretrizes. São
la talla de ancianos de origen hispano. Arch Latinoam Nutr. Paulo: Associação Médica Brasileira, Conselho Federal de
2000;50(1):42-7. Medicina; 2011.
11. Brasil. Orientações para a coleta e análise de dados antropo- 18. Pasinato VF, Berbigier MC, Rubin BA, Castro K, Moraes RB,
métricos em serviços de saúde: Norma Técnica do Sistema de Perry IDS. Terapia nutricional enteral em pacientes sépticos na
Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN / Ministério da unidade de terapia intensiva: adequação às diretrizes nutricionais
Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção para pacientes críticos. Rev Bras Ter Intensiva. 2013;25(1):17-24.
Básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2011. 76p. 19. Pereira DJ, Wady MTB, Velarde LGC. Adequação energética
12. Ribeiro LMK, Oliveira Filho RS, Caruso L, Lima PA, Damasceno e proteica de pacientes em terapia nutricional enteral inter-
NRT, Soriano FG. Adequacy of energy and protein balance of nados em uma unidade de terapia intensiva. BRASPEN J.
enteral nutrition in intensive care: what are the limiting factors? 2016;31(3):219-25.
Rev Bras Ter Intensiva. 2014;26(2):155-62. 20. Lins NF, Dias CA, Oliveira MGOA, Nascimento CX, Barbosa
13. Santana MMA, Vieira LL, Dias DAM, Braga CC, Costa RM. JM. Adequação da terapia nutricional enteral em pacientes
Inadequação calórica e proteica e fatores associados em pacientes críticos de um centro de referência em Pernambuco. Rev Bras
graves. Rev Nutr. 2016;29(5):645-54. Nutr Clin. 2015;30(1):76-81.

Local de realização do estudo: Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário Onofre Lopes/ Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.

Conflito de interesse: As autoras declaram não haver.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 293-8


298
A Artigo de Revisão
O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa

O uso da calorimetria indireta em unidade de


terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa
The use of indirect calorimetry in a pediatric intensive care unit: integrative review

RESUMO
Andreia Ribeiro Pereira Aguiar de Paula1
Jerusa Márcia Toloi2 Introdução: O uso de um método com boa acurácia para mensurar o gasto energético em
Martins Fideles dos Santos Neto3 repouso de crianças em estado crítico, internadas em unidades de terapia intensiva (UTI), é
relevante no tocante a adequar a oferta energética evitando a sub ou superalimentação e suas
possíveis consequências. O objetivo desta revisão foi analisar a eficácia da calorimetria indireta
em crianças internadas nas UTIs pediátricas. Método: Revisão sistemática integrativa de artigos
cujo o tema é calorimetria indireta em UTI, nos idiomas inglês, português e espanhol, realizada
em abril de 2018, através de busca nas bases de dados PubMed-MEDLINE e Web of Science.
Resultados: Foram selecionados 31 artigos, sendo 20 estudos observacionais, de coorte,
prospectivos, dois retrospectivos, uma pesquisa multicêntrica, um guideline com graus de reco-
mendação das sociedades americana e europeia de terapia nutricional (ASPEN e ESPEN), seis
artigos de revisão e um artigo de pesquisa em laboratório. Os resultados dos artigos de estudos
observacionais demonstram evidências de que o melhor método para estimar o gasto energético
e guiar a terapia nutricional da criança grave internada em UTI Pediátrica é através do uso da
calorimetria indireta. Há evidências que o uso de equações preditivas do gasto energético não
têm a mesma acurácia e podem ocasionar superalimentação ou subalimentação. Conclusão: A
calorimetria indireta é um método padrão ouro para a medida do gasto energético de repouso
em crianças criticamente enfermas.
Unitermos:
Calorimetria Indireta. Criança. Unidades de Terapia
ABSTRACT
Intensiva Pediátrica. Nutrição.
Introduction: The use of a good accuracy method to measure the resting energy expenditure of
Keywords: critically ill children hospitalized in intensive care units (ICU) is relevant regarding the adequacy
Calorimetry, Indirect. Child. Intensive Care Units, of energy supply avoiding under or overfeeding and its possible consequences. The aim of this
Pediatric. Nutrition. review was to analyze the effectiveness of indirect calorimetry in children admitted to pediatric
ICUs. Methods: Integrative systematic review of articles on indirect calorimetry in a pediatric
Endereço para correspondência: intensive care unit, in English, Portuguese and Spanish, performed in April 2018, by searching
Jerusa Márcia Toloi the PubMed-MEDLINE and Web of Science databases. Results: Thirty-one articles were selected:
Rua Antenor Duarte Viléla, 1331 – Dr. Paulo Prata – 20 observational, cohort, prospective, two retrospectives, one multicentric research, one guideline
Barretos, SP, Brasil – CEP: 14784-400 with degrees of recommendation from the American and European Societies of Nutritional Therapy
E-mail: jerusatoloi@gmail.com
(ASPEN and ESPEN), six review articles and one laboratory research paper. The results of the obser-
Submissão vational study articles show evidence that the best method for estimating energy expenditure and
3 de junho de 2019 guiding nutritional therapy in critically ill children admitted to the pediatric ICU is through the use
of indirect calorimetry. There is evidence that the use of predictive energy expenditure equations is
Aceito para publicação not as accurate and may cause overfeeding or underfeeding. Conclusion: Indirect calorimetry is a
1 de outubro de 2019 gold standard method for the measurement of resting energy expenditure in critically ill children.

1. Graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Especialização modalidade Residência Médica em Pediatria
e em Cuidados Intensivos Pediátricos pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Especialista em Terapia Nutricional pela Faculdade de
Ciências da Saúde Dr Paulo Prata (FACISB), Mestranda em Ciências da Saúde pelo Hospital de Câncer de Barretos, Barretos, SP, Brasil.
2. Graduação em Nutrição pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), Especialização em Terapia Nutricional Parenteral e Enteral pela Sociedade
Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (BRASPEN), Especialização modalidade Residência Multiprofissional em Cuidados Intensivos de Adultos
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Especialização modalidade Aprimoramento em Terapia Nutricional para Nutricionista pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Doutoranda em Ciências da Saúde pela Universidade de São Paulo (USP), Barretos, SP, Brasil.
3. Graduação em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Mestre em Ciência da Informação pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Doutorando em Ciências da Saúde pelo Hospital de Câncer de Barretos, Barretos, SP, Brasil.

BRASPEN J 2019; 34 (3): 299-308


299
Paula ARPA et al.

INTRODUÇÃO As diretrizes da Sociedade Americana para Nutrição


A terapia nutricional otimizada é um componente vital do Parenteral e Enteral (ASPEN) recomendam a avaliação
cuidado crítico pediátrico1-7. Crianças criticamente enfermas, do GER pelo uso da calorimetria indireta (CI)5, e listam
como principais indicadores para aplicação do método:
inadequadamente alimentadas, com excesso de nutrientes
crianças com baixo peso [índice de massa corporal (IMC)
(superalimentação) ou carência de nutrientes (subalimen-
no percentil <5 para idade], com sobrepeso (IMC >
tação) podem ter aumento de morbidade e mortalidade, em
percentil 85 para a idade) ou excesso de peso (IMC >
contrapartida, as adequadamente nutridas têm uma melhora
percentil 95 para idade); crianças com ganho ou perda
na estabilidade fisiológica e melhores desfechos clínicos1,2,4,8.
de >10% do peso durante a internação na UTI; falha do
A superalimentação é associada ao aumento da produção
desmame ou necessidade aumentada do suporte respira-
de dióxido de carbono e insuficiência respiratória, hipergli-
tório; uso de relaxantes musculares por mais de sete dias;
cemia e deposição de gordura no fígado9. trauma neurológico (traumático, isquêmico e/ou hipóxico)
A subalimentação leva a desnutrição, fraqueza muscular, com evidência de disautonomia; diagnósticos oncológicos
maior tempo de ventilação mecânica, diminuição da resposta (incluindo crianças com transplante de células-tronco ou
imune e aumento de risco de eventos infecciosos9,10. medula óssea); crianças com lesão térmica; crianças que
Entre os fatores que contribuem para a subalimentação necessitam de suporte ventilatório mecânico por mais de
das crianças internadas nas Unidades de Terapia Intensiva sete dias; crianças com suspeita de hipermetabolismo
Pediátricas (UTIP) está o atraso na avaliação dos requeri- (estado epiléptico, hipertermia, síndrome inflamatória
mentos nutricionais ou avaliações não fidedignas5. Ainda, sistêmica, choque séptico) ou hipometabólico (hipotermia,
crianças em estado grave, particularmente os lactentes, têm hipotireoidismo, coma, uso de sedativos). Qualquer
risco de desenvolver deficiências nutricionais devido às altas paciente que permanecer por mais de 4 semanas na UTIP
taxas metabólicas basais, reservas energéticas limitadas e pode se beneficiar da CI9.
desnutrição1. A CI utiliza as concentrações respiratórias de dióxido de
A desnutrição permanece prevalente entre crianças carbono e de oxigênio para mensurar o GER, bem como
admitidas nas UTIP, podendo variar entre 10% e 45%5,10. É o coeficiente respiratório (QR), o qual é a razão entre o
um desafio para os médicos intensivistas pediátricos prover dióxido de carbono produzido e o oxigênio consumido. Um
adequada oferta energética para otimizar a síntese tissular QR na direção ou maior que 1 é um critério útil para sugerir
e a função imune1,2,11. superalimentação. Um QR na direção de 0,7 ou menor
Os objetivos da terapia nutricional na criança criticamente pode indicar subalimentação (hiperventilação, vazamento
enferma incluem avaliação acurada dos requerimentos no circuito, acidose, entre outros podem afetar o QR abaixo
nutricionais, prevenindo tanto a sub quanto a superalimen- de 0,7 e acima de 1,0)2,21,22.
tação, iniciando de maneira precoce o suporte nutricional Melhor do que estimativas por equações, a CI é uma
e monitorando o balanço energético e proteico, provendo mensuração que pode ser realizada com competência em
adequada oferta desses nutrientes5,6,12. recém-nascidos, inclusive prematuros, lactentes e crianças
Muitos serviços intensivos pediátricos usam equações enfermas17,21,23-27.
preditivas para estimar as demandas energéticas. Estas equa- A resposta metabólica a crianças em UTIP é caracteri-
ções são baseadas no gasto energético em repouso (GER) zada por um aumento do GER e uma avaliação precisa das
para crianças saudáveis13. O GER é definido como a quantia necessidades energéticas é essencial para evitar a subalimen-
de calorias requeridas pelo corpo em repouso durante um tação e a superalimentação, a perda de massa muscular e
período de 24 horas, representando 70% a 80% das calo- a piora de deficiência de nutrientes. A mensuração do GER
rias usadas pelo corpo. Crianças gravemente enfermas têm é útil para otimizar e manejar o suporte nutricional destas
variação no GER e isto pode ser atribuído ao ambiente de crianças, estimar as reais necessidades energéticas e evitar
UTIP com temperatura controlada, à imobilidade, ao uso de as complicações descritas acima5,8,14,22,28,29.
sedativos ou relaxantes musculares, à ventilação mecânica, à A mensuração decorre da energia química que é liberada
própria doença de base, como, por exemplo, queimaduras, a partir de nutrientes por meio da oxidação de substratos
doenças cardíacas, sepse, e ao uso de drogas vasoativas4,9. alimentares. Nutrientes à base de carbono são convertidos
As equações preditivas não têm boa acurácia para em dióxido de carbono, água e calor, na presença de
calcular as necessidades energéticas em crianças internadas oxigênio (O2)30.
em UTIP devido às alterações metabólicas, e o uso destas O cálculo do VCO 2 e do CO 2 é realizado pela
fórmulas pode ainda estar associado a maior tempo de inter- técnica da CI, por meio da aferição das trocas dos gases
nação pela não oferta otimizada da terapia nutricional2,13-20. pulmonares9,22,30.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 299-308
300
O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa

Existem monitores metabólicos de CI em módulos portá- Os trabalhos que trazem a comparação entre equações
teis que estimam as demandas metabólicas e podem medir preditivas de gasto energético, tais como a equação de
o VO2 com uma acurácia de mais de 95%9,31. Schofield com a CI, como Taylor et al.18, Mehta et al.8,
O gasto energético diário médio total em quilocalorias Chaparro et al.13 em geral mostram que a CI tem melhor
é calculado por meio da equação de Weir modificada, com acurácia.
substituição dos valores de VO2 e VCO2 aferidos: Taylor et al.18 compararam 57 crianças internadas em
• Gasto Energético (kcal/dia) = [(VO2 x 3,941) + UTIP em Londres, avaliaram GER pela CI e pelas fórmulas
(VCO2 x 1,11) + (uN2 x 2,17)] x1440 de Schofield e de Fleish e mostraram que o GER é mais
O componente de nitrogênio urinário (uN 2 ) com baixo quando mensurado pela CI do que quando estimado
fre­quência é excluído quando se calcula o gasto energético, pelas fórmulas.
pois representa menos de 4% deste gasto30. Assim, pode-se Chaparro et al.13, em trabalho prospectivo, realizado
usar a equação abreviada: na UTIP do Hospital Universitário de Lausanne na Suíça,
• Gasto Energético (kcal/dia) = [(VO 2x 3,941) + avaliaram 78 crianças de 0 a 16 anos e fizeram 407 avalia-
(VCO2 x 1,11) ] x1440 ções de mensuração do GER pela CI (todas tinham indicações
para o uso) e também foram realizadas equações preditivas.
Entre as principais indicações para o uso da CI para a
Na análise dos resultados, a maioria das equações supe-
mensuração do GER em crianças encontram-se: crianças
restimou ou subestimou o GER entre 200 e 1000 kcal/dia,
abaixo do peso para idade, crianças com sobrepeso ou
obesas, estado de hipermetabolismo e crianças que não portanto, concluíram que as equações preditivas apresen-
conseguem atingir as metas nutricionais28,32. taram forte inacurácia em comparação à CI. A equação de
White, desenvolvida para crianças em ventilação mecânica,
Entre as principais limitações do uso da CI em crianças
revelou grande inacurácia. As duas equações de Schofield,
são citadas principalmente: perdas de ar pelo circuito da
ou seja, Schofield Peso e Schofield Peso/Estatura, que em
ventilação ou em volta dos tubos traqueais ou por drenos
outros estudos tiveram resultados inconclusivos, mostraram
torácicos, uso de altas frações inspiradas de oxigênio (acima
uma subestimação do GER em crianças pequenas. A equação
de 60%), o uso de altas pressões expiratórias finais positivas
de Mehta também subestimou o GER. O trabalho concluiu
que podem ocasionar mensurações imprecisas do GER,
que a maioria das equações preditivas disponíveis tem grande
remoção de CO2 por dispositivos de suporte (remoção
inacurácia13.
extracorpórea de CO2, terapia de substituição renal) e
secreções retidas na tubulação do circuito ventilatório9,22. Em contrapartida, Sion-Sarid et al. 9 mencionaram dois
trabalhos, de Vasquez-Martinez et al.19 e de Bott et al.33.
Diante do supracitado, o objetivo deste artigo foi revisar
A publicação de Vasquez-Martinez et al.19 foi um estudo
trabalhos sobre a avaliação do gasto energético em repouso
prospectivo com 43 crianças em ventilação mecânica
em crianças gravemente enfermas através do uso da CI.
invasiva durante os primeiros 6 dias pós injúria, nas quais
foi comparada à mensuração do GER pela CI com o gasto
MÉTODO energético preditivo pelas equações de Harris-Benedict,
O estudo é uma revisão sistemática integrativa, realizada Caldwell-Kennedy, Schofield, FAO/WHO (Food and Agri-
em abril de 2018, que buscou encontrar evidências sobre o culture Organization and World Health Organization),
uso da CI em pacientes internados nas UTIP. Maffies, Fleish, Kleiber, Dryer e Hunter. A maioria das
Foram utilizadas bases de dados PubMed-MEDLINE e Web equações superestima os gastos energéticos, porém as
of Science. Os descritores calorimetria indireta, unidade de equações de Fleish e Caldwell-Kennedy foram melhores
terapia intensiva e criança foram validados no MeSH (Medical preditivas de gasto energético. A publicação de Bott et
Subject Headings). Como critérios de elegibilidade, foram al.33 foi um estudo observacional, com caso-controle,
incluídos trabalhos que utilizaram da CI em crianças critica- que comparou a mensuração do gasto energético em
mente enfermas; nos idiomas inglês, português e espanhol, repouso por CI e quatro equações preditivas (Schofield
sem delimitar período de publicação. Peso, Schofield Peso Altura, Harris-Benedict e FAO/WHO)
em 52 crianças com broncodisplasia (BDP) e em 30
crianças saudáveis, tendo concluído que a equação de
RESULTADOS
Harris-Benedict foi melhor preditora do GER em crianças
Foram selecionados 31 artigos sobre o tema. Esses artigos com BDP e a equação de Schofield Peso foi melhor em
citam o uso da CI em crianças graves internadas em UTIP crianças saudáveis. Poucas diferenças foram encontradas
como o método mais indicado da medida do GER. entre as mensurações de CI e as equações.
BRASPEN J 2019; 34 (3): 299-308
301
Paula ARPA et al.

Ainda no artigo de Sion-Sarid et al.9 há a menção do técnica de mensuração do GER pela CI é simples, confiável
trabalho de Suman et al.34, um estudo observacional, de e não invasiva20.
coorte com 91 crianças, gravemente queimadas, hiper- Os artigos mostram a necessidade de implementar a
metabólicas, onde foram comparadas a mensuração do terapia nutricional, evitar a desnutrição e melhorar os desfe-
GER pela CI e as fórmulas preditivas. Foram usadas as chos clínicos destes pacientes, sendo o uso da CI uma forma
equações de Schofield Peso e Estatura, Harris-Bennedict, de individualização do tratamento3,9,12,16,20,23,24,28.
equação da FAO/WHO. Foi concluído que o GER predito No estudo de Hulst et al.2, 98 crianças internadas em UTIP
pelas equações foi menor que a mensuração pela CI, a tiveram a mensuração do gasto energético através da CI e
qual demonstrou melhor acurácia. Verger6, em revisão foram classificadas como subalimentadas se o gasto estivesse
sobre a nutrição de crianças enfermas em UTIP, traz a CI <90% do que o requerido, em adequada alimentação se o
como método padrão para a avaliação do GER6. O mesmo gasto estivesse de 90% a 110% e superalimentadas acima
é descrito por Skillman & Mehta5, que revisaram a terapia de 110%. O QR abaixo de 0.85 também identificava suba-
nutricional em crianças internadas em UTIP e recomen- limentação e maior que 1 identificava superalimentação. A
daram a avaliação do GER pelo uso da CI. subalimentação ocorreu em 21%, a alimentação adequada
Os artigos revisados estão em concordância ao guideline em 10% e a superalimentação em 69% das crianças nos
da ASPEN (Mehta et al.32), que sugere que quando possível primeiros 14 dias de internação. Neste trabalho, também é
para as crianças criticamente enfermas, a mensuração de citado que a avaliação do coeficiente respiratório é limitada
GER pela CI deve ser feita. Kyle et al.23 citam que apenas em identificar superalimentação com carboidratos e excluir
com a CI podem ser mensuradas as verdadeiras necessi- subalimentação2.
dades energéticas, porém pode haver dificuldades quando Na publicação de Kerklaan et al.28, onde se avaliou o
os recursos econômicos não estão disponíveis e mais estudos uso da CI para detecção de superalimentação em crianças
com custo benefício devem ser feitos. em UTIP, as mensurações do GER e QR pela CI foram
Ladd et al.14 mencionam indicação do uso da CI para realizadas em 78 crianças em ventilação mecânica e neste
prevenir efeitos indesejáveis da subalimentação e a supera- estudo é citado uma ampla variação nas definições de
limentação. Foram realizadas 35 mensurações do GER pela superalimentação e que estas definições deveriam levar
CI em 24 crianças com hipometabolismo, hipermetabolismo, em conta idade, estado nutricional e a fase da doença.
crianças em ventilação mecânica e crianças queimadas. As As crianças desnutridas apresentavam GER mais baixo,
prescrições de terapia nutricional foram então baseadas sendo 80% do predito, tendo um estado hipometabó-
nos dados de CI. Concluiu-se a importância do uso da CI lico. A taxa de superalimentação variou de 23% a 50%,
para guiar aporte energético e isso justifica a aquisição de dependendo de definições aplicadas de GER e QR. Foi
aparelhos de CI para as UTIP, pois contribui para a qualidade salientado o perigo da superalimentação nestas crianças,
do cuidado. Este artigo ainda cita que as crianças graves em a qual pode ser relacionado a piores desfechos, inclusive
UTIP apresentam alterações metabólicas que não podem ser infecção. Porém como limitação do estudo foi o número
preditas por equações preditivas padrões14. pequeno da população estudada e variações na definição
de superalimentação28.
Em concordância com a publicação de Ladd et al.14,
Dokken et al.20 citam a importância da CI para nortear, Os artigos trazem, ainda, a importância dos guidelines
individualizar a terapia nutricional e evitar a sub e a supe- de terapia nutricional para otimizar esta oferta de nutrientes
ralimentação. Neste artigo, foram avaliadas 30 crianças e mais uma vez a avaliação com acurácia energética para
de 3 meses a 14 anos, no Hospital Universitário de Oslo, a oferta de nutrientes em crianças enfermas na UTIP3,5,11.
no período de maio de 2008 a novembro de 2010. As Kerklaan et al.7, em publicação sobre uma pesquisa
crianças estavam em ventilação mecânica, com fração em UTIP de vários países, citaram que as práticas nutri-
inspirada de oxigênio menor que 60%, com perda de ar cionais são variadas, havendo diferenças entre as ofertas
pelo tubo menor que 10%. Foram mensurados o gasto de macronutrientes, diferenças na mensuração do GER e
energético (EE) e o quoeficiente respiratório (RQ). Os resul- diferenças no início da alimentação das crianças, enteral
tados obtidos ajudaram a identificar as situações em que ou parenteral. Este artigo enfatizou que há a necessidade
havia subalimentação, superalimentação e alimentação de consensos uniformes baseados em práticas nutricionais
adequada. Nos casos onde havia sub ou superalimentação guiados por evidências7. Em concordância, Mehta et al.32
foi realizado adequação da terapia nutricional. É citado escreveram sobre as boas práticas nutricionais e sua relação
também que, para o implemento da CI, é necessário o com os desfechos clínicos.
treinamento da enfermagem e dos médicos, sendo que a A Tabela 1 sintetiza os artigos analisados.
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302
O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa

Tabela 1 – Estudos sobre calorimetria indireta em crianças internadas em unidade de terapia intensiva.
Referência Perfil do estudo Objetivo Nº de pacientes Desfecho
Ladd et al. (2018)
14
Estudo observacional Descrever o processo 24 pacientes com 35 A CI em 51% das mensurações
retrospectivo unicêntrico e de prover a meta ca- mensurações pela CI
evidenciou hipometabolismo, 16%
revisão de literatura lórica de acordo com demonstrou metabolismo normal e
a mensuração da CI 28% hipermetabolismo e as prescri-
numa UTIP de centro ções dietéticas foram modificadas
acadêmico terciário de acordo com os resultados da CI.
Na UTIO, foram implementados os
testes com CI para adequação da
dieta
Mehta et al.32 (2017) Guideline para a terapia Descrever boas –– A recomendação para o requerimen-
de suporte nutricional com práticas em terapia to energético, baseada em estudos
recomendações da ASPEN nutricional de acordo de coorte prospectivos, na criança
e da ESPEN com a ASPEN e a So- criticamente enferma é que a men-
ciedade de Medicina suração do gasto energético pela CI
Intensiva determine estas necessidades de
energia e guie a prescrição
Kerklaan et al.31 (2017) Estudo observacional de Investigar se o valor 41 crianças em ventilação Em crianças ≥15 kg, mensurações
coorte prospectivo de VCO2 derivado do mecânica de VCO2 no ventilador Servo-I®
ventilador é compara- parecem ter acurácia suficiente
do ao valor de VCO2 para o uso na medida do gasto
obtido pela CI e pode energético
ser usado na prática
clínica
Chaparro et al.13 (2017) Estudo unicêntrico pros- Determinar, baseado 75 pacientes Em crianças em ventilação mecâ-
pectivo, prévio ao qual na CI, os vieses de nica, as equações preditivas não
foi incluída uma análise equações preditivas tiveram acurácia para predizer as
secundária com mais desenvolvidas para necessidades energéticas, mesmo
pacientes estimar o GER em equações com pequeno viés podem
crianças em VPM ou ocasionar sub ou superalimentação.
equações desenvol- O uso da CI deve ser preferido
vidas para crianças
saudáveis usadas em
crianças criticamente
enfermas
Kerklaan et al.28 (2016) Estudo coorte prospec- Determinar o risco de 78 crianças em ventilação A média do GER foi 48 (±9.6) kcal/
tivo, unicêntrico, hospital superalimentação pela mecânica kg comparada à média da ingestão
universitário mensuração do QR calórica 52 (±29) kcal/kg/dia.
através da CI De acordo com critérios aplicados, a
taxa de superalimentação variou de
23% a 50%
Beggs et al.11 (2016) Estudo observacional, Quantificar a propor- 288 crianças Em 27% dos pacientes, não foram
prospectivo, unicêntrico ção diária de pa- indicados critérios para o uso da
cientes em UTIP que CI. Estudos futuros são necessários
preenchem critérios nestes pacientes que não preen-
para o uso da CI e chem critérios para o uso da CI
descrever as contrain- para mensurar os requerimentos
dicações para o uso energéticos
da técnica de CI
Kerklaan et al.7 (2016) Pesquisa multicêntrica, on Avaliar práticas 189 respostas em 156 países Grande variabilidade das práticas
line em 2 partes, primeira nutricionais atuais e dados de 295 pacientes nutricionais nas várias UTIP e grande
parte questionário com 59 mundiais em crianças variação na estimativa do gasto
questões de estratégias criticamente enfermas energético, da oferta de macronu-
nutricionais e protocolos trientes, da introdução de nutrição
(julho a novembro 2013). parenteral. É necessário o uso de
Uma segunda parte de consensos uniformes
dados de subgrupos de
pacientes pesquisados (de
maio a setembro 2014)

BRASPEN J 2019; 34 (3): 299-308


303
Paula ARPA et al.

Continuação Tabela 1 – Estudos sobre calorimetria indireta em crianças internadas em unidade de terapia intensiva.
Referência Perfil do estudo Objetivo Nº de pacientes Desfecho
Dokken et al.20 (2015) Estudo observacional de Examinar a prevalência 30 crianças em Subalimentação, adequada alimen-
coorte prospectivo de subalimentação, ventilação mecânica, tação e superalimentação ocorreram
adequada alimentação 104 mensurações em 21,2%, 18.3%, and 60.5% das
e superalimentação de calorimetria 104 mensurações, respectivamente.
em crianças em VPM e Houve variação considerável na
identificar obstáculos mensuração do gasto
para a oferta do supor- energético entre as crianças
te nutricional (mediana 37.2 kcal/kg/d; intervalo,
16.81-66.38 kcal/kg/d).
A alta porcentagem de crianças que
estavam superalimentadas (~61%).
Enfatiza a necessidade da mensura-
ção das necessidades energéticas
pela CI
Mehta et al.22 (2014) Artigo de revisão Recomendar o uso da –– A mensuração do GER é um guia
CI para mensurar o para a ingesta calórica e o uso da
GER na UTIP CI pode ajudar nesta mensuração
na população pediátrica internada
em UTIP
Verger6 (2014) Artigo de revisão Determinar as necessi- –– Crianças criticamente enfermas
dades nutricionais em precisam de ofertas de nutrientes
crianças criticamente individualizadas e podem variar
enfermas
Sion-Sarid et al.9 (2013) Artigo de revisão Validação do uso da –– Técnicas mais factíveis do uso da
CI em crianças CI devem ser desenvolvidas para
criticamente enfermas otimizar seu emprego e prover
versus o uso de adequados requerimentos energéti-
equações preditivas cos, pois as equações preditivas têm
inacurácia.
Estudos prospectivos são neces-
sários para suprir as demandas ener-
géticas das crianças criticamente
enfermas e melhorar seus desfechos
Menezes et al.10 (2013) Estudo prospectivo Identificar fatores 207 crianças Ingesta satisfatória foi obtida em
que contribuem com 20,8% dos pacientes. Doença
a falha em atingir as ­cardíaca foi um fator de risco para
necessidades energé- não se atingir ingesta adequada,
ticas estimadas enquanto a subnutrição e o uso de
nutrição parenteral não foram fatores
de risco para este desfecho.
Pequena proporção dos pacientes
obteve ingesta adequada
Kyle et al.23 (2012) Estudo observacional de Determinar quais 150 crianças 3 em cada 4 pacientes internados na
coorte prospectivo pacientes em UTIP UTIP foram candidatos ao uso da CI
necessitam do uso da de acordo com guidelines da ASPEN
CI para mensurar as
necessidades ener-
géticas
Mehta et al.3 (2012) Estudo observacional, Examinar fatores que 500 crianças em ventilação A oferta de nutrientes é geralmente
de coorte, prospectivo, influenciam na oferta mecânica por mais de 48 inadequada em crianças em ventila-
multicêntrico, em 31 UTIP adequada de calorias horas ção mecânica. Crianças com maior
em 8 países e proteínas em crian- oferta de nutrientes por nutrição
ças na UTIP e descre- enteral foram associadas a maior
ver a sua relação com sobrevivência em 60 dias e crianças
o desfecho clínico em com nutrição parenteral foram asso-
crianças em VPM ciadas a maior mortalidade. As UTIP
com protocolos de nutrição enteral
tiveram menores taxas de infecções

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304
O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa

Continuação Tabela 1 – Estudos sobre calorimetria indireta em crianças internadas em unidade de terapia intensiva.
Referência Perfil do estudo Objetivo Nº de pacientes Desfecho
Skillman & Mehta5 (2012) Artigo de revisão Rever recentes inves- –– Terapia nutricional adequada é
tigações da avaliação importante para melhores desfe-
nutricional, do balanço chos em crianças enfermas. Futuras
energético do uso pesquisas devem ser feitas com os
da CI e da terapia benefícios do uso da CI e de
nutricional em crianças guidelines de terapia enteral
criticamente enfermas
Smallwood, et al.15 (2012) Estudo prospectivo ana- Mostrar a CI como 34 crianças com 45 Os protocolos abreviados SS3 e 4
lisando o protocolo SS (5 método de boa acu- mensurações de CI minutos tiveram razoável acurácia
minutos) de CI em crianças rácia para mensurar o na medida do gasto energético e
em ventilação mecânica e GER em crianças em diminuem a necessidade de uso de
dois protocolos SS abre- UTIP equações preditivas
viados (3 e 4 minutos)
Mehta et al.29 (2011) Estudo de coorte prospec- Examinar o papel da 33 pacientes em A predominância do hipometabolis-
tivo, unicêntrico, hospital CI em detectar a ade- ventilação mecânica mo nas crianças críticas e a inacu-
universitário quada oferta calórica rácia do uso de equações preditivas
e o risco do desequi- predispõe a superalimentação
líbrio calórico em um das crianças graves. Houve alta
subgrupo de crianças incidência de superalimentação no
criticamente enfermas grupo (83%). Os médicos intensivis-
suspeitas de terem tas interpretaram incorretamente o
alterações no GER estado metabólico das crianças em
62% dos casos
Mehta et al.8 (2009) Estudo observacional, de Mensurar o GER pela 14 crianças Alta incidência de sub e superali-
coorte, retrospectivo CI e comparar com mentação com o uso das equações
equações que esti- preditivas.
mam as necessidades A CI é um método que direciona
energéticas as necessidades energéticas em
crianças críticas
Framson et al.12 (2007) Estudo observacional, Indicar o uso da técni- 44 crianças As equações preditivas não podem
coorte, prospectivo ca de CI substituir o uso da CI para mensurar
o gasto energético e guiar o suporte
nutricional das crianças internadas
em UTIP
Hulst et al.1 (2006) Artigo de revisão Descrever causas e –– Pobres estimativas das necessi-
consequências de dades nutricionais na internação
inadequado suporte de crianças criticamente enfermas
nutricional em crianças levam a problemas de superalimen-
criticamente enfermas tação e subalimentação, bem como
prescrição inadequada de nutrientes
pode ocasionar a subalimentação
Oosterveld et al.4 (2006) Estudo observacional Comparação longi- 46 crianças, 13 com A subalimentação foi observada
prospectivo, unicêntrico tudinal da energia sepse, 27 cirúrgicos e devido à prescrição de dieta abaixo
(hospital universitário) prescrita, da energia 6 com trauma das necessidades requeridas pelo
administrada e do cálculo do gasto energético
gasto energético pre-
dito pela fórmula de
Schofield e pela CI em
crianças criticamente
enfermas durante os
primeiros 7 dias de
admissão na UTIP
Lafeber21 (2005) Opinião editorial, O uso da técnica de CI –– A CI pode ser aplicada em crianças
artigo de revisão em crianças doentes doentes, mas mais estudos devem
em VPM para calcular ser feitos com sua aplicabilidade e
o GER e o QR interpretação

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Paula ARPA et al.

Continuação Tabela 1 – Estudos sobre calorimetria indireta em crianças internadas em unidade de terapia intensiva.

Referência Perfil do estudo Objetivo Nº de pacientes Desfecho

Hulst et al.2 (2005) Estudo observacional, de Determinar a incidên- 98 crianças e Crianças na UTIP recebiam em
coorte, prospectivo cia de subalimentação adolescentes apenas 10% das mensurações
e superalimentação realizadas pela CI quantidades caló-
em crianças que foram ricas adequadas nas duas primeiras
admitidas em UTIP semanas de internação.
terciária e avaliar a O uso do coeficiente respiratório é
utilidade do QR obtido limitado para identificar superalimen-
pela CI para avaliar a tação e subalimentação
adequação alimentar

van der Kuip et al.27 (2004) Estudo prospectivo de Verificar a validade 14 crianças em ventilação O método de medida do gasto
coorte e confiabilidade da mecânica energético com a bolsa de Douglas
mensuração do gasto foi comparado com monitor meta-
energético com o bólico e com a fórmula preditiva de
protocolo da bolsa de Scholfield.
Douglas (que mede O coeficiente de variação estava
VCO2) comparado com dentro de 10% com a bolsa de
um monitor metabólico Douglas e o monitor metabólico,
padrão na UTIP mas houve grande variação com a
equação preditiva. Houve falha na
equação preditiva de prever o gasto
de energia

Vazquez-Martinez et al.19 Estudo prospectivo, uni- Comparar o gasto 43 crianças em ventilação As equações preditivas não
(2004) cêntrico, hospital univer- energético predito por mecânica estimam com acurácia o gasto
sitário equações antropomé- energético
tricas com o medido
de modo contínuo
pela CI em crianças
graves, em ventilação
mecânica, em período
precoce pós injúria

Taylor et al.18 (2003) Estudo prospectivo Determinar se crianças 57 crianças O gasto energético medido pela CI
criticamente enfermas foi menor do que o predito pelas
são hipermetabólicas equações de Fleisch e Schofield,
e calcular se as equa- mas maior do que o predito pela
ções preditivas são equação de White. O estudo conclui
apropriadas para estas que crianças críticas não se tornam
crianças hipermetabólicas e a concordân-
cia da estimativa dos gastos pelas
equações é inapropriada

Joosten et al.24 (2000) Estudo de validação labo- Testar a acurácia e –– O monitor metabólico Deltatrac II
ratorial de um calorímetro validade do monitor MBM-200 teve acurácia para baixos
indireto com um modelo metabólico Deltatrac níveis de V(O2) e V(CO2) durante a
de ventilação pulmonar II MBM-200 para o ventilação mecânica com níveis de
uso em lactentes e F(IO2) até 0.390 (39%)
crianças em UTIP

Briassouliz et al.16 (2000) Estudo coorte prospectivo, Medir o gasto energé- 37 crianças em ventilação, O gasto energético calculado a
em hospital universitário tico em crianças criti- com 37 mensurações partir das mensurações da CI foi
camente enfermas e menor que o estimado por equações
comparar com o gasto preditivas. O ajuste nutricional deve
energético predito por ser feito com mensurações pela CI,
fórmulas e relatar o evitando-se a sub e superalimenta-
gasto energético men- ção com uso de fórmulas preditivas
surado com índices
clínicos e nutricionais

BRASPEN J 2019; 34 (3): 299-308


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O uso da calorimetria indireta em unidade de terapia intensiva pediátrica: revisão integrativa

Continuação Tabela 1 – Estudos sobre calorimetria indireta em crianças internadas em unidade de terapia intensiva.

Referência Perfil do estudo Objetivo Nº de pacientes Desfecho

Joosten et al.25 (1999) Estudo prospectivo uni- Determinar como o 19 pacientes O coeficiente médio de variação da
cêntrico, hospital univer- gasto energético diário mensuração do gasto energético em
sitário pode ser estimado períodos de 2 horas foi de 6% (inter-
com acurácia por valo de 2-11%) comparado com as
períodos menores que medidas em 24 horas. Assim, o GER
24 horas em lactentes pode ser estimado por medidas de
e crianças em VPM período de 2 horas

Coss-Bu et al.17 (1998) Estudo prospectivo, uni- Usar a CI para medir o 55 crianças em ventilação Os resultados do estudo sugerem
cêntrico gasto energético com mecânica que a equação de Harris-Benedict
mais acurácia e dimi- superestima o gasto enérgico quan-
nuir os riscos associa- do comparada à mensuração pela CI
dos à subalimentação em lactentes e crianças.
e à superalimentação O método de Talbot também não
mostrou acurácia, já a CI foi método
com acurácia

Selby et al.26 (1995) Estudo observacional, Estabelecer a técnica 18 pacientes, lactentes Pode haver inacurácia na mensura-
prospectivo, com amostra de CI para possibilitar e crianças em ventilação ção do gasto energético, se houver
de conveniência a medida do gasto mecânica escape de ar endotraqueal e não
energético em crian- houver avaliação do gás expirado
ças em VPM e avaliar perdido
o efeito do escape de
ar endotraqueal na
acurácia das medidas
de CI

CONCLUSÃO intensive care unit admission: a longitudinal study of critically


A CI tem grande aplicabilidade para mensurar o gasto ill children. Pediatr Crit Care Med. 2006;7(2):147-53.
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for mechanically ventilated infants and children: the influence of agreement between indirect calorimetry and predic-
of low rates of gas exchange and varying FIO2. Crit Care Med. tion equations using the Bland-Altman method. Burns.
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Local de realização do estudo: Hospital de Câncer de Barretos, Barretos, SP, Brasil.

Conflito de interesse: Os autores declaram não haver.

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Instruções aos Autores

SUBMISSÃO DOS MANUSCRITOS

Os trabalhos podem ser submetidos pelo site do BRASPEN. 3. Formatação


O sistema de submissão utilizado pelo BRASPEN Journal é o ScholarOne. O tutorial Os trabalhos devem ser apresentados em Microsoft Word (.doc / .docx). Utilizar letra
para submissão de manuscritos encontra-se no tópico deste site em “Tutorial de submissão tamanho 11 e fontes: Times, Times New Roman, Helvetica, Arial, e Symbol para caracteres
de artigos científicos“. especiais. Por favor, use espaçamento duplo em todo o texto e adicionar numeração de
linha em todas as páginas. Padrão Tipo 10 ou 12 pontos e espaçamento são preferidos ao
Critérios de autoria e contribuição individual espaçamento proporcional.

Sugerimos os autores a adotar os critérios de autoria dos artigos, de acordo com as 4. Manuscrito
recomendações do International Committee of Medical Journal Editors. Dessa forma, apenas Os manuscritos podem ser submetidos nos idiomas português, inglês e espanhol,
as pessoas que contribuíram diretamente para o conteúdo do estudo devem ser listadas obedecendo à ortografia vigente, empregando linguagem fácil e precisa e evitando-se a
como autores. informalidade da linguagem coloquial. Só serão aceitos artigos originais, de revisão sistemática
Os autores devem satisfazer os seguintes critérios, a fim de ser capaz de assumir a ou de revisão a convite do corpo editorial.
­responsabilidade pública pelo conteúdo do estudo: Os manuscritos devem ser divididos em Introdução, Método, Resultados, Discussão e
• Ter concebido e planejado as atividades que levaram ao estudo ou interpretados os Conclusão (Artigos Originais).
dados que ela apresenta, ou ambos; Os manuscritos não poderão exceder a 5.000 palavras (Artigos Originais) e 7.500 palavras
• Ter escrito o estudo ou revisado versões sucessivas e participou no processo de revisão; (Artigos de Revisão Sistemática) no total, incluindo Referências.
• Ter aprovado a versão final. É mandatória a inserção do item Conflito de Interesse imediatamente antes das Referências.
As pessoas que não preencham os requisitos acima e que tiveram participação puramente O número de referências não deve superior a 25 para Artigos Originais e 50 para Revisão
técnica ou de suporte geral devem ser mencionadas na seção de agradecimentos. Sistemática.
Na submissão, o tipo de contribuição de cada autor ao realizar o estudo e preparação Agradecimentos sucintos são opcionais, entretanto, a indicação de financiamento da
do manuscrito nas seguintes áreas deve ser explicitado: ­pesquisa, o nome da agência financiadora e o número do processo são requeridos.
• Design de estudo Recomenda-se aos autores que, previamente à submissão de seu manuscrito, utilizem o
• Coleta, análise e interpretação de dados check list correspondente à categoria de artigo:
• Elaboração e revisão final do manuscrito • CONSORT (CONsolidated Standards of Reporting Trials) check list e fluxograma para
ensaios controlados e randomizados, disponível em http://www.consort-statement.org/
Estrutura do Artigo • STARD (Standards for Reporting of Diagnostic Accuracy) check list e fluxograma para
estudos de acurácia diagnóstica, disponível em: http://www.stard-statement.org/
O BRASPEN JOURNAL adota os Requisitos de Vancouver - Uniform Requirements for • PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses)
Manuscripts Submittedto Biomedical Journals, organizados pelo International Committee of check list e fluxograma para revisões sistemáticas, disponível em: http://www.prisma-
Medical Journal Editors - “Vancouver Group”, disponíveis em www.icmje.org. A obediência às statement.org/
instruções é condição obrigatória para que o trabalho seja considerado para análise. • STROBE check list para estudos observacionais em epidemiologia, disponível em:
a) Página de Rosto http://www.strobe-statement.org/index.php?id=strobe-home
b) Resumoe Abstracte Palavras-chaves (unitermos, keywords) em Português e Inglês
c) Manuscrito 5. Referências
d) Referências As referências dos documentos impressos e eletrônicos devem ser normalizadas de
e) Tabelas e Figuras acordo com o estilo Vancouver, elaborado pelo International Committee of Medical Journal
Editors, disponível em: http://www.icmje.org
1. Página de Rosto Títulos de periódicos devem ser abreviados de acordo com o List of Journals Indexed for
Deve assinalar o título do artigo, que não deve ultrapassar 200 caracteres. MEDLINE (disponível em: http://www.nlm.gov/tsd/serials/lji.html).
Devem ser informados nome completo dos autores com respectivas titulações, e-mail As referências serão limitadas a 25 (Artigos Originais) e 50 (Artigos de Revisão, Siste-
e serviço ao qual estão vinculados (até três níveis hierárquicos institucionais e apresen- mática).Com esses números reduzidos,cabe restringir ao máximo introduções históricas,
tado em ordem decrescente, por exemplo, universidade, faculdade e departamento), metodologias pormenorizadas, discussões com revisão da literatura e citações repetitivas.
cidade, estado e país em que está localizada. Quando um autor é afiliado a mais de uma Os autores devem se concentrar nos achados centrais do protocolo e na sua comparação
instituição, cada afiliação deve ser identificada separadamente. Quando dois ou mais com a literatura recente, preferencialmente dos últimos 3-5 anos.
autores estão afiliados à mesma instituição, a identificação da instância é feita uma única As citações bibliográficas, no texto, devem ser sobrescritas e numeradas na ordem em
vez. Informar o nome e endereço completo do autor correspondente (não esquecer que são citadas.
telefone, celular e fax). Caso haja até 6 autores, devem todos ser listados, sendo que para maior número, os
Deve ser informada a instituição em que o trabalho foi desenvolvido. As afiliações não primeiros 6 seguidos de et al. devem ser utilizados. Salvo circunstâncias excepcionais, não
devem vir acompanhadas das titulações ou minicurrículos dos autores. será admitida citação de resumo, comunicação pessoal, literatura comercial ou outras fontes
Caso o trabalho tenha sido apresentado em eventos científicos, como congresso ou que não revistas e livros científicos, bem como artigos e portais eletrônicos reconhecidos.
simpósios, devem ser mencionados: nome do evento, local e data da apresentação. Nas citações de pesquisadores ao longo do texto, deve-se citar o primeiro autor, seguido
Acrescentar contagem de palavras do Resumo, e do Manuscrito, bem como número de da expressão “et al.” ou o autor único se for o caso, sempre com a respectiva referência
Tabelas, Figuras e Anexos. em sobrescrito.
Reproduzimos abaixo alguns exemplos mais comuns de referências empregadas nos
2. Resumo e Palavras-chaves artigos. Outros modelos podem ser acessados no site: http://www.nlm.nih.gov/bsd/­
Os resumos devem ser estruturados (Introdução, Método, Resultados e Conclusões) e uniform_requirements.html
não devem exceder a 300 palavras.
Nesta mesma página, devem ser incluídos 3 a 10 unitermos (palavras-chaves) que Modelos de referências
definam o assunto do trabalho, assim com a respectiva tradução para o inglês (abstract and
keywords). Esses unitermos podem ser consultados nos endereços eletrônicos: http://decs. – Artigo padrão
bvs.br/ que contém termos em português, espanhol ou inglês, ou www.nlm.nih.gov/mesh, Burjonrappa SC, Miller M. Role of trace elements in parenteral nutrition support of the
para termos somente em inglês. surgical neonate. J Pediatr Surg. 2012;47(4):760-71.

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– Artigo com mais de 6 autores O BRASPEN JOURNAL sugere aos seus revisores que sigam as diretrizes propostas pelo
Moriya T, Fukatsu K, Maeshima Y, Ikezawa F, Hashiguchi Y, Saitoh D, et al. The effect of COPE Ethical Guidelines for Peer Reviewers, disponível em: http://publicationethics.org/files/
adding fish oil to parenteral nutrition on hepatic mononuclear cell function and survival after Ethical_guidelines_for_peer_reviewers_0.pdf
intraportal bacterial challenge in mice. Surgery. 2012;151(5):745-55.
– Artigo cujo autor é uma organização Direitos Autorais e Responsabilidade pelo Conteúdo do Artigo
Diabetes Prevention Program Research Group. Hypertension, insulin, and proinsulin in O texto dos trabalhos é de inteira responsabilidade dos autores que o assinam. Assim, ao
participants with impaired glucose tolerance. Hypertension. 2002;40(5):679-86. enviar uma submissão, esta deverá vir acompanhada de uma autorização para a publicação
do trabalho e cessão de direitos autorais para o BRASPEN JOURNAL, constando local,
– Livro padrão data e assinatura original de todos os autores. No texto deve constar que todo conteúdo,
Braunwald E, Zipes DP, Libby P, Bonow R. A textbook of cardiovascular medicine. 8th incluindo gráficos e figuras, é próprio ou devidamente autorizado conforme documentação
ed. Philadelphia: Saunders Elsevier; 2008. anexa, sendo que os autores se responsabilizam pela veracidade das informações. Caso um
– Capítulo de livro ou mais autores possua conflito de interesse, seu nome, da empresa e a natureza do vínculo
Meltzer PS, Kallioniemi A, Trent JM. Chromosome alterations in human solid tumors. In: ou benefício deverão ser informados. Na hipótese contrária, deverá ser esclarecido que
Vogelstein B, Kinzler KW, eds. The genetic basis of human cancer. New York: McGraw-Hill; nenhum dos autores possui conflito de interesse. É proibida a inserção de qualquer texto,
2002. p.93-113. figura ou esquema obtidos da internet, salvo aqueles acompanhados de permissão escrita,
ou mediante comprovação de que se trata de portal de livre acesso. Fica ressalvada a citação
– Website
de artigos ou portais eletrônicos científicos, devidamente referenciados na seção Referências.
Brasil. Ministério da Saúde. DATASUS. Mortalidade para causas selecionadas – 2006
Todos os manuscritos publicados tornam-se propriedade permanente do BRASPEN
[Internet]. Brasília; 2007 [citado 2010 jul. 16]. Disponível em: http://www2.datasus.gov.
JOURNAL e não podem ser publicados sem o consentimento por escrito de seu editor.
br/DATASUS/index.php
Para outros exemplos de referências, acesse o site: https://www.nlm.nih.gov/bsd/uni- Os trabalhos submetidos ao BRASPEN JOURNAL não devem estar sendo simultanea-
form_requirements.html mente submetidos a outro periódico e nem devem ter sido publicados anteriormente, com
conteúdo semelhante ao apresentado ao BRASPEN JOURNAL. Caso os autores desejem
6. Tabelas e Figuras inserir tabela, gráfico ou outro material publicado anteriormente, deverá ser anexada
Todas as figuras e tabelas devem ser inseridas após o texto, numeradas sequencialmente, autorização assinada por representante legal da editora da Revista ou Livro em questão,
em algarismos arábicos, seguindo sua ordem de citação. permitindo a utilização pelo BRASPEN JOURNAL. Em se tratando de protocolo ou rotina
As tabelas devem ser apresentadas apenas quando necessárias para a efetiva compreensão de Hospital ou Instituição Acadêmica, documento equivalente autorizando a transcrição
do trabalho, não contendo informações redundantes já citadas no texto. deverá ser providenciado.
O corpo do texto deve trazer a indicação de onde as tabelas e figuras deverão ser inseridas. Os autores são responsáveis pelo conteúdo e informações contidas em seus manuscritos.O
As figuras e tabelas devem vir acompanhadas de suas respectivas legendas. Os símbolos BRASPEN JOURNAL rejeita com veemência o plágio e o autoplágio.
e abreviações empregados devem ser explicados na primeira vez em que utilizados, tanto
no texto quanto nas tabelas. Pesquisa com Seres Humanos e Animais
Tabelas e figuras devem ser autoexplicativas, não sendo necessário ao leitor retornar ao Os estudos envolvendo humanos e animais devem informar, no item Método, o nome
texto para seu completo entendimento. da Comissão Ética Institucional que aprovou o protocolo (enviar declaração assinada que
aprova a pesquisa), consoante à Declaração de Helsinki [World Medical Association (http://
POLÍTICA EDITORIAL www.wma.net/en/30publications/10policies/b3/)] e da Resolução a Resolução 466/2012 do
Conselho Nacional de Saúde (http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf),
Avaliação pelos pares (peer review) lembrando-se da necessidade de TCLE (termo de consentimento livre e esclarecido para
Previamente à publicação, todos os artigos enviados ao BRASPEN JOURNAL passam todos os participantes da pesquisa em duas vias assinadas e ficando uma com o ­participante e
por processo de revisão e arbitragem, como forma de garantir seu padrão de qualidade outra com o pesquisador. As pesquisas com prontuários ou banco de dados necessitam de au-
e a isenção na seleção dos trabalhos a serem publicados. Inicialmente, o artigo é avaliado torização, por escrito, do responsável legal pelos documentos ou diretor clínico da Instituição.
pela administradora da ferramenta de publicação, para verificar se está de acordo com Na experimentação com animais, os autores devem seguir o CIOMS (Council for Inter-
as normas de publicação e completo. Após verificação estrutural inicial, será acusado o national Organization of Medical Sciences) Ethical Code for Animal Experimentation (WHO
recebimento por e-mail com a devida numeração, iniciando-se o processamento editorial. Chronicle 1985; 39(2):51-6) e os preceitos do Colégio Brasileiro de Experimentação Animal
Todos os trabalhos são submetidos à avaliação pelos pares (peer review) por pelo menos dois
- COBEA (www.cobea.org.br). O Corpo Editorial da Revista poderá recusar artigos que não
revisores selecionados dentre os membros do Conselho Editorial. A aceitação é baseada na
cumpram rigorosamente os preceitos éticos da pesquisa, seja em humanos seja em animais.
originalidade, significância e contribuição científica. Os revisores preenchem um formulário,
Os autores devem identificar precisamente todas as drogas e substâncias químicas usadas,
no qual fazem uma apreciação rigorosa de todos os itens que compõem o trabalho. Ao
incluindo os nomes do princípio ativo, dosagens e formas de administração. Devem, também,
final, farão comentários gerais sobre o trabalho e opinarão se o mesmo deve ser publicado,
evitar nomes comerciais ou de empresas.
corrigido segundo as recomendações. De posse desses dados, o editor toma a decisão
Fotos de pacientes só poderão ser incluídas mediante nome, documento e assinatura
final. Em caso de discrepâncias entre os avaliadores, pode ser solicitada uma nova opinião
para melhor julgamento. do envolvido autorizando publicação, mesmo que os olhos estejam vendados ou o rosto
Quando são sugeridas modificações pelos revisores, as mesmas são encaminhadas desfocado.
ao autor principal e, a nova versão encaminhada aos revisores para verificação se as
sugestões/exigências foram atendidas. Em casos excepcionais, quando o assunto do Política para Registro de Ensaios Clínicos
manuscrito assim o exigir, o Editor poderá solicitar a colaboração de um profissional que A Revista Brasileira de Nutrição Clínica, em apoio às políticas para registro de ensaios
não conste da relação do Conselho Editorial para fazer a avaliação. Todo esse processo clínicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do International Committee of Medical
é realizado por e-mail. Journal Editors (ICMJE), reconhecendo a importância dessas iniciativas para o registro e
O sistema de avaliação é o duplo cego, garantindo o anonimato em todo processo de divulgação internacional de informação sobre estudos clínicos, em acesso aberto, somente
avaliação. A decisão sobre a aceitação do artigo para publicação ocorrerá, sempre que pos- aceitará para publicação artigos de pesquisas clínicas que tenham recebido um número de
sível, no prazo de três meses a partir da data de seu recebimento. As datas do recebimento identificação em um dos Registros de Ensaios Clínicos validados pelos critérios estabelecidos
e da aprovação do artigo para publicação são informadas no artigo publicado com o intuito pela OMS e ICMJE, disponível no endereço: http://clinicaltrials.gov ou no site do PubMed ou
de respeitar os interesses de prioridade dos autores. Assim que uma decisão de Aceitação, registro na Plataforma Brasil (www.saude.gov.br/plataformabrasil). O número de identificação
Revisão ou Rejeição for alcançada, o autor correspondente será informado eletronicamente. deve ser registrado ao final do resumo.

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