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A partir desta maneira como Martire apresenta, digo, a partir desta diferença entre
Arqueologia Digital e Arqueologia do Digital, confiro que ao escolher escrever sobre esse
tema, a minha perspectiva se aproxima mais do que o autor aponta como Arqueologia
Digital, busco trazer uma reflexão sobre Dados como Forma Simbólica
(MANOVICH,1999) – portanto, como meio para o acontecimento de diversos produtos
culturais – e isso requer uma certa abstração do conceito comum que nos vem à cabeça
do que são esses “dados”. Parto do princípio que a intensa produção de peças de imagem,
de vídeo e de áudio para comunicação, entretenimento, jornalismo, debate, conteúdos de
interação, publicações de resultados de pesquisa, resultados e processos de trabalhos, e
mais os arquivos online-offline/públicos-privados das atuais big techs (Youtube,
Facebook, Twitter,...), mais outros repositórios remotos de outras épocas que continuam
online hoje, representam uma quantidade de memória incomensurável; e toda essa
memória possui diferentes maneiras de serem acessadas, muitas vezes conseguem ser
acessadas diretamente pela ferramenta de busca, mas em outras situações são colocadas
em alcances mais afastados por conta principalmente da ação de algorítimos. Digo,
portanto, que uma intersecção da ciência arqueológica com os campos da ciência da
informação, arquivologia digital e museologia a partir do que Martire apresenta
brevemente, me leva a crer que se possa gerar boas colaborações e contribuições ao trato
com a memória, visto que a arqueologia tem toda uma bagagem própria de maneiras de
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https://arqueologiaeprehistoria.com/2013/10/01/video-cyber-arqueologia-projeto-roma-360/
(acessado em: 21 de junho de2022)
como lançar olhar sobre esses resquícios de outros tempos, bem como de como organizar
uma busca e seus resultados.
É valido ressaltar que já tivemos diferentes fases de usos e de produção de dados
culturais. Essas mudanças vão acontecendo a partir principalmente das empresas que
criam redes sociais e aplicativos que vão se renovando e gerando espécies de fluxos
migratórios entre elas – à minha vista funciona mesmo como um complexo de arquiteturas
(sites[sítios] e apps[aplicativos]) onde as pessoas habitam e transladam ao interagir.
Vemos por exemplo como o Orkut2 entrou na vida de pessoas brasileiras a partir de 2004,
e cinco meses após seu lançamento, a comunidade brasileira já era 30,65% da quantidade
total de usuários da plataforma – públicos que só aumentaram até o fim da rede Orkut em
2014, quando boa parte dessas pessoas passaram a migrar para o Facebook. O que quero
apontar aqui é como tamanho tráfego produziu tamanha quantidade de conteúdos que
refletiram uma série comportamentos dessa época. A pergunta que fica é: aonde foram
parar todos esses dados que de repente passaram a não existir mais ao acesso instantâneo?
Antes dessa época ainda, houve a época dos blogs pessoais, que eram construídos através
de sites de blogs; ou ainda blogs de empresas, ou coletivos, ou organizações, institutos;
onde muitos, mesmo não sendo mais alimentados e atualizados, continuaram e continuam
com seus dados e conteúdos online, disponíveis para serem acessados, mas muitas vezes
com seu endereço esquecido ou com esses acessos dificultados por conta de algorítimos
dos mecanismos de busca.
Martire apresenta mais duas questões interessantes para pensar essa perspectiva
que estamos aqui pensando junto. A primeira é quanto a observação do tempo terrestre
em eras geológicas. O autor trás o debate atual sobre a cisão temporal proposta por grupos
de cientistas que enxergam um fim do Holoceno (iniciado a cerca de 11.84 anos ao fim
da última era glacial) dando início ao Antropoceno, que recebe esse nome por identificar
o período de maior interferência humana sobre as camadas geológicas mais externas,
incluindo a atmosfera. Martire exemplifica muito bem como a exploração de recursos
naturais nos continentes desde o século XVIII se relacionam com o aumento da população
humana sobre o globo, e como essa atividade se intensifica a cada revolução industrial,
interferindo e transformando cada vez mais a geomorfologia da Terra, ele cita a “Grande
Aceleração”, uma teoria proposta por Will Steffen em 2004 – que segundo Alex Martire
é a alternativa com mais chance de ser aceita como marco inicial do Antropoceno. A
teoria demonstra o monstruoso crescimento quantitativo do tamanho da população, do
consumo de água, da perda de florestas tropicais e bosques, e da concentração de CO2 e
N2O na atmosfera;- com acentuação das curvas desses gráficos quase que simultâneas no
período que compreende o pós-segunda-guerra-mundial, a década de 1950. Atividades de
mineração de profundidade - fonte de matéria prima pra atividades industriais, implosão
de morros para obtenção de matéria prima para a construção civil, aterros sanitários
(muito lixo), construção de cidades, desmatamento, monoculturas ligadas ao
agronegócio, pecuária extensiva e garimpo; são alguns exemplos de atividades humanas
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https://www.techtudo.com.br/listas/2019/01/orkut-era-lancado-ha-15-anos-relembre-curiosidades-e-
polemicas-da-rede.ghtml (acessado em: 21 de junho de2022)
diretamente vinculadas ao motivo dessa necessidade de acordo científico sobre um novo
tempo geológico da Terra – tempo esse, que é uma medida utilizada pela Arqueologia
em seu desenvolvimento de campo.
Ainda nessa questão o autor apresenta o que viria a ser uma proposta de tempo
geológico que vem a se constituir como sequência, de dentro do Antropoceno para além
dele, e que segundo o autor já está a se desenvolver na vida material, mas mesmo assim,
é esperado que demore a ser considerado como possibilidade de acordo científico. Alex
Martire apresenta a ideia de Novaceno, criado por James Lovelock em 2019, com o livro
“Novacene: the coming Age of Hyperintelligence”.
“(...) marcada pelo convívio (muitas vezes interligado fisicamente) entre
humanos e máquinas inteligentes -; contornaremos a nossa própria extinção,
permitindo que a Inteligência Artificial – aqui entendida como capacidade das
máquinas em reprogramarem algoritmos automaticamente a fim de gerar
respostas a determinados problemas – atue a fim de diminuir os impactos
negativos que temos sobre o planeta Terra.” (MARTIRE, 2021)
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Por exemplo quando desenha os números da quantidade de energia utilizada na
experiência que teve com o jogo que dá nome ao texto, multiplicando o número de horas
que passou jogando de modo a compreender a quantidade de CO2 emitido na atmosfera
para a obtenção de tal quantidade de energia, ver MARTIRE; 2021, p.59 e p.60.
transformações da Terra que definem o Antropoceno, o uso da "tecnosfera"
sugere uma visão mais destacada de um processo geológico emergente que
define humanos como componentes essenciais que sustentam sua dinâmica.”
(HAFF, 2013 apud. MARTIRE, 2021)
Martire aponta que a tecnosfera se difere da biosfera, por a tecnosfera ser gerada
fundamentalmente por seres humanos ao desenvolverem soluções tecnológicas que
permitem sua existência no planeta. Estando a tecnosfera dentro da biosfera, visto que a
biosfera é o conjunto de todos os seres vivos sobre a Terra, e a tecnosfera a reunião de
elementos físicos criados e ligados aos seres humanos de alguma maneira. Do ponto de
vista geológico, as marcas de produtos tecnológicos humanos encontrados na tecnosfera
são aquilo que se convencionou chamar “tecnofóssil”.
“Os tecnofósseis têm características distintas que os diferenciam dos traços de
fósseis. Por exemplo, eles geralmente são fabricados com materiais de
natureza rara ou que não ocorrem naturalmente, como alumínio ou plástico.
Eles são produzidos em uma infinidade de formas que não têm paralelos na
natureza, desde um artefato de pedra trabalhado à mão, imediatamente
discernível por seus padrões de fratura de um seixo naturalmente erodido, até
um arranha-céu (e seus componentes): feito de aço, concreto, vidro e plástico
[...].
Os tecnofósseis são geralmente criados a partir de materiais com durabilidade
geológica de longo prazo. Por esse motivo, é possível considerar o
desenvolvimento de uma tecnoestratigrafia, da mesma forma que os fósseis
são usados para definir a bioestratigrafia, a partir da sucessão de tecnofósseis
em intervalos sucessivamente mais recentes de estratos sedimentares (por
exemplo, ferramentas de pedra no fundo, lascas de silicone e iPhones na parte
superior).
Embora se saiba que outros hominínios, grandes símios, pássaros e alguns
moluscos usam ou usaram ferramentas, aqui limitamos o termo tecnofóssil às
estruturas feitas por espécies de Homo (Zalasiewicz et al., 2019, p. 144).”
Isso nos leva a começar a perceber de que estamos tratando de estruturas que não
são exatamente apenas o que vemos nas telas, em vias de exibição final. Entrar no campo
das bases de dados e dos algorítimos (que são códigos que ativam e reativam outros
códigos, criando inteligências artificiais) significa abstrair da tradicional maneira de
imaginar a física das coisas, mas não totalmente, visto que a ciência de dados é baseada
em lógica estruturada, tal como acontece com as bases de dados orientados a objetos – é
basicamente, muito basicamente, como imaginar engrenagens maquínicas que se
conectam em um plano virtual, onde, quando olhadas com uma lupa, percebe-se que essas
engrenagens são formadas por textos de comandos de dígitos (linguagem binária que
utiliza dos algarismos zero e um) que se interligam em processamentos lógicos a partir
de informações nativas de sua existência programada ou informações implantadas para
serem tratadas em função de alguma operação. É importante considerar que nem sempre
estes objetos estão ao toque de controle da pessoa usuária final, visto que os sistemas
possuem séries de procedimentos com programações prévias necessárias para que o uso
final, por exemplo de digitar e armazenar um texto em formato .word aconteça. Deste
modo, vai se desenhando a nossa percepção um mundo virtual invisível aos nossos olhos
nus, porém que existe, pode ser acessado, pode ser acumulado, possui memória – não
apenas na perspectiva dos dados, mas na perspectiva de que a maneira de criar e interagir
essas estruturas vem se alterando/atualizando ao longo do tempo -; e, ainda, atravessa as
épocas gerando maneiras de interação/interlocução/prática/produção/... humanas –
portanto gerando e sendo cultura, numa perspectiva antropológica.
Lev Manovich apresenta em seu texto uma série de situações de como essas bases
de dados são apresentadas e utilizadas nesse percurso histórico humano recente. Ele
aponta como o CD-ROM assumiu a identidade de uma mídia de armazenamento
projetada em outro plano, tornando-se uma forma cultural própria. Considerando por
exemplo os primórdios do gênero museu virtual – quando CD-ROMs levavam usuários a
um passeio pelo acervo de um museu; tornando esse museu uma base de dados de imagens
representativas do seu acervo, que pode ser acessada de diferentes formas:
cronologicamente, por país ou por artista.
“Embora esses CD-ROMs muitas vezes simulem a experiência tradicional do
museu de passar de uma sala para outra, em uma trajetória contínua, esse
método de acesso “narrativo” não tem nenhum status especial em comparação
com outros métodos de acesso oferecidos por um CD-ROM. Assim a narrativa
torna-se apenas um método de acesso aos dados entre outros.” (MANOVICH,
1999)
Esse trecho demonstra como uma arqueologia do mundo dos dados poderia ter
entradas diferentes pare estabelecer investigações de contextos de contextos históricos;
nesse exemplo, pelo menos duas entradas: a primeira a partir da estruturação dos dados
estabelecida pela mídia (CD-ROM) em direção à narrativa; e outra da estrutura da
narrativa em direção à estrutura de identidade da organização dos dados, que pode variar
de acordo com o período tecnológico de elaboração – no exemplo apresentado fora um
CD-ROM, objeto obsoleto no tempo presente à essa escrita.
Essa fase histórica do CD-ROM, marca um início da intensa prática cultural de
computadorização da cultura; incessantemente muita coisa foi (e ainda é) de alguma
forma transfigurada do mundo real para o mundo digital, através de arquivos de diferentes
naturezas (imagens, vídeos, áudios, textos,...); sendo organizadas e armazenadas em bases
de dados, que alimentaram novas e novas bases de dados, e assim por diante – esse
processo se estende até hoje – objetos de cultura são criados a todo momento utilizando
dados já presentes na rede. Desse modo, para compreender todo esse funcionamento no
mundo atual, é preciso começar a flertar com a compreensão dos códigos algorítmicos
que se configuram, por exemplo, enquanto softwares que nos auxiliam, enquanto
usuários, a realizar tarefas como por exemplo acessar certas camadas e sítios de bancos
de dados.
“A informatização da cultura envolve a projeção dessas duas partes
fundamentais dos softwares de computação – e da ontologia única do
computador – na esfera cultural. Se os CD-ROMs e bancos de dados da Web
são manifestações culturais de metade dessa ontologia – estruturas de dados e
jogos de computador são manifestações da segunda metade: os algoritmos.
Jogos (esportes, xadrez, cartas, etc.) são formas culturais que exigiam dos
jogadores um comportamento semelhante a algoritmos; consequentemente,
muitos jogos tradicionais foram rapidamente simulados em computador.
Paralelamente, surgiram novos gêneros de jogos de computador como, por
exemplo, o jogo de tiro em primeira pessoa (“Doom, “Quake”). Assim como
foi o caso dos gêneros de bancos de dados, os jogos de computador imitaram
jogos já existentes e criaram novos gêneros de jogos.” (MANOVICH, 1999)
E continua:
“Pode parecer à primeira vista que os dados são passivos e os algoritmos
ativos – outro exemplo de categorias binárias passivo-ativas tão amadas pelas
culturas humanas. Um programa lê dados, executa um algoritmo e escreve
novos dados. Podemos lembrar que antes da ‘ciência da computação’ e da
‘engenharia de software’ o nome estabelecido para o campo da computação
era ‘processamento de dados’. Esse nome permaneceu em uso por algumas
décadas, durante as quais os computadores eram principalmente
desempenhados a realizarem cálculos sobre dados. No entanto, a distinção
passivo/ativo não é muito precisa, pois os dados não apenas existem – mas
precisam ser gerados. Os criadores de dados precisam coletar dados e
organizá-los ou cria-los a partir de arranhões. Os textos precisam ser escritos,
as fotografias precisam ser tiradas, o vídeo e o áudio precisam ser gravados.
Ou eles precisam ser digitalizados a partir de mídias já existentes. Na década
de 1990, quando o computador assumiu o novo papel de uma Universal Media
Machine (Máquina Universal de Mídia), as sociedades já informatizadas
entraram em uma mania de digitalização. Todos os livros, fitas de vídeo,
fotografias e gravações de áudio passaram a alimentar computadores, cada vez
mais. Steven Spielberg, por exemplo, criou a Fundação Shoah, que gravou e
depois digitalizou várias entrevistas com sobreviventes do Holocausto; levaria
40 anos de uma pessoa para assistir todo o material gravado. Os editores da
revista Mediamatic, que dedicaram um número inteiro ao tópico da ‘mania de
armazenamento’ (verão de 1994) escreveu: Um número crescente de
organizações está embarcando em projetos ambiciosos. Tudo está sendo
coletado: cultura, asteróides, padrões de DNA, registros de crétdito, conversas
telefônicas; não importa.’. Uma vez digitalizados, os dados precisam ser
limpos, organizados, indexados. A era do computador trouxe consigo um novo
algoritmo cultural: realidade -> mídia -> dados -> banco de dados. A ascenção
da Web, esse gigantesco corpus de dados que está em constante mudança, deu
a milhões de pessoas um novo hobby ou uma profissão: indexação de dados.
Dificilmente existe um site que não apresente ao menos uma dezena de links
para outros sites, portanto, cada site é um tipo de banco de dados. E, com a
ascensão do comercio na internet, a maioria dos sites comerciais de grande
escala tornaram-se também bancos de dados reais, ou melhor, front-ends para
bancos de dados da empresa.’ (MANOVICH, 1999)
Referências Bibliográficas:
LIMA, Tania Andrade. Cultura material: a dimensão concreta das relações sociais; Boletim do Museu Paraense
Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 6, n. 1, p. 11-23, jan.-abr. 2011.
MARTIRE, Alex da Silva. Arqueologia do Digital – o antropoceno e o navaceno de homens e andtroides no jogo
eletrônico Detroit: Become Human; Vestígios -Revista Latino-Americana de Arqueologia Histórica, v.15, n. 1,
p.52-76, jan-jun. 2021.
MANOVICH, Lev; Database as Symbolic Form – escrito em 1999, publicado Em: The Language of New Media,
The MIT Press, Massachusetts, U.S., 2001. (http://manovich.net/index.php/projects/database-as-a-symbolic-
form - acessado em: 29 de junho de 2022)
CORDEIRO, José Manuel Lopes; A Arqueologia Insdustrial: Uma vertente fundamental da arqueologia urbana.
Encontro de Arqueologia Urbana, Braga – Portugal, 1994.
SYMANSKI, Luís Cláudio Pereira; Arqueologia: Antropologia ou História?: Origens e tendências de um debate
epistemológico. Tessituras, Pelotas, v.2, n-1, p. 10-39, jan-jun. 2014