Você está na página 1de 64

ISSN 0103-8559 - Versão impressa

ISSN 2595-4644 - Versão online

S up le mento d a Re v ista da

CARD I OLO G I A P RÁ TI C A
Volume 30 • N. 2 • Abril/Junho 2020

Edição Especial

&App
&App

Insuficiência Cardíaca
Editor Chefe
Marcelo Franken

Editores convidados
Dirceu Rodrigues Almeida
Fernando Bacal

Baixe o app SOCESP


para visualizar a
publicação

www.socesp.org.br
ISSN 0103-8559
Indexada em:
LILACS – Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (www.bireme.br)
Latindex – Sistema Regional de Información em Línea para Revistas Científicas de América Latina, El Caribe, España y Portugal
(www.latindex.unam.mx)
Editor Chefe: Marcelo Franken
Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil

Conselho Editorial
Alfredo José Mansur Fernando Bacal Marcelo Luiz Campos Vieira
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Álvaro Avezum Fernando Nobre Marcus Vinicius Simões
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo- Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo, Ribeirão
Amanda G. M. R. Sousa HCFMUSP, Ribeirão Preto, SP, Brasil Preto, SP - Brasil
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil Flavio Tarasoutchi Maria Cristina Oliveira Izar
Angelo Amato V. de Paola Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP,
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil São Paulo, SP, Brasil
Paulo - Unifesp São Paulo, SP, Brasil Francisco A. Helfenstein Fonseca Maria Teresa Nogueira Bombig
Antonio Augusto Lopes Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP,
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina SP, Brasil São Paulo, SP, Brasil
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil Francisco Rafael Martins Laurindo Maria Virgínia Tavares Santana
Antonio Carlos Pereira-Barretto Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil Mauricio Ibrahim Scanavacca
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil Henry Abensur Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Antonio de Pádua Mansur Beneficência Portuguesa de São Paulo - Setor de ensino, São Paulo, SP, Brasil da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Ibraim Masciarelli F. Pinto Max Grinberg
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Ieda Biscegli Jatene da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Ari Timerman
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil Hospital do Coração - HCOR São Paulo, SP, Brasil Miguel Antonio Moretti
João Fernando Monteiro Ferreira Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Benedito Carlos Maciel
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto,SP,Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil Nelson Kasinsky
Bráulio Luna Filho Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP,
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de João Manoel Rossi Neto
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil São Paulo, SP, Brasil
São Paulo/Hospital Brasil, ABC São Paulo, SP, Brasil
João Nelson R. Branco Orlando Campos Filho
Bruno Caramelli
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo -UNIFESP, Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
São Paulo, SP, Brasil -UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Otavio Rizzi Coelho
Carlos Alberto Buchpiguel Jorge Eduardo Assef
Disciplina de Cardiologia do Departamento de Clinica Médica da FCM UNI-
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil
CAMP, São Paulo, SP, Brasil
(Vinculação Acadêmica) São Paulo, SP, Brasil José Carlos Nicolau
Paola Emanuela Poggio Smanio
Carlos Costa Magalhães Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil
Cardioclin - Clinica e Emergência Cardiologica da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Paulo Andrade Lotufo
São José dos Campos, SP, Brasil. José Carlos Pachón Mateos
Faculdade de Medicina e Centro de Pesquisa Clínica
Carlos Eduardo Rochitte Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Universidade de São Paulo - USP,
Epidemiológica da USP, São Paulo, SP, Brasil
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Me- Hospital do Coração, Hospital Edmundo Vasconcelos, São Paulo, SP, Brasil
Paulo J. F. Tucci
dicina da Universidade de São Paulo-HCFMUSP/Hospital do Coração, HCOR/ José Francisco Kerr Saraiva
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de
Associação do Sanatório Sírio, São Paulo, SP, Brasil Hospital e Maternidade Celso Pierro, São Paulo, SP, Brasil São Paulo -UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil
Carlos V. Serrano Jr. José Henrique Andrade Vila Paulo M. Pêgo Fernandes
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Hospital de Beneficência Portuguesa, São Paulo, SP, Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil José L. Andrade da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Celso Amodeo Instituto de Radiologia (InRad) - Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina- Pedro Silvio Farsky
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil USP, São Paulo, SP, Brasil Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil
Dalmo Antonio R. Moreira José Soares Jr. Raul Dias Dos Santos Filho
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Daniel Born da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
Renato Azevedo Jr
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de Katashi Okoshi Hospital Samaritano São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
São Paulo - UNIFESP São Paulo, SP, Brasil Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP, Botucatu, SP, Brasil
Ricardo Ribeiro Dias
Dirceu Rodrigues Almeida Kleber G. Franchini Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP, Departamento de Clínica Médica UNICAMP - Universidade da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil
São Paulo, SP, Brasil Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil
Romeu Sérgio Meneghelo
Edson Stefanini Leopoldo Soares Piegas Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia/Hospital Israelita
Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil Albert Einstein, São Paulo, SP, Brasil
São Paulo -UNIFESP, São Paulo, SP, Brasil Lilia Nigro Maia Rui Póvoa
Expedito E. Ribeiro Faculdade de Medicina de Rio Preto (FAMERP)/Hospital de Base Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade deMedicina São José do Rio Preto, SP, Brasil
Ulisses Alexandre Croti
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil Luiz Aparecido Bortolotto Hospital da Criança e Maternidade de São José do Rio Preto (FUNFARME)/
Fabio B. Jatene Instituto do Coração / INCOR. São Paulo, SP, Brasil Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Luiz Mastrocola Rio Preto, SP, Brasil
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil Valdir Ambrosio Moises
Fausto Feres Luiz Felipe P. Moreira Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP/
Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia São Paulo, SP, Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Fleury Medicina e Saúde, São Paulo, SP, Brasil
Felix J. A. Ramires da Universidade de São Paulo-HCFMUSP São Paulo, SP, Brasil Valter C. Lima
Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Marcelo Jatene Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP,
da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina São Paulo, SP, Brasil
Fernanda Marciano Consolim-Colombo da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil William Azem Chalela
Instituto do Coração / INCOR, Faculdade de Medicina da Universidade de São Marcelo Chiara Bertolami Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
Paulo, SP, Brasil Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil da Universidade de São Paulo-HCFMUSP, São Paulo, SP, Brasil

Educação Física e Esporte Leiliane Rodrigues Marcatto Paulo Sérgio Silva Santos
Tiago Fernandes Instituto do Coração /Incor/Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Faculdade de Odontologia de Bauru- FOB/USP, SP, Brasil
Universidade de São Paulo. Escola de Educação Física e Esporte. São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. Psicologia
SP, Brasil. Fisioterapia Rafael Trevizoli Neves
Larissa Ferreira dos Santos Solange Guizilini Hospital do Coração – HCOR. São Paulo, SP, Brasil.
Instituto do Coração /Incor/Faculdade de Medicina da Universidade de Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. São Paulo, SP, Brasil. Suzana Garcia Pacheco Avezum
São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. Vera Lúcia dos Santos Departamento de Psicologia da Sociedade de Cardiologia do Estado de
Enfermagem Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. SP, Brasil São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Ana Carolina Queiroz Godoy Daniel Nutrição Serviço Social
Hospital Israelita Albert Eistein. São Paulo, SP, Brasil. Juliana Tieko Kato Elaine Fonseca Amaral da Silva
Rafaela Batista dos Santos Pedrosa Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. São Paulo, SP, Brasil. Instituto do Coração /Incor/Faculdade de Medicina da Universidade de
Universidade Estadual de Campinas. SP, Brasil João Henrique Motarelli São Paulo. São Paulo, SP, Brasil.
Farmacologia Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. São Paulo, SP, Brasil. Elaine Cristina Dalcin Seviero
Alessandra Santos Menegon Odontologia Departamento de Serviço Social da Sociedade de Cardiologia do Estado
Instituto do Coração /Incor/Faculdade de Medicina da Universidade de Frederico Buhatem Medeiros de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. Hospital Samaritano. São Paulo, SP, Brasil.
DIRETORIA DA SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO/Biênio 2020 - 2021
Presidente Diretor de Publicações Diretora de Promoção e Pesquisa Coordenadores do Projeto Infarto
João Fernando Monteiro Ferreira Marcelo Franken Maria Cristina de Oliveira Izar Luciano Moreira Baracioli
Vice-Presidente Diretora de Qualidade Assistencial Diretor do Centro de Treinamento em Emergências Antonio Claudio do Amaral Baruzzi
Renato Azevedo Júnior Lilia Nigro Maia Edson Stefanini Coordenador dos cursos de Emergencias do AHA
1º Secretário Diretor Científico Coordenador de Estudos Populacionais Agnaldo Piscopo
Otávio Rizzi Coelho Filho Luciano Ferreira Drager Otavio Berwanger Coordenadora do Projeto Cardiointensivismo
2º Secretário Diretor de Comunicação Coordenadores do Centro de Memórias Ludhmila Abrahão Hajjar
Álvaro Avezum Ricardo Pavanello Alberto Francisco Piccolotto Naccarato
1º Tesoureiro Diretor de Relações Institucionais e Governamentais Ronaldo Fernandes Rosa
Marcos Valério Coimbra de Resende Henry Abensur Coordenadores do Projeto Insuficiência Cardíaca
2º Tesoureiro Diretor de Regionais Dirceu Rodrigues Almeida
Rogério Krakauer Jorge Zarur Neto Múcio Tavares de Oliveira Junior

DEPARTAMENTOS / Biênio 2020–2021


DEPARTAMENTO EDUCAÇÃO FÍSICA DEPARTAMENTO FARMACOLOGIA DEPARTAMENTO NUTRIÇÃO DEPARTAMENTO PSICOLOGIA
Diretor Executivo Diretora Executiva Diretora Executiva Diretor Executivo
Tiago Fernandes Adriana Castello Costa Girardi Valeria Arruda Machado Rafael Trevizoli Neves
Secretária Secretária Secretária Secretária
Daniela Regina Agostinho Ana Lúcia Rego Fleury de Camargo Juliana Tieko Kato Mayara Medeiros Nóbrega
Diretor(a) Científico(a) Diretor(a) Científico(a) Diretor(a) Científico(a) Diretor(a) Científico(a)
Carla Giuliano de Sá Pinto Montenegro Alessandra Santos Menegon Marcia Maria Godoy Gowdak Adriana Araújo de Medeiros    
Larissa Ferreira dos Santos Evandro José Cesarino Nagila Raquel Teixeira Damasceno Sara Alves de Resende
Suzana Garcia Pacheco Avezum
Renato Lopes Pelaquim Leiliane Rodrigues Marcatto Regina Helena Marques Pereira
DEPARTAMENTO SERVIÇO SOCIAL
DEPARTAMENTO ENFERMAGEM DEPARTAMENTO FISIOTERAPIA DEPARTAMENTO ODONTOLOGIA
Diretora Executiva
Diretora Executiva Diretora Executiva Diretora Executiva Maria Barbosa da Silva
Eugênia Velludo Veiga Valéria Papa Ana Carolina de Andrade Buhatem Medeiros Secretária
Secretária Secretária Secretária Sandra dos Santos Cruz
Maria Keiko Asakura Vanessa Marques Ferreira Lilia Timerman Assessora
Diretor(a) Científico(a) Diretor(a) Científico(a) Diretor(a) Científico(a) Elaine Maria Silva
Ana Carolina Queiroz Godoy Daniel Eliana Vieira Moderno Frederico Buhatem Medeiros Diretor(a) Científico(a)
Ana Maria Miranda Martins Wilson Solange Guizilini Levy Anderson Cesar Alves Elaine Cristina Dalcin Seviero
Rafaela Batista dos Santos Pedrosa Vera Lúcia dos Santos Paulo Sérgio Silva Santos Elaine Fonseca Amaral da Silva

A Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (ISSN impresso: 0103-8559 e ISSN on line: 2595-4644)
é Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, editada trimestralmente pela Diretoria de Publicações da SOCESP.
Avenida Paulista, 2073 – Horsa I, 15° andar Conjunto 1512 – Cerqueira Cesar – São Paulo,SP CEP 01311-940/ Tel: (11) 3181-7429
E–mail: socio@socesp.org.br/ Website: www.socesp.org.br
As mudanças de endereço, a solicitação de números atrasados e as cartas ao Editor deverão ser dirigidas à sede da SOCESP.
É proibida a reprodução total ou parcial de quaisquer textos constantes desta edição
sem autorização formal e expressa de seus editores.
Para pedidos de reprints, por favor contate: SOCESP – Sociedade de Cardiologia
do Estado de São Paulo / Diretoria de Publicações
Tel: (11) 3181–7429 / E-mail: socio@socesp.org.br

Coordenação editorial, criação, diagramação, revisão e tradução


Atha Comunicação e Editora
Tel.: 11 5087 9502 – 1atha@uol.com.br

Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo


São Paulo – SP, Brasil. V. 1 – 1991 –
Substitui Atualização Cardiológica, 1981 – 91
1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A)
1992, 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1993, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1994, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1995, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1996, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1997, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
1998, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B), 5 (supl A), 6 (supl A)
1999, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2000, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2001, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2002, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2003, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2004, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 6 (supl A)
2005, : 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A), 5 (supl B), 6 (supl A)
2006, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2007, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2008, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2009, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2010, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2011, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2012, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2013, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2014, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2015, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2016, : 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2017, 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2018, 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2019, 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A)
2020, 30 1 (supl A), 2 (supl A),

ISSN 0103-8559 CDD16616.105


RSCESP 72594 NLM W1
WG100
CDU 616.1(05)
NORMAS DE PUBLICAÇÃO

O Suplemento da Revista Sociedade de Cardiologia RESUMO: Os resumos devem ser enviados em português
do Estado de São Paulo é parte integrante da Revista da e inglês, não devendo ultrapassar 250 palavras cada.
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e publica DESCRITORES: Devem conter no mínimo três e no máximo
artigos nas áreas de saúde como enfermagem, fisioterapia, cinco palavras-chaves baseadas nos Descritores de Ciências
educação física, nutrição, odontologia, psicologia, serviço da Saúde (DeCS) -http://decs.bireme.br.
social, farmácia. REFERÊNCIAS: Incluir até 50 referências relevantes. Nu-
Cada edição do Suplemento conterá um ou dois temas merar as referências de forma consecutiva de acordo com
centrais, a critério do Diretor de Publicações. a ordem em que forem mencionadas pela primeira vez no
A Revista da SOCESP está indexada no LILACS texto, utilizando-se números arábicos sobrescritos. Incluir
(Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da os seis primeiros autores seguidos de et al.
Saúde) e no Latindex (Sistema Regional de Información Os títulos de periódicos deverão ser abreviados de acor-
en Línea para Revistas Científicas de América Latina, el do com o Index Medicus.
Caribe, España y Portugal). a) Artigos: Autor(es). Título do artigo. Título do Periódico.
Os manuscritos enviados deverão estar em padrão PC ano; volume: página inicial - final
com arquivos TXT ou DOC. Ex.: Campbell CJ. The healing of cartilage deffects. Clin
O autor poderá enriquecer o conteúdo de sua publica- Orthop Relat Res. 1969;(64):45-63.
ção com o envio de vídeos comentando o artigo, imagens, b) Livros: Autor(es) ou editor(es). Título do livro. Edição, se não
gráficos animados, podcasts, dentre outros, possibilitando for a primeira. Tradutor(es), se for o caso. Local de publicação:
ao leitor uma experiencia mais interativa com todo o con- editora; ano. Ex.: Diener HC, Wilkinson M, editors. Drug-
teúdo da revista. induced headache. 2nd ed. New York: Spriger-Verlag; 1996.
Os conceitos e declarações contidos nos trabalhos são c) Capítulos de livros: Autor(es) do capítulo. Título do capítulo
de total responsabilidade dos autores. Editor(es) do livro e demais dados sobre este, conforme o
O Suplemento da Revista da Sociedade de Cardiologia item anterior.Ex.: Chapman MW, Olson SA. Open fractures.
do Estado de São Paulo segue na íntegra a tendência inter- In: Rockwood CA, Green DP. Fractures in adults. 4th ed.
nacional do estilo Vancouver, disponível (www.icmje.org.br). Philadelphia: Lippincott-Raven; 1996. p.305-52.
ORGANIZAÇÃO DO ARQUIVO ELETRÔNICO: O artigo d) Resumos: Autor(es). Título, seguido de [abstract]. Perió-
deverá ter até 20 páginas, digitadas em fonte Times New dico ano; volume (suplemento e seu número, se for o caso):
Roman, tamanho 10, espaçamento entre linhas de 1,5, página(s) Ex.: Enzensberger W, Fisher PA. Metronome in
incluindo-se as referências bibliográficas. Poderá incluir Parkinson’s
até 5 ilustrações (figuras, fotografias, gráficos e/ou tabelas) disease [abstract]. Lancet. 1996;34:1337.
e conter até 50 referências. e) Comunicações pessoais só devem ser mencionadas no
Todas as partes do manuscrito devem ser incluídas em texto entre parênteses.
um único arquivo. O mesmo deverá ser organizado com f) Tese: Autor, título nível (mestrado, doutorado etc.), cidade:
a página de rosto, em primeiro lugar, o texto, referências instituição; ano. Ex.: Kaplan SJ.Post-hospital home health
seguidas pelas figuras (com legendas) e ao final, as tabelas care: the elderley’s access and utilization [dissertation]. St.
(com legendas). Louis:
PÁGINA DE ROSTO: A página de rosto deve conter: Washington Univ.; 1995.
a) o título completo conciso e informativo em português e g) Material eletrônico: Título do documento, endereço na
inglês; internet, data do acesso. Ex: Morse SS. Factors in the emer-
b) o nome completo de cada autor (sem abreviações); e a gence of infectious diseases. Emerg Infect Dis. [online] 1995
instituição a que pertence cada um deles; Jan-Mar [cited 1996 Jun 5];1(1):[24 screens]. Available from:
c) nome, endereço, telefone e e-mail do autor responsável URL: http://www.cdc.gov/ncidod/EID/eid.htm
para correspondência. TABELAS: As tabelas devem ser numeradas por ordem de
aparecimento no texto com números arábicos. Cada tabela publicadas, deverão vir acompanhadas de autorização por
deve ter um título e, se necessário, uma legenda explicati- escrito do autor ou editor, constando a fonte de referência
va. As tabelas deverão ser enviadas através dos arquivos onde foi publicada.
originais (p.e. Excel). CONFLITO DE INTERESSES: Conforme exigências do
FIGURAS (FOTOGRAFIAS E ILUSTRAÇÕES): As figuras Comitê Internacional de Editores de Diários Médicos (ICM-
devem ser apresentadas e numeradas sequencialmente, JE), grupo Vancouver e resolução do Conselho Federal de
em algarismos arábicos, conforme a ordem de apareci- Medicina nº 1595/2000 os autores têm a responsabilidade
mento no texto. Para evitar problemas que comprometam de reconhecer e declarar conflitos de interesse financeiros
o padrão da revista, o envio do material deve obedecer aos e outros (comercial, pessoal, político, etc.) envolvidos no
seguintes parâmetros: todas as figuras, fotografias e ilus- desenvolvimento do trabalho apresentado para publicação.
trações devem ter qualidade gráfica adequada (300 dpi de Devem declarar e podem agradecer no manuscrito todo o
resolução) e apresentar título e legenda. Em todos os casos, apoio financeiro ao trabalho, bem como outras ligações
os arquivos devem ter extensão.tif e/ou jpg. Também são para o seu desenvolvimento.
aceitos arquivos com extensão .xls (Excel), .eps, .psd para CORREÇÃO DE PROVAS GRÁFICAS: Logo que prontas,
ilustrações em curva (gráficos, desenhos e esquemas). As as provas gráficas em formato eletrônico serão enviadas,
figuras incluem todas as ilustrações, tais como fotografias, por e-mail, para o autor responsável pelo artigo. Os autores
desenhos, mapas, gráficos, etc, e devem ser numeradas deverão devolver, também por e-mail, a prova gráfica com
consecutivamente em algarismos arábicos. as devidas correções em, no máximo, 48 horas após o seu
VÍDEOS: O envio de vídeo é opcional, e irá acompanhar a recebimento.
versão online do artigo. Deve ser encaminhado junto com DIREITOS AUTORAIS: Todas as declarações publicadas
o artigo em arquivo separado e acompanhado de legenda. nos artigos são de inteira responsabilidade dos autores.
Os vídeos devem ser enviados em formato digital MP4. Entretanto, todo material publicado torna-se propriedade da
RESUMOS GRÁFICOS (GRAPHICAL ABSTRACT): A Revista, que passa a reservar os direitos autorais. Portanto,
informação poderá ser composta de imagem concisa, nenhum material publicado na Revista da Sociedade de
pictórica e visual das principais conclusões do artigo. Pode Cardiologia do Estado de São Paulo poderá ser reproduzido
ser tanto a figura de conclusão do artigo ou uma figura sem a permissão por escrito. Todos os autores de artigos
que é especialmente concebida para este fim, que capta o submetidos deverão assinar um Termo de Transferência de
conteúdo do artigo para os leitores em um único olhar. As Direitos Autorais, que entrará em vigor a partir da data de
figuras incluem todas as ilustrações, tais como fotografias, aceite do trabalho.
desenhos, mapas, gráficos, etc, e deve ser identificado com REPRODUÇÃO: Somente a Revista da Sociedade de
o nome do artigo. Cardiologia do Estado de São Paulo poderá autorizar a
O envio de resumo gráfico (graphical abstract) é opcional reprodução dos artigos nelas contidos. Os casos omissos
e deve ser encaminhado em arquivo separado e identifica- serão resolvidos pela Diretoria da Revista da Sociedade de
do. O arquivo deve ter extensão .tif e/ou jpg. Também são Cardiologia do Estado de São Paulo. Os artigos enviados
aceitos arquivos com extensão .xls (Excel); .eps; .psd para passarão a ser propriedade da Revista da Sociedade de
ilustrações em curva (gráficos, desenhos e esquemas). Cardiologia do Estado de São Paulo.
PODCAST: O envio do podcast é fortemente recomendado. ENVIO DE ARTIGOS: Os artigos deverão ser enviados para
O audio deverá ser captado em local reservado e silencioso o email revista@socesp.org.br para a Atha Comunicação
poderá ter a duração de 5 a 20 minutos abordando um e Editora a/c Flávia M. S. Pires e/ou Ana Carolina de Assis.
resumo do conteúdo do manuscrito.
LEGENDAS: Digitar as legendas usando espaço duplo,
acompanhando as respectivas figuras (gráficos, fotogra-
fias e ilustrações). Cada legenda deve ser numerada em
algarismos arábicos, correspondendo a cada figura, e na
ordem em que foram citadas no trabalho. Abreviaturas e
Siglas: Devem ser precedidas do nome completo quando Caso ocorra a necessidade de esclarecimentos adi-
citadas pela primeira vez no texto. No rodapé das figuras cionais, favor entrar em contato com a Atha Comunica-
e tabelas deve ser discriminado o significado das abrevia- ção e Editora - Rua Machado Bittencourt, 190 – 4º andar -
turas, símbolos, outros sinais e informada fonte: local onde CEP: 04044-903 – São Paulo/SP, Brasil Tel: +55 11 5087-9502 /
a pesquisa foi realizada. Se as ilustrações já tiverem sido Fax: +55 11 5579 5308.
SUMÁRIO/CONTENTS

ARTIGO DE REVISÃO/REVIEW ARTICLE

EDUCAÇÃO FÍSICA
MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA HIPERTENSIVA:
PAPEL TERAPÊUTICO DO TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO............................................................................. 239
HYPERTENSIVE HEART FAILURE-INDUCED SKELETAL MUSCLE MYOPATHY: THERAPEUTIC ROLE OF AEROBIC EXERCISE TRAINING
Bruno Rocha de Avila Pelozin, Larissa Ferreira-Santos, Luis Felipe Rodrigues, Edilamar Menezes de Oliveira, Tiago Fernandes
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002239-47

ENFERMAGEM
PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA...................................................... 248
NONPHARMACOLOGICAL PRACTICES IN THE MANAGEMENT OF HEART FAILURE
Mayara Rocha Siqueira Sudré, Ana Carolina Queiroz Daniel, Graciano Almeida Sudré, Suellen Rodrigues de Oliveira Maier, Eugenia Velludo Veiga
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002248-56

FARMACOLOGIA
POTENCIAL USO DE INIBIDORES DE SGLT2 NO TRATAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PARA PACIENTES
DIABÉTICOS E NÃO DIABÉTICOS........................................................................................................... 257
POTENTIAL USE OF SGLT2 INHIBITORS IN THE TREATMENT OF HEART FAILURE FOR PATIENTS WITH OR WITHOUT DIABETES
Danúbia Silva dos Santos, Letícia de Barros Sene, Bruno Caramelli, Adriana Castello Costa Girardi
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002257-263

FISIOTERAPIA
REABILITAÇÃO CARDIOVASCULAR BASEADA EM EXERCÍCIO FÍSICO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA- FASE HOSPITALAR
E AMBULATORIAL............................................................................................................................ 264
EXERCISE-BASED CARDIOVASCULAR REHABILITATION FOR HEART FAILURE PATIENTS - IN-HOSPITAL AND OUTPATIENT CARE
Valéria Papa, Solange Guizilini, Caroline B. Bublitz, Isadora S. Rocco, Camila Bertini, Vivian Bertoni Xavier, Rodrigo Boemio Jaenisch,
Eliana Viera Moderno, Vanessa Mendez, Vera Lucia dos Santos Alves, Michel Silva Reis
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002264-72

NUTRIÇÃO
OTIMIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS AOS PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA APÓS INTERNAÇÃO
HOSPITALAR: UMA AÇÃO PARA REDUZIR REHOSPITALIZAÇÃO E COMPLICAÇÕES CLÍNICAS EM IDOSOS......................... 273
OPTIMIZATION OF NUTRITIONAL GUIDELINES FOR PATIENTS WITH HEART FAILURE AFTER HOSPITALIZATION AS AN ACTION TO REDUCE
REHOSPITALIZATION AND CLINICAL COMPLICATIONS IN THE ELDERLY
Mariana Volante Gengo
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002273-78

ODONTOLOGIA
INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE ODONTOLOGIA E CARDIOLOGIA NO SUPORTE AO INDIVÍDUO
COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA............................................................................................................ 279
INTERDISCIPLINARITY BETWEEN DENTISTRY AND CARDIOLOGY IN SUPPORTING INDIVIDUALS WITH HEART FAILURE
Raquel D’Aquino Garcia Caminha, Gabriel de Toledo Telles Araújo, Dayanne Simões Ferreira Santos, Patrícia Sanches Kerges Bueno,
Frederico Buhatem Medeiros, Edmir José Sia Filho, Paulo Sérgio da Silva Santos
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002279-84

PSICOLOGIA
A INSUFICIÊNCIA DO CORAÇÃO E DO AFETO: APRENDENDO A SER CUIDADO....................................................... 285
HEART FAILURE AND AFFECTION: LEARNING TO BE CARED FOR
Valéria Lima Frediani, Adriana Aparecida Fregonese, Sílvia Maria Cury Ismael
http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002285-7
REVISÃO/REVIEW

MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA


PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA
HIPERTENSIVA: PAPEL TERAPÊUTICO DO
TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO
HYPERTENSIVE HEART FAILURE-INDUCED SKELETAL MUSCLE MYOPATHY:
THERAPEUTIC ROLE OF AEROBIC EXERCISE TRAINING
RESUMO
Bruno Rocha de Avila A insuficiência cardíaca (IC) é a via final comum da maioria das doenças que acometem
Pelozin1 o coração. Entre os fatores de risco conhecidos, a hipertensão arterial (HA) é a doença mais
Larissa Ferreira-Santos2 frequentemente associada à IC. Caracterizada pela intolerância ao exercício, a IC promove
Luis Felipe Rodrigues2 disfunção cardíaca e alterações intrínsecas musculares envolvidas na redução da capacidade
Edilamar Menezes de física. Várias anormalidades do músculo esquelético têm sido descritas em pacientes e animais
Oliveira1 com IC, incluindo atrofia, fibrose, mudança na composição dos tipos de fibras, rarefação
Tiago Fernandes1 microvascular e reduzida capacidade de oxidação. Por outro lado, o treinamento físico aeróbio
(TFA) vem sendo utilizado como uma importante terapia não farmacológica para a prevenção
1. Universidade de São Paulo (EEFE-
USP) Escola de Educação Física e e o tratamento da IC; em parte, por melhorar a função endotelial e a perfusão coronária,
Esporte. Laboratório de Bioquímica e diminuir a resistência vascular periférica e induzir o remodelamento das células musculares
Biologia Molecular do Exercício.
São Paulo, SP. Brasil. cardíacas e esqueléticas, levando ao aumento da captação de oxigênio e resistência à fadiga.
2. Universidade de São Paulo (InCor- Os mecanismos e vias de sinalização intracelular envolvidas nas anormalidades musculares
HCFMUSP). Instituto do Coração,
Hospital das Clínicas da Faculdade induzidas pela IC não são completamente compreendidos. Os microRNAs têm ganhado papel
de Medicina. Unidade de Reabilitação de destaque por regularem pós-transcricionalmente a expressão de seus genes alvo (mRNAs) 239
Cardiovascular e Fisiologia do
Exercício. São Paulo, SP, Brasil. e por participarem do desenvolvimento de diversos processos patológicos e fisiológicos, con-
tribuindo para a repressão/ativação de genes biologicamente importantes. Esta revisão tem por
Correspondência:
Tiago Fernandes, objetivo elucidar as principais evidências sobre a miopatia muscular esquelética induzida pela
Laboratório de Bioquímica e Biologia IC de etiologia hipertensiva e o potencial papel dos microRNAs nessas alterações periféricas
Molecular do Exercício. Escola
de Educação Física e Esporte- e, ainda, demonstrar os efeitos benéficos do TFA sobre os danos musculares presentes na IC.
Universidade de São Paulo. Av. Prof.
Mello Moraes, 65, Butantã, São Paulo/
SP, CEP: 05508-900. São Paulo, Descritores: Exercício Físico; Músculo Esquelético; MicroRNAs; Hipertensão; Insuficiência
SP, Brasil.
tifernandes@usp.br
Cardíaca.

ABSTRACT
Heart failure (HF) is the common final route of most cardiac diseases. Among the known risk
Acesse o
Podcast factors, arterial hypertension (AH) is the disease most often associated with HF. Characterized by
exercise intolerance, HF promotes cardiac dysfunction and intrinsic muscle changes involved
in reduced physical capacity. Various skeletal muscle abnormalities have been described in
patients and animals with HF, including atrophy, fibrosis, changes in the composition of fiber
types, microvascular rarefaction and reduced oxidation capacity. On the other hand, aerobic
exercise training (AET) has been used as an important non-pharmacological therapy for the
prevention and treatment of HF, partly because it improves endothelial function and coronary
perfusion, decreases peripheral resistance and induces remodeling of cardiac and skeletal
muscle cells, leading to increased oxygen uptake and resistance to fatigue. The mechanisms
and intracellular signaling pathways involved in muscle abnormalities induced by HF are not
fully understood. MiRNAs have gained an important role for regulating the post-transcriptional
expression of their target genes (mRNAs) and for participating in the development of several
pathological and physiological processes, contributing to the repression/activation of biologically
important genes. This review aims to elucidate the main evidence on skeletal muscle myopathy
induced by HF of hypertensive etiology and the potential role of microRNAs in these peripheral
changes, and to demonstrate the beneficial effects of TFA on muscle damage present in HF.

Keywords: Exercise, Muscle, Skeletal; MicroRNAs; Hypertension; Heart Failure.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47 http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002239-47


INTRODUÇÃO da genética nas últimas décadas, várias áreas da comunidade
Das 56,9 milhões de mortes globais documentadas em científica têm voltado suas atenções para uma nova classe de
2016, 40,5 milhões (71%) foram decorrentes de doenças reguladores gênicos denominados de microRNAs (miRNAs).
crônicas não transmissíveis (DCNT), composta por quatro Análises realizadas em todo o genoma e sequenciamento
principais doenças: as doenças cardiovasculares (DCV), cân- de ácidos ribonucleicos (RNA) revelaram que grande parte
ceres, diabetes e doenças pulmonares crônicas. Sendo que do genoma humano (~ 98%) não codifica proteínas, mas
as DCV são a principal causa de morte no mundo todo, com são transcricionalmente ativas e dão origem a um amplo
um total de 17,9 milhões de óbitos (44% de todas as DCNT).1 espectro de RNAs não codificantes (ncRNAs). Nos sistemas
Dados epidemiológicos publicados anualmente pela cardiovascular e muscular esquelético, os ncRNAs regulam
American Heart Association mostram que as DCV são a prin- o desenvolvimento, a inflamação, o trofismo, a fibrose e a
cipal causa de morte nos Estados Unidos da América (EUA), regeneração.14,15 Além disso, a expressão alterada de ncRNAs
segundo o último levantamento publicado em janeiro de 2020. pode ser encontrada no sangue de pacientes com diversas
E a estimativa é de que 6,2 milhões de norte-americanos patologias e em atletas o que poderia ser usado futuramente
≥20 anos têm insuficiência cardíaca (IC), que é a principal como um biomarcador de doença e rendimento físico.14,15
via final das DCV. Projeções mostram que a prevalência de Os miRNAs têm ganhado grande destaque por regularem
IC irá aumentar em torno de 46% entre 2012 a 2030.2 pós-transcricionalmente a expressão de seus genes alvo
Dentre os fatores de risco modificáveis para DCV a hi- (mRNAs).16 Desde 2007, uma série de estudos demonstrou
pertensão arterial (HA) tem grande destaque, pois tem alta que miRNAs específicos estão envolvidos no desenvolvimento
prevalência e grande participação na mortalidade cardio- de DCV contribuindo para a repressão/ ativação de genes
vascular. Dados norte-americanos mostram que nos EUA a biologicamente importantes.17 Dessa forma, muitos aspectos
HA contribuiu para aproximadamente 395.000 mortes car- do quadro da IC de etiologia hipertensiva no nível molecular
diovasculares (45% de todas as mortes cardiovasculares). ainda são desconhecidos e a elucidação desses processos
Dentre outros fatores de risco importantes para a mortalidade regulados por miRNAs e identificação de novos alvos de
cardiovascular podemos citar: sobrepeso/ obesidade, inati- miRNA na patogênese da doença é uma estratégia muito
vidade física (sedentarismo), alto colesterol LDL, tabagismo, valiosa que pode, eventualmente, levar ao desenvolvimento
dieta rica em sal e com alto teor de ácidos graxos trans e de novas abordagens para o diagnóstico precoce e/ ou
baixos níveis de ácidos graxos ômega-3.2 tratamento da doença.
No Brasil o cenário não é muito diferente, a HA é presente O treinamento físico aeróbio (TFA) vem sendo utilizado
em ~36 milhões de indivíduos adultos (32,5%), sendo sua como uma importante terapia não farmacológica para aliviar
maior prevalência em idosos (60%), assim contribuindo direta os sintomas, melhorar a tolerância ao exercício, à qualidade
240 de vida e reduzir a hospitalização de pacientes com IC.18
ou indiretamente para a mortalidade por DCV (~50%).3
Em relação aos fatores de risco para a IC nas regiões do A capacidade aeróbica vem sendo utilizada como um grande
mundo, a HA é o principal fator de risco associado à IC em indicador de morte precoce tanto para indivíduos saudáveis
todo o globo, porém é mais prevalente na América Latina, quanto para aqueles com doenças associadas.19 Além disso,
no Caribe, na Europa Oriental e na África subsaariana.2 A ratos artificialmente selecionados para exibir alta capacidade
HA pode ser tanto a causa como o fator de agravamento aeróbica intrínseca apresentam maior expectativa de vida
da patologia.4–6 Considerando a prevalência crescente e a (~ 45%) quando comparados com ratos com baixa capaci-
morbimortalidade, a IC representa um grave problema de dade aeróbica.20 De fato, a prática da atividade física aeróbica
saúde pública.7,8 reduz a maior incapacidade de mobilidade em idosos21 e está
A IC é uma síndrome clínica de mau prognóstico ca- associada à prevenção de um amplo espectro de distúrbios e
racterizada por disfunção cardíaca que envolve múltiplos doenças ao longo da vida adulta, como o câncer, as DCV, as
sistemas e mecanismos neuro-humorais compensatórios metabólicas e as neurodegenerativas.19 Sabe-se que o TFA
sendo acompanhada pela redução da expectativa de vida melhora a função endotelial e a perfusão coronária, diminui
e caracterizada por sintomas como fadiga, dispneia bem a resistência periférica e induz o remodelamento das células
como intolerância a esforços físicos.7 A fadiga é atribuída musculares cardíacas e esqueléticas, levando ao aumento
ao impulso vasoconstritor persistente, à disfunção endotelial da captação de oxigênio, oxidação do substrato e resistência
e às anormalidades estruturais e funcionais do músculo à fadiga na IC.12,22
esquelético, e não à disfunção ventricular per se. Dentre as Estudos recentes relatam que o TFA regula a expressão
alterações observadas na musculatura esquelética destacam- de miRNAs em diferentes tecidos como o músculo esque-
-se as alterações no metabolismo energético com predomínio lético e o cardíaco promovendo angiogênese muscular e
do metabolismo glicolítico, a rarefação microvascular e a hipertrofia cardíaca fisiológica,15,23,24 o que sugere que o
perda de massa muscular que pode culminar em caquexia TFA pode recuperar a homeostase vascular e muscular por
cardíaca; condição que contribui para o mau prognóstico e meio da ação de miRNAs específicos. Em nosso laboratório,
a mortalidade aumentada.9–12 temos demonstrado o importante efeito terapêutico do TFA
Embora grandes avanços tenham sido feitos no entendi- nas alterações musculares e vasculares desencadeada pela
mento das DCV, os mecanismos envolvidos nas anormalida- HA durante a progressão da doença.25–28 Dessa forma, o
des do músculo esquelético permanecem pouco elucidados. entendimento do papel desses ncRNAs no exercício físico
Assim, compreender as vias que resgatam a estrutura e a representa, portanto, uma importante ferramenta nas novas
função do sistema muscular esquelético pode ter implicações descobertas terapêuticas para a IC. Esta revisão tem por
clínicas importantes.13 Com as novas descobertas no âmbito objetivo elucidar as principais evidências sobre a miopatia

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA HIPERTENSIVA:
PAPEL TERAPÊUTICO DO TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO

muscular esquelética induzida pela IC de etiologia hiperten- considerado como hipertensão espontânea entre a 7a e a 14a
siva e o potencial papel dos microRNAs nestas alterações semanas, atingindo um platô entre a 20ª e 24a semanas, não
periféricas, com maior relevância no estudo do TFA. havendo influência sexual nesse desenvolvimento.32
A hipertensão do SHR adulto está associada a um au-
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA mento da resistência periférica total, sendo o débito cardíaco
A IC é uma síndrome clínica de mau prognóstico carac- normal.33 Com o desenvolvimento da HA, o SHR desenvolve
terizada por disfunção cardíaca associada à intolerância aos uma progressiva hipertrofia cardíaca.34 O débito cardíaco per-
esforços, retenção de fluido, redução da longevidade e que manece em níveis normais com o progresso da hipertensão,
atinge mais de 23 milhões de pessoas no mundo, com taxa até que nos estágios finais a função cardíaca começa a ser
de sobrevida de cinco anos após o diagnóstico.7 Só nos comprometida, quando, então, o débito cardíaco começa a
EUA, a doença atinge cerca de seis milhões de cidadãos, reduzir-se em função de uma IC congestiva.35 Desse modo,
levando a um milhão de hospitalizações e uma a cada nove a função sistólica cardíaca é preservada nesses animais
mortes nos principais estados do país.29 As associações até um ano de idade, mas falha com o passar do tempo. A
brasileiras, americanas e europeias de cardiologia classifi- progressão da doença em SHR parece ser um modelo ideal
cam em suas diretrizes a IC perante sua fração de ejeção. para mimetizar a IC de etiologia hipertensiva em humanos
devido às alterações nos parâmetros cardíacos, hemodinâ-
Pacientes diagnosticados com IC podem ter suas frações
micos e neuro-humorais relevantes durante a transição da
de ejeção reduzida (ICFEr), apresentando fração ≤40%, ou
hipertrofia compensada para a IC. Outra vantagem é que esse
preservada (ICFEp), ≥50%. Também, é possível encontrar
modelo não requer intervenções técnicas e não é acometido
pacientes na zona cinzenta, chamados de intermediários,
pela elevada taxa de mortalidade por cirurgia ou intervenção
possuindo suas frações entre 40-50%.6,18
medicamentosa. Entanto, esse modelo é limitado pela longa
Na associação de diversos fatores de risco e DCV com
duração até o desenvolvimento da IC.36
a IC, a HA é a mais importante causa de ICFEp com 60%
a 80% dos casos.4–6 Números maiores são encontrados no
estudo de Framingham, em que uma coorte acompanhou ALTERAÇÕES MUSCULARES ESQUELÉTI-
5.143 pacientes mostrando que 91% dos casos de IC eram CAS NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
de pacientes hipertensos,30 chegando a um valor de risco A IC causa modificações estruturais e funcionais ao
duas vezes maior em homens e três vezes em mulheres de coração ocasionadas pelo aumento hemodinâmico da
desenvolver IC.5 Porém, a maior incidência ainda é em idosos pós-carga, evoluindo à hipertrofia ventricular. A hipertrofia
e mulheres com histórico de HA.6 cardíaca progride para disfunção com perda de função e
Sozinha, a HA é reconhecida por aumentar todas as cau- redução da fração de ejeção e/ou aumento da pressão in- 241
sas de morte independente do fator de risco,5 representando tracardíaca no repouso ou em exercício. Essas alterações
dentre as DCV a com maior número de hospitalizações.4 são manifestadas principalmente com fadiga e dispneia aos
Atualmente, mesmo com o tratamento medicamentoso, a pequenos esforços, o que limita a tolerância ao exercício e
taxa de doentes continua aumentando. Sua alta prevalência prejudica a qualidade de vida dos pacientes.4,6,18 (Figura 1)
somada à alta incidência de desenvolvimento de IC se torna Essas alterações ocorrem mesmo em pacientes estáveis,
um caso de preocupação para a saúde pública. que utilizam a terapia medicamentosa, e pode ocorrer nos
Do ponto de vista clínico, a doença cardíaca hipertensiva diferentes estágios de IC, com ou sem fração de ejeção
pode ser dividida em quatro categorias ascendentes, com reduzida e nas diversas classes funcionais.37
base no impacto fisiopatológico e clínico da hipertensão no Na IC, a miopatia esquelética afeta músculos grandes e
coração:31 Grau I: Disfunção diastólica isolada do ventrículo pequenos envolvidos na postura, locomoção e respiração.
esquerdo (VE) sem hipertrofia do VE, Grau II: Disfunção Por meio de biopsia muscular e estudos utilizando marca-
diastólica do VE com hipertrofia concêntrica do VE, Grau dores celulares, foi possível encontrar inúmeras modifica-
III: IC clínica (dispneia e edema pulmonar com fração de ções musculares esqueléticas nos pacientes com IC o que
ejeção preservada) e Grau IV: Cardiomiopatia dilatada com justificaria a fadiga e a intolerância ao exercício. Algumas
IC e fração de ejeção reduzida. As categorias indicam que a dessas alterações são: (1) diminuição da massa muscular;
disfunção diastólica é uma complicação muito mais comum (2) mudança no perfil dos tipos de fibra muscular do tipo I
da hipertensão crônica do que a disfunção sistólica. Pacientes para o tipo II; (3) disfunção mitocondrial; (4) diminuição da
com ICFEp têm mais hipertrofia do VE, lesões epicárdicas circulação periférica acompanhada pela redução da rede
da artéria coronária, rarefação microvascular coronariana e microvascular; (5) e redução do VO2 pico. Além disso, alte-
fibrose miocárdica do que os indivíduos controles.31 rações no acoplamento excitação-contração também está
Já no modelo experimental, os animais espontaneamente associada à disfunção muscular e à redução da força.12
hipertensos (SHR) têm sido os mais utilizados para entender Em 2016, a diretriz europeia de cardiologia começou a
a progressão da doença cardiovascular de etiologia hiper- considerar a redução da massa muscular como uma co-
tensiva. Desde o desenvolvimento da cepa de SHR, por morbidade relevante na IC. A redução da massa muscular é
Okamoto e Aoki em 1963, o modelo genético de hipertensão representada pela diminuição da área de secção transversa
é o mais estudado na literatura e a sua importância tem do músculo associada a um desequilíbrio do balanço de
sido creditada à similaridade da sua fisiopatogenia com síntese/ degradação proteica, evidenciada em pacientes com
a hipertensão essencial (primária) em humanos. Os SHR IC comparado a indivíduos saudáveis.22,38,39 Dessa forma,
nascem normotensos e começam a desenvolver HA com vem sendo proposto que a atrofia muscular seja um preditor
cinco semanas de vida, já apresentando um nível de pressão independente de mortalidade em portadores de IC grave em

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


muscular isolada, com maior proporção de fibras híbridas
IIA+IIX. Embora os estudos relatem uma mudança no perfil de
fibras musculares esqueléticas na HA, nenhum deles observou
alteração na massa muscular em animais hipertensos até 24
semanas de idades.42
Curiosamente, Carvalho et al.,43 determinaram, no mús-
culo sóleo, mudanças na expressão das isoformas de MHC,
no diâmetro dos tipos de fibras e no índice de atrofia mus-
cular durante a transição da hipertrofia ventricular para IC
induzida por estenose aórtica. Os animais desenvolveram
uma miopatia muscular, caracterizada por diminuição na
porcentagem das fibras do tipo I e aumento da frequência das
fibras do tipo IIa, na hipertrofia cardíaca (após 18 semanas)
e na IC (após 28 semanas). Entretanto, a atrofia das fibras
do tipo IIa ocorreu somente durante a transição para a IC.
Recentemente, Damatto et al.,44 relataram, pela primeira vez
na literatura, mudanças nas isoformas de MHC e atrofia do
músculo sóleo na IC de etiologia hipertensiva em SHR. Foi
verificado o quadro de IC em SHR com fração de ejeção
reduzida por volta dos 18 meses de idade e as alterações
musculares foram associadas aos fatores de regulação mio-
gênica e expressão de miostatina e folistatina.
Utilizando-se marcadores radioativos, foi possível identi-
ficar uma maior depleção de fosfocreatina em animais insufi-
cientes cardíacos39 e uma redução no número de mitocôndrias
e declínio de suas funções.39 A utilização de ácidos graxos é
Figura 1. Alterações músculo esqueléticas e hemodinâmicas na essencial para atividades de maior duração independente da
insuficiência cardíaca. intensidade e uma redução na utilização de ácidos graxos e
um maior uso dos estoques de glicogênio e glicose circulante
ambos os sexos.40 Além da atrofia muscular, as alterações no mostram uma predominância do metabolismo glicolítico
242 acoplamento excitação-contração também contribuem para para obtenção de energia, o que justificaria a produção de
a fatigabilidade e a fraqueza do músculo esquelético na IC. produtos que levariam a fadiga precoce.
Em ratos com IC grave, os baixos níveis de Ca2+ sarcoplas- A circulação periférica desses pacientes se encontra
mático no músculo esquelético foram associados a uma prejudicada, devido à redução do fluxo sanguíneo para a
reduzida taxa de liberação e recaptação do Ca2+ no retículo periferia. Uma das explicações para tal acontecimento são
sarcoplasmático. Essa resposta é parcialmente explicada pela ativações em maior número do sistema nervoso simpático
expressão reduzida de proteínas envolvidas na homeostase levando à vasoconstrição periférica, dificultando a chegada
intracelular de Ca2+ nos músculos esqueléticos.41 do substrato energético e do oxigênio, favorecendo uma
Avaliações morfológicas revelaram que IC induz alteração anaerobiose precoce.29,38–40 Além disso, uma redução no
nos tipos de fibras muscular tanto em humanos quanto em número de vasos arteriolar e capilar dispostos em paralelo
animais. As fibras musculares sofrem mudanças do tipo I, contribui consideravelmente para o aumento da resistência
predominantemente oxidativas, para o tipo II, glicolíticas.22,29,39 periférica total e redução do fluxo sanguíneo para a perife-
Essas alterações podem justificar uma fadiga precoce pela ria. Assim, a IC aparece amplamente associada com um
utilização de metabolismo mais glicolítico e mais suscetível a desequilíbrio do tônus vasomotor, participando ativamente
fadiga. Observa-se elevação no pH mesmo sem alteração de no aumento da vasoconstrição, o que repercute em um
fluxo, uma característica de células prioritariamente anaeró- aumento da resistência vascular periférica com a oclusão
bicas. Ainda, a redução do VO2 no decorrer da progressão arteriolar e capilar na microcirculação culminando no quadro
da doença se traduz na piora da capacidade física desses de rarefação capilar.10 Em conjunto, todas essas alterações
pacientes e está ligada diretamente a alterações no sistema musculares contribuem para o aumento da fatigabilidade
muscular e acúmulo de lactato em resposta ao exercício na IC.
metabólico e muscular esquelético.29,39,40
Estudos mostram que o músculo esquelético de indiví-
duos hipertensos, assim como de SHR, contém uma maior TREINAMENTO FÍSICO E INSUFICIÊNCIA
porcentagem de fibras de contração rápida e glicolítica CARDÍACA
comparados aos seus controles normotensos.42 Segundo Tratar o paciente com IC é um trabalho sensível, depende
Bortolotto et al.,42 em todos os estágios de hipertensão ava- de interações multiprofissionais para auxílio do uso correto
liados (quatro, 16 e 24 semanas), o músculo sóleo de SHR de medicamentos, alimentação e exercícios físicos. Sabe-se
continha uma maior proporção de fibras do tipo II do que o que o TFA melhora a qualidade de vida e reduz hospitalização
músculo sóleo de ratos normotensos, bem como de fibras e mortalidade por todas as causas.8,40 Por ser eficiente em
híbridas, fibras estas que contêm dois tipos de isoforma reduzir a intolerância ao esforço5 e reverter o quadro de mio-
de miosina de cadeia pesada (MHC) em uma mesma fibra patia esquelética, o TFA é o exercício mais empregado neste

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA HIPERTENSIVA:
PAPEL TERAPÊUTICO DO TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO

modelo patológico. Dessa forma, o TFA na IC é amplamente tem rendido importantes insights sobre a função dos dife-
recomendado pela diretriz norte americana (American Heart rentes tecidos, assim como a identificação de marcadores
Association), com nível de evidência Classe 1A, sendo uma sistêmicos sob diversas condições patológicas. A descoberta
atividade segura e efetiva para melhora dos pacientes.5 de pequenos RNAs, incluindo miRNAs e outros ncRNAs,
Diversas são as evidências sobre os benefícios do TFA na proporcionou um avanço técnico e científico para a genética
IC, demonstrando que o mesmo é uma importante estratégia em sistemas biológicos.
não farmacológica coadjuvante no tratamento da IC, não
somente por promover importantes adaptações no controle MICRORNAS
neuro-hormonal29 e na função cardíaca,12 mas também por
Os miRNAs são moléculas de ácido ribonucleico (RNA)
propiciar diferentes adaptações bioquímicas, estruturais e
de fita simples, com um tamanho de aproximadamente 22
funcionais na musculatura esquelética10,11,41 melhorando a
nucleotídeos, não codificadores de proteínas, atuando princi-
tolerância aos esforços físicos, a qualidade de vida, dimi-
palmente na repressão da tradução de proteínas em plantas
nuindo as hospitalizações e a mortalidade desses pacientes.9
e animais. Os miRNAs regulam a atividade de até ~50%
O TFA atua de maneira significativa na redução da perda
do genoma humano46 e foram descritos por participarem
de massa muscular na IC. Ele promove melhoras significativas
na vasodilatação dependente do endotélio45 e aumento da de um amplo espectro de doenças humanas.17 Desde sua
densidade capilar na IC, além de aumentar a densidade descoberta em 1993, novos miRNAs tem sido identificados.
mitocondrial, a atividade de enzimas oxidativas, e promover A versão mais recente do banco de dados miRBase (v22,
adaptações importantes na regulação da massa muscular onde são catalogados todos os miRNAs descobertos) contém
na doença.9–11,41 38.589 entradas representando miRNAs precursores em
Em animais, observam-se níveis reduzidos de noradrena- hairpin de 271 organismos. Isso representa um aumento
lina muscular e estresse oxidativo associados à melhora da nas sequências de mais de um terço em relação à versão
capacidade de exercício e restabelecimento da troficidade anterior. Esses precursores em hairpin produzem um total
muscular.11 Essas melhoras são reconhecidas em diversas de 48.860 diferentes sequências maduras de miRNA. Os
etiologias da IC, tais como, infarto do miocárdio, transgênicos genomas de vertebrados contêm milhares de miRNAs, sendo
com hiperatividade simpática e estenose aórtica.10,12 Os be- que o genoma humano contém 1.917 precursores em hairpin
nefícios do treinamento podem ser visualizados na Figura 2. confirmados e 2.654 sequências maduras.47
Apesar desse importante papel do exercício na prevenção Os miRNAs são inicialmente transcritos como miRNAs
e no tratamento das DCV, os mecanismos envolvidos nestas primários (pri-miRNA) que serão clivados por uma enzima
alterações musculares não são totalmente compreendidos. endonuclease do tipo 3 conhecida como drosha, definindo
Além disso, muitos aspectos do desenvolvimento da HA na uma das extremidades do miRNA maduro, e formando o miR- 243
transição para a IC no nível molecular ainda são desconhe- NA precursor (pré-miRNA), que será transportado do núcleo
cidos. O advento do perfil transcricional usando microarrays para o citoplasma pela Exportina-5. Seguindo o transporte
de RNAs mensageiros (mRNA) e RNA-seq (RNA sequencing) para o citoplasma, os miRNAs são processados por outra

Figura 2. Impacto do treinamento físico na insuficiência cardíaca.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


endonuclease do tipo 3 conhecida como dicer, que cliva a do músculo esquelético, não promoveu alteração do fenótipo
outra extremidade do miRNA, formando uma dupla fita de muscular representado pelo peso do músculo sóleo, morfologia
miRNA. Finalmente, o miRNA é incorporado a um complexo ou distribuição do tipo de fibra; entretanto, a recuperação da
de proteínas RISC (do inglês RNA-induced silence complex), desnervação foi retardada no músculo em animais knockout, ou
mas apenas uma das fitas da dupla fita de miRNA permanece seja, aqueles que não expressam para o miRNA-206.51
no complexo para controlar a expressão de genes ao nível Van Rooij et al.,55 identificaram a presença de dois miRNAs
pós-transcricional, e portanto, exercer seus efeitos regulató- codificados pelos genes da MHC. O gene da Mhy7 codifica o
rios ligando-se à região 3’ não traduzida (3’-UTR) dos RNAs miRNA-208b, o qual tem uma sequência seed idêntica ao do
mensageiros (mRNA) alvo.17 Esse mecanismo permite a miRNA-208a; e difere dele por apenas três nucleotídeos na
redução dos níveis proteicos de seus genes alvo, raramente região 3’. Um terceiro membro dessa família é o miRNA-499,
afetando o nível de expressão transcricional.48 A regulação codificado pelo gene Myh7b, uma miosina pouco estudada
pós-transcricional realizada pelos miRNAs na região 3’-UTR que compartilha grande homologia com o gene Mhy7. Estes
depende do grau de complementaridade com o mRNA alvo, dois miRNAs são bastante expressos em músculos com perfil
sendo que o pareamento completo com o mRNA alvo acar- oxidativo, como o sóleo, por apresentarem fibras do tipo I
reta na degradação do mRNA, enquanto que o pareamento com predominância de MHC-Iβ.
imperfeito com o alvo leva a inibição da tradução proteica. Curiosamente, a deleção do miRNA-208b ou do miR-
Devido ao fato de miRNAs possuírem sequências pequenas NA-499 não alterou a expressão de outro miRNA no sóleo,
e agirem sem a necessidade de pareamento completo, um e a análise do tipo de fibra apresentou pouca ou nenhuma
único miRNA pode regular muitos mRNA alvos, além de diferença no número de fibras musculares do tipo I, em qual-
cooperarem no controle de um único mRNA.49 quer um dos animais mutantes em comparação com o tipo
Mudanças modestas em um grupo de miRNAs podem selvagem. Porém, com a geração do animal duplo knockout
afetar a expressão de vários, ou centenas, de genes com o (dKO) para os miRNAs-208b e -499 verificou-se uma perda
objetivo de regular uma rede específica de sinalização (por substancial de fibras musculares do tipo I no sóleo dos dKO.
exemplo, síntese proteica e controle do metabolismo celular). A perda de fibras lentas nos camundongos dKO também foi
O uso de microarray de miRNA e gene complementados por evidenciada pela redução da expressão proteica e gênica
softwares de predição bioinformática para identificar grupos de MHC-Iβ, e um concomitante aumento na expressão de
de miRNAs, redes de sinalização relacionados e gene alvo isoformas de miosina rápida tipo IIa e IIx e tipo IIb.55
pode nos ajudar no sentido da importância biológica dos Por outro lado, a superexpressão do miRNA-499 foi
miRNAs.50 Dessa forma, o entendimento dos mecanismos suficiente para induzir uma completa conversão de todas
regulados por diferentes ncRNAs revelam uma área promis- as fibras rápidas (tipo II) no músculo sóleo para um perfil
244 sora de investigação que podem contribuir futuramente para de fibras lentas do tipo I. Notavelmente, quando os animais
o entendimento dos processos moleculares induzidos por foram submetidos a um teste de tolerância ao esforço físico
condições fisiológicas e patológicas. em esteira, os que superexpressavam o miRNA-499 correram
50% a mais do que os controles tipo selvagem (que não
MICRORNAS, MÚSCULO ESQUELÉTICO E superexpressavam o miRNA-499), indicando uma maior
TREINAMENTO FÍSICO resistência aeróbia resultante da reprogramação de fibras
O desenvolvimento do músculo esquelético é orques- musculares com indução de predomínio de fibras do tipo
trado por redes evolutivamente conservadas de fatores de I, contração lenta e metabolismo oxidativo. Além disso, os
transcrição que regulam a expressão de genes envolvidos autores investigaram possíveis alvos desses miRNAs relacio-
no crescimento, diferenciação e contratilidade muscular.51 nadas ao controle de MHC-Iβ. Os achados mostram que os
Estudos recentes revelaram que, além de ativar os genes fatores de transcrição SOX6 (um membro da família SOX de
envolvidos na diferenciação e contração muscular, estes fatores de transcrição), PURβ (do inglês purine-rich negative
fatores de transcrição miogênico ativam a expressão de regulatory element) e SP3 são alvos dos miRNA-208b e -499
um conjunto de miRNAs com a função de “ajustar” a saída no músculo esquelético, e que animais dKO tem aumento
dessas redes de transcrição, resultando em respostas celu- na expressão desses fatores.55 Outros estudos também
lares precisas para os sinais de desenvolvimento, fisiologia e mostraram que SOX6, PURβ e SP3 inibem a expressão de
patologia. A integração destes pequenos RNAs no programa MHC-Iβ no músculo esquelético implicado na mudança do
transcricional muscular expande ainda mais a precisão e a perfil de fibras musculares.56 mcCarthy et al., 57 observaram
complexidade da regulação de genes nas células musculares, que a expressão dos miRNAs-208b e -499 foi reduzida em
uma vez que miRNAs são capazes de regular vários mRNAs animais com atrofia muscular em resposta a suspensão dos
e mRNAs podem ser alvo de muitos miRNAs.51 membros posteriores. Esta desregulação dos miRNAs foi
Os miRNAs-1, -133a e b, -206, -208b e -499 são específicos associada com o aumento da expressão de SOX6 e inibição
do músculo, denominados como myomiRs, e tem sido estudados na expressão de MHC-Iβ muscular.
por contribuírem para o desenvolvimento muscular. Curiosamente, A expressão de outros myomiRs também foi reportada em
estes miRNAs chegam a representar 25% dos miRNAs expres- resposta ao exercício. O aumento do miRNA-1 no músculo
sos no músculo esquelético; reconhecidos por controlarem o esquelético de camundongos após três horas de uma única
crescimento, a diferenciação e a contratilidade muscular.15,31,52,53 sessão de exercício físico aeróbio foi observado por SAFDAR
Estudos têm demostrado que a deleção de myomiRs em ca- et al. 58 Este aumento foi associado à redução na expressão
mundongo teve pouco impacto sobre o fenótipo muscular esque- do seu alvo histona deacetilase 4 (HDAC4), um repressor
lético.51,54 Como exemplo, a deleção do miRNA-206, específico transcricional da expressão gênica muscular, assim como

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA HIPERTENSIVA:
PAPEL TERAPÊUTICO DO TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO

pelo aumento dos fatores de regulação miogênica como desenvolvimento da IC, e que o TFA promove um papel
MyoD, e desse modo, promoveriam o remodelamento da fundamental como terapia não farmacológica para estes
lesão ocasionado pela sessão de treinamento.52,58 pacientes e que as terapias gênicas com miRNAs podem
Por outro lado, o efeito crônico do exercício levou a uma representar novas estratégias no combate ao desenvolvi-
diminuição na expressão do miRNA-1 associada à hipertrofia mento e/ ou progressão da IC, se faz necessário aprofundar
muscular em favorecimento à expressão de genes importantes os estudos para adquirir mais conhecimento sobre quais
no crescimento muscular, como, c-Met, HGF e IGF-I.59 Além miRNAs são induzidos pelo TFA e quais estão relacionados
disso, o treinamento resistido com a ingestão de aminoáci- à proteção do sistema cardiovascular. Mais importante
dos também diminuiu a expressão do miRNA-1 em homens esses estudos podem orientar os cientistas em futuras
jovens.60 O IGF-I é um alvo do miRNA-1, o que pode explicar, terapias gênicas para o tratamento da IC, uma vez que
em parte, o fenótipo hipertrófico durante as respostas iniciais estes pacientes ainda apresentam um prognóstico ruim em
de sobrecarga advindas do treinamento físico.59 longo prazo. Embora sejam diversas as evidências sobre
Recentemente, nosso grupo tem investigado os efeitos os benefícios do TFA na IC, não somente por promover
do TFA sobre as alterações vasculares e musculares es- importantes adaptações na função e estrutura cardíaca,
queléticas induzidas pela IC de etiologia hipertensiva.27,28 mas também na musculatura, melhorando a tolerância aos
Observamos uma redução no VO2 pico acompanhada de esforços físicos, a qualidade de vida e a mortalidade desses
atrofia do músculo sóleo em SHR com nove meses de idade pacientes; poucos estudos foram publicados investigan-
e fração de ejeção preservada. A função vascular da artéria do o efeito do TFA na expressão de miRNAs no músculo
femoral foi semelhante em SHR e controles, no entanto, a esquelético em DCV. Esclarecer o papel do TFA como um
relação parede / lúmen aumentou na artéria femoral e na regulador de miRNAs em modelos de atrofia e disfunção
arteríola muscular acompanhada de rarefação capilar. Em metabólica muscular pode trazer novas respostas no que
contraste, o TFA promoveu redução da pressão arterial em concerne aos mecanismos chave da função, trofismo e
animais treinados. Além disso, o TFA corrigiu a redução do regeneração muscular. Desse modo, a identificação de perfis
VO2 pico, a perda de massa muscular e o remodelamento de miRNAs específicos para determinada patologia e em
microvascular nos animais com IC de etiologia hipertensiva tecido específico abre perspectivas para estudos futuros,
em direção aos níveis de controle. O TFA reduziu a expressão utilizando miRNAs como biomarcadores de diagnóstico
de 8 miRNAs (-96, -205, -182, -146b-5p, -140, -328a, -665, -1) clínico e como agentes terapêuticos.
e aumentou a expressão de 3 (-499, -208b e -99b) em SHR trei-
nados quando comparado com SHR sedentários. (Figura 3) AGRADECIMENTOS
O estudo de bioinformática para análise funcional dos ge- Os pesquisadores foram apoiados pela Fundação de
nes-alvo previstos para os 11 miRNAs restaurados pelo TFA Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP 245
demonstrou enriquecimento de diferentes vias de sinalização, (2015/22814-5, 2015/17275-8 e 2017/24605-0), USP/PRP-
incluindo morte celular (valor de p <0,001) e desenvolvimento -NAPmiR, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
vascular (valor de p <0,001).27,28 Assim, alvos envolvidos na e Tecnológico- CNPq (307591/2009-3 e 15982/2011-6) e
angiogênese e integridade vascular pela via VEGF (fator de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
crescimento endotelial vascular) foram prejudicados na IC e Superior- Programas de Excelência Acadêmica (CAPES-
corrigidos pelo TFA. Os resultados corroboram a hipótese de -PROEX: 88887.484856/2020-00).
que as mudanças estruturais decorrentes da progressão da
HA podem ser reguladas por um conjunto de miRNAs e genes
alvo; e o TFA participa da restauração do remodelamento
vascular e muscular.
CONFLITOS DE INTERESSE
CONCLUSÃO Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
Considerando que a HA afeta bilhões de pessoas em na realização deste trabalho.
todo o mundo, sendo a principal patologia associada ao

Figura 3. Impacto do treinamento físico aeróbio nos miRNAs em animais com IC hipertensiva.27,28

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


REFERÊNCIAS
1. World Health Organization. NCD mortality and morbidity. WHO Insight and Pathophysiological Mechanisms. Physiol Rev.
[online] 2020 [cited 2020 may 16];1(1): [1 screen]. Available 2017; 97:1351–402.
from: http://www.who.int/gho/ncd/mortality_morbidity/en/. 20. Koch LG, Kemi OJ, Qi N, Leng SX, Bijma P, Gilligan LJ, et al.
2. Virani SS, Alonso A, Benjamin EJ, Bittencourt MS, Callaway Intrinsic Aerobic Capacity Sets a Divide for Aging and Longevity.
CW, Carson AP, et al. Heart Disease and Stroke Statistics-2020 Circ Res. 2011;109:1162–172.
Update: A Report From the American Heart Association. Cir- 21. Pahor M, Guralnik JM, Ambrosius WT, Blair S, Bonds DE, Church
culation. 2020;141:139–596. TS, et al. Effect of Structured Physical Activity on Prevention of
3. Malachias MVB, Souza WKSB, Plavnik FL, Rodrigues CIS, Major Mobility Disability in Older Adults: The LIFE Study Rando-
Brandão AA, Neves MFT, et al. 7a Diretriz de Brasileira de mized Clinical Trial. JAMA. 2014; 311: 2387–396.
Hipertensão Arterial. Arq Bras Cardiol. 2016;107: 1-83. 22. Mangner N, Weikert B, Bowen TS, Sandri M, Höllriegel R, Erbs
4. Barretto ACP, Ramires JAF. Insuficiência cardíaca. Arq Bras Cardiol. S, et al. Skeletal muscle alterations in chronic heart failure:
1998; 71: 635–42. differential effects on quadriceps and diaphragm. J Cachexia
5. Bozkurt B, Aguilar D, Deswal A,  Dunbar SB,  Francis GS,  Sarcopenia Muscle. 2015;6:381–90.
Horwich T, et al. Contributory Risk and Management of 23. Fernandes T, Hashimoto NY, Magalhães FC, Fernandes FB, Ca-
Comorbidities of Hypertension, Obesity, Diabetes Mellitus, sarini DE, Carmona AK, et al. Aerobic Exercise Training–Induced
Hyperlipidemia, and Metabolic Syndrome in Chronic Heart Left Ventricular Hypertrophy Involves Regulatory MicroRNAs,
Failure: A Scientific Statement From the American Heart As- Decreased Angiotensin-Converting Enzyme-Angiotensin II, and
sociation. Circulation. 2016;134: 535–78. Synergistic Regulation of Angiotensin-Converting Enzyme 2-An-
6. Yancy CW, Jessup M, Bozkurt B, Butler J,  Casey Jr DE,  Drazner giotensin (1-7). Hypertension. 2011;58: 182–89.
MH, et al. 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart 24. Soci UPR, Fernandes T, Barauna VG, Hashimoto NY, Mota GFA,
Failure: Executive Summary. Circulation. 2013;128: 1810–52. Rosa KT, et al. Epigenetic control of exercise training-induced
7. Florido R, Kwak L, Lazo M, Nambi V, Ahmed HM, Hegde SM, cardiac hypertrophy by miR-208. Clin Sci. 2016;130: 2005–015.
et al. Six-Year Changes in Physical Activity and the Risk of 25. Fernandes T, Magalhães FC, Roque FR, Phillips MI, Oliveria
Incident Heart Failure. Circulation. 2018; 137:2142–2151. EM. Exercise Training Prevents the Microvascular Rarefaction
8. O’Connor CM, Whellan DJ, Lee KL, Keteyian SJ, Cooper LS, Ellis in Hypertension Balancing Angiogenic and Apoptotic Factors.
SJ, et al. Efficacy and safety of exercise training in patients with Hypertension. 2012; 59: 513–20.
chronic heart failure: HF-ACTION randomized controlled trial. 26. Roque FR, Briones AM, García-Redondo AB, Galán M, Martí-
JAMA. 2009;301:1439–1450. nez- Revelles S, Avendaño MS, et al. Aerobic exercise reduces
9. Hambrecht R, Fiehn E, Yu J,  Niebauer J, Weigl C,  Hilbrich L, et oxidative stress and improves vascular changes of small me-
al. Effects of Endurance Training on Mitochondrial Ultrastructure senteric and coronary arteries in hypertension. Br J Pharmacol.
and Fiber Type Distribution in Skeletal Muscle of Patients With 2013;168:686–703.
Stable Chronic Heart Failure. J Am Coll Cardiol. 1997;29:1067–73. 27. Fernandes T, Roque FR, Neves VJ. Exercise normalizes vas-
10. Bacurau AVN, Jardim MA, Ferreira JCB, Bechara LRG, Bueno Jr cular changes in aging hypertension involving microRNAs
246 profile and target genes [abstract]. Hypertension. 2016;68: 219.
CR, Alba-Loureiro TC,et al. Sympathetic hyperactivity differentially
affects skeletal muscle mass in developing heart failure: role of 28. Fernandes T, Roque FR, Neves VJ. Exercise training prevents
exercise training. J Appl Physiol. 2009;106:1631–40. skeletal muscle atrophy and dysfunction in hypertension
11. Cunha TF, Bacurau AVN, Moreira JBN, Paixão NA, Campos JC, involving a set of microRNAs [abstract]. Med Sci Sports Exerc.
Ferreira JCB, et al. Exercise Training Prevents Oxidative Stress and 2016;48:1086.
Ubiquitin-Proteasome System Overactivity and Reverse Skeletal 29. Negrao CE, Middlekauff HR, Gomes-Santos IL, Antunes-Correa
Muscle Atrophy in Heart Failure. PLoS One. 2012;7:e41701. LM. Effects of exercise training on neurovascular control and
12. Brum PC, Bacurau AV, Cunha TF, Bechara LRG, Moreira JBN. skeletal myopathy in systolic heart failure. Am J Physiol Circ
Skeletal myopathy in heart failure: effects of aerobic exercise Physiol. 2015;308:792–802.
training. Exp Physiol. 2014;99:616–20. 30. Dawber TR, Meadors GF, Moore FEJ. Epidemiological approaches
13. Liu X, Platt C, Rosenzweig A. The Role of MicroRNAs in the to heart disease: the Framingham Study. Am J Public Health
Cardiac Response to Exercise, Cold Spring Harb Perspect Nations Health. 1951;41: 279–81.
Med. 2017;7: 1–19. 31. Messerli FH, Rimoldi SF, Bangalore S. The Transition From
14. Poller W, Dimmeler S, Heymans S, Zeller T, Haas J, Karakas M, Hypertension to Heart Failure: Contemporary Update. JACC
et al. Non-coding RNAs in cardiovascular diseases: diagnostic Hear Fail. 2017;5:543–51.
and therapeutic perspectives. Eur Heart J. 2017;39:2704–16. 32. Yamori Y. Development of the spontaneously hypertensive rat (SHR)
15. Gomes CPC, de Gonzalo-Calvo D, Toro R, Fernandes T, and of various spontaneous rat models, and their implications.
Theisen D, Wang DZ, et al. Non-coding RNAs and exercise: In: Jong W de, Birkenhager WH, Reid JL (eds) Handbook of
pathophysiological role and clinical application in the cardio- Hypertension: Experimental and Genetic Models of Hypertension.
vascular system. Clin Sci. 2018;132: 925–42. 4th ed. Amsterdam: Elsevier Science Publishers B.V. 1984; 224–39.
16. Ambros V. The functions of animal microRNAs. Nature. 2004;431: 33. Potts JT, McKeown KP, Shoukas AA. Reduction in arterial complian-
350–55. ce alters carotid baroreflex control of cardiac output in a model
of hypertension. Am J Physiol Circ Physiol. 1998;274: 1121–31.
17. Van Rooij E, Olson EN. MicroRNAs: powerful new regulators of
heart disease and provocative therapeutic targets. J Clin Invest. 34. Thomas CJ, Rankin AJ, Head GA,Woods RL. ANP Enhances
2007;117: 2369–76. Bradycardic Reflexes in Normotensive but Not Spontaneously
Hypertensive Rats. Hypertension.1997;29:1126–32.
18. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF,
Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and 35. Frohlich ED. The adrenergic nervous system and hypertension
treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force state of the art. Mayo Clin Proc. 1977;52:361–68.
for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart 36. Muders F, Elsne D. Animal Models of Chronic Heart Failure. Phar-
failure of the European Society of Cardiology (ESC) Developed macol Res. 2000;41:605–12.
with the special contribution of the Heart Failure Association 37. Bekfani T, Pellicori P, Morris DA, Ebner N, Valentova M, Stein-
(HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016; 37: 2129–200. beck L, et al. Sarcopenia in patients with heart failure with
19. Booth FW, Roberts CK, Thyfault JP, Ruegsegger GN, Toede- preserved ejection fraction: Impact on muscle strength, exer-
busch RG. Role of Inactivity in Chronic Diseases: Evolutionary cise capacity and quality of life. Int J Cardiol. 2016;222:41–6.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


MIOPATIA MUSCULAR ESQUELÉTICA INDUZIDA PELA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DE ETIOLOGIA HIPERTENSIVA:
PAPEL TERAPÊUTICO DO TREINAMENTO FÍSICO AERÓBIO

38. Mancini DM, Walter G, Reichek N, Lenkinski R, McCully KK,  50. Drummond MJ. MicroRNAs and exercise-induced skeletal muscle
Mullen JL, et al. Contribution of skeletal muscle atrophy to exer- adaptations. J Physiol. 2010; 588: 3849–50.
cise intolerance and altered muscle metabolism in heart failure. 51. Williams AH, Liu N, van Rooij E, Olson EN. MicroRNA control
Circulation. 1992;85:1364–73. of muscle development and disease. Curr Opin Cell Biol. 2009;
39. Middlekauff HR. Making the Case for Skeletal Myopathy as the 21: 461–69.
Major Limitation of Exercise Capacity in Heart Failure. Circ Hear
52. Chen JF, Tao Y, Li J, Deng Z, Yan Z, Xiao X, et al. MicroRNA-1 and
Fail. 2010;3:537–46.
microRNA-206 regulate skeletal muscle satellite cell proliferation
40. Von Haehling S. Muscle wasting and sarcopenia in heart and differentiation by repressing Pax7. J Cell Biol. 2010;190:
failure: a brief overview of the current literature. ESC Hear 867–79.
Fail. 2018;5:1074–82.
53. Chen JF, Mandel EM, Thomson JM, Wu Q, Callis TE, Ham-
41. Bueno CR, Ferreira JCB, Pereira MG, Bacurau AVN, Brum PC. mond SM, et al. The role of microRNA-1 and microRNA-133
Aerobic exercise training improves skeletal muscle function and in skeletal muscle proliferation and differentiation. Nat Genet.
Ca2+ handling-related protein expression in sympathetic hype-
2006;38:228–233.
ractivity-induced heart failure. J Appl Physiol. 2010;109: 702–09.
54. Callis TE, Chen JF, Wang D-Z. MicroRNAs in Skeletal and Cardiac
42. Bortolotto SK, Stephenson DG, Stephenson GMM. Fiber type
Muscle Development. DNA Cell Biol. 2007;26:219–25.
populations and Ca2+-activation properties of single fibers in
soleus muscles from SHR and WKY rats. Am J Physiol Physiol. 55. Van Rooij E, Quiat D, Johnson BA, Sutherland LB, Qi X, Richard-
1999;276:628–37. son JA, et al. A family of microRNAs Encoded by Myosin Genes
43. Carvalho RF, Cicogna AC, Campos GER, Assis JMF, Padovani Governs Myosin Expression and Muscle Performance. Dev Cell.
CR, Okoshi MP, et al. Myosin heavy chain expression and atrophy 2009;17:662–73.
in rat skeletal muscle during transition from cardiac hypertrophy 56. Hagiwara N, Yeh M, Liu A. Sox6 is required for normal fiber type
to heart failure. Int J Exp Pathol. 2003;84:201–06. differentiation of fetal skeletal muscle in mice. Dev Dyn. 2007;
44. Damatto RL, Martinez PF, Lima ARR, Cezar MDM, Campos DHS, 236:2062–76.
Oliveira Junior SA, et al. Heart failure-induced skeletal myopathy in 57. McCarthy JJ, Esser KA, Peterson CA, Dupont-Versteegden
spontaneously hypertensive rats. Int J Cardiol. 2013;167: 698–703. EE. Evidence of MyomiR network regulation of β-myosin heavy
45. Wang M, Yip GWK, Wang AYM, Zhang Yan, Ho PY, Tse MK, et al. chain gene expression during skeletal muscle atrophy. Physiol
Tissue Doppler imaging provides incremental prognostic value in Genomics. 2009; 39: 219–26.
patients with systemic hypertension and left ventricular hypertrophy. 58. Safdar A, Abadi A, Akhtar M, Hettinga BP, Tarnopolsky MA. miRNA
J Hypertens. 2005;23:183–91. in the regulation of skeletal muscle adaptation to acute endurance
46. Hartmann D, Thum T. MicroRNAs and vascular (dys)function. exercise in C57Bl/6J male mice. PLoS One. 2009; 4:e5610.
Vascul Pharmacol. 2011;55: 92–105. 59. McCarthy JJ, Esser KA. MicroRNA-1 and microRNA-133a expres-
47. Kozomara A, Birgaoanu M, Griffiths-Jones S. miRBase: from sion are decreased during skeletal muscle hypertrophy. J Appl
microRNA sequences to function. Nucleic Acids Res. 2018;47: Physiol. 2007;102: 306–13.
D155–D162. 247
60. Drummond MJ, McCarthy JJ, Fry CS, Esser KA, Rasmussen
48. Kim VN. MicroRNA biogenesis: coordinated cropping and dicing. BB. Aging differentially affects human skeletal muscle microRNA
Nat Rev Mol Cell Biol. 2005; 6: 376–85. expression at rest and after an anabolic stimulus of resistan-
49. Brennecke J, Stark A, Russell RB,Cohen SM. Principles of MicroR- ce exercise and essential amino acids. Am J Physiol Metab.
NA–Target Recognition. PLOS Biol. 2005;3: 404–18. 2008;295:1333–40.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):239-47


REVISÃO/REVIEW

PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA


INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
NONPHARMACOLOGICAL PRACTICES IN THE MANAGEMENT OF HEART FAILURE
Mayara Rocha Siqueira RESUMO
Sudré1,2 A insuficiência cardíaca é uma síndrome clínica grave, crônica e progressiva induzida
Ana Carolina Queiroz por anormalidades cardíacas estruturais ou funcionais, responsável por elevado número de
Daniel1,2
hospitalizações, altas taxas de mortalidade, morbidade e redução da qualidade de vida.
Graciano Almeida Sudré3
Seu tratamento envolve o uso de medicamentos e de abordagens não farmacológicas
Suellen Rodrigues de
que auxiliam os pacientes a lidarem melhor com a doença. O objetivo deste estudo foi
Oliveira Maier1,2
identificar e analisar artigos científicos publicados nos últimos cinco anos sobre as práticas
Eugenia Velludo Veiga2,4,5
não farmacológicas no manejo da insuficiência cardíaca. Para isso, foi realizada uma
1. Universidade de São Paulo. Escola revisão narrativa da literatura nas bases de dados EBSCO, CINAHL, Embase, PubMed,
de Enfermagem de Ribeirão Preto. Cochrane, Web of Science e LILACS, por meio dos descritores “heart failure”, “nursing
Programa de Pós-graduação em
Enfermagem Fundamental. Ribeirão care” e “quality of life”. Foram incluídos vinte estudos que abordaram temas relacionados
Preto, SP, Brasil. às medidas de educação em saúde com auxílio de tecnologia e aplicativos, prática
2. Grupo Interdisciplinar de Pesquisa
em Hipertensão Arterial (GIPHA). avançada de enfermagem, psicointervenções, espiritualidade e religiosidade, terapia
Ribeirão Preto, SP, Brasil.
3. Universidade de São Paulo. Escola
cognitivo-comportamental e cuidados paliativos específicos para portadores de insuficiência
de Enfermagem de Ribeirão Preto. cardíaca. O manejo não farmacológico da insuficiência cardíaca envolve uma rede multi
Programa de Pós-graduação em
Enfermagem em Saúde Pública.
e interdisciplinar de cuidados, além de diferentes intervenções que visam promover a
Ribeirão Preto, SP, Brasil.  qualidade de vida desses pacientes.
4. Universidade de São Paulo. Escola
de Enfermagem de Ribeirão Preto.
Departamento de Enfermagem Descritores: Insuficiência Cardíaca; Enfermagem; Qualidade de Vida.
248 Geral e Especializada da Escola de
Enfermagem. Ribeirão Preto,
SP, Brasil.
5. Departamento de Enfermagem da
ABSTRACT
Sociedade de Cardiologia do Estado Heart failure is a severe, chronic and progressive clinical syndrome induced by structural
de São Paulo- SOCESP. São Paulo,
SP, Brasil. or functional cardiac abnormalities responsible for a high number of hospitalizations, high
mortality rates, morbidity and reduced quality of life. Its treatment involves medications and
Correspondência
Mayara Rocha Siqueira Sudré. non-pharmacological approaches that help patients to cope better with the disease. The
Avenida dos Bandeirantes, 3900.
Campus Universitário - Bairro Monte
aim of this study was to identify and analyze scientific articles published in the last five years
Alegre, Ribeirão Preto - SP – Brasil, on non-pharmacological practices in the management of heart failure. For this, a narrative
CEP: 14040-902. maysrocha@usp.br.
review of the literature was carried out in the databases EBSCO, CINAHL, Embase, PubMed,
Cochrane, Web of Science and LILACS, using the descriptors “heart failure”, “nursing care”
and “quality of life.” It included twenty studies that addressed topics related to health edu-
Acesse o cation measures with the aid of technology and applications, advanced nursing practice,
Podcast psychointerventions, spirituality and religiosity, cognitive behavioral therapy and specific
palliative care for patients with heart failure. Non-pharmacological management of heart
failure involves a multi and interdisciplinary care network, in addition to different interventions
aimed at promoting the quality of life of these patients.

Descriptors: Heart Failure; Nursing; Quality of Life.

INTRODUÇÃO A IC é a via final de cardiopatias de forma indevida, com


A insuficiência cardíaca (IC) é uma complexa síndrome alto risco de mortalidade, altas taxas de hospitalização2 e um
clínica, causada por alterações estruturais ou funcionais fardo econômico oneroso aos pacientes, suas famílias e ao
cardíacas, na qual o coração é incapaz de bombear sangue sistema de saúde. Mais de 40% dos pacientes portadores de
de forma adequada para atender às necessidades metabó- IC morrem dentro de um ano após a primeira hospitalização.3,4
licas tissulares corporais. Afeta 2% da população de países Apesar dos recentes avanços no tratamento da IC, a
desenvolvidos e sua prevalência aumenta aproximadamente maioria dos pacientes apresenta sintomas debilitantes a longo
1% naqueles com idade entre 55 e 64 anos e até 17% em prazo,5 tais como falta de ar, dor no peito, fadiga, falta de
idosos com idade maior ou igual a 85 anos.1 energia, distúrbios do sono e comprometimento cognitivo.6,7

http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002248-56 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Além disso, podem ter significativo comprometimento da Todos os artigos foram disponibilizados em inglês, 25%
qualidade de vida (QV) e experimentar sintomas associados foram publicados no ano de 2018 e 2019, 15% no ano de
à angústia psicológica, ansiedade, depressão, isolamento 2017 e 2020, e 10% no ano 2015 e 2016 cada. Dentre os
social e medo da morte.8,9 locais de publicação, houve destaque para Ásia e a América
Uma meta importante do tratamento da IC é preservar ou do Norte com 40% das publicações cada, seguido do con-
melhorar a QV, controlar os sintomas associados à doença e tinente Europeu com 15% e o continente Africano com 5%
promover atividades de vida útil. As medidas não farmacoló- das publicações. Quanto ao método, 83,3% eram ensaios
gicas podem favorecer o entendimento do paciente sobre o clínicos randomizados, sendo os demais em estudos quase
processo saúde-doença, a adaptação nas atividades da vida experimentais (16,7%).
diária, a melhora às medidas farmacológicas, assim como o Após a leitura e análise, os dados foram sintetizados e
desempenho físico e mental no manejo da IC.10-13 distribuídos em cinco categorias: 1) Uso da educação em
Nesta perspectiva, surgiu a seguinte questão norteadora saúde no manejo da IC (conversas terapêuticas, entrevis-
para este estudo: Quais práticas não farmacológicas vêm tas motivacionais, diálogo entre pacientes e enfermeiros);
sendo realizadas para auxiliar no manejo da IC? 2) Educação em saúde com auxílio da tecnologia (Teleenfer-
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar magem, telemonitoramento, telefonemas, SMS, aplicativos
e analisar artigos científicos publicados nos últimos cinco educacionais interativos); 3) Gestão do cuidado e as Práticas
anos sobre as práticas não farmacológicas no manejo da Avançadas de Enfermagem; 4) Psicointervenções (espiri-
insuficiência cardíaca. tualidade, religiosidade, terapia cognitivo comportamental);
5) Cuidados Paliativos para IC.
MATERIAL E MÉTODO
Categoria 1: Uso da educação em saúde no
Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, que possui
manejo da IC
a finalidade de reunir conhecimentos sobre determinado
assunto, além de sintetizar e resumir publicações científicas, A partir da descrição dos resultados e categorização
proporcionando aos leitores a compreensão atual sobre a proposta no método foram destacados sete estudos para a
temática sob o ponto de vista teórico ou contextual.14 análise do aspecto educacional no que concerne ao manejo
O levantamento dos artigos científicos foi realizado nas não farmacológico da IC. (Tabela 1)
bases de dados EBSCO, CINAHL, EMBASE, PUBMED, CO- Cada vez mais estudos tem abordado a importância da
CHRANE, WEB OF SCIENCE e LILACS, a partir da seguinte educação em saúde no manejo de doenças crônicas, o que
questão norteadora: Quais práticas não farmacológicas vêm favorece o autocuidado e as pesquisas demonstram que
sendo realizadas para auxiliar no manejo da IC? as orientações realizadas pelos enfermeiros são práticas
frequentes para pacientes com IC, tanto no ambiente hospi-
249
O acesso às bases de dados ocorreu entre os dias 01 e
talar, desde a internação no momento da admissão até a alta
04 de maio de 2020. Os descritores “heart failure”, “nursing
oferecendo orientações ao paciente e familiares, assim como
care” e “quality of life” foram utilizados para o levantamento
nas visitas domiciliares auxiliando e favorecendo a adesão
dos artigos e selecionados de acordo com os Descritores
ao tratamento não farmacológico para IC.16,17
em Ciências da Saúde (DECS) e no Medical Subject Heading
Um ensaio clínico randomizado (ECR) dinamarquês com
(MeSH). Foram incluídos trabalhos publicados entre os anos
o objetivo de verificar o efeito das conversas terapêuticas
de 2015 a 2020, disponíveis em bases eletrônicas de aces-
de enfermagem nas questões relacionadas à saúde, QV,
so público, com acesso gratuito e na íntegra, nos idiomas
autocuidado e depressão em 347 pacientes, mostrou eficácia
português e inglês. Artigos de revisão, teses, dissertações,
da terapêutica na melhora da QV, autocuidado e depressão.
editoriais, debates e resenhas foram excluídos do estudo.
Todavia, os autores enfatizaram que a intervenção reduziu o
Após aplicados os critérios de exclusão, foram realizadas
número de casos novos de hospitalização por IC.18
leituras dos títulos e resumos dos artigos a fim de refiná-los
Um estudo chinês para avaliar o efeito de uma inter-
para a composição final da amostra. Foram excluídos os
venção de enfermagem embasada em teorias de mudança
artigos duplicados e aqueles que não se relacionavam à
comportamental com relação a autoeficácia e autogestão,
temática. Visando a descrição do processo de busca, utili-
dividiu 86 pacientes com IC em grupo controle e grupo
zou-se o fluxograma Preferred Reporting Items for Systematic
intervenção, sendo que este último recebeu a educação
Review and Meta-Analyses (PRISMA) de forma adaptada neste
em saúde com base em teorias de mudança compor-
estudo, para a nortear a seleção dos estudos15. (Figura 1)
tamental aliada à intervenção de enfermagem rotineira,
Posteriormente os vinte artigos selecionados foram lidos
pautada no conhecimento da doença, autogestão diária,
na íntegra, analisados quanto ao ano, objetivos, metodologias, orientações e exercícios físicos. Os resultados mostraram
resultados e conclusão. Foram organizados em quadros de que a educação em saúde baseada em teorias de mu-
acordo com a temática principal abordada por categoria e dança comportamental pôde aliviar os sintomas de IC,
distribuídos segundo título, ano, objetivo e aspectos-chave. melhorar o nível de autoeficácia, capacidade de autoge-
renciamento e satisfação do paciente, de modo a refletir
RESULTADOS E DISCUSSÃO a melhora da QV dos pacientes do grupo intervenção
Buscando responder à pergunta norteadora do presente após oito semanas.19
estudo: quais práticas não farmacológicas vêm sendo reali- Quanto maior índice de conhecimento do paciente sobre
zadas para auxiliar no manejo da IC, um total de 20 artigos a IC melhor será a adesão ao tratamento medicamentoso e
foram incluídos no estudo e analisados na íntegra. o manejo não farmacológico. Deste modo, a baixa literária

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


Estudo identificados nas bases
de dados
Identificação

WEB OF
EBSCO CINAHL EMBASE PUBMED COCHRANE LILACS
SCIENCE
131 37 769 218 398 03
109
Resultados Resultados Resultados Resultados Resultados Resultados
Resultados

Duplicatas removidas
(N = 206 artigos)
Triagem

Resultados encontrados sem


filtros Resultados excluídos no precesso
(N = 1.459 resultados) de pré-seleção após a aplicação
dos critérios de exclusão/leitura de
títulos e resumos (N = 1369 artigos)

Os resultados não possuíam


os critérios de inclusão
pré-estabelecidos
Artigos selecionados para a
250 leitura completa
(N = 90 artigos)
Inclusão

Artigos excluídos no processo de


leitura completa após a aplicação
dos critérios de exclusão
(N = 70 artigos)

Os resultados não possuíam


Artigos selecionados para o os critérios de inclusão
estudo pré-estabelecidos
(N = 20 artigos)

Fonte: Dados da pesquisa. 2020.

Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos. Ribeirão Preto (SP), Brasil, 2020.

(conhecimento insuficiente) sobre a doença pode ser com baixo conhecimento, como a utilização de vocabulário
relacionada com maior índice de mortalidade e internações adequado aos níveis de conhecimento, comunicação visual
hospitalares por descompensação da IC.20 e feedback contínuo.22
O enfermeiro possui importante papel nesse contexto,
pois, por meio de estratégias educativas, pode estabele- Categoria 2: Educação e abordagens em saúde
cer intervenções adequadas ao tratamento, favorecendo com auxílio da tecnologia
a compreensão da doença, maior adesão terapêutica e A educação em saúde realizada por meio de tecnologias
autocuidado em relação à IC.17 O principal objetivo da edu- foi abordada por seis estudos como uma alternativa no manejo
cação em saúde ao paciente com IC é que ele compreenda a não farmacológico da IC. (Tabela 2).
importância da adesão ao tratamento e os sinais e sintomas Atividades como telefonemas, mensagens de texto por
da descompensação.21 SMS, telemonitoramento, teleenfermagem, suporte telefônico
Portanto a educação em saúde pode impactar de ma- e uso de aplicativos interativos para acompanhamento de
neira positiva à adesão ao tratamento da IC para pacientes sintomas surgiram como medidas que favoreceram a redução

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Tabela 1. Distribuição dos artigos que abordaram o uso da educação em saúde no manejo da insuficiência cardíaca, segundo título,
autores, ano, objetivo e aspectos-chave, 2020.
Categoria 1: uso da educação em saúde no manejo da IC
Título, autores e ano Objetivo Aspectos-chave
The effect on patient outcomes of a
O programa de assistência educacional
nursing care and follow-up program Investigar os efeitos de um programa de assistência
de enfermagem foi recomendado para
for patients with heart failure: A educacional de enfermagem sobre fadiga e
aliviar a fadiga e melhorar a qualidade
randomized controlled trial  qualidade de vida em pacientes com insuficiência
de vida em pacientes com insuficiência
Sezgin D, Mert H, Ozpelit E, Akdeniz B cardíaca
cardíaca. 
Ano: 2017
Effect of family nursing therapeutic
conversations on health-related
quality of life, self-care and
Avaliar os efeitos a curto prazo (três meses) Abordar o impacto da IC na família,
depression among outpatients with
das conversas terapêuticas de enfermagem pode melhorar a auto-eficácia,
heart failure: A randomized multi-
da família na qualidade de vida relacionada à limitação social e carga de sintomas em
centre trial
saúde, autocuidado e depressão em pacientes pacientes com insuficiência cardíaca.
Ostergaard B, Mahrer-Imhof R,
ambulatoriais com insuficiência cardíaca (IC).
Wagner L, Barington T, Videbæk L,
Lauridsen J
Ano: 2018
Effect of Health Education Based
on Behavioral Change Theories on A educação em saúde baseada em
Explorar o efeito da educação em
Self-Efficacy and Self-Management teorias de mudança comportamental
saúde e do modelo de intervenção
Behaviors in Patients with Chronic pode aliviar os sintomas de ICC e
de enfermagem baseado em teorias de mudança
Heart Failure melhorar o nível de autoeficácia,
comportamental sobre comportamentos de
Yu H, Zhang P, Wang X, Wang Y, capacidade de autogerenciamento e
autoeficácia e autogestão em pacientes com ICC 
Zhang B satisfação do paciente.
Ano: 2019
Os pacientes que receberam a
intervenção de entrevista motivacional
tiveram significante e clinicamente 251
Motivational interviewing to
significativa melhorias na manutenção
improve self-care for patients
Testar a eficácia de uma entrevista motivacional sob do autocuidado da IC em mais de 90
with chronic heart failure: MITI-HF
medida intervenção versus cuidados usuais para dias;
randomized controlled trial
melhorar os comportamentos de autocuidado da
Masterson Creber R, Patey M, Lee
IC, sintomas físicos da IC e qualidade da vida. Implicações da prática: Esses dados
CS, Kuan A, Jurgens C, Riegel B
apoiam o uso de uma intervenção
Ano: 2016
de Entrevista motivacional liderada
por uma enfermeira para melhorar o
autocuidado da IC.
Os diálogos entre enfermeiros e
Dialogues between nurses, patients Descrever a documentação dos enfermeiros sobre o pacientes com IC descreveram que,
with heart failure and their partners conteúdo em uma intervenção psicoeducacional durante as sessões, adquiriram maior
during a dyadic psychoeducational inspirada no modelo de Stuifbergen, abordando conhecimento e maior confiança
intervention: a qualitative study as necessidades cognitivas, de suporte e para lidar com a situação da vida e
Maria L, Susanna A, Tiny J, Anna S comportamentais das díades parceiro-paciente expressaram que precisavam de apoio
Ano: 2017 afetadas por IC  psicoeducacional durante toda a
trajetória da doença.
Usefulness of a Nurse-Led Program Determinar se um programa de cuidados
of Care for Management of Patients conduzido por enfermeiros pode melhorar a adesão Mostrou-se uma abordagem
with Chronic Heart Failure à medicação, qualidade de vida (QV), as taxas de re- econômica e viável para o
You J, Wang S, Li J, Luo Y. hospitalização e mortalidade por qualquer causa manejo de pacientes com IC na China.
Ano: 2020 em pacientes com IC
Application of self-care based on
full-course individualized health
A intervenção com base em
education in patients with chronic Investigar a aplicação do autocuidado com base em
autocuidado e educação em saúde
heart failure and its influencing estudos individualizados educação em saúde e seus
melhorou o comportamento de
factors fatores de influência em pacientes com doenças
autocuidado e a função cardíaca em
Jing S, Zhi-Wei Z, Yue-Xian M, Wei crônicas insuficiência cardíaca (ICC).
pacientes com ICC.
L, Chun-Ying W
Ano: 2019

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


Tabela 2. Distribuição dos artigos que abordaram a educação e as abordagens em saúde com auxílio da tecnologia, segundo título,
autores, ano, objetivo e aspectos-chave, 2020.
Categoria 2: educação e abordagens em saúde com auxílio da tecnologia
Título, autores e ano Objetivo Aspectos-chave
Pilot Randomized Controlled Trial Houve melhoria na satisfação do paciente
Avaliar se a adição de uma nova
to Reduce Readmission for Heart com IC em medida de educação em saúde
aplicação de educação do profissional
Failure Using Novel Tablet and Nurse com uso do tablet. A combinação de
de enfermagem por meio do tablet foi
Practitioner Education.  educação inovadora em tablet e educação
superior à educação em enfermagem na
Breathett K, Maffett S, Foraker individual de enfermeiro pode reduzir as
redução da readmissão em 30 dias após
RE, Sturdivant R, Moon K, Hasan A et al.  taxas de readmissão hospitalar e melhorar a
hospitalização por IC.
Ano: 2018 satisfação e a educação do paciente.
Effectiveness of Remote Patient
Entre os pacientes internados por IC,
Monitoring After Discharge of
receberam  telefonemas de treinamento
Hospitalized Patients With Heart Failure Avaliar a eficácia de uma intervenção
em saúde e telemonitoramento. O
The Better Effectiveness After  Transition– de transição de cuidados usando
telemonitoramento usou equipamentos
Heart Failure (BEATHF) Randomized monitoramento de pacientes na redução
eletrônicos que coletavam informações
Clinical Trial de readmissões por todas as causas por
diárias sobre pressão arterial, freqüência
Ong MK, Romano PS, Edgington 180 dias entre uma ampla população de
cardíaca, sintomas e peso.
S, Aronow HU, Auerbach AD, Black JT, et idosos hospitalizados com IC.
Treinar telefonemas e telemonitoramento
al.
reduziu as readmissões de 180 dias.
Ano: 2016
Nurse-Led Collaborative Management
Avaliar se um sistema de
Using Telemonitoring Improves
telemonitoramento, por meio de
Quality of Life and Prevention of O estudo concluiu que o telemonitoramento,
gerenciamento colaborativo e
Rehospitalization in Patients with Heart por meio de gerenciamento colaborativo e
comunicação interativa melhora o status
Failure comunicação interativa tem potencial para
psicossocial e impede a reinternação em
Mizukawa M, Moriyama M, Yamamoto melhorar o status psicossocial em pacientes
pacientes com IC em comparação com
H, Rahman MM, Naka M, Kitagawa com IC e impedir a reinternação por IC.
a educação de autogestão e cuidados
T, et al.
habituais.
Ano: 2019
A Smartphone App for Self- Determinar a viabilidade do uso de
Management of Heart Failure in Older um aplicativo “mHealth” e explorar os Um aplicativo “mHealth” para auxiliar no
252 African Americans: Feasibility and resultados da QV, incluindo manutenção, autogerenciamento da IC é viável em
Usability Study gerenciamento e confiança pacientes com baixa alfabetização, baixa
Sue P, Sara BD, Swann AA, Pearman de autocuidado , entre pacientes afro- alfabetização em saúde e experiência limitada
DP,  Hongtu C, Sue Lf, et al. americanos que gerenciam sua condição em smartphones. 
Ano: 2020 após a alta com um diagnóstico de IC
Structured Telephone Support
Avaliar os efeitos do suporte telefônico
Intervention: Improved Heart Failure A implementação de STS e SMS serviu como
estruturado e SMS no autocuidado,
Outcomes opções viáveis para
​​ melhorar o autocuidado,
conhecimento, adesão a medicamentos e
Johansson M, Athilingam P. adesão, e QV de pacientes com IC. 
QV de pacientes com IC.
Ano: 2020
Effects of a person-centred telephone
support on fatigue in people with O atendimento centrado na pessoa na
chronic heart failure: Subgroup Avaliar os efeitos do atendimento centrado forma de suporte telefônico estruturado
analysis of a randomised controlled na pessoa na forma de suporte telefônico mostrou-se promissor no apoio a pacientes
trial estruturado sobre a fadiga auto-relatados com ICC em sua reabilitação; melhorou
Wallström S, Ali L, Ekman I, Swedberg em pacientes com ICC a qualidade relacionada à saúde de vida e
K, Fors A. reduziu eventos adversos.
Ano: 2019
Fonte: dados da pesquisa 2020.

em dias de internações, consequente diminuição dos custos O uso de tablets, por exemplo, pode ser capaz de reduzir
com os serviços de saúde, melhoria do conhecimento sobre os dias de internação por complicações de IC, melhorar a
IC, melhoria no comportamento de autocuidado e QV dos QV e a função física relacionada à IC. Já o uso do telemo-
portadores de IC.23,24 nitoramento em domicílio pode proporcionar aumento dos
Os aplicativos de saúde para smartphones estão sendo
cuidados de saúde e satisfação do cliente durante e após
cada vez mais usados ​​para auxiliar pacientes no autoge-
contatos telefônicos realizados por enfermeiros.26
renciamento de doenças crônicas. O uso destes aplicativos
tem atraído interesse considerável de pacientes e gestores Um número crescente de pacientes com insuficiência
de saúde como forma de promover um autogerenciamento cardíaca crônica (ICC) que vive em áreas remotas, longe dos
mais eficaz de doenças crônicas, proporcionando melhores grandes centros, tem exigido o desenvolvimento de sistemas
resultados para a saúde.25 de atendimento eficazes e convenientes. Os modelos de

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

telessaúde abarcam esta ideia e são capazes de aproximar (caseload), autonomia para referenciar e contrareferenciar
o paciente do profissional de saúde por atendimento virtual.27 usuários com doenças indiferenciadas e/ou condições
Em um estudo realizado em Montreal no Canadá, usando crônicas estabelecidas. Essas atividades requerem amplo
um aplicativo denominado “CardioHF”, um dispositivo móvel debate no contexto nacional, visto que no Brasil ainda existe
disponível por meio de uma plataforma de comunicação com a necessidade de amparo jurídico e formativo que viabilize a
inteligência artificial, quantificou pacientes com IC de maneira licença, certificação e registro para que o profissional possa
eficiente e precisa, de acordo com a gravidade dos sintomas, desempenhar essas atividades clínicas.30
o que melhorou a QV, adesão a medicamentos, autogestão Dentre essas atividades, no contexto da IC, torna-se
e reduziu hospitalizações por complicações de IC.28 imprescindível que o enfermeiro seja o primeiro ponto de
Outro estudo que teve como objetivo identificar aplicativos referência e se responsabilize por um conjunto de indivíduos
de IC e avaliar se eles cumpriam os critérios para o auto- com essa condição.31
cuidado mostrou a deficiência dessa tecnologia no ensino Em um estudo realizado em um hospital Tailandês, con-
de idosos. Dos 74 aplicativos avaliados, apenas 21 foram cluiu que os participantes com IC que receberam um progra-
listados como sendo específicos para IC e autocuidado.29 ma de cuidados continuados conduzidos por prática avan-
No Brasil, intervenções baseadas em tecnologias digitais, çada de enfermagem obtiveram resultados estatisticamente
como uso de aplicativos, telemonitoramento e atenção básica melhores, referente ao estado funcional e a QV, melhoria nos
via ligações telefônicas, têm sido apontadas como estratégias cuidados de maneira geral, redução da sintomatologia. O
úteis para acompanhar a adesão do paciente ao tratamento estudo comprovou também aumento significativamente maior
e ao autocuidado como uma abordagem de tratamento não da satisfação do paciente com os cuidados de enfermagem
farmacológica dentro dos programas multidisciplinares de
no grupo de intervenção e redução do tempo de hospitali-
cuidados aos pacientes com IC.1
zação e custos com a internação.32
Categoria 3: Gestão do Cuidado e as Práticas No manejo da IC requer do enfermeiro, não só a apro-
priação dos aspectos biológicos que interferem no cuidado,
Avançadas de Enfermagem
como: fisiopatologia, mecanismo de ação dos medicamentos
A gestão do cuidado e as práticas avançadas de enfer- e curso natural da doença,31 Requer também o domínio
magem foram identificadas em um único estudo conforme dos aspectos psicossociais que permeiam o contexto dos
a Tabela 3. indivíduos acometidos e suas famílias, além da apropriação
As práticas avançadas de enfermagem surgem como dos mecanismos de regulação presentes na rede de atenção
novas possibilidades ao cuidado de enfermagem prestado
à essa condição crônica.
ao paciente com IC. A aplicação dessa metodologia requer
A prática avançada de enfermagem deve permear por
o desenvolvimento de competências de gestão do cuidado 253
aquisição de competências relacionadas à prática clínica;
que aperfeiçoem a condução de projetos terapêuticos e
formação; pesquisa e desenvolvimento profissional e or-
assistenciais. Para tal, o enfermeiro deve apresentar habili-
ganizacional.33 Estratégias que reafirmam a necessidade
dades cognitivas, psicomotoras e atitudinais que possibilitem
de investimentos para a aquisição das habilidades para
a autonomia do cuidado, a tomada de decisão e a corres-
o desenvolvimento de ações de enfermagem que visam
ponsabilidade com a equipe multiprofissional no processo
o manejo de condições complexas, como no caso da IC.
de avaliação, diagnóstico, prescrição e implementação de
ações e planos assistenciais.30
Categoria 4: Psicointervenções, espiritualidade e
Para o desenvolvimento das práticas avançadas de en-
fermagem é necessário a implementação de sete atividades
religiosidade, terapia cognitivo comportamental
clínicas, que não estão usualmente relacionadas com aquelas Cinco estudos apontaram as seções de relaxamento
já existentes, específicas da prática cotidiana da enfermagem, muscular, uso de sons da natureza, práticas voltadas para
estas atividades incluem: a autonomia para prescrever (exceto o fortalecimento da espiritualidade e religiosidade assim
a prescrição de medicamentos ou dispositivos de venda livre), como o uso da terapia cognitivo comportamental (TCC)
autonomia para solicitar exames médicos e dispositivos, como práticas não farmacológicas que auxiliaram na redução
autonomia para realizar diagnóstico ou avaliação avançada dos dias de internação hospitalar, melhora nos sintomas de
na saúde, autonomia para indicar tratamentos médicos e fadiga, na forma de lidar com a IC, aceitação da condição e
terapias, responsabilidade sobre um conjunto de usuários promoção da QV. (Tabela 4)

Tabela 3. Distribuição do artigo que aborda a gestão do cuidado e as práticas avançadas de enfermagem, segundo título, autores, ano,
objetivo e aspectos-chave, 2020.
Categoria 3: gestão do cuidado e as práticas avançadas de enfermagem
Título, autores e ano Objetivo Aspectos-chave
Outcomes of an Advanced Practice
Nurse-Led Continuing Care Program in
Comparar os resultados de pessoas com IC O Programa de Cuidados Continuados
People with Heart Failure
que receberam o Programa de Cuidados Conduzidos por Enfermeiros de Prática
Continuados, liderado por enfermeiros de Avançada foi promissor para melhorar
Jittawadee R, Porntip M, Supreeda M,
prática avançada e aqueles que receberam os os resultados de cuidados baseados na
Kathleen M, Chukiat V, Srun K
cuidados habituais população para pessoas com IC.
Ano: 2019
Fonte: dados da pesquisa 2020.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


Tabela 4. Distribuição dos artigos que abordaram psicointervenções, espiritualidade e religiosidade e terapia cognitivo comportamental,
segundo título, autores, ano, objetivo e aspectos-chave, 2020.
Categoria 4: psicointervenções, espiritualidade e religiosidade, terapia cognitivo comportamental
Título, autores e ano Objetivo Aspectos-chave
Effect of a Collaborative Care
Intervention vs Usual Care on Health
Status of Patients With Chronic Determinar se um sistema de
Heart Failure: The CASA Randomized atendimento psicossocial colaborativo de
A intervenção não demonstrou melhora do estado
Clinical Trial intervenção melhora o estado de saúde
de saúde específico da IC.
Bekelman DB, Allen LA, McBryde CF, específico da IC, depressão e carga de
Hattler B, Fairclough DL, Havranek sintomas em pacientes com IC.
EP, Turvey C, Meek PM.
Ano: 2018
Application of Transitional Care Investigar o efeito de transição de Houve melhora nos resultados do paciente com IC
Model in Patients with Chronic cuidados na qualidade de vida e da família, redução dos custos de hospitalização
Heart Disease: A Case-Controlled de pacientes com para pacientes com doença cardíaca crônica
Intervention Study doença cardíaca crônica nas e constatação da importância dos cuidados
Rafat Rezapour-Nasrabad dimensões física, emocional-espiritual e nas dimensões física, emocional-espiritual 
Ano: 2018 socioeconômicos.  no atendimento domiciliar.
Cognitive Behavior Therapy for Intervenção de TCC direcionada à depressão e
Depression and Self-Care in Heart autocuidado para IC é eficaz para a depressão,
Determinar a eficácia de uma
Failure Patients: A Randomized mas não para o autocuidado da IC ou o
intervenção de terapia cognitivo-
Clinical Trial funcionamento físico em relação à melhora dos
comportamental integrativa na
Freedland KE, Carney RM, Rich cuidados usuais. Houve redução da ansiedade e
depressão e no autocuidado da IC.
MW, Steinmeyer BC, Rubin EH. fadiga, melhor funcionamento social e melhor QV
Ano: 2015 relacionada à saúde.
Spirituality: A Panacea for Patients
Os resultados deste estudo sugerem que a
Coping with Heart Failure
Explorar o enfrentamento religioso na espiritualidade é um recurso rico para lidar com
Mangolian SP, Nouhi E, Kazemi
perspectiva de pacientes com IC. os problemas e uma melhor compatibilidade em
M, Ahmadi F.
pacientes com IC. 
Ano: 2017
254 Comparison of the Effects of Benson
O relaxamento muscular e os sons da natureza
Muscle Relaxation and Nature
de Benson contribuíram para a redução da fadiga
Sounds on the Fatigue in Patients Comparar os efeitos do relaxamento
em pacientes com IC. Dentre as vantagens, esses
With Heart Failure: A Randomized muscular de Benson e sons da natureza
métodos são baratos e fáceis de administrar,
Controlled Clinical Trial na fadiga em pacientes com IC.
podem ser usadas pelos enfermeiros, juntamente
Seifi L, Najafi GT, Haghani H.
com as intervenções de enfermagem de rotina.
Ano: 2018
Fonte: dados da pesquisa 2020.

Um estudo observacional realizado em regime ambu- de uma construção holística de atenção à saúde envolvendo
latorial demonstrou diminuição do estresse e da incidência pacientes com doença cardiovascular.37,38
de eventos cardiovasculares, melhora na quantidade e qua- Em um estudo de revisão que buscou examinar a asso-
lidade dos exercícios, redução da frequência cardíaca, da ciação entre a religiosidade e a espiritualidade com a QV em
pressão arterial, do peso, da circunferência abdominal, do pacientes com doença cardiovascular, verificou associação
número de hospitalizações recorrentes, da incidência de positiva e significativa, com maior bem-estar espiritual e
arritmias cardíacas e da mortalidade cardiovascular entre positivamente relacionado ao bem-estar mental e emocional
pacientes que receberam terapias alternativas baseadas em nos pacientes que tinham maior frequência aos encontros
meditação e yoga. O estudo concluiu que as terapias não religiosos. O estudo conclui também que a TCC é um método
farmacológicas aliadas ao aconselhamento de dieta saudável alternativo não farmacológico de tratamento para depressão
e gestão do estresse têm papel fundamental na prevenção em pacientes com IC, tendo em vista que a depressão é uma
de complicações da IC.34 comorbidade comum apresentada em pacientes com IC.39
Outro estudo randomizado indiano concluiu que a adição
de yoga aos cuidados médicos farmacológicos para pacientes Categoria 5: Cuidados paliativos para insuficiência
com IC melhoraram significativamente a QV dos pacientes. cardíaca
Neste estudo, os pacientes com IC praticaram yoga uma Um estudo abordou a importância dos CP no manejo
hora por dia, durante 12 semanas.35 da IC. (Tabela 5).
Reconhecer o bem-estar espiritual em pacientes com IC Os CP são cuidados são reservados para pacientes
pode aliviar o sofrimento e levar a uma QV melhorada, além com expectativa de vida de seis meses ou menos podem
da redução na utilização de recursos de saúde.36 Atualmente ser fornecidos a qualquer paciente com uma doença que
tem-se destacado a importância de incluir os aspectos es- limita a vida e combina assistência médica, controle da dor
pirituais, religiosos e culturais na vida das pessoas, dentro e apoio emocional e espiritual. Concentra-se no conforto e

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


PRÁTICAS NÃO FARMACOLÓGICAS NO MANEJO DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Tabela 5. Distribuição do artigo que aborda os cuidados paliativos, segundo título, autores, ano, objetivo e aspectos-chave, 2020.
Categoria 5: Cuidados paliativos para ic
Título, autores e ano Objetivo Aspectos-chave
In patient Palliative Care for Patients
with Acute Heart Failure: Outcomes from Avaliar se CP para pacientes internados com Um modelo de CP hospitalar para
a Randomized Trial IC esteve associado a melhorias na carga de pacientes com IC aguda está associado
Sidebottom AC, Jorgenson A, Richards H, sintomas, sintomas depressivos, QV ou uso à melhora em curto prazo da carga de
Kirven J, Sillah A diferencial dos serviços. sintomas, QV e sintomas depressivos.
Ano: 2015
Fonte: Dados da pesquisa 2020.

na QV quando a cura não é mais possível. É um modelo de ao autocuidado e adesão ao tratamento, acarretando em
atendimento centrado no paciente e baseado em cuidados redução das taxas de readmissão hospitalar.
prestados pela equipe multiprofissional. Sua eficácia é com- As práticas avançadas de enfermagem surgiram ainda
provada em pacientes com IC, reduzindo a carga de sintomas, como método, ao desenvolvimento de competências de gestão
principalmente dor e depressão, e melhorando a QV.40,41 do cuidado, capazes de otimizar o manejo da IC acarretando
Um estudo que procurou avaliar a necessidade de CP em melhorias nos resultados de cuidados. Intervenções não
em pacientes com ICC avançada, internados em uma enfer- convencionais, tais como psicoterapias e yoga, podem con-
maria cardiológica de um hospital terciário, concluiu que 55% tribuir com a prevenção de agravos da doença. Em relação
dos pacientes portadores de IC classes III-IV, que possuem aos cuidados paliativos, sua eficácia é comprovada por meio
limitações moderadas a graves à esforços, teriam indicação da redução da carga de sintomas de IC e melhora da QV.
de CP para o alívio do sofrimento provocado pela doença.42 Por fim, os resultados do presente estudo mostraram que
Diretrizes internacionais de prática clínica também reco- a literatura científica dispõe de diversas evidências sobre as
mendam que os pacientes com IC recebam CP em tempo abordagens não farmacológicas para o manejo da IC entre
hábil e de alta qualidade,43 entretanto os CP ainda enfren- pacientes adultos e idosos.
tam barreiras na IC devido as características específicas da Tais achados demonstraram que práticas voltadas para a
doença, tais como fadiga, intolerância aos esforços, falta de educação em saúde, uso das tecnologias, gestão de enferma-
ar ao deitar, inchaço dos membros inferiores ou abdome.44 gem, prática avançada de enfermagem, psicointerevenções e
cuidados paliativos podem ser estratégias eficazes no manejo
CONSIDERAÇÕES FINAIS da IC. Responderam completamente à pergunta de pesquisa,
O manejo da IC envolve uma rede interdisciplinar de que por sua vez, poderá contribuir para a melhoria no manejo 255
cuidados, além da continuidade das terapêuticas farmacoló- não farmacológico à IC, melhora da QV, redução dos gastos
gicas e da implementação de estratégias não farmacológicas públicos em saúde, redução das taxas de hospitalização e
para a promoção da QV e da manutenção das atividades mortalidade por complicações da IC.
de vida diária. Dentre as abordagens não farmacológicas,
a educação em saúde pode impactar de maneira positiva à
adesão ao tratamento da IC e melhorar o nível de autoeficácia
e capacidade de autogerenciamento da doença. No processo CONFLITOS DE INTERESSE
educativo, as tecnologias em saúde foram abordadas como Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
alternativa promissora no manejo não farmacológico da na realização deste trabalho.
doença, com destaque para as intervenções associadas

REFERÊNCIAS
1. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretriz brasileira de 7. Ishihara S, Gayat E, Sato N, Arrigo M, Laribi S, Legrand M,
insuficiência cardíaca crônica e aguda. Arq Bras Cardiol. et al. Similar hemodynamic decongestion with vasodilators
2018;111(3):436–539. and inotropes: systematic review, meta-analysis, and meta-
2. Bauersachs J, König T, van der Meer P, Petrie MC, Hilfiker- regression of 35 studies on acute heart failure. Clin Res Car-
Kleiner D, Mbakwem A, et al. Pathophysiology, diagnosis diol. 2016;105(12):971–80.
and management of peripartum cardiomyopathy: a position 8. Ponikowski P, Van Veldhuisen DJ, Comin-Colet J, Ertl G, Komajda
statement from the Heart Failure Association of the European M, Mareev V, et al. Beneficial effects of long-term intravenous iron
Society of Cardiology Study Group on peripartum cardiomy- therapy with ferric carboxymaltose in patients with symptomatic
opathy. Eur J Heart Fail. 2019;21(7):827–43. heart failure and iron deficiency. Eur Heart J. 2015;36(11):657–68.
3. Liu L, Eisen HJ. Epidemiology of Heart Failure and Scope of the 9. Sokoreli I, Pauws SC, Steyerberg EW, de Vries GJ, Riistama
Problem. Cardiol Clin. 2014;32(1):1–8. JM, Tesanovic A, et al. Prognostic value of psychosocial
4. Maggioni AP. Epidemiology of Heart Failure in Europe. Heart factors for first and recurrent hospitalizations and mortality
Fail Clin. [Internet]. 2015;11(4):625–35. in heart failure patients: insights from the OPERA-HF study.
5. Arrigo M, Jessup M, Mullens W, Reza N, Shah AM, Sliwa K, et Eur J Heart Fail. 2018;20(4):689–96.
al. Acute heart failure. Nat Rev Dis Prim [Internet]. 2020;6(1). 10. Zhang J, Hobkirk J, Carroll S, Pellicori P, Clark AL, Cleland
6. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, JGF. Exploring quality of life in patients with and without heart
Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and failure. Int J Cardiol [Internet]. 2016;202:676–84.
treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J. 11. Fleg JL. Music intervention for improving quality of life in heart
2016;37(27):2129-200. failure: Ready for an audition? J Card Fail [Internet]. 2020.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


12. Thompson SL, Ward C, Galanos A, Bowers M. Impact of a Pal- Evaluation of heart failure apps to promote self-care: Sys-
liative Care Education Module in Patients With Heart Failure. Am tematic app search. JMIR Mhelath Uhealth. 2019;7(11):1–12.
J Hosp Palliat Med. 2020. 30. Miranda Neto MV , Rewa T, Leonello VM, Oliveira MA C. Prá-
13. Kida K, Doi S, Suzuki N. Palliative Care in Patients with Advanced tica avançada em enfermagem: uma possibilidade para a
Heart Failure. Heart Fail Clin [Internet]. 2020;16(2):243–54. Atenção Primária em Saúde? [Internet]. Revista Brasileira
14. Rother ET. Revisão sistemática X revisão narrativa. ACTA Paul de Enfermagem. 2018 [cited 2020 May 6]: 716–21. Avail-
Enferm. 2007;20(2):6–7. able from: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0034-
71672018000700716&script=sci_abstract&tlng=pt
15. Moher D, Shamseer L, Clarke M, Ghersi D, Liberrati A, Petticrew
M, et al. Preferred reporting items for systematic review and 31. Pessoa TSC. Cuidados de enfermagem especializados ao
meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Bio Med doente com insuficiência cardíaca aguda sob suporte circu-
Central [internet]. 2015; 4(1):1-9. Available from: https://www. latório mecânico [Internet]. Escola Superior de Enfermagem
ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25554246. de Lisboa; 2018 [cited 2020 May 7]. Available from: https://
comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/27914/1/Relatório mes-
16. Souza P, Queluci G. The art of caring for patients with heart failure at trado Teresa Pessoa.pdf
hospital discharge: considerations for nursing healthcare practice.
Rev Pesq Cuid Fundam Online. 2014;6(1):153–67. 32. Rhiantog J, Malathum P, Monkong S, Kathleen M, Viwat-
wongkasem C, Kuanprsert S. Outcomes of an Advanced
17. Mantovani VM, Souza EN . Treatment adherence in patients Practice Nurse-Led Continuing Care Program in People with
with heart failure receiving nurse-assisted home visits. Acta Heart Failure. Pacific Rim Int J Nurs Res. 2019; 23(1): 32-46.
Paul Enferm. 2015; 28(1):41-7.
33. Organização Mundial da Saúde. Ampliação do papel dos enfer-
18. Ostergaard B, Mahrer-imhof R, Wagner L, Barington T. Patient meiros na atenção primária à saúde. 2018: 39
Education and Counseling Effect of family nursing thera-
peutic conversations on health-related quality of life , self- 34. Sen N, Tanwar S. Integrated approach of yoga, meditation and
care and depression among outpatients with heart failure: A enhanced external counter pulsation with pharmacological
therapy in severe chronic heart failure patients. Indian Heart
randomized multi-centre trial. Patient Educ Couns [Internet].
J [Internet]. 2019;71:S100–1. Available from: https://doi.
2018;101(8):1385–93.
org/10.1016/j.ihj.2019.11.246
19. Yu H, Zhang P, Wang X, Wang Y, Zhang B. Effect of Health
35. Jain AK, Manchanda SC, Madan K, Bhola SV, Sawhney JPS.
Education Based on Behavioral Change Theories on Self-
Effect of yoga in Heart Failure: randomized trial. Indian Heart
Efficacy and Self-Management Behaviors in Patients with
J [Internet]. 2019;71(2019):S37. Available from: https://doi.
Chronic Heart Failure. Iran J Public health. 2019;48(3): 421-28.
org/10.1016/j.ihj.2019.11.074
20. Cajita MI, Cajita TR, Han H-R. Educação em Saúde e Insu-
36. Ross L, Miles J. Spirituality in heart failure: A review of the
ficiência Cardíaca. J Cardiovasc Nurs. 2016;31(2):121–30.
literature from 2014 to 2019 to identify spiritual care needs
21. Costa YF, Araújo OC , Bruno L, Almeida M , Maria S. O papel and spiritual interventions. Curr Opin Support Palliat Care.
educativo do enfermeiro na adesão ao tratamento da Hipertensão 2020;14(1):9–18.
Arterial Sistêmica: revisão integrativa da literatura. O mundo da
37. Mbakwem A., Aina F., Amad C. Depression in Patients
saúde. 2014;38 (4): 473-81.
256 with Heart Failure: Is Enough Being Done? Expet Opinion.
22. Wu J, Holmes GM, Dewalt DA, Connell AM, Bibbins-Domingo K, 2016;2(2):110-2. Available from: www.CFRjournal.com.
Ruo B, et al. Low Literacy Is Associated with Increased Risk of
38. Carney LM, Park CL, Gutierrez IA. Religious beliefs and well-
Hospitalization and Death Among Individuals with Heart Failure.
being and distress in congestive heart failure patients. J Behav
Health Literacy Predicts Outcomes. 2013;28(9):1174–80.
Med [Internet]. 2020;43(3):437-47. Available from: https://doi.
23. Cano Martín JA, Martínez-Pérez B, De La Torre-Diéz I, López- org/10.1007/s10865-019-00115-3
Coronado M. Economic impact assessment from the use of a
39. Abu HO, Ulbricht C, Ding E, Allison JJ, Salmoirago-Blotcher
mobile app for the self-management of heart diseases by patients
E, Goldberg RJ, et al. Association of religiosity and spirituality
with heart failure in a Spanish region. J Med Syst. 2014;38(9):96 with quality of life in patients with cardiovascular disease: a sys-
24. Duflos CM, Solecki K, Papinaud L, Georgescu V, Roubille tematic review. Qual Life Res [Internet]. 2018;27(11):2777–97.
F, Mercier G. The intensity of primary care for heart failure Available from: http://dx.doi.org/10.1007/s11136-018-1906-4
patients: A determinant of readmissions? the CarPaths study: 40. Cross SH, Kamal AH, Taylor Jr DH, Warraich HJ. Clinical
A French region-wide analysis. PLoS One. 2016;11(10):1–13. Practice Hospice Use Among Patients with Heart Failure.
25. Scott IA, Scuffham P, Gupta D, Harch TM, Borchi J, Richards Clinical Practice. 2019;5(2):93–8.
B. Going digital: A narrative overview of the effects, quality 41. Romano M, Moroni M, Antonione R, Fieramosca M, Nodari S,
and utility of mobile apps in chronic disease self-management. Valle A. Cure palliative e scompenso cardiaco: considerazioni
Aust Heal Rev. 2019;44(1):62–82. su costo-efficacia e risultati clinici. G Ital Cardiol (Rome).
26. Vuorinen AL, Leppänen J, Kaijanranta H, Kulju M, Heliö T, Van Gils 2020;21(4):303–5.
M, et al. Use of home telemonitoring to support multidisciplinary 42. Orzechowski R. Necessidade de cuidados paliativos em
care of heart failure patients in Finland: Randomized controlled pacientes com insuficiência cardíaca avançada internados
trial. J Med Internet Res. 2014;16(12):1–12. em um hospital terciário. Rev Esc Enf Usp. 2019;1–6.
27. Guo X, Gu X, Jiang J, Li H, Duan R, Zhang Y, et al. A Hospital- 43. Singh GK, Ivynian SE, Ferguson C, Davidson PM, Newton PJ.
Community-Family-Based Telehealth Program for Patients With Palliative care in chronic heart failure: a theoretically guided,
Chronic Heart Failure: Single-Arm, Prospective Feasibility qualitative meta-synthesis of decision-making. Heart Fail Rev.
Study. JMIR Mhealth Uhealth. 2019; 7(12): 13229. 2020;25(3):457–67.
28. Kapoor A, R Koul, A Singh, G Chir. Evaluation, Assessment 44. Warraich HJ, Meier DE. Serious-illness care 2.0 - Meeting the
and Development of Artificial Intelligence Based Heart Failure needs of patients with heart failure [Internet]. Vol. 380, New
Platform- a Precision Based Approach. Can J Cardiol [Internet]. England Journal of Medicine. Massachussetts Medical Society;
2019;35(10):S47–8. 2019 [cited 2020 May 7]:2492–4. Available from: http://www.
29. Wali S, Demers C, Shah H, Wali H, Lim D, Naik N, et al. nejm.org/doi/10.1056/NEJMp1900584.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):248-56


REVISÃO/REVIEW

POTENCIAL USO DE INIBIDORES DE SGLT2 NO


TRATAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PARA
PACIENTES DIABÉTICOS E NÃO DIABÉTICOS
POTENTIAL USE OF SGLT2 INHIBITORS IN THE TREATMENT OF HEART FAILURE FOR
PATIENTS WITH OR WITHOUT DIABETES
RESUMO
Danúbia Silva dos Santos1 Apesar das terapias estabelecidas atualmente, a insuficiência cardíaca (IC) continua sendo
Letícia de Barros Sene1 um grande problema de saúde no mundo, com impacto notável em termos de hospitalização
Bruno Caramelli2 e mortalidade. Portanto, novas terapias farmacológicas são necessárias para melhorar o
Adriana Castello Costa prognóstico de pacientes com IC. Os inibidores de co-transportador de sódio-glicose do tipo
Girardi1 2 (SGLT2), também conhecidos como gliflozinas, representam uma nova classe de fármacos
1. Universidade de São Paulo, antidiabéticos orais com efeitos benéficos, além do controle glicêmico. Vários estudos de
Faculdade de Medicina São Paulo. desfechos cardiovasculares (cardiovascular outcome trials - CVOTs) demonstraram que os
Instituto do Coração, Hospital das
Clínicas. Laboratório de Genética e inibidores de SGLT2 reduzem significativamente a morte cardiovascular e a hospitalização
Cardiologia Molecular, São Paulo,
SP, Brasil.
por IC de pacientes portadores de diabetes mellitus do tipo 2. Recentemente, o estudo
2. Universidade de São Paulo, DAPA-HF (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Heart Failure) relatou que
Faculdade de Medicina São Paulo.
Instituto do Coração, Hospital os inibidores de SGLT2 também exercem efeitos cardiovasculares benéficos em pacientes
das Clínicas.Unidade de Medicina
Interdisciplinar em Cardiologia.
não diabéticos. Embora a inibição do SGLT2 possa ter potencial aplicação na IC, os meca-
São Paulo, SP, Brasil nismos cardioprotetores das glifozinas permanecem desconhecidos. Assim, nesta revisão,
nós abordaremos as evidências experimentais e clínicas que apoiam o uso dos inibidores
Correspondência 257
Danúbia Silva dos Santos. de SGLT2 no tratamento de pacientes com IC, com ou sem diabetes, e discutiremos os
Laboratório de Genética e Cardiologia
Molecular, Instituto do Coração, potenciais mecanismos dos efeitos cardioprotetores dos inibidores de SGLT2 na IC.
Universidade de São Paulo. Avenida
Doutor Enéas de Carvalho Aguiar, 44,
10° andar, Bloco II, Cerqueira César Descritores: SGLT2; Insuficiência Cardíaca; Túbulos Renais Coletores.
São Paulo, SP, Brasil.
05403-900 danubia_ss@yahoo.com.br
ABSTRACT
Despite the currently established therapies, heart failure (HF) continues to be a major
Acesse o global health problem with a notable impact in terms of hospitalization and mortality. Novel
Podcast pharmacological treatments are therefore needed to improve the prognosis of patients with HF.
Sodium-glucose cotransporter 2 (SGLT2) inhibitors, also known as gliflozins, represent a new
class of oral antidiabetic drugs with beneficial effects, in addition to glycemic control. Several
cardiovascular outcomes trials (CVOTs) have shown that SGLT2 inhibitors significantly reduce
cardiovascular death and hospitalization due to HF in patients with type 2 diabetes. Recently, the
DAPA-HF trial (Dapagliflozin and Prevention of Adverse Outcomes in Heart Failure) reported that
the SGLT2 inhibitors also exert beneficial cardiovascular effects on non-diabetic patients. Although
SGLT2 inhibition may have potential applications in HF, the cardioprotective mechanisms of the
gliflozins remain unknown. Accordingly, in this review, we will address the experimental and clinical
evidence that supports the use of SGLT2 inhibitors in patients with HF, with or without diabetes,
and discuss the potential mechanisms of the cardioprotective effects of SGLT2 inhibitors in HF.

Keywords: SGLT2; Heart Failure; Kidney Tubules Collecting.

INTRODUÇÃO resultando em mais de 1 milhão de internações anualmente.2 No


A insuficiência cardíaca (IC) é um problema de saúde Brasil, dados registrados pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
pública que cresce rapidamente, afetando mais de 23 milhões demonstraram que a IC foi responsável por 2,6% das hospi-
de pessoas em todo o mundo.1 Nos Estados Unidos e na talizações e por 6,8% dos óbitos em 2007, comprometendo
Europa, a IC é considerada a principal causa de hospitalização, 3% do total de recursos disponíveis para internações no SUS.3

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63 http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002257-63


Os principais tipos de IC, classificados de acordo com a Em virtude desses resultados, foi postulado que o SGLT2 é
fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), são: IC com o principal transportador envolvido na reabsorção de glicose
fração de ejeção reduzida (ICFEr; FEVE < 40%) e IC com fração renal. De fato, utilizando modelos de camundongo nocaute para
de ejeção preservada (ICFEp; FEVE ≥ 50%).1 Em pacientes com SGLT1 e SGLT2 (Sglt1-/- e Sglt2-/-, também conhecidos como Sl-
ICFEr, em função da comprovada redução de complicações e c5a1-/- e Slc5a2-/-, respectivamente), pesquisadores mostraram
de mortalidade, as diretrizes recomendam o tratamento com que 97% da glicose filtrada é reabsorvida pelo SGLT2 e os 3%
os inibidores do sistema renina angiotensina aldosterona, beta- restantes são reabsorvidos pelo SGLT1. Entretanto, quando o
bloqueadores, inibidores de neprisilina, diuréticos e digitálicos. SGLT2 é totalmente inibido pelo inibidor do SGLT2, o aumento
No entanto, nenhum tratamento foi completamente eficaz para na reabsorção de glicose mediada por SGLT1 explica por que
reduzir a morbidade e a mortalidade na ICFEp4 - a forma domi- apenas 50-60% da glicose filtrada é excretada.13
nante nos pacientes mais idosos, fato preocupante em nossa Devido à grande importância do SGLT2 na reabsorção de
sociedade em envelhecimento.5 Assim, torna-se imperativa a glicose renal, a inibição desse co-transportador passou a ser
identificação de novas estratégias terapêuticas para melhorar os encarada como uma abordagem terapêutica promissora para
sintomas e reduzir a mortalidade e as hospitalizações recorrentes o controle glicêmico. Essa abordagem foi respaldada pelo fato
tanto em pacientes com ICFEr como ICFEp. de que, em resposta ao diabetes, há aumento da expressão e/
Os inibidores do co-transportador de sódio-glicose do ou atividade do SGLT2 em células renais do túbulo proximal,14
tipo 2 (SGLT2), também conhecido como gliflozinas, repre- um mecanismo regulatório não adaptativo para manutenção
sentam uma nova classe de fármacos antidiabéticos orais da hiperglicemia. Além disso, pesquisadores demonstram
com efeitos benéficos, além do controle glicêmico.6 Dados que o nocaute genético do SGLT2 reduz os níveis de glicose
obtidos nos estudos de desfechos cardiovasculares (CVOTs, no sangue em modelo de camundongos com DM2.15 Em
do inglês Cardiovascular Outcomes Trials) com os inibidores conjunto, essas informações forneceram suporte para a
de SGLT2 demonstraram redução significativa da mortalidade utilização dos inibidores de SGLT2 no tratamento de DM2.
cardiovascular e da hospitalização por IC em pacientes com Durante o desenvolvimento dos inibidores de SGLT2,
diabetes mellitus do tipo 2 (DM2). 7-9 Recentemente, o estudo ensaios pré-clínicos com ratos diabéticos resistentes à insu-
DAPA-HF (Dapagliflozin and Prevention of Adverse-Outcomes lina demonstraram que a florizina, inibidor de SGLT1/SGLT2,
in Heart Failure) relatou que o tratamento com dapagliflozina, normalizou os perfis de glicose no plasma e a sensibilidade à
quando associado à terapia padrão, reduziu a mortalidade insulina, fornecendo as primeiras evidências sobre a eficácia
cardiovascular e o risco de progressão da IC em pacientes inibidores do SGLT. No entanto, seu uso foi dificultado por
com ICFEr, independente da presença ou ausência de DM2.10 apresentar meia-vida curta e efeitos colaterais intestinais devido
Nesta revisão, abordaremos as evidências experimentais à inibição do SGLT1. A fim de superar essas limitações, novos
258 e clínicas que sustentam a lógica do uso dos inibidores de inibidores seletivos com C-glicosídeos foram desenvolvidos,
SGLT2 no tratamento de pacientes com IC, com ou sem tais como dapagliflozina, empagliflozina e canagliflozina. Em
diabetes, e discutiremos os potenciais mecanismos dos contraste à florizina (O-glicosídeos), essas moléculas são mais
efeitos cardioprotetores dos inibidores de SGLT2 na IC. resistentes à ação das β-glucosidases e apresentam meia-vida
mais longa. Além disso, esses fármacos apresentam uma
A DESCOBERTA DO SGLT2 COMO ALVO maior seletividade do SGLT2 sobre o SGLT1. 6,12
PARA O TRATAMENTO DE DM2
AGENTES HIPOGLICEMIANTES E ESTUDOS
As intervenções hipoglicemiantes objetivam normalizar
os níveis de glicose no sangue de pacientes portadores de DE SEGURANÇA CARDIOVASCULAR
DM2. Desde 1930, trabalhos têm demonstrado que o rim As preocupações com o perfil de segurança dos agentes
desempenha papel crucial na homeostase de glicose. Em hipoglicemiantes foram evidenciadas após a publicação
1989, pesquisadores relataram a presença de dois co-trans- de um relatório sobre a meta-análise da tiazolidinediona
portadores de glicose distintos ao longo da membrana apical rosiglitazona, que já era comercializada há uma década.
das células do túbulo proximal, os SGLT1 e SGLT2.11 Segundo o relatório, o uso da rosiglitazona aumentou o risco
O SGLT1 é um transportador de alta afinidade e bai- de infarto do miocárdio em 43% e o risco de mortes de causa
xa capacidade presente no segmento distal S3 do túbulo cardiovascular em 64% quando comparado à outros agentes
proximal. Em contrapartida, o SGLT2, que apresenta baixa hipoglicemiantes, como a metformina, a insulina e as sulfo-
afinidade e alta capacidade, está localizado nos segmentos S1 nilureias.16 Assim, em virtude dos questionamentos gerados
e S2. A glicose reabsorvida pelos SGLTs é então liberada na frente à esses resultados, em dezembro de 2008, o Food and
circulação através dos transportadores de glicose 1 (GLUT-1) Drug Administration (FDA) emitiu diretrizes determinando que
e 2 (GLUT-2) na membrana basolateral das células epiteliais todos os fabricantes que desenvolvem medicamentos para
que revestem o túbulo proximal (GLUT-1 no segmento S3 e o tratamento de DM2 devem fornecer evidências de que a
GLUT- 2 nos segmentos S1 e S2). 6,11,12 terapia não aumentará os riscos de eventos cardiovasculares.
Diversos estudos têm demonstrado que indivíduos com Essas medidas também foram adotadas pela European
mutação genética no SGLT1 apresentam má absorção de Medicines Agency (EMA).17 A Figura 1 mostra uma linha do
glicose-galactose, resultando em diarreia osmótica e desidra- tempo dos CVOTs concluídos e em andamento dos novos
tação potencialmente letais, com glicosúria leve ou ausente. medicamentos hipoglicemiantes, incluindo insulina basal,
Por outro lado, pacientes com glicosúria renal familiar (GRF), inibidores da dipeptidil peptidase 4 (DPP4), agonistas do
condição causada por mutações genéticas no SGLT2, são as- receptor do peptídeo 1 semelhante ao glucagon (GLP-1 RA)
sintomáticos, exceto pela glicosúria moderada e persistente.12 e os inibidores de SGLT2.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


POTENCIAL USO DE INIBIDORES DE SGLT2 NO TRATAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PARA
PACIENTES DIABÉTICOS E NÃO DIABÉTICOS

SAVOR-TIMI 53
Saxagliptina
n = 16.492

EXAMINE TECOS CARMELINA CAROLINA


Alogliptina Sitagliptina Linagliptina Linagliptina
n = 5.380 n = 14.671 n = 7.003 n = 6.072

2013 2015 2016 2017 2018 2019 2020 2021

EMPA-REG LEADER CANVAS VERTIS CREDENCE DELIVER


OUTCOME Liraglutida Program Ertugliflozina Canagliflozina Dapagliflozina
Empagliflozina n = 9.340 Canaglifozina n = 8.000 n = 4.464 Em recrutamento
n = 7.020 n = 10.142
EMPEROR-
Dapa-CKD
ELIXA DAPA-HF Preserved
SUSTAIN-6 Dapagliflozina
Lixisenatida DEVOTE Dapagliflozina Empagliflozina
Semaglutida n = 4.000
n = 6.068 Insulina n = 4.744 n = 5.982
n = 3.297 n = 7.637
DECLARE-TIMI 58 EMPEROR-
Dapagliflozina Reduced
FREEDOM-CVO REWIND n = 17.160
Semaglutida Empagliflozina
ITCA 650 EXSCEL
n = 9.901 n = 3.730
n = 4.156 Exenatide
n = 14.752

Inibidores da DPP4
PIONEER HARMONY
Semaglutida Outcomes
Inibidores de SGLT2 n = 3.176 Albiglutida
n = 9.400
Agonistas dos receptores
de GLP-1

Insulina DPP4 - dipeptidil peptidase 4; GLP-1 - peptídeo 1 semelhante ao glucagon; SGLT2 - co-transportador
de sódio-glicose do tipo 2. Adaptado de Cefalu et al. 2018 (17).

Figura 1. CVOTs concluídos e em andamento dos novos medicamentos hipoglicemiantes em pacientes diabéticos ou não diabéticos.
259
Inicialmente, os estudos que suportam as diretrizes de também foram observados no estudo SUSTAIN-6 (Trial do
tratamento se concentraram em avaliar a incidência de even- Evaluate Cardiovascular and Other Long-term Outcomes With
tos cardiovasculares adversos maiores (MACE, do inglês Semaglutide in Subjects With Type 2 Diabetes), após adminis-
Major Adverse Cardiovascular Events), como o infarto do tração do GLP-1RA semaglutida em pacientes com DM2.26
miocárdio não-fatal, o acidente vascular cerebral (AVC) e No entanto, a administração da liraglutida em pacientes
a morte de causa cardiovascular.17 No entanto, haja vista a hospitalizados com IC avançada e FEVE reduzida (~25%)
alta ocorrência, os eventos de IC também passaram a ser foi associada à efeitos neutros sobre morte cardiovascular e
avaliados nos CVOTs.18 Embora o efeito cardiovascular da taxas de reinternação em comparação ao placebo.27
insulina basal ainda não esteja claro, há preocupações em Diferente dos estudos descritos acima, os inibidores de
relação ao agravamento da IC em pacientes diabéticos.19,20 SGLT2 são a primeira classe de medicamentos hipoglicemian-
tes a mostrar reduções significativas de morte cardiovascular
Já os estudos SAVOR-TIMI 53 (Saxagliptin and Cardiovascular
e de hospitalização por IC nos CVOTs.7-9,28,29 O estudo EMPA-
Outcomes in Patients with Type 2 Diabetes Mellitus),21 EXAMINE
-REG OUTCOME (Empagliflozin Cardiovascular Outcome Event
(Examination of Cardiovascular Outcomes with Alogliptin Versus
Trial in Type 2 Diabetes Mellitus Patients) randomizou 7.020
Standard of Care in Patients with Type 2 Diabetes Mellitus
pacientes com DM2 e doença cardiovascular (~10% com IC
and Acute Coronary Syndrome),22 TECOS (Trial Evaluating
estabelecida) a 10 ou 25 mg de empagliflozina versus place-
Cardiovascular Outcomes with Sitagliptin)23 e CARMELINA bo. Em comparação com o placebo, os pacientes tratados
(Cardiovascular and Renal Microvascular Outcome Study com empagliflozina apresentaram redução de MACE de três
With Linagliptin in Patients With Type 2 Diabetes Mellitus)24 pontos [HR 0,86 (IC 95%, de 0,74-0,99)] e de 35% no risco de
demonstraram que os inibidores da DPP4 não apresentaram hospitalização por IC. Esses resultados foram observados nos
efeitos cardiovasculares benéficos nos pacientes com DM2 três primeiros meses após a randomização e se mantiveram
quando comparados ao grupo controle. Além disso, a sa- até o final do estudo (duração média de 3,1 anos). Cabe
xagliptina e a alogliptina foram associadas ao aumento do ressaltar que a redução do risco de hospitalização por IC foi
risco de hospitalização por IC.21,22 semelhante entre os pacientes com ou sem histórico de IC;7
Em contraste, o estudo LEADER (Liraglutide Effect and no entanto, a maioria dos pacientes não apresentavam IC
Action in Diabetes: Evaluation of Cardiovascular Outcome no início do estudo, sugerindo que o resultado observado é
Results) demonstrou que a administração do GLP-1RA lira- atribuído ao efeito primário de prevenção da IC.
glutida reduziu os eventos cardiovasculares em 13% e não O segundo estudo que demonstrou efeitos cardiovas-
aumentou o risco de hospitalização por IC de pacientes com culares benéficos dos inibidores de SGLT2 foi o CANVAS
DM2 e risco cardiovascular aumentado.25 Efeitos favoráveis Program [CANVAS (Canagliflozin Cardiovascular Assessment

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


Study) e CANVAS-R (Canagliflozin Cardiovascular Assessment 0,74 (IC 95%, de 0,65-0,85 )]. Além disso, foram observadas
Study-Renal)]. Nesse estudo, com 10.142 pacientes com DM2 reduções de 18% no risco relativo de morte cardiovascular
e com alto risco cardiovascular (14,4% com IC estabelecida), [HR 0,82 (IC 95%, de 0,69-0,98)] e de 30% no agravamento da
o desfecho primário - MACE de três pontos - foi significativa- IC [HR 0,70 (IC 95%, de 0,59-0,83)]. Com base em análises de
mente menor no grupo canagliflozina quando comparado ao subgrupos pré-especificados, os benefícios da dapagliflozina
grupo placebo [HR 0,86 (IC 95%, de 0,75-0,97)]. Além disso, foram consistentes independentemente do status de diabe-
foi observada redução de 33% no risco de hospitalização por tes [presença ou ausência: HR 0,75 (IC 95%, de 0,63-0,90)
IC.30 Semelhante ao EMPA-REG OUTCOME, uma análise post versus HR 0,73 (IC 95%, de 0,60-0,88)] e da etiologia da IC
hoc demonstrou que a redução do risco de hospitalização [isquêmica ou não-isquêmica: HR 0,77 (IC 95%, de 0,65-0,92)
por IC foi estatisticamente consistente entre os pacientes com versus HR 0,71 (IC 95%, de 0,58-0,87)]. Cabe ressaltar que a
ou sem histórico de IC. No entanto, vários efeitos adversos frequência de eventos adversos relacionados à depleção de
devido ao uso da canagliflozina foram observados, incluindo volume, disfunção renal e hipoglicemia não diferiu entre os
amputação de membros inferiores e fraturas.8 grupos de tratamento.10
Já o estudo DECLARE-TIMI 58 (Dapagliflozin Effect on Recentemente, três grandes estudos foram iniciados a
Cardiovascular Events - Thrombolysis in Myocardial Infarction fim de investigar a segurança e a eficácia dos inibidores de
58) avaliou o efeito dapagliflozina em 17.160 pacientes, tor- SGLT2 associadas à terapia padrão para ICFEr e ICFEp.
nando-o o maior CVOT da classe dos inibidores de SGLT2 e O EMPEROR-REDUCED (EMPagliflozin outcomE tRial in
com o seguimento mais longo (duração média de 4,2 anos). Patients With chrOnic heaRt Failure With Reduced Ejection
Os pacientes com DM2 e histórico de doença cardiovas- Fraction) e o EMPEROR-PRESERVED (EMPagliflozin outcomE
cular (40,6%) ou múltiplos fatores de risco (59,4%) foram tRial in Patients With chrOnic heaRt Failure With Preserved
randomizados a 10 mg de dapagliflozina versus placebo. A Ejection Fraction) randomizaram 9.712 pacientes com ICFEr
dapagliflozina atingiu o desfecho primário de segurança de (n = 3.730) e ICFEp (n = 5.982), respectivamente, a 10
não-inferioridade para o MACE de três pontos e foi associada mg de empagliflozina versus placebo (clinicaltrials.gov:
a redução significativa de 17% do desfecho composto para NCT030057951; NCT03057977). Já o DELIVER (Dapagliflozin
morte cardiovascular ou hospitalização por IC [HR 0,83 (IC Evaluation to Improve the LIVEs of Patients With PReserved
95%, de 0,73-0,95)]. Esses resultados foram semelhantes Ejection Ejection Fraction Heart Failure) está em fase de recru-
nos subgrupos de pacientes com risco para doença cardio- tamento de pacientes para avaliar o efeito da dapagliflozina na
vascular aterosclerótica e de pacientes com ou sem histórico ICFEp (NCT03619213). Uma vez concluídos, esses estudos
de IC. Além disso, nenhum efeito adverso importante foi fornecerão evidências para a utilização dos inibidores de
mencionado até o momento.9 SGLT2 no tratamento da IC estabelecida.
260 Consistentes com as observações do EMPA-REG OU-
TCOME, CANVAS Program e DECLARE-TIMI 58, o amplo POTENCIAIS MECANISMOS DOS EFEITOS
impacto da inibição de SGLT2 nos eventos cardiovasculares
DOS INIBIDORES DE SGLT2 NA INSUFI-
também foi avaliado nos estudos multinacionais observacio-
nais CVD-REAL 1 e CVD-REAL 2 (Comparative Effectiveness of CIÊNCIA CARDÍACA
Cardiovascular Outcomes in New Users of SGLT-2 Inhibitors). Durante décadas, foi apoiada a hipótese de que a redução
Esses estudos coletaram dados de mais de 700 mil pacientes da glicemia estaria associada à melhora dos desfechos car-
diabéticos de diversos países (CVD-REAL 1: Alemanha, diovasculares. No entanto, essa abordagem glicocêntrica se
Dinamarca, Noruega, Suécia, Reino Unido e EUA; CVD-REAL mostrou questionável por algumas razões. Primeiro, qualquer
2: Austrália, Canadá, Israel, Japão, Cingapura e Coréia do efeito benéfico cardioprotetor proveniente do controle glicêmi-
Sul) e compararam os desfechos da IC entre os pacientes co levaria até dez anos para se manifestar; 31 segundo, vários
que receberam os inibidores de SGLT2 versus outros agen- agentes hipoglicemiantes (ex. rosiglitazona, saxagliptina, e
tes hipoglicemiantes. As análises demonstraram reduções aloglipliptina) reduziram os níveis de hemoglobina glicada
do risco relativo de 39% e 36% nas hospitalizações por IC (HbA1c), porém pioraram os desfechos cardiovasculares.16,21,22
associadas ao uso dos inibidores de SGLT2 (nos estudos Assim, para explicar o efeito benéfico da inibição do SGLT2
CVD-REAL 1 e CVD-REAL 2, respectivamente). Reduções dos na IC, múltiplos mecanismos foram propostos e estão des-
eventos associados à IC também foram observadas e foram tacados na Figura 2.
consistentes nos pacientes com e sem IC estabelecida.28,29 A precoce (~ 3 meses) redução da mortalidade cardio-
Embora os inibidores de SGLT2 tenham sido eficazes na vascular e da hospitalização por IC, bem como a diminuição
prevenção de eventos de IC em pacientes com DM2, o benefício da incidência de infarto do miocárdio e AVC - observadas
em relação ao tratamento para IC tem sido o foco de novos nos CVOTs dos inibidores de SGLT2, sugerem que o meca-
estudos. O DAPA-HF foi o primeiro estudo que avaliou os efeitos nismo predominante pode estar associado aos seus efeitos
dos inibidores de SGLT2 quando adicionado à terapia padrão de hemodinâmicos. De fato, foi descrito que o tratamento com
IC em pacientes com ICFEr (sintomas de classe II - IV da New os inibidores de SGLT2 induz diurese osmótica e natriurese,
York Heart Association e FEVE ≤ 40%). Nesse estudo, 4.744 que contribuem para a contração do volume extracelular
pacientes com (45%) ou sem (55%) um diagnóstico de DM2 (refletida no aumento de hematócrito) e redução da pré-
foram ramdomizados a 10 mg de dapagliflozina (n = 2.373) ver- -carga. Essas alterações levam à diminuição da pressão
sus placebo (n = 2.371), com acompanhamento médio de 1,5 de enchimento ventricular, do estiramento das fibras mio-
anos. O desfecho primário (morte por causas cardiovasculares cárdicas e, possivelmente, dos eventos arritimogênicos, de
ou piora da IC) foi reduzido no grupo dapagliflozina em 26% [HR modo a melhorar a função cardíaca e aliviar os sintomas.11,32

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


POTENCIAL USO DE INIBIDORES DE SGLT2 NO TRATAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PARA
PACIENTES DIABÉTICOS E NÃO DIABÉTICOS

↓ Volume
↑Autofagia extracelular
das células ↓ Pressão
cardíacas e arterial
renais

Inibição
do NHE1
no coração ↓ Rigidez
↓ Sódio e cálcio arterial
intracelular

↑ Formação
de corpos ↑ Ang 1-7
cetônicos Ativação de
↑ substrato AT2
energético
Inibição do
↓ Hipertrofia
NHE3
do VE
↓ reabsorção de
↓ Fibrose
sódio no TP

261
Ang 1-7 - angiotensina 1-7; AT2 - receptores de angiotensina II do tipo 2; NHE - trocador de sódio-hidrogênio;TP - túbulo proximal; VE - ventrículo esquerdo.

Figura 2. Potenciais mecanismos dos inibidores de co-transportador de sódio-glicose do tipo 2 (SGLT2) na insuficiência cardíaca.

A inibição do SGLT2 também está associada à diminuição no túbulo proximal induzida pela inibição do trocador de
da pressão arterial sistólica (~4 a 6 mmHg) e diastólica sódio-hidrogênio 3 (NHE3).35 Estudo prévio do nosso grupo
(~1 a 2 mmHg) e, consequentemente, redução da pós-carga forneceu a primeira evidência de que o SGLT2 e o NHE3
cardíaca, aumentando o fluxo sanguíneo coronariano e a podem interagir funcional e fisicamente.36 Além disso, nós
contratilidade.11,32 Ademais, foi demonstrado que os inibidores demonstramos que a expressão e a atividade do NHE3
de SGLT2 reduzem a rigidez arterial, diminuindo a pós-carga e estão aumentadas em ratos com IC.37 Resultados similares
aumentando do fluxo sanguíneo do miocárdio.32 Em conjunto, foram observados em modelos experimentais de diabe-
esses efeitos contribuem para melhoria do desempenho tes.38,39 Portanto, acreditamos que a regulação negativa do
cardíaco e, por fim, redução de eventos de IC.11 NHE3 pelos inibidores de SGLT2 pode prevenir a retenção
A contração do volume extracelular também pode au- de sal, a expansão do volume extracelular e o aumento da
mentar a atividade sistêmica do sistema renina angiotensina pressão arterial em pacientes com IC, com ou sem DM2,
(SRA), que poderia agravar as doenças cardiovasculares contribuindo para redução da mortalidade cardiovascular e
devido à ativação dos receptores de angiotensina II do tipo hospitalização por IC.
1 (AT1).33 No entanto, nos estudos EMPA-REG OUTCOME e A inibição do SGLT2 também está associada aos efei-
CANVAS Program, a maioria dos pacientes foi tratada com tos benéficos no remodelamento cardíaco. No modelo de
os inibidores da enzima conversora de angiotensina (ECA) ratos não diabéticos com ICFEp, a empagliflozina reduziu a
ou bloqueadores dos receptores AT1.7,8 Assim, a hipótese é massa ventricular esquerda, melhorou a função diastólica e
de que os inibidores de SGLT2 atuam por meio das vias não aumentou hematócrito.40 Já no modelo de camundongos com
clássicas do SRA, ativando os receptores de angiotensina sobrecarga de pressão, a dapagliflozina melhorou a função
II do tipo 2 (AT2) e estimulando a via da angiotensina.1-7 sistólica e diminuiu a fibrose do miocárdio.41 Recentemente,
Essas respostas podem levar à vasodilatação e aos efeitos o estudo EMPA-HEART (Effects of Empagliflozin on Cardiac
inotrópicos positivos, anti-arrítmicos e anti-inflamatórios,34 Structure in Patients with Type 2 Diabetes) demonstrou que
que podem contribuir para a melhora da função cardíaca e a administração de 10 mg empagliflozina por seis meses
redução de morte súbita. diminuiu a massa do ventrículo esquerdo de pacientes com
Recentemente, nós postulamos a hipótese de que o DM2 e doença arterial coronariana. É importante ressaltar que
mecanismo pelo qual a inibição do SGLT2 medeia a contra- a diminuição da massa foi mais acentuada em pacientes com
ção volêmica é devido à redução da reabsorção de sódio maior grau de hipertrofia cardíaca no início do tratamento.42

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


Em conjunto, esses dados sugerem que a inibição do SGLT2 Outro mecanismo proposto recentemente é que os
pode reverter o remodelamento cardíaco associado à IC. inibidores de SGLT2 estimulam a autofagia - processo de
Além dos efeitos descritos acima, alguns pesquisadores degradação e reciclagem de componentes celulares para
postularam a hipótese de que os inibidores de SGLT2 podem manutenção da homeostase. Estudos experimentais indicam
favorecer o suprimento energético na IC. A inibição do SGLT2 que os inibidores de SGLT2 ativam a proteína quinase ativada
leva ao aumento de glucagon e à diminuição da concentração por adenosina monofosfato (AMPK), a sirtuína 1 (SIRT1)
de insulina promovendo a produção de corpos cetônicos, que e os fatores induzíveis por hipóxia (HIF-1α e HIF-2α).47 No
podem atuar como um substrato mais eficiente para a geração miocárdio, a ativação desses componentes pode estimular a
de energia.43 Em um estudo prospectivo com 25 pacientes autofagia, contribuindo para a redução do estresse celular e
com DM2 e doença cardiovascular, a análise metabolômica da ativação do inflamassoma e, consequentemente, melhora
revelou que 162 metabólitos foram alterados pela empagliflo- da função cardíaca.47 Já no rim, evidências sugerem que a
zina. Em particular, os níveis de β-hidroxibutirilcarnitina foram autofagia induzida pela a ativação de AMPK e SIRT1 está,
aumentados, demonstrando o papel da empagliflozina na em parte, associada à redução de lesão renal, retardando a
produção de corpos cetônicos.44 Esses achados sugerem progressão da nefropatia diabética.50 Portanto, ao promover a
que a mudança de substrato metabólico leva a um melhor autofagia, os inibidores de SGLT2 potencialmente contribuem
uso de energia, potencialmente contribuindo para melhorar a para a prevenção do desenvolvimento da IC.
eficiência cardíaca, contratilidade e proteção cardiovascular.
Todavia, essa hipótese tem sido questionada haja vista que CONCLUSÃO
a ação dos inibidores de SGLT2 em promover cetogênese é Ensaios clínicos recentes demonstraram que os inibidores
principalmente uma característica da ação desses fármacos de SGLT2, além de diminuir a glicemia, reduzem os desfechos
em pacientes com DM2, sendo esse efeito atenuado em de IC em pacientes com DM2, independente da presença
pacientes não diabéticos.45 Portanto, outros mecanismos de IC basal. O estudo DAPA-HF também mostrou redução
podem estar contribuindo para a redução dos eventos de IC. significativa de morte cardiovascular e hospitalização por
Um mecanismo emergente é a inibição direta do trocador IC de pacientes com ICFEr, com ou sem diabetes. Diversos
de sódio-hidrogênio 1 (NHE1) no miocárdio. A atividade do potenciais mecanismos dos efeitos cardiovasculares benéfi-
NHE1 é acentuadamente aumentada na IC. Esse aumento leva cos dos inibidores de SGLT2 foram discutidos nesta revisão.
ao acúmulo de sódio e cálcio no citosol, acarretando lesão Coletivamente, essas informações sugerem fortemente o
miocítica e cardiomiopatia.46,47 Os benefícios da inibição do potencial uso dos inibidores de SGLT2 na prevenção e no
NHE1, como a redução de lesão, hipertrofia e fibrose cardíaca, tratamento da IC.
diminuição de arritmias ventriculares e melhora da função
262 sistólica e diastólica, foram demonstrados em diversos modelos
AGRADECIMENTOS
experimentais.46 Uma vez que o SGLT2 não é expresso no
coração, foi proposto que os inibidores de SGLT2 se ligam ao Este trabalho foi financiado pela Fundação de Am-
NHE1 através do sítio de ligação ao sódio.47 Recentemente, paro à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),
Baartscheer et al., demonstraram que a empagliflozina, ao nº 2016/22140-7 (A.C.C.G).
inibir o NHE1, reduziu os níveis citoplasmáticos de sódio e
cálcio dos cardiomiócitos ventriculares de ratos e coelhos.48
Resultados similares foram observados nos corações de ca-
mundongos perfundidos com dapagliflozina e canagliflozina.49 CONFLITOS DE INTERESSE
Assim, postula-se que a inibição do NHE1 pode restaurar a Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
homeostase do sódio no miocárdio e contribuir para os efeitos na realização deste trabalho.
benéficos dos inibidores de SGLT2 na IC.

REFERÊNCIAS
1. Rohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque 6. Vallon V. The mechanisms and therapeutic potential of SGLT2
DC, Rassi S, et al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca inhibitors in diabetes mellitus. Annu Rev Med. 2015;66:255-70.
Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;111(3): 436-539. 7. Zinman B, Wanner C, Lachin JM, Fitchett D, Bluhmki E, Hantel
2. Dei Cas A, Khan SS, Butler J, Mentz RJ, Bonow RO, Avogaro S, et al. Empagliflozin, Cardiovascular Outcomes, and Mortal-
A, et al. Impact of diabetes on epidemiology, treatment, and ity in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2015;373(22):2117-28.
outcomes of patients with heart failure. JACC Heart Fail.
8. Neal B, Perkovic V, Mahaffey KW, de Zeeuw D, Fulcher G,
2015;3(2):136-45.
Erondu N, et al. Canagliflozin and Cardiovascular and Renal
3. Bocchi EA, Braga FG, Ferreira SM, Rohde LE, Oliveira WA, Almeida Events in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2017;377(7):644-57.
DR, et al. [III Brazilian Guidelines on Chronic Heart Failure]. Arq
Bras Cardiol. 2009;93(1 Suppl 1):3-70. 9. Wiviott SD, Raz I, Bonaca MP, Mosenzon O, Kato ET, Cahn A,
et al. Dapagliflozin and Cardiovascular Outcomes in Type 2
4. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Diabetes. N Engl J Med. 2019;380(4):347-57.
Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and
treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force 10. McMurray JJV, Solomon SD, Inzucchi SE, Køber L, Kosi-
for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart borod MN, Martinez FA, et al. Dapagliflozin in Patients with
failure of the European Society of Cardiology (ESC)Developed Heart Failure and Reduced Ejection Fraction. N Engl J Med.
with the special contribution of the Heart Failure Association 2019;381(21):1995-2008.
(HFA) of the ESC. Eur Heart J. 2016;37(27):2129-200. 11. Heerspink HJ, Perkins BA, Fitchett DH, Husain M, Cherney
5. Borlaug BA. Evaluation and management of heart failure with DZ. Sodium Glucose Cotransporter 2 Inhibitors in the Treat-
preserved ejection fraction. Nat Rev Cardiol. 2020. ment of Diabetes Mellitus: Cardiovascular and Kidney Effects,

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


POTENCIAL USO DE INIBIDORES DE SGLT2 NO TRATAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA PARA
PACIENTES DIABÉTICOS E NÃO DIABÉTICOS

Potential Mechanisms, and Clinical Applications. Circulation. 31. Holman RR, Paul SK, Bethel MA, Matthews DR, Neil HA. 10-year
2016;134(10):752-72. follow-up of intensive glucose control in type 2 diabetes. N Engl
12. Marsenic O. Glucose control by the kidney: an emerging target J Med. 2008;359(15):1577-89.
in diabetes. Am J Kidney Dis. 2009;53(5):875-83. 32. Verma S, McMurray JJV. SGLT2 inhibitors and mechanisms of
13. Liu JJ, Lee T, DeFronzo RA. Why Do SGLT2 inhibitors inhibit only cardiovascular benefit: a state-of-the-art review. Diabetologia.
30-50% of renal glucose reabsorption in humans? Diabetes. 2018;61(10):2108-17.
2012;61(9):2199-204. 33. Billet S, Aguilar F, Baudry C, Clauser E. Role of angiotensin II
14. Abdul-Ghani MA, DeFronzo RA. Inhibition of renal glucose reab- AT1 receptor activation in cardiovascular diseases. Kidney Int.
sorption: a novel strategy for achieving glucose control in type 2 2008;74(11):1379-84.
diabetes mellitus. Endocr Pract. 2008;14(6):782-90. 34. Muskiet MH, van Raalte DH, van Bommel EJ, van Bommel E,
15. Vallon V, Rose M, Gerasimova M, Satriano J, Platt KA, Koepsell Smits MM, Tonneijck L. Understanding EMPA-REG OUTCOME.
H, et al. Knockout of Na-glucose transporter SGLT2 attenuates Lancet Diabetes Endocrinol. 2015;3(12):928-9.
hyperglycemia and glomerular hyperfiltration but not kidney gro- 35. Silva dos Santos D, Polidoro JZ, Borges-Júnior FA, Girardi
wth or injury in diabetes mellitus. Am J Physiol Renal Physiol. ACC. Cardioprotection conferred by sodium-glucose cotrans-
2013;304(2):F156-67. porter 2 inhibitors: a renal proximal tubule perspective. Am J
16. Nissen SE, Wolski K. Effect of rosiglitazone on the risk of myo- Physiol Cell Physiol. 2020;318(2):C328-C36.
cardial infarction and death from cardiovascular causes. N Engl 36. Pessoa TD, Campos LC, Carraro-Lacroix L, Girardi AC, Malnic
J Med. 2007;356(24):2457-71. G. Functional role of glucose metabolism, osmotic stress, and
17. Cefalu WT, Kaul S, Gerstein HC, Holman RR, Zinman B, Skyler sodium-glucose cotransporter isoform-mediated transport on
JS, et al. Cardiovascular Outcomes Trials in Type 2 Diabetes: Na+/H+ exchanger isoform 3 activity in the renal proximal tubule.
Where Do We Go From Here? Reflections From a. Diabetes J Am Soc Nephrol. 2014;25(9):2028-39.
Care. 2018;41(1):14-31. 37. Inoue BH, dos Santos L, Pessoa TD, Antonio EL, Pacheco BP,
18. Vaduganathan M, Januzzi JL. Preventing and Treating Heart Savignano FA, et al. Increased NHE3 abundance and transport
Failure with Sodium-Glucose Co-Transporter 2 Inhibitors. Am activity in renal proximal tubule of rats with heart failure. Am J
J Cardiol. 2019;124 Suppl 1:S20-S7. Physiol Regul Integr Comp Physiol. 2012;302(1):R166-74.
19. Masoudi FA, Inzucchi SE, Wang Y, Havranek EP, Foody JM, 38. Klisic J, Nief V, Reyes L, Ambuhl PM. Acute and chronic regulation
Krumholz HM. Thiazolidinediones, metformin, and outcomes in of the renal Na/H+ exchanger NHE3 in rats with STZ-induced
older patients with diabetes and heart failure: an observational diabetes mellitus. Nephron Physiol. 2006;102(2):p27-35.
study. Circulation. 2005;111(5):583-90. 39. Saad S, Stevens VA, Wassef L, Poronnik P, Kelly DJ, Gilbert RE, et al. High
20. Smooke S, Horwich TB, Fonarow GC. Insulin-treated diabetes is glucose transactivates the EGF receptor and up-regulates serum gluco-
associated with a marked increase in mortality in patients with corticoid kinase in the proximal tubule. Kidney Int. 2005;68(3):985-97.
advanced heart failure. Am Heart J. 2005;149(1):168-74. 40. Connelly KA, Zhang Y, Visram A, Advani A, Batchu SN, Desjar-
21. Scirica BM, Bhatt DL, Braunwald E, Steg PG, Davidson J, Hirshberg dins JF, et al. Empagliflozin Improves Diastolic Function in a Non-
B, et al. Saxagliptin and cardiovascular outcomes in patients with diabetic Rodent Model of Heart Failure With Preserved Ejec-
type 2 diabetes mellitus. N Engl J Med. 2013;369(14):1317-26. tion Fraction. JACC Basic Transl Sci. 2019;4(1):27-37.
22. White WB, Bakris GL, Bergenstal RM, Cannon CP, Cushman 41. Shi L, Zhu D, Wang S, Jiang A, Li F. Dapagliflozin Attenu-
WC, Fleck P, et al. EXamination of cArdiovascular outcoMes ates Cardiac Remodeling in Mice Model of Cardiac Pressure 263
with alogliptIN versus standard of carE in patients with type 2 Overload. Am J Hypertens. 2019;32(5):452-9.
diabetes mellitus and acute coronary syndrome (EXAMINE): a 42. Verma S, Mazer CD, Yan AT, Mason T, Garg V, Teoh H, et al.
cardiovascular safety study of the dipeptidyl peptidase 4 inhibitor Effect of Empagliflozin on Left Ventricular Mass in Patients
alogliptin in patients with type 2 diabetes with acute coronary With Type 2 Diabetes Mellitus and Coronary Artery Disease:
syndrome. Am Heart J. 2011;162(4):620-6.e1. The EMPA-HEART CardioLink-6 Randomized Clinical Trial.
23. Green JB, Bethel MA, Armstrong PW, Buse JB, Engel SS, Garg Circulation. 2019;140(21):1693-702.
J, et al. Effect of Sitagliptin on Cardiovascular Outcomes in 43. Ferrannini E, Mark M, Mayoux E. CV Protection in the EMPA-
Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2015;373(3):232-42. REG OUTCOME Trial: A “Thrifty Substrate” Hypothesis. Dia-
24. Rosenstock J, Perkovic V, Johansen OE, Cooper ME, Kahn betes Care. 2016;39(7):1108-14.
SE, Marx N, et al. Effect of Linagliptin vs Placebo on Major 44. Kappel BA, Lehrke M, Schütt K, Artati A, Adamski J, Lebherz
Cardiovascular Events in Adults With Type 2 Diabetes and High C, et al. Effect of Empagliflozin on the Metabolic Signature
Cardiovascular and Renal Risk: The CARMELINA Randomized of Patients With Type 2 Diabetes Mellitus and Cardiovascular
Clinical Trial. JAMA. 2019;321(1):69-79. Disease. Circulation. 2017;136(10):969-72.
25. Marso SP, Daniels GH, Brown-Frandsen K, Kristensen P, Mann 45. Ferrannini E, Baldi S, Frascerra S, Astiarraga B, Heise T, Bizzotto
JF, Nauck MA, et al. Liraglutide and Cardiovascular Outcomes R, et al. Shift to Fatty Substrate Utilization in Response to Sodium-
in Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2016;375(4):311-22. Glucose Cotransporter 2 Inhibition in Subjects Without Diabetes
26. Marso SP, Bain SC, Consoli A, Eliaschewitz FG, Jódar E, Leiter and Patients With Type 2 Diabetes. Diabetes. 2016;65(5):1190-5.
LA, et al. Semaglutide and Cardiovascular Outcomes in Patients 46. Packer M, Anker SD, Butler J, Filippatos G, Zannad F. Effects of
with Type 2 Diabetes. N Engl J Med. 2016;375(19):1834-44. Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibitors for the Treatment
27. Mikhail N. Cardiovascular Effects of Liraglutide. Curr Hypertens of Patients With Heart Failure: Proposal of a Novel Mechanism
Rev. 2019;15(1):64-9. of Action. JAMA Cardiol. 2017;2(9):1025-9.
28. Kosiborod M, Cavender MA, Fu AZ, Wilding JP, Khunti K, Holl 47. Packer M. Autophagy stimulation and intracellular sodium
RW, et al. Lower Risk of Heart Failure and Death in Patients reduction as mediators of the cardioprotective effect of sodium-
Initiated on Sodium-Glucose Cotransporter-2 Inhibitors Ver- glucose cotransporter 2 inhibitors. Eur J Heart Fail. 2020.
sus Other Glucose-Lowering Drugs: The CVD-REAL Study 48. Baartscheer A, Schumacher CA, Wüst RC, Fiolet JW, Stienen
(Comparative Effectiveness of Cardiovascular Outcomes in GJ, Coronel R, et al. Empagliflozin decreases myocardial
New Users of Sodium-Glucose Cotransporter-2 Inhibitors). cytoplasmic Na. Diabetologia. 2017;60(3):568-73.
Circulation. 2017;136(3):249-59. 49. Uthman L, Baartscheer A, Bleijlevens B, Schumacher CA,
29. Kosiborod M, Lam CSP, Kohsaka S, Kim DJ, Karasik A, Shaw Fiolet JWT, Koeman A, et al. Class effects of SGLT2 inhibi-
J, et al. Cardiovascular Events Associated With SGLT-2 Inhibi- tors in mouse cardiomyocytes and hearts: inhibition of Na.
tors Versus Other Glucose-Lowering Drugs: The CVD-REAL Diabetologia. 2018;61(3):722-6.
2 Study. J Am Coll Cardiol. 2018;71(23):2628-39. 50. Packer M. Interplay of adenosine monophosphate-activated
30. Neal B, Perkovic V, de Zeeuw D, Mahaffey KW, Fulcher G, Stein P, et protein kinase/sirtuin-1 activation and sodium influx inhibition
al. Rationale, design, and baseline characteristics of the Canagli- mediates the renal benefits of sodium-glucose co-transporter-2
flozin Cardiovascular Assessment Study (CANVAS)--a randomized inhibitors in type 2 diabetes: A novel conceptual framework.
placebo-controlled trial. Am Heart J. 2013;166(2):217-23.e11. Diabetes Obes Metab. 2020;22(5):734-42.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):257-63


REVISÃO/REVIEW

REABILITAÇÃO CARDIOVASCULAR BASEADA EM


EXERCÍCIO FÍSICO NA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA- FASE
HOSPITALAR E AMBULATORIAL
EXERCISE-BASED CARDIOVASCULAR REHABILITATION FOR HEART FAILURE
PATIENTS - IN-HOSPITAL AND OUTPATIENT CARE
RESUMO
A reabilitação cardiovascular com ênfase nos exercícios físicos tem sido documentada
Valéria Papa1 em pacientes com insuficiência cardíaca, demonstrando diminuição da morbimortalidade
Solange Guizilini2,3 cardiovascular, bem como redução da taxa de hospitalização e melhora na qualidade de
Caroline B. Bublitz2,3 vida. No mundo, o sedentarismo tem forte correlação com o aparecimento de doença
Isadora S. Rocco3 cardiovascular e morte súbita. Por outro lado, a prática de exercício físico regular está
Camila Bertini1 associada a um melhor estilo de vida, redução da incidência de doenças cardiovasculares,
Vivian Bertoni Xavier4 resultando em menor mortalidade. O objetivo do presente estudo foi abordar as diferentes
Rodrigo Boemio Jaenisch5 fases da reabilitação cardiovascular baseada em exercício físico, incluindo treinamento da
Eliana Vieira Moderno6 musculatura inspiratória e suas particularidades na insuficiência cardíaca.
Vanessa Marques Ferreira3
Vera Lucia dos Santos Descritores: Exercício, Insuficiência Cardíaca, Reabilitação Cardíaca
Alves4
Michel Silva Reis7
ABSTRACT
1. Universidade de São Paulo (FMRP- Cardiovascular rehabilitation with an emphasis on physical exercises has been documented
USP). Hospital das Clinicas da
264 Faculdade de Medicina de Ribeirão in patients with heart failure, demonstrating a decrease in cardiovascular morbidity and mortality,
Preto. Laboratório de Fisiologia do as well as a reduction in the hospitalization rate and better quality of life. In the world, a sedentary
Exercício da Divisão de Cardiologia.
Ribeirão Preto, SP, Brasil. lifestyle has a strong correlation with the appearance of cardiovascular disease and sudden death.
2. Universidade Federal de São Paulo On the other hand, the regular practice of physical exercise is associated with a better lifestyle,
(UNIFESP). Departamento de Ciências
do Movimento Humano. São Paulo, reducing the incidence of cardiovascular diseases, resulting in lower mortality. The objective
SP, Brasil. of the present study is to address the different phases of cardiovascular rehabilitation based
3.Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP). Programas de on physical exercise, including inspiratory muscle training and its particularities in heart failure.
Pós-graduação em Cardiologia e
Interdisciplinar em saúde. São Paulo,
SP, Brasil. Keywords: Exercises, Heart Failure, Cardiovascular Rehabilitation
4. Faculdade de Ciências Médicas.
Santa Casa de São Paulo. São Paulo,
SP. Brasil.
5.Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Departamento de Fisioterapia
INTRODUÇÃO
e Reabilitação. PPG em Reabilitação A reabilitação cardiovascular (RCV) com ênfase nos exercícios físicos têm sido consis-
Funcional. Santa Maria, RS, Brasil.
6. Serviço de Reabilitação do Hospital tentemente documentada, inclusive em meta-análises de estudos clínicos randomizados e
Sírio-Libanês. São Paulo, SP, Brasil. controlados, que demonstram significativas reduções da morbimortalidade cardiovascular
7. Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Departamento de e global,1 bem como da taxa de hospitalização,1-3 com expressivo ganho de qualidade
Fisioterapia. Grupo de Pesquisa de vida,1,3 principalmente em pacientes com insuficiência cardíaca (IC). No mundo, o
em Avaliação e Reabilitação
cardiorrespiratória(GECARE). sedentarismo tem forte correlação com o aparecimento de doença cardiovascular e
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. morte súbita. Por outro lado, a prática de exercício físico regular está associada a um
Correspondência: melhor estilo de vida, redução da incidência de doenças cardiovasculares, impactando
Valéria Papa. Universidade de São em menor mortalidade.1,2 Estima-se que o risco de complicações cardíacas, como infarto,
Paulo (FMRP-USP). Hospital das
Clinicas da Faculdade de Medicina parada cardíaca ou morte durante a pratica de exercício físico, seja de um evento por
de Ribeirão Preto. Rua Tenente
Catão Roxo, 3900, Vila Monte Alegre,
cada 60.000-80.000 horas de exercício, mostrando-se portanto segura.4 Nesse cenário,
Ribeirão Preto, SP. Brasil. o exercício físico tem sido considerado o principal componente da RCV.
valpapa@uol.com.br
Os programas de RCV são tradicionalmente divididos em três fases temporais: fase I,
fase II e fase III.5 A fase I, ou fase intra-hospitalar, são as atividades de reabilitação durante
o período de internação na unidade de terapia intensiva e estendendo-se à enfermaria até a
Acesse o
alta hospitalar. O direcionamento às fases ambulatoriais da RCV deve ser realizado na alta
Podcast hospitalar. A fase II inicia com o paciente imediatamente após o período de hospitalização e
tem duração média de três meses. A fase III geralmente tem duração de três a seis meses
e a fase IV tem duração prolongada, ambas se destinam a programas de exercício físicos

http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002264-72 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


REABILITAÇÃOCARDIOVASCULARBASEADAEMEXERCÍCIOFÍSICONAINSUFICIÊNCIACARDÍACA-FASEHOSPITALAREAMBULATORIAL

ambulatorial com supervisão continuada, por profissional Evidências atuais demonstram que a RCV baseada em
especializado (fisioterapeuta e/ou educador físico).5 Atende exercícios intra-hospitalar deve ser iniciada 12 a 24 horas em
imediatamente os pacientes liberados da fase II, mas pode pacientes com doença cardiovascular, desde que o paciente
ser iniciada em qualquer etapa da evolução da doença, não esteja estável do ponto de vista hemodinâmico e elétrico.11
sendo obrigatoriamente sequência das fases anteriores. O atraso de uma semana no início do programa de RCV
Este artigo tem como objetivo abordar as diferentes fases exige um mês adicional de treinamento para alcançar os
da RCV baseada em exercício físico e suas particularidades mesmos resultados.12 Dessa forma, é importante diminuir
em pacientes com insuficiência cardíaca (IC). as barreiras de acesso ao início da mobilização precoce e
início seguro da RCV fase I (intra-hospitalar). Segundo as
FASE I / INTRA-HOSPITALAR recomendações do American College of Sports Medicine,13
A fase I, ou fase intra-hospitalar, compreende um pro- a prescrição de exercício na reabilitação cardiovascular fase
grama de intervenção que inclui o exercício físico, e deve ser I deve ser individualizada, independente do paciente com
iniciada imediatamente após o paciente ter sido considerado IC ser clinico ou cirúrgico, devendo ser monitorizado com
clinicamente compensado, como decorrência do tratamento relação sinais vitais e intolerância ao exercício.14-17 (Tabela 1)
clínico e/ou intervencionista.5 Nesta fase objetiva-se: reduzir O programa de exercício físico supervisionado realizado
os efeitos deletérios do repouso no leito, melhorar as condi- durante a fase de internação deve ser imediatamente inter-
ções físicas e psicológicas, orientação quanto a necessidade rompido na presença de sinais de intolerância ao exercício,
de mudança de estilo de vida saudável e prática de exercício baixo débito cardíaco (cianose, palidez, náuseas), bradicardia,
físico, restaurando capacidade funcional com consequente uma queda na pressão arterial sistólica> 15 mmHg, em com-
redução na mortalidade hospitalar. Recente Diretriz Brasileira paração à linha de base, um aumento excessivo na pressão
de Reabilitação Cardiovascular5 propõe-se que a equipe de arterial sistólica definida como> 200 mmHg, aumento da
atendimento deve ser composta por, pelo menos, médico, pressão arterial diastólica durante o exercício> 110 mmHg),
fisioterapeuta e enfermeiro, capacitados para atuar em RCV. dor no peito, fadiga nominal ≥ 6/10 na percepção do esforço
percebido de Borg, e / ou sinais eletrocardiográficos de
Insuficiência cardíaca: particularidades na isquemia cardíaca ou arritmias ventriculares.11,16,17
prescrição do exercício físico Apesar de fortes evidências para RCV baseada em exer-
cício físico em pacientes ​​com IC avançada, a maioria das
Pacientes com insuficiência cardíaca (IC) apresentam
pesquisas até hoje se concentrou em modelos de reabilitação
dispneia e fadiga como principais manifestações clínicas
ambulatorial.1,18 A literatura disponível permanece limitada,
da doença, o que gera substancial intolerância ao exercício
pouco foi investigado sobre a RCV baseada em exercício de
físico e prejuízos na capacidade funcional. Além do com- 265
pacientes hospitalizados na fase aguda. Arena et al.,19 reali-
prometimento cardiovascular, esta síndrome clínica envolve
zaram um dos primeiros estudos envolvendo RCV baseado
também os sistemas neuro-hormonal, musculoesquelético e
em exercício em pacientes com IC hospitalizado a espera de
imunológico.6 Diversos fatores estão envolvidos nesta fisio-
transplante cardíaco utilizando suporte inotrópico positivo;
patologia, dentre eles: hipoperfusão periférica, redistribuição
demonstraram em um estudo de caso que o exercício físico
do fluxo sanguíneo, acentuada resposta vasoconstritora,
foi seguro e efetivo no pré-operatório de transplante cardíaco.
desequilíbrio simpato-vagal, estresse oxidativo, aporte nutri-
cional deficitário, estado inflamatório persistente, excessivo Tabela 1. Prescrição de exercício físico na fase hospitalar do programa
recrutamento ventilatório e disfunção muscular periférica.7,8 de RCV para pacientes com insuficiência cardíaca.
Apesar de o exercício físico ser amplamente estabelecido Exercícios globais: caminhada,
e recomendado para pacientes com IC,9 na prática clínica subir escadas, bicicleta
a implementação da reabilitação cardiovascular baseada Programa de Exercícios : estacionária.
em exercícios durante a internação hospitalar, torna-se um Incremento progressivo.
desafio, principalmente para aqueles pacientes em que o Tempo total: 20 minutos
surgimento de dispneia e fadiga muscular precoce se tornam
Forma intermitente: 3 a 5 min de
as principais barreiras para a prática do mesmo. Duração: exercício e 1 a 2 min de descanso
Na literatura, sabe-se que o imobilismo prolongado no
Monitorização: PA, FC, IPE, ECG,
leito está associado à fraqueza e atrofia muscular, o que afeta SatO2
em longo prazo a capacidade funcional, qualidade de vida e
Frequência: 2 x ao dia
sobrevivência do indivíduo hospitalizado. O imobilismo pode
2 Mets inicial/progressivo
intensificar os prejuízos a fisiopatologia da IC, potencializando Gasto energético
atingir 3 a 4 Mets
a liberação de marcadores inflamatórios, aumentando a
Manter entre 4 e 5 (escala de 0-10)
degradação de proteínas (fibras musculares) o que implica
Intensidade moderada
em piora do status funcional do paciente. O exercício físico (Devido a utilização de
estabelecido precocemente é clinicamente relevante du- IPE/Borg betabloqueadores que interferem
rante a hospitalização, neutraliza os efeitos da imobilidade, na FC, recomenda-se que a
com melhora do status funcional após alta. Dessa forma intensidade seja monitorado
esforços devem ser realizados na busca de estratégias que usando o IPE)
possibilitem que o indivíduo realize o exercício físico ainda IPE: Índice de percepção de esforço de Borg; Mets: Equivalentes metabólicos; PA: Pressão
arterial; FC: Frequência cardíaca; ECG: eletrocardiograma; RCV: Reabilitação cardiovascular;
na fase hospitalar.10 SatO2:Saturação de Oxigênio.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


Além disso, outro estudo de caso constatou que exercício físi- submáximo, pode ser empregado como estratégia alternativa
co foi realizado com segurança em um paciente hospitalizado para avaliação da capacidade funcional, mostrando-se de
com IC avançada, em terapia inotrópica contínua, levando fácil execução, baixo custo, seguro e bem tolerado pelos
a uma melhora clinicamente significante da capacidade pacientes hospitalizados. Atualmente, é amplamente utilizado
funcional e da resposta cardiorrespiratória.20 Forestieri et al.,17 em pacientes com IC. A principal variável, portanto, obtida
demonstraram em um estudo piloto, que o treinamento físico no teste é a distancia percorrida no TC6’(DTC6’).23
em bicicleta ergométrica estacionária apresentou resultados Alguns estudos comprovam que a DTC6’ apresenta corre-
positivos na capacidade de exercício e na força muscular lação moderada com o VO2 pico para avaliar a tolerância aos
inspiratória em pacientes que aguardavam o transplante esforços.24 O TC6’ é um instrumento de avaliação capaz de
cardíaco em uso de suporte inotrópico intravenoso. predizer melhora clínica associada a diferentes intervenções,
além de ser associado a desfechos clínicos e prognósticos de
Respostas sistêmicas aos programas de exercício morbimortalidade. Em uma revisão sistemática, foi determinado
físico na fase hospitalar para a população com IC, a mínima diferença clinicamente
Os estudos existentes na literatura mostrando os efeitos significante considerada após intervenções é de 45 metros.25
benéficos de um programa de exercícios precoce por curto Além disso, diversos estudos demonstraram que uma DTC6’
período na fase hospitalar como citado anteriormente, gene- menor que 300 metros esta associada a forte marcador de
raliza os efeitos encontrados nos pacientes sem diferenciar mal prognóstico em pacientes com IC, com maiores taxas de
a condição cardíaca basal, ou seja, função de ventrículo hospitalização e mortalidade ao longo do tempo.24 Recente-
esquerdo (VE). Evidências apontam que a disfunção ven- mente, o STICH Tria l26 demonstrou que indivíduos com IC e
tricular esquerda (DVE) e a capacidade funcional reduzida disfunção ventricular esquerda no pré-operatório de cirurgia
influenciam as respostas de pacientes submetidos a progra- de revascularização do miocárdio que atingiram uma DTC6’
mas de reabilitação. Polcaro et al.,21 avaliaram 459 pacientes menor que 300 metros evoluíram com maior mortalidade em
alocados em categorias, fração de ejeção ventricular esquerda longo prazo quando comparados àqueles com capacidade
(FEVE)>40% e FEVE<40% que foram submetidos após CRM funcional preservada. Além disso, Rocco et al.,27 avaliaram a
a um programa de reabilitação cardiovascular ambulatorial. capacidade da cinética do VO2 durante o TC6’ utilizando um
Demonstraram que quanto maior a DVE melhor e mais apa- dispositivo de espirometria e análise de gases portátil por
rente são as respostas após um programa de exercícios. telemetria, no pré-operatório de cirurgia de revascularização
Outro estudo prévio,22 na fase ambulatorial objetivando avaliar miocárdica incluindo pacientes com DVE. Os autores observa-
capacidade funcional máxima, relatou que os pacientes com ram que a avaliação da cinética do VO2 durante o TC6’ foi um
FEVE preservada melhoram espontaneamente de um a três preditor de resultados clínicos em curto prazo após a cirurgia
266 meses após o evento, enquanto pacientes com função ventri- de revascularização miocárdica sem circulação extracorpórea.
cular deprimida são mais susceptíveis a respostas favoráveis Estes achados da literatura sugerem a avaliação da capacidade
a programas de reabilitação cardiovascular. Desta forma, de exercício como importante fator na estratificação de risco
a redução da função ventricular não deve ser considerada perioperatório. Estes achados da literatura sugerem que a
como risco ou contraindicação absoluta para o início de um avaliação da capacidade de exercício como importante fator
programa de exercícios supervisionados, mas sim como uma na estratificação de risco perioperatório.
forte indicação para este tipo de tratamento para evitar a A DTC6’ sofre influência de diferentes fatores, incluindo:
piora do descondicionamento e disfunção muscular. Nesse idade, altura, peso, sexo, cognição, humor, comorbidades
contexto, em estudo recente Mendes et al.,15 avaliaram as associadas, uso de oxigênio suplementar, nível de incentivo.
adaptações autonômicas cardíacas em pacientes com FEVE Dessa forma, foram desenvolvidas equações de referência
normal e reduzida, após um programa de reabilitação por adaptadas a fatores principalmente antropométricos em
curto período na fase hospitalar em pacientes submetidos a diferentes regiões populacionais, o que possibilita comparar o
cirurgia de revascularização miocárdica. Concluíram que após desempenho obtido no teste com o esperado para o individuo
um programa de reabilitação de cinco dias os pacientes com nas mesmas condições. O TC6’ isoladamente não é capaz
FEVE reduzida experimentaram benefícios mais acentuados fornecer informações precisas sobre as causas de limitação
comparados aos pacientes com FEVE normal. do exercício. No entanto, estudos têm identificado outras
variáveis que possam, de maneira mais sensível, identificar
Avaliação da Capacidade funcional intra-hospitalar a capacidade de esforço submáximo. O produto do peso
A avaliação da capacidade funcional dos pacientes pela DTC6’ (D.P) foi inicialmente descrito para pacientes com
cardiopatas é de extrema importância para determinar a doença pulmonar e parece apresentar maior associação com
tolerância ao esforço físico, orientar a prescrição de exercício, variáveis ergoespirométricas.6 Estudo anterior,27 identificou que
avaliar a necessidade e a resposta aos determinados tipos a cinética do VO2 no TC6’ pode ser predita pelo D.P quando
de intervenções terapêuticas, por exemplo, um programa de avaliada no pré-operatório de cirurgia de revascularização
RCV. O padrão-ouro para avaliação da capacidade funcional miocárdica incluindo pacientes com DVE.
é o teste cardiopulmonar, considerado um teste máximo, que VMNI pode aumentar a tolerância ao exercício e perfusão
avalia variáveis metabólicas como o consumo de oxigênio tecidual em pacientes com IC hospitalizados?
(VO2). Todavia, sua execução depende de equipamentos Durante o esforço físico, ocorre recrutamento ventilatório
sofisticados e de equipe especializada, além de ser um teste e, portanto o fluxo sanguíneo aumenta para a musculatura
caro. Na tentativa de contornar essas dificuldades, o teste da respiratória. Uma vez que os pacientes com IC (principalmente
caminhada dos seis minutos (TC6’), considerado um teste com disfunção do ventrículo esquerdo) apresentam baixa

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


REABILITAÇÃOCARDIOVASCULARBASEADAEMEXERCÍCIOFÍSICONAINSUFICIÊNCIACARDÍACA-FASEHOSPITALAREAMBULATORIAL

possibilidade de incremento de débito cardíaco, acontece a envolvessem esforço muscular. Neste contexto, a eletroes-
redistribuição do fluxo sanguíneo da musculatura periférica timulação muscular periférica (EMP) tem sido usada como
para a musculatura respiratória.8 Com isso, há hipoperfusão uma modalidade alternativa de exercício em pacientes com
periférica e acúmulo de metabólitos, com aparecimento preco- IC.33 Revisões sistemáticas já extensivamente investigaram
ce da fadiga muscular. Diante deste panorama, estudos apon- e demonstram os efeitos benéficos da EMP em pacientes
tam que o uso da ventilação mecânica não invasiva (VMNI) com IC crônica (avançada), na fase ambulatorial, entre eles:
pode melhorar a tolerância ao exercício durante a prática de melhora na força muscular de membros inferiores, aumento
exercício físico, e pode ser uma alternativa complementar do VO2 e da distância percorrida no TC6 com melhora qua-
viável para o indivíduo com IC durante hospitalização.28,29 lidade de vida.34,35
A VMNI pode auxiliar na melhora da tolerância ao exercício Dentro do contexto intra-hospitalar, os pacientes se en-
por diferentes vias: 1) por propiciar efeitos hemodinâmicos; contram ainda mais frágeis e debilitados pela IC agudizada
2) por propiciar efeitos respiratórios. Quanto aos efeitos ou descompensada, a literatura já é capaz de demonstrar
hemodinâmicos, a VMNI tem a capacidade de diminuir a os benefícios da EMP.10
pré-carga cardíaca, diminuir a pós-carga de VE por meio Groehs et al.,36 investigaram os efeitos da EMP em pa-
da diminuição da resistência vascular sistêmica e, portan- cientes com IC ainda instáveis, momento em que o exercício
to, melhorar o desempenho do VE, por meio do aumento físico seria contra-indicado e observaram que a EMP me-
da pressão intratorácica que diminui a pressão transmural lhorou a atividade neural simpática muscular, a tolerância
de VE, diminuindo o raio do coração de acordo com a lei ao exercício, força muscular e a qualidade de vida. Forestiei
de Laplace e aumentando sua força sistólica.28,30 Khayat et al.,37 demonstraram que a EPM, realizada em musculatura
et al.,28 em estudo randomizado sugere que a aplicação VMNI de quadríceps femoral e gastrocnêmio, melhorou a tolerância
com dois níveis pressóricos é superior ao CPAP (um nível ao exercício e reduziu a necessidade do uso de suporte
pressórico) em melhorar a FEVE em paciente com IC e DVE. inotrópico em pacientes com IC avançada admitidos por
A VMNI por melhorar o desempenho cardíaco pode ser descompensação clínica. Contudo a EMP pode ser uma
capaz de influenciar a perfusão tecidual em pacientes com alternativa viável segura de exercício ativo para pacientes
IC e disfunção ventricular esquerda após cirurgia de revas-
com IC, que apresentam intolerância ao exercício físico con-
cularização miocárdica. Marcondes et al,.31 desmontaram
vencional durante a hospitalização.
que a aplicação aguda da VMNI (dois níveis pressóricos)
melhorou a saturação venosa de oxigênio e diminuiu lactato Treinamento muscular inspiratório em pacientes
arterial em indivíduos com disfunção ventricular esquerda
com IC candidatos à CC
no pós-operatório precoce de cirurgia cardíaca. Quanto aos
efeitos respiratórios, a VMNI (binível) diminui o esforço inspi- O ato cirúrgico em pacientes com doenças cardiovas- 267
ratório, e evita uma resposta exagerada da ventilação minuto culares promove o prejuízo do sistema respiratório. Dentre
do paciente com IC, e, portanto, ao diminuir o recrutamento os efeitos deletérios oriundos da cirurgia cardíaca (CC),
ventilatório, possibilita maior aporte de fluxo sanguíneo para observa-se a redução dos volumes e capacidades pulmo-
a musculatura periférica.8 nares, a diminuição da complacência pulmonar e da força
Estudos atuais demonstram, portanto, que a somatória muscular ventilatória. Dessa forma, estratégias terapêuticas
dos efeitos hemodinâmicos e respiratórios do uso da VMNI não farmacológicas são utilizadas no período perioperatório
em pacientes com IC hospitalizados levam a melhora de de pacientes que realizam CC. Recomenda-se o treinamento
desfechos clínicos: redução dos índices de dispneia com muscular inspiratório (TMI) em pacientes submetidos à CC,
melhora da tolerância ao exercício, melhora no desempenho tanto no período pré-operatório quanto no pós-operatório,
do TC6’, e menor tempo de internação hospitalar.29,32 devido aos seus benefícios sobre a função ventilatória e a
Dessa forma, a VMNI deve ser considerada uma ferramen- melhora em desfechos clínicos.38-42
ta coadjuvante nos programas de reabilitação baseada em TMI no pré-operatório de CC: No pré-operatório de CC,
exercícios durante a fase intra-hospitalar de pacientes com IC, deve-se utilizar, preferencialmente, cargas entre 30% e 60%
especialmente para aqueles que apresentam dificuldade para da pressão inspiratória máxima (PImáx), de 15 a 30 minutos
realizar exercício por apresentar sinais clínicos de dispneia diários e carga ajustada pelo terapeuta semanalmente. O
e fadiga de membros inferiores. Os principais mecanismos protocolo de TMI, nesta fase, deve ser iniciado pelo menos
envolvidos no aumento da tolerância ao exercício são cau- duas semanas prévias à CC. Dessa forma, estudos demons-
sados pela diminuição do esforço inspiratório, somados a traram que o TMI foi capaz de melhorar a capacidade vital
melhora do inotropismo e da perfusão tecidual.31 forçada (CVF), aumentar o pico de fluxo expiratório (PFE)
e a força muscular inspiratória, com consequente redução
Insuficiência cardíaca e eletroestimulação das complicações pulmonares e do tempo de internação
muscular periférica hospitalar.38-41
Convencionalmente o exercício aeróbio, em modalidades TMI no pós-operatório de CC: Alguns estudos demonstra-
contínuas ou intervaladas, é considerado o padrão ouro de ram que, o TMI no pós-operatório de pacientes submetidos
treinamento para indivíduos com IC. Entretanto, não é raro à CC, no período intra-hospitalar, promoveu o aumento da
que pacientes com IC estejam limitados, tanto por dispneia, CVF, do PFE e a da força muscular inspiratória. Entretanto,
quando por fadiga de membros inferiores, e por isso ficam os protocolos utilizados, nesta fase, foram desenvolvidos de
incapazes de realizar modalidade de exercício ativo. Portanto, forma heterogênea, o que não permite definir, até o momento,
se tornou necessária a busca de novos recursos que não um protocolo ideal a ser prescrito para esses pacientes.41,42

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


FISIOTERAPIA CARDIOVASCULAR Avaliação Fisioterapêutica na Fase Ambulatorial
AMBULATORIAL PARA PACIENTES Para que um programa de fisioterapia cardiovascular
seja bem sucedido e seguro, o fisioterapeuta deve estabe-
COM IC CRÔNICA lecer uma criteriosa e ordenada avaliação multidimensional
A fisioterapia cardiovascular na fase ambulatorial para do paciente que leva em consideração a patologia, fatores
pacientes com insuficiência cardíaca (IC) crônica é conhecida de risco, sinais, sintomas, capacidade funcional, exames
como a fase de recuperação e manutenção.43 A abordagem complementares, estratificação de risco do paciente, estado
ambulatorial pode ser dividida em fases II e III e tem por funcional (nível com o qual o paciente desempenha atividades
objetivos estabelecer estratégias preventiva e curativa por de vida diária). O Quadro 1 apresenta os domínios que devem
meio da aplicação de programas de exercícios físicos para ser considerados para avaliação fisioterapêutica.
melhora da capacidade funcional, autonomia da participação Na sequência, algumas avaliações mais especificas devem
social dos pacientes e melhora da qualidade de vida.44 Essa ser consideradas para checar o grau da limitação funcional
dicotomia entre fase II e III é baseada nas características dos pacientes e para servir de subsídio para a prescrição do
clínicas atuais e na limitação funcional dos pacientes, o que exercício físico respeitando os princípios da individualidade
em certa medida, pode demandar uma supervisão mais biológica, especificidade, sobrecarga e regularidade.
criteriosa para os pacientes fase II. 1. Avaliação da força muscular inspiratória – pacientes
A alta morbimortalidade e persistente intolerância ao com IC crônica podem apresentar fraqueza e/ou baixa
esforço físico que ocorre nos pacientes com IC crôni- resistência muscular inspiratória. Para avaliação da forca
ca, ainda que tenham terapia farmacológica otimizada, muscular respiratória, os pacientes podem ser submetidos
sempre levanta a necessidade de se buscar outras a manovacuometria ou avaliação do índice de força dinâmi-
estratégias para o tratamento, como o treinamento físi- co (S-index) a partir da manobra de Muller. A avaliação da
co.45 A redução do nível de atividade física secundária resistência muscular ventilatória pode ser realizada por meio
a progressão da IC, leva ao descondicionamento físico, dos protocolos de resistências.47
que contribui para aumentar ainda mais os sintomas 2. Avaliação da força muscular periférica – a fraqueza mus-
e a intolerância ao esforço, reduzindo a capacidade cular dos músculos periféricos é comum nos pacientes com
funcional e produzindo efeitos psicológicos negativos. O IC crônica. Neste sentido, a avaliação dos grandes grupos
treinamento físico produz benefícios já documentados na musculares deve ser considerada, podendo ser realizada
capacidade funcional máxima e submáxima, na qualidade por meio do teste de 1 repetição máxima observando as
de vida, na miopatia esquelética periférica e respiratória, orientações adequadas de aplicação e com monitorização dos
268 no balanço autonômico, no perfil humoral e redução sinais vitais. Adicionalmente, a realização do teste de preensão
de re-hospitalizações (Diretriz). Revisões sistemáticas palmar também está indicada, uma vez que já é conhecida a
sugerem que o treinamento físico é seguro, com efeitos relação dos seus resultados com a fraqueza muscular global.48
positivos na sobrevida e raros efeitos adversos rela- Por fim, se for o caso, os pacientes podem ser avaliados em
cionados ao exercício44 com recomendação I - A para protocolos de força de dinamometria isocinética. Importante
pacientes com IC para melhorar capacidade funcional destacar que os parâmetros obtidos com a avalição podem
e sintomas e redução do risco de hospitalização.44,45 ser considerados para a prescrição do treino resistido.

Quadro 1. IMC: Índice de massa corpórea; AVD: atividades de vida diária; WHOQOL100: World health organization instrument to evaluate
quality of life; WHOQOL-bref: instrumento abreviado do WHOQOL100.
Avaliação Fisioterapêutica – Fase Ambulatorial
-Avaliar o encaminhamento médico, queixa principal, história clínica pregressa e da doença atual, histórico
dos sintomas/sinais atuais, presença de doenças coexistentes e associadas, histórico de hospitalização
ou cirurgias, problemas ortopédicos, presença de sinais de comprometimento neurológico, hábitos de
Anamnese
vida (alimentação, atividade física, tabagismo, etilismo, sono, uso de anticoncepcionais, drogas etc.),
presença e nível de estresse e histórico familiar (principalmente de doenças cardiovasculares), exames
complementares.
- Avaliação dos sinais vitais - temperatura corporal, pressão arterial (sistólica, média e diastólica)
e frequência cardíaca (em supino, sentado e em pé), regularidade do pulso, frequências e padrão
respiratório).
- Antropometria - massa corporal, estatura, índice de massa corpórea (IMC), cálculo da
Exame físico composição corporal (massa gorda e magra).
- Perimetria: trofismo e edema nos membros
- Ausculta: cardíaca e pulmonar
- Inspeção e palpação – observar detalhes de locomoção, detalhes de simetrias, trofismo, cor e textura da
pele, higiene, presença de hematomas.
Flexibilidade - Avaliação estática e dinâmica da amplitude de movimento – goniometria, flexiometro, flexiteste46
- Podendo ser avaliada por meio de instrumentos de avaliação do equilíbrio e marcha – Escala de
Marcha e equilíbrio
equilíbrio de Berg, teste time up and go
Avaliação funcional - Avaliar as habilidades para executar atividades de vida diária (AVD).
- Avaliar por instrumentos já validados como o SF-36 (Medical Outcome Survey Short Form 36) e o
Qualidade de vida
WHOQOL100 e o WHOQOL-bref.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


REABILITAÇÃOCARDIOVASCULARBASEADAEMEXERCÍCIOFÍSICONAINSUFICIÊNCIACARDÍACA-FASEHOSPITALAREAMBULATORIAL

3. Avaliação da capacidade funcional – a avaliação da capa- Dessa forma, adicionalmente ao exercício aeróbio e ao
cidade funcional é fundamental na fisioterapia cardiovascular exercício resistido, o treinamento muscular inspiratório (TMI)
dos pacientes com IC crônica porque permite conhecer a deve ser incluído no protocolo de RC em pacientes com
limitação funcional e correlacioná-la a gravidade da doença IC. O TMI é uma modalidade de exercício que promove o
e, essencialmente, para a prescrição do exercício aeróbio. aumento da força e da resistência dos músculos ventilató-
Nessa perspectiva, se o fisioterapeuta tiver acesso ao teste rios, reduz o a exacerbação do metaborreflexo muscular
cardiopulmonar, os parâmetros que refletem principalmente a diafragmático, assim como aumenta a capacidade funcional
capacidade aeróbia (limiar de anaerobiose ou primeiro limiar desses pacientes.52,53 Toda a mudança morfofuncional que
ventilatório) pode ser reveladores da limitação funcional e úteis pode ser creditada ao TMI tem impacto positivo sobre as
para a prescrição de exercício.49 Por outro lado, na ausência características primordiais da fisiopatologia da IC, onde há
do teste, desde que devidamente monitorizado e seguro, o o acometimento cardíaco, musculoesquelético e pulmonar,
fisioterapeuta pode avaliar a capacidade funcional dos pa- em um ciclo vicioso, que interfere na qualidade de vida e nas
cientes pela aplicação do teste de caminha de seis minutos. atividades de vida diária onde a dispneia e fadiga crônica são
Adicionalmente, certo da segurança, outros testes de campo os sintomas mais citados e limitantes para os pacientes.52,54,55
podem ser considerados (teste de degrau, teste de escada...). O TMI pode ser realizado no ambulatório com resistores
lineares e sessões de treino sendo supervisionadas pelo fisio-
Prescrição de exercício físico na Fase Ambulatorial terapeuta com resultados positivos entre seis a 12 semanas
da Reabilitação Cardiovascular de uso da técnica.53 Em ambiente domiciliar os pacientes
Não existe uma prescrição de exercício única, a prescrição podem realizar o treino orientados a distância com o apoio da
deve ser individualizada levando em conta a capacidade telereabilitação. Sua utilização ainda segue sendo estudada
física, características individuais e preferências. O treina- para observação das formas de se prescrever a atividade
mento aeróbico contínuo moderado já é bem estabelecido e realizar o incremento de carga, ou ainda, questões como
como modalidade de treinamento eficaz e segura, como a frequência de treino semanal e a adesão dos pacientes.
demonstrado no estudo HF-ACTION, que observou redu- Com isso, essa forma de treino, muitas vezes, segue sendo
ção moderada dos sintomas, melhora da capacidade de reservada a pacientes estáveis e com um bom entendimento
exercício e redução de readmissões hospitalares por IC.44 de sua doença, limitações e consciência corporal.56 Quando o
Uma abordagem baseada no treinamento físico combinado TMI é combinado a uma outra atividade indicada para a rotina
(aeróbico e resistido) mostra efeitos adicionais, com melhora de reabilitação, tal qual o exercício aeróbio ou combinado, há
do VO2 pico em comparação com o treinamento aeróbico evidência de maior incremento na força muscular respiratória
isolado. Além de ser uma modalidade eficiente, é seguro e e na qualidade de vida dos pacientes acompanhados.53,54 A 269
bem tolerado em pacientes com IC. (Quadro 2). IC é uma doença limitante por si só e pode ainda adicionar
Pacientes com IC frequentemente apresentam fraqueza da níveis de incapacidade em pacientes que tenham caracteri-
musculatura ventilatória, representada pela redução da força zada a fragilidade. Nesses casos, a prescrição do TMI pode
e/ou da resistência, o que promove a redução da capacidade ser ainda mais relevante já que essa associação de doenças
funcional e pior prognóstico (VO2pico).50,51 está diretamente relacionada à mortalidade.4

Quadro 2. Prescrição de exercício físico na fase ambulatorial para pacientes com IC crônica.
Tipo de exercício Recomendações
Aeróbico - 3 a 5 dias por semana;
- Com TCEP: zona entre os limiares ventilatórios (geralmente ao redor do limiar anaeróbico); ou 60 a 80%
da FC pico ou 50 a 70% da FC reserva do Teste ergométrico; sem teste ou presença de fibrilação atrial,
usar IPE de Borg de 11 a 14 na escala original de 6 a 20;
- Pode-se começar com poucos minutos, aumentar progressivamente até 30 minutos por dia, tentando
chegar a 60 minutos por dia;
- Pode-se utilizar ergômetro de braço, bicicletas estacionárias, esteira ergométrica, caminhada ao livre.
Resistido - 1 a 2 dias por semana (não consecutivos);
- De 40 a 60% de 1 RM, incialmente com % menor e ir subindo gradualmente conforme paciente tolerar;
- 1 a 3 séries, 8 a 15 repetições em cada série, 8 a 10 tipos diferentes de exercícios com foco nos grandes
grupos musculares;
- Escolher equipamentos seguros e confortáveis para cada pacientes, podendo ser halteres, caneleiras,
bandas elásticas, máquinas de musculação.
Treinamento Muscular - Diariamente;
inspiratório - 30% da pressão inspiratória máxima;
- 30 minutos de sessão com exercício contínuo ou em séries com repetições que variam de 10 a 30;
- A carga deve ser avaliada semanalmente para incremento ou manutenção de em média, 30% da
pressão inspiratória máxima para o treino;
Flexibilidade - 2 a 3 dias por semana, diariamente é o ideal;
- Alongamento até o ponto de estiramento muscular ou leve desconforto;
- Manter de 10 a 30 segundos para alongamento estático, 2 a 4 repetições cada exercício;
- Alongamentos estáticos e dinâmicos com foco nas principais articulações dos membros e tronco.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


Cabe destacar que as sessões de fisioterapia cardiovas- Fragilidade do Paciente com IC crônica
cular devem ser monitorizadas pela resposta sistematizada A fragilidade é comum em idosos com IC crônica, e
da pressão arterial sistêmica, frequência cardíaca, escala de pode estar presente em mais de 70% dos pacientes com
percepção de esforço (Escalas de Borg), observação dos mais de 80 anos de idade.58 Embora exista um consenso
sinais e sintomas e atenção aos critérios de interrupção.5 O incompleto sobre sua definição específica, fragilidade é
Quadro 2 sintetiza os domínios da prescrição de exercício marcada por excesso de vulnerabilidade a estressores,
para pacientes com IC crônica. com capacidade reduzida de manter ou recuperar a ho-
meostase após um evento desestabilizador. Manifesta-se
Treinamento intervalado de alta intensidade
por lentidão, fraqueza, percepção de exaustão, níveis
Recentemente, tem aumentado a aplicação de exercícios mais baixos de atividade e involuntária perda de peso. A
aeróbicos de alta intensidade realizados de modo intervalado fragilidade contribui para piores desfechos clínicos, que
(HIIT – high intensity interval training), que alterna períodos podem ser melhorados por programas de manejo da
mais intensos com momentos de recuperação passiva ou doença. Tradicionalmente, as diretrizes de treinamento
ativa, o que possibilita maior duração total de exercícios na para pacientes com IC recomendam exercícios aeróbi-
alta intensidade e, consequentemente, pode produzir maior
cos de grande massa muscular (caminhada e ciclismo)
estímulo para adaptações fisiológicas centrais e periféricas.
e o treinamento muscular localizado pode ser um tipo
Existem vários protocolos descritos, que podem ser usados
importante de treinamento para melhorar o transporte de
dependendo da tolerância e capacidade física do paciente.
O2 na IC, particularmente útil em pacientes gravemente
Em indivíduos selecionados, o HIIT pode ser uma modali-
incapacitados com capacidade de reserva mínima.60
dade a ser considerada com intensidade de treinamento de
Reeves et al.,61 realizou o estudo REHAB-HF que suge-
até 90% da FCR.44 Ellingsen et al.,57 demonstraram que 12
riu a segurança e a eficácia de uma reabilitação física de
semanas de HIIT não foi superior ao treinamento aeróbico
múltiplos domínios de intervenção para melhorar a função
moderado contínuo em relação ao remodelamento reverso do
física e reduzir a hospitalização em pacientes idosos e
ventrículo esquerdo ou melhora de endpoints secundários na
frágeis com descompensação aguda IC com múltiplas
IC crônica com FEVE reduzida. Considerando que a adesão
à intensidade de exercício prescrita com base na frequência comorbidades. Em pessoas com IC combinada com perda
cardíaca pode ser difícil de alcançar, o treinamento contínuo muscular significativa, o treinamento deve concentrar-se ini-
moderado continua sendo a modalidade de exercício padrão cialmente no aumento da massa e força muscular aplicando
para pacientes com IC crônica. principalmente treinamento de força durante as sessões
da primeira semana. Fraqueza muscular esquelética dos
270 Aplicação da ventilação não invasiva concomitante membros superiores muitas vezes pode complicar as ta-
ao exercício físico refas diárias e, portanto, reduzir a qualidade de vida. Uma
combinação de treinamento de aeróbio e resistência foi
O uso da VMNI tem sua eficácia comprovada em diversas
demonstrado que melhora a intolerância submáxima ao
situações que cursam com insuficiência respiratória aguda,
exercício e, portanto, aumenta a capacidade de realizar
em especial como conduta de escolha para o manejo de
pacientes com edema agudo de pulmão. A pressão positiva tarefas diárias com esforço submáximo.
diminui o shunt pulmonar através da expansão de alvéolos Tanto a curto como a longo prazo os programas de
colapsados, consequentemente melhorando a troca gasosa exercícios podem ser difíceis para pacientes com IC de-
e a oxigenação dos tecidos. A VMNI também diminui a vido sintomas como dispneia e fadiga ocorrem mesmo
pressão transmural do ventrículo esquerdo, a pós-carga em baixos níveis de atividade física. Isso pode, portanto,
e consequentemente melhora o débito cardíaco.8,58 Além limitar a disposição a realizar um programa de treinamento
disso, a aplicação da VMNI com um nível pressórico contínuo físico. Para esses pacientes, um programa de treinamento
melhora a capacidade residual funcional e a complacência resistido com, por exemplo, faixas elásticas, pode ser uma
pulmonar, gerando um menor trabalho ventilatório, o que alternativa. Uma banda de resistência é uma faixa elástica
pode representar um efeito importante para esses pacientes com resistência ajustável, que permite ao paciente variar
que apresentam fadiga muscular ventilatória no exercício seu comprimento para atingir um valor submáximo de nível
físico.8,58 Neste contexto, há evidências sólidas da aplicação de força em vários grupos musculares. Além disso, muitos
desse recurso terapêutico para melhora do desempenho e pacientes são incapazes de participar de um programa de
tolerância ao exercício físico de paciente com IC crônica.8,59 treinamento físico em ambiente hospitalar, por exemplo,
O conhecimento da eficácia da aplicação da VMNI como devido a problemas econômicos ou de transporte. Nesses
recurso terapêutico coadjuvante na prescrição de exercício pacientes, um programa de treinamento físico domiciliar
físico para pacientes com IC crônica tem especial impor- poderia representar uma alternativa.
tância para a área da fisioterapia cardiovascular. Uma vez
que esses pacientes apresentam redução na tolerância
ao exercício físico pincipalmente por uma alteração na
musculatura periférica, alvo da intervenção fisioterapêutica.
Neste sentido, desde que criteriosamente avaliado, reco- CONFLITOS DE INTERESSE
mendado e monitorizado, os pacientes podem se beneficiar Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
da concomitância da VMNI e exercício físico no processo na realização deste trabalho.
de reabilitação cardiovascular prescrito pelo fisioterapeuta.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


REABILITAÇÃOCARDIOVASCULARBASEADAEMEXERCÍCIOFÍSICONAINSUFICIÊNCIACARDÍACA-FASEHOSPITALAREAMBULATORIAL

REFERÊNCIAS
1. Taylor RS, Sagar VA, Davies EJ, Briscoe S, Coats AJ, Dalal H, 17. Forestieri P, Guizilini S, Peres M, Bublitz C, Bolzan DW, Rocco
et al. Exercise-based rehabilitation for heart failure. Cochrane IS, et al. A cycle ergometer exercise program improves exer-
Database Syst Rev. 2014;27(4):CD003331. cise capacity and inspiratory muscle function in hospitalized
2. Piotrowicz R, Wolszakiewicz J. Cardiac rehabilitation following patients awaiting heart transplantation: a pilot study. Braz J
myocardial infarction. Cardiol J. 2008;15(5):481-7. Cardiovasc Surg. 2016;31(5):389-95.
3. Anderson L, Oldridge N, Thompson DR, Zwisler AD, Rees 18. Long L, Mordi IR, Bridges C, Sagar VA, Davies EJ, Coats AJS,
K, Martin N, et al. Exercise-Based Cardiac Rehabilitation for et al. Exercise-based cardiac rehabilitation for adults with heart
Coronary Heart Disease: Cochrane Systematic Review and failure.
Cochrane Database Syst Rev. 2019;1: CD003331.

Meta-Analysis. J Am Coll Cardiol. 2016;67(1):1-12. 
 19. Arena R, Humphrey R, Peberdy MA. Safety and efficacy of exer-
4. Thompson PD, Franklin BA, Balady GJ, Blair SN, Corrado D, Estes cise training in a patient awaiting heart transplantation while on
NA, et al. American heart association council on nutrition, physical positive intravenous inotropic support. J Cardiopulm Rehabil.
activity, and metabolism; american heart association council on 2000;20(4):259-61.
clinical cardiology; american college of sports medicine. exercise 20. Paul EHR, Camarda R, Foley LL, Givertz MM, CahalinLP. Case
and acute cardiovascular events placing the risks into perspec- report: exercise in a patient with acute decompensated heart
tive: a scientific statement from the american heart association failure receiving positive inotropic therapy. Cardiopulm Phys Ther
council on nutrition, physical activity, and metabolism and the J. 2011;22(2):13-8.
council on clinical cardiology. Circulation. 2007;115(17):2358-68. 21. Polcaro P, Lova RM, Guarducci L, Conti AA, Zipoli R, Papucci M, et
5. Diretriz Brasileira de Reabilitação Cardiovascular. Arq Bras al. Left-ventricular function and physical performance on the 6-min
Cardiol. 2020;114(5):943-87. walk test in older patients after inpatient cardiac rehabilitation. A.
6. Alvarez P, Hannawi B, Guha A. Exercise And Heart Failure: J. Physical Med. Rehabilitation. 2008;87(1):46-52.
Advancing Knowledge And Improving Care. Methodist De- 22. Goebbels U, Myers J, Dziekan G, Muller P, Kuhn M, Ratte R, et al. A
bakey Cardiovasc J. 2016;12(2):110-115. randomized comparison of exercise training in patients with normal
7. Tucker WJ, Haykowsky MJ, Seo Y, Stehling E, Forman DE. vs reduced ventricular function. Chest. 1998;113(5):1387-93.
Impaired Exercise Tolerance in Heart Failure: Role of Skel- 23. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary
etal Muscle Morphology and Function. Curr Heart Fail Rep. Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute
2018;15(6):323-31. walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7.
8. Bündchen DC, Gonzáles AI, Noronha MD, Brüggemann AK, Sties 24. Cahalin LP, Mathier MA, Semigran MJ, Dec GW, DiSalvo TG. The
SW, Carvalho TD. Noninvasive ventilation and exercise tolerance six-minute walk test predicts peak oxygen uptake and survival in
in heart failure: A systematic review and meta-analysis. Braz J patients with advanced heart failure. Chest. 1996;110:325-332.
Phys Ther. 2014;18(5):385-94.
25. Shoemaker MJ, Curtis AB, Vangsnes E, Dickinson MG. Triangu-
9. Morris JH, Chen L. Exercise Training and Heart Failure: A lating clinically meaningful change in the six-minute walk test in
Review of the Literature. Card Fail Rev. 2019;5(1):57-61. individuals with chronic heart failure: a systematic review. Car-
10. Cops J, Haesen S, De Moor B, Mullens W, Hansen D. Exercise diopulm Phys Ther J. 2012;23(3):5-15
intervention in hospitalized heart failure patients, with emphasis
271
26. Stewart RA, Szalewska D, She L, Lee KL, Drazner MH, Lubiszewska
on congestion-related complications: a review. Heart Fail Rev. B, et al. Exercise capacity and mortality in patients with ischemic
2020;25(2):257-68. left ventricular dysfunction randomized to coronary artery bypass
11. Antman EM, Anbe DT, Armstrong PW, Bates ER, Green LA, graft surgery or medical therapy: an analysis from the STICH trial
Hand M, et al. American College of Cardiology/American Heart (surgical treatment for ischemic heart failure). JACC Heart Fail.
Association Task Force on Practice Guidelines (Writing Com- 2014;2(4):335-43.
mittee to Revise the 1999 Guidelines for the Management of 27. Rocco IS, Viceconte M, Pauletti HO, Matos-Garcia BC, Mar-
Patients With Acute Myocardial Infarction). ACC/AHA guidelines condi NO, et al. Oxygen uptake on-kinetics during six-minute
for the management of patients with ST-elevation myocardial walk test predicts short-term outcomes after off-pump coronary
infarction--executive summary: a report of the American College artery bypass surgery. Disabil Rehabil. 2019;41(5): 534-40.
of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice
Guidelines (Writing Committee to Revise the 1999 Guidelines for 28. Khayat RN, Abraham WT, Patt B, Roy M, Hua K, Jarjoura D. Car-
the Management of Patients With Acute Myocardial Infarction). diac effects of continuous and bilevel positive airway pressure
Circulation. 2004;110(5):588-636. for patients with heart failure and obstructive sleep apnea: a pilot
study. Chest. 2008;134(6):1162-68.
12. Haykowsky M, Scott J, Esch B, Schopflocher D, Myers J, Paterson
I, et al. A meta-analysis of the effects of exercise training on left 29. Oliveira MF, Santos RC, Artz SA, Mendez VMF, Lobo DML,
ventricular remodeling following myocardial infarction: start early Correia EB, et al. Segurança e eficácia do treinamento aeróbio
and go longer for greatest exercise benefits on remodeling. Trials. combinado à ventilação não invasiva em pacientes com insufi-
2011;12:92. ciência cardíaca aguda. Arq Bras Cardiol. 2018;110(5):467-75.
13. Thomas RJ, King M, Lui K, Oldridge N, Piña IL, Spertus J. AACVPR/ 30. Acosta B, DiBenedetto R, Rahimi A, Acosta MF, Cuadra O, Van
ACCF/AHA 2010 Update: Performance Measures on Cardiac Nguyen A, et al. Hemodynamic effects of noninvasive bilevel
Rehabilitation for Referral to Cardiac Rehabilitation/Secondary positive airway pressure on patients with chronic congestive heart
Prevention Services. Circulation. 2010;122:1342–50. failure with systolic dysfunction. Chest. 2000;118(4):1004-09.
14. Macedo RM, Faria-Neto JR, Costantini CO, Casali D, Muller AP, 31. Marcondi NO, RoccoIS, Bolzan DW, Pauletti HO, Begot I,
Constantini RC, et al. Phase I of cardiac rehabilitation: A new Anjos NR, et al. Noninvasive Ventilation After Coronary Artery
challenge for evidence based physiotherapy. World J Cardiol. Bypass Grafting in Subjects With Left-Ventricular Dysfunction.
2011;3(7):248-55. Respir Care. 2018;63(7):879-85.
15. Mendes RG, Simoes RP, Costa FSM, Pantoni CB, Di Thommazo 32. Moraes IG, Kimoto KM, Fernandes MB, Grams ST, Yamaguti
L, Luzzi S, et al. Left-ventricular function and autonomic cardiac WP. Adjunctive use of noninvasive ventilation during exercise
adaptations after short-term inpatient cardiac rehabilitation: a in patients with decompensated heart failure. Am J Cardiol.
prospective clinical trial. J Rehab Med. 2011;43(8):720-7. 2017;119(3):423-27.
16. Begot I, Peixoto TC, Gonzaga LR, Bolzan DW, Papa V, Carvalho 33. Ploesteanu RL, Nechita AC, Turcu D, Manolescu BN, Stamate
AC, et al. A home-based walking program improves erectile SC, Berteanu M. Effects of neuromuscular electrical stimu-
dysfunction in men with an acute myocardial infarction. Am lation in patients with heart failure - review. J Med Life.
J Cardiol. 2015;115(5):571-5. 2018;11(2):107-18.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


34. Cattadori G, Segurini C, Picozzi A, Padeletti L, Anzà C. Exercise Validity of the Static and Dynamic Measures of Inspiratory
and heart failure: an update. ESC Heart Fail. 2018;5(2):222-32. Muscle Strength: Comparison between Maximal Inspiratory
35. Gomes Neto M, Oliveira FA, Reis HF, Rodrigues Jr ES, Bitten- Pressure and S-Index. Braz J Cardiovasc Surg. 2020. Ahead
court HS, Carvalho VO. Effects of Neuromuscular Electrical of print: 1-6.
Stimulation on Physiologic and Functional Measurements in 48. Pu CT, Johnson MT, Forman DE, Hausdorff JM, Foldvari M,
Patients With Heart Failure: A SYSTEMATIC REVIEW WITH ME- Fielding RA, et al. Randomized trial of progressive resistance
TA-ANALYSIS. J Cardiopulm Rehabil Prev. 2016;36(3):157-166. training to counteract the myopathy of chronic heart failure. J
36. Groehs RV, Antunes-Correa LM, Nobre TS, Alves MJ, Rondon App Physiol. 2001;90: 2341-50.
UM, Pereira Barreto AC, et al. Muscle electrical stimulation 49. Floriano RS, Orsini M, Reis MS. Importância do teste car-
improves neurovascular control and exercise tolerance in diopulmonar para a fisioterapia cardiovascular. Fisioter Bras.
hospitalised advanced heart failure patients. Eur J Prev Cardiol. 2019;20(4):578–91.
2016;23(15):1599-608.
50. Meyer FJ, Borst MM, Zugck C, Kirschke A, Schellberg D, Kubler
37. Forestieri P, Bolzan DW, Santos VB, Moreira RSL, de Almei- W, et al. Respiratory muscle dysfunction in congestive heart
da DR, Trimer R, et al. Neuromuscular electrical stimulation failure: clinical correlation and prognostic significance. Circulation.
improves exercise tolerance in patients with advanced heart 2001;103(17):2153-8.
failure on continuous intravenous inotropic support use-
51. Nishimura Y, Maeda H, Tanaka K, Nakamura H, Hashimoto Y,
randomized controlled trial. Clin Rehabil. 2018;32(1):66–74.
Yokoyama M. Respiratory muscle strength and hemodynamics
38. Hulzebos EH, Smit Y, Helders PP, van Meeteren NL. Preoperative in chronic heart failure. Chest. 1994;105(2):355-9.
physical therapy for elective cardiac surgery patients. Cochrane
52. Cahalin LP, Arena RA. Breathing exercise and inspiratory mus-
Database Syst Rev. 2012;11:CD010118.
cle training in heart failure. Heart Fail Clin, 2015;11(1):149-72.
39. Kendall F, Oliveira J, Peleteiro B, Pinho P, Bastos PT. In-
spiratory muscle training is effective to reduce postopera- 53. Laoutaris ID, Adamapoulos S, Manginas A, Panagiotakos
tive pulmonary complications and length of hospital stay: DB, Cokkinos DV, Dritsas A. Inspiratory work capacity is
a systematic review and meta-analysis. Disabil Rehabil. more severely depressed than inspiratory muscle strength in
2018;40(8):864-882. patients with heart failure: novel applications for inspiratory
muscle training. Int J Cardiol. 2016;221:622-26.
40. Katsura M, Kuriyama A, Takeshima T, Fukuhara S, Furukawa
TA. Preoperative inspiratory muscle training for postopera- 54. Neto MG, Martinez BP, Conceição CS, Silva PE, Carvalho VO.
tive pulmonary complications in adults undergoing cardiac Combined exercise and inspiratory muscle training in patients
and major abdominal surgery. Cochrane Database Syst with hearth failure: a systematic review and mata-analysis. J
Rev. 2015;(10):CD010356. Cardiopulm Rehabil Prev. 2016:36(6):395-401.
41. Gomes Neto M, Martinez BP, Reis HF, Carvalho VO. Pre- 55. Wu J, Kuang L, Fu L. Effects of inspiratory muscle training in
and postoperative inspiratory muscle training in patients chronic heart failure patients: a systematic review and meta-
undergoing cardiac surgery: systematic review and meta- analysis. Congenit Heart Dis, 2018;13(2):194-202.
analysis. Clin Rehabil. 2017;31(4):454-64. 56. Pour AHH, Gholami M, Saki M, Birjandi M. The effect of in-
272 42. Cordeiro ALL, Melo TA, Neves D, Luna J, Esquivel MS, spiratory muscle training on fatigue and dyspea in patients
Guimarães ARF, et al. Inspiratory muscle training and func- with heart failure: a randomized, controlled trial. Jpn J Nurs
tional capacity in patients undergoing cardiac surgery. Braz Sci, 2020;17(2):e12290.
J Cardiovasc Surg. 2016;31(2):140-4. 57. Ellingsen O, Halle M, Conraads V, Støylen A, Dalen H, Dela-
43. Herdy AH, López-Jimenez F, Terzic CP, Milani M, Stein R, Socie- gardelle C, SMARTEX Heart Failure Study (Study of Myocardial
dade Brasileira de Cardiologia, et al. Diretriz Sul-Americana de Recovery After Exercise Training in Heart Failure) Group.
Prevenção e Reabilitação Cardiovascular. Arq Bras Cardiol. 2014; Highintensity interval training in patients with heart failure
103(2Supl.1): 1-31. with reduced ejection fraction. Circulation. 2017;135: 839–49.
44. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, 58. Larsen AI. The muscle hypothesis in heart failure revised: The
Coats AJS, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and treat- multisite training approach. Eur J Prev Cardiol. 2018;25(12):
ment of acute and chronic heart failure: The Task Force for the 1252–56.
Diagnosis and Treatment of Acute and Chronic Heart Failure 59. Reis HV, Borghi-Silva A, Catai AM, Reis MS. Impact of CPAP
of the European Society of Cardiology (ESC). Developed With on physical exercise tolerance and sympathetic-vagal bal-
the Special Contribution of the Heart Failure Association (HFA) ance in patients with chronic heart failure. Braz J Phys Ther.
of the ESC. 2016; 18(8):891- 975. 2014;18(3):218-27.
45. Andrade JP, Bocchi EA, Braga FGM, Ferreira SMA, Rohde LEP, 60. Fleg JL, Cooper LS, Borlaug BA, Haykowsky MJ, Kraus WE,
Oliveira WA, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz Levine BD, at el. Exercise Training as Therapy for Heart Failure
Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol. Current Status and Future Directions. Circ Heart Fail. 2015;
2009; 93 (1 supl.1): 1-71. 8(1):209-20.
46. Araújo CGS. Avaliação da flexibilidade: valores normativos 61. Reeves GR, Whellan DJ, O’Connor CM, Duncan P, Eggebeen
do flexiteste dos 5 aos 91 anos de idade. Arq Bras Cardiol. JD, Morgan TM, et al. A novel rehabilitation intervention for
2008;90(4): 280-287. older patients with acute decompensated heart failure. The
47. Areias GS, Santiago LR, Teixeira DS, Reis MS. Concurrent REHAB Pilot Study. JACC Heart Fail. 2017;5: 337–46.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):264-72


REVISÃO/REVIEW

OTIMIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS AOS


PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA APÓS
INTERNAÇÃO HOSPITALAR: UMA AÇÃO PARA
REDUZIR REHOSPITALIZAÇÃO E COMPLICAÇÕES
CLÍNICAS EM IDOSOS
OPTIMIZATION OF NUTRITIONAL GUIDELINES FOR PATIENTS WITH HEART FAILURE
AFTER HOSPITALIZATION AS AN ACTION TO REDUCE REHOSPITALIZATION AND
CLINICAL COMPLICATIONS IN THE ELDERLY
Mariana Volante Gengo1 RESUMO
1. Hospital Beneficência Portuguesa As rehospitalizações em idosos com IC são frequentes e, em até 90 dias, 50% dos
de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. pacientes retornam após a alta. Mesmo com os avanços terapêuticos, a taxa de mortalidade
Correspondencia é crescente e o prognóstico a longo prazo é ruim, podendo ser agravado a cada nova
Mariana Volante Gengo. internação. O objetivo desta revisão narrativa é ressaltar a importância do acompanhamento
Rua Osires Magalhaes de Almeida,
652 – apto 31 b – Vila Suzana, e das orientações nutricionais após alta hospitalar como ferramenta para prevenção de
São Paulo, SP, Brasil. novas hospitalizações. Desenvolvimento: A IC influencia o estado nutricional dos pacientes
marivg.nutri@gmail.com
devido à interação complexa de sistemas hormonais catabólicos, má absorção, deficiências
nutricionais, entre outros fatores, como progressão da doença e disfunção metabólica. De
30% a 45% dos idosos com IC internam-se com risco nutricional, e nesses pacientes é
Acesse o possível constatar que a desnutrição levará a um ciclo vicioso. Os principais fatores para 273
Podcast
readmissões são falta de adesão farmacológica e não farmacológica, e é imprescindível
que idosos desenvolvam o autocuidado por meio de estilo de vida saudável e controle
dos fatores de risco cardiovascular. A ingestão de sódio na dieta ainda é um assunto
controverso pois está relacionado a baixa aceitação alimentar. Dietas hipercalóricas são
indicadas em situações de risco nutricional, e também aos idosos, independentemente
do estado nutricional, pois estão relacionadas à menor mortalidade e redução de com-
plicações. Na caquexia cardíaca, o suporte nutricional e exercícios físicos são base para
tratamento do paciente, e a terapia nutricional deve sempre ser indicada. Conclusão:
sempre que possível, deve-se garantir a continuidade do cuidado após a alta hospitalar,
prevenindo novas internações e favorecendo melhor qualidade de vida.

Descritores: Insuficiência Cardíaca; Caquexia; Alta do Paciente; Dieta Hipossódica.

ABSTRACT
Rehospitalizations in elderly people with HF are frequent and, within 90 days, 50%
of patients return after discharge. Even with therapeutic advances, the mortality rate is
increasing and the long-term prognosis is poor, which can be aggravated with each new
hospitalization. The purpose of this narrative review is to highlight the importance of monito-
ring and nutritional advice after hospital discharge in order to prevent new hospitalizations.
Development: HF influences the patients’ nutritional status due to the complex interaction of
catabolic hormonal systems, malabsorption, nutritional deficiencies, and other factors, such
as disease progression and metabolic dysfunction. Of elderly patients with HF, 30% to 45%
are admitted with nutritional risk and, in these patients, it is possible to verify that malnutrition
will lead to a vicious cycle. The main factors for readmissions are lack of pharmacological
and non-pharmacological adherence, and it is essential that the elderly develop self-care
through a healthy lifestyle and control of cardiovascular risk factors. Dietary sodium intake
is still a controversial issue as it is related to low food acceptance. Hypercaloric diets are
indicated in situations of nutritional risk, and also for the elderly, regardless of their nutritional
status, as they are related to lower mortality and reduced complications. In cardiac cachexia,

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8 http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002273-8


nutritional support and physical exercises are the basis for treating the patients, and nutritional therapy should always be
indicated. Conclusion: whenever possible, continuity of care after hospital discharge should be guaranteed, preventing new
admissions and favoring a better quality of life.

Descriptors: Heart Failure; Cachexia; Patient Discharge; Diet, Low Sodium

INTRODUÇÃO se associar à inadequada demanda metabólica tecidual,


A prevalência de insuficiência cardíaca (IC) varia de 10 caracteriza a IC com débito cardíaco elevado.6-9
Conforme a Heart Failure Society of America muitas vezes
a 20% nos idosos em comparação com 1 a 2% na popu-
os sintomas da IC descompensada podem ser sutis e facil-
lação geral. Após início do tratamento para IC as taxas de
mente confundidos com demais características do envelhe-
readmissão pós alta hospitalar são elevadas, e mais de 50%
cimento por serem muito inespecíficos, e consequentemente
dos pacientes idosos são readmitidos dentro de seis meses.1
retardam o início do tratamento adequado favorecendo o
Conforme os dados publicados do estudo Brazilian Registry of
maior risco de complicações e uma maior gravidade.9
Acute Heart Failure , metade dos pacientes com IC retornam
Nos casos de descompensação clínica, quando o paciente
ao hospital em até 90 dias após a alta.2,3
apresenta sinais e sintomas congestivos e respiratórios,
A primeira hospitalização pode ser consequência de um
associados a sobrecarga de volume e consequentemente
evento agudo por miocardite, doença miocárdica, arritmia,
incapacidade para a realização das atividades de vida diária,
doença valvar, descompensação de um quadro de IC por
a hospitalização é indispensável para o restabelecimento
infecção, não adesão aos tratamentos farmacológico ou
das funções orgânicas, sendo necessária a internação do
não farmacológico, entre outros.4 Mesmo com os avanços
paciente em unidades de terapia intensiva para tratamento
terapêutico que impactam na qualidade e expectativa de
com drogas vasoativas buscando compensação cardíaca.10
vida desses pacientes, a taxa de mortalidade é crescente e
A expectativa de vida de um indivíduo com IC depende
o prognóstico em longo prazo é ruim, uma vez que metade
de muitos fatores e nem sempre é fácil estabelecer um prog-
dos pacientes diagnosticados com IC morrem em até cinco
nóstico. De acordo com a HFSA: 50% dos indivíduos com IC
anos após a primeira internação.2,3 terão uma esperança média de vida de cinco anos e aqueles
De acordo com Ogbemudia e Asekhame, em um estudo com IC grave ou avançada, apenas 10 a 20% sobreviverão
retrospectivo realizado em um hospital universitário com 102 após um ano da primeira internação. 6-9
pacientes, observou-se que 55,5% das reinternações por IC
274 descompensada poderiam ser evitadas com o seguimento
ESTADO NUTRICIONAL DO IDOSO COM
das orientações farmacológicas e não-farmacológicas. Além
disso, foi possível concluir que a cada reinternação os idosos INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
apresentam redução da qualidade de vida, aumento da carga A IC influencia o estado nutricional dos pacientes devido
de IC e maior risco de mortalidade.1,2 interação complexa de sistemas hormonais catabólicos, má
Tendo em vista a complexidade do paciente idoso que absorção, deficiências nutricionais, entre outros fatores como
interna por descompensação cardíaca, bem como, o risco progressão da doença e disfunção metabólica. 11-13
adicional a cada internação hospitalar, o objetivo desta revisão Frequentemente pacientes com IC classe funcional (CF)
narrativa é apresentar e discutir tais características inerentes III e IV, conforme classificação da New York Heart Association
ao paciente com IC, bem como ressaltar importância do (NYHA), apresentam risco de desnutrição, causada princi-
acompanhamento e das orientações nutricionais para o pós palmente pela perda da massa muscular, com consequente
alta hospitalar como ferramenta adicional para prevenção prejuízo de morbimortalidade e capacidade funcional. Quando
da rehospitalização. instalada a desnutrição grave, caracterizada como caquexia
cardíaca, há piora do prognóstico e redução da sobrevida
INSUFICIÊNCIA CARDÍACA E DESCOM- dos pacientes, independentemente da idade, CF e fração
de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE).7,13 De acordo com
PENSAÇÃO CLÍNICA Araújo et al. dos 358 pacientes ambulatoriais com IC estu-
A IC consiste em uma síndrome complexa de caráter dados, 38 pacientes (11%) eram caquéticos.13
sistêmico caracterizado por uma insuficiência do supri- A caquexia cardíaca é caracterizada por desnutrição
mento sanguíneo para atender necessidades metabólicas proteico-calórica com perda intensa de massa muscular,
na presença de retorno venoso normal, ou realização do associada a edema periférico e pode ser diagnosticada
suprimento sanguíneo somente com elevadas pressões quando ocorre perda de peso corporal maior que 5% do
de enchimento.4-7 peso habitual em um período menor que 12 meses ou IMC
As alterações hemodinâmicas comumente encontradas <20 kg/m² associado a pelo menos três dos cinco critérios:
na IC envolvem resposta inadequada do débito cardíaco e diminuição da força muscular; fadiga; anorexia; diminuição da
elevação das pressões pulmonar e venosa, sendo assim, massa livre de gordura; e anormalidades bioquímicas como
na maioria das formas de IC a redução do débito cardíaco inflamação (aumento de Proteína C reativa ou Interleucina 6)
é responsável pela inapropriada perfusão tecidual. Também anemia (hemoglobina menor que 12g/dL) ou hipoalbuminemia
existem condições nas quais o débito cardíaco é normal (albumina sérica menor que 3,2g/dL). Esses sintomas podem
ou até elevado (condições de pós-carga diminuída) que ao surgir muito tardiamente no curso da doença, quando o

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8


OTIMIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS AOS PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA APÓS INTERNAÇÃO
HOSPITALAR: UMA AÇÃO PARA REDUZIR REHOSPITALIZAÇÃO E COMPLICAÇÕES CLÍNICAS EM IDOSOS

estado nutricional dos pacientes já está muito comprome- bem descrita, sendo o risco aumentado para complicações
tido, e a terapia nutricional se torna um desafio a mais no não cardíacas, infecções e efeitos deletérios na estrutura e
tratamento do paciente.11,14,15 na função do músculo esquelético e menor tolerância ao
A IC em estágios avançados se torna uma doença alta- exercício fruto desta associação.14,20 A não tratativa destes
mente catabólica, onde todos os compartimentos do corpo aspectos pode contribuir para uma piora do paciente a curto
são afetados, incluindo músculos por perda de proteínas, e a longo prazo.18,21-24
diminuição da reserva de energia e massa óssea (osteopo-
rose), agravando ainda mais a condição dos pacientes. O ORIENTAÇÕES DE ALTA E PREVENÇÃO
estado inflamatório caracterizado por altas concentrações
DE REINTERNAÇÕES HOSPITALARES EM IC
plasmáticas de diversas citocinas pró-inflamatórias são seme-
lhantes ao observado em pacientes com doenças neoplásicas Pacientes idosos com disfunção cardíaca podem agravar
e autoimunes. Está resposta inflamatória crônica favorece o suas comorbidades a cada internação,2 sendo a diminuição
risco de desnutrição através de um aumento significativo no da capacidade funcional para realização das atividades diárias
gasto de energia e uma diminuição no apetite que leva a uma e piora significativa da qualidade de vida, os fatores prepon-
diminuição na ingestão calórica. Algumas medicações, como derantes que elevam o risco de internação e/ou mortalidade.25
os betabloqueadores, contribuem significativamente para Os fatores que contribuem para as novas readmissões
esse estado hipercatabólico. Pacientes com predominância são, a falta de adesão à terapêutica proposta (principalmente
de congestão visceral, podem ainda apresentar diminuição da relacionada aos medicamentos), questões relacionadas a
absorção de nutrientes causada pelo edema das vilosidades higiene do indivíduo e a terapêutica nutricional. Ainda, obser-
intestinais, afetando principalmente a absorção de proteínas. va-se que os quadros de pneumonia, infecção do trato urinário
Em indivíduos com IC avançada, sintomas digestivos pós- e arritmias ou fibrilações atriais 2,10 se mostraram como com-
-prandiais, como dor abdominal e sensação de plenitude plicações frequentes em pacientes idosos responsáveis pela
precoce também podem limitar o consumo alimentar.14,15 sua rehospitaliação. No quesito baixa adesão a terapêutica
Em associação ao quadro clínico, é comum o paciente proposta, destaca-se: o isolamento social desencadeado por
referir “Não saber o que comer” devido as restrições em demência, depressão ou abandono, inadequações familiares,
sua alimentação, redução da palatabilidade dos alimentos e falta de apoio social e condições socioeconômicas.26,27 Além,
diminuição das opções de escolha, com consequente inges- dá-se destaque a não compreensão das orientações, tida
tão calórica e proteica inadequada, levando ao aumento do como a principal causa de reinternação em 30 dias.28
risco de desnutrição.14 Parte da restrição alimentar, pode ser É sugerida pela literatura científica a avaliação do risco
advinda das comorbidades associadas à IC, com orientações dos pacientes antes da alta hospitalar para ajudar na identi-
quanto a necessidade de redução da ingestão de sal e água, ficação precoce de pacientes com alto risco de readmissão, 275
alimentos ricos em gorduras animais (para pacientes com e estabelecer um plano pós-alta hospitalar com objetivo de
hipercolesterolemia ou doença cardíaca coronária), alimentos educação do paciente e/ou cuidador quanto ao tratamento,
ricos em potássio (para pacientes com tendência à hiperca- medicações, cuidados nutricionais, melhora da higiene e exer-
lemia) e/ou ricos em vitamina K (apesar de ser estabelecido cícios físicos, potencial de progressão clínica e a importância
na literatura quanto a regularidade do consumo, ainda é do autocuidado diário (peso, uso regular dos medicamentos,
orientado por alguns médicos, que evitem o consumo dos monitorização dos sinais e sintomas de descompensação,
alimentos fontes quando usarem varfarina).14,15 Desta forma, como piora do cansaço, flutuações de peso e limitação
diversos pacientes possuem fatores adicionais para a baixa funcional). O acompanhamento é essencial para o sucesso
aceitação alimentar e complicações nutricionais. no tratamento, e esclarecimento de dúvidas, entrega de
material escrito, intervenções domiciliares ou via contato
INTERNAÇÃO HOSPITALAR E COMPLI- telefônico (telemonitorização), vacinação contra a gripe,
entre outros, confirmam que o seguimento pós-alta pode
CAÇÕES NUTRICIONAIS manter os pacientes estáveis e livre de novas internações.26-29
A desnutrição hospitalar se mostra com alta prevalência
no atual cenário, tendo diversos fatores que influenciam ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS PRÉ ALTA
este quadro tais como: o tempo de internação (em especial
ao ultrapassar quinze dias ) e idade uma vez que idosos HOSPITALAR
se mostram mais vulneráveis a deficiências nutricionais e As orientações da alta hospitalar começam quando o
quadros de desnutrição quando comparados com indivíduos paciente já está clinicamente apto a deixar o hospital, mas
de outras faixas etárias.16-19 educar os pacientes necessita de organização, e a falta deste
A avaliação do estado nutricional na admissão se faz planejamento de alta poderá levar a readmissões e custos
importante, uma vez que é estimado pela literatura científica mais elevados com a saúde do paciente.30,31
que que 30% a 45% dos pacientes idosos com IC já possuem O objetivo das orientações na alta é dar continuidade aos
risco nutricional no momento da admissão. Vale ressaltar que cuidados do paciente no domicílio. Conforme Toledo et al.,30
este indivíduo é portador de maior risco para desnutrição e para sucesso do processo da desospitalização, a equipe
agravo de seu quadro clinico2,3 e, portanto devem ser consi- deve: reconhecer barreiras do aprendizado e comunicação:
derados em permanente risco nutricional e necessária maior visual, auditiva, fala, outras (cultural, religiosa, psicomoto-
atenção diante deste quadro necessária.14 A associação entre ra, emocional); identificar a pessoa envolvida no processo
desnutrição e maior permanência hospitalar, mortalidade e educacional, engajando-a (paciente, parente, cuidador ou
a readmissão antes de 30 dias após a alta hospitalar já é equipe de home-care); iniciar a orientação durante o período

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8


de hospitalização; determinar o melhor método de ensino A restrição hídrica também é um tema bastante controverso,
de acordo com o nível de entendimento do paciente e dos principalmente nos estudos recentes com o tratamento medica-
envolvidos: demonstração, audiovisual, verbal, folheto; avaliar mentoso moderno. Recentemente o assunto foi abordado por
o entendimento pelo indivíduo orientado: detectar se o objetivo Vecchis et al., em uma revisão sistemática com seis estudos,
foi atingido ou não por meio de avaliações simples (confir- onde foi concluído que a ingesta liberal de fluidos não exerceu
mação se houve o entendimento, solicitando que o envolvido efeito desfavorável sobre hospitalizações ou mortalidade nos
explique o que foi orientado) para avaliar a compreensão pacientes com IC.40 Anteriormente, Paterna et al., mostraram
sobre as instruções de alta e a capacidade de realizar o redução de hospitalizações em pacientes randomizados para
autocuidado.32,33 Além disso, a garantia da continuidade do restrição hídrica de 1.000 ml por dia quando comparado à inges-
cuidado por meio do suporte e gestão dos casos pós-alta ta de 2.000 ml por dia.39 Com base nas evidências disponíveis,
(apoio na comunidade, visitas domiciliares, contato telefônico, não é possível estabelecermos recomendações específicas e
acompanhamento ambulatorial, comunicação prestador de detalhadas sobre o emprego de restrição hídrica em pacientes
cuidado), o monitoramento contínuo e remoto dos pacientes com IC crônica,35 porém cabe aos profissionais responsáveis
transformam o cuidado alinhando profissionais de saúde e pelo cuidado avaliar a ingestão hídrica e a necessidade de
tecnologias para o cuidado das pessoas em qualquer lugar restrição conforme sintomas apresentados pelos pacientes.6,35
e promovendo o autocuidado.30-34 Em relação ao controle do peso nos pacientes com IC,
Dentre os cuidados nutricionais após a alta do paciente o objetivo principal é a monitorização e autocuidado, que
estão: controle do peso corporal, alimentação equilibrada e visa a prevenção das oscilações do peso em decorrência
recomendações nutricionais específicas aos pacientes com de edema e descompensação. A aferição do peso deve ser
IC sintomáticos, como dieta hipossódica e restrição hídrica.26 realizada regularmente e antes do desjejum, se possível por
As orientações devem ser realizadas de forma individualizada duas vezes na semana, sendo que ganhos maiores que 1
e questões como aceitação alimentar devem ser levadas em a 2 kg entre dois e três dias devem ser comunicadas ao
consideração,26 assim como tratamento das comorbidades, médico,40 pois pode ser um indicativo de retenção hídrica.
caso apresentem. A longo prazo, o acompanhamento do peso poderá
Em relação as orientações nutricionais ao paciente portador também ser uma ferramenta de acompanhamento do estado
da IC, as recomendações da ingestão de sódio na dieta de nutricional. É sabido que o aumento do índice de massa
pacientes com IC crônica é ainda um assunto controverso corpórea (IMC) está associado ao aumento do risco para
pois não existem estudos relevantes com amplo número de desenvolvimento de doenças cardiovasculares, porém nos
pacientes para embasar recomendações detalhadas.35 Há pacientes com IC, o IMC elevado está positivamente asso-
evidências que o consumo excessivo de sódio e fluidos se ciado com a sobrevida, sendo considerado um fator protetor
276 associam ao agravamento da hiper volemia, constituindo um de mortalidade. Esses dados foram comprovados no estudo
fator de descompensação e maior risco de hospitalização em multicêntrico Digitalis Investigation Group (DIG) em que a
pacientes com IC crônica sintomática. Também é defendido mortalidade foi menor em pacientes com maiores valores
que pacientes gravemente sintomáticos ou em fase avançada, de IMC,41 teoria conhecida como “Paradoxo da Obesidade”.
a restrição mais intensa de ingestão de sódio está associada Alguns autores associam uma maior taxa de mortali-
a redução de sintomas congestivos e novas internações.2,36,37 dade aos pacientes com IC que apresentam caquexia
Taylor et al., mostrou em uma meta-análise com sete artigos, (IMC < 20 kg/m2) e nos obesos, com IMC> 35 kg/m2,42,43
envolvendo um total de 6.489 pacientes com IC de diferentes sendo essa correlacionada à remodelação cardíaca e queda
faixas etárias, que a restrição de sódio se mostrou eficaz para da função sistólica ventricular esquerda.44
os pacientes devido um menor número de mortes, contudo Nos pacientes com IC em estágio avançado (classe
esses benefícios poderiam estar relacionados a redução da funcional III e IV) há relatos de casos sugerindo efeitos be-
pressão e não aos sintomas de IC.38 Estudos feitos com ensaios néficos da perda de peso em obesos mórbidos, e dietas
clínicos de pequeno porte sugerem que a restrição excessiva hipocalóricas são defendidas por algumas instituições como
de sódio (< 5 g de sal por dia) em comparação com dieta com a Sociedade Europeia de Cardiologia, aos pacientes com
teor normal de sódio (7 g de sal por dia), podem se associar IMC maiores 35kg/m².9,14 Para os pacientes eutróficos, não
a efeitos deletérios nos pacientes com IC crônica, incluindo existem recomendações específicas em termos de calorias
exacerbação da ativação neuro-hormonal, maior número de e macronutrientes, mas é essencial o estímulo de dietas
hospitalização e maior mortalidade, bem como dieta com com qualidade nutricional, driblando restrições alimentares
baixo teor de sódio (2g) foi associado à redução de ingestão e evitando perdas de peso significativas.9,14,38,45
de proteína, ferro, zinco, selênio, vitamina B12, e aumento da As dietas hipercalóricas são indicadas não apenas em
ativação neuro-hormonal, prejudicial para estado nutricional situações de risco nutricional, mas também é altamente
do paciente.6,39 Considerando os achados expostos, a Diretriz recomendado para pacientes idosos, independente do estado
Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda recomenda nutricional. O uso de complementos alimentares e/ou alimentos
evitar a ingestão excessiva de sódio (em níveis > 7 g de sal com alto valor nutricional estão relacionados com a diminuição
cloreto de sódio por dia) para todos pacientes com IC crônica35 de mortalidade e redução de complicações apresentando
enquanto outros autores recomendam evitar restrições sódicas efeitos benéficos aos pacientes, inclusive com possibilidades
e adaptar a dieta conforme situação clínica dos pacientes. de prevenir futuras internações.45 Todavia, as recomendações
Concordantemente, todas as recomendações desestimulam o da terapia nutricional para esse público dependem da sen-
consumo de alimentos industrializados, embutidos, enlatados sibilidade dos profissionais responsáveis pelo cuidado, bem
e salgados para todos os pacientes com IC.6 como nível de envolvimento com os pacientes.38,44,45

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8


OTIMIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES NUTRICIONAIS AOS PACIENTES COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA APÓS INTERNAÇÃO
HOSPITALAR: UMA AÇÃO PARA REDUZIR REHOSPITALIZAÇÃO E COMPLICAÇÕES CLÍNICAS EM IDOSOS

Quando o estado nutricional está comprometido, princi- aumento da carga da IC, piora do estado nutricional e maior
palmente quando a caquexia cardíaca está instalada, a terapia risco para mortalidade.
não farmacológica, como suporte nutricional e exercício A influencia da IC no estado nutricional dos pacientes
físico, é considerada a base para a prevenção e tratamento ocorre devido ao estado catabólico, má absorção dos nu-
do paciente com IC. E mesmo que ainda existam muitas trientes e deficiências nutricionais. A nutrição é um importante
dúvidas em relação a reversão da caquexia e recuperação componente para manter a saúde e qualidade de vida dos
das massas magra e óssea, a terapia nutricional deve ser idosos. A adesão as orientações nutricionais devem ser
sempre indicada nesses pacientes.38,45 incentivadas após a alta hospitalar, tanto quanto a terapêutica
Não existem recomendações específicas para oferta ca- farmacológica e demais tratamentos não-farmacológicos.
lórica e proteica na caquexia associada à IC. Heymsfield e Em relação a dietoterapia, devem ser estimulados o
Casper recomendaram, em 1989, que a ingestão de 35 kcal/ consumo controlado de sal e líquidos, e se necessário, de
kg/dia era segura e eficaz no aumento da massa magra nesses acordo com os sintomas apresentados pelos pacientes,
pacientes. Nos últimos anos, diversos autores afirmam que poderão ser realizados ajustes mais precisos sob a quanti-
devem ser evitados excessos de energia, contradizendo os dade de ingestão de determinados nutrientes pelo indivíduo.
dados anteriores devido ao aumento do estresse fisiológico, A quantidade de calorias deve atender as necessidades
com consequente aumento nas concentrações plasmáticas de mínimas para realização das atividades diárias e o consumo
catecolaminas, insulina e disfunção hepática. Especificamente de proteínas deve ser suficiente para não desenvolver e/ou
o aumento nos níveis de insulina induz a reabsorção renal de prevenir a progressão da diminuição da massa muscular. É
sódio e água, podendo descompensar a IC.38 necessário ainda, orientar e ou reforçar as orientações para
Desta forma, o suporte nutricional deve ser iniciado com as morbidades associadas, como diabetes, dislipidemias,
pequenas quantidades e aumentado lentamente até atingir o hipertensão arterial, etc.
peso corporal desejado, respeitando a tolerância e sintomas A todos os pacientes desnutridos, bem como em pa-
do paciente. A oferta proteica recomendada aos idosos com cientes idosos com agravo do estado nutricional e risco de
IC são de 1,2 à 1,5g/kg/dia, e exercícios físicos deverão ser desenvolver caquexia cardíaca, a suplementação nutricional
estimulado sempre que os pacientes possuírem condições se faz necessária e deve ser realizada conforme a condição
de realiza-los. A suplementação oral calórica e/ou proteica clínica do paciente.
é essencial para o tratamento dos pacientes e deve ser A principal ferramenta para o sucesso no tratamento do
realizada individualmente. Nos casos de impossibilidade de paciente com IC antes da alta hospitalar, é o fornecimento
alimentação via oral, a terapia nutricional enteral deverá ser de orientações multidisciplinares adequadas aos pacientes/
indicada para o suprimento das necessidades nutricionais acompanhantes, com explicações sobre a doença e sinto-
mínimas, sendo também utilizada de forma complementar nos mas, e esclarecimento de dúvidas, a fim de proporcionar a 277
casos de recusa alimentar e/ou inapetência,45 cujo objetivo de automonitorização e incentivar o autocuidado. O acompa-
atingir as necessidades calóricas e proteicas adequadas para nhamento do paciente, incluindo o atendimento nutricional
o bom funcionamento do organismo do paciente, e tentativa presencial ou a distância é indicado, sempre que possível
de recuperação do estado nutricional.38, 46-50 dada a sua efetividade.

CONCLUSÃO
A IC é uma doença complexa de caráter sistêmico, que
está relacionada ao grande prejuízo da morbimortalidade, CONFLITOS DE INTERESSE
principalmente em pacientes idosos. Dentre estes, estima-se Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
que 50% retornem ao hospital dentro de seis meses. A cada na realização deste trabalho.
reinternação é possível verificar piora da qualidade de vida,

REFERÊNCIAS
1. Ogbemudia EJ, Asekhame J. Rehospitalization for heart failure Rodrigues DA, at al. Atualização da III Diretriz Brasileira de Insu-
in the elderly. Saudi Med J. 2016;37 (10): 1144-47. ficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol. 2012, (suppl 1): 1-33.
2. Albuquerque DC, Souza Neto JC, Bacal F, Rohde LEP, Bernae- 7. Aggarwal A, Kumar A, Gregory MP, Blair C, Pauwaa S, Tatooles
dez-Pereira S, Berwanger O, et al. I Brazilian Registry of Hearth AJ, et al. Nutrition Assessment in Advanced Heart Failure
Failure: Clinical Aspects, Care Quality and Hospitalization Patients Evaluated for Ventricular Assist Devices or Cardiac
Outcomes. Arq Bras Cardiol. 2015;104(6):433-42. Transplantation. Nutr Clin Pract. 2014;28(1):112-120.
3. Joynt KE, Jha AK. Who has higher readmission rate for heart failure, 8. Bacal F, Souza-Neto JD, Fiorelli AI, Mejia J, Marcondes-Braga
and why? Implications for efforts to improve care using financial FG, Mangini S, et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. II
incentives. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2011;4:53-59. Diretriz Brasileira de Transplante Cardíaco. Arq Bras Cardiol.
4. Mesquita ET, Jorge AJL, Rabelo LM, Souza-Junior CV. Under- 2009;94(1 supl.1):16-73.
standing Hospitalization in Patients with Heart Failure. Int J 9. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland GF,
Cardiovasc Sci. 2017;30(1):81-90. Coats AJS, et al. 2016 ESC Guidelines for the diagnosis and
5. Mont’Alverne DGB, Galdino LM, Pinheiro MC, Levy CS, Vascon- treatment of acute and chronic heart failure: The Task Force
celos GG, Souza-Neto JD, et al. Evolução clínica e capacidade for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart
funcional de pacientes com cardiomiopatia dilatada após quatro failure of the European Society of Cardiology (ESC). Eur Heart
anos do transplante. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2012;27(4):562-9. J. 2016;37(27):2129-200.
6. Bochi EA, Braga FGM, Bacal F, Ferraz AS, Albuquerque D, 10. Fonseca C, Brás D, Araujo I, Ceia F. Insuficiência cardíaca

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8


em números: estimativas para o século XXI em Portugal. Albuquerque DC, Rassi S, et al. Diretriz Brasileira de In-
Rev Port Cardiol. 2018;37:97-104. suficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq Bras Cardiol.
11. Rahman A, Jafry S, Jeejeebhoy K, Nagpal D, Pisani B, Agar- 2018;111(3):436-539.
wala R. Malnutrition and Cachexia in Heart Failure. J Parenter 30. Deek H, Chang S, Newton PJ, Noureddine S, Inglis SC, Arab
Enteral Nutr. 2015;10(5):1 – 12. GA, et al. An evaluation of involving family caregivers in the
12. Grossniklaus DA, O’Brien MC, Clark PC, Dunbar SB. Nutrient intake self-care of heart failure patients on hospital readmission:
in heart failure patients. J Cardiovasc Nurs. 2008;23(4):357-363. Randomised controlled trial (the FAMILY study). Int J Nurs
Stud. 2017;75:101-11.
13. Araújo JP, Lourenço P, Rocha-Gonçalves F, Ferreira A, Betten-
court P. Nutritional markers and prognosis in cardiac cachexia. Int 31. Toledo DO, Piovacari SMF, Horie LM, Matos LBNM, Castro
J Cardiol. 2011; 146(3): 359–363. MG, Ceniccola GD. Campanha “Diga não à desnutrição”: 11
passos importantes para combater a desnutrição hospitalar.
14. Barge-Caballero E, Crespo-Leiro MG. Riesgo nutricional de BRASPEN J. 2018;33(1):86-100.
los pacientes com insuficiencia cardíaca avanzada. Rev Esp
Cardiol. 2019;72; 1510-1516. 32. Weintraub B, Jensen K, Colby K. Improving hospital wide patient
flow at Northwest community hospital. In: Joint Commission
15. Van Linthout S, Tschöpe C. Inflammation — Cause or con- Resources. Managing patient flow in hospitals: strategies and
sequence of heart failure or both? Curr Heart Fail Rep. solutions. 2nd ed. Oak Brook: JCR Department of Publications.
2017;14:251-65. 2010;129-52.
16. Correia MITD, Perman MI, Waitzberg DL. Hospital mal- 33. Hoyer EH, Brotman DJ, Apfel A, Leung C, Boonyasai RT,
nutrition in Latin America: a systematic review. Clin Nutr. Richardson M, et al. Improving outcomes after hospitalization:
2017;36(4):958-67. a prospective observational multicenter evaluation of care
17. Correia MITD, Caiaffa WT,Waitzberg DL. Inquérito brasileiro de coordination strategies for reducing 30-day readmissions to
avaliação nutricional (IBRANUTRI): metodologia do estudo mul- Maryland hospitals. J Gen Intern Med. 2017; 33(5):621-27.
ticêntrico. Rev Bras Nutr Clín. 1998;13(1):30-40. 34. Craven E, Conroy S. Hospital readmissions in frail older
18. Bonilla-Palomas JL, Gamez-Lopez AL, Anguita-Sanchez MP, people. Rev Clin Gerontol. 2015;25(2):107-16.
Castillo-Dominguez JC, Garcia-Fuertes D, Crespin-Crespin M, 35. Arcand J, Ivanov J, Sasson A, Floras V, Al-Hesayen A, Azevedo ER,
et al. Influencia de la desnutricion en la mortalidad a largo plazo et al. A high-sodium diet is associatedwith acute decompensated
de pacientes hospitalizados por insuficiência cardiaca. Rev Esp heart failure in ambulatory heart failure patients: a prospective
Cardiol. 2011;64(9):752–8. follow-up study. Am J Clin Nutr. 2011;93(2):332–7.
19. Borghi R, Meale MMS, Gouveia MAP, França JID, Damião 36. Son YJ, Lee Y, Song EK. Adherence to a sodium-restricted diet
AOMC. Perfil nutricional de pacientes internados no Brasil: aná- is associatedwith lower symptom burden and longer cardiac
lise de 19.222 pacientes (Estudo BRAINS). Rev Bras Nutr Clin. event-free survival in patients with heart failure. J Clin Nurs.
2013;28(4):255-63. 2011;20(21-22):3029-38.
20. Sanchez LG, Mar FF, Miriam LC, Castano AV, Rincon CM. 37. Okoshi MP, Capalbo RV, Romeiro FG, Okoshi K. Cardiac Ca-
Nutritional intervention in patients with heart failure. 3 month chexia: Perspectives for Prevention and Treatment. Arq Bras.
results of a clinical trial. Nutr Clin Diet Hosp. 2019;39(1):22-31. Cardiol. 2017;108(1):74-80.
21. Yamin PPD, Raharjo SB, Putri VKP, Hersunarti N. Right ven- 38. Paterna S, Parrinello G, Cannizzaro S, Fasullo S, Torres D, Sarullo
278 tricular dysfunction as predictor of longer hospital stay in FM, et al. Medium term effects of different dosage of diuretic,
patients with. Nutr Clin Diet Hosp. 2019;39(1):22-31 . sodium, and fluid administration on neurohormonal and clinical
22. Shah R, Gayat E, Januzzi JL, Sato N, Cohen-Solal A, diSomma S, et outcome in patients with recently compensated heart failure. Am
al. Body Mass Index and Mortality in Acutely Decompensated Heart J Cardiol. 2009;103(1):93-102.
Failure Across the World. J Am Coll Cardiol. 2014;63(8): 778–85. 39. Vecchis R, Baldi C, Cioppa C, Giasi A, Fusco A. Effects of limit-
23. Saitoh M, Ishida J, Doehner W, von Haehling  S,  Anker MS ,  ing fluid intake on clinical and laboratory outcomes in patients
Coats AJS, et al. Sarcopenia, cachexia, and muscle perfor- with heart failure. Results of a meta-analysis of randomized
mance in heart failure: Review update. Int J Cardiol. 2017; controlled trials. Herz. 2016;41(1):63-75.
238:5-11. 40. Gonçalves TJM, Horie LM, Gonçalves SEAB, Bachi MK, Bailer
24. Pelegrino VM, Dantas RAS, Clark AM. Health related quality of MC, Barbosa TG, et al. Diretriz Braspen de terapia nutricional
life determinants in outpatients with heart failure. Rev Latino- Am no envelhecimento. BRASPEN J. 2019;34 (Supl 3):2-58.
Enfermagem. 2011;19(3):451-457. 41. Umans VA, Cornel JH, Hic C. The Effect of Digoxin on Mortal-
25. Abreu A, Mendes M, Dores H, Silveira C, Fontes P, Teixeira M, ity and Morbidity in Patients with Heart Failure. N Engl J Med.
et al. Mandatory criteria for cardiac rehabilitation programs: 1997;337:129-31.
2018 guidelines from the Portuguese Society of Cardiology. 42. Kenchaiah S, Evans JC, Levy D, Wilson PW, Benjamin EJ, Larson
Rev Port Cardiol. 2018;37(5):363-73. MG, et al. Obesity and the risk of heartfailure. N Engl J Med.
26. Conceição AP, Santos MA, Santos B, Cruz DALM. Autocui- 2002;347(5):305–13.
dado de pacientes com IC. Rev Latino- Am Enfermagem. 43. Anker SD, Ponikowski P, Varney S, Chua TP, Clark AL, Webb-Peploe
2015;23(4):578-86. KM, et al. Wasting as independent riskfactor for mortality in chronic
27. Stevens S. Preventing 30-day readmissions. Nurs Clin North heart failure. Lancet. 1997;349(9058):1050-3.
Am. 2015;50(1):123-37. 44. Lavie CJ, Sharma A, Alpert MA, De Schutter A, Lopez-Jimenez
28. Cruz FD, Issa VS, Ayub-Ferreira SM, Chizzola PR, Souza GE, F, Milani RV, et al. Update on Obesity and Obesity Paradox
Moreira LF, et al. Effect of a sequential education and monitoring in Heart Failure. Prog Cardiovasc Dis. 2016;58(4):393-400.
programme on qualityof-life components in heart failure. Eur J 45. Druml C, Ballmer PE, Druml W, Oehmichen F, Shenkin A,
Heart Fail. 2010;12(9):1009-15. Singer P, et al. ESPEN guideline on ethical aspects of artificial
29. R ohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, nutrition and hydration. Clin Nutr. 2016;35:545-56.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):273-8


REVISÃO/REVIEW

INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE ODONTOLOGIA E


CARDIOLOGIA NO SUPORTE AO INDIVÍDUO
COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
INTERDISCIPLINARITY BETWEEN DENTISTRY AND CARDIOLOGY IN SUPPORTING
INDIVIDUALS WITH HEART FAILURE
Raquel D’Aquino Garcia RESUMO
Caminha1 Introdução: A insuficiência cardíaca (IC) é uma síndrome clínica caracterizada por alteração
Gabriel de Toledo Telles ventricular (uni ou bilateral), gerando um comprometimento no organismo decorrente de altera-
Araújo1
ções na fisiologia cardiovascular. É de extrema importância a interação entre cirurgião-dentista
Dayanne Simões Ferreira
e cardiologista quanto à gravidade da IC no indivíduo com necessidade de intervenção odon-
Santos1
tológica, minimizando, desta forma, os riscos inerentes a esse grupo de pacientes. Objetivo:
Patrícia Sanches Kerges
Definir, através de uma revisão integrativa, estratégias odontológicas e cardiológicas adequadas
Bueno1
para gerenciamento do paciente de acordo com a gravidade da IC. Resultados: Realizou-se
Frederico Buhatem
busca nas bases de dados PubMed/Medline® e Scopus® por meio dos descritores “Heart
Medeiros2
failure AND Dental care AND Oral health”, sendo utilizados os critérios de inclusão: artigos que
Edmir José Sia Filho3
abordassem manejo odontológico em paciente portador de IC, em inglês, disponíveis online e
Paulo Sérgio da Silva
por período ilimitado. Após análise dos 76 artigos encontrados, foram selecionados 11 artigos
Santos1
para este estudo. Conclusão: A capacitação do cirurgião-dentista acerca das particularidades
1. Universidade de São Paulo. da IC norteará as condutas terapêuticas a serem adotadas nesse perfil de pacientes de forma
Faculdade de Odontologia de eficaz e segura. A interação multidisciplinar entre cirurgiões-dentistas e cardiologistas de acordo
Bauru. Departamento de Cirurgia,
Estomatologia, Patologia e Radiologia. com a gravidade da IC permitirá a correta estratificação dessas condutas, bem como evitarão
Bauru, SP, Brasil
279
2. Diretor Científico do Departamento de
complicações e/ou intercorrências durante os procedimentos odontológicos.
Odontologia da Sociedade de Cardiologia
do Estado de São Paulo (SOCESP).
São Paulo, SP, Brasil.
Descritores: Insuficiência Cardíaca; Assistência Odontológica; Doenças Cardiovasculares.
3. Presidente da Sociedade de
Cardiologia do Estado de São Paulo
(SOCESP) – Regional de Bauru. ABSTRACT
Médico Cardiologista (Arritmologia e
Estimulação Cardíaca Artificial). Introduction: Heart failure (HF) is a clinical syndrome characterized by ventricular alteration
São Paulo, SP, Brasil. (unilateral or bilateral) causing an impairment in the body due to changes in cardiovascular
Correspondência physiology. The interaction between dental surgeons and cardiologists regarding the severity
Paulo Sérgio da Silva Santos. of HF in individuals in need of dental intervention is extremely important, thus minimizing the
Faculdade de Odontologia de Bauru,
Universidade de São Paulo, Alameda risks inherent in this group of patients. Objective: To define, through an integrative review,
Otavio Pinheiro Brisolla, número appropriate dental and cardiac strategies for patient management according to the severity
9-75, Vila Universitária, Bauru- SP,
paulosss@fob.usp.br of HF. Results: A search was performed in the PubMed/Medline® and Scopus® databases
using the descriptors “Heart failure AND Dental care AND Oral health,” using the following
inclusion criteria: articles that addressed dental management in a patient with HF, in English,
available online and indefinitely. After analyzing the 76 articles found, 11 articles were selected
Acesse o
Podcast
for this study. Conclusion: The training of dental surgeons about the particularities of HF will
guide the therapeutic approaches to be adopted in this profile of patients in an effective
and safe way. The multidisciplinary interaction between dental surgeons and cardiologists,
according to the severity of HF, will allow the correct stratification of these conducts, as well
as avoid complications and/or complications during dental procedures.

Keywords: Heart Failure; Dental Care; Cardiovascular Diseases.

INTRODUÇÃO ou de desempenhar suas funções em virtude de alterações


Classicamente a insuficiência cardíaca (IC) trata-se de na fisiologia cardiovascular.2
uma síndrome clínica com sintomas típicos causados pelo Na literatura, a IC é encontrada sob três classificações
comprometimento uni ou biventricular1,2 sendo o coração e escores de riscos internacionalmente validados e difundi-
incapaz de atender as necessidades fisiológicas dos tecidos dos. A primeira refere-se à fração de ejeção do ventrículo

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84 http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002279-84


esquerdo (preservada, intermediária ou reduzida), a segunda dos resultados obtidos de maneira padronizada e organizada.
à gravidade dos sintomas e por fim, a terceira especifica a IC A seleção dos artigos foi realizada através de pesquisa nas
conforme o seu desenvolvimento e progressão (A, B, C e D). 2-6 bases de dados: PUBMED/MEDLINE® e SCOPUS® com os
No que diz respeito a interface odontologia e cardiologia, descritores: “Heart failure AND Dental care AND Oral health”.
os desafios que permeiam a estruturação de uma diretriz De acordo com o MeSH terms o descritor “Heart failure”
clínica relacionada a um tema tão sensível, envolvem desde abrange todos os termos de IC que propusemos a discutir
um planejamento minucioso à seleção e coordenação de neste artigo, como “cardiac failure, heart decompensation,
uma equipe multiprofissional devidamente capacitada. Os heart failure right sided, myocardial failure, congestive heart
riscos inerentes aos procedimentos odontológicos nesse failure, heart failure left-sided”. O descritor “oral health” abrange
grupo de pacientes requerem uma atenção mais que espe- termos como: “dental clinics, dental health surveys, oral di-
cial, uma vez que procedimentos invasivos, associados aos agnosis, mouth diseases, mouth rehabilitation”; já o descritor
fatores de riscos intrínsecos ao paciente, podem culminar “dental care” engloba os termos: “dental care for aged, dental
em descompensação da condição clínica cardiológica e,
care for children, dental care for chronically III e dental care of
consequentemente, gerar quadro de emergência médica.
disabled”. Os critérios de inclusão definidos foram: 1) artigos
Sendo assim, pacientes com IC devem ser submetidos a
que abordassem manejo odontológico em paciente portador
minuciosa avaliação cardiológica e criteriosa anamnese pelo
de IC, 2) artigos publicados em inglês, 3) artigos disponíveis
cirurgião-dentista de forma a identificar a gravidade da IC e
online e 4) artigos publicados em período ilimitado. Os cri-
do “performance status” dos pacientes, e se necessário for,
térios de exclusão foram: 1) artigos que não abordassem o
deve-se readequar o uso de medicações de uso contínuo
manejo odontológico em portadores de IC, 2) artigos que
relacionado à condição cardíaca.5,7
A classificação da IC, de acordo com seus fatores de abordassem manejo odontológico em doenças cardíacas
risco, é de suma importância para uma estratificação das específicas, 3) artigos não publicados em inglês, 4) artigos
terapêuticas odontológicas, uma vez que, distinguem em rela- de relato de caso. Para guiar este estudo considerou-se: IC
ção as suas principais etiologias e comorbidades associadas. e manejo odontológico.
Atualmente não existe na literatura estudos que abordem a
gravidade da IC com adequado manejo odontológico. RESULTADOS
Desta forma, o objetivo central desta revisão é descrever Foram encontrados 76 artigos nas bases de dados sele-
as estratégias odontológicas e cardiológicas adequadas para cionadas, sendo 34 artigos na base PUBMED/MEDLINE, 42
gerenciamento do paciente de acordo com a gravidade da IC. artigos na SCOPUS. Após a aplicação dos critérios de inclusão
280 e exclusão estabelecidos na metodologia, selecionou-se 11
MATERIAL E MÉTODOS artigos para a amostra final. (Figura 1)
Através da coleta de dados de artigos selecionados Os dados obtidos através da amostra final dos artigos
realizou-se uma revisão integrativa que possibilitou a síntese selecionados foram registrados em tabela. (Tabela 1)
Identificação
Triagem
Inclusão Elegibilidade

Figura 1. Fluxograma dos artigos encontrados nas bases de dados PubMed e Scopus.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84


INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE ODONTOLOGIA E CARDIOLOGIA NO SUPORTE AO INDIVÍDUO
COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Tabela 1. Manejo odontológico em pacientes portadores de insuficiência cardíaca nos artigos selecionados.

Artigo/País População Tipo de Classificação Objetivo Abordagem Conclusão


estudo da IC
- O atendimento
odontológico está associado
a redução de eventos CV
de 1/3 das mulheres o que
Variáveis ​​ pode ocorrer devido às
instrumentais maneiras que a doença CV
Censo de 1996, para avaliar do se desenvolve e é tratada
1998, 2000, 2002 atendimento Modelo teórico com nas mesmas em relação aos
e 2004 do Health odontológico uma função de produção homens.
Brown, et al; and Retirement Base em eventos de em saúde CV e uma - Pode haver relação entre o
*NR
2011 (USA)8 Study, com populacional doença CV e função de demanda atendimento odontológico
homens com ≥ 50 incluir um teste de por atendimento em homens mais jovens e
anos, mulheres < heterogeneidade odontológico a redução dos eventos de
50 anos essencial doenças CV.
(diferenciação por - Pesquisas sobre
sexo) atendimento odontológico
e sua relação com condições
de saúde geral estão
produzindo resultados
importantes
IMC - dividindo-se o
peso pela altura elevada
ao quadrado - e para
classificar as doenças
utilizou-se a CID 10:
Hipertensão (CID I10
e I 11 e prescrição - A higiene bucal mais
Investigar de anti-hipertensivo), cuidadosa foi associada ao
Banco de dados associação de diabetes mellitus (CID menor risco de FA e IC.
Chang, et al; do NHIS-HEALS indicadores de E10-E14, e a prescrição - A melhor higiene bucal
Coorte NR
2019 (Coreia)9 de (N=50 milhões) higiene bucal com de hipoglicemiantes), alcançada por escovação
2003/2004 FA e risco de IC. dislipidemia (CID E78 e frequente e profilaxia dental
agentes hipolipemiantes), profissional podem diminuir
doença renal (CID risco de FA e IC.
N18.1-N18.5 e N18.9),
281
a neoplasias malignas
(C00 – D48), doença
periodontal (CID
K052-K056), FA (CID I48) e
IC (CID I50)
- O tratamento dentário
deve ser realizado após
estreita consulta com o
- Procedimentos
N=32 com IC do Comparação cardiologista.
odontológicos para alívio
Depto de Medicina entre pacientes - Apenas tratamentos
da dor ou controle de
Oral do Hospital diagnosticados dentários devidamente
infecção e tratamentos
Universitário com IC grave com indicados devem ser
dentários eletivos
Hebraico-Hadassah, Estudo pacientes que realizados - eliminação de
Findler, et al; de acordo com o
Depto de Medicina observacional NYHA correm risco de infecção, dor e estresse.
2013 (Israel)10 planejamento dentário
Oral no Hospital retrospectivo IC submetidos - Com pré-tratamento
regular.
Assuta e uma a diferentes medicamentoso adequado,
- Valores hemodinâmicos
Clínica Dentária tratamentos monitorização cardiovascular
foram coletados antes
de Medicina Oral dentários e apoio médico profissional,
e após tratamento
particular não se deve restringir o
odontológico
tratamento odontológico
em indivíduos com doenças
CV
- Pacientes com DAVE
necessitam mais de
tratamento periodontal,
N= 128 - Depto de
Avaliação dos comparados ao grupo
Cirurgia Cardíaca
hábitos dentários, controle.
do Heart Center
da saúde bucal e - A influência da saúde bucal
Garbade, Leipzig e Depto de
da qualidade de Avaliação dentária, nos parâmetros sistêmicos
et al; 2020 Cariologia, Transversal INTERMACS
vida relacionada periodontal e o OHIP G14 relacionados a doenças e
(Alemanha)11 Endodontologia e
à saúde bucal de dispositivos permanece
Periodontologia da
pacientes com incerta, e são recomendados
Universidade de
DAVE conceitos interdisciplinares
Leipzig
de cuidados especiais para
melhorar a saúde bucal em
pacientes com DAVE

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84


Tabela 1. Manejo odontológico em pacientes portadores de insuficiência cardíaca nos artigos selecionados.

Artigo/País População Tipo de Classificação Objetivo Abordagem Conclusão


estudo da IC
N= 175 residentes
Dados odontológicos
de casas de - A média de dentes
Investigar as coletados pela equipe da
repouso tratados perdidos e edentulismo foi
relações entre Unidade Móvel Geriátrica
pela equipe da significativamente maior
Hamasha, condições médicas e o histórico de condição
Unidade Móvel entre os indivíduos que
et al; 1998 Transversal NR e saúde bucal, médica fornecido pela
Geriátrica da tinham histórico de doença
(EUA)12 avaliadas pelo equipe das casas de
Faculdade de vascular aterosclerótica, IC,
edentulismo e falta repouso, categorizados
Odontologia da cardiopatia isquêmica e
de dentes conforme a 16ª edição do
Universidade de doença articular
manual Merck
Iowa.
- Desenvolver
recomendações para
Atualização de - Elaboração de diretrizes
atendimento odontológico
guia de cuidados práticas para identificar,
Herman, et al; Revisão da de pessoas com IC
-- NYHA odontológicos avaliar e gerenciar o
2010 (EUA)7 literatura considerando a incidência,
para pacientes tratamento odontológico de
classificações, fisiopatologia
com IC indivíduos com IC
e avanços no diagnóstico e
tratamento da IC
Avaliar o - A melhora da higiene bucal e
impacto do visitas regulares ao dentista foi
N=247696 (Sem
comportamento associado a um risco reduzido
doenças CV graves)
Park, et al; de higiene bucal de eventos CV graves
Após 10 anos de Base Análise do banco de
2019 NR na ocorrência - A prevenção demonstrou
acompanhamento- populacional dados do NHIS-HEALS
(Coreia)13 de doença CV atenuar os eventos CV
maiores danos CV-
estratificada pelo adversos que poderiam
n=14893 (2,21% IC)
estado de saúde estar relacionados a doença
bucal periodontal
Elaborar
recomendações Revisão dos trabalhos do
SANZ, et al; para equipes workshop organizado Vários estudos relatam
2020 -- Guideline NR médicas e conjuntamente pela associações positivas entre
(Espanha)14 odontológicas, EFP e pela World Heart periodontite e IC
além de pacientes Federation
e o público geral
- Pior HRQOL foi observado
Examinar a
282 em pacientes com IC
qualidade de - Aplicação de
comparados aos pós
SCHMALZ, N=186 vida relacionada questionários: OHIP G14
transplante
et al; 2020 (104 pós -TxC, Transversal NYHA a saúde bucal de e SF36
- Recomendam um programa
(Alemanha)15 82 IC) pacientes após TxC - Exame oral: realizado
específico de atendimento
comparando com por 2 dentistas
odontológico em pacientes
pacientes com IC.
com IC e após TxC
Fazer com que
os profissionais
A resposta fisiológica
de saúde bucal
ao trauma gerado por
entendam a
procedimento oral bem
doença, os
STEINHAUER, como a administração de
Estágio A, B, tratamentos e
et al; 2005 -- Guideline - agentes anestésicos pode
CeD seu impacto
(EUA)16 afetar a função cardíaca,
na capacidade
desta forma, dentistas
do paciente de
precisam ter conhecimento
se submeter e
das doenças CV
responder aos
cuidados dentários
A simples recomendação
de visitar o dentista parece
insuficiente para obter
condições dentárias e
Avaliar se a
periodontais satisfatórias
recomendação
em pacientes com doenças
padronizada de
cardíacas graves
pacientes com IC Anamnese, exame oral,
ZIEBOLZ, et al; - Existe uma lacuna na saúde
N=88 Coorte (IC, DAVE, Tx) para aplicação de questionário
2020 NR dental, especialmente no
(14 IC) prospectivo visitar o dentista padronizado durante o
(Alemanha) 17
tratamento periodontal e
leva a melhores acompanhamento
manutenção de pacientes
condições bucais
com IC, TxC e DAVE
em um período de
- É recomendado o
12 meses
atendimento interdisciplinar
entre cardiologistas e
dentistas e a conduta de
promoção da saúde oral
Legenda: CV=Cardiovasculares, NHIS-HEALS=National Health Insurance Service-National Health Screening Cohort; FA=Fibrilação Atrial; IC=Insuficiência Cardíaca; IMC=Índice de
Massa Corporal; CID 10=Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde; NYHA=New York Heart Association; Depto=Departamento; NR=
Não relatado; INTERMACS=Interagency Registry for Mechanically Assisted Circulatory Support; DAVE= Dispositivo de assistência ventricular esquerda; EFP=European Federation
of Periodontology; OHIP G14=German Oral Health Impact Profile; FC=Frequência Cardíaca; SF-36=Medical Outcomes Short-Form Health Survey; TxC=Transplante cardíaco. *Para
definição do performance status foi utilizado o “Helth status”. ** Esta classificação foi utilizada, no entanto, não é mais apropriada e utilizada com frequência em pacientes com IC.

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84


INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE ODONTOLOGIA E CARDIOLOGIA NO SUPORTE AO INDIVÍDUO
COM INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

DISCUSSÃO abordagem odontológica mais criteriosa nos indivíduos com


A IC pode ser classificada de acordo com a sua fração de IC estão a preconização de alívio da dor de origem bucal e
ejeção, pela gravidade dos sintomas e pelo desenvolvimento odontogênica, a eliminação de focos de infecção de origem
bucal e o controle e redução do estresse durante os atendi-
e tempo de progressão das doenças. A primeira, refere-se
mentos odontológicos.7,8,10,15-17
à fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) podendo
A doença periodontal é citada como uma das condições
ser proveniente de anormalidade na função sistólica ou dias-
bucais associadas a doenças cardiovasculares. Apesar da
tólica. A FEVE pode ser classificada como fração de ejeção
literatura demonstrar o baixo nível de evidência da relação
reduzida (ICFEr) quando for < 40%, como intermediária
entre o tratamento da doença periodontal na redução das
(ICFEi) quando estiver entre 40% a 49% e como preservada
doenças cardiovasculares,18 nesta revisão encontrou-se a
(ICFEp) quando for ≥ 50%.2,4
clara preocupação com a associação da doença periodontal
Atualmente 23 de milhões de pessoas no mundo são
e a IC e também com os indivíduos submetidos a transplante
portadoras de IC, que é considerada uma doença grave,
de coração. O diagnóstico precoce da doença periodontal, o
cuja sobrevida após cinco anos de diagnóstico pode ser de
controle da saúde periodontal e a consequente redução das
apenas 35% e aumenta progressivamente conforme faixa
perdas dentárias decorrentes de periodontite, associados
etária. Existe maior incidência de portadores dessa síndrome
ao bom controle de higiene oral dos indivíduos e frequência
a partir dos 55-64 anos, até 1% da população, chegando até
de visitas para tratamento odontológico têm se mostrado
a 17,4% nos indivíduos com idade superior aos 85 anos.5 No
relevante na prevenção das doenças cardiovasculares e na
Brasil, fatores socioeconômicos são potencializadores dos
redução de eventos cardiovasculares graves.11-14,17
processos fisiopatológicos que culminam no desenvolvimento
A compreensão e sapiência dos cirurgiões-dentistas
da IC; desde a dificuldade de acesso à assistência médica e a
sobre a IC e as demais doenças cardiovasculares, e o co-
má aderência do paciente ao tratamento, como por exemplo:
nhecimento dos cardiologistas quanto aos procedimentos
a terapêutica básica para o controle da hipertensão arterial.2
e medicamentos utilizados pela odontologia, proporcionam
A classificação de acordo com a gravidade dos sinto-
maior segurança e eficácia no atendimento aos pacientes
mas descrita pela New York Heart Association (NYHA), é
cardiopatas e consequentemente melhoram o impacto da
baseada no grau de tolerância ao exercício, onde classe I saúde bucal na sua qualidade de vida e qualidade de vida
são aqueles indivíduos assintomáticos, II os que apresentam global.11,15 Neste cenário o conhecimento interprofissional da
sintomas leves, III com sintomas em atividades leves e IV resposta fisiológica ao trauma gerado durante um tratamento
com sintomas em repouso.5 odontológico relacionado à fobia e ao uso indiscriminado
A terceira classificação, e não menos importante, foca no e sem técnicas adequadas de anestesias locais podem
desenvolvimento e progressão da doença, na qual A refere eventualmente afetar a função cardíaca, o que exige acuidade 283
o paciente com risco de desenvolver a IC, porém sem a no manejo odontológico e cardiológico dos indivíduos com
doença ou sintomas presentes, B com a doença presente doenças cardiovasculares, em especial a IC.7,10,16,19
assintomática, C com doença presente sintomática, respec-
tivamente e por fim, D, que corresponde à uma IC refratária CONCLUSÃO
ao tratamento clínico, requerendo intervenção médica.6
No que tange a etiologia da IC, uma gama de comorbida- O atendimento odontológico de pacientes com alterações
des podem estar atreladas a sua causa, incluindo-se a IC de cardiovasculares, em especial a IC, é de suma importância
origem isquêmica, hipertensiva, chagásica, valvar, congênitas, para a uma contigua evolução sistêmica dos pacientes,
alcoólicas, miocardite, cardiomiopatia, entre outras. A busca principalmente por meio de tratamentos odontológicos pre-
pela sua etiologia orienta a conduta e o tratamento específico ventivos, com potencial eliminação de focos infecciosos e
da doença e consequentemente melhora o prognóstico do estratégias de controle e redução do stress. Deve-se ter um
gerenciamento de conhecimento e excelente interação entre
paciente. No entanto, essa etiologia difere por regiões e o
cirurgiões-dentistas e cardiologistas sobre a gravidade da IC
estudo da prevalência de cada doença por localidade é útil
para a correta estratificação das terapêuticas odontológicas,
no manejo dos pacientes cardiopatas.2
visando evitar complicações e/ou intercorrências durante o
A ação interdisciplinar entre cirurgiões-dentistas e car-
procedimento bucal; haja visto que a IC apresenta diferentes
diologistas foi relatada nos artigos revisados, mostrando
etiologias e comorbidades associadas.
evidências de que a comunicação interdisciplinar nestas
especialidades da área da saúde permite que o indivíduo
com doença cardiovascular grave, em especial pacientes
com IC, independente da sua classificação e gravidade, CONFLITOS DE INTERESSE
receba atendimento adequado e seguro quanto aos riscos Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
cardiovasculares, podendo ser melhor gerenciado e exe- na realização deste trabalho.
cutado pela odontologia. Dentre as condições que exigem

REFERÊNCIAS
1. Mann DL, Zipes DP, Libby P, Bonow RO. Braunwald’s heart Perioperatória da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq.
disease: a textbook of cardiovascular medicine. 10th ed. Bras Cardiol. 2017;109(3Supl.1):1-104.
Philadelphia: Elsevier; 2015. 3. Writing Group Members, Mozaffarian D, Benjamin EJ, Go
2. Gualandro DM, Yu PC, Caramelli B, Marques AC, Calderaro AS, Arnett DK, Blaha MJ, et al. Heart Disease and Stroke
D, Fornari LS, et al. 3a Diretriz de Avaliação Cardiovascular Statistics-2016 Update: A Report from the American Heart

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84


Association .[published correction appears in Circulation]. T, et al. Oral health and dental behaviour of patients with left
2016;133(15): e599]. Circulation. 2016;133(4): e38–e360. ventricular assist device: a cross-sectional study. ESC Heart
4. Ponikowski P, Voors AA, Anker SD, Bueno H, Cleland JGF, Fail. 2020; 10.1002/ehf2.12636.
Coats AJS, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and 12. Hamasha AA, Hand JS, Levy SM. Medical conditions associated
treatment of acute and chronic heart failure. Europ Heart J. with missing teeth and edentulism in the institutionalized elderly.
2016,37(27), 2129–2200. Spec Care Dentist. 1998; 18(3):123–127.
5. Hawwa N, Vest AR, Kumar R, Lahourd R, Young JB, Wu Y, et al. 13. Park SY, Kim SH, Kang SH, Yoon CH, Lee HJ, Yun PY, et al.
Comparison between the Kansas city cardiomyopathy question- Improved oral hygiene care attenuates the cardiovascular risk
naire and NewYork Heart Association in assessing functional of oral health disease: a population-based study from Korea.
capacity and clinical outcomes. J Card Fail. 2017;23(4):280-5. Eur Heart J. 2019; 40(14):1138–1145.
6. Hunt SA, Abraham WT, Chin MH, Feldman AM, Francis GS, Ganiats 14. Sanz M, Castillo AMD, Jepsen S, Gonzalez-Juanatey JR,
TG, et al. 2009 Focused update incorporated into the ACC/AHA D’Aiuto F, Bouchard P, et al. Periodontitis and cardiovascu-
2005 Guidelines for the Diagnosis and Management of Heart lar diseases: Consensus report. J Clin Periodontol. 2020;
Failure in Adults A Report of the American College of Cardiology 47(3):268–288.
Foundation/American Heart Association Task Force on Practice 15. Schmalz G, Eisner M, Binner C, Wagner J, Rast J, Kottmann
Guidelines Developed in Collaboration With the International T, et al. Oral health-related quality of life of patients after heart
Society for Heart and Lung Transplantation [published correction transplantation and those with heart failure is associated with
appears in J Am Coll Cardiol. 2009; 53(15): e1–e90. general health-related quality of life: a cross-sectional study.
7. Herman WW, Ferguson HW. Dental care for patients with heart Qual Life Res. 2020;10.1007/s11136-020-02439-z.
failure: an update. J Am Dent Assoc. 2010;141(7):845–53. 16. Steinhauer T, Bsoul SA, Terezhalmy GT. Risk stratification and dental
8. Brown TT, Dela Cruz E, Brown SS. The effect of dental care on management of the patient with cardiovascular diseases. Part I:
cardiovascular disease outcomes: an application of instrumental Etiology, epidemiology, and principles of medical management.
variables in the presence of heterogeneity and self-selection. Quintessence Int. 2005; 36(2):119–137.
Health Economics. 2010;20(10): 1241-56. 17. Ziebolz D, Friedrich S, Binner C, Rast J, Eisner M, Wagner
9. Chang Y, Woo HG, Park J, Lee JS, Song TJ. Improved oral J, et al. Lack in Periodontal Care of Patients Suffering from
hygiene care is associated with decreased risk of occurrence Severe Heart Diseases-Results after 12 Months Follow-Up. J
for atrial fibrillation and heart failure: A nationwide population- Clin Med. 2020; 9(2):352.
based cohort study [published online ahead of print.] Eur J 18. Orlandi M, Graziani F, D’Aiuto F. Periodontal therapy and
Prev Cardiol. 2019; 2047487319886018. cardiovascular risk. Periodontol 2000. 2020; 83(1):107-124.
10. Findler M, Elad S, Kaufman E, Garfunkel AA. Dental treatment for 19. Guglielmo A, Reader A, Nist R, Beck M, Weaver J. Anesthetic
high-risk patients with refractory heart failure: a retrospective obser- efficacy and heart rate effects of the supplemental intraosseous
vational comparison study. Quintessence Int. 2013; 44(1):61–70. injection of 2% mepivacaine with 1:20,000 levonordefrin. Oral Surg
11. Garbade J, Rast J, Schmalz G, Eisner M, Wagner J, Kottmann Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 1999; 87(3):284–293.

284

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):279-84


REVISÃO/REVIEW

A INSUFICIÊNCIA DO CORAÇÃO E DO AFETO:


APRENDENDO A SER CUIDADO
HEART FAILURE AND AFFECTION: LEARNING TO BE CARED FOR
Valéria Lima Frediani1 RESUMO
Adriana Aparecida Introdução: A insuficiência cardíaca (IC) é uma patologia crônica, irreversível, que
Fregonese1 requer diversas mudanças comportamentais, envolvendo sofrimento físico e psíquico. A
Sílvia Maria Cury Ismael1 forma como se interpreta o conceito de cuidado e autocuidado interfere diretamente na
1.Hospital do Coração da Associação adesão ao tratamento. Objetivo: Identificar questões psicológicas que podem atuar como
Beneficente Síria. São Paulo, SP. Brasil facilitadores para desenvolvimento do autocuidado em hospitalização. Método: Estudo
Correspondência de caso realizado através de avaliação e acompanhamento psicológico em hospital
Valéria Lima Frediani. privado no estado de São Paulo a paciente internado por quadro de descompensação
Rua das Cobéias – nº 68.
vfrediani@hcor.com.br da IC e dificuldade de adesão ao tratamento. Resultados: Identificou-se que J., gênero
masculino, 53 anos, portador de IC, diabetes e doença renal, apresentava história de
vida pautada na ausência de cuidado, e o acompanhamento psicológico foi direcionado
para a compreensão dessa dinâmica e repercussão na vida adulta. Foi possível estimular
Acesse o melhorias no tratamento, como o início da atividade física e, ao trabalhar o conceito de
Podcast
cuidado, o paciente passou a aceitar a presença de familiares durante internação como
mobilização de afeto. Conclusão: O acompanhamento psicológico foi essencial para a
compreensão do impacto do adoecimento e fatores emocionais que interferiam na adesão
ao tratamento, possibilitando a ressignificação de conceitos e favorecendo o engajamento
à promoção do autocuidado e qualidade de vida.

Descritores: Insuficiência Cardíaca; Autocuidado; Psicoterapia. 285

ABSTRACT
Introduction: Heart failure (HF) is a chronic, irreversible pathology that requires several
behavioral changes, involving physical and psychological pain. The way the concept of
care and self-care is interpreted directly interferes with treatment adherence. Objective:
To identify psychological issues that can act as facilitators for the development of self-care
in hospitalization. Method: Case study carried out through psychological assessment and
monitoring in a private hospital in the state of São Paulo for a patient hospitalized due to
HF decompensation and difficulty adhering to treatment. Results: It was identified that J.,
male, 53 years old, with HF, diabetes and kidney disease, had a life history based on lack of
care, so psychological monitoring was directed towards understanding this dynamics and
repercussion in adult life. Treatment improvements were encouraged, such as physical activity
and, by working on the concept of care, the patient started to accept the presence of family
members during hospitalization as a mobilization of affection. Conclusion: Psychological
monitoring was essential for understanding the impact of illness and emotional factors that
interfered with adherence to treatment, enabling the redefinition of concepts and favoring
engagement to promote self-care and quality of life.

Keywords: Heart Failure; Self Care; Psychotherapy.

INTRODUÇÃO Os sintomas como dispneia, congestão pulmonar, cansaço


A Insuficiência Cardíaca Congestiva (ICC) é uma doença e ganho de peso por retenção hídrica, são alguns dos principais
crônica que prejudica o bombeamento de sangue oxigenado indicadores da descompensação cardíaca, e estes geram
para o coração e demais órgãos, provocando sinais e sinto- limitações importantes no cotidiano dos pacientes, que por
mas específicos. A origem pode ser congênita ou adquirida, vezes se cansam aos mínimos esforços, o que gera importante
e atinge mais de 23 milhões de pessoas a nível mundial, com impacto emocional e na qualidade de vida destes sujeitos.¹
taxas de sobrevida que podem chegar a apenas 35%, após O tratamento para a patologia se dá através de medi-
cinco anos do diagnóstico.1 cações, cirurgias e mudanças de hábitos, a saber: restrição

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):285-7 http://dx.doi.org/10.29381/0103-8559/20203002285-7


hídrica, controle de sódio, atividade física e controle de peso que estavam em situação de vulnerabilidade, contudo, nesta
diário. As internações podem ser frequentes de acordo com fase, apresentava ausência de autocuidado e comportamento
a gravidade do quadro clínico, o que irá interferir na rotina autodestrutivo, possivelmente não percebido de maneira
diária do paciente e sua família.2 consciente, trabalhando por diversos turnos, com sono e
As limitações físicas que se estabelecem, e o complexo alimentação inadequados, além de estresse e tabagismo
tratamento da cardiopatia, podem gerar sintomas emocionais que culminaram em infarto agudo do miocárdio (IAM).
como ansiedade e/ou depressão, que poderão repercutir na Em internação paciente reconhece não realizar a adesão
adesão ao tratamento. Fatores emocionais podem contribuir total ao tratamento quando está em sua residência, não avisa
para a piora do quadro clínico e sobrevida destes pacientes, aos familiares quando necessita ser internado, e reflete sobre
pois afeta diretamente a qualidade de vida do doente.3,4 o quão ameaçador se faz a necessidade de ser cuidado por
Diante deste cenário, a avaliação e acompanhamento alguém, uma vez que, em seu reportório nunca foi aprendido
psicológico se fazem essenciais para compreender como o o conceito de cuidado. Assim, as intervenções psicológicas
paciente percebe sua doença, quais estratégias de enfren- se pautaram em reflexões acerca de sentimentos e compor-
tamento utiliza para lidar com a cronicidade da patologia, tamentos consequentes da ausência de cuidado, e as reper-
contribuindo para o cuidado em sua integralidade e estimu- cussões de ser cuidado por uma equipe multiprofissional,
lando o engajamento no tratamento.5 sobretudo, de uma forma com a qual sua história pudesse
ser ouvida e associada aos seus comportamentos atuais.
OBJETIVOS A partir das intervenções, observou-se o aumento de res-
postas de autocuidado, como o início da reabilitação cardíaca
Identificar questões de ordem emocional e/ou psicológica
durante internação, e o entendimento da importância da ativida-
que podem atuar como facilitadores para o desenvolvimento
de física para o tratamento, além da aceitação da presença da
do autocuidado em hospitalização e realização de interven-
família como fator protetivo, o que contribuiu como importante
ções a partir do conteúdo obtido.
recurso de enfrentamento adaptativo diante da hospitalização.

MÉTODO DISCUSSÃO
Estudo de caso realizado através de avaliação e acom- É possível analisar que o ambiente no qual J. se desenvol-
panhamento psicológico a paciente portador de insuficiên- veu foi extremamente punitivo em sua infância. Neste contexto,
cia cardíaca. Solicitada avaliação psicológica pela equipe a ausência de cuidado em condições de negligência familiar
multidisciplinar para paciente internado por quadro de des- e pobreza podem provocar importantes consequências em
compensação cardíaca devido à dificuldade de adesão fases posteriores do desenvolvimento, sobretudo, na vida
286 ao tratamento não medicamentoso. O acompanhamento adulta, como déficits de autocontrole e de habilidade para
psicológico ocorreu por um período de aproximadamente dez lidar com os sentimentos, o que pode levar a diversos com-
dias, durante internação em hospital privado de cardiologia no portamentos autodestrutivos como ausência de autocuidado.6
estado de São Paulo. A teoria analítico-comportamental foi a Durante a internação a psicoterapia foi essencial para
abordagem psicológica utilizada para a análise, da dinâmica auxiliar paciente e equipe a compreenderem a dinâmica
apresentada e intervenções acerca da mesma. psíquica em questão, através de uma abordagem que se
baseia nas ciências do comportamento, traduzindo desta
RESULTADOS forma, como seu repertório de comportamentos aprendidos
A avaliação psicológica e posterior acompanhamento ou não, repercutiram em suas vivências atuais e como estes
foram realizados ao paciente J., gênero masculino, separado, poderiam se modificar, além de oferecer um ambiente seguro,
53 anos, portador de IC, diabetes e doença renal crônica não isto é, não punitivo e que permitiu respostas mais adaptativas
dialítica.em virtude da dificuldade de adesão ao tratamento. ao contexto do adoecimento.7
Neste período os principais conteúdos trazidos pelo paciente A dificuldade de aceitar os cuidados da família, ou mesmo
tinham relação com a dificuldade de adesão ao tratamento de reconhecer o comportamento da equipe como a oferta de
não medicamentoso e ausência de cuidado ao longo da vida. um cuidado, pode trazer prejuízos de adesão ao tratamento.
Estes dois cenários foram essenciais para compreender o A literatura elucida que os pacientes que apresentam pou-
que permeava sua relação com a doença e os cuidados co suporte familiar ou social tendem a apresentar maiores
necessários para lidar com o processo de adoecimento. dificuldades para manter comportamentos que promovam
A ausência de cuidado teve início nos primeiros anos de o cuidado com a saúde e qualidade de vida.8 Desta forma,
vida, quando J. e seus irmãos mais velhos perderam a mãe e ter a presença da família durante a hospitalização e rever
passaram a ser criados pela tia materna. Da infância à ado- demandas emocionais que interferiam nos comportamen-
lescência houve o predomínio de violência física e psicológica tos atuais foi fundamental para a elaboração de questões
envolvendo todos os membros da família, sendo ofertado relacionadas a ausência do cuidado.
ao paciente somente o essencial: alimentação e vestimentas
básicas. O paciente não conheceu o pai e não teve alguém CONCLUSÃO
que ao longo de sua história, pudesse ocupar o modelo de A psicoterapia se mostrou importante recurso de enfrenta-
uma figura protetora como se configura a imagem dos pais. mento para o paciente diante de fragilidades observadas em
Após completar a maior idade, houve um processo de seu repertório de comportamentos apresentados em período
mudança do ambiente interno e externo do paciente que pas- de internação, a partir da compreensão das consequências da
sou a trabalhar na área da saúde ofertando cuidado àqueles ausência do cuidado, foi possível aumentar as respostas de

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):285-7


A INSUFICIÊNCIA DO CORAÇÃO E DO AFETO: APRENDENDO A SER CUIDADO

autocuidado e de cuidado de pessoas de seu convívio. Além


disso, foi possível sensibilizar o paciente para encaminhamento CONFLITOS DE INTERESSE
para psicoterapia a fim de dar continuidade ao processo iniciado Os autores declaram não possuir conflitos de interesse
durante hospitalização, favorecendo a manutenção de compor- na realização deste trabalho.
tamentos adaptativos ao contexto de adesão ao tratamento.

287

REFERÊNCIAS
1. Comitê Coordenador da Diretriz de Insuficiência Cardíaca. 2019; 22(250): 2783-2787. [acesso: outubro 2019]. Disponível
Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. em: http://www.revistanursing.com.br/revistas/250/pg78.pdf
Arq Bras Cardiol. 2018;111(3):436-539.
5. Queiroz MEG, Foz MLFNN. Atenção integrada a pessoa com
2. Sobral LM, Alves MA, Barros ALBL, Lopes JL. Anxiety, stress insuficiência cardíaca na perspectiva terapêutico-ocupacional
and depression in family members of patients with heart failure. e psicológica: um relato de experiência. Revista Família,
Rev Esc Enferm. USP. [Internet]. 2017;51: e03211. [acesso Ciclos da Vida e Saúde no Contexto Social [internet]. 2018;
outubro 2019]; Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. 6(1). [acesso outubro 2019]. Disponível em: http://seer.uftm.
php?script=sci_arttext&pid=S0080- edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/2374
3. Guerra TRB, Venancio ICD, Pinheiro DMM, Mendlowicz, Ca- 6. Del Prette ZAP, Del Prette A. Psicologia das habilidades sociais
valcanti ACD, Mesquita ET. Métodos de Rastreamento da na infância: Teoria e Prática. Petrópolis: Editora Vozes. 2017.
Depressão em Pacientes Ambulatoriais com Insuficiência
Cardíaca. Intern J Cardiovascr Sci [Internet]. 2018; 31(4):1-9. 7. Borges, NB, Cassas, FA. Clínica Analítico-Comportamental: As-
[acesso outubro 2019] Disponível em: http://www.scielo.br/ pectos Teóricos e Práticos. Porto Alegre: Artmed. 2012.
pdf/ijcs/2018nahead/pt_2359-4802-ijcs-20180037.pdf 8. Abreu-Rodrigues M, Seidl, EMF. A importância do apoio so-
4. Costa MB, Bandeira GMS, Pereira JMV, Figueiredo LS, cial em pacientes coronarianos [Internet]. Paidéia, Ribeirão
Cordeiro RG, Flores PVP. Associação dos diagnósticos de Preto. 2008;18(40): 279-88. [acesso outubro 2019] Disponível
enfermagem da NANDA internacional com hospitalização e em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi-
morte em insuficiência cardíaca. Revista Nursin. [Internet]. d=S0103-863X2008000200006&lng=en&nrm=iso>

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo - Supl - 2020;30(2):285-7

Você também pode gostar