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A "PEC da vingança" é inconstitucional - Leandro Bastos Nunes https://www.leandrobastosnunes.com.br/por-que-a-votacao-da-pec5-20...

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A “PEC da vingança” é inconstitucional


Por Leandro Nunes | 18 de outubro de 2021
Categoria: direito constitucional (https://www.leandrobastosnunes.com.br/categoria/direito-constitucional/ )

                A atual redação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 05/2021 é um risco para a sociedade, uma vez que
permitirá que o Corregedor Nacional (que também será o Vice-Presidente) do Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) seja escolhido dentre os indicados pelo Congresso Nacional, permitindo indicações políticas oriundas da Câmara e
Senado,

            Com efeito, afronta o desenho institucional republicano e democrático dos poderes públicos brasileiros
compactuar com a indicação externa de um cargo tão sensível para funcionar como Corregedor de uma carreira ou
membros de um Órgão, haja vista que as diversas competências administrativas da função da Corregedoria estão
umbilicalmente ligadas a medidas que poderão gerar impactos no regular exercício das funções de uma instituição,
tolhendo a independência relacionadas à atividade-�m e indicando o nítido propósito de interferir nas atividades
exercidas pelo Órgão.

                Em outras palavras, a Proposta de Emenda à Constituição, caso aprovada, certamente irá  gerar uma direta
intimidação na atuação de promotores de Justiça e procuradores da República, porquanto permitirá que estes sejam
submetidos a sindicâncias ou a processos administrativos disciplinares – PAD (este após referendo do plenário) por ordem
de um Corregedor que poderá servir de instrumento para �ns de perseguição política e retaliação por conta de ações ou
medidas adotadas em detrimento de setores do poderio econômico e/ou político, prejudicando diretamente o combate à
corrupção, à criminalidade organizada, e à defesa do meio ambiente e do  patrimônio público.

            Nesse ponto, cumpre destacar que, por força do artigo 18 do regimento interno do CNMP, o Corregedor Nacional
detém as funções de determinar o processamento de reclamações disciplinares, instaurações de sindicâncias e PAD (este
ad referendum do plenário), entre outras providências, �gurando na condição de “peça chave” com sensíveis atribuições
dentro do Órgão.

               Além disso, a PEC altera de 02(dois) para 05(cinco) o número de integrantes indicados pelo Parlamento, os quais,
por não possuírem conhecimento da rotina funcional do Ministério Público (MP), resultará em um potencial aumento de
instauração de processos disciplinares sem noção do funcionamento alusivo à rotina peculiar do Órgão.

                   Por  outro lado, não se pode argumentar no fato de que a presença de integrantes indicados pelo Congresso
resultaria em uma maior oxigenação e imparcialidade ao Conselho, porquanto o direcionamento de membros oriundo de
uma Casa política inevitavelmente aumentará o potencial de votos ou posicionamentos de cunho político ou com viés de
retaliações às ações e medidas adotadas pelos membros do Ministério Público, em virtude das sensíveis atribuições do
Ministério Público brasileiro ligadas ao combate à corrupção, defesa do meio ambiente e do regime democrático, entre
outros.

               É válido relembrar que o CNMP funciona, entre outras atribuições, como um Tribunal de ética e disciplina, e deve
possuir os atributos de imparcialidade no julgamento de eventuais desvios dos membros do Ministério Público; por tais
razões, o acréscimo de 03 (três) integrantes indicados pelo Congresso Nacional inevitavelmente desvirtuará a essência do
Conselho ligada ao controle externo da atividade do Parquet e dos desvios funcionais praticados no exercício da função,
bem como representará uma quebra da paridade e simetria de tratamento com o Poder Judiciário (artigo 129,§4º, da
Constituição Federal) relativos ao quantitativo de 02(dois) membros indicados pelo Parlamento no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) e da nomeação do Corregedor ,  que deve ser escolhido pelos seus pares dentre um dos ministros do
Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 7º do regimento interno do CNJ.

                Como se nota, as alterações ocasionarão uma ruptura de tratamento substancial entre os dois Conselhos
(CNMP e CNJ) sem qualquer fundamentação lógica e razoável, levando inevitavelmente à conclusão de que resultará em
interferência política na condução e votação dos temas afetos ao Ministério Público brasileiro.

         Ademais, considerando que a propositura prevê a possibilidade de revisão e desconstituição de atos dos membros
do Ministério Público, juntamente com o fato de que a ampliação de agentes externos resultará na aprovação de
resoluções e recomendações diretivas da atuação do Órgão sem a expertise peculiar dos membros do Parquet, atingirá  a
independência funcional do MP, descon�gurando-o como instituição permanente (artigo 127, caput, da Constituição
Federal- CF/88) , e afrontará uma cláusula pétrea implícita, a qual, embora não prevista no art. 60, §4º, da CF/88,
a�gura-se insuscetível de alteração, em razão do conteúdo de norma fundamental e de extrema importância para o
Estado Democrático de Direito, na medida em que o MP possui a missão constitucional de defensor da ordem jurídica, do
regime democrático, e de relevantes valores sociais.

              Com efeito, não se pode olvidar que a imparcialidade e independência são pilares essenciais ao funcionamento

1 of 3 09/06/2023 12:09
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regular de um Estado Democrático de Direito e, sendo o MP uma instituição permanente e essencial à função jurisdicional
do Estado, não poderá ter as suas garantias institucionais impactadas por alterações constitucionais que atinjam a
essência de sua relevante missão institucional, conforme leciona Alexandre de Moraes:

[…] Sendo as liberdades públicas objeto da proteção jurídica em matéria de direitos constitucionais em cuja defesa deve
agir o Ministério Público, a independência funcional da instituição transforma-se em garantia fundamental implícita da
Constituição Federal, com o escopo de concretizar as liberdades-públicas positivas, principalmente, no art. 5º da
Constituição Federal. Estaremos diante das hipóteses chamadas por Canotilho de limites tácitos. Limites tácitos, para
Canotilho, ou poderes implícitos, para o ministro Celso de Mello; o certo é que não pode sofrer alterações, em virtude de
serem garantias à defesa dos direitos fundamentais e do regime democrático previstos na Constituição Federal. Retirar do
Ministério Público tais funções, ou mesmo retirar-lhes as garantias para o bom exercício destas funções corresponde a
diminuir a efetividade das liberdades públicas, ou em outras palavras, aboli-las parcialmente, de forma implícita, o que é
taxativamente vedado pelo texto constitucional […] Desse modo, por ser o Ministério Público instituição permanente
essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido, entre outras importantíssimas funções, da defesa de cláusula
pétrea como a separação de Poderes, os direitos e garantias individuais e a própria existência da Federação e do voto
direito, secreto, universal e periódico, ao defender o regime democrático, nenhuma norma do Poder Constituinte
derivado poderá alterar sua estrutura orgânica, suas garantias de independência e imparcialidade e suas funções de
controle,  todas �xadas em defesa da própria sociedade e da perpetuidade da democracia (MORAES, p. 691)

        Cumpre esclarecer que aqui não se está defendendo medidas de natureza corporativas ou a ausência do controle
externo, dos abusos, e desvios funcionais dos Membros, e sim o respeito à independência funcional (atividade-�m) eà
paridade e simetria constitucionais estabelecidas com as funções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) adstritas ao
controle da atuação administrativa e �nanceira do Poder Judiciário e dos deveres funcionais dos juízes.

             Diante de tais considerações, considerando que o MP possui a função de defender os interesses da sociedade, da
ordem jurídica, e do regime democrático, e sendo a mudança prejudicial, dentre outros, ao combate à corrupção, defesa
da cidadania e do meio ambiente, espera-se que o Congresso Nacional não aprove a proposta de alteração (PEC n.º
05/2021) na estrutura e composição do CNMP.

REFERÊNCIAS:

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: atlas, 2020.

Leandro Bastos Nunes é Procurador da República , especialista em direito penal e processo penal, professor em cursos
do Ministério Público da União, autor da obra “evasão de divisas” (Editora Juspodivm)

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