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ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA

BAARRA II

ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA

Complexo Solar Fotovoltaico Graviola I a IV e seu sistema de Linha de Transmissão


SÃO JOÃO DO PIAUÍ – PIAUÍ

Complexo Solar Fotovoltaico Graviola I a IV e seu


sistema de Linha de Transmissã o
Sã o Joã o do Piauí – PI / 2021
São João do Piauí - PI

Março / 2021
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 05
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 07
2.1 Metodologia de Pesquisa de Campo 07
2.2. Metodologia de Avaliação de Impactos. 24
3 BASE LEGAL E JUSTIFICATIVA DO ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA 32
4 CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO 37
5 IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS TÉCNICOS 39
5.1 Empresa Consultora Responsável pelo ECQ 39
5.2 Equipe Técnica Responsável pelo ECQ 39
6 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA E GEOAMBIENTAL DA ÁREA DE ESTUDO 40
6.1 Contexto Histórico da ocupação negra e quilombola na região do Estudo 40
6.2 Caracterização Geoambiental da região do Estudo 45
6.2.1 Geologia e Geomorfologia 45
6.2.2 Biodiversidade 48
6.2.3 Clima e hidrografia 50
7 EMPREENDIMENTOS JÁ INSTALADOS NO INTERIOR OU NO ENTORNO DAS CRQs
52
8 ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA DA COMUNIDADE REMANESCENTE DE
QUILOMBO SACO/CURTUME 54
8.1 Caracterização Socioespacial do Território 54
8.1.1 Comunidade Saco 54
8.1.2 Comunidade Curtume 60
8.2 Aspectos Históricos, Culturais e Religiosos 66
8.3 Infraestrutura Social e Produtiva 75
8.3.1 Educação 75
8.3.2 Saúde 76
8.3.3 Saneamento Básico 77
8.3.4 Outras Infraestruturas 79
8.3.5 Produção 80
8.3.6 Organização Comunitária 82
8.4 Recursos Ambientais Naturais 83
8.4.1 Paisagem Física 84
8.4.2 Fauna e Flora 86
8.4.3 Recursos Hídricos 89

8.5 Avaliação de Impactos Socioambientais 93


8.5.1 Identificação e Descrição dos Impactos Socioambientais 95
8.5.2 Matriz de Impactos Socioambientais 97
9 ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA DA COMUNIDADE REMANESCENTE DE
QUILOMBO RIACHO DOS NEGROS 99
9.1 Caracterização Socioespacial do Território 99
9.1.1 Comunidade Junco 101
9.1.2 Comunidade Malhada 104
9.1.3 Comunidade Curral Velho 107
9.1.4 Comunidade Riacho do Ancelmo 111
9.1.5 Comunidade Estreito 113
9.1.6 Comunidade Elizier 116
9.2 Aspectos Históricos, Culturais e Religiosos 117
9.3 Infraestrutura Social e Produtiva 138
9.3.1 Educação 138
9.3.2 Saúde 140
9.3.3 Saneamento Básico 140
9.3.4 Outras Infraestruturas 141
9.3.5 Produção 142
9.3.6 Organização Comunitária 144
9.4 Recursos Ambientais Naturais 145
9.4.1 Paisagem Física 145
9.4.2 Fauna e Flora 149
9.4.3 Recursos Hídricos 154
9.5 Avaliação de Impactos Socioambientais 165
9.5.1 Identificação e Descrição dos Impactos Socioambientais 167
9.5.2 Matriz de Impactos Socioambientais 169
10 REFERÊNCIAS 171
ANEXOS 177
1 INTRODUÇÃO

O presente Estudo de Componente Quilombola aqui documentado apresenta um


diagnóstico geral sobre as Comunidades de Remanescentes de Quilombos Saco/Curtume e
Riacho dos Negros, inseridas na zona rural do município de São João do Piauí, região
sudeste do estado do Piauí.

Segundo a Instrução Normativa nº 1, de 31 de outubro de 2018, o Estudo de


Componente Quilombola é um “estudo referente aos impactos socioambientais sobre
comunidades quilombolas relacionados à localização, instalação, operação e ampliação de
obra, atividade ou empreendimento” (BRASIL, 2018).

O Ofício nº 55035/2020/DF/SEDE/INCRA-INCRA de 15 de setembro de 2020 e à


Nota Técnica nº 2298/2020/DFQ/DF/SEDE/INCRA de 17 de setembro de 2020 emitidos pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) (em anexo) solicitam a
elaboração do Estudo do Componente Quilombola (ECQ) de acordo com as orientações
constantes do Termo de Referência Específico, para que a anuência pelo prosseguimento
da implantação do Complexo Fotovoltaico Graviola no município de São João do Piauí seja
efetivada.

Desse modo, empreendeu-se o referido Estudo em 8 comunidades pertencentes aos


dois Territórios Quilombolas, a saber:

- CRQ SACO/CURTUME: Saco e Curtume.

- CRQ RIACHO DOS NEGROS: Malhada, Riacho do Ancelmo, Curral Velho,


Estreito, Elizier e Junco.

Este Estudo de Componente Quilombola, como supracitado, foi estruturado com


base no Termo de Referência Específico de Comunidade Quilombola e estrutura-se
inicialmente a partir da construção metodológica participativa, seguida pelo processo
legislatório de guiamento desta pesquisa, além da caracterização do empreendimento e
equipe de responsabilidade executória.

Acerca dos espaços das comunidades e seus respectivos territórios, buscou-se


apresentar a caracterização histórica e geoambiental da área de estudo, com foco na
contextualização historiográfica sobre o processo de ocupação de São Joao do Piauí, além
da contextualização paisagística, biológica, hidrológica e climática regional e local.

O Estudo propriamente dito, baseia-se nas informações oriundas da pesquisa de


diagnóstico e apresenta-se através de uma caracterização socioespacial dos territórios,
incluindo localização, acessos, moradias, pontos notáveis e distâncias do empreendimento;
aspectos culturais e religiosos; infraestrutura social e produtiva, como educação, saúde,
saneamento básico, produção e organização comunitária; recursos ambientais naturais;
além do mapeamento e avaliação dos impactos socioambientais identificados durante o
processo.

Busca-se, por fim, através da reunião dessas informações disponibilizadas pelos


próprios agentes quilombolas e partícipes diretos da pesquisa, fornecer com a maior
abrangência e potencialidade possível, uma “fotografia da comunidade”, em alusão às
próprias palavras do líder comunitário Nego Bispo.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

2.1 Metodologia de Pesquisa de Campo

As atividades de campo para a obtenção dos dados que compõem este Estudo de
Componente Quilombola respaldam-se, de forma ampla, em um Diagnóstico Rápido
Participativo (DRP), “metodologia que permite o levantamento de informações e
conhecimentos da realidade da comunidade ou instituições, a partir do ponto de vista de
seus membros” (CRESCENTE FÉRTIL, 2013, s/p). Inicialmente concebida para a aplicação
em contextos rurais, a metodologia do DRP envolve uma miscelânea de técnicas e métodos
que possibilitam uma maior amplitude na obtenção das respostas almejadas.

Em síntese, apresentamos os resultados de uma composição metodológica que


envolveu atividades, principalmente da área da Antropologia, mas também de demais
ciências sociais e ambientais partícipes deste estudo (Arqueologia, Preservação Patrimonial,
História, Geografia, Meio Ambiente, etc.), visando uma melhor apreensão destas
informações que possibilitaram as discussões e interpretações mais aproximadas das
realidades vividas junto às Comunidades Remanescentes de Quilombos Saco/Curtume e
Riacho dos Negros.

Verdejo (2010) aponta os benefícios do uso e aplicação dessa metodologia, sendo


alguns deles:

- O contato direto da comunidade com os mediadores durante todo o processo do


diagnóstico.

- Intercâmbio de informação e a verificação desta por todos os grupos da


comunidade.

- Amplitude da multidisciplinaridade.

- Facilitação para a participação de diversos grupos e representações que compõem


a comunidade.

- Gera e fornece informação a partir de uma perspectiva local.

Para alcançar o máximo possível dessas vantagens de aplicação da metodologia do


DRP e seu melhor aproveitamento no Estudo de Componente Quilombola, é preciso o
estabelecimento de um quadro de atividades que possa englobar a maior amostragem de
dados possíveis. Para Antunes et. al. (2018), o importa para que essa metodologia consiga
“escutar a todos”, é necessário a utilização de uma “caixa de ferramentas”, adequada à
realidade em que o Estudo deverá ser realizado, cabendo aos mediadores, a organização
metodológica baseado nestes princípios participativos.
Os aportes metodológicos que estão relacionados a seguir estão inseridos em quatro
etapas que serão apresentadas de maneira segmentada, com a finalidade de uma
sistematização didática das ações que constituíram o desenvolvimento prático deste estudo,
são eles: 1) levantamento bibliográfico e documental; 2) mobilização e reunião informativa;
3) pesquisa de campo colaborativa e; 4) análise dos dados e produção do estudo.

1) LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO E DOCUMENTAL: nesta etapa inicial


buscou-se o levantamento e análise de referências bibliográficas para a compreensão
preliminar e interpretações pós-campo, das áreas estudadas, bem como para a composição
do corpus teórico deste estudo.

As informações levantadas correspondem a dados bibliográficos (como artigos,


relatórios, livros, etc.) com temáticas relacionadas principalmente à história da ocupação
negra na região, a formação de quilombos no estado do Piauí, além de informações
geoambientais referentes ao contexto estudado, que foram obtidas através do acesso a
bancos de dados físicos e digitais.

Informações institucionais também foram levantadas nesta fase, com o objetivo da


obtenção de dados e estudos técnicos já produzidos como relatórios antropológicos,
relatórios técnicos de identificação e delimitação, e dados cartográficos, por exemplo,
obtidos nos acervos da Fundação Cultural Palmares, Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

A sistematização destes dados bibliográficos e documentais compõe toda a


exposição das informações que foram obtidas nas etapas de campo e apresentam-se neste
estudo.

2) MOBILIZAÇÃO E REUNIÃO INFORMATIVA: Conforme propõe a Portaria


Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, fizeram parte desta Metodologia de Estudo
do Componente Quilombola, a execução de duas reuniões informativas nas Comunidades
Remanescentes de Quilombo Saco/Curtume e Riacho dos Negros, realizadas nos moldes
do disposto pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho.

As reuniões informativas foram articuladas antecipadamente junto às lideranças


comunitárias dos dois territórios quilombolas. Foram acordadas as datas para a realização
dos encontros, além da distribuição de cinquenta planos de trabalhos para cada uma das
CRQ’s (totalizando a distribuição de 100 planos de trabalho). O objetivo dessa leitura
preliminar permitiu o conhecimento prévio das ações e procedimentos metodológicos
previstos para serem realizados durante o estudo.

Nos dias 16 e 17 de janeiro de 2021 foram realizadas as reuniões informativas nas


Comunidades Remanescentes de Quilombos Saco/Curtume e Riacho dos Negros,
respectivamente. Ambas tiveram como objetivo a apresentação do processo de
licenciamento ambiental do empreendimento, a empresa consultora e equipe técnica
responsável pela realização do ECQ, além da discussão do plano de trabalho para a
realização do estudo.

Durante as reuniões informativas estiveram presentes a equipe de consultoria RM


Arqueologia e Educação Patrimonial, os representantes das empresas Powertis e Ser
Energia, representantes dos movimentos sociais como Coletivos de Mulheres Quilombolas,
Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Piauí, Associação de
Desenvolvimento Comunitário Rural do Assentamento Saco/Curtume, Associação Territorial
do Quilombo Riacho dos Negros, representantes do poder público como Secretaria
Municipal de Cultura e Câmara Municipal de Vereadores, além dos moradores locais e
representantes de todas as comunidades inseridas nos territórios estudados.

Além dos informativos de praxe de reuniões desta natureza, foi nesses espaços de
diálogo que houveram as negociações para o estudo nas comunidades, principalmente no
que diz respeito às atividades participativas que contribuiriam para a execução do estudo.

O tema ligado ao Estudo de Componente Quilombola não é novidade para a


comunidade, pois já participaram de outros estudos desta natureza e já são familiarizados
com este tipo de procedimento. Desse modo, a discussão sobre o Estudo propriamente dito
foi realizada de maneira participativa entre a comunidade e a equipe técnica a partir da
exposição dos objetivos, das atividades previstas e da metodologia a ser adotada, que foi
explanada pela coordenadora da equipe, também responsável pelos contatos iniciais antes
do estudo.

Acerca dos procedimentos discutidos do Plano de Trabalho, o maior questionamento


por parte dos moradores em ambas as reuniões foi a aplicação dos questionários
socioeconômicos, em que a comunidade expôs o seu ponto de vista mencionando que já
realizaram inúmeros estudos desta natureza e que estas informações, muitas delas
privadas, não seriam mais de interesse de disponibilização deles, sendo que muitas desses
dados podem ser encontrados em bancos de dados diversos como o CadÚnico ou ainda
com agentes de saúde locais e representantes dos territórios.

Levando em consideração essa demanda por parte da comunidade, foi acordado


conjuntamente que as entrevistas, conversas, observação e oficinas com os moradores
seriam suficientes para a aquisição das informações importantes para o estudo e que, sendo
assim, todos e todas estariam dispostos a contribuir com esse diagnóstico. A adequação da
metodologia respalda-se no próprio Plano de Trabalho aprovado anteriormente, que
explicitava que “essas atividades (...) [estão] condicionadas à manifestação positiva e
disponibilidade da comunidade” (RM ARQUEOLOGIA, 2020a, p. 11).

Fig. 01: Reunião Informativa na CRQ Saco/Curtume

Ainda na reunião informativa, houve a organização do cronograma das atividades

Acervo da Pesquisa, 2021.

junto à
Fig. 02: Reunião Informativa na CRQ Riacho dos Negros

Acervo da Pesquisa, 2021.

comunidade, levando em consideração a disponibilidade de agentes locais para compor o


corpo técnico responsável pelo levantamento dos dados, além da disponibilidade dos
demais moradores e moradoras para a participação nas oficinas, entrevistas e coleta de
dados em geral.

Cada uma das comunidades que compõem os territórios estudados indicou os seus
respectivos líderes para o acompanhamento e auxílio integral durante o Estudo, sendo de
responsabilidade destes membros a condução pela comunidade, guiamento pelos pontos
notáveis a serem demarcados e intermediação junto às lideranças e demais atores locais
para serem entrevistados.

Após as negociações acerca dos moradores e moradoras locais para composição da


equipe técnica, tivemos a participação e contratação de sete membros, representando cada
uma das comunidades dos dois territórios envolvidos no Estudo de Componente
Quilombola, apresentados e apresentadas no quadro a seguir.

Quadro 01: Membros das comunidades partícipes da equipe técnica do ECQ.

Membro Comunidade Profissão Idade

TERRITÓRIO Saco Estudante e


Eloísa Maria dos Santos 30
SACO/CURTUME Curtume Agricultora

Riacho do Trabalhador
Eronildes Nunes Gomes 25
Ancelmo do campo

Justino Rodrigues da
Curral Velho Agricultor 40
Silva Neto
Valmir de Santana
TERRITÓRIO Elizier Professor 35
Sousa
RIACHO DOS
NEGROS Messias Nunes dos Comerciante e
Estreito 40
Santos Vigilante
Cabelereiro e
Robervaldo de Sousa
Junco Serviços 31
Rodrigues
Gerais
Jarlane Rodrigues de
Malhada Estudante 23
Sousa

Elaborado pelos autores (2021).

É importante ressaltar que uma das demandas da comunidade levantadas durante a


reunião informativa diz respeito à contratação da equipe local e sua devida incorporação ao
grupo técnico de execução do ECQ. Tais medidas vão de encontro à minimização dos
impactos apontados pela própria comunidade como “assédio intelectual”, que diz respeito ao
uso e extração de dados e informações locais para estudos desta natureza, desvalorizando
e desconsiderando a equidade e importância dos conhecimentos locais e populares em
contraste ao saber técnico-científico (Vide Ata de Reunião Informativa na CRQ
Saco/Curtume em anexo).

Destaca-se que a metodologia de DRP adotada nesse Estudo entende que o


envolvimento das pessoas da comunidade deve ser concebido não apenas como fonte de
informações, mas como agentes e colaboradoras ativas da pesquisa, tornando-a uma
prática menos excludente e mais responsável com as comunidades (CRESCENTE FÉRTIL,
2013; VIEIRA, 2017).

Após essa etapa de organização de equipe, discutimos também a organização das


oficinas participativas. A partir das demandas ligadas aos cronogramas de ações, os
agentes quilombolas dos dois territórios em estudo organizaram-se de maneiras distintas,
sendo que a CRQ Saco/Curtume agendou suas oficinas imediatamente durante a reunião
informativa e a CRQ Riacho dos Negros ficou de discutir internamente os melhores dias,
horários e locais para conseguir alcançar o maior número de pessoas de todas as
comunidades, levando em consideração o tamanho de seu território, a disponibilidade e as
agendas prioritárias da comunidade, que envolvem estudo e trabalho diário, principalmente
ligados à agricultura e à criação de animais.

Após os acordos correspondentes à realização das entrevistas, oficinas e equipe


local formada, o Plano de Trabalho então foi validado na Reunião Informativa com início
imediato pela comunidade Saco/Curtume e em seguida Riacho dos Negros. Finalizada a
discussão especifica sobre o ECQ nos territórios, a reunião informativa prosseguiu com suas
pautas ligadas à elucidação das etapas de licenças e instalação do empreendimento,
apresentação dos empreendedores e executores e demais assuntos ligados ao projeto a ser
implantado.

É pertinente ressaltar a ausência do INCRA nestas reuniões que foram amplamente


criticadas pela comunidade local, impossibilitando o aprofundamento de pautas técnicas que
dizem respeito ao processo de licenciamento e estudo ambiental nas comunidades
tradicionais de remanescentes de quilombolas, como é o caso das mencionadas.

3) PESQUISA DE CAMPO COLABORATIVA: as atividades inseridas na


pesquisa de campo fazem parte de um sistema que envolve ações que vão desde as
entrevistas com agentes locais, como também a demarcação de pontos notáveis no
território, a realização de oficinas participativas e rodas de conversas com representantes
locais na busca de identificar as potencialidades e a geração de medidas mitigatórios
decorrentes dos possíveis impactos oriundos da implantação do empreendimento.

Para a realização das entrevistas e até mesmo as conversas informais com os


membros locais da equipe e demais moradores das comunidades, elaboramos um roteiro
semiestruturado com temas e algumas questões abertas para serem abordadas durante a
captação dos dados, objetivando um diagnóstico mais abrangente possível, dentro das
premissas exigidas para a realização do ECQ, a saber:

- Aspectos Históricos: origem, fundação da comunidade, relações de parentesco e


casamento, produção e uso da água ao longo do tempo, êxodo rural, migração, trabalho,
chegada de eletricidade, ocupação quilombola, escravidão, espaços históricos de
conhecimento popular.

- Aspectos culturais e religiosos: saberes tradicionais ligados à produção de objetos


ou atividades com fins práticos ou ritualísticos, festividades e celebrações, formas de
expressão como danças, músicas e demais performances culturais, lugares notáveis como
feiras, santuários, praças, quadras, terreiros, cemitérios, etc., manifestações religiosas
diversas como católicas, protestantes, de matriz africana, dentre outros, esportes.

- Organização comunitária: associativismo, lideranças, movimentos políticos,


estruturas físicas de associações, políticas públicas, demais projetos de cunho comunitário.

- Saúde e Educação: escolaridade, escolas, nucleação, transporte escolar, merenda,


ensino superior, acesso à Unidades de Saúde, Atendimento médico, nutricional, psicológico,
odontológico, partos, benzedeiras, parteiras, ervas e saúde tradicional.

- Habitação e Aspectos econômicos: disposição das casas, técnicas construtivas,


situação de moradia, esgoto e lixo, energia elétrica, uso da água, domínios do espaço,
atividades econômicas praticadas, produção rural, fonte de renda, oferta de emprego,
tecnologias sociais.

- Situação fundiária e suas demandas: titulação de terras, processo de divisão


territorial, Relatório Antropológico (RTID), Cadastro Ambiental Rural (CAR).

- Território Tradicional e uso dos recursos naturais: modos de acesso às


comunidades como caminhos, percursos, carreiros, transportes públicos, situação das
estradas vicinais e rodovias, recursos hídricos (açudes, poços, tanques, rios e lagos),
práticas tradicionais de reconhecimento de chuvas, fauna e flora, criação de animais,
agricultura, paisagem física (chapadas, serras, grotiões, baixões), áreas de APP.

Para Verdejo (2010), a entrevista desempenha um papel muito importante na


metodologia de DRP, criando um ambiente aberto de diálogo e permite que os entrevistados
e entrevistadas se expressem livremente, sem as limitações criadas por questionários.

Naturalmente, os temas abordados eram direcionados de acordo com o perfil dos


entrevistados, além da especialidade dos membros componentes da equipe técnica que
objetivavam compreender aspectos específicos e importantes para o Estudo, nas questões
históricas, ambientais, sociais, econômicas, patrimoniais, dentre outras.
Para a captação das informações oriundas das entrevistas, a equipe técnica adotou
um procedimento metodológico composto por: gravação em áudio, registro fotográfico,
fichas de protocolos de entrevistas e sumarização, além do termo de autorização de uso de
voz, imagem e informações.

No Território Remanescente de Quilombo Saco/Curtume, foram realizadas nove


entrevistas com moradores das duas comunidades Saco e Curtume. Os entrevistados
possuem idades que variam entre 38 e 94 anos, evidenciando a diversificação na faixa
Gráfico 01: Idade dos entrevistados na CRQ
Saco/Curtume
20-40 41-60 61-80 <81

11%

33%

33%

22%

Elaborado pelos autores (2021)


etária dos indivíduos, sendo que a maioria dos entrevistados nesta CRQ possuem idade
entre 20 e 40 anos e entre 61 e 80 anos, representando 34% e 33% da amostra
respectivamente (Gráfico 1).

Já no Território Remanescente de Quilombo Riacho dos Negros, a totalidade de


entrevistas realizadas nas seis comunidades que compõem a região foi de vinte entrevistas,
com variação de idade entre 23 e 98 anos. A maioria dos entrevistados dessa CRQ
possuem idade entre 61 e 80 anos, representando 35% da amostragem.

Gráfico 02: Idade dos entrevistados na CRQ


Riacho dos Negros
20-40 41-60 61-80 <81 NI

5%
10%
25%

35%
25%

Elaborado pelos autores (2021)


Durante a coleta das informações, os técnicos intermediaram as entrevistas e
conversas informais com diversas lideranças de movimentos ou de instituições e
associações, idosos e idosas, jovens líderes de coletivos, agentes de saúde, educadores,
religiosos, contadores de histórias, agricultores, apicultores, criadores de animais, donas de
casa, mestres e mestras da cultura popular e demais indivíduos detentores da história,
memória e dos conhecimentos de suas comunidades e territórios.

É digno de nota alguns exemplos desta representatividade alcançada durante a


coleta de dados do Estudo a partir das entrevistas:

- Antônio Bispo dos Santos – Membro da Coordenação Estadual das Comunidades


Quilombolas do Piauí (CECOQ) e liderança local;

- Sidney Gomes Ferreira – Presidente da Associação de Desenvolvimento


Comunitário Rural, do Assentamento Saco/Curtume;

- Osmar Venâncio de Sousa - Presidente da Associação Territorial do Quilombo


Riacho dos Negros;

- Roseane Maria Rodrigues – Agente de saúde da região do Território Riacho dos


Negros;

- Ana Paula de França - Agente de saúde da região do Território Saco/Curtume

- Bonifácia Venâncio Pereira – Dirigente da Tenda de Umbanda Nossa Senhora


Aparecida (Junco);

- Wilma Benevides de Sousa – Representante do Coletivo de Mulheres Quilombolas


do Território Saco/Curtume;

- Valmir de Santana Sousa – Professor da rede pública municipal na região do


Território Quilombola Riacho dos Negros;

- Edmilson Santana Sousa – Organizador de eventos religiosos católicos nas


comunidades do Território Riacho dos Negros;

- Augusto Vieira de Sousa – Mestre de Batuque;

- Josefa Rodrigues de Sousa – Artesã trançadeira de palha e parteira;

- Emídia Rodrigues – Artesã ceramista;

- Expedito Joaquim Nunes – vaqueiro, criador de animais e agricultor;

- Ana Cristina – Organizadora de eventos esportivos de Futebol na região de


Saco/Curtume.
PRANCHA 01: Realização de entrevistas com moradores das CRQs Saco/Curtume e Riacho dos Negros (Pesquisa direta, 2021)
As entrevistas eram realizadas com o auxílio de um gravador de voz em celular e as
anotações eram simultaneamente realizadas nas fichas de protocolos e sumarização, para a
anotação de um resumo das informações fornecidas pelos entrevistados, bem como
observações feitas pelos técnicos. O registro imagético era realizado com o auxílio de
câmeras fotográficas.

O pesquisador ou pesquisadora responsável pelo levantamento da entrevista


apresentava inicialmente a equipe e elucidava sobre os objetivos do Estudo, bem como do
empreendimento, mencionando o tipo de projeto a ser implantado, localização, dentre outras
questões levantadas pelos entrevistados inclusive durante o decorrer da conversa.

De forma geral, esta etapa foi bem desenvolvida, levando em consideração o


alcance do número de entrevistados almejados e o sucesso em relação às pessoas
apontadas pela própria comunidade como importantes referências para a obtenção dos
dados a serem obtidos sobre seus territórios.

Para o entendimento geoespacial da comunidade, outra atividade inserida na


metodologia de campo do DRP é o caminhamento e georreferenciamento de pontos
notáveis das comunidades pertencentes aos Territórios Saco/Curtume e Riacho dos Negros.
O objetivo dessa atividade, segundo o plano de trabalho elaborado para esse Estudo, é a
identificação e descrição dos principais marcos do território pesquisado, levando em
consideração locais de importância histórica, simbólica e econômica, bem como espaços
paisagísticos e ambientais não só das comunidades como de áreas próximas ao
empreendimento e que porventura possam ser impactadas (RM ARQUEOLOGIA, 2020a).

Os pontos notáveis foram observados e consequentemente registrados durante o


caminhamento pelas comunidades e também durante o traslado entre elas. Seus destaques
se deram, principalmente, a partir do apontamento dos membros locais da equipe,
entendendo-os como representantes do coletivo; a partir de menções registradas durante
entrevistas pelos moradores e moradoras; e também a partir da observação dos técnicos

Para o devido registro, foram elaboradas “Fichas de Registro de Pontos Notáveis”


com dados básicos sobre o elemento observado, além da sua descrição e sua coordenada
geográfica que era aferida a partir do aparelho GPS portátil Garmin eTrex 10. Seu devido
registro imagético também foi realizado utilizando maquinas fotográficas.

Os dados georreferenciados nesta atividade comporão o arcabouço cartográfico


presente neste Estudo, em que os diversos elementos destacados se apresentam em
consonância com as informações obtidas a partir das entrevistas e também correlacionadas
aos mapas sociais construídos coletivamente nas oficinas (PRANCHA 02).
PRANCHA 02: Atividades de caminhamento e georreferenciamento de pontos notáveis das comunidades (Acervo da pesquisa,
2021).
Os pontos georreferenciados dizem respeito também àqueles observados pelo
corpo técnico como importantes locais para a compreensão das dinâmicas culturais,
econômicas e, sobretudo, ambientais dos territórios quilombolas frente à implantação
do empreendimento.

Finalizando as atividades de campo inseridas no Diagnóstico Rápido


Participativo, realizamos oficinas de elaboração de mapa social do território a partir do
Mapeamento ou Cartografia Social, entendida aqui como um mecanismo metodológico
que “busca valorizar o conhecimento tradicional, popular, simbólico e cultural mediante
as ações de mapeamento de territórios tradicionais, étnicos e coletivos” (GORAYEB,
MEIRELES, SILVA, 2015 apud LANDIM NETO, SILVA, COSTA, 2016, p. 59).

O objetivo desse mapeamento social participativo é a obtenção de dados


cartográfico sobre os territórios sob a ótica dos próprios quilombolas, visando o
registro dos modos de compreensão do uso e ocupação do espaço por eles.

Para tanto, realizamos uma oficina desta natureza nos dois territórios:
Saco/Curtume e Riacho dos Negros, tendo suas representações das comunidades
pertencentes a seus respectivos locais. É importante mencionar que, levando em
consideração o grande número de comunidades da região do Riacho dos Negros, foi
acordado junto às lideranças que cada localidade teria a participação máxima de
quatro pessoas na oficina, evitando assim a aglomeração e diminuindo os riscos de
contágio em decorrência da Pandemia de COVID-19, pois este tipo de atividade exige
maior contato e proximidade física.

Incialmente os grupos de cada comunidade foram formados separadamente, e


a equipe de mediadores explicou os objetivos da atividade e o papel da cartografia
social para o tipo de Estudo que estava sendo realizado. Para a confecção dos mapas,
disponibilizou-se materiais de papelaria como cartolina, papel sulfite, lápis de escrever,
giz de cera, lápis de cor, borracha e pinceis hidrocor.

Dialogamos sobre a importância do reconhecimento e registro do território por


parte de seus próprios moradores, onde buscariam mapear os elementos de diversas
categorias socioambientais, econômicas, culturais e simbólicas da comunidade,
permitindo o auto mapeamento e o reforço dos laços de pertencimento com seus
lugares (RM ARQUEOLOGIA, 2020a).

Foi produzido um mapa de cada comunidade inserida em cada um dos


territórios, totalizando dois mapas para Saco/Curtume e seis mapas para Riacho dos
Negros. Para a elaboração de cada um dos mapas foram discutidos os elementos que
poderiam ser levados em consideração no registro – naturalmente, em concordância
com as próprias tomadas de decisões dos representantes de cada comunidade –,
estes, por sua vez, fundamentados em Kummer, Diz e Soares (2007), a saber:

- Tipos de solo;

- Tipos de cultura e criação;

- Recursos hídricos;

- Tecnologias: cisternas, instrumentos de plantio, etc.;

- Habitação;

- Serviços públicos e de lazer/social: escola, posto de saúde, igreja, terreiros,


associação, etc.);

- Estradas e acessos.

Além dos mapas sociais, realizou-se um mapeamento mais abrangente, desta


vez de todo o Território, denominados de “Mapa de Acessos”, porém, levando em
consideração os macros elementos como vias de acesso, marcos paisagísticos e
pontos de referência que permitem compreender a localização e disposição espacial
das localidades.

O objetivo desse mapeamento é visualizar as conexões existentes entre as


comunidades dentro de seus territórios, além dos vínculos entre suas vias de acesso e
também relação com a sede municipal. É nesse mapeamento que também poderemos
visualizar caminhos e percursos utilizados pelos moradores para a realização de
atividades cotidianas, como comércio, agricultura, transporte, dentre outras.

As atividades do Território Saco/Curtume foram realizadas na sede de


moradores na Comunidade Curtume e a do Território Riacho dos Negros foram
realizados em dois espaços distintos: no Clube Figueirinha, na Comunidade Curral
Velho e na Igreja de São Benedito na Comunidade Malhada, em dias diferentes em
decorrência da grande quantidade de comunidades que demandava mais tempo para
discussão das ações e atividades planejadas.

Após o término da confecção de ambos os mapas, levando em consideração


as informações geradas em grupos diferentes, houve uma plenária para a
apresentação, discussão e compartilhamento dos resultados com os demais membros
das comunidades.
PRANCHA 03: Atividades mapeamento social no Território Riacho dos Negros (Acervo da pesquisa, 2021).
PRANCHA 04: Atividades mapeamento social no Território Saco/Curtume (Acervo da pesquisa, 2021).
Neste momento cada “equipe” apresentou com detalhamento cada elemento
presente no mapeamento, descrevendo e localizando-os no desenho, apontando a
importância destes itens ali colocados, bem como designando nomes locais, de
topônimos, de proprietários e moradores, dentre outras informações.

Por03 e 04: Apresentação dos mapas nos Territórios Saco/Curtume


Figs: fim, e Riacho dos Negros

Acervo da Pesquisa, 2021.


mapas: a possibilidade de correlacionar a situação atual da comunidade (já presente nos
mapas) com as perspectivas futuras de melhorias almejadas para suas localidades. Sendo
assim, cada mapa sofreu uma intervenção feita com um giz de cera na cor vermelha sobre o
delineamento feito inicialmente. A intervenção consistia em demarcar quais melhorias e
possíveis locais aptos a serem otimizados, sob a ótica dos moradores, para a efetivação de
benfeitorias e necessidades coletivas por eles almejadas.

Figs: 05 e 06: Intervenção passado/presente nos mapas das comunidades.

Segundo Kummer, Diz e Soares (2007), este tipo de intervenção possibilita comparar

Acervo da Pesquisa, 2021.


diferentes períodos – neste caso presente e futuro –, estabelecendo expectativas ou desejos
para o futuro e serve como referência para o planejamento e compreensão dos seus
anseios.

De forma geral, foram demarcadas necessidades como o alargamento de vias de


acesso, desassoreamento de pontos d’água como rios, lagoas e açudes, ampliação de
caixas d’água, construção de pontes, construção de unidades de saúde e reativação de
escolas locais, ampliação de redes de esgoto e energia, construção de banheiros nas
habitações, preservação de áreas agricultáveis e de criação de animais, dentre outros a
serem discutidos ao longo do Estudo.

É importante enfatizar que se inclui nas atividades metodológicas de campo o


processo de avaliação de impactos realizados a partir de rodas de conversas junto às
oficinas de mapeamento social participativo. Porém, tais ações, dada a sua extrema
importância para estudos dessa natureza, apresentam-se descritos separadamente no
tópico 2.2 intitulado “Metodologia de Avaliação de Impactos”.

4) ANÁLISE DOS DADOS E PRODUÇÃO DO ESTUDO: todos os dados obtidos


como referências bibliográficas, registros orais, fichas, fotografias, desenhos e anotações
gerais passaram pelo processo de organização, sumarização, digitalização e
consequentemente a sua devida análise detalhada a partir dos vieses observados em
diagnósticos desta natureza, como aspectos socioambientais, históricos, econômicos,
culturais, conflitos e interesses, e possíveis impactos sobre os territórios quilombolas em
decorrência da implantação e operação do empreendimento; construindo assim, este Estudo
de Componente Quilombola.

Este resultado devidamente apresentado é produto dos aportes metodológicos aqui


indicados, e é composto por um Estudo de Componente Quilombola das comunidades
pertencentes aos Territórios Riacho dos Negros e Saco/Curtume localizados em São João do
Piauí. Junto a este Estudo, apresentam-se também dois Projetos Básicos Ambientais
Quilombolas (PBAQs) correspondentes a cada um dos Territórios mencionados,
apresentando as demandas oriundas das ações observadas pela equipe técnica e extraídas
das reuniões e oficinas junto à comunidade.

Por fim, os PBAQs dos Territórios de Remanescentes de Quilombos Saco/Curtume e


Riacho dos Negros, apresentam o detalhamento das ações de controle, mitigação e
compensação dos impactos identificados durante as atividades de campo nas comunidades,
bem como seu cronograma de ações. Ambos, serão objetos de discussão e validação perante
as comunidades e os órgãos competentes responsáveis pelos procedimentos de
licenciamento ambiental visando a sua melhor adequação e proposição de ações práticas.

2.2 Metodologia de avaliação de Impactos

As atividades desenvolvidas para fins de identificação e avaliação de impactos1


consistiu também na realização de oficinas participativas – mote de todo o Estudo –, tendo
1
São metodologias, procedimentos ou ferramentas utilizadas para descrever impactos advindos de
um determinado empreendimento a ser implantado, bem como designar o estudo dos impactos que
ocorreram no passado ou que estão acontecendo no presente. (SÁNCHEZ, 2013)
em vista que o método participativo permite a troca de informações entre todos os
envolvidos, internaliza-se os problemas e potencialidades de maneira coletiva, gerando uma
participação dos envolvidos na tomada de decisões (KUMMER, DIZ, SOARES, 2007).

O intuito dessas oficinas participativas foi gerar uma discussão com os moradores e
moradoras de ambos os Territórios estudados sobre os potenciais impactos e medidas de
mitigação e compensação dos eventuais impactos causados a partir da instalação e
operação do empreendimento.

Como estas oficinas foram realizadas juntamente com as outras atividades de campo
anteriormente descritas, o acordo sobre a capacidade de participantes nas oficinas em
decorrência da pandemia de COVID-19 permaneceu a mesma já supracitada. Desse modo,
as representações das comunidades para a composição das equipes nesta ação
contemplam: representantes de associação comunitária e/ou territorial, agentes de saúde,
professores, agricultores e agricultoras, estudantes, comerciantes e jovens.

Por esse motivo, durante as conversas com as lideranças, a equipe técnica explicou
a importância da participação dos moradores e moradoras do território nesse processo e
enfatizou a necessidade de se discutir internamente e com as demais comunidades do
território quais ações poderão ser sugeridas, levando em conta as necessidades coletivas.

As oficinas foram realizadas nos dias 23 e 24 de janeiro de 2021, sendo a primeira


oficina na Sede da Associação do Território Saco/Curtume na Comunidade Curtume e a
segunda na Igreja de São Benedito na Comunidade Malhada integrante do Território Riacho
dos Negros.

A dinâmica da oficina de avaliação de impactos foi apresentada pela técnica da


equipe, que explicou o passo a passo da construção do Painel de Diagnóstico por Campo,
entendido como um conjunto de procedimentos metodológicos que orientam e facilitam a
interpretação da realidade do território por meio da sistematização de ideias e informações
sobre seus Territórios e suas Comunidades, construído de forma participativa pelos
indivíduos locais. (RUAS et. al., 2006),

Tecnicamente, o painel foi afixado na parede dos espaços ocupados durante as


oficinas e apresentavam subdivisões em três etapas, sendo elas:

Primeira etapa: identificação de potencialidades dos Território;

Segunda etapa: identificação de problemas/impactos que porventura possam ser


ocasionados pela implantação do empreendimento;

Terceira etapa: discussão e apontamento de ações de mitigação e compensação.

Além das etapas, o painel apresentava também uma subdivisão em cinco campos
Potencialidades Problemas Ações

Territorial Territorial Territorial


Qualidade de Qualidade de Qualidade de
Vida
distintos, sendo eles: territorial, qualidade Vida
de vida, sociocultural, Vida
ambiental e econômico.

Sociocultural
Quadro 2: Modelo deSociocultural Sociocultural
Painel de Diagnóstico por Campo

Ambiental Ambiental Ambiental


Econômico
Foram distribuídas tarjetas deEconômico Econômico
papel sulfite aos participantes para que pudessem
colocar palavras-chave ou temas sobre o assunto, posteriormente eles afixavam no painel
conforme discutido internamente e, finalmente, a discussão em plenária para a
compreensão das escolhas de cada item. Os participantes da oficina se agruparam em
círculo, debateram cada um dos campos em cada etapa, e apresentaram os itens acordados
entre si.

A cada etapa finalizada, os moderadores da equipe técnica discutiam em plenária as


palavras-chave apontada pelos participantes, buscando facilitar o entendimento das

Adaptado de Ruas et. al. (2006)

informações por eles apresentadas, primando pela síntese e clareza do que foi exposto,
além de intervir o mínimo possível no debate.

No painel das potencialidades, a comunidade expôs os aspectos positivos do


território nas esferas territorial, qualidade de vida, sociocultural, ambiental e econômico, o
que permitiu visualizarmos uma síntese de como os quilombolas percebem o território, bem
como suas expectativas e desejos para o futuro. Quanto ao segundo painel, foi solicitado ao
grupo que elencassem os possíveis impactos negativos advindos da instalação e operação
do empreendimento para o território, levando em conta as cincos categorias mencionadas
acima. Durante a exposição na plenária, o moderador fazia a leitura do tópico e solicitava
que uma pessoa do grupo o justificasse, buscando sempre relacioná-lo com a atividade do
empreendimento, o que ocasionou discussões prolongadas, geradas por conta da reflexão
que fizeram sobre as experiências anteriores e percepções em relação a outros
empreendimentos.

Após a explanação do segundo painel, o grupo se reuniu novamente para discutirem


as ações que possivelmente venham solucionar os problemas apontados no painel anterior.
Esse momento também causou muitos debates entre os moradores e moradoras e também
entre os membros do corpo técnico, pois era preciso compreender quais das demandas
apontadas poderiam ser apontadas como medidas mitigatórias e quais são de competência
do poder público.

Dessa forma, buscou-se correlacionar as ações propostas com os problemas


discutidos anteriormente e, principalmente, se as demandas são contempladas para
benefício do coletivo. Vale ressaltar que, apesar das oficinas ocorrerem em dias e lugares
distintos, os impactos e as ações mitigadoras/compensatórias de ambos os territórios
possuem similaridades, dado a proximidade e seus modos de vida.

Na oficina das comunidades do Território Saco/Curtume tivemos a presença de nove


moradores e moradores e para o Território Riacho dos Negros foram treze indivíduos
participantes (QUADROS 05 e 06).

Quadro 3: Integrantes do Território Saco/Curtume partícipes da oficina.

Nome Comunidade
1. Ana Cristina Fraga da Silva Saco/Curtume
2. Ana Paula de França Saco/Curtume
3. Diel Abade Saco/Curtume
4. Eloisa Maria dos Santos Saco/Curtume
5. Expedito Severo Lima Saco/Curtume
6. Kailane Gomes de Sousa Moura Saco/Curtume
7. Raimundo Neto de Sousa Saco/Curtume
8. Regis Rodrigues Saco/Curtume
9. Sidney Gomes Ferreira Saco/Curtume

Quadro 4: Integrantes do Território Riacho dos Negros partícipes da oficina.


Nome Comunidade
1. Adriano Rodrigues de Sousa Malhada
2. Gercílio Gomes Rodrigues Malhada
3. Jarlane Rodrigues de Sousa Malhada
4. José Orlando Sousa da Silva Riacho
5. Justino Rodrigues da Silva Curral Velho
6. Luiz de Aquino Neto Curral Velho
7. Matheus dos Santos Estreito
8. Messias Nunes dos Santos Estreito
9. Nilmara Rodrigues do Rosário Malhada
10. Osmar Venâncio de Sousa Junco
11. Pedro Soares Malhada
12. Roseane Maria Rodrigues Malhada
13. Valmir de Santana Sousa Elizier

Posterior ao trabalho de campo aqui apresentado, destinado a análise de dados


primários, os dados coletados nas oficinas juntamente com as informações adquiridas em
campo e gabinete pela equipe técnica, possibilitaram a construção da matriz de impactos de
cada território.

Tais impactos incidem nos meios físico, biótico e socioeconômico, tanto nas áreas de
habitação quanto nas áreas de uso do território, como apontam os moradores e moradoras
dos territórios quilombolas estudados. A composição da Matriz de Avaliação dos Impactos
Socioambientais classifica-se de acordo com os aspectos socioambientais (territorial,
qualidade de vida, sociocultural, ambiental e econômico), categoria (positivo, negativo ou
positivo e negativo) e magnitude (muito fraco, fraco, médio, forte e muito forte) (Quadro 5).
PRANCHA 05: Construção do Painel de Diagnóstico por Campo no Território Riacho dos Negros (Acervo da Pesquisa, 2021)
PRANCHA 06: Construção do Painel de Diagnóstico por Campo no Território Saco/Curtume (Acervo da Pesquisa, 2021)
Quadro 05: Matriz de Avaliação dos Impactos Socioambientais.

Impacto Aspecto Categoria Magnitude


Descrição do Territorial Positivo Muito Fraco
impacto
Qualidade de
Negativo Fraco
Vida
Positivo e
Sociocultural Médio
Negativo
Ambiental Forte
Econômico Muito Forte

Adaptado de Ruas et. al. (2006).

Cada Matriz de Impacto, resultado da avaliação de impactos do


empreendimento em questão, será apresentada na seção que encerra o item
indicativo à avaliação de impactos de cada território. Os resultados da avaliação de
impactos do Complexo Solar Fotovoltaico Graviola I a IV e seu sistema de Linha de
Transmissão, além de apresentar a relevância e a intensidade dos impactos
identificados, servirá de aporte para as ações de mitigação e compensação previstas
no PBAQ, buscando expor de maneira clara os possíveis impactos advindos do
planejamento, instalação e operação do empreendimento no território, a qual é
levado em consideração as percepções e experiências anteriores das populações
afetadas.
3 BASE LEGAL E JUSTIFICATIVA DO ESTUDO DO COMPONENTE
QUILOMBOLA

O reconhecimento dos Direitos Quilombolas em meio aos procedimentos de


licenciamento ambiental tem se efetivado recentemente e forma gradativa, principalmente
pelo fato de terem seus direitos assegurados na Constituição Federal de 1988 (CF/88) e na
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT 2. A auto identificação
enquanto quilombolas na esfera do licenciamento ambiental contribui, no que se refere às
formas de uso e ocupação da terra, para as proposições de medidas compensatórias e
mitigatórias no processo de licenciamento de um determinado empreendimento.

A Constituição Federal de 1988 no Art. 68 garante “aos remanescentes das


comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a
propriedade definitiva, devendo ao Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
Adicionalmente, o Decreto 4.887/2003 confere ao Ministério do Desenvolvimento Agrário,
por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a competência
pela titulação dos quilombos, sendo responsável pela identificação, reconhecimento,
delimitação, demarcação e titulação das terras de quilombos. Para fins de titulação, as
comunidades devem se inscrever no Cadastro Geral junto à Fundação Palmares, que
expedirá uma certidão que declara a autodefinição de identidade étnica. Também é de
competência da Fundação Cultural Palmares – vinculado ao Ministério da Cultura – assistir
e acompanhar as ações de regularização fundiária do INCRA afim de garantir a preservação
da identidade cultural dos quilombos e subsidiar os trabalhos técnicos quando houver
contestação.

Emitida a certificação pela Fundação Cultural Palmares, dá-se início ao processo


administrativo e a identificação e delimitação das terras reivindicadas. De acordo com o art.
9º do Decreto 4.887/2003 e na Instrução Normativa nº 57 de 20 de outubro de 2009 do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA “a identificação dos limites das
terras das comunidades remanescentes de quilombos a que se refere o art. 4º, a ser feita a
partir de indicações da própria comunidade”, bem como a elaboração do Relatório Técnico
de Identificação e Delimitação – RTID, que contém informações cartográficas, fundiárias,
agronômicas, ecológicas, socioeconômicas, geográficas, históricas, etnográficas e
antropológicas, que ao ser concluído, deverá ser enviado ao Comitê de Decisão Regional

2
O artigo 6º da Convenção 169 da OIT preceitua: “1. Ao aplicar as disposições da presente
Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos
apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam
previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.
para decisão e encaminhamentos posteriores. Nesse caso, o processo de titulação é
constituído pelas seguintes etapas: 1) Abertura do processo; 2) Certidão da Fundação
Cultural Palmares; 3) Elaboração do RTID e análise do Comitê de Decisão Regional; 4)
Publicação do RTID no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da Unidade Federativa
onde se localiza a área em estudo; 5) Consulta a órgãos e entidades – IPHAN, IBAMA,
SPU, FUNAI, Secretaria do Executiva do Conselho de Defesa Nacional, Fundação
Palmares, ICMBio e Serviço Florestal Brasileiro; 6) Contestações (se houver); 7) Análise da
situação fundiária das áreas pleiteadas; 8) Demarcação e, por fim, 9) a Titulação das Terras.

O termo “quilombo”, até a aprovação do Artigo 68, era visto pelo senso comum como
moradia de negros fugidos na época do Brasil colonial ou um lugar isolado habitado por
escravos que fugiram, associado quase sempre ao grandes engenhos e plantações de
cana-de-açúcar do litoral do Nordeste, e a Quilombo dos Palmares, na liderança de Zumbi.
Almeida (2002) faz crítica ao conceito de Quilombo estabelecido pelo Conselho Ultramarino
de que é “toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, em parte despovoada,
ainda que não tenham ranchos levantados e nem se achem pilões nele” (p.47). O autor
ainda apontou cinco elementos que constitui a definição citada anteriormente: 1) a fuga,
relacionando o quilombo à escravos fugidos; 2) quantidade mínima de “fugidos”; 3)
isolamento geográfico, ou seja, lugares de acesso difícil e mais perto do selvagem do que
da “civilização”; 4) a moradia habitual, conhecida como “ranchos” 5) O pilão como símbolo
de autoconsumo e capacidade de reprodução, pois é um instrumento que transforma o arroz
colhido em alimento.

Entretanto, após a aprovação do Artigo 68, o termo foi amplamente discutido,


passando por um processo de ressemantização e expresso em um documento sob a
perspectiva dos antropólogos reunidos em um Grupo de Trabalho da ABA (Associação
Brasileira de Antropologia) sobre Terra de Quilombo, em 1994, trazendo as novas
significações que o termo quilombo tem assumido na literatura especializada e para
indivíduos, grupos e organizações. Sobre quilombo:

[...] consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de


resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos e na consolidação de um território próprio. (...). No que diz
respeito à territorialidade desses grupos, a ocupação da terra não é feita em
termos de lotes individuais, predominando seu uso comum. A utilização
dessas áreas obedece à sazonalização das atividades, sejam agrícolas,
extrativistas ou outras, caracterizando diferentes formas de uso e ocupação
dos elementos essenciais ao ecossistema, que tomam por base laços de
parentesco e vizinhança, assentados em relações de solidariedade e
reciprocidade. (apud O’DWYER, 2002, p.18).

O debate em torno do conceito de quilombo faz-se necessário ao passo que a


definição arqueológica, histórica stricto sensu e de outras definições que estão frigorificadas
funcionam como uma camisa-de-força, conforme apontado por Almeida (2002), ou seja,
libertar-se da definição jurídica dos períodos colonial e imperial que a legislação republicana
não produziu ao pensar ter encerrado o problema com a abolição da escravatura, e que
ficou nas entrelinhas dos textos jurídicos. É nesse sentido que o novo significado de
quilombo aponta, a relativização dessa força do inconsciente coletivo nos leva ao plano
conceitual, às práticas e autodefinições desses agentes sociais que constitui o que hoje se
define quilombo, sendo reconhecido em primeira instância pelos próprios sujeitos e em
segunda instância pela Fundação Cultural Palmares. Como resultado dessas discussões, o
relatório antropológico passou a ser instrumento para embasar a autodeclaração quilombola
(ALMEIDA, 2002).

Partindo desse pressuposto, as populações que são consideradas quilombolas se


constituem por meio de uma diversidade de processos, seja pela fuga, ocupação de terras
livres, mas também de doações, herança, recebimento de terras como pagamento de
serviços prestados, ou através da simples permanência nas terras que ocupavam e
cultivavam no interior dos grandes engenhos/fazendas (SCHMITT et.al, 2002).

Atualmente, o Território Riacho dos Negros encontra-se em processo de titulação


como terras de quilombo, nos marcos legais dispostos na Constituição Federal de 1988,
tendo seu reconhecimento ocorrido em 2009 pela Fundação Cultural Palmares (FCP) e o
processo de regularização fundiária iniciado em 2011 pelo INCRA. A Audiência Pública para
tratativa da titulação do quilombo ocorreu em junho de 2009, no município de São João do
Piauí, marcando o início oficial dos trabalhos do INCRA no território, e em 2010, realizou-se
os estudos para a elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação (RTID)
pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para fins de identificação,
reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras tradicionalmente ocupadas
pelos quilombolas Riacho dos Negros (ROCHA, 2010).

Quadro 06:Nº
Territórios Quilombolas
do processo na e seus processos
Situação na de certificação.
Denominação da Nº do processo no
Fundação Cultural Fundação Cultural
comunidade INCRA
Palmares Palmares
Certificada em 54380.001643/2009-
Riacho dos Negros 01420.000819/2009-35
15/04/2009 19
Certificada em
Saco do Curtume 01420.000670/2009-94 -
31/03/2009
No que concerne aos processos de licenciamento ambiental em territórios

Elaborado pelos autores (2021).

quilombolas, no contexto de empreendimentos energéticos, foi publicada a Portaria


Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, que regulamenta a atuação de órgão
entidades administrativas envolvidas no licenciamento ambiental. A referida portaria
estabelece procedimentos, a qual torna obrigatória a apresentação de informações pelo
empreendedor sobre possíveis interferências em terra indígena, em terra quilombola, em
bens culturais acautelados e em áreas ou regiões de risco ou endêmicas para malária.

Em seu Anexo II-C, a Portaria Interministerial nº 60 apresenta o Termo de Referência


Específico para estudos sobre comunidades quilombolas, o Estudo do Componente
Quilombola abrange informações sobre identificação, localização e caracterização dos
territórios reconhecidos existentes na área definida, bem como a avaliação dos impactos
dos impactos decorrentes de sua implantação e proposição de medidas de controle e
mitigação desses impactos sobre essas comunidades.

Outro instrumento normativo que trata a questão do licenciamento ambiental em


comunidades quilombolas é a Instrução Normativa Nº 1, de 31 de outubro de 2018, que
estabelece procedimentos administrativos nos processos de licenciamento em âmbitos
federal, estadual e municipal por motivo de existência de impactos socioambientais,
econômicos e culturais às comunidades e territórios quilombolas resultantes da obra,
atividade ou empreendimento objeto do licenciamento. A referida Instrução Normativa diz
respeito às atribuições da Fundação Palmares no acompanhamento dos processos de
licenciamento em comunidades quilombolas.

Contudo, desde março de 2020 houve mudança de órgão competente a


acompanhar processos que se encontram inseridos na área de influência direta de dado
empreendimento, atividade ou obra, passando a ser responsabilidade do Instituto Nacional
de Colonização Agrária – INCRA. Tal decisão é decorrente do Decreto Nº 10.252, de
fevereiro de 2020 que determina que as atividades que envolvem terras ocupadas por
remanescentes de quilombos fazem parte da nova Estrutura Regimental da autarquia. A
Instrução Normativa que regulamentará o processo de licenciamento ambiental no âmbito
do Incra ainda não foi publicada.

Para compreensão dos sujeitos e procedimentos que envolvem o licenciamento


ambiental em terras quilombolas, a Instrução Normativa Nº 1, de 31 de outubro de 2018, da
Fundação Cultural Palmares aponta:

Art. 2º Para os fins desta Instrução Normativa entende-se por:


I - comunidades quilombolas: os grupos étnico-raciais, segundo critérios de
autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
com a resistência à opressão histórica sofrida, certificadas pela FCP;
II - território quilombola: são as terras tradicionalmente ocupadas pelas
comunidades quilombolas, utilizadas para a garantia de sua reprodução
física, social, econômica e cultural;
III - empreendedor: pessoa física ou jurídica, de capital público ou privado,
detentora dos direitos de construção, instalação, operação e aproveitamento
de obras, atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos
ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, ou capazes
sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
IV - termo de referência específico - documento elaborado pela FCP que
estabelece o conteúdo necessário para análise dos impactos afetos ao
componente quilombola e das medidas de prevenção, mitigação, controle e
compensação socioambiental;
V - plano de trabalho - é a descrição detalhada das etapas ou fases das
peças técnicas a serem entregues à FCP, incluindo informações sobre a
equipe técnica responsável pelos estudos, metodologia a ser adotada,
objetivos a serem alcançados, cronograma de trabalho e relação dos
produtos;
VI - estudo do componente quilombola - estudo referente aos impactos
socioambientais sobre comunidades quilombolas relacionados à
localização, instalação, operação e ampliação de obra, atividade ou
empreendimento.
VII - projeto básico ambiental quilombola - conjunto de planos e programas
identificados a partir da elaboração do estudo do componente quilombola,
com cronograma de execução físico, plano de trabalho operacional e
definição das ações a serem desenvolvidas nas etapas de implantação e
operação da obra, atividade ou empreendimento e ainda monitoramento de
indicadores ambientais junto às comunidades quilombolas atingidas.

A Instrução Normativa da FCP n°1/2018 enfatiza a importância da Matriz de


Impactos, apresentando-a como elemento central do estudo do componente quilombola em
relação às medidas de mitigação, controle e compensação ambiental, além de exigir a
participação efetiva dos quilombolas no processo de levantamento de dados e discussões
referentes ao licenciamento das obras, atividades ou empreendimentos potencialmente
causadores impactos às suas respectivas comunidades. Ressalta-se a aplicabilidade da
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, disposta no Art.29
desta normativa, sobre a consulta às comunidades sempre e quando medidas
administrativas e legislativas possam vir a afetá-los diretamente.

O presente estudo, portanto, se propôs a cumprir a Portaria Interministerial nº 60, de


24 de março de 2015, atendendo a exigência do cumprimento dos requisitos legais ao
considerar como área de estudo as comunidades quilombolas Saco/Curtume e Riacho dos
Negros na Área de Influência Direta (AID) do empreendimento, respeitando a Convenção
Internacional da OIT nº169 pela sua indicação de consulta livre, prévia e informada às
comunidades tradicionais nos processos de licenciamento ambiental.
4 CARACTERIZAÇÃO E LOCALIZAÇÃO DO EMPREENDIMENTO

O Complexo Gerador Fotovoltaico Graviola I a IV ou Projeto Graviola (E: 790780 / N:


9082110) é um parque solar fotovoltaico de 300MW, com quatro projetos de 75MW cada
(enumerados de I a IV), que será instalado na zona rural do município de São João do Piauí,
localizado no centro sul do Piauí, distante aproximadamente 500km de Teresina, capital do
Estado. A área de ocupação do empreendimento será de aproximadamente 690ha. (RM
ARQUEOLOGIA, 2020b; GEOPI, 2020).

O escoamento da energia produzida pela UFV Graviola será feito através de uma
Linha de Transmissão de 230 KV de interesse restrito até a Subestação São João do Piauí,
de propriedade da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) (SER ENERGIA,

Fig. 07: Localização do empreendimento e sua relação com as CRQ

Ser Engady Energia, 2020.


2021).

A Linha de Transmissão 230 KV Graviola – São João do Piauí de circuito simples


contara com aproximadamente 17km de extensão. Tendo início na Subestação Graviola e
seguindo em direção à Subestação São João do Piauí (idem, 2021).
Fig. 08: Delineamento da Linha de Transmissão

Ser Energia, 2021.

Serão instalados permanentemente torres metálicas autoportantes: 19 do tipo Torre


Estaiada Leve (SEL1); 3 do tipo Torre Autoportante Leve (SAL1); 14 do tipo Torre
Autoportante Média (AAM1); e 2 do tipo Torre Autoportante Terminal (2AAT2), em uma área
total de 677.517 m² (RM ARQUEOLOGIA, 2020a).

A Área Diretamente Afetada (ADA) compreende o polígono de construção do


empreendimento, onde serão implantadas as estruturas provisórias e permanentes
compostas pelas quatro usinas fotovoltaicas supracitadas, em um polígono de área
7.664.366m² ou 766 há (RM ARQUEOLOGIA, 2020b).

A Área de Influência Direta (AID) corresponde à toda área interna ao limite do


parque, considerando as instalações dos módulos de placas solares das Usinas Solares e
suas interligações com o canteiro de obras, subestação, acessos internos e acesso da sede
do município pela PI-141 até o aceso não pavimentado até o parque solar (GEOPI, 2020),
correspondendo a uma área poligonal de 2.446,63 ha (RM ARQUEOLOGIA, 2020b).

A Área de Influência Indireta (AII) corresponde à área real ou potencialmente


ameaçadas pelos impactos indiretos da implantação e operação do empreendimento, neste
caso, entendido como o município de São João do Piauí-PI e demais comunidades rurais
em um raio de 3km da AID (GEOPI, 2020).
5 IDENTIFICAÇÃO DOS RESPONSÁVEIS TÉCNICOS

5.1 Empresa consultora responsável pelo ECQ

RM ARQUEOLOGIA LTDA
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5.2 Equipe técnica responsável pelo ECQ

Msc. Thaís Mayara Paes de Lima


Coordenadora Técnica do ECQ.
Bacharela em Turismo
Mestre em Antropologia.

Msc. Bruno Vitor de Farias Vieira


Arqueólogo e Preservador Patrimonial.
Mestre e Doutorando em Arqueologia.

Bel. Diego Oliveira do Nascimento Lopes


Engenheiro Florestal (CREA-PI 191362982-1)

Lic. Juçara da Silva Braga


Licenciada em Geografia
6 CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA E GEOAMBIENTAL DA ÁREA DE ESTUDO

6.1 Contexto histórico da ocupação negra e quilombola na região do Estudo.

O processo de ocupação inicial do Piauí foi extremamente violento e sangrento.


Responsável pela expulsão e redução em aldeamentos de praticamente toda a sua
população nativa, a entrada invasora foi o mecanismo principal de escravização de
indígenas em toda a Capitania do Piauí e sua consequente aniquilação (SANTOS, 2012;
OLIVEIRA, 2007).

Os povos indígenas se tornaram os primeiros a trabalharem no regime de escravidão


no Piauí, estando presentes desde o processo embrionário de implantação dos primeiros
currais de gado instalados na região. Estes eram forçadamente partícipes do processo de
militarização das frentes expedicionárias e também da prática da agricultura de subsistência,
além de parte dos grupos serem comercializados para o trabalho na lavoura. Sua
valorização se dava em cima da alta do preço e nas irregularidades no abastecimento do
negro escravizado em todo o Brasil (SILVA, 2013; BRANDÃO, 2015).

Segundo Oliveira e Assis (2017), foi a partir das Instruções Régias, Públicas e
Secretas enviadas ao capitão-general do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, que se instituiu a abolição dos indígenas e a substituição pelo
escravo negro.

(...) Sou servido declarar que nenhum destes índios possam ser
escravos, por nenhum princípio ou pretexto, para o que hei por
revogadas todas as leis resoluções e provisões que até agora
subsistiam, e que só valha esta minha resolução (...). 7. Para que os
moradores daquele Estado observem inteira e religiosamente esta
minha resolução, os persuadireis a que se sirvam de escravos
negros, e que, servindo-se de índios, os tratem com caridade, e de
forma que não experimentem os efeitos da escravidão (BRASIL,
1751, grifo nosso.).

Sendo assim, paulatinamente, a mão de obra indígena foi sendo substituída pelos
negros advindos não só do criminoso processo diaspórico africano, como também de outras
áreas do Brasil – mesmo que até recentemente a presença de mão de obra negra
escravizada na árdua lida pecuarista era colocada em xeque por diversos pensadores e
pesquisadoras da historiografia regional.

O sistema de implantação de fazendas de gado – principal mecanismo de ocupação


do Piauí – foi o responsável por sugerir que as atividades cotidianas ligadas à produção
agropastoril não necessitavam diretamente do trabalho braçal intenso como era comumente
encontrado nas grandes áreas de plantações de cana-de-açúcar ou café. Tal compreensão
superficial do sistema produtivo do Piauí criou, por sua vez, o “mito” da formação social de
nossa região fora do sistema escravista, ou com “relações livres e gentis” (KNOX, 1995;
VIEIRA, 2017).

Podemos perceber nas palavras de Tânya Brandão que as atividades ligadas à


servidão negra nas fazendas de gado do Piauí apresentavam-se de maneira secundária,
levando em consideração sua ligação direta com atividades mais cotidianas (brandas) do
que especificamente produtivas.

As próprias características da atividade econômica local dispensavam o


emprego de cativos e, até certo ponto, impunham dificuldades ao controle
da massa subjugada. O mais lógico e racional, portanto, seria a utilização
de pessoas livres, que abundavam na região e que, graças ao paternalismo
reinante, tornavam-se dependentes dos proprietários das fazendas, a quem
dedicavam fidelidade (BRANDÃO, 2015, p. 124).

Já a partir dos anos 1980 processos reinterpretativos da história e de documentos do


Piauí colonial possibilitam a conclusão do uso substancial da mão de obra do negro
escravizado nas fazendas agropastoris desta região, o que levou à conclusão de que “o
escravo negro sempre foi uma presença importante e indispensável nas fazendas de
criatório, superior ao braço indígena, quiçá mesmo ao trabalho livre” (MOTT, 2010 apud
LIMA, 2016, p. 134-135).

Progressivamente, os negros escravizados foram sendo inseridos em trabalhos


compulsórios ligados diretamente às atividades econômicas das fazendas agropastoris,
como a criação de gado, produção de carne charqueada com o sal, implantação do cultivo
de algodão nas regiões mais úmidas, o desenvolvimento do cultivo do fumo, a
implementação da produção do açúcar mascavo, rapadura, cachaça e ainda a introdução do
arroz na região. (KNOX, 1995; OLIVEIRA; ASSIS, 2017; BRANDÃO, 2015).

Fig. 09: Representação iconográfica do cotidiano escravista no Piauí.


Título: “Sertanejo em Viagem pelo Piauí”
Disponível em: http://objdigital.bn.br
De acordo com Santos (2012), na segunda metade do século XVIII, a zona rural da
Província do Piauí era detentora de aproximadamente 19,1 escravo por fazenda. Porém,
nas áreas mais interioranas, como as regiões de São Raimundo Nonato e São João do
Piauí, a maioria dos senhores possuía menos de cinco escravos, sendo que a posse maior
de escravizados era concentrado em um número mais reduzido de proprietários (SILVA,
2013).

De acordo com Viana (2018), a Freguesia de “Sam João do Piauhy” foi criada em
1853 em uma localidade denominado Jatobá, que possuía uma pequena capela dedicada a
São João Batista e sua elevação à categoria de Vila se dá em 1871.

No transcursar do século XIX, a anexação e, depois, separação de São


João do Piauhy do termo de São Raimundo Nonato constituiu uma
importante mudança que tem/teve implicações na configuração territorial e
administrativa da região. No entanto, consiste numa relação complexa de
entender, pois envolve divisões territoriais, eclesiásticas e judiciais e em
momentos diferentes. (...) São Raimundo Nonato e São João do Piauí
constituíam os dois principais núcleos populacionais da região. (VIANA,
2018, p. 33).

A população de negros escravizados em São João do Piauí é registrada em alguns


documentos de recenseamentos e nos permite compreender esse processo de ocupação ao
longo do século XIX na região. Em 1856 o “Mappa da divisão civil, judiciária e eclesiástica
da província do Piauí, com declaração aproximada da população livre e escrava”, apontava
a presença de 4.600 habitantes em São João do Piauí, sendo 550 deles descritos como
“escravos” (BRASIL 1856).

Em 1872, de acordo com o “Recenseamento Geral do Império”, a população de São


João do Piauí era de 6.008 habitantes e 765 destes eram registrados como “escravos”,
ultrapassando até mesmo a quantidade destes na Vila de São Raimundo Nonato (BRASIL,
1872). As relações matrimoniais oficiais entre a população destes escravizados, neste
mesmo ano, constituía-se de 97,9% de solteiros; os casados eram cerca de 1,83% e os
viúvos, 0,26% (VIANA, 2018).

A população escravizada de São Raimundo Nonato e São João do Piauí já em 1883


somavam juntas 1.381 escravos matriculados, de acordo com o “Relatório do Presidente da
Província do Piauí Dr. Miguel Joaquim d´Almeida e Castro”, demonstrando o crescimento
continuo do número de cativos ao longo dos anos, mesmo que, neste período, alguns
destes estavam em processo de liberdade por conta do Fundo de Emancipação 3 (VIANA,
2018).

3
O Fundo de Emancipação foi um mecanismo legal inserido na chamada Lei do Ventre Livre de
1871– que versava sobre a possibilidade de emancipação de indivíduos nascidos no período de
escravidão de seus progenitores –, cujo objetivo era prover a alforria gradual dos escravos existentes
no Império (LOUZADA, 2011).
PRANCHA 07: Localização de São João do Piauí em 1850.
Título : Carta Topographica e Administrativa da Provincia do Piauhy. Disponível em: http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_cartografia/cart67925/
cart67925_3.jpg 
Uma das formas de resistência e negação da escravidão negra foi a fuga de
escravizados para as matas e sua consequente formação de quilombos, já registrados
desde o século XVI – tanto a partir do processo de acolhimento pelos indígenas em suas
aldeias, como também através da organização de seus próprios redutos (TAVARES, 2017).

Onde existiu o escravismo moderno nas Américas, os negros


escravizados revoltaram-se e resistiram. As fugas que originavam
ajuntamento de escravos negros proliferaram como sinal de
resistência contra o cativeiro e as condições desumanas a que
estavam sujeitos. Em vários locais, esses ajuntamentos receberam
denominações diferentes, tais como: mocambo, mucambo e
quilombo, no Brasil (TAVARES, 2017, p. 49).

Por todo o século XVIII principalmente, o Piauí já registrava a fuga de escravizados e


a formação de quilombos por todo o seu território, o que preocupava as autoridades locais e
seus proprietários que os tinham como mercadorias de alto custo e de grande valia na lida
das fazendas.

As fugas de escravizados no Piauí eram em sua maioria praticada pelos homens,


representando cerca de 95% dos casos. As mulheres quando fugiam levavam seus filhos ou
acompanhavam seus parceiros. Em 85% dos casos, os homens que fugiam sozinhos tinham
em média 26,4 anos (KNOX, 1995).

De acordo com Santos (2012), como consequências dessas deserções e revoltas a


partir dos aquilombamentos, o governo da Capitania do Piauí mobilizava-se e orientava
autoridades locais para a coibição dessas ações, como é o caso de Manuel do Espírito
Santo que foi nomeado em 1760 capitão-do-mato do distrito da vila da Mocha (atual Oeiras),
com a finalidade de extinguir os mocambos e quilombos existentes na região.

Nos oitocentos a efervescência da formação de quilombos por todo o território


piauiense mobilizava até as frentes militares que buscavam a sua coibição e extinção. De
acordo com Tavares (2017) e KNOX (1995), em 1883 o presidente da Província do Piauí
solicitou auxílio militar do Maranhão para a destruição de um quilombo na região de Campo
Maior. Ainda no século XIX, um destacamento policial foi enviado também do Maranhão
para a extinção de “negros aquilombados” nas margens do Rio Poti e que tal ação de
repressão pudesse servir como exemplo a outros quilombos.

Estas comunidades, no Piauí, até então conhecidas ou denominadas como


“comunidades negras” e em poucos locais como “comunidades quilombolas”, a partir da
década de 1980 passaram a mobilizar-se pela titulação da posse de suas terras e também
pelo seu reconhecimento identitário, incentivados pelas ações do Movimento Negro do Piauí
e também pela Constituição de 1988 (TAVARES, 2008).
Até fevereiro de 2021, a Fundação Cultural Palmares expediu 83 certidões às
Comunidades Remanescentes de Quilombos em todo o estado do Piauí. Sendo distribuídos
nos seguintes municípios: Queimada Nova, São Miguel do Tapuio, Batalha, Esperantina,
Caridade do Piauí, São João da Varjota, Jacobina do Piauí, Paulistana, Curral Novo do
Piauí, Acauã, Betânia do Piauí, Assunção do Piauí, Amarante, Campinas do Piauí, Campo
Largo do Piauí, Isaías Coelho, Valença do Piauí, São João do Piauí, Pedro Laurentino, Nova
Santa Rita, Bonfim do Piauí, Dirceu Arcoverde, Fartura do Piauí, São Lourenço do Piauí,
São Raimundo Nonato, Várzea Branca, João Costa, Jerumenha, Redenção do Gurguéia,
Simões, Santa Cruz do Piauí, Paquetá, Oeiras, São José do Piauí, Bela Vista do Piauí,
Colônia do Piauí, Dom Inocêncio, Vera Mendes, Amarante, Campo Alegre do Fidalgo, Piripiri
(http://www.palmares.gov.br/sites/mapa/crqs-estados/crqs-pi-05022021.pdf)

De acordo com Coelho (2017), em São João do Piauí, a discussão em torno de


quilombos só apareceu em torno de 1997, anterior a isso, as referências a esse processo
histórico e identitário local eram associados aos “negros do Riacho” 4 ou “negros do
Estreito”5, inclusive com sentido pejorativo e racista.

Vinculadas às questões agrária e de pertencimento territorial, a intensa mobilização e


debates sobre os direitos de terra, garantidos por lei, culminou na solicitação de certificação
de remanescentes de quilombos à Fundação Palmares das Comunidades Saco/Curtume e
Riacho dos Negros. Ambas, autodefinidas como quilombolas em decorrência de sua ligação
direta com o Território Riacho – gênese histórica e identitária do povo negro da região que
compreende São João do Piauí e adjacências (COELHO, 2017).

Atualmente, Riacho dos Negros aguarda o processo de regularização fundiária em


andamento e Saco/Curtume, por ser um assentamento do INCRA, já goza de seus direitos
ligados ao pertencimento de suas terras.

6.2 Caracterização Geoambiental da Região de Estudo

6.2.1 Geologia e Geomorfologia

A área em estudo localiza-se na região do Semiárido Brasileiro (SAB), uma


delimitação geográfica do território nacional, oficialmente definida em 2005 pelo Ministério
da Integração Nacional (MI), através da Portaria nº 89, para fins administrativos. Neste
documento, o Semiárido Brasileiro corresponde a um conjunto de municípios que atende a,
pelo menos, um dos critérios: precipitação pluviométrica média anual inferior a 800
milímetros; índice de aridez de até 0,5 no período entre 1961 e 1990; risco de seca ou
4
Denotação à Comunidade Riacho do Ancelmo
5
Denotação à Comunidade Estreito
prolongamento da estação seca, de um ano para outro, maior que 60%, tomando-se por
base o período entre 1970 e 1990 (BRASIL, 2005).

Essa delimitação do SAB feita pelo Ministério da Integração Nacional, antes era de
competência da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), extinta em
2001. Essa autarquia adotava desde 1989 apenas critérios de precipitação anual igual ou
inferior a 800 mm. No entanto, MI considerou insuficiente o critério de utilização somente da
precipitação pluviométrica no processo de inserção de municípios no SAB, adotando mais
critérios para tal inclusão na última atualização de 2005, abrangendo assim, mais áreas que
se beneficiariam de isenções fiscais e políticas de crédito voltadas para essa. Como essa
delimitação é uma estratégia de diminuição das desigualdades regionais e apesar dessa
alteração nos critérios, o processo ainda prioriza fatores climáticos dos municípios.

Considerando aspectos para além do clima, Ab`Saber (1999) caracteriza a região do


Semiárido Brasileiro como uma área de depressões interplanáticas entre maciços antigos e
chapadas, constituída de muitas colinas, estas formadas de xistos e gnaisses. Um solo raso,
com pouca decomposição química das rochas, resultante do clima quente e relativamente
seco da região. Segundo o autor, as colinas são contornadas por rios intermitentes, que em
decorrência dos baixos índices de precipitação e elevados índices de evapotranspiração,
são característicos da região semiárida.

Em relação à geomorfologia, Ross (2011), situa o semiárido dentro de duas unidades


morfoesculturais, anteriormente citada como depressões interplanálticas: Planaltos e
Chapadas da Bacia do Parnaíba e Depressões Sertanejas e do São Francisco. Esta última,
área que compreende este estudo, apresenta altitudes de 200 a 500 metros e abrange uma
extensa área rebaixada e aplanada, com uma superfície de erosão que secciona uma
grande diversidade de litologias e arranjos estruturais, além de uma superfície com
inúmeros relevos residuais, chamadas de inselbergues, associados às rochas cristalinas,
quer sejam metamórficas ou intrusivas.

Sobre a estrutura morfológica do Piauí, Lima (1987) mapeia seis compartimentos


regionais no estado: Depressões Periféricas, Chapadões do Alto-Médio Parnaíba, Oriental
da Bacia do Maranhão/Piauí, Baixos Planaltos do Médio-Baixo Parnaíba, Tabuleiros Pré-
litorâneos e Planície Costeira.

Dentre os compartimentos do relevo do Piauí destacados por Lima (1987), os


territórios quilombolas do estudo estão sob as Depressões Periféricas. Este compartimento
localiza-se nas áreas do sudeste e sul do Piauí, na unidade estrutural do embasamento
cristalino, datado do Pré-Cambriano. Topograficamente, corresponde a uma área deprimida,
com um nível de base local de aproximadamente 300m de altitude, entre os bordos da bacia
sedimentar Paleozóica e as Formações Cretáceas dos planaltos que ocorrem nos limites
sudeste do Piauí com os Estados do Ceará e Pernambuco e ao sul com a Bahia.
Compreende uma área de aproximadamente 39.000 km² correspondente a 15,6% da área
total do Estado.

No compartimento de Depressão Periférica, os processos de pedimentação e


pediplanação são explicados como anteriores à instalação dos domínios morfoclimáticos
atuais, foram elaboradas a partir de um passado remoto, Pré-Siluriano. Uma vez que
iniciaram o fornecimento de detritos para a formação da bacia sedimentar, submetendo-se
ora com maior intensidade, ora com menor intensidade às perturbações tectônicas,
oscilações do nível do mar e variações climáticas continentais e possíveis de comprovação
através dos registros deixados nos ambientes, como as linhas de pedras, cascalheiras,
lateritas e sílex, entre outros. (LIMA, 1987).

O contexto geológico do município de São João do Piauí é constituído por rochas


sedimentares da Bacia do Parnaíba, representadas pelo Grupo Serra Grande (arenitos e
conglomerados) e formações Pimenteiras (folhelhos e siltitos) e Cabeças (arenitos e
conglomerados), além dos Depósitos Colúvio-Eluviais (areias, argilas e lateritos). As rochas
do embasamento cristalino afloram, apenas, numa pequena área localizada no sul do
município e são representadas por filitos da Unidade Barra Bonita (AGUIAR, 2004).

Fig. 10: Esboço Geológico de São João do Piauí

Fig. 11: Ao fundo, área geológica correspondente à Bacia Sedimentar do Parnaíba

AGUIAR, 2004, p. 4.
Acervo FUMDHAM apud VIEIRA, 2015, 37.

Sobre os solos das terras secas do Nordeste, Ab`Saber (1980), afirma que, entre os
componentes básicos das paisagens sertanejas, os solos regionais são os que melhor
caracterizam a região como semiárida., porém com uma característica peculiar em relação
aos solos de outras regiões de semiaridez, por estarem numa província ecológica de
caatingas dotadas de uma biomassa importante em termos de tapete vegetal e não sujeitas
a salinização e concrecionamento, sendo a região do país que menos apresenta o domínio
brasileiro de pedalfers (que concentra carbonato de cálcio).

O autor divide os solos dessa região como: solos escuros e castanhos, com argilas
expansivas (Vertissolos), comuns nas plataformas interfluviais correspondentes às
superfícies aplainadas modernas dos sertões; solos com horizontes B solonético, restrito a
manchas nas baixas encostas de determinadas áreas sertanejas do Ceará e do norte da
Bahia; solos vermelhos dos sertões, com horizonte B prismático (e ou, em blocos
subangulares. Situados, via de regra nos setores interfluviais mais elevados das colinas
interplanálticas sertanejas; Solos esqueléticos e litossolos (Entissolos), das "serras secas" e
das caatingas rochosas, em áreas de lajedos, "boulders" e "inselbergs".

6.2.2 Biodiversidade

O uso da terra pelo homem causa impactos para a fauna e flora em geral devido a
transformação do habitat, principalmente em função do aumento populacional. A redução de
habitat e a consequente perda de riqueza de espécies são duas consequências do processo
de transformação de áreas naturais contínuas em fragmentos (MARTINS FILHO et al.,
2019). Além disso, a diminuição da capacidade de dispersão, alteração no tamanho de
áreas e aumento da taxa de predação, são também influenciados pela fragmentação, sendo
que estes podem ocorrer em eventos isolados ou não, resultando no desaparecimento local
de algumas espécies das regiões afetadas (OLIVEIRA et al., 2016).

Para o planejamento de conservação, tem sido altamente difundida a confecção de


listas de espécies ameaçadas para delinear as taxas em riscos de extinção, identificar
processos de ameaças, suportar legislação de proteção dos grupos animais e vegetais,
informar prioridades de conservação e subsidiar relatórios de impacto ambiental. Porém, é
importante levar em consideração o conhecimento dos riscos regionais dos padrões de
extinção e as grandes lacunas de conhecimento (GILLESPIE et al., 2011). Em estudos
ecológicos, é amplamente discutido e aceito que a subdivisão biogeográfica de continentes
e regiões simplifica e integra a complexidade de ecossistemas naturais e variação de
espécies, sendo recentemente suportado na literatura um método único de abordagem
biogeográfica para a análise de risco de extinção de espécies de acordo com a categoria da
International Union for Conservation of Nature e critérios em nível regional (IUCN, 2020).

Nesse sentido os levantamentos para compor listas de espécies em


empreendimentos de impacto ambiental no Brasil podem se tornar uma ferramenta bastante
útil no refinamento de ações de conservação da biodiversidade, principalmente na forma de
monitoramento que envolvam diferentes regiões, biomas e tipos de ecossistemas
(VERARDO; OLIVEIRA; SILVA, 2020). Dessa forma, pode-se avaliar a perda de espécies
entre diversos tipos de ecossistemas com distintas pressões de degradação ambiental.
Como ferramentas para essas ações tem-se as diversas técnicas de inventário e
monitoramento da biota, especialmente da fauna terrestre, impactadas por
empreendimentos de geração e transmissão de energia elétrica propostas por diversos
pesquisadores (CAVALCANTI, 1999).

Considerando o exposto, para atender às premissas expostas na fase de avaliação


de impacto da Linha de Transmissão e no complexo 500 kV Graviola I – São João do Piauí
e entender os impactos da implantação de empreendimentos lineares sobre a fauna e flora,
foi realizado um levantamento de dois grandes grupos encontrados nos territórios
quilombolas Riacho dos Negros e Saco/Curtume, sendo: a avifauna e Caatinga arbórea e
Caatinga arbustiva, por se apresentarem mais comum nas áreas.

Na região de estudo das comunidades Quilombolas, existem muitas áreas de AAPs


preservadas e nascentes. Segundo o Código Florestal, as nascentes são determinadas
como APP, e devem ser protegidas em um raio de 50 metros, porém, esta norma não se
enquadrou em nenhuma das nascentes avaliadas, contribuindo para o péssimo grau de
preservação. A vegetação do entorno dos recursos hídricos propicia uma maior infiltração da
água das chuvas no solo, realizando a recarga dos lençóis freáticos e conservando os
mananciais (MEDEIROS et al., 2015).

Os territórios quilombolas Riacho dos Negros e Saco/Curtume apresentam sua


principal biodiversidade na Caatinga, uma das 37 grandes regiões naturais do planeta.
Contudo, ainda existe controvérsia se a Caatinga realmente enquadra-se nessa categoria,
dado seu atual nível de perturbação, afetando a suas nascentes e riachos. Ab`Sáber (1999)
classifica essa vegetação em: arbustivo, arbóreo-arbustiva e muito dificilmente arbórea, com
folhas pequenas e trocos espinhentos, caducifólia e espécies xerófilas como o mandacaru,
xique-xiques, entre outras.

De acordo com Rodrigues (2004), as ações antrópicas comprometem a capacidade


quantitativa e qualitativa das nascentes, seu reabastecimento e sua produção de água ficam
alterada, principalmente em ambientes de contribuição natural de infiltração em seu entorno
e na área de recarga do lençol freático. Essas interferências antrópicas ocasionam aspectos
negativos para a preservação desses locais visto que a grande parte está desprovida de
vegetação ciliar.

6.2.3 Clima e hidrografia

Para esse estudo do ECQ de Barra II , foi utilizado das referenciados climatológicos,
meteorológicos e informações dos atributos climáticos (temperatura, pluviosidade,
umidade etc.) da Estação Meteorológica Convencional Morro do Chapéu (UTM 24L
257603/8758780), localizada no município de Morro do Chapéu, inserido no
Território de Identidade – Chapada Diamantina- 03 (SEI, 2007).
Para a caracterização e diagnóstico do meio físico em seu aspecto climático realizou-se
revisão literária específica sobre os aspectos meteorológicos e climáticos em órgãos
oficiais: Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), Estudos Econômicos e Sociais da
Bahia (SEI), monitoramento das condições anemométricas realizadas pela Casa dos
Ventos Energias Renováveis S.A (CVER).

Clima
Morro do Chapéu possui um clima tropical de altitude e é classificado na escala
climática internacional de Köppen como Cwa. Com temperaturas suaves para a
região com baixa latitude, por volta de 18 a 28 °C, no verão. E no inverno, já foi
registrada temperatura mínima abaixo de 10 °C, embora ocorram muito raramente. E
por apresentar um verão úmido e mais fresco que as cidades do entorno, moderada
principalmente pela altitude acima dos 1000m e pelas chuvas de verão que se
apresentam torrencialmente ou advindas do oceano. Possuindo invernos
relativamente frios e mais secos e verões úmidos com dias quentes e noites mais
frescas.

A cidade apresenta duas estações bem definidas: A das chuvas vai de novembro a
abril e a da seca vai do final de abril a outubro.

Segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), referentes ao


período de 1961 a 1970 e a partir de 1977, a menor temperatura registrada em
Morro do Chapéu foi de 7,2 °C em agosto de 1963, nos dias 24 e 31, [8] e a maior
atingiu 36,8 °C em 3 de dezembro de 2015. [9] O maior acumulado de precipitação em
24 horas foi de 124,8 milímetros (mm) em 27 de dezembro de 1977. Outros grandes
acumulados iguais ou superiores a 100 mm foram: 122,2 mm em 18 de novembro de
2014, 111 mm em 16 de março de 1969, 109,4 mm em 27 de março de 1997,
105,3 mm em 22 de dezembro de 1963, 104,5 mm em 9 de março de 1987 e
101,4 mm em 2 de abril de 2017.

O comportamento hidrológico de uma bacia hidrográfica é diretamente


proporcional a suas características geomorfológicas (forma, relevo, área, geologia, rede de
drenagem, solo, etc.) e do tipo da cobertura vegetal existente (LIMA, 1976). Assim, as
características físicas e bióticas de uma bacia possuem importante papel nos processos do
ciclo hidrológico, influenciando a infiltração e a quantidade de água produzida como deflúvio,
a evapotranspiração, os escoamentos superficiais e subsuperficial, dentre outros. Além
disso, o comportamento hidrológico de uma bacia hidrográfica, também, é afetado por ações
antrópicas, uma vez que, ao intervir no meio natural, o homem acaba interferindo nos
processos do ciclo hidrológico (TONELLO, 2005).

O Piauí, por se encontrar numa faixa de transição entre as condições climáticas de


elevada umidade da Amazônia e a semiaridez do Nordeste Oriental, apresenta variações na
ocorrência e na circulação das águas em seu território, mesmo tendo cerca de 80% de seu
espaço localizado numa estrutura geológica de rochas sedimentares (LIMA, 1987). Para o
atendimento do objetivo proposto, a pesquisa realizada teve natureza bibliográfica em
associação a observações de trabalhos de campo realizados no espaço sanjoanense. Como
apoio ao tratamento, espacialização e discussão dos dados e observações, foram utilizadas
registros fotográficos e imagens de satélites disponíveis online trabalhadas em ambiente
digital, por meio do geoprocessamento, gerando mapas locais.

Nesse sentido, realizamos a caracterização geoambiental, particularmente


morfométrica, da Bacia Hidrográfica do rio Piauí, abrangendo as Comunidades Quilombolas
de Riacho dos Negros e Saco/Curtume, localizadas na zona rural do município de São João
do Piauí do estado do Piauí, a partir de identificação de variáveis geométricas, rede de
drenagem e do relevo, como possibilidade para conhecimento da dinâmica ambiental da
referida área.

A análise das características do relevo de bacias hidrográficas é importante, pois


está diretamente relacionado ao risco de erosão do solo, tendo em vista que com a
mecanização, o relevo apresenta-se como um aspecto ambiental significativo por estar
diretamente relacionado ao escoamento superficial e a velocidade da água, portanto, ao
transporte do solo, nutrientes, dejetos e agrotóxicos para os cursos de água.
7 EMPREENDIMENTOS JÁ INSTALADOS NO INTERIOR OU NO ENTORNO
DAS CRQ.

As localidades pertencentes às Comunidades Remanescentes de Quilombos


Saco/Curtume e Riacho dos Negros constituem-se como espaços de frequentes
implantações de empreendimentos, ligados principalmente à geração de energia.

A partir de um levantamento realizado, identificou-se a presença atual de duas


dessas instalações. Trata-se da LT 500KV Parque Solar Nova Olinda e da Usina
Fotovoltaica Sobral I, ambas inseridas no município de São João do Piauí.

A LT 500KV Parque Solar Nova Olinda é responsável por uma área de 690 hectares,
com capacidade geradora de 290 MW, abarcando, além de São João do Piauí, o município
de Ribeira do Piauí e de responsabilidade da empresa Enel Green Power Brasil
Participações Ltda (https://piauihoje.com/).

Deste empreendimento até as Comunidades Quilombolas aqui estudadas,


apresentamos os devidos distanciamentos calculados a partir dos dados coletados em
campo:

Quadro 07: Distância das CRQ’s ao empreendimento LT 500KV Parque Solar Nova Olinda

COMUNIDADE

Curtume

Saco

Elizier

Estreito

Curral Velho

Junco

Malhada

Riacho do Ancelmo

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, 2021.

A Usina Fotovoltaica Sobral I (30 MW) pertence ao Complexo Solar Fotovoltaico


Sobral (60 MW), sob a responsabilidade da empresa Sobral 1 Solar Energia APE LTDA. O
Complexo Solar Fotovoltaico Sobral é formado pelas Usinas Solar Fotovoltaicas (UFV)
Sobral I e Sobral II, com potência instalada de 30 MW cada, localizado no município de São
João do Piauí, no estado do Piauí (ECOLOGY BRASIL, 2017).
Deste empreendimento até as Comunidades Quilombolas aqui estudadas,
apresentamos os devidos distanciamentos calculados a partir dos dados coletados em
campo:

Quadro 08: Distância das CRQ’s ao empreendimento Usina Fotovoltaica Sobral I.

COMUNIDADE DISTÂNCIA EM KM

Curtume 10,719

Saco 10,300

Elizier 5,413

Estreito 6,644

Curral Velho 8,514

Junco 8,836

Malhada 8,534

Riacho do Ancelmo 11,902

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, 2021.


8 ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA DA COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO SACO/CURTUME

8.1 Caracterização Socioespacial do Território

A Comunidade Remanescente de Quilombo (CRQ) Saco/Curtume está inserida na


zona rural de São João do Piauí-PI, e divide-se em dois núcleos populacionais: Saco e
Curtume. As nucleações, chamadas também pelos moradores de agrovilas, ocupam área de
675 hectares, estão localizadas a uma distância de aproximadamente 4 km da cidade, como
mostra o mapa abaixo. Fazem limite com Saco/Curtume ao sul e a oeste a rodovia PI-141,
ao leste o Rio Piauí e a norte o povoado Angical.

A distância aproximada do Complexo Fotovoltaico Graviola para as principais


edificações e recursos naturais, considerando todos os pontos notáveis apontados como
relevantes para as comunidades, é de 7.837 metros do povoamento Saco e 8.133 metros de
Curtume.

Fig. 12: Localização da CRQ Saco/Curtume


Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e
INCRA.

8.1.1 Comunidade Saco

A comunidade Saco fica a uma distância de 3,2 km da sede São João do Piauí.
Saindo da zona urbana do município pela PI-141 em direção a cidade de Brejo do Piauí, a
comunidade Saco é o primeiro povoado a direita da rodovia, localizada nas coordenadas
23.0798,947E e 9.077.595,218N.

Fig. 13: Localização e pontos notáveis da comunidade Saco


E
l a
b o
r a
d o

pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA.

A situação do asfalto da PI-141 é preocupante, apresenta grande quantidade de


erosões e não possui acostamento na pista, fazendo com que as pessoas que trafegam de
carro, moto e bicicleta nesta rodovia, estejam em constante exposição a acidentes, inclusive
os estudantes da comunidade que vão estudar na sede do município, já que a comunidade
não dispõe de escola no seu território.

As residências da comunidade Saco são dispostas uma do lado da outra, em formato


de vila, com dimensões de 56m², em lotes individuais de 20x40m, seguindo um mesmo
padrão de construção, determinado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), já que o território também é um assentamento ligado ao MST.
Essa disposição, de acordo com o Sr. Nego Bispo (informação verbal 6), se deve ao
fato da ligação das famílias assentadas no Saco com a cidade de São João e que, apesar
da primeira ocupação do assentamento ter sido na margem do Rio Piauí, as pessoas que
vieram da sede do município mudaram o acampamento para a margem da pista. Tais
referências urbanas na distribuição espacial podem ser percebidas na forma de organização
do espaço entre casa e quintal, são construções próximas umas das outras e sem quintal na
parte frontal e com as roças afastadas das moradias, como pode ser analisado na figura
abaixo, contendo o mapa social produzido pelos moradores nas oficinas de cartografia
participativa.

Fig. 14: Estrada de acesso à Comunidade Saco

6
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
Acervo da pesquisa, 2021.

Segundo Nego Bispo (informação verbal7), no momento de decidir com o INCRA o


local da construção das casas, havia duas propostas: uma única agrovila ou duas agrovilas
distintas. Nas duas votações para escolha do local, a maioria dos partícipes,
correspondentes a 44 famílias, decidiu por uma única agrovila e sua localização à margem
da estrada PI-114, popularmente chamada de “pista”.

(...) a construção dessas casas, isso é um fato histórico, isso vocês


guardem na memória de vocês. Como foi pelo INCRA, quando foi pra
construir essas casas aqui, o povo da cidade queria uma única agrovila, o
povo do Curtume, queria duas. Nesse tempo tava o INCRA, eu tava recém
chegado, a FETAG tava presente e tal. Como tinha duas propostas, teve
votação. Na hora da votação, 44 famílias votou por uma única agrovila,
porque algumas pessoas do Curtume votaram com o povo daqui, lá sempre
foi maioria quantitativamente, mas politicamente vez ou outra eles
[divergiam]. [...] Então aprovou uma única agrovila. Quando aprova que é só
uma, onde vai ser essa uma? Na margem da pista ou na margem do rio?
Porque a ocupação foi na margem do rio. [...] só que quando teve a
ocupação, o povo da cidade resolveu mudar pra cá, já abandonou o
acampamento lá e fez outro acampamento aqui. [...] segunda votação,
aonde? 44 na margem do asfalto, 36 na margem do rio, de novo uma
agrovila na margem do asfalto (INFORMAÇÃO VERBAL 8).

Muitas famílias, com a decisão de uma única agrovila e a construção das casas na
margem da rodovia, que foram contrárias a somente uma agrovila, voltaram para a margem
do rio, para a comunidade Curtume.

Fig. 15: Mapa social da comunidade Saco

7
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
8
Entrevista de Antônio Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021
Acervo da pesquisa, 2021.

Atualmente, residem na comunidade Saco 49 famílias e um total de 150 pessoas, de


acordo com o levantamento feito em 2020, a pedido da Secretaria de Saúde do município,
pela agente de saúde do Território Saco/Curtume, Ana Paula de França (informação
verbal9).

Na parte central da nucleação está uma das sedes da associação do território, usada
para reuniões deliberativas, palestras, missas e eventos comunitários e localiza-se nas
coordenadas 230.798,781E e 9.077.758,237N. Sua construção é produto de negociações
entre a associação do território com empreendimentos instalados próximos à comunidade,
como medida compensatória. Sua estrutura física é composta por um pequeno auditório,
dois banheiros e uma cantina. Não possui ventiladores, as cadeiras do auditório são frutos
de doações de escolas que passaram por reformas, as descargas do banheiro não
funcionam e apresenta problemas na madeira da cobertura.

O abastecimento de hídrico da comunidade Saco é proveniente da água do poço


Fig. 16: Sede da Comunidade Saco.
artesiano localizado ao lado da sede da associação (23.0798,824E e 9.077.769,239N). Duas
caixas d´água fazem a distribuição da água para as residências através de um sistema de
encanação, sendo esta usada para todas as atividades domésticas, incluindo o consumo
humano.

9
Entrevista de Ana Paula França concedida ao ECQ, 18/01/2021.
Acervo da pesquisa, 2021.

Fig. 17: Poço de abastecimento da Comunidade Saco

Acervo da Pesquisa, 2021.

Sobre os espaços de socialização da comunidade, destaca-se a Cozinha de


Quilombo, fechada em 2020 por conta da pandemia, funcionava na margem da rodovia, de
frente pra agrovila e possibilitava aos viajantes comprar comidas típicas e produtos
artesanais produzidos pelas próprias moradoras.
A

C D
PRANCHA 08: Pontos notáveis na Comunidade Saco: A: Espaço Mandinga de Quilombo; B: Cozinha de Quilombo; C: Bar e mercearia
do Dé; D: 1º Campo de futebol do Saco (Acervo da Pesquisa, 2021).
Outro lugar de uso social, que se destaca como importante espaço coletivo, é o
Ponto de Cultura Mandinga de Quilombo, agora em desuso, nele aconteciam as rodas de
capoeira comandadas pelo mestre Tiziu.

Destaca-se também o espaço social de propriedade do Sr. Nego Bispo, trata-se de


uma área de lazer com piscina encravada na rocha com uma vista panorâmica de parte da
comunidade, por enquanto desativada, mas deve ser, em breve, um espaço também para
eventos e entretenimento da comunidade e visitantes. Está situado nas coordenadas
23.0798,930E e 9.077.800,231N.

Podemos encontrar ainda na comunidade o primeiro campo de futebol de Saco, nas


coordenadas 23.0799,227E e 9.007.429,210N, apontado como ponto simbólico-histórico
para os moradores locais. Já na coordenada 23.0798,768E e 9.077.766,239, situa-se o “Bar
e Mercearia do Quilombo”, propriedade do conhecido Dé, local de encontros e reuniões
informais, onde são discutidos problemas cotidianos e tido como ponto de referência para
obter informações sobre o território.

8.1.2 Comunidade Curtume

A Comunidade Curtume está localizada na margem do Rio Piauí, numa área


agricultável, aplainada, a 3,7 km de distância de São João do Piauí. Pode ser acessada pela
PI-141, atravessando a comunidade Saco e percorrendo uma estrada vicinal de 2,2
quilômetros. Ou pelo acesso direto da sede, seguindo pela estrada vicinal após o Mercado
Municipal Luiz Gonzaga de Carvalho, na coordenada 230.801,122E e 9.078.249,212N,
passando pela comunidade Carnaúba Torta.

A estrada usada pelos moradores de Curtume para deslocamento até a cidade de


São João do Piauí apresenta alguns problemas, dentre eles os relacionados a diversas
erosões, constante tráfego de caçambas pesadas, animais e faixa estreita, que são
agravados no período chuvoso pelo acúmulo de água e lama, deixando a via escorregadia e
afetando principalmente os condutores de motos.

Curtume possui uma sede que corresponde à Associação do Território


Saco/Curtume, do mesmo modo que a Comunidade Saco, nas coordenas 23.0801,105E e
90.783.797,212N. Como o território da CRQ apresenta dois povoamentos, os moradores
decidiram que seria construída duas sedes, uma em cada povoado. A estrutura física de
ambas é idêntica, com dois banheiros, um auditório, um pequeno refeitório e um espaço
para escritório. Assim como na nucleação Saco, o espaço é usado para reuniões, palestras,
missas etc. e foi feito como medida mitigatória por empreendimentos instalados nas
adjacências.

Fig. 18: Localização e pontos notáveis da comunidade Saco

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA.

Figs. 19 e 20: Acessos para a Comunidade Curtume

Ao
lado da

Acervo da Pesquisa, 2021.


sede do Curtume há uma praça e parquinho de diversão, também um espaço de
socialização, construído pelos moradores a partir da doação de pallets de um
empreendimento instalado na região. Foram feitos bancos, mesas e até um escorregador
para a diversão local das crianças. É neste local que acontece a quadrilha junina, tradicional
na CRQ Saco/Curtume, envolvendo adultos e jovens. Mas, devido à exposição dos
equipamentos ao sol e a chuva, esse espaço cultural encontra-se bastante deteriorado. A
ausência de iluminação neste espaço é um dos grandes problemas apontados pelos
moradores, o que inviabiliza sua ocupação no período noturno.

Fig. 21: Sede da associação no Curtume Fig. 22: Espaço cultural de Curtume

Acervo da pesquisa, 2021

Diferente da nucleação Saco, em que residências foram construídas em formato de


vilas, as residências de Curtume são dispostas de maneira linear, e as unidades
habitacionais geralmente uma em frente a outra, com espaçamento entre um loteamento e
outro maior, cercadas por quintais e roças. Não há um padrão de tamanho das residências,
pois as famílias de Curtume foram assentadas na agrovila Saco e somente após todo o
trâmite de construção e regularização das casas pelo INCRA. Os assentados, insatisfeitos
do local escolhido por meio da votação que decidiu por uma única agrovila na margem da
rodovia PI-141, decidiram desfazer-se de suas casas e implantando-as em sua localização
atual.

Na próxima figura podemos visualizar o mapa social de Curtume, produzido pelos


moradores da nucleação nas oficinas participativas, onde é possível observar sua
localização em relação ao Rio Piauí e sua importância para o cenário produtivo local e na
organização espacial do território, assim como a disposição entre casas, áreas de roçados e
seus principais pontos de referência atualmente.

O abastecimento de água para consumo e outras atividades domésticas como lavar


roupa, cozinhar, tomar banho, etc. é proveniente de poço artesiano, captada com bombas e
distribuídas a partir de uma caixa de água central, localizada nas coordenadas 23.800,859E
e 9.078.999,207N. Quando há problemas no abastecimento a partir do poço principal,
aciona-se o ligamento de um poço reserva, coordenadas 23.0799,983E e 9.079.606,209N.

Ao lado do poço e caixa d’água que abastece a comunidade, está a Unidade de


Beneficiamento de Mandioca, um projeto do governo estadual de apoio à mandiocultura, em
parceria com o Viva Semiárido e a FIDA (Fundo Internacional de desenvolvimento Agrário),
adquirida a partir da Associação de Desenvolvimento Rural do Assentamento
Saco/Curtume. A unidade conta com: equipamentos sofisticados de beneficiamento;
unidade de propagação rápida da mandioca (uma espécie de viveiro); um kit com
subestação de energia solar. Beneficia 47 famílias produtoras de mandioca e cada produtor
que utiliza o espaço deixa uma porcentagem para a associação.

Fig. 23: Mapa social da Comunidade Curtume

Acervo da pesquisa, 2021.

Figs: 24 e 25: Vista geral da Comunidade Curtume

Acervo da Pesquisa, 2021.

Possui ainda área comunitária de plantio de mandioca, localizada nas coordenadas


23.0800,813E e 9.078,944N, que futuramente será equipada com kits de irrigação,
disponível para todas as famílias beneficiadas pelo projeto, mas muitas não apresentam
interesse, pois possuem suas próprias roças de plantio.
PRANCHA 09: Unidade de Beneficiamento de Mandioca e sua infraestrutura (Acervo da Pesquisa, 2021).
Como espaço de lazer em Curtume, tem a quadra de futebol feminina e o
campo de futebol masculino. De acordo com os moradores, existe essa divisão por
gênero na ocupação dos espaços, porque os treinos acontecem nos mesmos horários
e, desse modo, há a necessidade de espaços distintos para os grupos diferentes que
praticam o esporte.

O interesse das mulheres para a prática esportiva do futebol não faz muito
tempo. De acordo com a jogadora Ana Cristina F. da Silva (informação verbal10), foi a
partir de reuniões às sextas-feiras, para lanches e brincadeiras como o “mata” (bola
envenenada ou queima), que surgiu a ideia de montar um time de futebol. Um
momento relatado por ela considerado importante na história do time feminino é sobre
o primeiro torneio que participaram na comunidade estreito, em 2018, ela narra as
falas de desestímulo que ouviram antes das partidas, mas recorda-se também da
felicidade quando conquistaram a vitória, levando o prêmio em dinheiro no valor de
R$50,00 reais.

[...] aí a gente começou a brincar do mata, que era lá na sede [...] a


fazer reuniões, lanches, lanchinho assim, toda sexta-feira era de lei.
Ia nós tudinho, quatro horas a gente lanchava e depois do lanche,
brincava de mata. Aí a gente começou a jogar futebol, começou a
inventar, foi indo, foi indo. Aí o primeiro jogo nosso foi lá no Estreito,
era um campeonato lá, todo mundo dizia “vocês vão só pra perder né
“, a gente dizia “não, nós vamos ganhar” [...] a gente ligou um carro,
aí foi todo mundo: criança, mulher, os maridos, todo mundo. [...] era
um torneio de três times, era apostado cinquenta reais, só pra brincar
mesmo [...] (INFORMAÇÃO VERBAL11)

Fig. 26: Quadra de futebol do Curtume.

Acervo da pesquisa, 2021.


10
Entrevista de Ana Cristina F. da Silva concedida ao ECQ, 18/01/2021.
11
Idem.
Os treinos eram feitos à noite, pois o clima é mais ameno e a quadra era
iluminada, porém, recentemente, a iluminação foi interrompida, e o time teve que
adaptar seus horários para o período vespertino. O time de jogadoras se organiza por
aplicativo de mensagem, combinando a hora e quais mulheres vão poder participar.
Segundo Ana Cristina, a atividade serve tanto para melhorar a saúde física das
mulheres da comunidade, como para diminuir o estresse do dia a dia, causado pela
lida diária (informação verbal12).

Os refletores, os postes e as traves instalados na quadra, foram conquistados a


partir de negociações com empreendimento instalado na região, porém, a tarifa de
energia estava sendo paga com a taxa já cobrada da iluminação pública que inexiste
na comunidade, seria uma forma de compensação, mas que segundo a empresa
fornecedora de energia não pode ocorrer dessa maneira

8.2 Aspectos Históricos, Culturais e Religiosos

O primeiro registro de ocupação de Saco/Curtume data de 1996, a partir dos


movimentos de ocupações de terra que ocorriam no Piauí desde 1989 pelo Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), posterior as ocupações nos territórios
que correspondem ao Assentamento Lisboa e Assentamento Marrecas, sendo este
último a primeira área de ocupação de terras do Estado do Piauí. Entretanto, o fator
que determina a autodefinição da população de Saco/Curtume enquanto quilombolas
é ter sua origem intimamente ligada à trajetória dos quilombolas de Riacho dos
Negros.

Nesse item abordaremos a história do processo de reforma agrária que


resultou na formação do Projeto de Assentamento Saco/Curtume, instituído pelo
INCRA em 22 de maio de 1998 (INCRA-PI, 2017 apud BRITO, 2018) e certificada
enquanto comunidade quilombola em 05 de maio de 2009 pela Fundação Cultural
Palmares. Quanto ao processo de formação do Território Quilombola Riacho dos
Negros, este será abordado detalhadamente no item 9.2 deste estudo.

Para compreender o processo de reforma agrária de Saco/Curtume, é preciso


entender como ocorreu a questão das ocupações de terras na região, em especial o
Assentamento Marrecas e o Assentamento Lisboa, sendo o primeiro habitado por
pessoas de outros municípios e o segundo habitado por pessoas vindas das
12
Idem.
comunidades de Riacho dos Negros. Segundo o depoimento de Nego Bispo, liderança
quilombola que participou do processo de assentamento de Saco/Curtume, a área que
hoje faz parte do Assentamento Marrecas pertenceu a um fazendeiro e especulador
chamado Fernando Brasileiro, que veio do Pernambuco. Esse fazendeiro utilizou-se
de um recurso da Sudene para fazer dois grandes projetos de criação de gado, que
abrangiam boa parte do território de Ancelmo (informação verbal13).

Nego Bispo ainda relata que no momento em que Fernando Brasileiro


abandona esses projetos, no final da década de 80, está se formando no Piauí o
Movimento Sem Terra na região de Picos. Nessa época, a Comissão Pastoral da
Terra Nacional era presidida pelo Dom Augusto que mobilizou o processo de
ocupação na terra abandonada, uma área ocupada de 10 a 12 mil hectares com poço
jorrante de 180 mil litros. Segundo Nego Bispo (informação verbal14)., o povo de
Riacho dos Negros se desperta somente quando o MST resolve ocupar uma outra
área e decidem se aliar com o MST para ocuparem as terras junto a eles, dando
origem ao Projeto de Assentamento Lisboa, que apesar de ser formado por pessoas
oriundas de Riachos dos Negros, não se autoidentificam como quilombolas.

[...] aí o que é que o povo do riacho faz? Se aliam com o MST. Eles
mesmo ocupam a área junto com o MST. Na primeira ocupação, o
MST só traz gente de fora, de Picos, Paulistana, até a região de
Picos, da grande Picos. Na segunda ocupação, quando o MST vai
trazendo gente fora, aí eles: “Não! É nós! ”. Aí eles entram com o
MST e criam o assentamento Lisboa. Tanto é que o assentamento
Lisboa, só tem negros. É um assentamento só de negros. Então é só
o povo... aqui a gente chama de “a progênie do riacho”. Então quando
acontece isso, aí o Nego desperta. Na sequência, o movimento
sindical diz... tem um superintendente do INCRA que resolve ocupar
essa terra aqui. É um acordo que o cara do INCRA faz com a família
tradicional daqui... com o Paes Landim... pouca gente sabe dessa
história, né? E aí nesse acordo é pra trazer o povo da cidade. Só que
o povo da região aqui de baixo, do Ancelmo, saca e faz a mesma
coisa que fez em Lisboa, então cai pra dentro, já em 96. O MST entra
por um lado e o movimento sindical tenta entrar pelo outro
(INFORMAÇÃO VERBAL15).

A ocupação de Saco/Curtume foi articulada pelo Sindicato dos Trabalhadores


Rurais de São João do Piauí por meio de relatórios que recebeu da Federação dos
Trabalhadores da Agricultura (FETAG), a qual havia informações de que a área das
fazendas Saco e Curtume poderiam ser ocupadas, segundo esses relatórios
encaminhados pelo Banco do Brasil. As fazendas a serem ocupadas pertenciam a
Assis Carvalho, um dos maiores herdeiros de São João. Ao saberem dessa

13
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
14
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
15
Idem.
informação, o povo da região de baixo – como são chamados os moradores de Riacho
dos Negros – e também da cidade foram até as terras e as ocuparam (informação
verbal16).

Segundo a narrativa de Maria Aparecida da Conceição (informação verbal 17),


uma das primeiras moradoras do Saco/Curtume, a ocupação das terras ocorreu dia 29
de junho de 1996. Maria Aparecida ainda relata que ela e sua irmã, Niceia, eram as
únicas mulheres a estarem juntamente com aproximadamente 60 homens, acampados
debaixo de um juazeiro, conforme relato.

Aí cheguemos aqui, ficamos sentado ali do outro lado do curtume. Só


eu e Niceia, minha irmã, no meio de 60 homens. Aí depois dos dias
em diante foi entrando mais gente, foi entrando mais gente e aí foi
aumentando mais. Quando nós viemos daqui de dentro da cidade,
nós viemos lá pra o Curtume e ficamos debaixo de um pé de juazeiro.
Eu, minha irmã e esses bocado de homem. Nos outros dias foi
entrando mais gente e deu mais de 60 homens. Mas só que depois
que aumentou mais o número de pessoas, que só tinha entrado
essas 60 pessoas... quando foi mais na frente os outros saíram... os
outros que entraram com nós saíram e nós fiquemos (INFORMAÇÃO
VERBAL18).

Em depoimento, Nego Bispo (informação verbal19) comenta sobre sua


participação na luta pela reforma agrária de Saco/Curtume e define a ocupação do
território como retomada histórica, pois a população de Riacho dos Negros percebeu
que, ou elas ocupavam aquela área, ou elas perderiam parte do seu território (como
aconteceu em Marrecas).

Apesar de não se fazer presente no dia da ocupação, pois estava participando


de um movimento partidário em período de eleição, ao saber da ocupação de
Saco/Curtume e em que situação se encontrara, Nego Bispo – que já havia decidido a
se mudar para uma região que tivesse muitos quilombos – resolve ir para São João do
Piauí para fazer essa articulação e, como diz ele, “repetir a cena de Mimbó 20” e
garantir a efetivação do projeto de assentamento e a participação dos negros nesse
processo.

Então quando eu soube, uma ocupação com 200 famílias em São


João do Piauí, aí eu logo pensei: é jogo! Porque não é qualquer
pessoa, meu mestre, que consegue uma ocupação séria levar 200
famílias só em um município. E aí é matemática pô... se já tinha
Marrecas, se já tinha Lisboa, já tinha dois assentamentos aqui, como
é que essa galera movimentou 200 famílias? Aí eu pensei, tem
16
Idem.
17
Entrevista de Maria Aparecida da Conceição concedida ao ECQ, 19/01/2021.
18
Entrevista de Maria Aparecida da Conceição, concedida ao ECQ, 19/01/2021.
19
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
20
Nego Bispo é convidado a coordenar a ocupação de terras em Amarante (PI), ao lado do Quilombo
Mimbó – quilombo conhecido historicamente e um dos mais respeitados.
alguma coisa errada (INFORMAÇÃO VERBAL21).

Nego Bispo relata que na primeira reunião que participou, viu uma multidão de
200 pessoas, sendo a maioria pessoas da cidade. Recordando-se do que ocorreu em
Marrecas, fez um discurso e percebeu que ao terminar sua fala, mais da metade das
pessoas presentes haviam ido embora. Das 200 pessoas, restaram 80 – sendo 36
famílias da cidade e 44 pessoas vindas de Riacho dos Negros. Em seu discurso, Nego
Bispo diz:

Então quando eu cheguei aqui e olhei na cara de todo mundo, aí eu


apliquei: “Ó pessoal, aqui teve gente que veio pra morar, trabalhar e
criar os filhos. Tem gente que veio só pra pegar a grana, pensando
que aqui é Marreca. Tem gente que veio pra ter a terra, fazer uma
chácara e morar na cidade. Tem gente aqui que é contra latifundiário,
tem gente que tá prenha de latifundiário. Quem emprenhou, vai
abortar! Eu sou o Nego Bispo, cheguei! Quem veio nessa intenção, vá
caindo fora. Aqui não vai acontecer isso não!”. Aí só vi um povo se
mexendo... acertei. A galera vai... (INFORMAÇÃO VERBAL 22).

Dois anos após início da ocupação da área do Saco/Curtume, em maio de


1998, os assentados foram cadastrados pelo INCRA e, consequentemente, a abertura
do processo de instalação da Agrovila do Projeto de Assentamento. Por serem duas
localidades distintas, mas de um mesmo PA - Saco e Curtume, houveram divergências
na decisão sobre as agrovilas. As pessoas oriundas da cidade optaram por uma única
Agrovila, as pessoas do Curtume – vindas da região de baixo – optaram por duas
Agrovilas, portanto, levaram as duas propostas para votação.

O resultado da votação foi a aprovação de uma única agrovila na margem do


asfalto, ou seja, a agrovila seria na localidade Saco - 44 votos para uma agrovila, 36
votos a favor de duas agrovilas. Todavia, o fato da decisão não ter agradado a todos
fez com que as pessoas do Curtume permanecem no Curtume, localidade situada na
margem do Rio Piauí e onde deram início a ocupação de 1996. Assim, a localidade
Saco adotou formato de Assentamento, seguindo a proposta do INCRA, e a localidade
Curtume seguiu formato de quilombo, devido à disposição das casas.

Segundo a narrativa local, a origem do nome da localidade Saco está


relacionado a antiga fazenda que foi desapropriada, ocupada e deu lugar ao Projeto
de Assentamento. O mesmo ocorreu com a localidade Curtume, que foi a
denominação de uma antiga fazenda em que se curtia o couro. Cada fazenda estava
situada na área que corresponde suas respectivas localidades.

O ato de curtir o couro refere-se ao processo de estancamento da ação

21
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021
22
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
orgânica do mesmo a partir de um preparo químico especifico, já o curtume é o nome
dado ao local onde essa atividade era executada (https://www.dicio.com.br/curtume/).

As festividades que ocorrem nas Comunidades Saco e Curtume são, em sua


maioria, ligadas a religiosidade. As celebrações religiosas e novenário do padroeiro
São Pedro são realizadas nos prédios da associação de moradores, por não terem
igrejas ou templos nas localidades, alternando anualmente em cada comunidade – um
ano no Saco e o ano seguinte no Curtume, e assim sucessivamente. A data de
comemoração do padroeiro é também comemorado o aniversário da ocupação dos
territórios: 29 de junho, em que parte da comemoração é Arraial com quadrilha junina
e atividades festivas diversas, além comidas típicas.

Figs. 27 e 28: Área interna da Associação de Moradores na Comunidade Curtume, onde as


celebrações católicas são realizadas.

Acervo da pesquisa, 2021.

Quadrilha Junina do Saco/Curtume surgiu como uma estratégia para tornar as aulas
mais animadas e motivadas na época em que havia escola comunitária para jovens e
adultos na comunidade. A ação foi uma iniciativa da professora Edileusa Santos, que
na época era bolsista do projeto Escola Comunitária, do MST. Mesmo sendo uma
atividade voltada para os alunos da escola comunitária, a quadrilha junina envolveu
toda a comunidade, tanto jovens do Saco quanto do Curtume. A organização da
quadrilha era por conta da própria comunidade, não pediam patrocínio e o figurino
eram eles mesmos que preparavam, utilizando suas próprias roupas estampadas,
coloridas e com toda a criatividade que o festejo pedia. De acordo com a D. Edileusa
(informação verbal23), usavam até lençóis como saias ou vestidos para dançar.

Segundo Dona Edileusa, cada pessoa se encarregava de levar algum tipo de


alimento: pipoca, abóbora, mungunzá, entre outros. A quadrilha junina adotava o estilo
de quadrilha matuta e se apresentava na sede, que era enfeitada com bandeirolas de
jornais velhos, pois não tinham condições para comprar materiais próprios, e após a
dança todos se reuniam para comer as comidas que os moradores haviam levado. A
23
Entrevista de Maria Edileusa de Oliveira Santos, concedida ao ECQ, 19/01/2021.
quadrilha junina da comunidade não tinha um nome específico, a cada ano era um
nome diferente e a apresentação revezava entre Saco e Curtume, sempre buscando
melhorar o evento a cada ano que se passava, com apresentações musicais,
geralmente músicos de São João do Piauí (informação verbal24).

Figs. 29 e 30: Apresentações da quadrilha junina de Saco/Curtume em 2017.

Imagem cedida por Kaylane Gomes, 2017.

A quadrilha junina permanece se apresentando nas comunidades, sempre


dançam na data de 29 de junho, além de se apresentarem em outras comunidades
quando acontecem convites. Dona Edileusa relata ainda que a quadrilha foi
contemplada em um projeto e receberam recursos para produzir novos figurinos e, em
outro ano, foram contemplados com recurso para a contratação de músicos. Dona
Edileusa atuou na quadrilha produzindo figurinos e coreografias, além de
marcadora/gritadora nos anos em que era “enfrentante”. Por questões de saúde,
deixou de acompanhar a quadrilha junina e que, segundo ela, hoje adotam um estilo
de coreografia diferente da época em que começaram a dançar (quadrilhas
estilizadas) (informação verbal25).

Em relação às práticas de cura, temos a presença de benzedeiras e rezadeiras


em ambas comunidades. As benzedeiras de Saco e Curtume relatam que muitas
pessoas da comunidade, e também da região, as procuram para tratar de males como
quebranto, mal olhado e arca caída, por exemplo. O uso de ervas medicinais para
benzimentos e produção de remédio também é uma prática muito comum na região,
tendo a caatinga como fonte farmacêutica. Tal conhecimento acompanha gerações e
serve para curar problemas de saúde através de plantas que possuem propriedades
terapêuticas, seja por meio de raízes, sementes, cascas, folhas ou frutos.

Maria Rita é uma das benzedeiras da comunidade, vinda do Riacho do


Ancelmo e reside no Curtume. Em depoimento, Rita conta que quando chegaram à
24
Idem.
25
Entrevista de Maria Edileusa de Oliveira Santos, concedida ao ECQ, 19/01/2021.
comunidade, ela e seus familiares já eram praticantes da religião Umbanda, inclusive
seu marido e posteriormente seu filho eram registrados na União dos Cultos Afro-
brasileiros do Estado do Piauí, possuindo inclusive carteira de identificação e registro.

Após a morte do marido, seu filho Lucas - já iniciado – assume os trabalhos do


pai. Ela comenta ainda que nunca fizeram um salão e quando era dia de trabalho
abriam a mesa e faziam na área externa da sua residência. Dentre as celebrações da
tenda havia a festa de Cosme e Damião e o Xangô – como se referem ao culto em
que batucam tambor.

Fig. 31: Maria Rita concedendo entrevista para o ECQ

Acervo da Pesquisa, 2021.

Rita explica que há três anos não fazem mais Xangô devido ao trágico
assassinato do seu filho Lucas, responsável pela Tenda São Lucas, mas que ainda
benze quando alguém da comunidade a procura, trabalhando apenas com consulta
esporádica. Diz ainda ter vontade de continuar com as festas, mas que não aguenta
mais, devido a sua idade e mantém ainda o tambor da casa guardado, ou como ela
mesmo diz: “deixa ele quietinho aí...” (informação verbal26).
Eu e meu filho trabalhava [benzenção], mas a força maior era dele e
ele era registrado. Tem o papel e tudo, mas só que tiraram a vida
dele... tiraram a vida dele. Aí ficou só eu. Aí eu aqui, sempre eu benzo
quando tem uma precisão, tem uma criança com quebranto, tem uma
pessoa com a arca caída... sempre me procuram, né? Eu acho que
com a fé em Deus, eu acho que eles procuram porque se dá bem.
Sempre procuram e eu nunca dei um não. Quando chega eu recebo,
faço o que eu posso e o que eu sei (INFORMAÇÃO VERBAL 27).

Outra rezadeira da região é a Dona Aparecida, das primeiras moradoras do


26
Entrevista de Maria Rita Pereira Nunes, concedida ao ECQ, 18/01/2021.
27
Idem.
Assentamento e residente na localidade Saco. Aparecida diz que aprendeu a reza
sozinha, e que muitos a procuram para tirar quebranto em crianças e adultos, “arca”
caída, faz uso de chás como hortelã, erva-cidreira, casca de aroeira, angico e
sementes de umburuna (informação verbal28).

Aparecida, assim como Maria Rita, fazem menção ao terreiro da Bonifácia, no


Junco, e ao terreiro da Mãe Santinha, em Juazeirinho. Ambas afirmam participar das
celebrações nesses terreiros e que a celebração mais marcante é a festa de Cosme e
Damião que acontece todos os anos na Dona Bonifácia e reúne pessoas de várias
comunidades do território no mês de setembro. Além dessas festas, Aparecida cita as
festas de reisado do Luizinho do Xubel, que sempre está se apresentando no

Fig. 32: Altar da Tenda São Lucas ainda preservados na casa de Maria Rita.
Saco/Curtume, embora sua residência seja na sede de São João, e o Batuque do
Curral Velho (que será apresentado no Estudo do Componente Quilombola de Riacho
dos Negros), sendo ela, inclusive, prima do Mestre Augusto.

Fig. 32: Tambor utilizados nos “Xangôs” da Tenda São Lucas.

Acervo da Pesquisa, 2021.

Ainda sobre as manifestações culturais da Comunidade Saco/Curtume,


podemos apontar a Capoeira de Quilombo, criada em 2002 por Antônio Pereira dos
Santos, o Mestre Tizil, e seu aluno Valdir de Souza, conhecido como professor [de
capoeira] Kina. Mestre Tizil veio de Juazeiro da Bahia e trouxe a capoeira de quilombo
com objetivo de ressignificar a capoeira nos quilombos da região a partir do
entendimento da capoeira como um movimento de integração e inclusão, segundo
28
Entrevista de Maria Aparecida da Conceição, concedida ao ECQ, 19/01/2021.
dados do Relatório de Avaliação do Impacto ao Patrimônio Imaterial do Complexo
Gerador Fotovoltaico Graviola 1 a 4 (RM ARQUEOLOGIA, 2020b).

Durante o trabalho de campo, um edifício em situação de abandono chamou


atenção logo na entrada da localidade Saco, pois aparentava ser um espaço de lazer.
Pela fachada, concluiu-se que se tratava do Espaço Cultural do grupo de Capoeira.
Quando questionada sobre a prática da capoeira no quilombo e o motivo pelo qual a
edificação estava naquela situação, a moradora Heloísa, que estava acompanhando a
equipe técnica no assentamento, respondeu ser por falta de recursos, e que anterior a
pandemia as aulas estavam acontecendo em um outro espaço, de maneira
improvisada. A equipe tentou localizar o Mestre Tizil para conceder uma entrevista,
mas o mesmo não se encontrava na comunidade no período do campo.

De acordo com o RAIPI supracitado, o grupo realizava as aulas e as rodas nas


comunidades do Território Quilombola Riacho dos Negros de forma voluntária, mas
devido as outras obrigações do Mestre Tizil e de seus professores, além da dificuldade
de se deslocar para as comunidades, tiveram suas aulas suspensas. Eles ainda
mencionam que além das aulas de capoeira, promoviam também espaços de
discussão, seminários e intercâmbios entre outros grupos de capoeira.

Sobre a organização de atividades culturais, um grupo de mulheres se


reúnem, de forma organizada, para discutir, planejar e organizar atividades recreativas
e eventos culturais na comunidade. Foram por meio dessas reuniões que tiveram a
ideia de construírem um coletivo, chamado CMQ – Coletivo de Mulheres Quilombolas.
Segundo Wilma Benevides, o coletivo surgiu há três anos com a partir de atividades
recreativas em que parte das mulheres estavam participando, e desde então
passaram a se reunir e pensar em atividades que fizessem sair um pouco da rotina do
lar e gerar entretenimento para seus filhos. Assim, em uma conversa entre as
mulheres, decidiu-se fazer um grupo com o intuito de buscar formas de entretenimento
na comunidade (informação verbal29).

Wilma, que também faz parte do Conselho Municipal da Mulher do Município


de São João do Piauí, relata que o futebol se tornou a principal atividade das
mulheres, e que além das atividades esportivas, o coletivo organiza confraternizações
em datas comemorativas como dia da mulher, dia das mães, dia dos pais, dia das
crianças, festas de final de ano, amigo oculto, confecção de lembrancinhas para
eventos, dentre outros (informação verbal30).

29
Entrevista de Wilma Benevides de Sousa, concedida ao ECQ, 18/01/2021
30
Idem.
Parte de alimentação nesses eventos é de responsabilidade das mulheres do
coletivo – um grupo de aproximadamente 30 mulheres – na qual, cada uma fica
responsável por um tipo de alimento. Além de atividades de entretimento, o coletivo
também atua na busca por cursos de capacitação e políticas públicas para a
comunidade (item Organização comunitária).

8.3 Infraestrutura Social e Produtiva

8.3.1 Educação

A Comunidade Remanescente de Quilombo Saco/Curtume atualmente não


possui escola em seu território. No entanto, nos primeiros anos do assentamento, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) proporcionou aos assentados
o Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Dona Edileusa, esposa de Nego Bispo, chegou a
lecionar na sede da associação e conta que muitos estudantes da comunidade
desenvolveram a escrita nesse período através do ensino do EJA. Relembra também
que foi a partir dessa escola que surgiu a quadrilha e que se tornou tradicional no
Saco/Curtume (informação verbal31).

Atualmente, os alunos de Saco e Curtume têm que se deslocar até a sede do


município de São João do Piauí para estudarem. O deslocamento é feito em ônibus
escolar, custeado pela prefeitura, para educação infantil e fundamental, e pelo Estado,
para alunos do ensino médio e EJA. Para os alunos da creche e educação infantil, a
prefeitura contrata uma pessoa, residente do território Saco/Curtume, para observá-los
durante a viagem. No ano de 2020, por causa da pandemia da Covid-19, as aulas
foram suspensas e as atividades escolares passaram a ser impressas e entregue aos
pais nas unidades escolares para serem feitas em casa.

O presidente da associação Saco/Curtume, Sidney Gomes Ferreira, acredita


que no quesito educação, a comunidade não apresenta reclamações. Segundo ele,
não há como ter escola no próprio território por conta da proximidade para com a
cidade. A única ressalva que faz é relacionada à falta do ensino quilombola nas
escolas, assunto tratado somente na semana da consciência negra, anualmente em
novembro. Porém, destaca o esforço dos líderes comunitários, como o Nego Bispo,
em passar através da história oral, conversas coletivas da comunidade, as origens do
território e a luta quilombola para os mais jovens (informação verbal32).

31
Entrevista de Maria Edileusa de Oliveira Santos concedida ao ECQ, 19/01/2021.
32
Entrevista de Sidney Gomes Ferreira concedida ao ECQ, 23/01/2021.
De acordo com Sidney, que também é motorista do transporte escolar, existe
atualmente uma média de 80 alunos frequentando escolas na sede de São João do
Piauí, além dos estudantes que vão cursar o ensino técnico ou superior, após
conclusão do ensino médio.

A cidade de São João do Piauí dispõe de algumas instituições públicas e


privadas de ensino de nível técnico e superior. As principais são: o Instituto Federal do
Piauí, com cursos integrados em administração, agricultura, fruticultura, bacharelado
em administração, licenciatura em ciências biológicas, técnicos em administração,
agroecologia e fruticultura; o Centro Educacional Sul do Piauí (CESP): com cursos
técnicos em segurança do trabalho, técnico em enfermagem, superior em
administração e pedagogia; a Escola Agrícola Francisca Trindade: com técnico em
agricultura e a Escola Deputado Paes Landim Neto: com técnico em meio ambiente;
técnico em enfermagem; técnico em segurança do trabalho; técnico em nutrição e
técnico em saúde bucal. Além de cursos em EAD na Universidade Aberta do Brasil e
Universidade Estadual do Piauí, via plataforma Paulo Freire.

8.3.2 Saúde

O atendimento de saúde dos remanescentes quilombolas de Saco/Curtume é


feito na sede do município de São João do Piauí, nas Unidades Básicas de Saúde
(UBS), para consultas de rotina e problemas menos urgentes; e no Hospital Teresinha
Nunes de Barros para casos que requerem internações, trabalhos de parto etc. Para o
presidente da Associação do território, Sidney Gomes Ferreira, o acesso aos postos
de saúde e demais instituições da área pelos moradores da comunidade é facilitada
pela curta distância para a sede do município.

(...) hoje a comunidade em si, graças adeus, voltada em sistemas da


saúde (...) nós não temos essa carência, porque nós temos um poder
público que dá muita importância nessa questão da saúde, assim, a
gente enquanto comunidade, nós temos também uma vantagem, que
nós moramos a apenas 3 km da cidade, que não tem essa dificuldade
de se deslocar (...) (INFORMAÇÃO VERBAL33).

Para pacientes graves que estejam necessitando de atendimento imediato, é


acionada a ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) através
do telefone 192, que faz o atendimento médico ainda na comunidade e o
deslocamento desse paciente para o hospital da cidade. Alguns casos que requerem
atenção especializada, como acidentados com fratura ou similares, são encaminhados

33
Entrevista de Sidney Gomes Ferreira concedida ao ECQ, 23/01/2021.
para outras cidades, como São Raimundo Nonato, Floriano ou Teresina.

Para quilombolas que estão acamados, ou que sejam hipertensos e/ou


diabéticos, a agente de saúde Ana Paula de França faz a visita para monitoramento e
possíveis encaminhamentos para consultas médicas. Nesse período de pandemia, o
acompanhamento está sendo realizado via telefone. Além desse acompanhamento
pela agente de saúde, frequentemente são ministradas palestras, na sede da
associação, com temáticas ligadas ao câncer de mama, saúde do homem, nutrição,
saúde mental, entre outras.

Uma das queixas mais frequentes dos moradores, na área de assistência à


saúde, diz respeito ao atendimento odontológico. A demanda é grande e a quantidade
de fichas para atendimento, distribuídas pela secretaria de saúde do município, é
insuficiente, sendo de apenas duas vagas semanais, como expôs Ana Paula, agente
de saúde de Saco/Curtume:

(...) é pouca as vagas, a demanda é muita e eu fico num beco sem


saída, porque quem tem que dar as fichas sou eu e tem que dar
aquela quantidade, muitos não entende e fica achando que eu sou a
culpada, e não é eu. quando eu chego lá, a doutora, a dentista diz
que não pode atender mais porque já tem de outras áreas (...) é uma
dentista pra minha área e mais cinco áreas (...) (INFORMAÇÃO
VERBAL34).

Ela relata ainda, a problemática quando há mais pessoas necessitadas para


atendimentos de urgência. Muitas vezes a distribuição das fichas já aconteceu e casos
mais graves são acometidos, gerando transtornos para os que já estão na espera e os
que necessitam de atendimento imediato. Para Ana Paula, as cobranças de um
número maior de vagas são constantes, mas tal ação deve ser direcionada ao poder
público municipal, responsável pela oferta.

8.3.3 Saneamento Básico

As duas nucleações, Saco e Curtume, têm coleta de lixo uma vez na semana,
todas as quintas-feiras, geradas a partir das manifestações anteriormente realizadas
pelos moradores, porém, é frequentemente relatado que tal oferta coleta não é mais
suficiente para a demanda das comunidades e, muitas vezes, é preciso incinerar o lixo
no quintal para que não acumule.

Ainda sobre o lixo, a CRQ vem sofrendo problemas relacionados ao descarte


de lixo em local inapropriado, principalmente na nucleação Saco. De acordo com

34
Entrevista de Ana Paula de França ao ECQ, 18/01/2021.
relatos de moradores, pessoas de fora da comunidade vêm descartando esses
entulhos e lixos domésticos nas áreas próximas à localidade, não havendo, por parte
dos órgãos públicos, controle ou punição aos responsáveis, que dificilmente serão
identificados, pois o fluxo de carros que passam na PI-141 é intenso e complexo de se
monitorar.

Fig. 33: Lixo na reserva legal da CRQ Fig. 34: Trânsito de veículos na PI-141

Acervo da pesquisa, 2021.

As unidades habitacionais do CRQ Saco/Curtume são majoritariamente


construídas de alvenaria, com tijolos, telhas e cimento. Possuem banheiro com fossa
séptica e seguem um padrão de tamanho, principalmente as de Saco, pois são de
assentamento, construídas e regularizadas pelo INCRA. Entretanto, mesmo a maioria
das moradias de Saco/Curtume tendo fossa séptica, ainda é possível identificar
algumas com esgoto a céu aberto.

Fig. 35: Esgoto a céu aberto no Saco Fig. 36: Casa de Alvenaria no Curtume

Acervo da pesquisa, 2021.

Já as residências do Curtume, pelo fato das famílias se mudarem da margem


da estrada para a margem do rio, foram construídas de maneiras e com materiais
diversificados, não obedecendo ao mesmo padrão, porém apresentam boa
infraestrutura, com piso de cimento queimado ou cerâmica, a grande maioria com
banheiro e vaso sanitário.

Com relação ao abastecimento de água, já discutido nos tópicos específicos de


cada núcleo populacional, podemos constatar que para consumo e atividades
domésticas advêm de poços artesianos, sendo distribuída das caixas d’água através
de encanação para as residências, não havendo nenhum tipo de tratamento no centro
de distribuição, mas que, de acordo com os moradores, apresentam boa qualidade. Já
os animais, criados soltos no território, saciam a sede no rio, represa e nas lagoas.

Fig. 37: Caixa d’água de Curtume Fig. 38. Trecho do Rio Piauí em Saco/Curtume

Acervo da pesquisa, 2021.

Em geral, os transportes usados pelos moradores de Saco são próprios, é


possível perceber que muitos já possuem motocicleta ou carro e, em geral, fazem
deslocamentos em busca de atendimento médico, compra de alimentos ou para
resolver pendências bancárias na cidade de São João do Piauí em seus próprios
veículos. Ainda assim também apontamos o uso de transportes coletivos do tipo “pau-
de-arara” circulando pelo território.

8.3.4 Outras Infraestruturas

Todas as casas de Caco/Curtume possuem energia elétrica, tarifa individual


com desconto através do subsídio do governo federal por se tratar de Comunidade
Remanescentes Quilombolas. Somente a tarifa da energia, gasta para o
bombeamento da água dos poços artesianos, é fracionada pelo total de famílias da
comunidade, e que, em geral, permanece em torno de R$ 10,00. Porém, existe um
sistema de placas solares pronto para utilização no fornecimento de energia dos poços
artesianos que abastecem as comunidades, mas que ainda não estão em
funcionamento.

Esse sistema de energia foi uma compensação de empreendimento de energia


fotovoltaica, presente no território e apesar de estar disponível, não funciona, pois de
acordo com o presidente da associação do território quilombola Saco/Curtume, Sidney
Gomes Ferreira (informação verbal35), a associação está com um problema, que
perdura há mais de um ano, com o técnico contratado para emitir o relatório de
homologação do sistema a ser encaminhado à concessionária de energia elétrica no
município.

Dada a proximidade com a sede do município, não há cemitérios dentro da


CRQ Saco/Curtume. Geralmente, as práticas de enterramento dos moradores das
comunidades acontecem no cemitério principal da cidade, ou ainda, caso o falecido ou
falecida pertençam à uma comunidade rural – geralmente no Riacho dos Negros –,
estes são sepultados nos cemitérios destes locais.

Fig. 39: Kit de placas solares em Curtume Fig. 40: Kit de placas solares em Saco

Acervo da pesquisa, 2021.

A CQR Saco/Curtume dispõe de sinal de celular, possibilitando o uso de


internet pelos dados móveis das operadoras e algumas casas, por estarem próximas à
área urbana, têm internet via Wi-Fi, contratadas de empresas da cidade de São João
do Piauí.

8.3.5 Produção

As principais atividades produtivas na CRQ são agricultura familiar, criação de


ovinos, caprinos, suínos, bovinos e aves. Por estar em área de solos mais férteis,
planos e influenciados pelo leito do rio Piauí, o agricultor do Curtume tem mais
vantagens na produção agrícola que os da Comunidade Saco, que enfrentam a
declividade do relevo e solo pedregoso.

Além da agricultura de sequeiro, muitos agricultores possuem roças com kits


de irrigação com a água de poços e do próprio rio Piauí, quer margeia a comunidade.
Os principais cultivos nas áreas agricultáveis são: milho, mandioca, banana, feijão,
35
Entrevista de Sidney Gomes Ferreira concedida ao ECQ, 19/01/2021.
abóbora e melancia.

Boa parte da produção agrícola é voltada para a subsistência da família e


alimentação dos animais nos períodos de estiagem. Porém, o cultivo por irrigação, tem
produzido um volume significante de excedente, que é vendido pelos produtores
através do programa CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) e o Compra
Direta da Agricultura Familiar (CDAF).

Além disso, há ainda a comercialização de produtos como abóbora, tapioca,


farinha, mel de abelha, artigos artesanais, dentre outros no Mercado Municipal Luiz
Gonzaga de Carvalho, em São João do Piauí.

Fig. 41: Plantação de milho em Curtume Fig. 42: Mercado Municipal

Acervo da pesquisa, 2021.

A Compra Direta da Agricultura Familiar (CDAF) é um instrumento do


Programa da Aquisição de Alimentos (PAA) do Governo Federal, que tem por
finalidade garantir, com base nos preços de referência, a compra de produtos
agropecuários dos participantes agricultores enquadrados no Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e aqueles povos e comunidades
tradicionais, como é o caso da CRQ Saco/Curtume.

A pecuária na comunidade é voltada também para o consumo ou


comercialização dentro do próprio território e comunidades vizinhas. Os caprinos e
ovinos são criados soltos, se alimentando na caatinga durante o dia, e a noite retorna
para dormir nos chiqueiros (um espaço cercado de arame e madeira). As galinhas são
presas nos quintais que rodeiam as residências. Os porcos também ficam soltos e
sempre na área de “terreiro”, espaço livre, aberto localizado na frente das casas. Além
de se alimentarem da vegetação da caatinga, os animais precisam de ração nos
meses de estiagem.

Os benefícios sociais do Governo Federal também são de grande relevância na


composição da renda das famílias de Saco/Curtume, como o Bolsa Família e Seguro
Safra. Assim como a aposentadoria rural dos idosos. Poucos trabalham fora da
comunidade, não havendo na CRQ Saco/Curtume relatos corriqueiros de êxodo rural.

8.3.6 Organização Comunitária

Na CRQ Saco/Curtume, o principal mecanismo de organização coletiva se dá


através da denominada “Associação de Desenvolvimento Comunitário Rural do
Assentamento Saco do Curtume”, que responde pelas duas comunidades inseridas
nesse território.

Sobre a origem e formação, o presidente, Sidney Gomes Ferreira comenta:

A Associação Saco/Curtume, ela surgiu em 96 de acordo com a


necessidade da comunidade. A Comunidade achou que, reunidos
enquanto associação, as coisas facilitavam mais. Você poderia ter
mais acesso ao poder público, jurídico... Então, assim, a comunidade
se reuniu, fez todo o processo administrativo e daí se criou a
Associação de Desenvolvimento Comunitário Rural do Assentamento
Saco do Curtume (INFORMAÇÃO ORAL36).

Popularmente conhecido como Ney, o presidente conta que logo no início de


formação da Associação, eles não tinham nenhum espaço apropriado para a
organização de reuniões e assembleias, elas eram realizadas “debaixo dos pé de
juazeiro” ou ainda “debaixo de um pé de algaroba”, sem contar com reuniões nas
casas dos vizinhos (informação oral37). Paulatinamente, começaram a se organizar
melhor e hoje possuem duas sedes, uma para cada comunidade, conquistadas a partir
das demandas locais junto aos empreendimentos que se estabeleceram no município.

As principais lideranças que fazem parte da Associação e são responsáveis


pela organização e mobilização do movimento são, além do próprio presidente
Sidney Gomes, pontua ainda Nego Bispo, uma das grandes referências, inclusive a
nível estadual, por ser representante também da Coordenação Estadual das
Comunidades Quilombolas; o Sr. Raimundo Canela, considerado uma das grandes
referências e vivências históricas do território, presente desde o início de ocupação e
conhecedor das formas de vivências quilombolas locais; e a agente de saúde Ana
Paula, partícipe desde o início de formação e também moradora de Curtume.

O processo de organização interna se dá bianualmente, através de reuniões


extraordinárias em que a comunidade aponta os nomes possíveis para concorrer à
diretoria da Associação, geralmente chapa única, mas já houve momentos com até
três candidatos. No estatuto, estabelece-se que na eleição de qualquer pauta votada
36
Entrevista de Sidney Gomes Ferreira, concedida ao ECQ em 23/01/2021.
37
Idem.
se dá a partir do cálculo de maioria 50% mais 1.

Ainda com relação à organização comunitária, pontuamos o grupo de


mulheres que formaram o Coletivo de Mulheres Quilombolas (CMQ), criado
para a realização de atividades culturais e recreativas, além da mobilização de
políticas públicas para o território.38

Sem dúvidas, não podemos deixar de pontuar a mobilização e


organização comunitária dos grupos de futebol do Território, que são
responsáveis pela geração de entretenimento loca, qualidade de vida e saúde,
acesso ao esporte e empoderamento feminino através da consolidação de um
time feminino local, que também tem revela talentos a nível regional 39.

8.4 Recursos Ambientais Naturais

O Território das comunidades Barra II estende-se por uma margem da estrada


rural xx, em glebas da União e do Estado da Bahia, sendo o território quilombola mais
próximo a zona urbana do município de Morro do Chapéu. O desenvolvimento dessas
comunidades está pautado no equilíbrio e convívio entre a população, meio ambiente
e agroecologia. A interação homem/natureza/agricultura é de extrema importância
para a preservação e continuidade da existência da vida biótica dessa área, sendo
notável a necessidade de ações humanas conscientes na construção de uma
comunidade sustentável.

No território abrangido pelas comunidades, existem diversas Áreas de Proteção


Permanente (APP’s), das quais têm-se nascentes, rio, faixa de passagem de
inundação (baixões) e áreas de relevo ondulados (BRASIL, 2012). Algumas dessas

38
Vide item aspectos Históricos, Culturais e Religiosos.
39
Vide item aspectos Históricos, Culturais e Religiosos.
APP’s estão situadas na área de abrangência da Bacia Hidrográfica do Rio Piauí, o
que exige um levantamento detalhado das condições atuais dessas áreas.

Após a avaliação realizada nesses locais, observou-se que o Rio Piauí se


encontra em estado crítico de preservação, uma vez que segundo o Código Florestal
Brasileiro, os cursos d’água com largura de 10 m a 50 m, devem possuir faixa marginal
de 50 m (BRASIL, 2012). Entretanto, na APP avaliada, a faixa marginal não
correspondia a indicada anteriormente.

Fig. 43: Área de Proteção Permanente (Rio Piauí) encontrada próxima a comunidade Barra II.

Acervo de pesquisa, 2021.


Sendo assim, observa-se a importância da vegetação para a manutenção e
preservação dessas APP’s, uma vez que as plantas proporcionam diminuição da
erosão, e consequentemente impedem o assoreamento dessas áreas, assim como
auxiliam na infiltração da água no solo, favorecendo a manutenção dos mananciais
subterrâneos e fluviais (MEDEIROS et al., 2015).

8.4.1 Paisagem Física

8.4.1.1 Baixões

Os Baixões abrangem as áreas baixas desse conjunto de relevo da


comunidade Barra II e têm por principal característica situarem-se no envolto dos
córregos, trincheiras e do rio. Dessa forma, os Baixões do território de Barra II
constituem-se das principais áreas úmidas da região, tornando-se as terras mais
adequadas para a atividade agrícola, além de um vasto ecossistema e área de
vegetação preservada.
Sendo assim, Aguiar e Gomes (2004) descrevem que:
A formação geológica desses locais é originária de rochas
sedimentares da Bacia do Parnaíba, representadas pelo Grupo Serra
Grande (arenitos e conglomerados) e formações Pimenteiras
(folhelhos e siltitos) e Cabeças (arenitos e conglomerados), além dos
Depósitos Colúvio-Eluviais (areias, argilas e lateritos). As rochas do
embasamento cristalino afloram, apenas, numa pequena área
localizada no sul do município e são representadas por filitos da
Unidade Barra Bonita.

Figs. 44 e 45: Baixão em área de APP da comunidade Saco, próximo a PI 141.


Acervo de pesquisa, 2021.

Baixões com produção agrícola perto do Baixões com produção agrícola perto do Rio
Rio de Barra II. Acervo técnico 2023. de Barra II.Acervo técnico 2023.

A exploração dos recursos naturais pelas pessoas do território de Barra II


ocorrer sempre e necessariamente de forma sustentável, e é inegável e evidente a
dependência direta que essa comunidade possui em relação aos recursos naturais e a
relação com meio ambiente para onde onde vivem. Tal dependência decorre da
importância desses recursos para fornecimento diário de alimento e renda, da escala
reduzida de exploração, acarretando baixa mobilidade dessas comunidades e da
continuidade no tempo das atividades, que geralmente têm sido realizadas por
dezenas de anos em um mesmo local.

Em virtude de tal dependência e das várias ações exercidas por moradores


dessas comunidades que podem alterar o ambiente, comunidades tradicionais
(incluindo-se Barra II) interagindo com o ambiente têm sido denominados como
sistemas socioecológico, por exemplo a utilização desses baixões para atividade
groecológica.
8.4.1.2 Morros

Nas áreas próximas à comunidade Barra II , o relevo é irregular podendo ser


observadas formações elevad diferentes, que são denominados morros. Segundo a
Resolução CONAMA 303/2002, define-se morro como: “elevação do terreno com cota
do topo em relação à base entre cinquenta e trezentos metros e encostas com
declividade superior a trinta por cento (aproximadamente dezessete graus) na linha de
maior declividade” (CONAMA, 2002, Art. 2º). Andrade-Lima (1981) e Lima (2002)
dizem que, “nos morros ocorre maior precipitação, devido às chuvas de convecção
forçada, que causam as chamadas chuvas de montanha”.

Fig. 46: Morro próximo a comunidade Saco, paralelo a estrada de acesso a Lagoa Doce.

Acervo de pesquisa, 2021

8.4.2 Fauna e Flora

8.4.2.1 Flora

A vegetação presente na área do estudo pertence ao bioma Caatinga, o qual


se estende pelos estados do Piauí, Ceará, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte,
Paraíba, Alagoas, Sergipe e Minas Gerais (PRADO, 2003). Este bioma é característico
de plantas xerófitas, as quais são adaptadas a baixa pluviosidade de 500 mm a 1000
mm e grande estiagem, aspecto peculiar do clima semiárido, o que acarretou em
modificações das estruturas dessas plantas, como formação de folhas modificadas
(espinhos), assim como a queda natural das folhas, além da formação de um tipo de
cera na superfície da folha denominada cutícula, que também é um fator importante
que permitem uma menor perda de água para o ambiente possibilitando assim a
sobrevivência dessas espécies nessa região. Dentre essas destacam-se o facheiro
(Pilosocereus pachycladus), a coroa-de-frade (Melocactus Zehntneri), o xique-xique
(Pilosocereus polygonus) e o mandacaru (Cereus jamacaru), sendo o último um dos
símbolos desse bioma (SANTOS, 2021).

Ainda segundo Santos (2021), as plantas presentes no bioma Caatinga estão


divididas nos estratos, herbáceos, arbustivos e arbóreos. A exemplo de espécies
herbáceas tem-se a macambira (Bromelia laciniosa), caroá (Neoglasiovia variegata), e
etc., enquanto as arbustivas têm-se o feijão bravo (Cynophalla flexuosa (L.) J. Presl),
marmeleiro (Croton sonderianus Müll. Arg.), jatobá-de-porco (Hymenaea courbari lL.),
bananinha (Annona leptopetala), dentre outras (ROCHA et al., 2017).

Fig. 47: Vegetação presente na Localidade Saco.

Acervo de pesquisa, 2021.

Em relação as espécies arbóreas, podem ser citadas a carnaúba (Copernicia


prunifera (Mill.) H.E. Moore), pau-d’arco (Tabebuia sp.), aroeira (Myracrodruon
urundeuva Allemão), catingueira (Poincianella bracteosa (Tul.) L. P. Queiroz),
umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda), imburana de cheiro (Amburana cearensis
(Allemão.) A.C. Sm.), cajueiro (Anacardium occidentale L), dentre outras (ROCHA et
al., 2017).
Fig. 48: Carnaubeira (Copernicia prunifera). Fig. 49: Umbuzeiro (Spondias tuberosa

Arruda)
Acervo de pesquisa, 2021.

8.4.2.2 Fauna

A Caatinga é o único bioma restrito ao território brasileiro que possui uma rica
diversidade de animais adaptados às suas condições climáticas, o que confere um
elevado número de espécies que ocorrem exclusivamente nessa região.

O território possui uma vasta variação de espécies de anfíbios característicos


das comunidades, sendo que nenhuma delas está listada como ameaçada de
extinção. Exemplos de espécies: sapo-cururu (Rhinella jimi), o sapo-cururuzinho
(Rhinella granulosa), o sapinho (Proceratophrys cristiceps), as rãs (Leptodactylus
macrosternum e Leptodactylus troglodytes).

Fig.50: Sapo cururu, encontrando na região.


Acervo de pesquisa, 2021.

A área Quilombola apresenta vasta representatividade de espécies de répteis,


sendo lagartos, serpentes e quelônios, na qual esses répteis apresentaram um
elevado grau de endemismo. Entre as espécies de répteis endêmicos que podem ser
encontradas na região, tem-se o lagartinho (Lygodactylus klugei), teiú
(Tupinambis merianae), o lagarto-verde (Ameivula ocellifera), camaleão (Chamaeleo
chamaeleon), o calango (Tropidurus semitaeniatus), a jararaca (Bothrops
erythromelas), o lagarto-de-rabo-vermelho (Vanzosaura multiscutata).

Na vertente de espécies de aves, entre as quais destacam-se bacurauzinho-


da-caatinga (Nyctidromus hirundinaceus), picapauzinho-pintado (Picumnus
pygmaeus),periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum), chorozinho-da-caatinga
(Herpsilochmus sellowi), casaca-de-couro (Pseudoseisura cristata), Cancão
(Cyanocorax cyanopogon), corrupião (Icterus jamacaii), cabeça-vermelho (Paroaria
dominicana) e Anum (Synallaxis hellmayri). Algumas espécies migrantes sempre são
registradas nas comunidades, entre elas papa-lagarta (Coccyzus melacoryphus) e a
pomba-de-bando (Zenaida auriculata), contudo os morcegos, juntamente com as aves,
são os representantes da fauna que mais sofrem impactos na região.

Fig. 51: Anum, pássaro bastante encontrado no território.

Acervo de pesquisa, 2021.


8.4.3 Recursos Hídricos

8.4.3.1 Comunidade Barra II

4.5. Recursos Hídricos 4.5.1. Águas Superficiais O Município de Morro do Chapéu possui
drenagens que pertencem a três grandes bacias hidrográficas. A oeste, as drenagens fluem
para a bacia do rio São Francisco (sub-bacia do rio Jacaré), ao norte as drenagens estão
inseridas na bacia do rio Salitre e a sul e leste drenam as águas para a bacia do rio Paraguaçu.
Dentre as drenagens que cortam o município, destacam-se: o rio Jacaré, o rio Salitre e o rio
Jacuípe (CEI, 1994f). O rio Jacaré é uma drenagem intermitente que flui para nordeste e faz o
limite municipal oeste com América Dourada, João Dourado e São Gabriel. O rio Salitre ocorre
ao norte da área municipal, sendo que suas nascentes estão ao norte da cidade de Morro do
Chapéu. Trata-se de uma drenagem intermitente com direção de fluxo para norte. O rio
Jacuípe flui na direção leste e ocorre no extremo leste da área municipal. Apresenta caráter
intermitente, em grande parte do trecho em que corre no Município de Morro do Chapéu,
adquirindo perenidade nas proximidades da divisa com o Município de Piritiba. 4.5.2. Águas
Subterrâneas No Município de Morro do Chapéu, podem-se distinguir cinco domínios
hidrogeológicos: formações superficiais Cenozóicas, carbonatos/metacarbonatos, grupo
Chapada Diamantina/Estancia/Juá, metassedimentos/metavulcanitos e cristalino (Figuras 4 e
5). As formações superficiais Cenozóicas, são constituídas por pacotes de rochas sedimentares
de naturezas diversas, que recobrem as rochas mais antigas. Em termos hidrogeológicos, têm
um comportamento de “aqüífero granular”, caracterizado por possuir uma porosidade
primária, e nos terrenos arenosos uma elevada permeabilidade, o que lhe confere, no geral,
excelentes condições de armazenamento e fornecimento d’água. Na área do município, este
domínio está representado por depósitos relacionados temporalmente ao Quaternário
(coberturas residuais) e Terciário-Quaternário (coberturas detrito-lateriticas). A depender da
espessura e da razão areia/argila dessas unidades, podem ser produzidas vazões significativas
nos poços tubulares perfurados, sendo, contudo, bastante comum, que os poços localizados
neste domínio, captem água dos aqüíferos subjacentes. Os carbonatos/metacarbonatos
constituem um sistema aqüífero desenvolvido em terrenos com predominância de rochas
calcárias, calcárias magnesianas e dolomiticas, que têm como característica principal, a
constante presença de formas de dissolução cárstica (dissolução química de rochas calcárias),
formando cavernas, sumidouros, dolinas e outras feições erosivas típicas desses tipos de
rochas. Fraturas e outras superfícies de descontinuidade, alargadas por processos de
dissolução pela água propiciam ao sistema porosidade e permeabilidade secundária, que
permitem acumulação de água em volumes consideráveis. Infelizmente, essa condição de
reservatório hídrico subterrâneo, não se dá de maneira homogênea ao longo de toda a área de
ocorrência. Ao contrário, são feições localizadas, o que confere elevada heterogeneidade e
anisotropia ao sistema aqüífero. A água, no geral, é do tipo carbonatada, com dureza bastante
elevada. O domínio hidrogeológico denominado grupo Chapada Diamantina/Estancia/Juá,
envolve litologias essencialmente arenosas com pelitos e carbonatos subordinados, e que tem
como características gerais uma litificação acentuada, forte compactação e intenso
fraturamento, que lhe confere além do comportamento de aqüífero granular com porosidade
primária baixa, um comportamento fissural acentuado (porosidade secundária de fendas e
fraturas), motivo pelo qual prefere-se enquadra-lo com mais propriedade como aqüífero do
tipo fissural e “misto”, com baixo a médio potencial hidrogeológico. Os
metassedimentos/metavulcanitos e cristalino têm comportamento de “aqüífero fissural”.
Como basicamente não existe uma porosidade primária nestes tipos de rochas, a ocorrência
de água subterrânea é condicionada por uma porosidade secundária representada por fraturas
e fendas, o que se traduz por reservatórios aleatórios, descontínuos e de pequena extensão.
Dentro deste contexto, em geral, as vazões produzidas por poços são pequenas e a água, em
função da falta de circulação, dos efeitos do clima semi-árido e do tipo de rocha, é na maior
parte das vezes salinizada. Essas condições definem um potencial hidrogeológico baixo para as
rochas, sem, no entanto, diminuir sua importância como alternativa no abastecimento nos
casos de pequenas comunidades, ou como reserva estratégica em períodos de prolongadas
estiagens
Há alguns anos atras havia uma política de construção de barreiros no território
de Barra II onde tem-se baseado no conceito de que, desde que a ausência de água
era por definição um problema de falta de água, a situação deveria ser resolvida com a
acumulação de água em grandes quantidades, o que tem sido chamado de "solução
hidráulica". É de chamar a atenção o fato de que, até bem pouco tempo, a grande
maioria dos barreiros ou trincheiras tem sido escassamente usada, porque não se
pensam mais seriamente de que maneira essa água chegaria a todos os usuários da
comunidade. Argumenta-se, nesta região de Barra II, que um dos aspectos
negligenciados pelos planejadores físicos tem sido a natureza disseminada da
demanda de água que torna inconveniente a concentração da oferta em um limitado
número de grandes poços particulares ou apoio público para com as famílias da
comunidade.

A Lagoa Doce, como mostra a figura abaixo, tem origem natural e está situada
em depressões de rochas impermeáveis na comunidade Barra II, produzidas por
causas diversas e sem conexão com o Rio Piauí. Essas águas são provenientes da
chuva, de uma nascente local de cursos de água chamada Lagoa Grande essa no
período de cheia desagua na lagoa doce. Contudo antes dessa água chegar a
comunidade Barra II , proprietários privados fizeram barreiras para que as águas da
mesma assim interferindo no fornecimento de água das mesmas na comunidade e nas
lavouras próximas, assim havendo um pequeno barramento.

Fig. 52 e 53. Lagoa Doce que abrange a comunidade Saco.

Acervo de pesquisa, 2021.

A localidade Barra II possui um tanque chamado popularmente de “Tanque do


Baixão” localizado estrategicamente próximo a produção agrícola da família XXX logo
atrás das principais residências da comunidade. Este tanque foi construído com intuito
de dar água aos animais silvestres e domésticos, banho de pessoas e prevenção de
combate à seca na região.

Fig. 54: Tanque da Comunidade Saco

Acervo de pesquisa ,2021.

A comunidade saco está inserida numa das áreas de menor precipitação do


semiárido nordestino, conhecida como “polígono da seca”. A área de estudo se insere
na sub-bacia do rio Canindé na região hidrográfica do Parnaíba” (AGUIAR; GOMES,
2004). Contudo possui um lençol freático fértil, a comunidade é abastecida por um
poço artesiano que fica localizado na região central da área da sede da comunidade
Curtume, a qual tem uma boa elevação 239 m, com coordenadas 0798824° 9077769°,
próximo a PI-141.

Fig. 55: Principal poço da comunidade Curtume.

Acervo de pesquisa, 2021


8.4.3.2 Comunidade Barra II

A Comunidade Barra II tem sua economia concentrada na agricultura familiar,


avicultura e mais recentemente, no comércio, sendo assim uma das comunidades que
tem sua importância no município. Para seu abastecimento d’água, possui dois
principais poços de profundidade entre 100 e 150 metros, com amplo abastecimento,
um localizado próximo à casa de farinha e outro próximo ao leito do Rio Piauí.

Segundo a Associação Caatinga (2021):


A maioria dos rios na Caatinga é intermitente, ou seja, correm apenas
durante o período das chuvas, ficando sem água corrente durante a
estação seca. Os rios perenes, aqueles que permanecem com água
corrente o ano todo, são menos frequentes. Um rio perene de grande
porte e bastante conhecido é o rio São Francisco. Na formação dos
rios, as nuvens de chuvas vindas do litoral são barradas pelas serras
e as chapadas mais altas, onde a água da chuva se infiltra e escoa,
originando nascentes de encosta e pés de serra úmidos.

Esta área de limite do território quilombola é caracterizada pelo o encontro de


três formações agroambientais como córregos, tanques e leito do Rio que passa
dentro da comunidade, cada uma delas com propriedades que influem no acesso e
disponibilidade das reservas hídricas subterrâneas, impactando diretamente na
quantidade de poço e vazão de cada localidade.

Figs. 56 e 57: Poços artesianos localizados na sede da comunidade (A) e próximo ao Rio Piauí.

Acervo de pesquisa, 2021.

As principais atividades econômicas e de subsistência (produção de alimento)


da comunidade, consistem principalmente na pesca artesanal, agricultura de pequena
escala, complementadas por criação de animais. Essas na qual sofre influência nas
proximidades do Rio.
A pesca na comunidade Curtume é bastante difundida em ambas as culturas,
ocorrendo geralmente de forma mais artesanal, ou seja, não utilizam barcos por conta
do baixo nível da água, utilizam algumas técnicas a beira do rio como as técnicas de
pesca bastante diversificadas, incluindo redes de pesca de vários tipos (espera,
arrasto, dentre outras), anzol e linha, espinhel (vários anzóis atados a uma corda),
tarrafas e armadilhas diversas, utilizadas para capturar várias espécies de peixes.

Apesar da variedade de petrechos utilizados, as redes de pesca,


principalmente as redes de espera confeccionadas com material sintético (nylon), têm
sido muito utilizadas por pescadores do Território e ribeirinhos.

Segundo Campos (2019):

A popularização dessas técnicas possivelmente se deve a seu maior


rendimento em relação ao esforço de pesca na comunidade, pois a
rede pode ser mantida na água por várias horas, sem a presença do
pescador, que pode se dedicar a outras atividades (ou mesmo utilizar
simultaneamente outras artes de pesca).

Apesar de sua pequena escala, a pesca artesanal na comunidade Saco não é


impactante, e ainda vale ressaltar que a pesca comercial quase não existe na
comunidade. A pesca que ocorre na área é apenas para fornecer alimento para
consumo interno e não para comercialização, sabendo assim os ribeirinhos
quilombolas a importância do leito do Rio próximo a comunidade.

Fig. 58. Leito do Rio Piauí que passa dentro da comunidade.

Acervo de pesquisa ,2021.


Fig. 59: Leito do Rio Piauí que passa dentro da comunidade.

Acervo de pesquisa, 2021.

8.5 Avaliação de Impactos Socioambientais

Entende-se por Avaliação de Impactos Ambientais um conjunto de


metodologias, procedimentos ou ferramentas empregadas por agentes públicos e
privados na área de planejamento e gestão ambiental, utilizado para descrever os
impactos ambientais que podem advir de um determinado empreendimento a ser
implantado, de modo a identificar, prevenir, medir e interpretar tais impactos,
fornecendo subsídios para o processo de tomada de decisão. (SÁNCHEZ, 2013;
COSTA et al., 2005).

Nos Estudos do Componente Quilombola, a avaliação de impactos busca


compreender a dinâmica socioambiental das comunidades quilombolas em relação
aos processos de desenvolvimento econômico e suas influências sob os territórios
tradicionalmente ocupados, ante a instalação de empreendimentos na região. Nesse
sentido, os impactos socioambientais da CRQ Saco/Curtume aqui descritos foram
identificados a partir do trabalho de campo deste ECQ e realização de oficina
participativa, que tinha por intuito apreender os impactos gerados pelo
empreendimento sob a perspectiva dos afetados.

Pautado sob procedimentos metodológicos participativos, identificou-se que os


impactos socioambientais, apontados pelos (as) quilombolas, incidem em dimensões
social, ambiental, econômica e cultural. Além disso, foi possível construir
conjuntamente com as comunidades a noção de impactos do empreendimento e as
medidas de mitigação e compensação a ele associados. Os impactos foram
dimensionados nos seguintes aspectos: territorial, qualidade de vida, sociocultural,
ambiental e econômico. Estes aspectos demostram como a Comunidade
Remanescente de Quilombo percebem o impacto, levando em consideração as
experiências com empreendimentos anteriores.

Nas fases de planejamento, implantação e operação, estão previstas


alterações nos componentes dos sistemas naturais e sociais das áreas de influência
do empreendimento, que provocarão tanto impactos positivos quanto negativos. A
análise realizada sugere que, com o empreendimento, haverá aspectos positivos para
a região, tais como cita Campos (2019):

- A geração de empregos deverá resultar no aumento da oferta de


emprego e renda, aumento da qualificação da mão-de-obra,
dinamização da economia local.
- A sinalização das vias de acesso possibilitará a diminuição do risco
de acidentes com terceiros e de atropelamento da fauna silvestre.
- A restauração ecológica em áreas antropizadas promoverá o
aumento da cobertura vegetal, a redução da exposição do solo, a
redução dos processos erosivos, o aumento da diversidade florestal e
o reestabelecimento da fauna local.
- A intensificação na circulação de veículos e pessoas poderá causar
o aumento do risco de atropelamento da fauna, do afugentamento da
fauna silvestre, do risco de acidentes com terceiros, do risco de
transmissão de doenças, do risco de acidentes com animais
peçonhentos, dos níveis de poluição atmosférica, dos níveis de
ruídos, do risco de doenças e da geração de resíduos sólidos.
- O uso de máquinas promoverá o aumento do risco de poluição do
solo e dos corpos hídricos por vazamento de óleo, além do aumento
dos níveis de ruídos.
- A abertura de picadas/ acessos tem o potencial de causar a redução
da cobertura vegetal, a perda de micro-habitat e afugentamento da
fauna silvestre, aumento do risco de mortandade da fauna, de
acidentes das pessoas com animais silvestres, a alteração das
propriedades do solo e instalação de processos erosivos.
- A geração e procura de empregos poderá causar sobrecarga na
demanda por serviços de saúde e na demanda de saneamento.
- A supressão vegetal causa a redução da cobertura vegetal, a perda
de micro-habitat e o afugentamento da fauna silvestre, o aumento do
risco de acidentes das pessoas com animais silvestres, a instalação
de processos erosivos e a alteração das propriedades do solo.
- A possível exposição do solo poderá provocar a alteração da
topografia local, a instalação de processos erosivos e a alteração das
propriedades físicas e químicas do solo.
- A adoção das medidas a serem estabelecidas nos condicionantes
do licenciamento ambiental e a execução das recomendações
estabelecidas neste relatório para mitigação e controle dos impactos
ambientais adversos prognosticados contribuíram para atestar a
viabilidade socioambiental do empreendimento recomendando que o
projeto executivo seja elaborado e submetido ao processo de
licenciamento ambiental.
Todavia, ressalta-se a importância desses empreendimentos, uma vez que são
implantados de acordo a legislação vigente, apesar das interferências em termos da
qualidade ambiental, buscam promover o reequilíbrio da área impactada, pois são
adotados programas ambientais que favoreçam esse fim (CAMPOS, 2019).

Os impactos aqui apresentados são resultados de discussões realizadas nas


oficinas participativas, onde os participantes identificaram os impactos e descreveram
como estes advêm sob seus territórios. O mesmo será apresentado posteriormente,
detalhando cada impacto por eles apontados, bem como seus aspectos, categorias e
magnitudes. A matriz de impacto, resultado da avaliação dos impactos do
empreendimento identificados pela comunidade, será apresentado ao final do texto.

8.5.1 Identificação e Descrição dos Impactos Socioambientais

Em relação aos impactos socioambientais advindos do empreendimento, os


moradores e moradoras da Comunidade Saco/Curtume relatam principalmente a
questão do aumento da circulação de veículos e máquinas nas estradas que ligam
dão acesso a outras comunidades. Diante do exposto, elencaram uma série de
impactos que estão relacionados ao tráfego intenso na comunidade: erosões nas
estradas; alteração a qualidade do ar devido a poeira produzida que,
consequentemente, provoca problemas respiratórios; danificação no acesso da
passagem molhada; riscos de acidentes provocados por imprudência dos motoristas e
alta velocidade, podendo afetar a circulação livre de crianças em áreas de lazer e
práticas de atividades físicas ao ar livre (caminhada) , bem como risco de acidentes e
morte da fauna – doméstico, de criação ou silvestre; ausência de sinalização nas
vias e poluição sonora. Vale ressaltar que tais impactos, embora indicados
separadamente, eles se relacionam e implicam em todos os aspectos – territorial,
qualidade de vida, sociocultural, ambiental e econômico.

No que diz respeito a implantação do próprio empreendimento, o mesmo


também é visto pela comunidade como algo positivo, especificamente sobre a
geração de emprego. Apontam ainda a melhoria da qualificação profissional dos
trabalhadores locais, para que seja oportunizada e valorizada a mão de obra local
capacitada, tendo em vista que a não contratação desses agentes se dá pela falta de
formação e aptidão para determinados cargos - inadequação entre postos de
trabalho e qualificação -, mesmo quando há interesse de contratar pessoas da
comunidade, causando frustração de expectativas de empregos quando estes não
são atendidos.
Problemas de comunicação também foram apresentados pela comunidade
como impacto, a qual a falta de acesso à internet tem sido vista como um entrave no
contato com negociações de licenciamento ambiental. Consequentemente, a ausência
da internet interferiu na participação do INCRA nas reuniões informativas, onde a
mesma seria feita remotamente, o que levantou a problemática da participação do
INCRA nas negociações, pois, segundo os (as) quilombolas, a ausência do INCRA
nas questões ligadas ao território tem gerado dificuldades administrativas às
comunidades. Tal problemática foi colocada por lideranças e demais moradores ao
longo de todos as etapas do estudo (reuniões, oficinas e entrevistas) o que enfatiza a
importância do INCRA nas pautas que envolvem a participação dos quilombolas.

Quanto aos impactos no âmbito sociocultural, foram mencionados o apoio à


cultura local e a expectativa de criação de espaços culturais que fomente as práticas
culturais da comunidade, sendo algo visto pelos moradores de forma positiva.
Contudo, foi apontado como algo negativo a atração de “pessoas de fora” pois,
segundo os moradores e moradoras de Saco/Curtume, a chegada de trabalhadores e
pesquisadores “de fora” interfere no cotidiano e no modo de vida da comunidade,
apontando práticas de assédio moral, assédio sexual e assédio intelectual em
experiências de empreendimentos passados. Além disso, expuseram também a
vulnerabilidade dos habitantes às doenças, visto que a entrada de pessoas alóctones
nas comunidades acarreta o aumento no índice de doenças, como DSTs e covid-19
– levando em consideração a pandemia vivenciada atualmente.

Sobre os impactos ambientais, foram elencadas atividades que incidem nos


recursos hídricos, fauna e caatinga. De acordo com os impactos apresentados pela
comunidade na oficina de diagnóstico participativo, o desmatamento da área de
implantação do empreendimento ocasiona a perda de áreas de pastagens de animais
de criação, tendo em vista que estes são criados soltos na caatinga, bem como o
afugentamento da fauna – tanto de animais de criação, quanto de animais silvestres.
Outra questão levantada foi o assoreamento de recursos hídricos, em especial o
assoreamento do Rio Piauí, bem como a atividade de dragagem, mencionada pela
comunidade como principal causador desse assoreamento.

Durante os diálogos com a comunidade, a questão das melhorias na


infraestrutura foi bastante enfatizada, principalmente no que diz respeito a proposição
de melhorias nas vias que dão acesso às comunidades e passagem molhada,
reformas e construções de espaços de lazer. Segundo os residentes de
Saco/Curtume, os impactos positivos nesses aspectos visam a melhoria da qualidade
de vida do(as) quilombolas. Todavia, eles relatam a ineficiência das atividades
mitigatórias e compensatórias de empreendimentos anteriores, alegando que as
ações estabelecidas por essas empresas foram a curto prazo. O fato é que o não
cumprimento das medidas gera desconfianças, sendo este o causador de
divergências entre a comunidade e o empreendedor.

8.5.2 Matriz de Impactos Socioambientais

As discussões nas oficinas de diagnóstico participativo sobre os impactos, já


descritos nesse item, resultou a seguinte matriz:

Quadro 9: Matriz de impactos socioambientais da CRQ Saco/Curtume.

Impacto Aspecto Categoria Magnitude


Acesso à internet Territorial Positivo Muito Fraco
Aumento da
circulação de
Qualidade de Vida Negativo Fraco
veículos e
máquinas
Alteração da Qualidade de
Negativo Médio
qualidade da água vida/ambiental
Alteração da Qualidade de Vida/
Negativo Forte
qualidade do ar Ambiental
Apoio à cultura
Sociocultural Positivo Muito Fraco
local
Atração de
Sociocultural Negativo Muito Forte
“pessoas de fora”
Aumento no índice Qualidade de Vida/
Negativo Médio
de doenças Sociocultural
Afugentamento da
Ambiental Negativo Muito Forte
fauna
Assoreamento de
Ambiental Negativo Fraco
recursos hídricos
Desmatamento Ambiental Negativo Muito Forte
Divergências entre
a comunidade e o Sociocultural Negativo Forte
empreendedor
Erosão nas
Territorial Negativo Muito Forte
estradas
Frustração de
expectativas de Sociocultural Negativo Forte
emprego
Geração de
Econômico Positivo Fraco
emprego e renda
Inadequação entre
Territorial/
postos de trabalho Negativo Forte
Econômico
e qualificação
Ineficiência das Territorial Negativo Forte
Qualidade de Vida
atividades
Sociocultural
mitigatórios e
Ambiental
compensatórios
Econômico
Instalação e
Operação de Econômico Positivo/Negativo Médio
Empreendimento
Interferência no
cotidiano e no Qualidade de
Negativo Forte
modo de vida da Vida/Sociocultural
comunidade
Melhoria da
Qualificação
Profissional dos Territorial Positivo Médio
Trabalhadores
Locais
Melhorias na
infraestrutura da Qualidade de Vida Positivo Fraco
comunidade
Participação do
INCRA nas Territorial Positivo Muito Fraco
negociações
Poluição sonora Ambiental Negativo Forte
Risco de Acidentes
e Morte da Fauna Ambiental
Negativo Muito Forte
(silvestre e Econômico
criações)
Sinalização das
Territorial Positivo Muito Fraco
vias
Valorização da
Econômico Positivo Médio
mão-de-obra local
Elaborado pelos autores com base nos dados de campo, 2021.
9 ESTUDO DO COMPONENTE QUILOMBOLA DA COMUNIDADE
REMANESCENTE DE QUILOMBO RIACHO DOS NEGROS

9.1 Caracterização Socioespacial do Território

O Território da CRQ Riacho dos Negros está localizado em três municípios do


Piauí: a maior parte em São João do Piauí, em Pedro Laurentino e, em menor área,
Ribeira do Piauí. É formado por seis grandes nucleações: Junco, Malhada, Curral
Velho, Estreito, Elizier e Riacho do Ancelmo e comunidades agregadas. Esses
povoados são interligados fisicamente, por estradas vicinais, e por laços parentescos.

Fig 60: Localização da CRQ Riacho dos Negros

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA,
2021.

Brevemente, seus acessos se dão da seguinte maneira: a partir da sede de


São João do Piauí, seguindo a estrada vicinal no final da rua do Mercado Municipal,
atravessa-se a Comunidade Curtume e, em seguida o Rio Piauí, a nucleação Junco
fica a 15 km; a cerca de 4 km, está Malhada, ao atravessar o denominado por eles
como “riacho”, seguindo na estrada à esquerda, passando pelas comunidades
Canavieira, Agrovila II e pela Fazenda Ferraz, encontra-se Curral Velho, a cerca 24 km
da cidade de São João do Piauí. Já seguindo a estrada à direita do mesmo riacho, a
30 km da sede, localiza-se nucleação Riacho do Ancelmo.
O Território também pode ser acessado pela rodovia PI-141 que liga São João
do Piauí à Brejo do Piauí, entrando na estrada vicinal à direita após o percurso de 10,7
km, seguindo por mais 8 km, chega-se à Estreio. Do Estreito, a cerca de 1 km da
estrada ao lado do Clube e Churrascaria Areal, está a área central de Elizier.

A situação das estradas vicinais, citadas para acessos aos povoados da CRQ
Riacho dos Negros, encontra-se, em boa parte, deteriorada, apresentando erosões
denominadas popularmente como “barrocas”. No período chuvoso, algumas
comunidades quilombolas ficam praticamente isoladas, dificultando o acesso dos
moradores até a sede do município. Como exemplo, é citado que o povoado Riacho
do Ancelmo – quando o nível da água dos riachos, que cortam seu território, está
elevado – sua travessia torna-se um desafio e, em alguns casos, até impossível. Tanto
que, uma das reivindicações da comunidade mais ouvidas diz respeito à melhoria das
estradas e construção de pontes resistentes.

A delimitação do território da CRQ Riacho dos Negros ainda é alvo de


discussão junto ao INCRA. A comunidade reivindica uma área maior do que a
estabelecida no Relatório Antropológico de Identificação e Delimitação em 2010
(INCRA, 2010). O presidente da CECOQ (Coordenação Estadual das Comunidades
Quilombolas) e morador de CRQ Saco/Curtume, Nego Bispo (informação verbal40),
afirma que por pressão de fazendeiros da região, o antropólogo responsável pelo
relatório, acabou diminuindo o perímetro da CRQ sem uma discussão com os
moradores do território.

Pelo mapa de localização disponibilizado na base de dados do INCRA, as


nucleações Estreito e Elizier encontram-se fora do que está cadastrado como
Território Riacho dos Negros, porém, por nos debruçarmos em uma abordagem
participativa, foi acordado nas reuniões informativas a inclusão destas comunidades
que, segundo seus moradores, fazem parte historicamente de Riacho dos Negros.

As distâncias aproximadas, das nucleações que compõem a CRQ Riacho dos


Negros para o Complexo Fotovoltaico Graviola 1 a 4, podem ser observados no
quadro abaixo:

Quadro 10 - Distância Estimada das Comunidades pertencentes ao Território Riacho dos


Negros em relação ao Complexo Fotovoltaico Graviola.
Município Denominação da Distância aproximada
Nucleação (em metros)
São João do Piauí Junco 3.590
40
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
São João do Piauí Malhada 3.163
São João do Piauí Curral Velho 7.159
São João do Piauí Riacho do Ancelmo 6.753
São João do Piauí Estreito 1.383
São João do Piauí Elizier 1.404
Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, 2021.

9.1.1 Comunidade Junco

O Acesso para a comunidade Junco se dá a partir de São João do Piauí, por


uma estrada vicinal que perpassa a comunidade Curtume, passando pelo povoado
Angical e Feitoria, fazendo limite com outra povoação da mesma CRQ, Malhada.
Situa-se a aproximadamente 15 km da cidade de São João do Piauí e moram na
comunidade 57 famílias, de acordo com a agente de saúde Roseane Maria Rodrigues
(informação verbal41).

Fig. 61: Localização e pontos notáveis do Junco

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA, 2021.

Seu acesso é feito por estrada, que comumente chama-se de piçarra, não
apresentando grandes obstáculos de tráfego nos períodos secos. Já nos meses de
chuva, quando o volume de água do Rio Piauí aumenta, o tráfego se torna mais

41
Entrevista de Roseane Maria Rodrigues concedida ao ECQ, 20/01/2021.
complicado devido à precariedade da “passagem molhada”, que liga território
Saco/Curtume ao Riacho dos Negros. A prefeitura faz manutenções, colocando piçarra
no trecho após as cheias, no entanto, segundo os moradores, essa medida é somente
paliativa e não resolve o problema.

Fig. 62: Passagem molhada Curtume-Junco. Fig. 63: Estrada de piçarra do Junco

Acervo da pesquisa, 2021.

O abastecimento de água para as atividades domésticas e consumo das


famílias é por poços artesianos. O poço principal da nucleação tem 120 metros de
profundidade e está nas coordenadas 23.0797,899E e 9.086.388,207N. Algumas
casas ainda não recebem água das encanações do poço, pois o terreno dessas
moradias é mais alto e por conta da gravidade, a caixas d’água não tem pressão
suficiente para distribuição.

A situação dos encanamentos do poço, como mostrada na foto abaixo, é


problemática e água não recebe nenhum tratamento na caixa d’água central, ficando
as famílias responsáveis por filtrar ou ferver. O volume de água armazenado nas
caixas também não é suficiente para abastecer todas as residências durante um dia,
necessitando ser ligada a bomba de captação duas vezes, pela manhã e tarde. Além
do poço artesiano principal, que leva água a maior parte das famílias, o povoado conta
com um poço jorrante termal de propriedade particular.

Fig. 64: Poço Jorrante do Junco Fig. 65: Poço que abastece Junco

Acervo da pesquisa, 2021.


Algumas residências possuem cisternas para armazenamento de água da
chuva, construídas pela FUNASA (Fundação Nacional da Saúde) em parceria com a
prefeitura municipal de São João do Piauí. Segundo o presidente da associação do
território Riacho dos Negros, Osmar Venâncio de Sousa ( informação verbal42), além
das cisternas, a FUNASA também beneficiou 15 famílias com banheiros sanitários, a
prefeitura reformou 16 casas e construiu três residências. Quando indagado sobre o
critério de escolha das casas para reforma, Osmar disse que uma equipe da prefeitura
observou aquelas que estavam mais necessitadas.
Fig. 66: Banheiros da FUNASA Fig. 67: Cisternas de placas da FUNASA

Acervo da pesquisa, 2021.

De recursos hídricos utilizados pelos moradores, além do poço, pode-se


verificar ainda o Lago São João, nas coordenadas 23.0798,022E e 9.085.919,206N. O
lago é abastecido pelo Rio Piauí e considerado importante nos períodos secos devido
à disponibilidade de água para os animais e apesar de ser dentro de uma propriedade
privada, é de uso comum no povoado.

Na área central da nucleação estão as quadras de futsal, feminina e masculina.


A masculina conta com refletores iluminadores e traves de ferro, adquiridas como
medida compensatória junto a empreendimentos instalados no município. Já as traves
da quadra feminina são de madeira e não possuem refletores. As duas quadras são de
“chão”, sem revestimento. O time feminino participa de campeonatos nas
comunidades vizinhas. Ainda de acordo com Osmar, o futsal pode ser considerado a
principal forma de lazer dentro do Junco. Ao lado das quadras de futsal encontra-se
também o Clube e Mercearia do Osmar, um dos pontos de lazer da comunidade com
apresentações musicais.

Sobre outros pontos notáveis identificados em Junco, podemos apontar: o


cemitério do Junco, situado nas coordenadas 23.0797,709E e 9.086.683,217N; a

42
Entrevista de Osmar Venâncio de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
antiga escola, nas coordenadas 23.0797,828E 9.086.383,213N; e a igreja evangélica
Assembleia de Deus.

Fig. 68: Cemitério do Junco

Acervo da Pesquisa, 2021.

9.1.2 Comunidade Malhada

Com um total de 37 famílias e cerca de 200 pessoas, a Comunidade Malhada


está inserida no Território Riacho dos Negros, sendo a nucleação central da CRQ,
sendo área de saída para outras comunidades do território, como Junco, Estreito,
Curral Velho e Riacho do Ancelmo.
Fig. 69: Localização e pontos notáveis da Malhada
Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA, 2021.
O acesso mais comum para a comunidade é pela estrada vicinal, partindo do
final da rua do Mercado Municipal de São João, passando em Curtume, atravessando
o rio Piauí, e seguindo o trecho de “piçarra” após o Junco. Localizando-se a 18 km da
zona urbana do município de São do Piauí.

O nome da Comunidade se dá em decorrência ao espaço onde o gado, criado


em abundância pela região, iria descasar e/ou dormir, sendo então chamado de
“malhador”, que posteriormente foi sendo adaptado até chegar no nome atual de
Malhada.

O abastecimento hídrico de todas as famílias da Malhada se dá por poço


artesiano, localizado nas coordenadas 23.0796,527E e 9.088257,216N, perfurado pela
FUNASA em parceria com o município de São João do Piauí. Além do poço principal,
tem outro poço ao lado da escola, que atualmente encontra-se desativada, e um
tanque, usados para saciar a sede dos animais.

O prédio escolar que o povoado dispõe é usado para eventos diversos, como
comemoração de dia das mães, dos pais, das crianças e palestras ou reuniões da
CRQ Riacho dos Negros, pois a escola não funciona desde o final de 2018 e a
associação do território, por ser nova, ainda não possui uma sede fixa.

Fig. 70: Acesso da Malhada Fig. 71: Escola desativada da Malhada


Fig. 72: Caixa d’água que abastece Malhada Fig. 73: Tanque da Malhada

Acervo da pesquisa, 2021. .


A nucleação possui dois cemitérios: um antigo, construído pelos primeiros
moradores, que fica próximo da escola e da igreja, mas que não há sepulturas visíveis
no local, existindo apenas um respeito para com o lugar; e um novo cemitério
localizado há 3,5 km da área central do povoado, numa área bastante isolada, com
percurso acessível a carro somente até parte do caminho, e o restante tendo que ser
feito a pé.

Outro ponto importante no povoado é a Igreja Católica de São Benedito. A


festa principal do padroeiro acontece de 27 de agosto dia 05 de outubro. Os
organizadores costumam fazer barracas de madeira, com vendas de comidas para
arrecadar fundos para a igreja e também festas e apresentações culturais no espaço
coletivo que fica próximo à igreja.

Fig. 74: Cemitério da Malhada


Acervo da pesquisa, 2021.

Outro ponto citado pelos moradores como lugar de referência nas conversas e
sociabilidade é uma árvore de algaroba, um dos espaços de sociabilidades mais
frequentados na comunidade, e fica localizado em frente à residência da Maria da
Natividade da Conceição, conhecida por todos como Madinha, uma das pessoas mais
velhas de Malhada.

Malhada possui ainda duas quadras de futsal feminino e masculino e um


campo de futebol. Os espaços são separados porque os treinos, geralmente,
acontecem nos mesmos dias e horários, cabendo aqui ressaltar que há uma visível
diferença na qualidade da quadra feminina para a masculina, como pode ser
observado nas figuras 75 e 76. As traves e a área da quadra masculina são quase
sempre se apresentam em melhores condições. Entretanto, a dificuldade não se
restringe a situação da quadra, o futsal feminino enfrenta também problemas de
acesso a itens básico como o fardamento, por exemplo.

Fig. 75: Trave da quadra masculina Fig. 76: Trave da quadra feminina
A
ce rv
o da

pesquisa, 2021.

Os times costumam participar de campeonatos e torneios nas comunidades


vizinhas. Assim como Junco, a quadra de futsal masculino é iluminada e conta com
traves de ferro e rede, instalados por empreendimentos passados.

9.1.3 Comunidade Curral Velho

Localizada a 24 km de São João do Piauí, Curral Velho é a nucleação mais


populosa do território Riacho dos Negros, com 72 famílias residentes. O acesso a
comunidade pode ser pela PI-141, saindo de São João do Piauí no sentido a Brejo do
Piauí e após percorrer 10,7 km, à direita, percorrendo pelo assentamento Lisboa e
Fazenda Ferraz. Ou ainda pela estrada de “” que passa por Curtume - Angical -
Feitoria - Junco - Malhada - Canavierira - Agrovila II - Fazenda Ferraz. Ao adentrar e
passar por porteiras ou “cancelas”, como são chamadas popularmente estes acessos,
da Fazenda Ferraz, chega-se a comunidade, que faz divisa com Alto Belo, Agrovila II e
Marrecas e a Lisboa.

Fig. 77: Acessos a Curral Velho

Acervo da pesquisa, 2021.

Fig. 78: Localização e Pontos notáveis de Curral Velho


Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA, 2021.

As residências são construídas de frente para a estrada que atravessa a


comunidade. Assim como Malhada e Junco, algumas foram contempladas com
banheiros sanitários pela FUNASA. Os quintais e roças estão próximos as casas e são
cercados de madeira e arame, nos modelos popularmente denominados de faxina e
rodapé. O modelo rodapé consiste em trançar a madeira na vertical e o modelo faxina
horizontal, este último mais usado para as roças ao redor da casa para evitar que as
galinhas, criadas no quintal, fujam ou animais predadores consigam entrar na
propriedade.

Poços artesianos abastecem a comunidade com água para as atividades


domésticas e para consumo. São dois poços, um nas coordenadas 23.0786519E e
9.091.311,200N e outro ao lado do prédio escolar, nas coordenadas 23.0787,010E e
9.092.053,201N. Apenas seis casas têm cisternas para captação de água da chuva. A
água encanada dos poços para as residências, apesar de não receber tratamento, é
considerada pelos moradores, de boa qualidade, não salobra.
Fig. 79: Cerca do tipo faxina Fig. 80: Cerca do tipo rodapé

.
Fig. 81: Residência em Curral Velho Fig. 82: Cisterna em Curral Velho

Acervo da pesquisa, 2021.

O prédio escolar, citado acima, funciona como local de reuniões, a escola foi
desativada desde o final de 2018. Os alunos de Curral Velho, desde a creche ao
ensino médio, se deslocam para a escola no Assentamento Marrecas que fica à 8 km
da nucleação.

Fig. 83: Prédio Escolar de Curral Velho

Acervo da
pesquisa, 2021.

O cemitério da comunidade, chamado de Cemitério da Fulôzinha, fica do lado


de uma área da comunidade conhecida como Favela, localizada do outro lado do
afluente do rio Piauí. Favela é como se fosse uma extensão de Curral Velho, essa
divisão de território se deu a partir de disputas de times adversários no futebol, há
mais de 40 anos. Os jogadores de Curral Velho chamavam o time dos que moravam
do outro lado do rio, em meio a muitas árvores denominadas de favelas, de time da
Favela, e assim o lugar ficou conhecido.

O acesso ao cemitério, que fica na Favela, é feito atravessando o rio, pois não
há ponte ou passagem molhada entre as duas nucleações. Dependendo do período
do ano, o acesso fica comprometido e os moradores improvisam uma passagem com
pedaços de madeira, como podemos observar na figura abaixo.

Fig. 84: Travessia de Curral Velho para Favela Fig. 85: Cemitério da Fulôzinha
A
c e
r v
o

da pesquisa, 2021.

Dentre os pontos apontados como relevantes para os moradores de Curral


velho, podemos destacar: o campo de futebol masculino, onde acontece torneio entre
os meses de julho e agosto; a quadra de futsal iluminada, onde jogam tanto times
femininos como masculinos; a Sede de Batuque Manoel Tomaz, local de rodas de
batuque comandadas pelo mestre Augusto e de novenários de Santa Luzia e Coração
de Jesus; a casa da Dona Josefa, uma das mulheres mais velhas da comunidade,
artesã, tecedeira de palha da carnaúba para confecção de chapéus e esteiras.

9.1.4 Comunidade Riacho do Ancelmo

Situada a aproximadamente 30 km da cidade de São João do Piauí, Riacho do


Ancelmo é o povoado que compõe a Comunidade Remanescente de Quilombo Riacho
dos Negros mais distante da sede do município, com o acesso mais complicado em
períodos chuvosos, por localizar-se numa área de relevo extremamente acidentado,
com muitas colinas rochosas, riachos e com um nível de erosão grande.

Fig. 86. Localização e pontos notáveis de Riacho do Ancelmo

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA,
2021.

Para se chegar à comunidade, é necessário ir pela estrada vicinal que parte do


povoado Curtume, percorrer a estrada de “piçarra” até Malhada, atravessando um
riacho, seguindo à direita por mais ou menos 12 km.

Fig. 87: Riacho de acesso a Riacho do Ancelmo Fig. 88: Acesso a Riacho do Ancelmo
A
c e
r v
o

da pesquisa, 2021.

A disponibilidade hídrica do território Riacho do Ancelmo é mais escassa que


as outras comunidades da CRQ Riacho dos Negros. A água disponível para consumo
vem do poço artesiano localizado nas coordenadas 23.0799,442E e 9.093.446,279N.
Poucas famílias possuem cisternas para captação de água. A maior parte das tarefas
domésticas das famílias de Riacho do Ancelmo é sanada pela água desse poço.

Dispõem de um tanque próximo as residências, usado para lavar roupa, para a


pesca de traíra e tilápia e para o uso dos animais. Mais distante, cerca de três
quilômetros do centro da comunidade, existe um reservatório conhecido como represa
do Arvão, localizada mais isolada para permitir que os animais silvestres se beneficiem
das suas águas.

Fig. 89: Poço que abastece Riacho Fig. 90: Represa do Arvão
A
c e
r v
o

da pesquisa, 2021.

As residências são de alvenaria, feitas de tijolos, a maioria de piso de cimento,


dispostas em formato de círculo, com a frente das unidades habitacionais convergindo
para uma grande erosão que atravessa a comunidade. Os quintais são cercados de
madeira com arame.

Assim como outras nucleações, Riacho do Ancelmo tem como principal


atividade de lazer o futebol. Possui duas quadras de futsal com refletores e traves de
ferro, nas mesmas condições das demais comunidades, com energia cortada, e um
campo de futebol.

Fig. 91 – Quadra de futsal do Riacho Fig. 92: Moradia no Riacho do Ancelmo


A
c er
v o

da pesquisa, 2021.

Não existem templos religiosos na comunidade, as rezas para santos são feitas
nas casas dos moradores, onde a cultura se une a religiosidade através das
promessas feitas pelo fundador do Território: Ancelmo Rodrigues.

Apontados como marcos do território do Riacho do Ancelmo, podemos


evidenciar o prédio da antiga escola, que está desativado há mais de cinco anos, e os
alunos de Riacho se deslocam para estudar no assentamento Lisboa; o cemitério
atual, localizado nas coordenadas 23.0799,700E e 9.093.275,285N; e o clube de
festas da comunidade, um dos principais locais de sociabilidades de Riacho.

9.1.5 Comunidade Estreito

A Comunidade Estreito está localizada a 17 km de São João do Piauí, a


nucleação declara historicamente fazer parte da CRQ Riacho dos Negros, mesmo não
aparecendo na área de delimitação oficial do INCRA, existindo assim um impasse
entre o órgão e os moradores do território. Conta com uma população de 198 pessoas
e o acesso ao seu território dar-se pela PI-141, pelo trecho que liga São João a Brejo
do Piauí. Após sair da cidade de São João e percorrer 10,7 km, de acesso à direita,
seguindo a estrada de piçarra e, finalmente, chega-se a comunidade Estreito.

Fig. 93: Localização e pontos notáveis do Estreito

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA, 2021.
A nucleação conta com Unidade Básica de Saúde (UBS), com atendimento do
médico e enfermeira todas às quintas-feiras. As consultas podem ser marcadas com a
secretária que fica disponível de segunda a sexta na UBS, e de acordo com ela, são
25 fichas para atendimento disponibilizadas por semana. No posto também é feito
acompanhamento dos idosos, crianças e gestantes das pessoas do Estreito, Malhada
e Junco.

Próximo a UBS, está o prédio escolar também desativado há mais de dois


anos. O espaço é utilizado para eventos e reuniões comunitárias. Os alunos do
Estreito, da creche ao ensino médio, estudam no assentamento Lisboa, fazendo o
deslocamento em transportes escolares municipais e estaduais.

Fig. 94: UBS do Estreito Fig. 95: Escola desativada do Estreito


A
c er
v o

da pesquisa, 2021.

A área central da comunidade conta ainda com campo e quadra de futsal


iluminada pela empresa Natugi/Gran Solar como medida compensatória, mas que
atualmente encontra-se com o mesmo problema das outras comunidades vizinhas já
mencionadas, acerca do corte de energia pela concessionária Equatorial. Nesses
espaços eram comuns, antes da pandemia, treinos diários, torneios e campeonatos de
futebol masculino e feminino.

Fig. 96: Quadra de futsal da comunidade Estreito

Acervo da pesquisa,

2021.
A comunidade possui um telefone público do tipo orelhão, atualmente não está
funcionando, mas que há manutenção sempre que solicitado. Antes da popularização
do celular, era importantíssimo na comunicação entre pessoas de toda CRQ Riacho
dos Negros e familiares que migravam para outros estados.

Fig. 97: Telefone Orelhão na comunidade Estreito

Acervo da pesquisa, 2021.

Sobre recursos hídricos, dispõe de dois poços artesianos que fazem o


abastecimento das casas para as atividades domésticas e consumo das famílias. Uma
barragem construída em 1981 pelo governo estadual, localizada próxima ao prédio
escolar, nas coordenadas 23.0795636E e 9.085.886,220N é utilizada para consumo
animal e de grande importância nos períodos de estiagem.

9.1.6 Comunidade Elizier.

Localizada a cerca de 1 km do Estreito, a nucleação Elizier, onde residem 28


famílias, se autodeclara remanescente de quilombo e pertencente à CRQ Riacho dos
negros, mesmo não aparecendo na área do território delimitado pelo INCRA.

O acesso ao povoado se dá a partir do mesmo trajeto para Estreito, saindo de


São João em direção a Brejo do Piauí, andando 10,7 km e virando à direita na estrada
de chão. Chegando ao Clube e Churrascaria Areal, seguir a estrada à esquerda por
mais 1 km.

A água usada para o consumo e os afazeres domésticos pelas famílias de


Elizier é proveniente de poço artesiano, localizado nas coordenadas 23.0795,548E e
9.087.332,212N, ligado duas vezes ao dia. Possui ainda um poço jorrante, usado pela
comunidade para irrigar roças de capim e plantações de banana; e um tanque
conhecido como Tanquinho Elizier, onde os animais bebem.

Fig. 98: Localização e pontos notáveis de Elizier.

Elaborado pelos autores com dados da pesquisa de campo, IBGE, DNIT, INPE e INCRA,
2021.

Fig. 99: Poço jorrante de Elizier Fig. 100: Plantação de banana

irrigada
Acervo da pesquisa, 2021.

O principal lazer dos moradores é o futebol, tanto mulheres como homens


jogam na quadra de futsal e campo de futebol da comunidade. São realizados os
torneios com outras equipes do território Riacho dos Negros e Saco/Curtume. A
quadra de futsal de Elizier está com o mesmo problema na iluminação das demais
comunidades, a energia foi cortada pela Equatorial em decorrência da falta de
pagamento, acertada pelos moradores como sendo uma compensação pela
iluminação pública que já é paga e não usufruída.

Não há prédio escolar na nucleação, os alunos estudam no assentamento


Lisboa. De acordo com relatos dos moradores, ocorre muito êxodo rural, ocasionado
pela baixa produtividade agrícola e falta de oportunidade de emprego no município.
Alguns saem da comunidade para cidades do centro-oeste e sudeste de maneira
definitiva, em busca de melhores condições de vida.

9.2 Aspectos Históricos, Culturais e Religiosos

A história de formação do Território Quilombola Riacho dos Negros está


diretamente associada à história do que os próprios quilombolas denominam de
“descendentes de Ancelmo”. Ancelmo Rodrigues certamente é o nome que mais
permeia as memórias históricas e a oralidade dos indivíduos que ocupam toda aquela
região, atribuindo-o o título de fundador do território.

Para entendermos um pouco a formação do Território Riacho, voltemos na


questão histórica de ocupação das fazendas nesta região. A área de São João do
Piauí inseria-se nos limites que correspondiam à Inspeção do Piauí – departamento de
divisão das fazendas coloniais e de responsabilidade de nomeação de seus
respectivos inspetores – das quais eram de propriedade do sertanista Domingos
Afonso Mafrense que, ao longo do tempo foram sendo destinadas à outras
administrações como os jesuítas, depois a coroa portuguesa e finalmente à união,
denominadas de Fazendas Nacionais (COELHO, 2017; PORTO, 1974; informação
verbal43).

De acordo com Nego Bispo (informação verbal44), a história de Ancelmo e sua


importância para a formação local tem a sua gênese ainda com o seu pai, um dos
descendentes dos intendentes das Fazendas Nacionais da região e que, ao ter um
caso com uma negra, acabou gerando-o, tendo assim, um filho “bastardo”.

Nas palavras de Nego Bispo:

O Ancelmo é filho de uma pessoa que pertence à família dos


intendentes [das fazendas nacionais] com uma africana escravizada.
(...) Aí a família dele é contra (...), [mas] pegam o filho, assumem o
filho, mas mandam pra estudar na Bahia. (...) Aí o cara vai, estuda,
casa com uma negra e volta. E quando ele volta, quer de novo que a

43
Entrevista de Nego Bispo concedida ao ECQ, 19/01/2021.
44
Idem.
paternidade dele seja igual a paternidade de todo mundo. E aí ele
quer participar do patrimônio – o cara estudou – quer participar do
patrimônio da família. Aí a família se recusa, mas o pai continua
querendo (...). Aí a família, pra se livrar de Ancelmo, manda ele
escolher uma fazenda. Aí ele escolhe o Riacho, que passa a ser
Fazenda Riacho do Ancelmo (informação verbal45).

O senhor Sérgio de Aquino Gomes, de 71 anos e morador da Comunidade


Riacho afirma ser bisneto de Ancelmo e suas histórias e memórias sobre os feitos da
figura mítica de Ancelmo se dão em decorrência da contação de histórias através de
seu pai e seu avô.
Fig. 101: Sérgio de Aquino Gomes, bisneto de Ancelmo.

Acervo da Pesquisa, 2021.

De acordo com o sr. Sérgio, o pai de Ancelmo chamava-se Antônio Nunes e


era detentor das duas fazendas das quais estiveram à disposição para Ancelmo
escolher viver com sua esposa, chamada Justa, e seus agregados. A outra fazenda,
de acordo com o Sérgio chamava-se Olho d’água, mas Bispo menciona que a
segunda fazenda se chamava Bugil.

Ele disse, Ancelmo, eu tenho duas fazendas: tenho a Fazenda do


Riacho e tenho a Fazenda do Olho d’água que é lá em São João.
Você vai escolher qual a que você quer. Ele foi. Chegou lá, ele não
agradou de lá [Fazenda do Olho d’água], aí ele voltou pra aqui.
Quando ele chegou aqui, daqui uns 8 quilômetros, tem um arvão aí
(...), um lugar aberto onde o gado dormia. Ele chegou, observou (...)
aí ele voltou e disse: papai agora eu me agradei da fazenda do
Riacho. (...) Ele disse: então toma de conta da Fazenda do Riacho, de
todos os nego (INFORMAÇÃO VERBAL 46).

45
Idem.
46
Entrevista de Sérgio de Aquino Gomes concedida ao ECQ, 21/01/2021.
Para Coelho (2017), o que difere a ocupação das terras quilombolas em Riacho
das outras partes do Brasil é que elas não foram doadas a um escravo comum e sim a
um “escravo filho herdeiro” – levando em consideração as divergências acerca da
negritude de Ancelmo, o que torna única a compreensão histórica da narrativa local.

Entretanto, não parece ter sido só uma forma de proteção do pai ao


filho, como aparece em algumas versões orais dessa história. Mas
pode ser entendida também, e principalmente, como uma forma de
segregar pessoas afrodescendentes que, segundo as ideologias euro
descendentes constituidora do tecido social são-joanense da época
colonial, seria uma afronta conviverem no mesmo espaço junto dos
familiares paternos (COELHO, 2017, p. 143).

Fig. 102: Local denominado popularmente como “Arvão”.

Acervo da Pesquisa, 2021.

Outro descendente de Ancelmo que nos conta a história de formação de


Riacho dos Negros é o seu tataraneto José Rodrigues do Rosário, conhecido como Zé
do Firmino, que narra orgulhoso a sua genealogia a partir de sua linha sucessória
paterna, a saber: Ancelmo Rodrigues (tataravô) → Antônio Manoel (bisavô) → Jorge
Rodrigues do Rosário (avô)→ Firmino Rodrigues do Rosario (pai) → Zé do Firmino.

De acordo com seu relato, o seu avô é nascido em Riacho, sendo um dos
primeiros moradores de lá e, após um período veio ocupar a região que hoje
compreende a comunidade Malhada, também inserida atualmente no Território de
Riacho dos Negros (informação verbal47).

47
Entrevista de José Rodrigues do Rosário concedida ao ECQ, 26/01/2021.
Fig. 103: Sr. Zé do Firmino, tataraneto de Ancelmo.

Acervo da pesquisa, 2021.

De acordo com o Sr. Sérgio, a comunidade Riacho ainda preserva uma das
tradições criadas por Ancelmo quando de seu estabelecimento na fazenda: trata-se
das rezas como agradecimento pelo surgimento de água no riacho para abastecer a
comunidade. Por conta da graça alcançada pelos clamores de Ancelmo, até hoje eles
rezam e festejam durante todo o mês de maio.

Aqui não tinha água não. Ele fez uma promessa com dois santos:
Uma chamava Conceição e a outra Coração de Maria: se aparecesse
uma água aqui [aponta], dentro desse riacho, ele festejava 31 noites
de maio e cantava com festa e leilão. Ele ia rezar enquanto ele fosse
vivo. Os filhos, os bisnetos, tataranetos... (INFORMAÇÃO VERBAL
48
).

Mesmo não existindo o prédio físico de uma igreja católica, as rezas são feitas
nas casas dos moradores de Riacho que ainda preservam o oratório de madeira e os
santos, segundo eles, ainda originais, sendo os mesmos utilizados desde o início do
pagamento da promessa feita por Ancelmo.

As estátuas mais antigas dos santos utilizados no oratório correspondem à


duas de Imaculada Conceição, um cristo crucificado (sem a cruz), e uma, ao que tudo
indica, de São Domingos de Gusmão (PRANCHA 10), além de quadros e demais
imagens pertencentes a outros santos da igreja católica.

48
Entrevista de Sérgio de Aquino Gomes concedida ao ECQ, 21/01/2021.
A presença de igrejas ou capelas católicas no Território está presente em três
comunidades: Estreito, Elizier e Malhada.

Em Estreito, a Igreja que outrora foi uma pequena capela e, posteriormente,


através de um mutirão realizado pela Comunidade, erigiu-se a igreja presente no
centro da povoação, realiza suas festividades entre novembro e dezembro em honra a
Nossa Senhora da Conceição.

De acordo com a organizadora de eventos religiosos de Estreito, Luciana de


Aquino Silva, neste mesmo período há a realização de batizados e casamentos
coletivos e as comemorações se dão ao longo do novenário, com eventos culturais e
esportivos, venda de comidas típicas e artesanato local em barracas. Fora da data
festiva, há a realização de missas com Padre uma vez ao mês, porém a comunidade
utiliza a igreja para realização de rezas, encontros de grupos, vigílias, etc (informação
verbal49).
Fig. 104: Oratório utilizado nas rezas da promessa de Ancelmo

Acervo da Pesquisa, 2021.

49
Entrevista de Luciana de Aquino Silva concedida ao ECQ, 26/01/2021
PRANCHA 10: Imagens de santos da promessa de Ancelmo em Riacho. (Acervo da Pesquisa, 2021).
Em Elizier, os festejos ligados à religiosidade católica vêm desde as novenas em
honra a São José, que eram realizadas na casa do morador José de Aquino. Porém, após a
compreensão do topônimo da comunidade e o vínculo com Santa Terezinha de Liseux (na
pronúncia “Liziê”) – santa do proprietário da fazenda que dá origem ao povoado –, os
moradores passaram a venerá-la a partir de 2009, de acordo com Edmilson Santana,
organizador dos eventos locais. Durante o novenário há também eventos culturais como
festas, barracas com comidas e bebidas, realizadas na quadra local e organizadas pelo
grupo de jovens do território, além de eventos esportivos como futebol em categorias
masculino, feminino e infantil50.

Em Malhada, os festejos católicos acontecem na Igreja de São Benedito durante o


mês de agosto. No centro da comunidade além da igreja formam um complexo cultural uma
praça de eventos com barracas feitas localmente já montadas e um clube privativo de
festas. É neste espaço tríplice que a vida cultural da localidade e região acontecem durante
os festejos do padroeiro, conforme relata Jarlane Rodrigues (informação verbal51).

Acerca da religiosidade de matriz africana em Riacho dos Negros, é quase unânime


as menções à casa de dona Bonifácia, mãe de santo conhecida em toda a região dos
quilombos em São João do Piauí. A Tenda Nossa Senhora Aparecida, localizada na
Comunidade Junco é dirigida por Bonifácia Venâncio Pereira de 74 anos, que pertence à
religião da Umbanda desde 1969, seguindo os passos da mãe, Julia Venâncio Pereira que,
além de ser uma grande referência dentro da Umbanda, também foi uma das parteiras mais
conhecidas da região (informação verbal52).

Segundo Bonifácia, sua tenda é ligada tanto ao segmento popularmente chamado de


“mesa branca”, quanto ao chamado por ela de “gira”. Para o primeiro, entende-se
geralmente àqueles ligados aos trabalhos de cura, banhos, uso de ervas, etc., e ao segundo
para a incorporação guias espirituais (informação verbal53).

Não há uma única entidade que rege a casa, de acordo com as suas palavras “a
entidade aqui que eu sempre me confio, primeiro é em Deus. Depois os orixás...”
(informação verbal54) e, de forma geral, trabalha com os Preto Velho, Jurema, Ogum ou
ainda o que ela denomina de “aldeia”, descrito por ela e também um de seus filhos que
regem a casa como uma entidade de força e energia maior que curam e guiam as pessoas
para o melhor caminho. Em dias convencionais, costumam abrir a tenda para os trabalhos

50
Entrevista de Edmilson Santana Sousa concedida ao ECQ, 26/01/2021
51
Entrevista de Jarlane Rodrigues concedida ao ECQ, 20/01/2021
52
Entrevista de Bonifácia Venâncio Pereira concedida ao ECQ, 20/01/2021.
53
Idem.
54
Idem.
nas sextas-feiras (idem).

Dentro das atividades culturais e religiosas ligadas à tenda, ela organiza anualmente
as festividades de Cosme e Damião, em que se reúnem várias pessoas de toda a região em
uma grande festa para saudar os santos em todo 27 de setembro. Nessa ocasião, as
mulheres reúnem-se com antecedência nos preparativos das comidas, em que se abatem
crias como porcos, galinha ou boi, além de demais acompanhamentos para formar o
banquete da festa.

Na festa propriamente dita, além dos ritos convencionais de comemoração, eles


fazem um desfile por toda a comunidade e saldando a festividade: “A gente faz desfile. Entra
por uma parte da chapada e arrudeia por acolá e sai nas casas cá. É muita gente.”
(informação verbal55).

Durante o trajeto eles entoam cânticos, rezas e saudações às aldeias, denominadas


por eles de “doutrinas”:

“Ora salve a bandeira divina


Ora salve a bandeira real
Ora salve a bandeira divina
Ora salve a bandeira real
E ora salve todas as aldeias
E ora salve nosso cazuá
E ora salve todas as aldeias
E ora salve nosso cazuá” (informação oral56).

Fig. 105: Tenda Nossa Senhora Aparecida, em Junco.

Em

Acervo da pesquisa, 2021.


Junco há ainda a presença de outro terreiro de Umbanda, conhecido como Zé Francisco,
localizado bem próximo ao de Bonifácia.

A presença protestante também é presente no território. Embora pouco mencionado

55
Idem.
56
Entrevista de Bonifácia Venâncio Pereira concedida ao ECQ, 20/01/2021.
nas entrevistas e conversas informais, duas delas foram identificadas, trata-se da Igreja
Assembleia de Deus – Congregação Ebenézer, na Localidade Junco, com a realização de
cultos religiosos todas as terças-feiras e quintas-feiras. Na comunidade Estreito há a Igreja
Assembleia de Deus – Congregação Nova Canaã, com cultos às sextas-feiras e aos
domingos.

Entre tantas outras manifestações religiosas do Território Riacho dos Negros, como o
reisado e a roda de São Gonçalo, destacam-se as rezas e comemorações da Semana
Santa. Dona Maria Natividade da Conceição, conhecida carinhosamente como Madinha,
explica que no povoado Malhada preserva-se uma tradição de todos os dias rezarem na
casa de um morador da comunidade e na sexta-feira santa/da paixão, há uma vigília que
dura toda a noite até de manhã, entoando rezas e cantos na casa de um morador. No
Sábado de Aleluia, fazendo um grande banquete com todos da comunidade, em que matam
animais de criação como boi, ovelha, galinha e juntos, compartilham o mesmo alimento
(informação verbal57).

Em Malhada existe uma grande montanha que destaca-se na paisagem e, além de


um visível marcador notável da comunidade é também um local de religiosidade em todo o
Território. Popularmente chamado de Morro da Santa Cruz ou Morro do Cruzeiro, é um
espaço de peregrinação e pagamento de promessas.

Fig. 106: Morro da Santa Cruz, em Malhada.

Acervo da pesquisa, 2021.

57
Entrevista de Maria da Natividade da Conceição concedida ao ECQ, 20/01/2021.
A B C

D E
PRANCHA 11: Templos cristãos presentes no Território Riacho dos Negros. A: Igreja de N. Sra da Conceição (Estreito); B: Igreja de Sta Terezinha de
Liseux (Elizier); C: Igreja de São Benedito (Malhada); Igreja Assembléia de Deus – Congregação Ebenézer (Junco); D: Igreja Assembleia de Deus –
Congregação Nova Canaã (Estreito). Acervo da Pesquisa, 2021.
A Madinha, que tem uma promessa para subir no morro e cumpri-la, nos conta que o
pagamento das promessas lá começou a partir de uma moradora da região:

[Lá é] do tempo da finada Luiza do Barbosa, ela sempre ia pra lá, e ela
rezava lá e os pessoal acompanhava ela (...). Ela que começou (...) e por
causa dela é que começou a levar os mais novos (...). La tem um cruzeiro e
os povo sempre vai lá pra fazer promessa, né? (...) Às vezes quem quer
levar um braço [a penitência] é um braço [de mentira] 58, na cabeça é uma
cabeça, é perna é uma perna. As promessas é sempre assim e ele ajuda e
nós sempre fica ali... (informação verbal59).

A riqueza cultural do Território Riacho dos Negros debruça-se por uma série de
manifestações ligadas à dança, música, entretenimento, festividade, identidade,
artesanatos, dentre tantos outros impossíveis de se descrever aqui. Destacamos alguns
descritos e apontados pelos nossos entrevistados e entrevistadas e também durante as
conversas informais pelas comunidades.

Os batuques são, provavelmente, as manifestações culturais mais repetidos durante


nosso processo de obtenção de dados para a formulação desse Estudo e dizem respeito
tanto ao Batuque do Brás, em Malhada e o mais disseminado a nível regional e nacional: o
Batuque do Curral Velho, inclusive presente no Inventário Nacional de Referências Culturais
das Comunidades Quilombolas do Piauí, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (IPHAN).

O Inventário Nacional de Referências Culturais das Comunidades


Quilombolas do Piauí foi desenvolvido dentro de um amplo contexto de
mobilização cultural das comunidades quilombolas, com destaque para a
realização anual da Feira Piauiense de Produtos da Reforma Agrária,
Agricultura Familiar, Povos Quilombolas e Comunidades Tradicionais
(FERAPI) (CHEIBUB, 2015, p. 84).

Não se sabe ao certo quando se iniciaram as festividades ligadas ao Batuque do


Curral Velho. Através das entrevistas que realizamos na Comunidade, há sempre uma
relação com seus familiares ou conhecidos do passado que estiveram diretamente ligados à
essa manifestação. Dona Maria Joana, cantadeira de batuque, afirma que aprendeu a arte
de cantar com a sua mãe: “eu cantava com minha mãe (...) esse batuque vem vindo de
geração em geração (...). Quando eu nasci, muito tempo já rolava o batuque” (informação
verbal60). Já o sr. Augusto, mais conhecido mestre batuqueiro da região, seu aprendizado se
deu por influência de seu avô, que o levava para as rodas e festejos onde o batuque estava

58
As partes de corpos referem-se ao que chamamos de ex-votos, que são o pagamento de
promessas feitas pela cura em alguma parte do corpo e a penitencia é levar uma parte do corpo “de
mentira”, geralmente feitos de gesso ou madeira, como forma de testemunho da graça alcançada.
59
Idem.
60
Entrevista de Maria Joana Pereira Rodrigues concedida ao ECQ, 22/01/2021.
presente (informação verbal61).

Fig. 107: Maria Joana, cantadeira de Batuque em Curral


Velho.

Acervo da Pesquisa, 2021.

O Batuque, geralmente, é dançado ao final da apresentação de reis e ou do


chamado por eles de boi, em alusão à festividade de bumba-meu-boi, um dos personagens
típicos da folia de reis. Porém, há apresentações em momentos e comemorações diversas
da comunidade, ligadas principalmente às manifestações religiosas da comunidade, como
festividades de padroeiros como as novenas (informação verbal62).

De forma geral, o Batuque, também chamado apenas de Baião, consiste em uma


apresentação de música e dança. Em síntese, os músicos batuqueiros tocam diversas
canções com o caixão – principal instrumento –, a latinha – geralmente uma lata de uso
cotidiano com milho ou feijão dentro –, e mais recentemente utilizam-se do triângulo, sem
contar nas palmas das pessoas que estão acompanhando as apresentações. Segundo o
mestre Augusto, o caixão – também chamado de zabumba de batuque, para ser
considerado dos bons, precisa ser feito de couro de boi com madeira de umburana de cheiro
(informação verbal63).

Já a dança é composta por aproximadamente 15 pares, geralmente em filas, que


dançam coreografias e improvisações de acordo com as canções que estão sendo
entoadas, seguindo passos característicos da manifestação.

As canções versam sobre temas diversos como saudações, características locais,


personagens míticos do folclore piauiense, como o Boi, a Tereza, a Caipora, o Babau,
santos da igreja católica, dentre outros, mas sempre ritmadas em conformidade com os
batuques emitidos pelos instrumentos.
61
Entrevista de Augusto Vieira de Sousa concedida ao ECQ, 24/01/2021.
62
Entrevista de Maria Joana Pereira Rodrigues concedida ao ECQ, 22/01/2021.
63
Entrevista de Augusto Vieira de Sousa concedida ao ECQ, 24/01/2021.
Oh de casa, Oh de fora
Menina vai ver quem era
Menina vai ver quem era
É os olhos de Maria
Retrato de Manuel
Retrato de Manuel (...)

São José e Santa Maria


Diz que foi parar em Belém
Diz que foi parar em Belém
Diz que foi cantar um reis
Cantaremos nós também
Cantaremos nós também... (informação verbal64).

Já para o final das apresentações, dança-se o que é chamado de cabeça de bale,


são canções mais ritmadas e que servem para animar ainda mais a festa. Estas são mais
agitadas e ritmadas que os cantos do batuque e, é narrado pelos moradores, como o
momento que se estende até o amanhecer (informação verbal65).

Fig. 108: Apresentação de Batuque do Curral Velho.

In: IPHAN, 2012, p.53.

“Ôh cabeça de bale, virou tam tam...” é repetido diversas vezes ao som mais ritmado
do caixão e numa dança mais compassada, seguindo a melodia entoada e com coreografias
que exigem troca de pares e dança em círculos (informação verbal66).

Graças às políticas públicas culturais desenvolvidas na comunidade, o Batuque de

64
Entrevista de Maria Joana Pereira Rodrigues concedida ao ECQ, 22/01/2021.
65
Idem.
66
Entrevista de Maria Joana Pereira Rodrigues concedida ao ECQ, 22/01/2021.
Curral Velho já foi contemplado em alguns editais e prêmios ligados à cultura popular,
possibilitando a permanência e disseminação de sua manifestação. De acordo com o Seu
Augusto, o Batuque já viajou e se apresentou em diversas regiões do Piauí e do Nordeste,
participando também de festivais (informação verbal67).

Dentre os benefícios oriundos das lutas pela permanência cultural do Batuque, a


Comunidade Curral Velho conseguiu gravar um CD, participar de livros68 e até um
documentário em DVD69, além da construção da Sede para a realização de suas
apresentações. Infelizmente, em decorrência do tempo e naturalmente, do intemperismo
causados pelas chuvas, a sede já está em acelerado processo de deterioração, tendo parte
de sua estrutura desmoronada, dificultando o acesso à produção cultural local.

Hoje, o maior desafio cultural de Curral Velho é a permanência do Batuque, visto por
eles como pauta de desinteresse das novas gerações que não buscam perpetuar a memória
e a história local. A produção de oficinas de aprendizados para os jovens é uma das metas
da comunidade futuramente.

A produção artesanal de cultura material de uso cotidiano em Riacho dos Negros é


claramente observada em dois elementos bastante representativos para as comunidades
locais: a cerâmica e o trançado em palha.

A produção cerâmica é amplamente atribuída às “mulheres loiceiras do Junco”,


atividade historicamente parte das mulheres residentes na comunidade. Emídia Rodrigues,
loiceira desde muito nova e que aprendeu este ofício com a sua mãe, comenta que produz
todos os tipos de produtos vindos do barro como potes d’água, panelas, alguidar, caqueiro
de planta dentre outros (informação verbal70).

67
Entrevista de Augusto Vieira de Sousa concedida ao ECQ, 24/01/2021.
68
IPHAN, Bens Negros: referências culturais em comunidades quilombolas do Piauí.
Superintendência do IPHAN no Piauí. Org.: Ricardo Augusto Pereira. Teresina-Piauí. IPHAN-PI,
2012.
69
IPHAN, Cabeça de Bale: batuque da comunidade quilombola Curral velho. São João do Piauí.
Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=OtiQ94xmXXM
70
Entrevista de Maria Emídia concedida ao ECQ, 20/01/2021
PRANCHA 12: Cultura Material e espacialidade ligada ao Batuque do Curral Velho. Parte Superior: instrumento caixão. Parte Inferior:
Sede de Batuque Manoel Tomaz. (Acervo da Pesquisa, 2021).
A cadeia operatória ligada à produção cerâmica do Junco, de acordo com D. Maria
Emídia (informação verbal71), é constituída de:

- Obter o barro na beira do rio;

- Amassar e misturar o barro com as mãos;

- Moldar;

- Secar à sombra (geralmente dentro de casa);

- Queimar no forno;

- Em alguns casos, decorar.

Emídia conta que, antigamente, a produção das mulheres loiceiras do Junco se


dava, principalmente, no período da tarde, pois durante a manhãs, elas estavam na roça
ajudando os maridos no cuidado com as roças. Estes, os auxiliavam na construção dos
fornos e na coleta de lenha para a queima.

Como a maioria das mulheres produziam cerâmica na comunidade, a saída era


vender os produtos na feira da cidade, sendo também objetos de troca de alimentos. Hoje,
dona Emídia se diz cansada e quase não produz mais, mas seus filhos herdaram o seu
oficio e continuam a produzir e revender os artefatos de cerâmicas, principalmente na sede
de São João, além de enviar para outras cidades das adjacências como São Raimundo
Nonato (informação verbal72).

Figs.109 e 110: Forno de queima e cerâmicas em processo de secagem na Comunidade


Junco.
A

Acervo da Pesquisa, 2021.


produção artesanal de artefatos de palha é comum na comunidade Curral Velho, tendo
como sua referência principal D. Josefa, ela com quase 100 anos de idade ainda trança
palha e nos conta sobre o seu aprendizado com este tipo de material.

A carnaúba, em abundância por toda a região, era usada para a extração das filhas

71
Idem.
72
Idem.
que logo se tornariam a palha, matéria-prima principal para a confecção de esteiras,
chapéus e vassouras para uso próprio e comercialização a nível local e adjacências
(informação verbal73).

A cadeia operatória da produção da palha para a confecção dos artefatos é mais


simplificada que a da cerâmica, e consistia apenas na coleta do que é chamado de “olho” da
carnaúba (a folha) e posteriormente colocados para secar, depois já estava pronta para o
processo de trançar (informação verbal74).

Fig. 111: Trançado de palha, na Comunidade Curral Velho

Acervo da Pesquisa, 2021.

Os cabelos com “estética afro” também estão cada vez mais fazendo parte do
cotidiano de mulheres jovens e adultas do Território Riacho dos Negros. Maria Betânia
Gomes Pereira aprendeu a lidar com cabelos fazendo cursos e através da internet e hoje
atua na Comunidade Malhada aplicando várias técnicas de trançados em cabelos.

Para ela, é muito importante que as mulheres e principalmente as jovens possam


hoje assumir a sua identidade histórica e racial a partir de seus cabelos crespos, cacheados
ou ainda trançados e conta que o ambiente da internet e das redes sociais vem auxiliando
na disseminação dessas informações que as incentivam. Inclusive, é através das redes
sociais que divulga todo o seu trabalho e consegue um público cada vez maior em toda a
região (informação verbal75).

Dentre suas técnicas, para o trançado, ela usa o cabelo do tipo jumbo, e para a
aplicação em tela ela utiliza apenas cabelo humano. Devido ao reconhecimento de seu
73
Entrevista de Josefa Rodrigues de Sousa concedida ao ECQ, 24/01/2021.
74
Idem.
75
Entrevista de Maria Betânia Gomes Pereira concedida ao ECQ, 20/01/2021.

AcervoFigs.
da Pesquisa,
112 e 113:
2021.
Trançado em cabelos na Comunidade Malhada.
trabalho, antes essa matéria-prima vinha de grandes centros urbanos como São Paulo, mas
na cidade de São João, já há a venda desse tipo de material. O que, segundo ela,
impulsiona o desejo das meninas em adotarem ou assumirem a sua estética identitária,
principal foco do seu trabalho, por ser também uma mulher negra e quilombola (informação
verbal76).

Certamente, o futebol é um elemento cultural bastante latente em absolutamente


todas as comunidades quilombolas que compõem o Território Riacho dos Negros, não é à
toa que é o esporte que tem a cara do Brasil. Quadras e campos para a diversão estão
distribuídos por vários lugares, inclusive adaptados aos mais diversos tipos de equipes:
masculinas ou femininas e ainda adaptadas em conformidade a quantidade de jogadores ou
jogadoras.

Além do esporte por diversão, há também os torneios e campeonatos que mobilizam


times, jogadores e jogadores de todo o território e adjacências, servindo também como
“vitrine” dos talentos da casa.

Osmar Venâncio, além de presidente da Associação Quilombola do Riacho é um dos


grandes incentivadores do esporte na localidade Junco, organizando torneios e partidas de
futebol de diversas categorias (informação verbal77).

76
Idem.
77
Entrevista de Osmar Venâncio de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
Em Elizier, as comemorações da Padroeira local também mobilizam o sistema
esportivo local, na promoção de torneios e campeonatos de futebol tanto para adultos
masculino e feminino, quanto para crianças. A importância é tanta que é apontada pelos
próprios moradores como uma das manifestações culturais mais latentes da comunidade
(informação verbal78).

A divisão espacial de gênero também é bastante visível quando há, no mesmo


espaço, campos ou quadras distintas entre masculino e feminino. Tal cenário é comumente
encontrado em todas as comunidades.

Fig. 114 : Exemplo do que as comunidades denominam de campo


(em primeiro plano) e de quadra, logo atrás.

Acervo da pesquisa, 2021.

O ofício do vaqueiro é um dos grandes legados da formação histórica do Piauí


e que foram responsáveis por forjar a nossa identidade ao longo do processo de
expansão das áreas interioranas do Nordeste.

Ao longo da obtenção de dados para esse Estudo, cruzamos pelas estradas


com inúmeros vaqueiros e pequenos jovens trajados com toda a vestimenta
característica do ofício misturado outros vaqueiros experientes vivenciando essa
pratica cultural. Nas casas, as cangalhas, celas e chapéus disputam lugares nos
tornos com as redes dependuras, aguardando o próximo amanhecer para se
embrenhar na caatinga.

O Sr. Expedito Nunes, da comunidade Estreito, comenta que foi vaqueiro, já


praticou o que se denomina de “pega de boi”, porém, não trabalhava para nenhum
fazendeiro, como é comum no oficio de vaqueiro, e sim cuidando de suas próprias

78
Entrevista de Edmilson Santana Sousa concedida ao ECQ, 26/01/2021.
Fig. 115 e 116: Gibão de vaqueiro e cela dispostos nas entradas das casas em Estreito e
Curral Velho.
criações (informação oral79).

Em Curral Velho, por exemplo, a cultura da vaquejada é tão presente que


está sendo construído um parque de vaquejada para a prática da competição e
Acervo da pesquisa, 2021.
comemoração de datas em alusão à figura do vaqueiro, será denominado de Parque
2 irmãos.

Na Localidade existe a Passeata do Vaqueiro e a vaquejada propriamente


dita. A principal data de comemoração dos vaqueiros acontece anualmente no dia 7
de setembro.

Fig. 117: Parque de Vaquejada 2 Irmãos, em Curral Velho.

79
Entrevista de Expedito Joaquim Nunes concedida ao ECQ, 26/01/2021.
Acervo da Pesquisa, 2021.

Fig. 118 : Vaqueiro em Riacho do Ancelmo.

Acervo da Pesquisa, 2021.

9.3 Infraestrutura Social e Produtiva

9.3.1 Educação

O território da Comunidade Remanescente de Quilombo Riacho dos Negros não


possui nenhuma escola em funcionamento. As unidades escolares das seis nucleações
foram fechadas há mais de dois anos, com a justificativa de que o número de alunos não era
suficiente para manter a escola funcionando, em decorrência de seu funcionamento através
de ensino multisseriado.

Os alunos do Junco, Malhada, Riacho do Ancelmo, Estreito e Elizier, foram


remanejados para a escola do assentamento Lisboa. Para alunos do Jardim I ao 9° ano, a
prefeitura disponibiliza transportes escolares, ônibus e vans. Já para o ensino médio é
custeado pelo governo do estado, que oferece carro de carroceria, e que constantemente
apresenta problemas durante o percurso e devido à precariedade das estradas vicinais no
período de chuvas, como explica Osmar, presidente da associação do território Riacho dos
Negros:

(...) a educação aqui tá meio bagunçada, porque a escola fechou (...) eles
[alunos] tem que ir pra Lisboa. Quando chove as estradas ficam ruins, tem
tempo que passa uma semana sem ir, 15 dias, por causa desses riachos
que desce, da água, não tem como passar (...) o transporte aí varia, tem
tempo que está um ônibus bom, depois vem um mais [ruim] (...) do Estado é
que é mais precário ainda (...) (INFORMAÇÃO VERBAL80).

As últimas escolas que funcionaram no território, eram as do Junco, Malhada e


Curral Velho. Na Malhada funcionava do 1° ano ao 5° ano e no Junco os jardins I e II. De
acordo com a moradora da Malhada, Jarlane Rodrigues (informação verbal 81), havia alunos
suficientes para manter a escola se agregasse as comunidades quilombolas. Segundo ela,
os estudantes enfrentam um longo cansaço no deslocamento, saindo às 6h da manhã de
casa e retornando meio dia, e os jovens que fazem o ensino médio costumam chegar meia
noite na comunidade, e que muitas vezes, quando o carro tem problemas na estrada, os
pais tem que encontrar um jeito de busca-los. Os alunos do Curral Velho vão para a Escola
do Assentamento Marrecas, que fica a uma distância de oito quilômetros da nucleação. O
percurso também é feito com vans escolares.

Terminado o ensino médio no assentamento Lisboa, alguns jovens que permanecem


no território, fazem alguns cursos técnicos e superiores no Centro Educacional Sul do
Piauí (CESP), no Instituto Federal do Piauí (IFPI), na Escola Agrícola Francisca Trindade, na
Escola Deputado Paes Landim Neto, EAD na Universidade Aberta do Brasil e Universidade
Estadual do Piauí, através da plataforma Paulo Freire.

Quando perguntados aos entrevistados das nucleações se a escola na qual estão


inseridos os alunos da CRQ Riacho dos Negros adota as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Escolar Quilombola (DCNEEQ), a resposta foi uníssona: não há nenhuma
diferenciação nos conteúdos programáticos para os estudantes das comunidades. Essas
diretrizes estabelecem que “seja desenvolvida em unidades educacionais inseridas, em
suas próprias terras, baseadas na cultura de seus ancestrais, com uma pedagogia própria, e
de acordo com a especificidade étnico-cultural de cada comunidade, reconhecendo-as e as
valorizando” (BRASIL, 2012). No entanto o que se percebe é que essas diretrizes são
pouco efetivas nos territórios quilombolas e não há aplicabilidade nas escolas.

80
Entrevista de Osmar Venâncio de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
81
Entrevista de Jarlane Rodrigues de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
9.3.2 Saúde

No que diz respeito à saúde, os moradores da CQR são atendidos em Unidades


Básicas de Saúde do povoado Estreito, que tem atendimento médico uma vez na semana, e
na UBS do assentamento Lisboa, que há tanto atendimento médico, quanto odontológico.

O acompanhamento das pessoas que possuem comorbidades como o diabete,


hipertensão ou estão acamados é feito pelos agentes de saúde da comunidade. Na
nucleação Junco e Malhada, a responsável pela área é a agente de saúde Roseane Maria
Rodrigues que mora dentro da CRQ. Já no Riacho do Ancelmo, Estreito, Curral Velho e
Elizier, não conseguimos contactar o agente de saúde que atende a área, e que segundo os
moradores mora na sede do município.

De acordo com a agente de saúde Roseane (informação verbal82), para casos


graves, como acidentes com fraturas, assim como em toda a região, os pacientes são
levados para o hospital da cidade de São João do Piauí e de lá, quando há necessidade,
encaminhados para outras cidades como São Raimundo Nonato, Floriano ou Teresina, para
melhores estruturas hospitalares.

9.3.3 Saneamento Básico

A maioria das formas de abastecimento de água da Barra II, como explicitados na


caracterização das nucleações, é proveniente de poços artesianos, principalmente para o
consumo das famílias. Não apresentando nenhum tratamento direto na fonte, essa água é
encanada para as residências por tubulações de PVC e fica a cargo do morador algum tipo
de melhoramento da qualidade, seja por filtragem ou fervura da mesma.

Para o consumo animal, além da água dos poços, os açudes, represas e barragens
atendem à demanda durante todo ano no dessedento dos animais, servindo de criatórios de
peixes (traíra e tilápia).

Fig. 119: Represa no Riacho do Ancelmo Fig. 120: Tanque do Estreito


Ac
er vo
da

82
Entrevista de Roseane Maria Rodrigues concedida ao ECQ, 20/01/2021.
pesquisa, 2021.

As moradias das comunidades são de alvenaria, no mesmo padrão das casas de


Saco/Curtume, com piso de cimento ou revestidos de cerâmica e banheiros com fossas
sépticas construídos pela FUNASA. Algumas residências foram reformadas pela Prefeitura
de São João do Piauí. Não há coleta de lixo na comunidade, os moradores queimam o lixo
produzido ou jogam em um local especifico no fundo dos quintais.

Fig. 121 : Moradias na comunidade Malhada Fig. 122 : Moradias na comunidade Estreito

A
c er
v o

da pesquisa, 2021

9.3.4 Outras Infraestruturas

Todas as comunidades do Território Riacho dos Negros têm energia elétrica, o que
possibilita o abastecimento das residências através do bombeamento de água dos poços.

A maioria das famílias possui motocicletas e carros para os deslocamentos para a


sede do município, que costuma ser frequentemente nas segundas-feiras, quando os
moradores vão à feira fazer compras de alimentos não encontrados na região.

Estreito, Malhada e Junco apresentam cobertura no sinal telefônico de operadoras,


mas que oscila em determinados pontos. Curral velho, Estreito e Elizier estão em processo
de instalação torres de internet. Já Riacho no Riacho do Ancelmo nenhum desses recursos
de comunicação chegam.

Fig. 123: Torre de telefone em Estreito Fig. 124: Antena de internet no Estreito
Acervo da pesquisa, 2021.

9.3.5 Produção

A agricultura familiar de sequeiro é a principal atividade econômica da CRQ. Os


principais cultivos são: feijão, milho, mandioca, algodão, melancia e abóbora. Este tipo de
agricultura, por depender das chuvas que são escassas na região semiárida, a qual está
inserida a comunidade, não se revela como geradora de renda, e se apresenta mais como
meio de subsistência, não gerando grandes excedentes para venda, como pontua José
Rodrigues Neto, agricultor de Riacho do Ancelmo:
[...] hoje a gente não planta mais mandioca porque os invernos é pouco, é
só milho mesmo e feijão, e pelo jeito que vai tirando, a gente não sabe como
é que vai passar, porque já é janeiro, no fim, e a gente não conseguiu
plantar ainda nada. [...] eu tenho uma roça com dez tarefas toda executada
[...] todo mundo aqui planta. [...] a produção nossa, ela não é grande não, a
produção do milho é pequena, a produção do feijão aqui até que dar. [..] o
legume que a tira, a gente não vende nada, fica tudo no consumo de casa
[...] (INFORMAÇÃO VERBAL83)

Alguns agricultores praticam a agricultura irrigada, mas apresentam-se como casos


pontuais no território, em comunidades localizadas mais próximas ao leito do Rio Piauí, ou
que possuem poços jorrantes, exemplo de Junco, Elizier e Curral Velho. Porém a produção
é de pequena escala, cultivando banana, milho e capim para alimentar os animais.

Fig. 125: Plantação de capim em Curral Velho Fig. 126: Bananeiras em Elizier

83
Entrevista de José Rodrigues Neto concedida ao ECQ, 20/01/2021.
Acervo da pesquisa, 2021

Além da agricultura, as famílias são criadoras de ovinos, caprinos, suínos e bovinos.


Essas criações ajudam os produtores na complementação da alimentação, assim como na
geração de renda, com a venda das carnes e derivados, seja na própria comunidade, seja
para os mercados da cidade de São João do Piauí, explica Osmar: “a criação aí é pra
vender também no mercado, em São João, é porco, é gado, criação de ovelha. O que
menos o pessoal vende aqui é galinha, vende mais pouco” (informação verbal84).

Fig. 127: Caprinos na comunidade Junco

Acervo da pesquisa, 2021.

A principal fonte de renda das famílias da CRQ Riacho dos Negros vem dos
programas sociais do governo federal, o programa Bolsa Família, e de aposentadorias rurais
ou de diárias de capina para aqueles agricultores que plantam uma área maior e podem
pagar, como aponta Osmar: “(...) a renda aqui, certa mesmo, é só o cartão cidadão, o bolsa
família, e outros trabalham umas diaristas pra esses caras que tem mais uma condiçãozinha
(...)” (informação verbal85).
84
Entrevista de Osmar Venâncio de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
85
Entrevista de Osmar Venâncio de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
É comum o êxodo rural no território que, contrário à CRQ Saco/Curtume, os jovens
de Riacho dos Negros, quando terminam o ensino médio e não encontram emprego na
região, migram para cidades do sudeste e centro-oeste em busca de oportunidades de
trabalho, principalmente na construção civil.

9.3.6 Organização Comunitária

Na CRQ Riacho dos Negros, o mecanismo de organização comunitária principal é a


recém criada Associação Territorial do Quilombo Riacho dos Negros, fundada apenas em
2020. Segundo seu presidente, Osmar Venâncio de Sousa, a criação se deu em vista à
necessidade das comunidades do território em participar de projetos em busca de recursos
para as melhorias por eles almejadas (informação verbal86).

Por ter sido criada recentemente, a Associação ainda está em processo de registro
oficial87 e também não possui uma estrutura física, sendo que as reuniões acontecem
atualmente na Comunidade Malhada, por situar-se em um local mais central e assim,
possibilitar a participação de todas as comunidades (informação verbal88).

Outra forma interessante de ser destacada no que concerne à organização


comunitária é o trabalho coletivo na lavoura realizado em Curral Velho. De forma geral, os
agricultores que não têm condições de pagar trabalhadores para a capina das roças, se
organizam em “dias de serviços”. Basicamente, trata-se de um mutirão comunitário para a
organização dos roçados em que se pratica a limpeza da vegetação invasora, permitindo a
otimização do tempo, dedicando-se mais para o plantio – estagio crucial para a agricultura
de sequeiro, que depende exclusivamente, de um curto período chuvoso no “inverno”
sertanejo.

A nível de entretenimento, um grupo de mulheres em Malhada se organiza para o


sorteio de itens entre elas, trata-se de uma espécie de consórcio, em que todas as
participantes mensalmente compram objetos ou guardam uma quantia específica de
dinheiro e realizam um sorteio para que apenas uma mulher por mês seja contemplada com
todos os prêmios (informação verbal89).

Tal ação reforça os laços de solidariedade e de companheirismo entre as mulheres


que, geralmente, usam o prêmio para a aquisição de bens ligados à sua própria vivência,
como roupas, objetos de casa, mantimentos e, inclusive utilizando-o para pagar contas

86
Idem.
87
Durante a coleta de dados deste ECQ, o presidente estava em tramite no cartório local realizando o
registro da Associação.
88
Idem.
89
Entrevista de Jarlâne Rodrigues de Sousa concedida ao ECQ, 20/01/2021.
pessoais.

A organização comunitária espraia-se pelos movimentos culturais e religiosos das


comunidades pertencentes ao Território Riacho dos Negros, pois onde há festividades de
cunho católico, principalmente novenários, as festividades envolvidas no evento contam com
a mobilização dos moradores anfitriões, que se organizam para deixar tudo pronto para
receber seus amigos e parentes.

Desde a organização das missas, terços e rezas, até a construção de barracas e


feitura de comidas locais para a venda, bem como a organização de festas em clubes ou
espaços públicos, partidas de futebol, etc.90.

9.4 Recursos Ambientais Naturais

9.4.1 Paisagem Física

9.4.1.1 Baixões

Os Baixões no território de Riacho dos Negros abrangem as áreas mais baixas


desse conjunto de relevo existentes na área desse quilombo como representado na figura
abaixo, têm-se nas comunidades as suas principais características situadas ao redor dos
córregos, lagos e alguns do leito do rio Piauí. Dessa forma, os Baixões desse território
constituem-se as principais áreas úmidas da região, tornando-se assim as terras mais
adequadas para a atividade agrícola.
Nestes baixões do território Riacho dos Negros a sensação térmica é mais baixa na
época chuvosa comparada a outras regiões, isso ocorre devido a vegetação mais densa do
local propiciar clima mais agradável. Essas condições favorecem o lazer da população da
comunidade, possibilitando a realização de acampamentos, cavalgadas e passeios.

Nesse sentido, Mascaró e Mascaró (2010) dizem que: “A vegetação possibilita uma
menor pressão do calor radiante e proporciona condição de frescor, de absorção parcial dos
raios solares, além de gerar sombreamento para edificações, pedestres e veículos nas vias
urbanas”

90
Vide item Aspectos Históricos, religiosos e culturais.
Fig. 128. Baixão região da malhada.

Acervo de pesquisa, 2021.

9.4.1.2 Grotões/Grutiões

Próximo a comunidade Riacho do Ancelmo e a comunidade Malhada, existem áreas


diversas com a presença de grotas e grotões, popularmente chamados também pelos
moradores e moradores como “grutiões”. Estas aberturas existentes no solo são locais por
onde as águas das chuvas invadem os campos marginais nos morros e chapadas das
comunidades, característicos por terrenos em planos inclinados, possuindo intersecção de
suas rochas e segundo Queiroz et al., (2015) são “depressões do solo de largura variável
que podem inundar após fortes chuvas, reduzindo a energia do curso d’água”. Esses locais
também servem de abrigo para alguns animais silvestres, haja vista que é perceptível a
presença de rastros de diferentes animais circulando nesses espaços.

Em especifico a região de Riacho do Ancelmo possui a área com maior número de


grotas e grotões, justamente devido as características irregulares do relevo, o que intensifica
a erosão causada pelo carreamento das partículas do solo pela chuva. Isso corrobora com
relato de Bertoni e Lombardi Neto (2005), em que segundo eles a erosão é dita como:

Um processo de desprendimento e arraste das partículas do solo causado


pela água e pelo vento; entre os fatores que influenciam na magnitude do
processo erosivo, estão as chuvas, a infiltração, a topografia do terreno, a
cobertura vegetal e a natureza do solo (BERTONI; LOMBARDI NETO,
2005).
Fig. 129. Grota na Região da Malhada

Acervo de pesquisa, 2021.

Outro ponto que chama atenção é o Grotão de Curral Velho chamado de Grotão dos
Rodrigues, local próximo a barragem Bom Sucesso. Nessa área há uma depressão bem
acentuada, sendo esse um dos pontos referências da comunidade com elevações baixas, o
qual é considerado como o marco inicial do principal acesso para a sua barragem.

Por ser afastado do centro urbano do município, as características da vegetação


ainda permanecem bem preservadas, possibilitando assim conforto térmico mais acentuado.
Além disso foi observado a existências de espécies vegetais como umbuzeiro (Spondias
tuberosa L.), pião-manso (Jatropha curcas) e angico verdadeiro (Parapiptadenia rigida). O
referido local também dá acesso a comunidade favela.

Fig. 130. Grotão dos Rodrigues, próximo a comunidade Curral velho.

Acervo de
pesquisa, 2021.
9.4.1.3 Morros

O Território Riacho dos Negros, pelo fato de ser situado em área com relevo
irregular, o que favorece a existência de cristas com menos de 300 m de altitude, sendo
denominadas morros. Que segundo a Resolução CONAMA 303/2002, define-se como uma
“elevação do terreno com cota do topo em relação à base entre cinquenta e trezentos
metros e encostas com declividade superior a trinta por cento (aproximadamente dezessete
graus) na linha de maior declividade” (CONAMA, 2002).

A maior parte do território e sua expansão, é caracterizada por terrenos


topograficamente mais inclinados e geologicamente instáveis, como é caso do Morro do
Amor situado na localidade Estreito e Morro da Cruz situado na comunidade Malhada,
aonde a ocupação de vertentes desses morros em áreas extremamente suscetíveis a
intempéries ou de grande drenagem causadas por erosão, são intensas e os caracterizam
com altas elevações.

Esses possuem uma importância histórica e ambiental para as comunidades, por


exemplo o morro do amor na comunidade Estreito é conhecido pelo acesso de pessoas a
noite para conversarem e namorarem, além de favorecer o acesso das pessoas a rede
móvel de telefone. Já o Morro da Cruz, locado na comunidade Malhada serve como
referência de localização da comunidade, mas também tem a importância religiosa da
região, na qual pessoas cumprem suas promessas subindo neste morro com elevação alta,
além de fazerem suas orações e pregações.

Outro Morro conhecido no território é a área de comunicação da comunidade


Curral Velho, o qual é localizado nas “terras” da família Rodrigues, contudo o acesso ao
morro é livre e não possui cercas ou barreiras as quais os moradores necessitem transpor
para acessar a internet via dados móveis, utilização de redes sociais, receberem ligações e
efetuarem ligações graças a presença de sinal de operadora de telefonia.

Fig. 131. Área de acesso à Comunidade Curral Velho.


Acervo de pesquisa ,2021.
Fig. 132. Área de drenagem e caracterização de solo do território.

Acervo de pesquisa, 2021.

Um dos principais acessos e pontos notáveis da comunidade Curral Velho é a


passagem pela entrada da Fazenda Aveloz, local esse repleto de currais para abrigo de
bovinos, suínos e aves, além de ser também uma área com vegetação nativa preservada
em consórcio com espécies forrageiras.

Fig. 133. Área de acesso à comunidade Curral velho.

Acervo de pesquisa ,2021.

9.4.2 Fauna e Flora

9.4.2.1 Flora

No Território Riacho dos Negros, encontram-se seis comunidades nas quais tem
como bioma a Caatinga. Desse total de comunidades Quilombolas, todos possuem
diversificação entre Caatinga arbórea e Caatinga arbustiva.

Para Magalhães (2021):

O nome Caatinga significa, em tupi-guarani, “mata branca”. Esse nome faz


referência a cor predominante da vegetação durante a estação de seca,
onde quase todas as plantas perdem as folhas para diminuir a transpiração
e evitar a perda de água armazenada. No inverno, devido a ocorrência de
chuva, as folhas verdes e as flores voltam a brotar.

A região em estudo está inserida no “bioma Caatinga, onde representa uma das
maiores e mais distintas regiões fitogeográficas brasileiras, compreendendo uma área
aproximada de 734.478 Km², o que representa cerca de 70% da região Nordeste" (BUCHER
1982).

No que diz respeito a formação vegetal do município de São João do Piauí-PI, o qual
está inserida a região desse estudo, como já dito anteriormente o bioma Caatinga é
predominante, assim o estrato vegetal é formado por plantas xerófilas, as quais segundo
Silva (2016), são plantas que “compõem um grupo complexo que possui uma capacidade de
sobreviver e reproduzir em ambientes caracterizados geralmente por baixa precipitação e
condições atmosféricas que promovem uma rápida perda de água”. Além de algumas
plantas perenifólias como o Juazeiro e carnaúba, plantas essas que tem como
características principais maior longevidade das folhas (LIMA, 2005), ou seja, essas plantas
não perdem folhas no período de estiagem.

As espécies vegetais presentes na Caatinga podem ser divididas em 3 estratos:


arbóreo, arbustivo e herbáceo. São exemplos de espécies do bioma: Cacto (Cactaceae),
Catingueira (Caesalpinia pyramidalis), Facheiro (Pilosocereus pachycladus), Juazeiro
(Ziziphus joazeiro), Mandacaru (Cereus jamacaru), Umbuzeiro (Spondias tuberosa) e Xique-
xique (Pilocereus gounellei) (ROCHA et al., 2017).

Fig. 134: Vegetação na comunidade Junco.


Acervo de pesquisa, 2021.

A vegetação xerófita presente no território quilombola tem grande importância


ecológica, mas, apesar disso, calcula-se que uma grande área de Caatinga já fora
transformada quase num “deserto”, o que é explicado pela extração de madeira utilizada
como lenha e pelo manejo inadequado do solo ou incêndios causados devido à seca e baixa
umidade das localidades.

Na área deste estudo, foram identificados um maior número de indivíduos levantados


no campo, merecendo destaques as seguintes espécies: Marmeleiro (Croton jacobinensis),
Quebra-faca (Croton conduplicatus), Catingueira (Cenostigma microphyllum), Jurema-preta
(Mimosa tenuiflora) e Angico (Anadenanthera colubrina). Por causa da variedade de
espécies do território e do seu relevo, é possível encontrar na comunidade uma diversidade
de paisagens e vegetações.

O tipo de solo mais comum é raso e pedregoso, na qual apresenta também plantas


de baixo porte (arbustos) e cactáceas sob depressões sertanejas característica dessa
região. Confirmando essa afirmação Jacomine (1986), descreve os solos da região como:

Provenientes da alteração de filito, arenito, siltito, laterito e folhelho, são


rasos ou pouco espessos, jovens, às vezes pedregosos, ainda com
influência do material subjacente. Dentre os solos regionais predominam
latossolos álicos e distróficos de textura média a argilosa.

Fig. 135: Caatinga arbórea próximo a comunidade Elizier.

Acervo de pesquisa, 2021

A vegetação encontrada nas comunidades Elizier e Estreito pode ser definida


como uma mata de porte arbóreo composta principalmente por árvores pequenas, média e
arbustos. Caracterizada por caules retorcidos, além da presença de espinhos. Plantas
suculentas da família cactácea são comuns encontradas na região e a camada herbácea
efêmera, só estando presente durante a estação chuvosa.

Existem ainda diversos brejos, igualmente acompanhados de pequena mata ciliar.


Em alguns pontos do território pode se observar a presença de pequenos fragmentos de
matas artificiais e plantas frutíferas, formadas principalmente por espécies cultivadas como
cajueiro, mangueira e
coqueiro, os quais foram
plantados há muito tempo, nas
que nomeadas hoje antigas áreas
de ocupação das comunidades.

Fig. 136: Coroa- de-frade, espécime


endêmica da região.

Acervo de pesquisa, 2021

Além das características vegetais que formam uma paisagem exuberante, foi
observado também que os moradores daquela possuem habito cultural de preservar as
moradias mais antigas, o que demonstra uma grande riqueza cultural por parte deles. Essas
casas ainda existentes possuem na sua maioria, madeira de origem nativa como a
carnaúba, planta com grande resistência caulinar, sendo esta espécie uma das árvores
símbolos do estado do Piauí.
Fig. 137: Carnaúba (Copernicia prunifera).

Acervo de pesquisa, 2021


A carnaúba é uma palmeira exclusiva da Caatinga que permanece com as folhas
verdes, mesmo no período seco. A comunidade utiliza as folhas dessa palmeira para
extração de uma cera de alta qualidade, que pode ser colhida anualmente sem prejudicar a
planta (M. JUNIOR; MARQUES, 2009), gerando trabalho e renda para muitas famílias.

Segundo Alves (2008), a “carnaubeira, é uma planta de crescimento lento que se


propaga facilmente por dispersão de sementes. Muito resistente, praticamente não é
atacada por pragas e doenças”, sendo de fácil localização no território em estudo devido ao
grande número de indivíduos existentes naquela região, como esta da figura x, alocada na
comunidade Riacho do Ancelmo.

9.4.2.2 Fauna

Esse levantamento de fauna localizado nas proximidades da comunidade do


Território Riacho dos Negros, além de mostrar a diversidade presente na região, expõe os
conhecimentos que a comunidade possui sobre a fauna, e como os têm utilizado ao longo
da história das comunidades.

São diversas as espécies de animais silvestres que são utilizados pela comunidade
como alimento, sendo desde aves, peixes e quadrupedes, além dos animais domesticados.
Dentre esses animais têm-se: paca (Cuniculus paca), tatu verdadeiro (Dasypus
novemcinctus), tatu peba (Euphractus sexcinctus), cutia (Dasyprocta azarae), veado-
catingueiro (Mazama gouazoubira), caititu (Pecari tajacu), jacu (Penelope obscura), traíra
(Hoplias malabaricus), dentre outras.

Outro ponto importante destacado pelas comunidades, a preservação da fauna é


recorrente nas falas dos moradores, em especial à questão alimentar, pois com a derrubada
da vegetação do outro lado do rio Piauí e com o encolhimento do território pela grilagem e
dragagem, termo utilizado para definir qualquer tipo de mineração ou retirada de material do
leito do rio (JACOMINE, 1986), e assim o uso da fauna junto com flora foi prejudicado.

A fauna recebe proteção constitucional como meio de assegurar a efetividade do


direito ao meio ambiente equilibrado (art. 225, § 1.º, VII).

A Lei n.º 5.197, de 03 de janeiro de 1967, dispõe sobre normas de proteção


à fauna silvestre, dando premissas básicas à vida animal. Os meios de
proteção estão consubstanciados nas proibições de utilização, perseguição,
destruição, caça, apanha de animais e as transgressões constituem-se em
crimes ambientais nos termos da Lei n.º 9.065, de fevereiro de 1998
(BRASIL, 1998).

No território de Riacho dos Negros é possível de ser encontrar uma variação grande
de avifauna como por exemplo: beija-flor (Thalurania glaucopis), cabeça-vermelho (Paroaria
dominicana), gavião-carijó (Rupornis magnirostris), tico-ticos (Zonotrichia capensis) e
coleiros (Sporophila caerulescens), destacando-se, ainda as várias espécies de papagaios e
periquitos (Psittacidae spp.), pica-paus (Picidae spp.) e, ainda, pombas e rolinhas
(Columbidae spp.). Considerando os registros de campo, estão entre as aves mais
abundantes de toda a região: carcarás (Polyborus plancus), periquitos (Brotogeris chiriri e
Aratinga aurea), as pombas e rolinhas (Columbidae).

Existem ainda alguns anfíbios na área do estudo. Apesar de serem animais com
necessidade de manutenção da sua pele umedecida, as espécies habitantes do bioma
Caatinga evoluíram e conseguem se desenvolver bem nesses ambientes, uma das
estratégias utilizadas por esses animais são os longos períodos de estivação, pode ser
entendida como um “conjunto de mecanismos fisiológicas e comportamentais utilizadas
pelos animais para sobreviverem em condições áridas” (CARVALHO et al., 2010).

As espécies de répteis que foram encontradas nas áreas de estudo são bastante
comuns na região, ocorrendo em uma grande variedade de habitats, contudo, a maioria
destas espécies, apesar de não serem habitantes exclusivas do interior da mata, possui
uma relação direta ou indireta com estes ambientes.

Foram registradas para a área de estudo, duas espécies de répteis, pertencentes a


duas famílias: Teiidae, Tropiduridae. Nenhuma das espécies observadas no local consta na
lista nacional ou estadual dos animais ameaçados de extinção (ICMBIO, 2016), porém,
todas são importantes para a conservação dos ambientes estudados, visto que cada uma
desempenha sua função no equilíbrio ecológico destes ecossistemas.

9.4.3 Recursos Hídricos

Dentro dos limites das áreas do território de Riacho dos Negros temos a presença de
Áreas de Preservação Permanente – APPs decorrentes do rio Piauí que é um curso d’água
natural e intermitente, entretanto poucas dessas áreas conta com vegetação ciliar no qual
acaba decorrendo em assoreamento do rio.
A Constituição Federal, diz que as águas dos lagos e dos rios podem
pertencer, conforme sua localização, à União (art. 20, VI) ou aos Estados
(art. 26, I), atribui competência exclusiva à União para legislar sobre águas,
e assim fez a União editando a Lei n.º 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que
institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos, prevê a gestão dos recursos hídricos
de forma descentralizada e executada com a participação do Poder Público,
dos usuários e das comunidades. Entre as diretrizes da Política Nacional de
Recursos Hídricos, destaca-se a integração da gestão das bacias
hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras e dentre os
seus instrumentos, o enquadramento dos corpos de água em classes,
segundo usos preponderantes, declinando à legislação ambiental o
estabelecimento das classes (BRASIL, 1988).
A Resolução CONAMA n.º 357, de 17 de março de 2005, considerando
entre outros fundamentos, diz que a classificação das águas doces,
salobras e salinas é essencial à defesa de seus níveis de qualidade... de
modo a assegurar seu uso preponderante na seguinte ordem:
abastecimento doméstico, proteção das comunidades aquáticas, recreação,
irrigação, navegação, harmonia paisagística, agricultura e dessedentação
de animais, faz a classificação dos corpos de águas, em classes e
estabelece os níveis máximos permitidos para lançamento de efluentes e
resíduos sólidos domésticos e industriais, de acordo com o enquadramento
e classificação dos rios, além de autorizar os órgãos de controle ambiental a
acrescentar outros parâmetros, ou tornar mais restritos os estabelecidos, a
fim de atender as peculiaridades locais (BRASIL, 2005).

9.4.3.1 Comunidade Junco

A comunidade Junco é caracterizada como a primeira área povoada do território


Riacho dos Negros, o acesso a essa comunidade depende da travessia pelo Rio Piauí, essa
comunidade tem pontos fortes com relação ao abastecimento hídrico, por possuir, tanques,
poços jorrantes e
artesanais.
Fig. 138 : Lagoa do São
João, na comunidade
Junco.
Acervo de pesquisa, 2021.

A Lagoa do São João, localizada na localidade Junco tem em geral origem natural e
está situada em depressões de rochas impermeáveis, é originada pela ocorrência de
diversas chuvas, porém não tem conexão com o Rio Piauí. Essas águas provenientes da
chuva ajudam a manter a biodiversidade aquífera na região da comunidade. A mesma lagoa
também é abastecida por um poço jorrante, localizado a 60 metros do ponto médio da lagoa,
na qual esse poço ajuda a manter a lagoa no mínimo hidratada, sem conseguir manter o
nível em seu ponto médio ou máximo, na qual a chuvas são responsáveis.

Quadro 11. Coordenadas geográficas de localização do poço artesiano na comunidade Junco.


Latitude 0798824°
Longitude 9077769º
Elevação 239 metros
Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 139: Poço jorrante da comunidade Junco.

Acervo de pesquisa, 2021.


9.4.3.2 Comunidade Malhada

Há alguns anos, o acesso para a comunidade Malhada por estrada era apenas até a
comunidade Estreito, após os moradores tinham que seguir montados em animais
apropriados (equinos). Com a abertura de estradas, ficou mais fácil a chegada até a
comunidade Malhada, tornando-a por muitos a ser considerada centro da região de Baixo,
por sua localização em relação às demais localidades de Riacho dos Negros.

O abastecimento de água a população é realizado via poço artesiano, sendo o


principal localizado em uma área elevada na área central da localidade, que possibilita a
melhor distribuição de água. Este poço, de acordo com as informações dos moradores
locais, foi equipado com apoio da CODEVASF. A água do poço, em geral, serve para
cozinhar, lavar roupas e para o consumo próprio.

Quadro 12. Coordenadas geográficas de localização do poço artesiano na comunidade Malhada.


Latitude 0796527°

Longitude 9088257º

Elevação 216 metros


Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 140: Principal poço de abastecimento Fig. 141: casa de bomba do poço da Malhada

Acervo de pesquisa, 2021.


Figura 142: Principal caixa de água da comunidade.

Acervo de pesquisa, 2021.

Na comunidade Malhada também possui alguns tanques pequenos localizados


próximo a saída da comunidade no sentido Riacho do Ancelmo e suas principais funções
são utilizadas para o consumo dos animais. As águas desses açudes são provenientes de
águas das chuvas, porém devido ao solo da região ser constituído de uma alta fração de
argila, redução a infiltração da água no solo, proporcionando maior período de
armazenamento.

A importância das cisternas na Malhada é fundamental para amenizar os danos


causados pela falta de chuvas nessa região e ao mesmo tempo uma alternativa viável para
um Desenvolvimento Sustentável sendo que, nesse caso, o envolvimento das famílias tem
sido essencial na perspectiva de melhores condições de vida.

Figs. 143 e 144: Pontos d’água em Malhada. A: Principal tanque da comunidade malhada e
B: Cisterna em residência da comunidade Malhada.

A B

Foto: Acervo de pesquisa ,2021.

Acervo de pesquisa ,2021.


9.4.3.3 Comunidade Riacho do Ancelmo

Um dos Principais Açudes da Comunidade Riacho do Ancelmo possui uma


diversidade de peixes, que podem ser consumidos pela população da comunidade, a
exemplo têm-se: traíras, piabas e tilápias, além de ser utilizado na irrigação de pastagens e
cultivo de milho, contudo a água proveniente desse açude pode ser utilizada para uso
doméstico e consumo pelos animais. As águas são provenientes de baixões e morros
próximos a comunidade, já que esta se encontra cercada por vales e grotões, assim
ajudando ao condicionamento de águas em seus tanques.

Outra fonte de abastecimento de água para a população da comunidade Riacho do


Ancelmo é via poço artesiano, sendo que nas proximidades o acesso ao lençol freático é
relativamente fácil, uma vez que não necessita de grandes profundidades para alcançá-lo,
sendo entorno de 50 m.

Quadro 13: Coordenadas geográficas de localização do poço artesiano na comunidade Riacho do


Ancelmo.
Latitude 0799442°

Longitude 9093446º

Elevação 279 metros


Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 145: Tanque dentro da comunidade Riacho do Ancelmo.

Acervo de pesquisa, 2021.


Figura 146. Principal poço da comunidade Riacho do Ancelmo.

Acervo de pesquisa ,2021.

Diferentemente da maioria das barragens e represas do território, o de Curral Velho


foi construído a pedido da comunidade às empresas. Para que isso ocorresse, houve um
forte movimento organizado por lideranças da comunidade a favor da construção dessa
grande represa denominada pela comunidade de Arvão.

Há de se atentar, no entanto, que os impactos ambientais decorrentes desses


empreendimentos, não são na maioria das vezes diretamente proporcionais à área inundada
pelo reservatório. A construção desse grande reservatório de água para a produção agrícola
não foi avaliada da mesma forma que a construção de um reservatório para abastecimento
público ou para a viabilização de consumo humano, mas sim para suprimento nos períodos
de seca na comunidade, como servindo para o suprimento de água aos animais silvestres e
domésticos.

Fig 147: Represa Arvão na Comunidade Riacho do Ancelmo


Acervo de pesquisa, 2021.

Ainda na mesma comunidade existe um riacho que leva o nome da comunidade.


Esse é de grande importância para região, servindo de abastecimento de água,
principalmente para a fauna que ali habita.

Para Esteves e Aranha (1999):


Os riachos são ambientes suscetíveis a impactos antrópicos negativos e
são definidos como rios de pequena ordem, com possíveis áreas de
inundação em períodos chuvosos e gradientes de poções, remansos e
corredeiras com rochas e pedras.

Para Santos e Reis (1997):


A ocupação humana desordenada e a deficiência de fiscalização nas
construções civis implicam na derrubada de matas ciliares e na instalação
de habitações nas margens de córregos e riachos, ocasionando prejuízo
ambiental e risco a própria população.

Fig. 148. Riacho próximo a comunidade Riacho do Ancelmo.

Acervo de pesquisa ,2021.

9.4.3.4 Comunidade Curral Velho

A Comunidade Curral Velho possui uma barragem bem notável na sua região,
próximo a uma chapada, chamada de Barragem Bom Sucesso a qual é abastecida pelas
águas da chuva que deslocam das partes mais altas próximas a ela. A barragem possui
peixes, como tilápias (Oreochromis niloticus) e traíras (Hoplias malabaricus), além do
aparecimento de jacarés (Caiman latirostris), essa é muito utilizada como fonte de água por
muitos animais silvestres e domésticos.
Quadro 14. Coordenadas geográficas de localização do Barragem Bom Sucesso, na comunidade
Curral Velho.
Latitude 0786909°
Longitude 9092195º

Elevação 210 metros


Acervo de pesquisa, 2021.

Uma História interessante contada pelo senhor Justino Rodrigues, morador da


comunidade é que, “antigamente os primeiros moradores, começaram a abrir o fundo da
barragem com picaretas e ferramentas de uso manual, com muito trabalho, no decorrer dos
anos foi que houve um melhor aperfeiçoamento da parede da barragem” (informação
verbal91).

Fig. 149: Barragem Bom Sucesso.

Acervo de pesquisa, 2021.


A comunidade possui um grande aparato de poços artesianos, com boas
localizações e distribuição entre as residências e propriedades. Entre eles o “poço do
colégio’’, situado nas imediações da Unidade Escolar Marlos Vereda, na qual abastece as
residências mais próximas a escola, além da água proveniente ser utilizada para irrigação
de plantios agrícolas.
Nessa mesma comunidade, há existência de um tanque para represamento de
água, o qual fica próximo à comunidade agregada Favela. Sendo este tanque um dos mais
antigos da comunidade, sendo a sua água utilizada apenas para o consumo de animais
silvestres e domésticos, não sendo recomendado para o uso humano devido a esses
animais depositarem fezes e urina nas águas.

91
Entrevista de Justino Rodrigues da Silva Neto, concedida ao ECQ em 22/01/2021.
Fig. 150. Tanque da localidade Favela.

Acervo de pesquisa, 2021.

9.4.3.5 Comunidade Estreito

Com boa recarga de água o açude do Estreito tem característica de grande


reservatório, tendo como objetivo armazenar água da chuva quando o recurso é abundante
para usar no momento de escassez. A diminuição da disponibilidade hídrica nessa região
possibilita que esse açude também seja contemplado para um maior número de usuários,
atendendo, assim, aos múltiplos usos de água. O referido açude possui uma vasta biota,
como peixes e jacarés, além de pássaros, anfíbios e animais domésticos que fazem uso
deste espaço.
Ainda sobre esse açude, destaca-se a construção do mesmo que teve apoio do
governo do estado Piauí em 1981, com o objetivo de amenizar problemas de períodos de
secas em áreas de maior risco, implicando, assim, na sua economia e na qualidade de vida
da comunidade. Esse açude permite atenuar a onda de períodos de estiagem servindo de
irrigação e bebedouros de animais nos períodos de escassez.

O Principal poço da comunidade está alocado próximo ao prédio da Unidade


Escolar da comunidade, o qual possui uma profundidade de 180 metros, e sua água é
utilizada para consumo humano e uso doméstico. A eficiência desse poço como fonte de
suprimento de água ajuda intimamente a comunidade a qual ele é ligado.
Fig. 151. Açude da Comunidade Estreito.

Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 15. Coordenadas geográficas de localização do poço artesiano, na comunidade Estreito.


Latitude 0795624°

Longitude 9086025º

Elevação 228 metros

Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 152: principal poço da comunidade Estreito.

Foto: Acervo de pesquisa, 2021.

9.4.3.6 Comunidade Elizier

A comunidade Elizier possui um poço jorrante muito importante. Este, é responsável


por abastecer a comunidade, e situa-se próximo ao leito do Rio Piauí. As águas
provenientes daquele poço, são para o uso na irrigação de bananeiras, mangueiras,
aceroleiras e pastagens, além de ser utilizada para consumo e uso doméstico.

Fig. 16. Coordenadas geográficas de localização do poço artesiano, na comunidade Estreito.


Latitude 0795871°
Longitude 9087704º
Elevação 302 metros
Acervo de pesquisa, 2021.

Fig. 153: Poço jorrante da comunidade, próximo ao leito do Rio Piauí.

Acervo de pesquisa, 2021.

A comunidade Elizier possui um tanque para os animais usufruírem, com


localização próximo a saída da localidade no sentido à comunidade Estreito. O rio Piauí
passa próximo a comunidade e algumas propriedades utilizam a água para lavarem roupas,
dar águas aos animais e irrigação, a comunidade possui cercas em suas propriedades bem
próximas ao Rio Piauí. A comunidade Elizier possui ainda uma lagoa intermitente decorrente
de água da chuva e com submersão do rio Piauí quando o mesmo a deságua.

Uma das características da comunidade é a abundância de água, contudo segundo


Felipe e Súarez (2010), “os desmatamentos alteram os habitats das bacias hidrográficas e a
dinâmica trófica destes ecossistemas, implicando na diversidade e composição das
espécies”. E ainda outros autores como Terres e Muller (2008), descrevem a importância
das matas ciliares, uma vez que:

A manutenção das matas ciliares contribui com o fluxo gênico entre as


espécies enquanto corredor ecológico para o deslocamento da fauna, com a
proteção contra processos erosivos do solo em regiões topográficas
acidentadas e com a qualidade da água dos rios, riachos e córregos quando
funciona como filtro para poluentes e sedimentos.
Fig. 154: Açude da Comunidade Estreito.

Acervo de pesquisa, 2021

9.5 Avaliação de Impactos Socioambientais

Entende-se por Avaliação de Impactos Ambientais um conjunto de metodologias,


procedimentos ou ferramentas empregadas por agentes públicos e privados na área de
planejamento e gestão ambiental, utilizado para descrever os impactos ambientais que
podem advir de um determinado empreendimento a ser implantado, de modo a identificar,
prevenir, medir e interpretar tais impactos, fornecendo subsídios para o processo de tomada
de decisão. (SÁNCHEZ, 2013; COSTA et al., 2005).

Nos Estudos do Componente Quilombola, a avaliação de impactos busca


compreender a dinâmica socioambiental das comunidades quilombolas em relação aos
processos de desenvolvimento econômico e suas influências sob os territórios
tradicionalmente ocupados, ante a instalação de empreendimentos na região. Nesse
sentido, os impactos socioambientais da CRQ Riacho dos Negros aqui descritos foram
identificados a partir do trabalho de campo deste ECQ e realização de oficina participativa,
que tinha por intuito apreender os impactos gerados pelo empreendimento sob a perspectiva
dos afetados.

Pautado sob procedimentos metodológicos participativos, identificou-se que os


impactos socioambientais, apontados pelos (as) quilombolas, incidem em dimensões social,
ambiental, econômica e cultural. Além disso, foi possível construir conjuntamente com as
comunidades a noção de impactos do empreendimento e as medidas de mitigação e
compensação a ele associados. Os impactos foram dimensionados nos seguintes aspectos:
territorial, qualidade de vida, sociocultural, ambiental e econômico. Estes aspectos
demostram como a Comunidade Remanescente de Quilombo percebem o impacto, levando
em consideração as experiências com empreendimentos anteriores.

Nas fases de planejamento, implantação e operação, estão previstas alterações nos


componentes dos sistemas naturais e sociais das áreas de influência do empreendimento,
que provocarão tanto impactos positivos quanto negativos. A análise realizada sugere que,
com o empreendimento, haverá aspectos positivos para a região, tais como cita Campos
(2019):

- A geração de empregos deverá resultar no aumento da oferta de emprego


e renda, aumento da qualificação da mão-de-obra, dinamização da
economia local.
- A sinalização das vias de acesso possibilitará a diminuição do risco de
acidentes com terceiros e de atropelamento da fauna silvestre.
- A restauração ecológica em áreas antropizadas promoverá o aumento da
cobertura vegetal, a redução da exposição do solo, a redução dos
processos erosivos, o aumento da diversidade florestal e o
reestabelecimento da fauna local.
- A intensificação na circulação de veículos e pessoas poderá causar o
aumento do risco de atropelamento da fauna, do afugentamento da fauna
silvestre, do risco de acidentes com terceiros, do risco de transmissão de
doenças, do risco de acidentes com animais peçonhentos, dos níveis de
poluição atmosférica, dos níveis de ruídos, do risco de doenças e da
geração de resíduos sólidos.
- O uso de máquinas promoverá o aumento do risco de poluição do solo e
dos corpos hídricos por vazamento de óleo, além do aumento dos níveis de
ruídos.
- A abertura de picadas/ acessos tem o potencial de causar a redução da
cobertura vegetal, a perda de micro-habitat e afugentamento da fauna
silvestre, aumento do risco de mortandade da fauna, de acidentes das
pessoas com animais silvestres, a alteração das propriedades do solo e
instalação de processos erosivos.
- A geração e procura de empregos poderá causar sobrecarga na demanda
por serviços de saúde e na demanda de saneamento.
- A supressão vegetal causa a redução da cobertura vegetal, a perda de
micro-habitat e o afugentamento da fauna silvestre, o aumento do risco de
acidentes das pessoas com animais silvestres, a instalação de processos
erosivos e a alteração das propriedades do solo.
- A possível exposição do solo poderá provocar a alteração da topografia
local, a instalação de processos erosivos e a alteração das propriedades
físicas e químicas do solo.
- A adoção das medidas a serem estabelecidas nos condicionantes do
licenciamento ambiental e a execução das recomendações estabelecidas
neste relatório para mitigação e controle dos impactos ambientais adversos
prognosticados contribuíram para atestar a viabilidade socioambiental do
empreendimento recomendando que o projeto executivo seja elaborado e
submetido ao processo de licenciamento ambiental.

Todavia, ressalta-se a importância desses empreendimentos, uma vez que são


implantados de acordo a legislação vigente, apesar das interferências em termos da
qualidade ambiental, buscam promover o reequilíbrio da área impactada, pois são adotados
programas ambientais que favoreçam esse fim (CAMPOS, 2019).

Os impactos aqui apresentados são resultados de discussões realizadas nas oficinas


participativas, onde os participantes identificaram os impactos e descreveram como estes
advêm sob seus territórios. O mesmo será apresentado posteriormente, detalhando cada
impacto por eles apontados, bem como seus aspectos, categorias e magnitudes. A matriz
de impacto, resultado da avaliação dos impactos do empreendimento identificados pela
comunidade, será apresentado ao final do texto.

9.5.1 Identificação e Descrição dos Impactos Socioambientais

Os impactos socioambientais apresentados pelos moradores e moradoras do


Território Quilombola Riacho dos Negros considera como ponto de partida a avaliação de
impactos decorrentes de empreendimentos anteriores, assim, levando em consideração as
vivências da população quilombola com os empreendimentos de energia fotovoltaica ao
longo desses anos. Segundo suas narrativas, é visível o antes e o depois do território ante a
instalação desses empreendimentos.

A questão das estradas foi bastante enfatizada, principalmente a danificação da


rodovia PI-114, via que liga as localidades de Riacho dos Negros à zona urbana de São
João do Piauí. Em virtude da erosão das estradas (rodovia), as vias vicinais são afetadas
indiretamente, tendo em vista que a comunidade recorre a esses caminhos devido à
dificuldade em transitar pela rodovia e, consequentemente, levando mais tempo para se
chegar ao destino.

A circulação de veículos e máquinas pesadas também é tida como um impacto


negativo pela comunidade, pois segundo eles essas máquinas causam ruídos e vibrações,
risco de acidentes e afugentamento e morte dos animais (silvestre e criações), além de
emissão de particulados – chamado popularmente de poeira –, provocando alteração da
qualidade do ar e problemas respiratórios nos (as) quilombolas.

Em relação a implantação do empreendimento, o mesmo é percebido pela população


de Riacho dos Negros como algo positivo e negativo. Ao se referir à geração de emprego e
renda, bem como contratação da mão de obra local. Este é visto positivamente pela
comunidade, uma vez que o empreendimento se propõe a valorizar a mão de obra local,
entretanto, para que não haja a inadequação entre postos de trabalho e qualificação –
mesmo quando há interesse do empreendimento em contratar pessoas da localidade – a
comunidade solicita a melhoria da qualificação profissional dos trabalhadores locais
como forma de tornar a população capacitada para assumir determinados cargos, tendo em
vista que a chegada de empreendimentos na região gera expectativas à comunidade em
relação a vagas de trabalho e, quando não contratados, provoca frustração de
expectativas de empregos.
A relação das comunidades quilombolas de Riacho dos Negros com a prefeitura
municipal também foi apontada como impacto pelos quilombolas na oficina de diagnóstico
pois, segundo eles, a prefeitura deveria acompanhar, dar assistência e apoio às
comunidades nos processos de licenciamento ambiental - acompanhamento e
participação da Prefeitura - e notam que falta uma parceria entre comunidade,
administração municipal e empreendimento, sobretudo parceria e comunicação entre
Comunidade x Empreendedor. Outra relação vista pela comunidade como fragilizada é a
do INCRA com os interesses dos quilombolas nos processos administrativos do quilombo.
Nesse sentido, eles alegam que deveria uma participação do INCRA nas negociações de
forma efetiva. Tal problemática foi colocada por lideranças e demais moradores ao longo de
todos as etapas do estudo (reuniões, oficinas e entrevistas) o que enfatiza a importância do
INCRA nas pautas que envolvem a participação dos quilombolas.

No que concerne os impactos ao meio ambiente, elencou-se como o principal dano o


desmatamento, pois, segundo os (as) quilombolas o desmatamento da caatinga reverbera
na perda de áreas produtivas, pois haverá alteração no habitat dos animais locais (de
criação e silvestres), de modo a afetar as pastagens dos animais de criação, dificuldade na
prática de apicultura – perda da flora, local onde as abelhas produzem o mel -, além de
afetar a prática de medicina tradicional, uma vez que a caatinga é considerada uma
grande farmácia natural. Apontaram também que o desmatamento da área do
empreendimento impactará a captação de lenha para construir cercados. Desse modo, os
impactos apresentados provocam interferência no cotidiano e no modo de vida da
comunidade.

Sobre a infraestrutura local, os moradores e moradoras de Riacho dos Negros


discorreram, além da questão das estradas, a problemática da oscilação de energia.
Nesse sentido, foi discutido pelos residentes que as presenças de empreendimentos têm
causado frequentes quedas de energia no território, isso porque as placas solares atraem
esses raios, e como não há periodicidade na manutenção da rede de energia, as oscilações
de energia têm sido recorrentes. Por conta disso, eles colocam que estes mesmos
empreendimentos podem contribuir com as melhorias na infraestrutura através de
medidas que solucionem esses problemas. Contudo, eles relatam a ineficiência das
atividades mitigatórias e compensatórias de empreendimentos anteriores, alegando que
as ações estabelecidas por essas empresas foram a curto prazo. As quadras de futebol, por
exemplo, foram construídas sem o devido apoio energético. O fato é que o não cumprimento
das medidas gera desconfianças, sendo este o causador de divergências entre a
comunidade e o empreendedor.
9.5.2 Matriz de Impactos Socioambientais

As discussões nas oficinas de diagnóstico participativo sobre os impactos, já


descritos nesse item, resultou a seguinte matriz:

Quadro 17: Matriz de impactos socioambientais da CRQ Riacho dos Negros

Impacto Aspecto Categoria Magnitude


Erosão nas
Territorial Negativo Muito forte
estradas
Alteração no
habitat dos Territorial/Ambiental Negativo Muito Forte
animais locais
Geração de
Econômico/Territorial Positivo Fraco
emprego e renda
Acompanhamento
e participação da Territorial Positivo Muito Fraco
Prefeitura
Parceria e
Comunicação
entre Territorial Positivo Fraco
Comunidade x
Empreendedor
Participação do
INCRA nas Territorial Positivo Fraco
negociações
Alteração da
Qualidade de Vida Negativo Forte
qualidade do ar
Oscilação de
Qualidade de Vida Negativo Médio
energia
Ruído e Vibração
Sociocultural/Qualidade de Vida Negativo Forte
Risco de
Acidentes,
Afugentamento e
Ambiental Negativo Muito Forte
Morte da Fauna
(silvestre e
criações)
Desmatamento Ambiental Negativo Muito Forte
Dificuldade na
prática da Ambiental/Econômico Negativo Muito Forte
Apicultura
Perda de Áreas
Econômico Negativo Médio
Produtivas
Prática da
Medicina Ambiental/Sociocultural Positivo Muito Fraco
Tradicional
Melhoria da
Qualificação
Profissional dos Econômico/Sociocultural Positivo Médio
Trabalhadores
Locais
Valorização da Econômico Positivo Médio
mão-de-obra local
Frustração de
expectativas de Sociocultural Negativo Forte
emprego
Territorial
Ineficiência das
Qualidade de Vida
atividades
Sociocultural Negativo Forte
mitigatórios e
Ambiental
compensatórios
Econômico
Interferência no
cotidiano e no
Qualidade de Vida/Sociocultural Negativo Forte
modo de vida da
comunidade
Melhorias na
infraestrutura da Qualidade de Vida Positivo Fraco
comunidade
Elaborado pelos autores com base nos dados de campo, 2021.
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ANEXOS

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