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É nesse sentido que atuamos no contrapelo. A pesquisa historiográfica é uma base de construção
da encenação e da dramaturgia, mas estas revelam traços e vestígios para além do registro
histórico, que encadeia acontecimentos, mas que apaga ou tenta apagar traços e personagens
importantes dessa história que diz revelar. Particularmente a situação das mulheres na coluna é
um capítulo à parte em toda essa pesquisa histórica e estudo de cena.
Além disso, quando olhamos para a história, olhamos a partir do tempo e espaço que configuram
nosso chão, isto é, nosso próprio tempo, onde vivemos e atuamos. O que nos traz uma questão
que tem uma dupla face: por um lado nos permite refletir sobre o tempo presente, à luz do que
aconteceu. Neste caso, vendo as semelhanças de um governo impopular do passado, baseado na
morte e na necropolítica, com desprezo pela vida e pelo bem estar de sua população, baseado
descaradamente na corrupção, com nosso próprio enfrentamento da conjuntura atual, muito
semelhante.
Por outro lado, temos que evitar a arrogância de achar que podemos conhecer, valorizar ou julgar
o passado melhor do que os contemporâneos desse passado, evitando um olhar histórico baseado
em suposições de que “poderíamos ter feito diferente”. Não estabelecer um moralismo retrógrado,
ou anacronismo ético, em que julgamos a história a partir de nossos pressupostos e ideologias
atuais.
Por isso que a pesquisa histórica da Coluna Prestes tem o subtítulo de “encruzilhadas da marcha
da esperança”, pois podemos ver, justamente nas encruzilhadas e paradoxos, uma reflexão sobre
as próprias encruzilhadas e paradoxos que enfrentamos hoje.
Desse modo a pesquisa histórica tem três frentes que se interrelacionam e que são a base desse
processo:
Pesquisa historiográfica
Pesquisa em textos escolhidos e antológicos, entre eles o Diário da Coluna e tratados de história
sobre o assunto; matérias e reportagens, pesquisa iconográfica, sonora e audiovisual.
Palestras e depoimentos
Promoção de um ciclo de palestras com historiadores e pesquisadores, coletando depoimentos,
entrevistas e “contação de causos”.
Núcleo de Encenação
Pesquisa de criação cênica, onde a linguagem da encenação é concebida a partir do tema,
investigado de forma transversal, levando em consideração textos teóricos, características sociais,
modo de vida, experimentados em cena por meio de improvisos e jogos teatrais. As tradições
teatrais que o processo mobiliza são descobertas nesse processo. Através desse tipo de pesquisa,
cada peça criada pelo grupo desenvolve uma linguagem singular.
Assim, por exemplo, a encenação do Piratas de Galochas (2011), que tinha como tema a pirataria
clássica e o movimento de moradia de São Paulo, que fez sua estréia dentro de uma ocupação de
moradia, mobilizava um repertório técnico ligado a commedia dell’arte e expedientes da tradição
da comédia popular, de caráter épico.
Por outro lado, para encenar Mau Lugar (2018), que leva à cena o debate de falta de perspectivas
e do suicídio, investigando as condições que levam uma pessoa a tirar a própria vida, a linguagem
teatral mobilizada ligava-se a uma tradição do realismo crítico e alguns expedientes mais
próximos do drama.
No caso do presente projeto, a pesquisa teatral partirá das materialidades históricas, encontradas
no período da pesquisa, no Brasil na década de 1920, somadas às muitas manifestações e obras
culturais que povoaram o imaginário e a subjetividade dos soldados da Coluna Prestes. De igual
importância temática, são as práticas culturais e artísticas dos povos e vilarejos por onde a coluna
passou, que traz uma herança cultural e artística bastante distinta daquela carregada pelos
soldados.
Outro eixo poético constante da encenação reside no choque entre a modernidade da cidade, o
progresso tecnológico feito de trens a vapor, telégrafos, bondes, em contraposição ao arcaico dos
vilarejos do Brasil “profundo”, comunidades do sertão, regiões do nordeste e centro-oeste,
regiões amazônicas e fronteiras com outros países.
Por fim, o objetivo central da encenação da marcha da Coluna Prestes é resgatar a utopia e a
esperança de um Brasil melhor, o anseio de liberdade e a crença na ação corajosa e ousada que
cada um de nós pode ter. Teatralizar o passado para construir o presente e sonhar o futuro.
Núcleo de Interpretação
Pesquisa voltada para diferentes aspectos técnicos do trabalho da atuação, organizado a partir de
duas vertentes dialeticamente complementares:
expedientes subjetivos, derivados do realismo crítico, apoiado no sistema de ações
físicas [Constantin Stanislavski];
expedientes objetivos, derivado do gestus e procedimento do teatro épico-dialético
[Bertolt Brecht e Augusto Boal]; aqui também são pesquisadas tradições do teatro
narrativo, como a farsa, a alegoria, a commedia dell’arte e a comédia popular.
Os dois expedientes interagem com os objetos da pesquisa, colhendo daí os repertórios utilizados
pelos atores e atrizes nas suas composições. Cada personagem é investigada dentro dos seus
universos subjetivos e objetivos, traçando a relação dialética produtiva entre esses dois campos ao
longo das ações.