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Cícero José de Araújo Silva

1“ edição - Natal/RN - 2018


©2018 Cícero José de Araújo Silva

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meio ou forma sem a citação da fonte.

Projeto gráfico e capa


Heverton R.
Revisão
Ana Luiza Medeiros Pires Praxedes e
Aprígio Francisco da Silva Júnior
Impressão
Offset Gráfica e Editora
www.offsetgrafica.com.br

Catalogação na fonte: Ana Cláudia Carvalho de Miranda - CRB15/261

S586h Silva, Cícero José de Araújo.


Histórias e fatos do Acary antigo / Cícero José de Araújo Silva. -
Natal: Offset Editora, 2018.

116p. : il.
ISBN: 978-85-5508-173-6

1. História - Acari (RN). 2. Desenvolvimento urbano - Acari (RN).


3. Crônicas - Acari (RN). I. Título.

CDU: 94 (813.2)
A minha mãe, Maria Daguia que acompanhou cada
passo meu nessa caminhada, a meu pai Antonio José (in
memóriam), que sempre me deu forças para continuar,
mesmo diante de inúmeras dificuldades.

A Paulo Balá (in memoriam), mestre no fazer e escrever


os sertões do Seridó. A quem deixo aqui minha menção
honrosa, por ter sido um dos maiores cultivadores das
nossas memórias. Fonte da qual bebi, para me enveredar
pelos caminhos da história.

A meu filho Lucas Gabriel, que é a razão do meu viver.

A minha família.

A todos os acarienses e seridoenses ausentes e presentes.

Ao Acari de todos nós.


A Deus, pelo dom da vida.

Ao meu amigo Fernando Antonio Bezerra, por tornar


esse sonho possível.

A Antonio Bezerra Neto (Fernandão).

A Dona Zélia e filhos; Cassiano, Flávia, Micaela e


A Deus, pelo dom daJulião.
vida.
Ao que
A minha família, prefeito Isaíasfortaleza.
é minha Cabral.

AoAmeu
Tales Vinício
amigo Fernandes,
Fenando pelaBezerra,
Antônio inestimável ajuda.
por tornar
esse sonho possível.
A Ana Luíza, por ter caminhado lado a lado comigo
A Ana Luiza por ter caminhado lado nesta empreitada.
a lado comigo
nesta empreitada.
A Aprígio Júnior.
Ao mestre Muirakytan por ter me dado à honra de
Ao mestre Muirakytan, por terprefaciar
me dadoestes
à honra de
escritos
prefaciar estes escritos.
Aos meus amigos e a todos aqueles que torceram pelo
Aos meus amigos e a todos aqueles que torceram
sucesso pelo
deste projeto
sucesso deste projeto.
A todos que me ajudaram de alguma forma, com um
A todos que me ajudaram
documento histórico de
ou alguma
com umforma,
abraçocom um
amigo.
documento histórico ou com um abraço amigo.
Sumário

PARTE I
Da Ribeira do Acauã ao Acari de todos nós........................15
A interiorização da pecuária e a Guerra dos Bárbaros................................15

O caráter sagrado do território..................................................................23

O Poço do Felipe, a Capela de Nossa Senhora da Guia e a Povoação do Acary.........25

Da casa de fazenda à casa da rua: o desenvolvimento


urbano de Acari nos anos 1800..................................37
A criação da Villa do Acary e a instalação do poder municipal......................37

O espaço urbano e as Posturas Municipais.....................................................39

Remodelamentos urbanos.............................................................................45

O Acary do século xx e os ditames do “moderno”............49


O século XX e a modernização.........................................................................49

Algodão e prosperidade..................................................................................54

Referências....................................................................................................60
PARTE II
Crônicas de um Acary com (y)........................................65
A Rua Tomaz de Araújo em 1899.....................................................................65

A maior Festa de Agosto de todos os tempos - parte social da festa de 1867...69

O centro do Acary no início dos anos 1920 e seu primeiro calçamento..........72

Grupo Escolar “Tomaz de Araújo” .................................................................74

Inauguração da Ponte Juvenal Lamartine......................................................77

Um raio cai no oitão da Matriz... Há 150 anos.................................................78

Villa do Acary, Villa do Jardim (Jardim do Seridó) e a Villa do Príncipe (Caicó).......80

Os 150 anos do translado da padroeira do Acary: a Festa de Agosto em 1867.82

A Revolta do Quebra Quilos na Villa do Acary em 1875....................................84

Campanha do Vasco de Acari no Matutão de 1979.........................................87

Bailando na madrugada e vendo o sol nascer quadrado no Acary antigo......93

A “bomba” que explodiu no Acary.................................................................94

A feira e o comércio de Cruzeta em 1920........................................................97

A placa de bronze furtada da ponte velha em 1929........................................99

A imagem de Nossa Senhora da Guia cai do andor na procissão de 1897.....102

Festa da instalação da Comarca do Acary em 1890......................................104

A abolição e libertação dos escravos no Acary, em 1888...............................106


Festa de Agosto de 1902... Há 116 anos!.........................................................107

Mas a República foi saudada no Acary com extraordinária festa!................109

A Villa do Acary e seus limites em junho de 1834...........................................111


Prefácio
Nome é destino. Cicero é nome de pensador e escritor.
Um em Roma, outro em Acari. Ambos nascem e celebram suas
cidades e os feitos delas. Nosso Cícero proseia esta emblemática
cidade do Brasil. Todos que passam por Acari são chamados ma-
ternalmente a ficar lá. Pois, é a imagem completa de uma cidade
que cada vez mais rara. As ruas de Acari oferecem o colo, pois são
feitas com aquelas imagens de casas e cores que nos remetem a
uma infância segura, tomada ao passeio pela mão de nossa mãe.
Por essa razão, pelo menos eu, que não sou de lá, já quis inúme-
ras vezes nascer em Acari. Até hoje tento.
É sempre um grande alento para nós mulheres e homens
do Seridó, quando um livro é publicado e tem como tema algu-
ma de nossas cidades. Para nós, as nossas cidades não são abstra-
ções. Podem ser apreendidas em um golpe de vista, podem ser
apanhadas na concha infinita da mão. Não por uma questão de
tamanho, mas por uma questão de gesto apaixonado que quer da
cidade, pátria, mátria. Tudo nelas parece que pode ser tomado
em um longo trago: histórias, família, vizinhos, odores, gírias,
sabores e paisagem. Em todas elas parece haver um ancoradouro,
mesmo no sertão semiárido. É um lugar onde sempre atracamos
nosso barco existencial. Inevitavelmente. Com prazer e dor. Pois
a memória corre em nossas veias junto com o sangue que nos
irriga. Carregamos nossas cidades conosco. Somos habitados por
elas.
Esta memória celebrada nos encanta, pois nos dá esperan-
ça. Não que o passado tenha sido feito de facilidades dóceis. O
passado foi o chão de quem lutou pela vida. Mulheres e homens
derramaram muito suor para que essa joia Acari brilhe até hoje.

13
Isto sim é que é lição de esperança: sabermos que somos possí-
veis juntos. Pois outros também conseguiram, até em condições
piores que as nossas, hidratar a vida que não cessa de pulsar. Daí
a importância dos narradores, dos Cíceros, para não esqueçamos
essa força vital que flui pelo ar municipal.
Cícero Araújo, historiador formado pela UFRN, não cessa
de procurar no passado esta pulsão de vida. Pois, saber que o
passado está vivo, é saber-se vivo e, portanto, saber-se capaz de
modificar o presente e futuro para melhor. O leitor irá encontrar
esta seiva generosa nas páginas que lerá.
O principal personagem do livro é um ente coletivo e mul-
tiforme: Acari. Meio cal e pedra, meio gente, meio peixe, meio
cidade, meio campo, meio plano, meio serras, meio poço, meio
rio. Na primeira parte do livro o leitor encontrará uma prosa
mais reflexiva, quando o espírito acadêmico do historiador vem
à tona e pensa pausadamente a história da cidade. O trabalho e
os dias.
Na segunda parte do livro, o historiador Cícero Araújo,
pegou carona no disco voador que foi visto em Acari − em his-
tória que ele recupera −, e volta no tempo com uma câmera e,
com alguns flashes, faz uma crônica de um Acari no século XIX
e XX. É uma espécie de Cosmorama e Laterna Mágica, como ele
bem escreve, em uma crônica que narra quando essas maravilhas
modernas chegam em Acari. Dois momentos para uma cidade
que não para no tempo ou nem é fossilizada em moldura para
fotografias antigas. Enfim é uma cidade de passado, presente e
futuros vivos. Mas vamos ao livro, pois eis que me surpreendo
nesse prefácio tentando novamente nascer em Acari. Vai que de
tanto tentar eu consigo, né?

Muirakytan K. de Macêdo

14
PARTE I
Da Ribeira do Acauã ao
Acari de todos nós

Historicamente, Acari foi uma das primeiras povoações


fundadas no interior da Capitania do Rio Grande. Neste senti-
do, o objetivo deste capítulo é entender como, historicamente,
essa povoação foi adquirindo características urbanas, até expan-
dir-se e conquistar o status de cidade.
Partindo da construção da Capela (1738) e do núcleo ur-
bano inicial, passando pela instauração da Vila (1833), onde as
Posturas Municipais tiveram papel importante no controle dos
aspectos estético-formais do espaço e chegando à cotonicultura e
às transformações morfológicas, que a cidade sofreu em fins do
século XIX e início do XX, objetivamos compreender dentro de
quais contextos formou-se o tecido urbano do atual Acari, pro-
curando discutir os diversos estágios da ocupação desse espaço.

A interiorização da pecuária e a Guerra dos


Bárbaros
Para entender o processo de gênese e de transformações
pelas quais passou o território do atual Acari, faz-se necessário
apresentar breves considerações sobre a constituição histórica das
Ribeiras do Seridó e da Acauã.
Nossa intenção está longe de fazer uma revisão historio-
gráfica de autores que já mencionaram e problematizaram tais
aspectos Macêdo (2005; 2007), Macedo (2013), Morais (2005),

15
Medeiros Filho (1981; 1983), Santa Rosa (1974), dentre outros.
Nosso objetivo, ao permear as origens de um Seridó historica-
mente construído, é visualizar as conjunturas e conexões, que
permitiram a emergência das aglomerações urbanas presentes em
nosso estudo, a princípio, Caicó, pela sua própria antiguidade e,
posteriormente, a povoação do Acari.
A ocupação do interior da Capitania do Rio Grande, a
partir de meados do século XVII, foi feita através da interioriza-
ção da pecuária, com o levantamento de fazendas de gado. Para
tanto, eram requeridas sesmarias, que se constituíam de glebas de
terra em determinado sítio, pertencentes à Coroa, e que, sendo
concedidas, deveria o requerente ficar pagando, anualmente, à
Ordem de Cristo, entidade gerida pela Coroa Portuguesa, dez
por cento de tudo o que fosse produzido nas referidas terras.
Após a expulsão dos holandeses, em 1654, teve início o
processo de ocupação no interior da Capitania do Rio Grande
do Norte. As vastas sesmarias doadas precisavam ser ocupadas
pelo elemento colonizador, ou, então, seriam consideradas terras
devolutas, podendo ser novamente doadas. Os currais de criar
gado começaram a surgir em territórios pertencentes às popula-
ções indígenas que viviam nos sertões.
As primeiras sesmarias distribuídas na Ribeira do Seridó
remontam ao século XVII, caracterizando-se por grandes áreas.
Segundo Olavo de Medeiros Filho (1983, p. 9), é em 1670 que
“[...] aparece o primeiro requerimento de sesmaria na região, de
que se tem notícia”, começando na serra da Borborema e marge-
ando o rio Espinharas.
Os primeiros contatos entre índios e brancos foram amis-
tosos, porém as trocas de gentilezas e amizade não durariam
muito, logo seriam substituído por conflitos que dariam origens
à chamada “Guerra dos Bárbaros” (MACÊDO, 2007).

16
Comenta Fátima Lopes (2002) que esse primeiro contato
tenha sido amistoso. Índios e vaqueiros, ao compartilharem o
mesmo território, acabaram por desenvolver certa amizade, es-
tabelecendo trocas de utensílios que beneficiavam a ambos. Por
volta de 1680, as ribeiras do sertão do Rio Grande estavam pon-
tilhadas por fazendas de criar gado.
Nesse contexto, a importância da pecuária significou:
O crescimento desta economia, bem como suas difi-
culdades, é que permitiram a expansão e povoamento
do sertão. As necessidades de criar gado, como uma
extensiva da cana de açúcar, forçavam a pecuária a pro-
curar e ocupar cada vez mais as regiões interioranas da
capitania (PUNTONI, 2002, p. 22).

As frentes de penetração vindas, principalmente, do Per-


nambuco e da Paraíba, seguiam o curso dos rios e paulatinamen-
te iam adentrando no território dos “tapuias”, termo genérico
usado para nomear as populações indígenas dos sertões (LOPES,
2002, p. 272).
As várias sesmarias, distribuídas nas Ribeiras do Seridó e
do Açu, obrigaram índios e colonos a conviverem um com o
outro. Aos poucos, pequenos conflitos, por posse de territórios,
iam se tornando mais amplos. Puntoni (2002) registra vários
conflitos nas Capitanias do Norte como pertencentes à “Guer-
ra dos Bárbaros” e, assim, prefere denominar esse conflito no
plural “Guerras” dos Bárbaros, pois, para o mesmo, tratava-se
de conflitos heterogêneos, com suas peculiaridades e motivações
plurais. O autor (ibid.) não compactua da ideia dos índios terem
se organizado em uma espécie de “confederação” para combater
o elemento colonizador, existindo, assim, conflitos no Recôn-
cavo da atual Bahia e nas antigas capitanias do Ceará, Paraíba,
Pernambuco e Rio Grande do Norte.

17
Em linhas gerais, os anos finais da década de 1680 apa-
recem como marco para a deflagração geral dos conflitos que já
vinham acontecendo nas Capitanias do Norte. No Rio Grande,
o estopim para a guerra foi o desentendimento entre os Tapuias
e os curraleiros, resultando na morte de um filho de um líder
indígena. Esse evento ocorreu por volta de1687, nos sertões do
Açu, e a demora por parte do Capitão-Mor Pascoal Gonçalves de
Carvalho em resolver a contenda terminou por deflagrar a luta.
(PUNTONI, 2002, p. 127). Os conflitos aumentaram, mortes
de gado de colonos e destruição de fazendas na Ribeira do Açu
passaram a ser frequentes. Puntoni (2002) nomeia o conflito ar-
mado ocorrido em solo da Capitania do Rio Grande, especifi-
camente, de “Guerra do Açu”, por ter sido nessa ribeira a maior
intensidade do conflito.
O coronel Antonio Albuquerque da Câmara e suas tropas
foram alguns dos terços militares que combateram os nativos,
que, utilizando-se de técnicas de guerrilhas, imprimiram baixas
consideráveis aos esforços coloniais. Desconhecedores do territó-
rio, bateram em retirada, em janeiro de 1688, buscando abrigo
na Casa Forte do Cuó, fortificação militar muito importante na
conquista e ocupação do território.
Os índios expandiram seus domínios do sertão até o li-
toral, conseguindo vitórias sobre as tropas inimigas, chamando
atenção da Coroa Portuguesa, fazendo o conflito ganhar contor-
nos de extermínio para os nativos.
A defesa das propriedades coloniais, a conquista do terri-
tório e a extensão da pecuária acabaram se tornando os princi-
pais motivos de guerra para o colonizador. Os sucessivos fracas-
sos nas campanhas, para combater o elemento indígena, fizeram
a Coroa tomar uma postura mais agressiva. Os índios, agora,

18
seriam considerados empecilhos à colonização e a guerra justa
daria lugar ao degolamento e ao extermínio.
A solução encontrada foi arregimentar terços de “ban-
deirantes” paulistas, conhecidos pelas crueldades praticadas no
combate a quilombos, e o apresamento de índios. Matias Cardo-
so, que se encontrava próximo ao rio São Francisco, e Domingos
Jorge Velho marcharam rumo aos sertões, em 1688, para enfren-
tar os índios “rebeldes”.
Os insucessos das campanhas militares anteriores podem
ser atribuídos a diversos fatores. Os índios conheciam melhor o
território, e empregavam os ataques relâmpagos, que causavam
enorme terror psicológico nas fileiras combatentes. A logística de
guerra por parte dos portugueses parecia ser completamente ine-
xistente. Faltava de tudo: água, comida, munição, farda e, acima
de tudo, comunicação entre as tropas.
Com a chegada dos bandeirantes essa situação parece ter
mudado. Um novo “plano de guerra” foi montado, com as tropas
atacando por várias frentes organizadas e bem aparelhadas. Abreu
Soares marchou do Arraial do Açu para combater os nativos se-
guindo o curso da ribeira, a eficácia e os rumos de sua campanha
são controversos, em certidão datada de 1687, diz ter imprimido
pesadas baixas e terror aos Janduís, porém no memorial escrito
por Pedro Carrilho em 1703, o séquito de Soares aparece sendo
solapado pelos índios e baqueado entre as serras. De importante,
em nosso contexto de estudo, podemos, ainda, registrar o arraial
construído, pelo mesmo, de madeira e mato, que futuramente
daria origem a aglomeração do Açu.
No território que, futuramente, seria parte do município
do Acari, desenrolou-se uma sangrenta batalha. Domingos Jorge
Velho, em 28 de outubro de 1689, matou aproximadamente mil
e quinhentos índios e capturou outros trezentos, entre mulhe-

19
res e crianças. Esse combate se deu sobre a Serra da Rajada. O
número exorbitante de nativos abatidos revela o desejo etnocida
de limpar o território da presença nativa (MACÊDO, 2007, p.
50-1).
Em 1690, outro combate aconteceu. Dessa vez, dois mil
índios se juntaram na Serra do Acauã contra as tropas comanda-
das pelos paulistas. Esse enorme agrupamento de Tapuias, reu-
nidos sob o mesmo objetivo, o de combater o inimigo colonial,
vai de encontro às ideias de Puntoni (2002), quando o mesmo
contraria a possibilidade de alianças entre os nativos. Tal contin-
gente, lutando na mesma frente de batalha, faz-nos pensar, sim,
em possíveis alianças e estratégias entre os tapuias. (MACÊDO,
2007, p. 50). Essa informação dos Tapuias agrupados, lutando
na Acauã, retirada da historiografia, é que nos permite imaginar
que os índios fizeram algum tipo de acordo. No entanto, esse
pensamento não possui em si nenhum ineditismo, pois Cavig-
nac (2003, p. 20), no artigo “A etnicidade encoberta”, já havia
aventado a possibilidade de haver, dentro da guerra, algumas
alianças.
Posterior à batalha da Acauã, em 1690, os conflitos se tor-
nariam intermitentes até fins do século XVII, quando a guerra
finalmente cessaria. Grande parte da população indígena do in-
terior da Capitania do Rio Grande do Norte foi dizimada, con-
tudo, isso não significou o seu fim. Os mesmos conviveram com
os colonos e foram registrados em documentos do século XVIII
e XIX, sobretudo, em inventários, registros de casamentos, ba-
tizados e óbitos, transcritos e arrolados por pesquisadores como
Medeiros Filho (1984), Macêdo (2007) e Macedo (2013), para
responder questões recentes no âmbito dos estudos históricos
sobre o Seridó. Santa Rosa (1974), em estudo sobre a história

20
de Acari, menciona alguns “silvícolas”, que viviam junto ao rio
Acauã, nos primórdios do povoado que, futuramente, daria ori-
gem ao aglomerado urbano.
Os demais índios sobreviventes foram aldeados em missões
no litoral, fugiram para outras regiões ou então se esconderam
nas serras e grutas. (LOPES, 2002, 340-347). Macedo (2013, p.
102-112) menciona, ainda, as caboclas brabas, capturadas a den-
tes de cachorro e a cascos de cavalo, que foram conhecidas dos
vaqueiros e dos primeiros colonizadores. Com o fim dos confli-
tos, a Ribeira do Seridó começou a ser novamente repovoada e,
no lugar das fazendas, que foram levantadas para a criação de
gado, surgiram manchas “urbanas”, que foram, com o passar do
tempo, a partir do século XVIII, ganhando novas formas.
Cascudo, quando se referiu às doações de terra na Capita-
nia do Rio Grande, afirmou o seguinte:
Em março de 1695 o Senado da Câmara de Natal in-
formava ao Capitão-Mor que as terras da Capitania
estavam todas doadas. A doação não era sinônimo de
povoamento. Sesmeiros da Bahia, do São Francisco, de
Pernambuco tinham terras de vinte e trinta léguas, in-
cultas e desaproveitadas. Era apenas a fome da terra.
(1984, p. 100)
Mesmo com muitas sesmarias à disposição, o território da
capitania continuava rareado demograficamente, o maior ajun-
tamento populacional se dava no litoral, onde a capital Natal es-
tava fincada. As grandes extensões de terras parecem servir, nesse
contexto, de afago para os que lutaram ao lado dos lusitanos
contra Holandeses e índios “rebeldes”. Enfim, as terras davam
certo prestígio social ao seu possuidor, porém, para a coroa, o in-
teressante seria povoar e ocupar o interior da capitania. Por isso,
as terras que foram doadas, depois do primeiro quartel do século
XVIII, teriam menor proporção.

21
Quando se refere à origem das cidades do Rio Grande do
Norte, Cascudo (1975, p. 22) afirmou: “A fazenda foi sempre
uma fixadora de povoação e muitas cidades nossas, inclusive
Acari, surgiram dos antigos ‘limpos’ onde estadeava a casa gran-
de do fazendeiro”.
As fazendas e os currais de gados foram elementos de ex-
trema importância na ocupação e povoação do território do atual
Seridó. Mais do que isso, a partir das mesmas, algumas aglomera-
ções urbanas tiveram princípio. Eram nesses territórios, que, aos
poucos, iam surgindo às primeiras casinhas rústicas de taipa. Na
entrada do século XVIII, povoadores fixaram-se em vários luga-
res ao longo das ribeiras do sertão da Capitania do Rio Grande.
A Ribeira do Seridó e, posteriormente, Ribeira do Acauã,
onde atualmente se encontra o município de Acari, começou a
ser ocupada com fazendas de gado, começando no século XVII
e intensificando-se nos séculos XVIII e XIX. No território do
atual Acari e nas terras em sua volta, os novos povoadores che-
garam nas primeiras décadas do século XVIII e inauguraram as
primeiras fazendas nas ribeiras do rio Acauã. Dentre os novos
povoadores, destacaram-se Tomás de Araújo e, posteriormente,
seu genro Caetano Dantas Corrêa:
Chegou em 1720 o jovem português Tomás de Araújo
Pereira [...]. Trabalhou, progrediu e montou fazenda de
gado em Picos de Baixo, à margem do rio Acauã.
Da Paraíba seguiu em 1727 para a ribeira do Piranhas
[...] o adolescente Caetano Dantas Corrêa, filho de
português, e de lá mudou-se para o Acari, instalando
fazenda de criação em Picos de Cima, a uma légua e
meia pouco mais ou menos do povoado (SANTA
ROSA1974, p. 31).

Tomaz de Araújo foi o requerente da data de terra 592,


na ribeira do Seridó, em 1734. Posteriormente, se tornou pro-

22
prietário da fazenda São Pedro, atualmente fincada nos limites
entre Acari e Jardim do Seridó. O fato é que agora essas glebas
de terras requeridas eram ocupadas, possibilitando assim o po-
voamento do inóspito e vazio sertão. As fazendas de criar gado
apareciam de maneira mais consistente, seguindo o curso dos
rios, ajuntando timidamente uma população focada no mundo
rural. Além desta data de terra, o português, oriundo da Viana,
requereu outro pedaço de terra, onde hoje fica a serra da Rajada.
A justificativa usada era a necessidade de terras para criar gado.

O caráter sagrado do território


A racionalização do território, principalmente, no período
colonial, foi uma preocupação advinda da Igreja Católica. A ad-
ministração dos limites eclesiásticos era feita através dos curatos
ou freguesias. A melhor solução para dar conta dos vastos ter-
ritórios seria dividindo as igrejas presentes e criando novas fre-
guesias, facilitando, assim a gerência por parte das autoridades
católicas (MACEDO, 2013, p. 44-51).
Em 1748, foi criada a Freguesia da Gloriosa Santa Ana
do Seridó, com sede na povoação do Caicó. Essa demarcação
foi responsável por dar novos contornos e fronteiras ao que viria
a ser o atual Seridó. O território, agora, não se limitava ao rio
de igual nome, abarcava outros, incluindo o Rio Acauã, lugar
onde ficava a Povoação de Nossa Senhora da Guia do Acari, ou,
simplesmente, Povoação do Acari. Aliás, essa nomenclatura, que
aparece nos trabalhos de Macedo (2013), é apenas mais um fator
que confirma o poder do sagrado, onde o nome de uma aglome-
ração aparece ligado ao santo de sua invocação. Até então, antes
da criação da Freguesia do Seridó, a Capela do Acari pertencera
ao curato do Piancó, na Paraíba.

23
Posterior a 1788, a freguesia do Seridó sofreu várias divi-
sões, sobretudo, para facilitar a eficiência dos serviços religiosos.
Seria possível que essas divisões fossem o indicativo de que al-
guns aglomerados “urbanos” mostravam certo grau de expan-
são de suas áreas? É possível que sim, embora, com os dados
que dispomos, e a partir da bibliografia levantada, não possamos
exprimir, com segurança, essa sentença. O certo é que a Igreja
Católica foi muito importante para a construção do território
das Ribeiras do Seridó e do Acauã, conforme pode-se evidenciar
no contexto da criação da freguesia de Nossa Senhora da Guia
do Acari, no ano de 1835. A ligação umbilical entre a Igreja e o
projeto português de expansão dos territórios fica muito eviden-
te ao visualizar-se o documento Obras Publicas do município do
Acary, quando seu autor desconhecido diz: “O Dr Basílio Qua-
resma Torrião então Presidente desta Provincia do Rio Grande
do Norte, Em concelho, em data de 11 de Abril de 1833 elevou
essa Capella a Cathegoria de Villa”. Nesse ponto, é interessante
observar que o autor anônimo menciona a capela sendo elevada
a vila, e não a povoação ou o Acari, por exemplo.
A administração eclesiástica colonial foi, assim, um dos pi-
lares na ocupação e no delineamento territorial da Capitania do
Rio Grande do Norte. A forte presença das freguesias e capelas,
em dados momentos históricos, se sobrepunha à frágil estrutura
administrativa civil e secular. O sagrado, nesse contexto, é tão
importante quanto o poder secular e, em muitas situações, até
se misturavam. Foram as freguesias que deram os limites iniciais
às aglomerações nascentes e as ribeiras. As vilas surgiriam algum
tempo depois, e, em algumas delas, como as de Santa Ana do
Seridó e de Nossa Senhora da Guia do Acari, esses limites se
confundiam com o próprio território das vilas. Essas situações

24
são indícios de que o domínio do poder sagrado, nesse caso da
igreja, estava bem à frente do poder secular ou civil, questão am-
plamente discutida em Teixeira (2009).
Os limites entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba foram
objetos de disputas e discussões acaloradas ainda na condição de
capitanias, quando moradores do termo da Vila Nova do Prínci-
pe e de povoações e vilas da Paraíba inauguraram os acirramentos
de ânimos. Para Macedo (2013), esses imbróglios nasceram de
confusões causadas por territórios superpostos, onde limites ecle-
siásticos e civis se confundiam.
O território da Vila do Príncipe foi, então, demarcado por
Lei, em 25 de outubro de 1831, mas os embates orais seguiram-
-se até 1835, onde as autoridades do Príncipe e da Vila do Acari
tiveram papéis cruciais ao arregimentar documentos e nos argu-
mentos, fazendo saber a Assembléia Provincial do Rio Grande
do Norte o seu desejo de serem pertencentes à citada provín-
cia. Nesse contexto, segundo Morais (op. cit.), uma identidade
embrionária, em relação à região, começaria a surgir em terras
banhadas pelo rio Seridó.

O Poço do Felipe, a Capela de Nossa


Senhora da Guia e a Povoação do Acary
Em linhas gerais, no contexto do processo histórico de
formação do território da Capitania do Rio Grande, aglomera-
ções urbanas nasceram e se desenvolveram para cumprir várias
funções. Assim, a conquista e apropriação do território conferiu
uma função militar e, nesse sentido, as origens do atual muni-
cípio de Caicó são um bom exemplo a ser analisado. Caicó sur-
giu do Arraial do Cuó, por ocasião da construção da Casa Forte
do Cuó, que teria sido edificada em 1683, com a finalidade de
abrigar as tropas envolvidas na “Guerra dos Bárbaros”. Somente

25
com a ereção da matriz, a partir de 1748, é que a vida urbana
propriamente dita nasceu. As casas apareceriam aos poucos ao
redor da matriz. Inicialmente, fica claro que a função militar era
predominante, e que o mundo “urbano” surgiu timidamente a
partir deste contexto. (SANTOS, 2013)
Para Macedo (2013), a função religiosa foi a responsável
por agregar a população dos arredores. A ereção de uma capela
denominada da Senhora Santana do Vale do Acauã, no fim do
século XVII, fixou a população e o ajuntamento de casas pre-
cárias próximo do templo contribuiu para a fundação de um
arraial em 1700. Este mesmo arraial seria elevado à categoria de
povoação em 1735.
Sobre a fundação ou instalação da Povoação do Caicó, há
fatos que merecem ser mencionados com certa atenção. O docu-
mento oficial já foi transcrito por Medeiros Filho (1984) e citado
por Macedo (2013) e Morais (2005).
Observando o teor da narrativa contida nessa fonte, perce-
bemos que a festa foi muito pomposa, considerando o fato que
se tratava de uma povoação e não uma vila, fato esse que nos leva
a crer que o pequeno aglomerado tinha alguma importância a
ponto de chamar atenção da administração civil. Mais revelador
ainda é que, com a instalação da povoação, foi construído, um
pelourinho. Nossa surpresa frente a essa situação não se dá sem
conexões, vamos explicá-las de maneira objetiva.
Esse mobiliário urbano, o pelourinho, tinha uma ligação um-
bilical com o edifício de Casa de Câmara e Cadeia, mais que um
instrumento de tortura, era a representação da administração e da
justiça civil. Nesse caso, só uma aglomeração com foros de muni-
cípio poderia possuí-lo em seu espaço. (TEIXEIRA, 2012, p. 198)
Era a vila e não a povoação que tinha por obrigação pos-
suir uma sede para o poder municipal, com um pelourinho. Não

26
sabemos o motivo que levou a povoação do Caicó ganhar um
pelourinho em sua instalação, no entanto, podemos afirmar que
a aglomeração, que ali surgiu, foi considerada muito importante,
pois, nesse contexto, já nasceu com ares de Vila como bem ob-
servou Morais (2005, p. 77-8).
Acari, até onde sabemos, não teve, em sua origem, questões
militares, embora o território fosse conhecido desde a “Guerra
dos Bárbaros”. Santa Rosa (1974, p. 21), tratando da gênese do
povoado, comentou que os poços situados no leito do referido
rio, que mesmo em época de estiagem permaneciam com água,
foram fator preponderante para a escolha desse local como ponto
de pouso para dormida, bem como para o descanso do meio-dia,
para viajantes e vaqueiros. O local contava com um pequeno
ponto de apoio logístico, situado às margens do “Poço do Feli-
pe”, no rio Acauã, lugar onde viajantes e nativos pescavam um
peixe chamado “acaraí”, do qual originou-se o nome do lugar.
Agregando em si as condições necessárias para a sobrevi-
vência, a margem do rio foi, paulatinamente, sendo ocupada por
cabanas, que, de maneira desordenada, juntavam-se ao redor da
importante fonte de água. O espaço ao redor do Poço do Felipe
foi sendo transformado, de lugar para descanso, em um terreno
fixador de pessoas, que, aos poucos, iam se assentando de manei-
ra sedentária. Esse contexto permitiu que, por volta de 1720, um
pequeno povoado se configurasse. Apesar de mencionar a exis-
tência de índios nesse lugar, o mesmo afirma que nenhuma ati-
tude foi tomada no intuito de construir aldeia para juntá-los, re-
tirando, assim, qualquer possibilidade de uma aglomeração com
origem missionária ou de aldeamento (SANTA ROSA, 1974).
Por volta de 1725, o sargento-mor Manuel Esteves de
Andrade comprou a fazenda do Saco, posteriormente chamada
de Saco dos Pereiras, de seu parente, Nicolau Mendes da Cruz,

27
um crioulo forro, que adquiriu terras na ribeira do rio São José,
tornando-se um dos primeiros povoadores daquela localidade.
Conforme Lima (1990), admite-se que o mesmo veio à ribeira
do Seridó na condição de cobrador de dízimos e que decidiu
construir uma pequena capela no local, atendendo aos pedidos
de sua mãe, que só viria morar nos sertões se houvesse um tem-
plo religioso. Assim, em 1736, Manoel Esteves de Andrade en-
dereçou uma petição ao bispo de Olinda, com o seguinte teor:
Ilustrissimo senhor.
Dis o Sargento Mor Manuel Esteves de Andrade mora-
dor no discticto do curato de Piancó que elle pretende
erigir hua capella com a invocação de N. S. da Guia,
no lugar xamado Acari districto do dito curato, para o
fim de sua alma e dos mais moradores circuvizinhos,
por ficarem distantes de sua Matriz oito dias de viagem
[...] (ANDRADE, 1736 apud SANTA ROSA, 1974,
p. 38).
Com a autorização do Bispo de Olinda, a capela foi er-
guida e consagrada a Nossa Senhora da Guia em 1738 e, como
templo pertencente à Freguesia da Gloriosa Santa Ana do Seri-
dó, teve que receber a devida aprovação dos membros da Igreja
para auferir as prerrogativas de um templo católico. Santa Rosa
(1974, p. 42) menciona que, inicialmente, a capela seria erguida
na fazenda do Saco, no entanto devido às condições mais favorá-
veis da água e do fato do povoado ser junto ao rio Acauã, termi-
nou por ser construída próximo desse. Essa escolha terminou por
permitir e impulsionar o desenvolvimento da Povoação do Acari.
A capela e o caráter religioso do empreendimento funcionaram
como um imã para atrair construções em seu redor, dando ori-
gem a uma forma embrionária de aglomeração “urbana”.
Essa capela, nos dias de hoje, tem a denominação de Igreja
de Nossa Senhora do Rosário e é uma das construções religio-

28
sas mais antigas do interior do estado, sendo contemporânea da
Igreja de Nossa Senhora do Ó, em Serra Negra do Norte, que foi
erguida em 1735. A Igreja do Rosário ainda mantém seu estilo
arquitetônico original e é marco não somente para a povoação
de Acari, mas, também, para o Seridó, em termos de fixação e
irradiação humana, pois foi a partir deste último município que
muitas das cidades seridoenses atuais tiveram origem, como Car-
naúba dos Dantas, Jardim do Seridó, Cruzeta e Currais Novos.
A Igreja do Rosário foi tombada pelo IPHAN (Instituto do Pa-
trimônio Histórico e Artístico Nacional) em 1964, não só por
sua arquitetura religiosa barroca, mas, por sua representatividade
para a ocupação do território da Ribeira do Seridó. (SOUZA,
1981, p. 116)
Sobre a figura de Manuel Esteves, o mesmo é considerado
o fundador da cidade por ter contribuído diretamente com a
construção da antiga Capela de Nossa Senhora da Guia. Não se
sabe, ao certo, o que aconteceu com ele depois da construção,
pois o mesmo só aparece novamente em documentação escrita
no ano de 1769, na demarcação do Sítio Acari e Poço e Cacimba
do Saco, assinando como testemunha. Nesse ponto, estamos to-
mando por base um comentário que Macedo (2013) faz em sua
tese de doutorado, quando discute dentro de um contexto de
análise de relações genealógicas, sobre os descendentes dos Men-
des Cruz. Essa demarcação do Sítio Acari, em nossa opinião,
trata-se da própria povoação que se desenvolvia próximo ao rio
Acauã. Medeiros Filho (1983) afirmou, a propósito, que o termo
“Sítio Acari” prevaleceu até 1798 e que o nome Povoação do
Acari já existia em 1814. Porém, no inventário de Dona Adria-
na de Holanda e Vasconcelos, processado em 1793, a mesma
aparece sendo proprietária de uma casa no lugar e Povoação do
Acari. Em nosso estudo, admitimos povoação como sendo um

29
lugar que possui, pelo menos, uma capela e um arruado de casas
(TEIXEIRA, 2009).
As aglomerações urbanas, em seu estado mais incipiente,
recebem o nome de povoação, segundo Teixeira (2012, p. 38),
contendo uma capela ou cemitério para regular e estruturar o es-
paço, além de uma praça central. A gênese urbana de muitas po-
voações foi, em linhas gerais, marcadas pelo fator religioso, visto
que o aglomerado se desenvolvia ao redor de capelas e igrejas.
Este se torna importante nesse contexto, uma vez que as igrejas
ou capelas funcionam como imã ou atrativo para o crescimento
e expansão da aglomeração nascente.
De acordo com Medeiros Filho (1983), que retrata inven-
tários de pessoas de posses da Ribeira do Seridó e seus afluentes,
existentes nos cartórios de Caicó e Acari, compreendidos entre
os anos de 1754 e 1875, verifica-se que as casas de fazenda eram,
em sua maioria, feitas de taipa e cobertas de telhas, até o sécu-
lo XVIII. Medeiros Filho (1983) comenta que as casas tinham
pouco valor. Algumas delas, fossem rurais ou urbanas, valiam
o equivalente a duas vacas parideiras. No entanto, isso é muito
relativo, e, nesse contexto, torna-se perigoso serializar os inventá-
rios post-mortem. Nesse ponto, nossa intenção é apenas visuali-
zar minimamente o conjunto ou paisagem “urbana” engendrada
por estas casas. Segundo Macêdo (2007), a tríade dos principais
cabedais dos antigos sertanejos era composta de gado, escravos e
terras, inclusas as casas.
Delimitar o que é “urbano” ou “rural”, no contexto dessas
povoações originárias do século XVII, é um tanto complicado.
O mundo urbano ou núcleos citadinos, segundo Macêdo (2007,
p. 148), era uma reunião de casas arruadas ao redor de uma ca-
pela precária que sofreria várias reformas nos séculos seguintes.
Em uma região onde predominou as atividades rurais, por con-

30
sequência o desenvolvimento urbano foi muito lento. Caetano
Dantas Corrêa, por exemplo, um dos povoadores da Ribeira do
Acauã, possuía casa de morada na fazenda Picos de Cima, além
de possuir uma casa no sítio do Acari, o que nos leva a crer que
era na povoação ou nos arredores muito próximos . Não nos per-
mitindo afirmar, nesse contexto se era “rural” ou “urbana”. Os
limites eram muito confusos, portanto, não podemos tomar por
base, as definições entre o que é rural ou urbano nos dias atuais
e aplicá-los em um cenário totalmente diferente do nosso, sem
antes fazermos as adaptações necessárias.
Antes de 1750, já existiam duas fileiras de casas partindo
de ambos os lados da Igreja do Rosário. (TEIXEIRA, 2009, p.
20) Na parte mais central do núcleo urbano inicial, em frente
à capela abriu-se uma praça ou um largo em forma triangular,
que certamente serviu para o uso religioso bem como para a vida
social, até fins do século XVIII. Esse mesmo espaço, usado com
objetivos sagrados e seculares, mostra-nos as interações entre a
Cidade de Deus e a Cidade dos Homens, como discutido por
Teixeira (2009).
Discutir o uso do solo “urbano” na Povoação do Acari é
problematizar de que maneira uma sociedade arraigada nas ques-
tões religiosas poderia transformar esse espaço quanto a seu uso,
forma e função. Pelas palavras de Santa Rosa (1974, p. 48) ob-
temos elementos para analisar essa situação: “[...] tratava-se de
um aglomerado urbano de fazendeiros, e sua principal função
era de natureza religiosa, muito em harmonia com o espírito da
população. A capela exerceu uma ação de reunir naquele centro
as famílias dos arredores.”
Eram os sinos da capela que chamavam os fazendeiros e
seus agregados para se reunirem no solo sagrado da capela e em
seu largo para assistir as missas, casamentos, enterros e festas,

31
conforme Medeiros (1985). Esse comportamento e manifesta-
ções só atestam o caráter sagrado e religioso da precária aglome-
ração do Acari.
O século XVIII é escasso de documentações e descrições
sobre a Povoação do Acari, o que dificulta a problematização dos
seus aspectos urbanos, no entanto, os inventários analisados por
Medeiros Filho (1983) permitem-nos fazer breves incursões e es-
pecular sobre a estética do assentamento. Os elementos, que essa
tipologia documental fornece, permite-nos analisar a precarieda-
de da aglomeração, ao mencionar sempre casas de taipa, algumas
cobertas com telhas. Esse conjunto arquitetônico rústico traduz
o ambiente precário das povoações coloniais. A “formosura” de
uma “casa urbana” ou rural poderia ser elevada com o acréscimo
de portas, janelas fechaduras e telhas, mas tal conforto só foi pos-
sível para aqueles que possuíam um “cabedal” maior. A existência
de ferramentas do ofício de oleiro, diz-nos que os moradores
da Ribeira do Seridó e Acauã certamente confeccionavam seus
próprios materiais como telhas e tijolos. Construções de pedra
e cal eram raríssimas. Macêdo (2007, p. 150-151) observa que
nesse território, existiam três casas que se utilizaram desta técni-
ca-construtiva, muito por provavelmente terem testemunhado a
“Guerra dos Bárbaros”.
As feições de um aglomerado urbano no século XVIII, no
sertão da Capitania do Rio Grande, certamente eram desolado-
ras, levando-se em conta que, em primeiro lugar, os proprietários
das “casas da rua” eram fazendeiros que passavam a maior parte
do tempo no mundo rural. A função religiosa inicial das povoa-
ções deixava o ambiente esvaziado a maior parte do tempo. O se-
gundo ponto que sustenta nossa afirmação é a precária paisagem
urbana, em muito sustentada pelo predomínio de uma tipologia
arquitetônica pautada na taipa.

32
A casa de taipa, durante o século XVIII, é, sem dúvida,
uma expressão do estilo e das condições de vida dos moradores
da Ribeira do Seridó e do Acauã. Nos núcleos urbanos ou rurais,
a disponibilidade de materiais para realizar tal construção justi-
fica seu largo predomínio. A administração colonial era fraca e
sua presença no sertão da capitania era representado, sobretudo,
pelos Regimentos de Ordenanças militares. (MACEDO, 2013,
p. 40). Então os moradores dos núcleos urbanos seriam respon-
sáveis pelas adaptações das construções. Casas sem pavimentos
e sem paredes divisórias, as telhas e janelas eram objetos raros
dispostos apenas por quem tivesse alguma posse (MACÊDO,
2007, p. 148).
No Inventário de Dona Adriana de Holanda e Vasconcelos
(processado em 1793) consta que a mesma possuía casa na povo-
ação do Acari, com uma salinha ladrilhada de tijolos (MEDEI-
ROS FILHO, 1983, p. 163). No Inventário do Capitão-Mor
Cipriano Lopes Galvão, do Totoró, (processado em 1814), filho
de Dona Adriana, consta ter possuído “uma casinha na povoação
do Acari, coberta de telha, velha e pequena”.
Por sua vez, a “casa da rua” pertencente ao Coronel Caeta-
no Dantas Corrêa, dos Picos de Cima, aparece em seu inventário
(processado em 1798), com um adjetivo nada animador: “tudo
velho”. Já o Inventário do Capitão-Mor Manoel de Medeiros
Rocha, do Remédio, (processado em 1839), menciona que pos-
suía na Vila do Acari “uma morada de casa velha” com apenas
uma mesa e um banco. Em uma freguesia rural, a pouca impor-
tância que pareceu ser dada para os moveis do interior da casa
confirma que essas pessoas se utilizavam, socialmente, do mundo
urbano (MACÊDO, 2007).
Dos inventários analisados, o do Capitão Tomaz de Araú-
jo Pereira (3º), do Mulungu, (processado em 1847) foi o que

33
apresentou melhor patrimônio, no que se refere a casas de mo-
rada. No seu inventário, é dito que possuía “uma casa grande,
com currais e muros nesta Vila do Acari” e mais sete outras casas
que, juntas, foram avaliadas em um montante de 1:150$000,
valor considerável se comparado com os analisados anteriormen-
te. A casa mais bem avaliada valia 400$000 e, a mais simples,
100$000. Certamente, maiores e em melhores condições que as
demais casas circunvizinhas, tornando-se alento para a paisagem
visual da nascente povoação.
A Povoação de Acari foi formada, em linhas gerais, por ha-
bitações familiares alinhadas, localizadas no alto de um terreno
com vista para o rio Acauã, que corria no fundo de um pequeno
vale, logo atrás das casas. Esta linha de construções viria a se
tornar a primeira rua da povoação, que se estendia em ambos os
lados da antiga Capela de Nossa Senhora da Guia.
Nos últimos anos do século XVIII, a Povoação do Acari
começou a crescer timidamente, com o gradativo aparecimento
de novas ruas. Nesse período, os fazendeiros que moravam nos
arredores resolveram melhorar ou reconstruir suas casas na po-
voação, com o predominante uso da taipa e de alguma inserção
de tijolos em alguns pontos. Talvez, remonte a esse tempo as
primeiras casas alpendradas.
Como descreve Santa Rosa (1974), as casas pertenciam,
principalmente, aos fazendeiros dos arredores, que iriam usá-las,
sobretudo, aos domingos quando vinham assistir às missas e ou-
tras ocasiões religiosas, como batismos e festas de casamento. Em
uma sociedade rural, estas “casas da rua” iriam permanecer fe-
chadas a maior parte do tempo.
O poderio dos mais abastados moradores da Povoação do
Acari, até meados do século XIX era proveniente da posse da
terra, do gado e de escravos. Dessa tríade, originavam-se os pri-

34
meiros cabedais de poder como o exercido pelo Capitão Tomaz
de Araújo Pereira (3º) que, por seu lastro econômico e sua desta-
cada influência na Ribeira do Acauã, chegou a alcançar o posto
de Presidente da Província do Rio Grande do Norte, em 1823.
O Capitão Tomaz de Araújo Pereira era neto de um português de
igual nome que, por seu turno, foi um dos precursores da ocu-
pação e povoação da Ribeira do Seridó (MEDEIROS FILHO,
1981).
Foi no século XIX, que o processo de edificação das casas
de moradia da Povoação do Acari começou a apresentar melho-
ras, tendo em vista a efetiva disseminação da técnica da alvenaria
(MACÊDO, 2007, p. 158). Aos poucos a vida “urbana” ia de-
senvolvendo elementos capazes de agregar e atrair pessoas, para
além das atividades religiosas, o tempo de estadia na aglomera-
ção ia aumentando.
Um sintoma dessa sensível melhora na aglomeração urbana
é o crescimento da feira semanal como registrado por Santa Rosa:
Já então a feira se mostrava com maior movimento,
mais numerosos os frequentadores e maior variedade
nas mercadorias a venda. Lá para o fim do século, en-
contravam-se para comprar, além dos alimentos básicos
- carne, farinha e rapadura - também milho, feijão, mel
de furo em borrachões, mel de abelha em potes, sal,
aguardente em barris [...] temperos básicos da cozinha
luso-seridoense e os obtidos regionalmente, como ce-
bola e alho (SANTA ROSA, 1974, p. 46).

No Rio Grande do Norte, a grande maioria das localidades


surgiu a partir de um simples arruado ou povoado, tornando-se,
com o tempo, uma povoação que, dependendo do desenvolvi-
mento urbano e econômico, podia se tornar, eventualmente,
uma vila. Acari é um bom exemplo disso. Surgida, inicialmente,
ao redor de um poço no rio Acauã, beneficiou-se da pecuária e

35
criação de gado para alcançar alguma visibilidade no contexto do
período imperial, uma vez que foi o Capitão Tomaz de Araújo
Pereira (3º), proprietário de terras nas cercanias da povoação,
a receber o título de primeiro Presidente da Província do Rio
Grande do Norte.
No início do século XIX, a povoação recebeu o título de
Vila do Acari, fortalecendo o processo inicial de urbanização
pelo qual passava a Província do Rio Grande do Norte. A cria-
ção de vilas fazia parte da política de consolidação empreendida
pela Coroa Portuguesa no século XVIII e pelo Estado Imperial
implantado no Brasil, em 1822. Quando uma aglomeração atin-
gia certo grau de desenvolvimento, era elevada a categoria de vila
ou cidade. Além do mais, conceder o status de munícipio a uma
determinada aglomeração, significava melhorar o frágil “mundo
urbano” atraindo para si a vida social e comercial, propician-
do assim desenvolvimento em localidades semi-rurais, ou seja,
aquelas onde as atividades do campo predominam. Portanto, foi
durante esse século que a Vila do Acari e demais aglomerações
da Província do Rio Grande do Norte passaram pelo momento
de significativas transformações em seu espaço urbano, com as
melhorias promovidas na infraestrutura, nas construções e, in-
clusive, no comércio, como serão abordadas a seguir.

36
Da casa de fazenda
à casa da rua: o
desenvolvimento urbano
de Acari nos anos 1800
A criação da Villa do Acary e a instalação do
poder municipal
A frágil rede urbana, que perdurou até meados do século
XVIII, agora, dava sinais e indícios de um crescimento conside-
rável. Se até 1750, a capitania possuía apenas uma cidade, Natal,
nos anos 1800 essa situação começou a mudar. Até o fim do
século XIX, a província possuia 14 municípios, sendo 03 cidades
e 11 vilas. Esse panorama permite-nos afirmar que, de maneira
geral, a Província do Rio Grande do Norte passava por um pro-
cesso de desenvolvimento e urbanização, uma vez que o muni-
cípio foi sendo desmembrado em outras unidades territoriais,
quando essas alcançam certo grau de povoamento e ocupação
(TEIXEIRA, 2012). A fundação de vilas fazia parte do projeto
de urbanização do período provincial, expandindo o território
por meio da atração de pessoas e centralização do comércio.
O município de Acari foi criado pelo Presidente da Pro-
víncia em de 11 de abril de 1833, por aprovação da Lei Provin-
cial de 18 de março de 1835. (SANTA ROSA, 1974).
Sobre as denominações das aglomerações urbanas referen-
tes à municipalidade, que vigoravam na colônia e império, pode-
-se citar a povoação, a vila e, por último, a cidade. O termo vila
refere-se ao centro de uma jurisdição territorial, sendo a sede do
município, com implicações político-administrativas (BLUTE-
AU, 2000).

37
Recebido o título de vila, uma das primeiras medidas im-
postas por lei foi a construção da Casa de Câmara e Cadeia.
Esclarece Teixeira (2012) que este edifício era, geralmente, uma
construção de dois andares: o térreo servia como prisão local e o
superior, como o conselho da Câmara.
A vila era o núcleo de um território, a sede do municí-
pio, exigindo como prerrogativas possuir uma sede para o poder
municipal, ou a Casa de Câmara e Cadeia. Em 1838, a sede da
administração local do Acari já estava de pé, construída em pe-
dra e barro pelo Capitão Tomaz de Araújo. No mesmo ano, em
um discurso, o Presidente da Província João Valentino Dantas
Pinajé assegurou que “[...] a Cadeia da Villa do Acari posso affir-
mar-vos, que he nova, e ainda não apresenta ruina [...]” (PRO-
VÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE, 1838, p. 32). Não
encontramos fontes documentais que fornecessem informações
sobre o local da primeira Cadeia, cuja edificação, em fins dos
anos 1860, já estava em ruínas e abandonado.
É possível que a construção tenha sido usada somente
como cadeia, já que as laterais da Igreja do Rosário, construídas
em 1840 por Tomaz de Araújo, aparecem como sendo lugar de
reuniões para tratar de assuntos políticos e da administração pú-
blica, nos anos 1840 e 1850. (SANTA ROSA, 1974)
A nova Casa de Câmara e Cadeia de Acari começou a ser
construída em 1878 e foi concluída em 1887. Sua fachada foi
inspirada na arquitetura neoclássica. Pedra e tijolos foram os
materiais usados nas paredes, denotando maior apuro técnico-
-construtivo, estilístico e melhoria no setor da construção civil.
Na fase final da construção do edifício, por volta de 1885, um
arquiteto aparece sendo contratado pela Câmara para trabalhar
na obra, podemos imaginar que o mesmo foi o encarregado das

38
questões estilísticas da fachada do prédio. (CÂMARA MUNICI-
PAL DA VILA DO ACARI, 1898)
As pessoas que aparecem como os trabalhadores da obra
são o arquiteto Paulino José de Maria, os pedreiros Manoel Joa-
quim da Silva, Joaquim Ignacio da Silva, Manuel Pedro de Aze-
vedo e o carpinteiro Manoel Antônio Dantas. Segundo anotação
em um documento do arquivo da Prefeitura Municipal de Acari,
toda a ferragem (pregos, dobradiças, ferrolhos, fechaduras e gra-
des de ferro) do, foi confeccionada rusticamente por Francisco
Raimundo de Araújo.
Durante todo o período colonial e no império, edifícios,
como a Casa de Câmara e Cadeia, ocupavam lugar privilegiado
no espaço das aglomerações. Eram o símbolo do poder secular
e sempre se localizavam na praça central, o que nos leva a crer
que a primeira sede de Acari tenha sido erguida em algum lu-
gar no centro da vila. A segunda sede, como já mencionado, foi
construída já em fins do século XIX, próximo ao alvorecer da
República. A segunda Casa de Câmara e Cadeia foi certamente
construída fora dos limites urbanos e logo se transformaria em
intendência.

O espaço urbano e as Posturas Municipais


O visual da “urbe” brasileira é gerado por normas urba-
nísticas, que regulam a largura das ruas, a altura das construções
e a exemplos os impostos sobre o solo. Essas orientações refle-
tem ideais estéticos, higiênicos e morais, onde a forma urbana
e as edificações refletem os valores sociais vivenciados no espaço
público (MARTINS, 2010). Essa situação pode ser observada
nos dias atuais, mas, neste estudo, lançamos nosso olhar para o
período imperial, época em que as Posturas tiveram grande influ-
ência na concepção formal do espaço urbano.

39
No Brasil Colonial, e com mais vigor no Império, as Câ-
maras Municipais eram responsáveis pela realização das obras
públicas e pelo estabelecimento das Posturas municipais, que
podem ser compreendidas como uma legislação inicial na ten-
tativa de organizar o espaço urbano. As Posturas padronizavam
e uniformizavam as construções das casas, com o objetivo de
garantir uma melhor estética visual das vilas e aglomerações ur-
banas. A altura, a largura, o alinhamento e até a cor da fachada
eram impostos por lei.
Foi durante a administração do Marquês de Pombal (Se-
bastião José de Carvalho Melo), quando este exerceu o cargo de
Primeiro-Ministro no Reinado de Dom José I, de 1750 a 1777,
que as Províncias do Norte receberam maior atenção no sentido
de ordenar e organizar os seus núcleos urbanos, principalmente
os que ficavam no interior. A estética das edificações e do espa-
ço público eram preocupações vigentes. No período em que se
manteve no cargo, o Marquês deu muita atenção às questões re-
lativas ao espaço urbano, especificamente, aos aspectos estéticos
das aglomerações. No Rio Grande do Norte, as atuais cidades
de Portalegre, Vila Flor e São José de Mipibu são exemplos da
intervenção Pombalina. Seus projetos urbanos foram resultan-
tes de uma série de ideais, que tinha a regularidade do espaço
como premissa. Por essa razão, o traçado urbano das localidades
se expressava em forma xadrez e também circular (TEIXEIRA,
2005). A particularidade dessas três aglomerações é que tiveram
suas origens em aldeamentos indígenas.
Depois de termos verificado aspectos da organização e ins-
talação do poder municipal na Vila do Acari, é necessário acom-
panhar suas atribuições e ações no que diz respeito à organização
e controle do espaço urbano.

40
Em 1835, com a confirmação do título de Vila, a localida-
de recebe seu primeiro Código de Posturas Municipais e, no Ar-
tigo nº 8, chama a atenção para o cuidado com o asseio das ruas
bem como as casas da aglomeração: “Em todo o cabeça de casal
será obrigado a ter limpas as frentes de suas casas nas povoações,
nas quatro festas principais, de cada hum ano, sob pena de pagar
por cada vez que faltar a limpeza, duzentos réis para as despesas
da Câmara” (ACARI, 1835). Esse artigo nos mostra uma preo-
cupação com a higiene da aglomeração, não deveria haver mato,
sujeira ou entulho, nem em via pública nem nos quintais das
construções, onde até as formigas deveriam ser eliminadas, tudo
isso para garantir a salubridade da vila.
As Posturas municipais eram abrangentes, davam conta
de vários aspectos do espaço urbano. Além da limpeza, as leis
cobriam também os aspectos estéticos e formais das ruas. No
Artigo nº 13 (ACARI, 1835), há uma preocupação com o ali-
nhamento das construções, caso fosse desobedecido a casa seria
derrubada à custa do proprietário.
As questões higiênicas também são cobertas pelas Posturas
municipais. O espaço urbano insalubre e propício a doenças pre-
cisava ser saneado, havia preocupações com os enterramentos nas
igrejas, que deveriam ser feitos em cemitérios fora dos limites urba-
nos. As ruas seriam mais largas para facilitar a circulação do vento,
as casas com maiores janelas, de modo que o sol pudesse dissipar a
umidade, os dejetos humanos e animais teriam que ficar longe das
fontes de água. As ruas mais largas e retilíneas são expressões de uma
evolução na forma urbana das vilas e cidades, esse processo acen-
tuou-se principalmente no decorrer do século XIX.
As epidemias eram constantes, varíola, febre e cólera apa-
reciam em surtos, e melhorar a higiene seria fator decisivo para
conter tais situações. A Câmara Municipal mostrou, em algumas

41
oportunidades, certa preocupação com as fontes de água e as la-
trinas, por medo de contaminação. Em 1833, a Câmara da Vila
do Acari recebeu 40 exemplares da Sociedade Médica do Rio de
janeiro, com o parecer sobre questões ligadas à higiene pública e
principalmente a cólera.
À medida que o espaço da municipalidade ia se transforman-
do, o governo provincial precisou elaborar planos e políticas de hi-
giene para o espaço público. O pensamento social no século XIX foi
fortemente influenciado pelo olhar médico, era preciso diagnosticar
os males urbanos e encontrar soluções para erradicá-los. A teoria dos
miasmas tinha uma explicação para essas epidemias: eram causadas
pelos odores exalados de cadáveres em decomposição, espalhando
a pestilência através do ar respirado. Os ideais sanitaristas tiveram
reflexo direto no espaço da vila, uma vez que os enterramentos nas
igrejas deveriam ser proibidos, como visto em carta do governo pro-
vincial à Câmara da Vila do Acari em 1855.
E reconhecendo a urgente necessidade de se tomarem
medidas para fazer cessar o abuso que se tem admi-
tido de fazerem-se enterramentos dentro das igrejas,
recomendo a V.Sas a expedição das ordens necessárias
e enérgicas previdências para que não consinta seme-
lhante costume, hoje geralmente reprovado e sempre
nocivo a salubridade publica. (CÂMARA MUNICI-
PAL DA VILA DO ACARI, 1855).

A epidemia de cólera, que assolou o Seridó em 1856,


preocupou as autoridades municipais e a população, para a ne-
cessidade de se tomar uma atitude que objetivasse melhorar as
condições higiênicas. Como consequência, os enterramentos nas
igrejas cessaram e um novo cemitério foi construído fora dos
limites urbanos em 1856. O trabalho de Silva (2003), intitulado
Seridó em tempos de Cólera, trata especificamente dessas epide-
mias e doenças que solaparam, por exemplo, as Vilas do Acari e
em Príncipe na segunda metade do século XIX.

42
A estética foi uma preocupação evidente das autoridades
municipais. O alinhamento nascente de uma rua e sua continu-
ação deveriam ser respeitados. Essa regularidade das construções
garantiria o aformoseamento da estética e forma urbana (ACA-
RI, 1835). O artigo adicionado às leis de Acari, em 16 de junho
de 1849, ilustra preocupações estéticas das autoridades locais no
que respeita à forma urbana:
Art. 15. Os proprietários que vivem nesta vila e po-
voações do município são obrigados a manterem caia-
das (limpas) e pintar as fachadas de suas casas, e caiar
(limpar) 5 m de extensão de largura na parte frontal e
lateral [...] dentro dos próximos 11 meses a partir da
data que esta lei for aprovada. Devem mantê-los em
bom estado. Os transgressores irão pagar uma multa
vale 5.000 réis, e no caso de não ter dinheiro será preso
a uma taxa de 1.000 réis por dia.

A aplicação dessas leis era feita pelo fiscal que, se necessá-


rio, recebia auxílio de um Inspetor de Quarteirão. As principais
funções desse estavam ligadas à fiscalização e execução das orien-
tações legais, alertando e multando os que não cumprissem as de-
terminações da Câmara, além de ter que apresentar um relatório
de suas atividades. Agente muito importante do espaço urbano
nesse período, o fiscal devia prestar conta de seu trabalho, a fim
de melhorar a atuação do poder municipal, como visto a seguir:
[...] Compareceu o fiscal do termo desta vila Mano-
el Severiano, o qual prestou contas das correições que
tinha feito, e pedindo a Câmara que lhe mandasse
satisfazer a quantia de 6.000 réis, que tinha sido des-
pendido com dois serventes, o que sendo ouvido pela
Câmara ordenou ao procurador para mandar satisfazer
o fiscal [...]. (CÂMARA MUNICIPAL DAVILA DO
ACARI, 1851)

Todos os moradores deviam pedir licença para poderem


construir suas casas, mas essa situação poderia se aplicar a outras

43
construções. Alinhamento das casas, limpeza, extensão e largura/
abertura de ruas/viela era o foco principal das orientações.
Em algumas ocasiões, como por exemplo, a registrada em
Ata de 30 de outubro de 1858, os vereadores discutiram sobre
casas que não respeitavam o alinhamento proposto e convoca-
vam seus donos para que as derrubassem. Na Ata Ordinária da-
tada de 25 de outubro de 1858, a discussão era sobre a abertura
de um beco de nove palmos de largura. As casas eram obrigadas a
ter suas frentes caiadas (limpas), rebocadas e possuírem calçadas
com cinco palmos de largura.
A principal função dessas leis era controlar o espaço urba-
no em seus aspectos estético-formais. Acompanhando os artigos
adicionados a esse instrumento legal de controle na Vila do Acari
e cruzando com as atas e circulares, podemos evidenciar duas
situações: nem sempre as orientações do referido código eram
cumpridas, ou por parte do fiscal ou por parte da população, e,
em certas ocasiões, as construções se davam de maneira espontâ-
nea. É possível observar que em algumas oportunidades, o Go-
verno provincial pediu à Câmara da Vila do Acari que cumprisse
suas posturas.
Mesmo que as Câmaras Municipais não fossem dotadas
de um plano urbanístico para as aglomerações como um todo,
parece-nos claro que a estética e a forma urbana das vilas foram
moldadas pelas posturas municipais, e que estas acabaram por
ser, ainda que de maneira embrionária, uma espécie de pré-urba-
nismo (TEIXEIRA, 2012). No caso de Acari, essa forma urbana
perdura até hoje, principalmente no centro histórico, produto
do século XIX. O alinhamento, a largura, a extensão e as facha-
das das ruas ainda mostram os efeitos e a importância que essas
orientações tiveram para a urbanização da cidade.

44
Remodelamentos urbanos
A partir de meados do século XIX, Acari começou a pas-
sar por importantes modificações em seu espaço urbano, o que
revela certa prosperidade, inicialmente vinda da pecuária e que
depois viria a ser do algodão. Essa situação permitiu que ou-
tro templo fosse erguido para ser a matriz de Nossa Senhora da
Guia. A construção, de fato, teve início em 1857, mediante doze
contos de réis, conseguidos com a venda de duas fazendas de
gado pertencentes às irmandades religiosas do Santíssimo e de
Nossa Senhora da Guia.
O custo total da obra foi aproximadamente 100 contos de
réis. Alguns nomes da elite política e econômica da vila apare-
cem como doadores de dinheiro, entre eles, o Tenente Coronel
Manoel Gomes da Silva e o Capitão Cypriano Bezerra Galvão.
Cada um deu 100$ de oferta. Foi construída de pedra e cal e
com tijolos de adobe. O tempo que levou para ser concluída, as
proporções e o material humano e financeiro revelam que Acari
passava por um momento de prosperidade econômica e por um
desenvolvimento urbano, já que o templo deu novos limites es-
paciais à aglomeração, fazendo surgir a partir de si uma fileira ul-
terior de casas. É verdade que nesse período, o espaço urbano de
Acari vivia uma evolução em sua forma, com maiores e melhores
casas, de alvenaria e algumas em pavimentos, no entanto, a vila
não tinha casas suficientes para abrigar as oito mil pessoas, que
estiveram acompanhando o translado da padroeira em 1867.
À medida que o século XIX avançava, surgiu uma forte
preocupação com a aparência estética das ruas e edifícios, espe-
cialmente com as fachadas, cujas dimensões, número e tamanho
das aberturas e, até mesmo, as cores foram, às vezes, impostas por
lei. As autoridades locais tentavam controlar o comportamento

45
dos habitantes. A partir de meados do século XIX, novas casas
foram sendo construídas no lugar de casas precárias.
No contexto provincial, a atividade comercial começou
dar indícios de crescimento. Na Vila do Acari, a regulamentação
do comércio e o mercado público, por parte da Câmara Munici-
pal, além inauguração da feira, em 1846, são sinais importantes
do início das melhorias em curso (CÂMARA MUNICIPAL DA
VILA DO ACARI, 1846). O Mercado Público da Vila que foi
construído em 1890, considerado o melhor do Seridó naquela
época. A Praça, designada para a “feira semanal”, abriu-se em
frente à Casa do Mercado. Atualmente, é conhecida como praça
dos taxistas, mas, oficialmente, chama-se Coronel Silvino Bezerra.
A importância desempenhada pela atividade comercial no
espaço urbano é revelada pela nomenclatura dos logradouros pú-
blicos. Atrás do mercado, nesse sentido, surgiu a Rua do Comér-
cio. (SANTA ROSA, 1974).
Uma nova via de abertura se estendia desde o centro an-
tigo da cidade, onde se desenvolvera o núcleo urbano inicial da
povoação, sobretudo nos lados e na frente da Igreja do Rosário.
O parcelamento urbano, que inicialmente se mostrava irregular,
sobretudo na praça central, agora dava claras demonstrações que
assumiria um plano xadrez como visto na seguinte orientação
registrada em Ata.
O alinhamento do novo edifício se abrirá em direção
a rua grande, e dali um alinhamento para o poente,
para o sul, para o nascente, formando quatro frentes,
ficando entre as novas ruas e as existentes o espaço de
50 palmos nos lugares mais estreitos (CÂMARA MU-
NICIPAL DA VILA DO ACARI, 1865-1873).

Segundo Nobre (1971, p. 151), Acari “[...] tem boa ca-


saria. É ornada de dois templos sobressaindo o da padroeira da
freguesia, para a construção e elegância do qual muito concorreu

46
o respeitável Vigário Tomaz Pereira de Araújo”. Observando essa
descrição, podemos concluir que o casario urbano de Acari já
apresentava a alvenaria como técnica-construtiva, em duas águas
inspirado no estilo colonial. Nobre era funcionário do governo
provincial e viajou pelo interior fazendo descrições de vilas e ci-
dades no ano de 1877.
Na festa de translado da padroeira o uso sagrado e profano
do solo é visível, ao passo que se estima que 8 mil pessoas e 18 sa-
cerdotes tenham assistido a cerimônia, 60 mesas de jogos foram
vistas espalhadas pela Vila.
De acordo com o Censo de 1890, referido por Santa Rosa
(1974, p 87), o total da população dentro dos limites municipais
de Acari foi de mais de 9.000 habitantes. A vila continha 198
prédios e 10 ruas. O título de cidade foi concedido em 1898,
uma boa evidência do desenvolvimento urbano local. Em1899,
as lideranças políticas de Acari viam claramente a necessidade
de organizar as ruas e praças e adotar uma nova malha urbana,
também mostravam preocupações estéticas no que diz respeito
às paredes que se destacavam nas artérias da cidade. Ao consultar
um corpus documental disponível no Arquivo da Prefeitura Mu-
nicipal, ficou claro que o Código de Posturas de 1899 já apre-
sentava um discurso em modelado pelo ideário da modernidade.
A “modernização” da malha urbana se expressava no surgi-
mento das novas ruas largas e retilíneas. A necessidade de moder-
nizar o meio urbano da cidade se deu por uma forte remodelação
na parte mais antiga do aglomerado urbano, sobretudo, no largo
que se abria em frente à antiga matriz, onde várias construções
da fase inicial da povoação foram destruídas.
É das reuniões da Câmara e das Posturas Municipais de
1896 que se pode detectar o desejo de reconfigurar o espaço ur-
bano de Acari, pois as preocupações com as questões estético-

47
-formais continuavam. Contudo, paulatinamente, vai se perce-
bendo que as orientações apontam agora para a criação de novas
ruas grandes e largas, e para efeito disso, as casas pequenas e de
técnicas construtivas frágeis seriam substituídas, sucessivamente,
por construções de maiores proporções, mas sem fugir do tri-
nômio fachada/limpeza/alinhamento. É também desse período
a demolição da Casa de Caridade erguida pelo Padre Ibiapina.
Os valores de uma cidade republicana são vários: as praças,
os nomes dos locais públicos, das ruas, e, principalmente, a re-
gularidade dos espaços urbanos, valores que são vistos na cidade
do Acari. O primeiro capítulo das Posturas municipais de 1899
é voltado completamente para seus aspectos urbanos, nomes de
ruas, dos espaços, numeração das casas e pela primeira vez a ne-
cessidade de plantar de árvores. O primeiro artigo diz o seguinte:
As ruas que de agora em diante se abrirem dentro do
perímetro desta cidade, terão, pelo menos, a largura de
10 metros, salvo obstáculo invencível, e serão cortadas
por outras em ângulo reto e na distancia de 25 metros
de uma para a outra [...] (ACARI, 1899).

Os ideais de progresso e de modernidade passaram a apa-


recer de maneira mais evidente no discurso das lideranças políti-
cas locais dos últimos dez anos do século XIX, podemos perceber
os anseios de modernização da urbe, traduzido na vontade de
ajardinar as ruas, construir praças e embelezar a cidade. É pre-
ciso seguir um horizonte norteador para modernizar a saúde, a
higiene e o aspecto urbano. A cultura do algodão foi o principal
catalisador dessa prosperidade de fins do século XIX e primeira
metade do XX.

48
O Acary do século xx e os
ditames do “moderno”
O século XX e a modernização
Gostaríamos, nesse ponto, de conceituar em que sentido
estamos usando a palavra modernidade e modernização em nosso
trabalho, a fim de evitarmos que esses conceitos, tão importan-
tes, sejam usados de maneira errônea e comprometam o entendi-
mento e sentido de nossa escrita. Em primeiro lugar, quando nos
referimos à modernização, aludimos as melhorias ocorridas no
espaço urbano em variados aspectos, feições das construções, pa-
vimentação, energia elétrica, criação de praças e ajardinamento
de ruas. No caso específico de Acari, temos que limitar esse uso
e pensar em quais destes aspectos foi possível alcançar melhorias,
sobretudo, na infraestrutura. Uma cidade moderna, progressista
não só apenas em aspectos arquitetônicos, onde a administração
pública investiu dinheiro na higienização e no embelezamento,
principalmente no centro da aglomeração.
Com a entrada no século XX, uma figura aparece como
elemento pensante e agente impulsionador dessa “moderniza-
ção” da cidade: Francisco Bezerra, homem que adquiriu casas
antigas, empreendeu reformas dando caráter de arquitetura mo-
derna, abriu novas ruas, construiu vilas em subúrbios. Embora
saibamos o nome de uma das vilas fechadas que o mesmo cons-
truiu – Valparaíso, não podemos precisar a localização espacial
exata. Porém, essa evidência permite-nos pensar por dois pontos:
ou no centro da cidade já estava faltando espaço para construir
ou essa orientação de modernização estava ligada à ocupação de
áreas suburbanas. Por mais que essa nossa afirmação pareça ób-

49
via, ela se dá por dois motivos, nas atas de fins do século XIX e
início do século XX, percebemos um desejo de construir novas
ruas, mas no primeiro quartel dos anos 1900 parece que a parte
mais central da cidade já estava quase que totalmente ocupada,
então pode ser que essa situação tenha impulsionado a expansão
urbana naturalmente ou que a intendência desses subsídios para
tal acontecimento por meio de desapropriação de terrenos per-
tencentes ao patrimônio da igreja.
A mesma pessoa foi ainda responsável pela desapropria-
ção de outros dois prédios, o primeiro para construção de uma
escola e o segundo para uma residência em estilo chalét. Bezerra
adquiriu alguns empréstimos e pediu ajuda aos mais abastados
da cidade. Infelizmente, muitas das casas derrubadas ou desca-
racterizadas pertenciam à ocupação original.
Em 1915, foi inaugurada a estação telegráfica, mas é a
construção de uma ponte sobre o Rio Acauã, que reflete o pano-
rama da modernização urbana da cidade e é descrita dessa forma:
No ano de 1929, Acary recebeu mais um importante
melhoramento, mandado executar pela Inspetoria de
Obras contra as Seccas, com a colaboração do estado:
a construção de uma elegante e solida ponte sobre o
rio Acauã, à entrada da cidade. A ponte que recebeu o
nome de Presidente Lamartine é a maior obra de arte
em concreto armado construída até hoje no estado do
RN (SOARES, 1988, p. 5).

Um dado interessante a ser observado é que essa fonte nos


diz que a ponte foi construída na entrada da cidade. A referida
construção, hoje, se intitula ponte velha e serve como ligação
entre o bairro Petrópolis e o centro da cidade. Talvez o lugar fosse
ocupado por poucas casas de taipa ou fosse uma região conside-
rada subúrbio, fora dos limites urbanos.

50
A essa altura, Acari já era iluminada por energia elétrica,
além de possuir um campo de pouso para aeronaves de pequeno
porte, construído em 1928, a pedido do Governador Juvenal La-
martine. O mesmo veio inaugurar o campo em uma viagem de
avião de Natal para Acari. Este campo de aviação de Acari serviu
para aterrissagem de muitas autoridades políticas, em nível es-
tadual e até nacional, que visitavam a cidade em compromissos
políticos e de campanha. O lugar encerrou suas atividades em
1981. Acari se desenvolveu substancialmente no início do século
XX como revela a descrição de 1930:
A cidade, localizada na margem direita do rio Acauã,
é iluminada por energia elétrica. Tem edifícios regu-
lares, a maioria em estilos antigos. Existem, no entan-
to, algumas construções recentes em que certas regras
da arquitetura moderna foram observadas. Uma boa
quantidade de casas permanece fechada durante a se-
mana, porque seus proprietários, que são pessoas mais
ou menos prósperas, preferem viver com suas famílias
nos sítios onde trabalham. Eles vêm para a cidade só
aos domingos e ocasiões de festividades para realizar
suas obrigações religiosas e visitar amigos. Entre os edi-
fícios mais importantes podem ser citados a escola Tho-
maz de Araujo, a Câmara Municipal (Intendência) e da
paróquia igreja, o segundo maior templo da diocese de
Natal (SOARES, 1988, p. 5).

Essa fonte bibliográfica nos permite discutir sobre alguns


pontos pertinentes, quanto aos aspectos do processo de melho-
ramentos do espaço urbano. O documento revela a existência
predominante de construções do século XIX, ou arquitetura pré-
-modernista. Novos edifícios de arquitetura moderna estavam
surgindo aos poucos. Essas tipologias arquitetônicas representa-
vam o pensamento modernista iniciado em fins do século XIX e
que agora ganhava maior intensidade. Mesmo com o processo de
urbanização em marcha, a maioria da população ainda residia na

51
zona rural. Em 1940, a cidade foi crescendo consideravelmente
a população urbana era de 1.291 habitantes. (CÂMARA, 1941-
1942, p. 10).
Formada por 34 ruas e 304 edifícios, a zona urbana não
tinha Banco. Acari em 1951 possuía cerca de 600 construções.
Em 1970, chegou a 5.292 habitantes. (IBGE, 1971, p. 24). Ou-
tro sintoma do crescimento da cidade é revelado na proposição
do prefeito para a Câmara Municipal, em 1949, para expropriar
terras suburbanas pertencentes à Paróquia de Nossa Senhora da
Guia para a construção de casas e um matadouro. O prefeito
acrescentou que “na zona urbana não há mais lugares vagos para
construir novas casas e muitas pessoas estão dispostas a construir,
mesmo que seja na periferia da cidade”. A Câmara Municipal
autorizou a aquisição do terreno por unanimidade. As Atas da
década de 1940 e 1950 (CÂMARA MUNICIPAL DOS VERE-
ADORES DO ACARI, 1948-1952), deixam-nos evidências de
um perceptível florescimento urbano de Acari, passando a cidade
a crescer do ponto de vista espacial. Em 1956, do ponto de vista
dos aspectos urbanos, Acari era assim descrita:
Acari tem duas praças e seis avenidas calçadas a parale-
lepípedos, estando em prosseguimento a pavimentação
de outros logradouros públicos. A energia elétrica é
fornecida pela Empresa Elétrica Municipal e destina-se
exclusivamente à iluminação pública e domiciliar, não
havendo consumo de energia como força motriz. (EN-
CICLOPÉDIA DOS MUNICÍPIOS BRASILEIROS,
1960, p. 21).

Em 1950, a Câmara havia aprovado a aquisição de um


novo motor para geração de energia na cidade, já que o existente
era insuficiente (CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADO-
RES DO ACARI, 1950) Houve uma série de desapropriações
de terrenos em áreas suburbanas a partir de 1960. Muitas casas

52
de taipa construídas de maneira desordenada foram derrubadas
para a abertura de novas ruas e vielas em áreas anteriormente
desocupadas.
A política de expansão urbana se dava da seguinte manei-
ra: a casa era derrubada, o morador recebia uma indenização em
dinheiro ou tinha sua casa construída em outro lugar. Todavia,
em algumas situações, o Prefeito também pedia desapropriação
de casas de telhas e tijolos que, por ventura, estivessem impedin-
do a abertura de novas ruas como visto em Ata datada de 24 de
agosto de 1962:
O prefeito por meio amigável pede que seja desapro-
priada uma casa de tijolo e telha na Rua Antônio Ba-
sílio, erguida como cadeia pública, pertencentes aos
herdeiros de Manoel Ubaldo Neto, com a finalidade
espacial, para a abertura de uma avenida a ser desenvol-
vida (CAMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES
DO ACARI, 1962).

O cuidado e preocupação com as questões estético-formais


do espaço urbano ainda aparecem como visto no Código de Pos-
turas de 1948, artigo nº 26,
Na construção de prédios a serem encravados na zona
urbana da cidade e vilas do município, a altura dos
mesmos deverá ser de três metros e meio no mínimo,
do piso ao respaldo, tendo as portas dois metros e vinte
centímetros a três metros de altura [...] (ACARI, 1948).

No mesmo código, aparecem alguns artigos, interessantes


quanto à estética urbana, que proibiam a construção de casas li-
gadas entre si, e pedindo um espaço de dez metros entre os novos
prédios. No capítulo VI, que trata das construções diz que edifí-
cios em ruínas ou que impeçam o trânsito serão demolidos. A es-
tética do centro da cidade recebe atenção também, à medida que
as novas casas, que surgirem ao redor da praça central devem ter
400 palmos de distância entre si. Esse código traz, em seus arti-

53
gos, algumas novidades, mas também permanências, em relação
ao promulgado em 1889. Ainda, existe a mesma preocupação
quanto à limpeza e higiene da “urbe”, porém, agora, a distância
das construções e a largura das novas ruas a surgirem são maiores
do que as mencionadas no anterior. A prisão como pena para
quem não cumprisse as determinações não é mais mencionada.
O Projeto de Lei nº 9 aprovado pela Câmara, em 03 de
julho de 1950, mostrou cuidado com a aparência das ruas, so-
bretudo com as centrais, obrigando seus moradores a construí-
rem os muros e calçadas de suas residências dentro dos moldes
estabelecidos pelo Código de Posturas Municipais. Apesar de
não existir mais a prisão como pena para quem não cumprisse as
regras, a multa ainda seria aplicada, em menor proporção, pois
caiu de Cr$ 500,00 para Cr$ 100,00. Observa-se também uma
flexibilidade latente quanto aos prazos para execução das obras,
já que o prazo delimitado inicialmente foi prorrogado, de 31
de dezembro de 1951 para 1952. (CÂMARA MUNICIAPAL
DOS VEREADORES DE ACARI, 1948-1952).

Algodão e prosperidade
A cotonicultura, desde sua ascensão até o seu declínio to-
tal, foi responsável por considerável parte do progresso urbano e
econômico da atual região do Seridó. Por exemplo, em um con-
texto que Acari da segunda metade do século XIX, passava por
muitas transformações, o algodão teve papel importante, forne-
cendo capital para que as melhorias urbanas fossem implemen-
tadas. Quando nosso foco se volta para o século XX, vemos que
o algodão foi um dos responsáveis pela marcha para urbanização
de alguns municípios da região.
Dos três surtos exportadores do algodão, os dois últimos
foram os que concorreram de forma marcante para a entrada do

54
Rio Grande do Norte nas trilhas do algodão. No primeiro surto,
despontou o Maranhão (MACÊDO, 2005, p. 185).
Entre 1861 e 1869, ocorreu nos Estados Unidos a Guerra
de Secessão, entre o Norte e o Sul. Esse conflito destruiu toda a
produção algodoeira em solo americano e ainda deflagrou uma
enorme crise comercial, pois, nesse contexto, cessaram as expor-
tações para solo europeu, principalmente para a Inglaterra. Essa
situação gerou a elevação do preço do algodão na esfera inter-
nacional e ainda possibilitou a emergência de novos mercados
como o Brasil, principalmente nas províncias do Norte, entre
elas, o Rio Grande do Norte (GALVÃO, 2006).
Nesse cenário, o Rio Grande do Norte obteve grande im-
pulso e o Seridó despontou como principal núcleo da produção
algodoeira. No sertão do Seridó, plantava-se o algodão arbóreo,
mais conhecido por algodão “mocó” (devido nascer ao pé-da-
-serra), de fibra longa e resistente à seca e aos solos pobres. Essa
variedade foi a que melhor se adaptou as condições climáticas
do Seridó.
Sobre a dinâmica econômica trazida pelo algodão, Santa
Rosa (1971) diz o seguinte:
A economia do Acari da segunda metade do século XIX
passou a ser reforçada por essa necessidade de exportar
o algodão descaroçado, esse processo de descaroçamen-
to em larga escala substituiu o trabalho manual por de
uma máquina, além de necessitar de uma força motriz
maior; o boi já que a produção se dava em larga escala.
(p. 76)

A implantação desses descaroçadores movidos a vapor foi


fator decisivo para um salto da atividade algodoeira, e, a partir
da década de 1930, as usinas começam a surgir em terras serido-
enses (CLEMENTINO, 1985).

55
No Rio Grande do Norte, a cotonicultura surgiu ligada
à necessidade de matéria-prima para a indústria têxtil nacional,
a abertura desse mercado consumidor para além das fronteiras
estaduais permitiu aqui um crescimento tendencial até 1930.
Inglaterra, França e Portugal eram os grandes compradores do
algodão brasileiro, os produtores/exportadores eram todos nor-
destinos, ao Rio Grande do Norte cabia uma fatia de 8%. Es-
timulada pelo mercado interno e externo, a cotonicultura foi o
principal sustentáculo da economia potiguar entre 1880 e 1915,
com suas particularidades no que diz respeito a condições físicas
e técnicas de produção (TAKEYA, 1985).
O algodão começou a ser plantado em terras seridoenses
em 1880, e difundido, de maneira geral, em 1887. Em 1910, o
município de Acari possuía 27 bolandeiras de beneficiamento do
algodão, Caicó vinha em seguida com 22 e logo após Jardim do
Seridó com 28 e Currais Novos com 22.
O Seridó passou por uma fase de prosperidade em fins do
século XIX e nos primeiros 60 anos do século XX. Das usinas
que ficavam no interior do estado, duas encontrava-se em Acari
e pertenciam ao grupo Nóbrega & Dantas S/A e à Sociedade Al-
godoeira do Nordeste Brasileiro (SANBRA), multinacional que
abriu várias filiais no Nordeste. Na década de 1940 e 1950, essas
usinas operavam em pleno vapor. Segundo dados disponíveis no
arquivo da Câmara Municipal, em 1955, a safra atingiu mais de
40 milhões de cruzeiros, estando no quadro abaixo discrimina-
dos os principais produtos, ficando-nos claro assim que a princi-
pal riqueza era o algodão.

56
Safra de 1955 no município de Acari-RN
PRINCIPAIS Valor (Cr$ 1.000)
UNIDADE QUANTIDADE
PRODUTOS

Algodão Arroba 260.000 39.000

Feijão Saco de 60 kg 1.490 447


Milho Saco de 60 kg 1.800 306
Batata-doce Tonelada 250 250
Banana Cacho 2.400 180
Fonte: IBGE (1960)

O algodão, que liderou a produção, foi indubitavelmente,


nessa época, responsável direto por boa parte do capital que cir-
culava na cidade. As duas usinas de beneficiamento e a fábrica
de óleo de sementes de algodão foram os maiores geradores de
emprego e renda. Essa conjuntura injetou dinheiro nos cofres
da administração pública, permitindo um sopro de prosperidade
econômica. As finanças públicas apresentavam saldos extrema-
mente positivos, permitindo a execução de obras, que objetivas-
sem o desenvolvimento da cidade, por exemplo, a remodelação
de um prédio para servir como sede para a Prefeitura Municipal
no valor de 3:000$000, além de noventa obras de pavimentos,
todas no ano de 1951. Em reunião na Câmara, o prefeito reve-
lava um saldo positivo de dois milhões de cruzeiros. A dinâmica
urbana sofreu alterações atraindo vários serviços públicos e pri-
vados. (Pasta nº 9, documentos antigos, 1925-1970)
Esse desenvolvimento, proporcionando pelo algodão, fez
com que o espaço citadino atraísse as pessoas para o espaço urbano,
concentrando em si maiores investimentos e melhorias por parte do
poder municipal. A cidade vivia um bom momento, como observa
Santa Rosa (1971),

57
A cidade cresceu, nela concentrando-se a vida muni-
cipal, em consequência de terem aparecido empregos
proporcionados pelas indústrias instaladas de descaro-
çamento de algodão, de óleo glicerídico, de alimentos,
por oficinas e por serviços públicos como os de energia,
águas e telefonia. (p. 112)

Na década de 1970, a economia algodoeira seridoense en-


trou em uma crise sem precedentes (MORAIS, 2005, p. 253).
Essa vicissitude foi deflagrada pela falta de competitividade do
produto aqui produzido, decorrido de uma série de fatores como:
baixo nível técnico de produção, baixa produtividade, alto cus-
to de produção, difícil acesso a linhas de crédito, juros eleva-
dos, além da nova fibra usada pelo setor têxtil paulista. Entre
1975 e 1981, dez (10) empresas de beneficiamento de algodão
foram fechadas no Seridó, permanecendo a Nóbrega & Dantas
e a SANBRA, em Acari, e Arnaldo & Filhos, em Parelhas. A
produção seridoense que chegava a 14 toneladas, em 1975, caiu
para 5 toneladas em 1985. A partir daí a economia algodoeira,
que tanto fez prosperar cidades seridoenses como Ouro Branco,
que tem esse nome ligado à prosperidade, entraria em estado
terminal até sua morte completa.
Em 1985, as duas usinas, que ainda operavam em Acari,
fecham as portas. Em entrevista ao Diário de Natal, o então pre-
feito do município José Braz lamenta a penúria econômica pela
qual o município passa após esse acontecimento. O mesmo narra
que as finanças públicas entraram em uma decadência desenfre-
ada, o desemprego e a fome sofrida pelos mais humildes preo-
cupam a ponto da administração municipal oferecer um sopão
diário com medo que saques pudessem ocorrer. No entanto, não
poderia fazer muito, além disso, já que tinha sofrido um enorme
baque coma falência da cotonicultura. A desaceleração da econo-
mia acariense, dependente da agroindústria algodoeira, posterior

58
à falência da atividade em pauta, gerou desemprego, limitou o
comércio e deixou a cidade na penumbra.
Em última análise, podemos dizer que o espaço urbano
acariense, por nós estudado, sofreu reconfigurações importan-
tes, partindo inicialmente do núcleo mais antigo, em frente à
Igreja do Rosário e ocupando uma morfologia maior a partir de
meados do século XIX. É posterior a 1850 que se percebe uma
expansão urbana da Vila do Acari, subsidiada em um primeiro
momento pela pecuária e depois pela cotonicultura, e nosso re-
corte de estudo progrediu cronologicamente nesse contexto. No
último quartel do XIX, Acari começou a sofrer reconfigurações
em seu espaço e arquitetura, e essa situação, que perdurou nos
primeiros anos do século XX, é interessante para compreensão e
problematizarão no âmbito do urbanismo.

59
Referências

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abril de 1846.

CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI. Ata Ordinária


de 10 de abril de 1851.

CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI (1842-1860).


Circular de 22 de outubro de 1855.

CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI (1865-1873).


Ata ordinária [data ilegível].

CÂMARA MUNICIPAL DA VILA DO ACARI (1885-1908).


Ata ordinária de 05 de dezembro de 1898.

CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI


(1948-1952). Livro de Atas nº1.

CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI


(1948-1952). Oficio nº 15 de 15 de fevereiro de 1950.

CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI


(1952-1954). Livro de Atas nº 2.

CÂMARA MUNICIPAL DOS VEREADORES DE ACARI


(1954-1962). Ata Ordinária de 24 de agosto de 1962.

63
Documentos históricos

INVENTÁRIO de Caetano Dantas Correa. Vila Nova do


Príncipe, Comarca da Paraíba do Norte, 1798.

INVENTÁRIO de Dona Adriana De Holanda e Vasconcelos.


Vila Nova do Principe, Comarca da Paraíba do Norte, 1793.

INVENTÁRIO de Manoel de Medeiros Rocha. Vila do Acari,


Comarca do Açu, 1837.

INVENTÁRIO de Tomaz De Araújo Pereira. Vila do Acari,


Comarca do Açu, 1847.

PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE. Discurso que


recitou o Bacharel João Valentino Dantas Pinajé, Vice Presidente
da Província do Rio Grande do Norte na abertura da Assembleia
Legislativa. Natal, 7 set. 1838. Disponível em: < http://brazil.
crl.edu/bsd/bsd/u681/000032.html>. Acesso em: 23 jun. 2018.

Leis

ACARI. Lei nº 1, de 14 de março de 1899. Código de Posturas.

ACARI. Lei nº 7, de 04 de março de 1835. Código de Posturas.

ACARI. Lei nº 51, de 23 de novembro de 1948. Código de


Posturas.

64
PARTE II
Crônicas de um Acary
com (y)

A Rua Tomaz de Araújo em 1899

Esta foto, esmaecida e desgastada pelo tempo, é da Rua


Tomaz de Araújo, no último ano do século XIX. É possível re-
conhecer muitas casas e o prédio do Museu Histórico de Acari.
A atual Rua Tomaz de Araújo foi uma das primeiras ruas a
surgirem na povoação do Acary e, antes de 1750, já era compos-
ta por uma fileira de casas, que usavam a taipa como principal
técnica de construção.

65
Por volta de 1775, os fazendeiros que moravam nas ime-
diações resolveram reestruturar suas casas, com a inserção de ti-
jolos. Foram ampliadas e alpendradas, dando origem ao apelido
“Rua dos Alpendres”, que permaneceu até fins do século XIX e
início do XX.
Onde hoje existe o atual prédio da Câmara Municipal, foi
construída a casa dos padres após a construção da capela, em
1738. Em 1908, a casa dos padres daria lugar ao Grupo Escolar
Tomaz de Araújo, cujo patrono também fez erguer algumas casas
nessa rua. Nela também está o primeiro sobrado de Acary, do
Padre José Modesto Pereira de Brito.
Em suas feições originais, a Rua Tomaz de Araújo foi teste-
munha da gênese de Acary, que evoluiu de um simples arruado,
ao redor da capela, para uma cidade historicamente rica, guardiã
de um Patrimônio Cultural que atravessou séculos e chegou aos
nossos dias.

66
OVNIS aparecem no Acari em 1978

O aparecimento de OVNIS (objetos voadores não identi-


ficados) é um assunto repleto de mistérios e teorias. No Seridó
potiguar, em Acari, muitas pessoas afirmam ter visto tais objetos
luminosos rasgando os céus do município, principalmente na
zona rural, à noite.
O repórter acariense Nélder Medeiros fez uma matéria de
caráter documental e investigativo. Em uma conversa rica de de-
talhes, dialogou com Valdemar, morador do Sítio Ingá, a respei-
to das aparições misteriosas naquela localidade. Porém esses fatos
já acontecem há décadas. Um deles, ocorrido em Acari, no ano
de 1978, talvez desconhecido de muitos nos dias atuais, chegou
a ser muito comentado, deixando a pacata cidade em polvorosa.
Na época, o fato foi registrado como confidencial pelo go-
verno, como um dos aparecimentos de OVNIS que se espalha-
vam pelo país. Os fatos aqui descritos foram extraídos do Diário
de Pernambuco (19 de dezembro de 1978) e tem por título: Ob-
jetos voadores aparecem de novo no Seridó potiguar. Segue a notícia:
“NATAL − Os objetos voadores não identificados, assun-
to bastante discutido em todo o mundo, parece que resolveram
transferir a sua zona de ação para o Rio Grande do Norte. Depois
das aparições anunciadas no início deste mês, na Rodovia BR –
206, nas proximidades da cidade de Macaíba, 30 km de Natal,
novos discos voadores foram observados, desta feita na cidade de
Acari, localizada há 200 km da Capital potiguar. Duas pessoas
de reconhecida idoneidade naquela região, os irmãos Iberê e Hi-
roíto Galvão, afirmam ter visto um objeto luminoso que emitia
sons estranhos e sobrevoava a ‘Fazenda Sebo’, de propriedade do
pai dos rapazes, médico Odilon Guedes.

67
ASSUSTADOS − Eram aproximadamente 3 horas da ma-
drugada quando os dois irmãos, que vinham em um jeep da ci-
dade do Acari em direção a sua fazenda, avistaram o objeto que
emita fortes luzes e se deslocava em direção aos morros e serras.
Os dois filhos do proprietário da fazenda ficaram afastados e pa-
ralisados pelo que haviam avistado e só minutos depois, quando
notaram o desaparecimento do ‘disco’ foi que prosseguiram o
roteiro normal.
Muito embora os dois irmãos tivessem evitado fazer maio-
res comentários, na cidade de Acari o assunto foi tratado e co-
mentado por muitos funcionários da Telecomunicações do Rio
Grande do Norte (Telern), o Sr. Ademar Eduardo foi um dos
que mais falou sobre a descoberta, declarando haver conversado
com Hiroíto e que este havia confirmado a versão corrente na
cidade.
Disse ainda Ademar Eduardo que no mesmo dia e horário
em que os dois irmãos denunciaram o aparecimento do ‘disco-
-voador’, outro morador local, Sr Fenando Etelvino, morador da
comunidade Gargalheiras, teria sido perseguido por outro Ovni.
Segundo informações o mesmo estava pescando nas ime-
diações do açude, quando começou a ser insistentemente perse-
guido por um objeto luminoso. Sem outra opção embrenhou-se
na caatinga, tomando os rumos da cidade. O mesmo chegou na
casa de um popular em Acari com as roupas rasgadas, exausto e
bastante amedrontado, sendo preciso alguns minutos para recu-
perar o fôlego e contar o que havia acontecido.”
Nas décadas seguintes os OVNIS continuaram a aparecer
nos céus acarienses, fazendo com que algumas pessoas esperas-
sem até a madrugada com o objetivo de avistar as misteriosas
luzes.

68
A maior Festa de Agosto de todos os tempos -
parte social da festa de 1867
Procurando reconstituir a parte social dos festejos da pa-
droeira da cidade do Acary, ocorridos no século XIX, cheguei a
dois artigos publicados no Diário de Natal (1867) e O Assuense
(1867) que deram destaque à Festa de Agosto, efeméride que,
naquele tempo, já gozava de boa fama e tradição na sociedade
norte-rio-grandense.
Os festejos do ano de 1867 marcaram época. Atraíram
pessoas de todo Seridó e redondezas. Foi tão grande a afluência
de visitantes que se construíram centenas de ranchos de folhas e
palhas para abrigar os que chegavam. O aluguel de cada unidade
chegou a vinte mil réis. Estiveram presentes mais de oito mil
pessoas.
Era vigário o padre Tomás Pereira de Araújo. Comparece-
ram mais de 18 padres de diferentes freguesias, inclusive o Vigá-
rio de Natal, Padre Bartolomeu da Rocha Fagundes.
À noite as festividades religiosas eram encerradas com
morteiros, foguetes, balões e fogos de artifício. O clarão e a be-
leza da explosão dos fogos deixavam os acarienses boquiabertos,
a girândola pós-novena era um espetáculo à parte e prendia a
atenção de todos os presentes.
Terminadas as visitas obrigatórias das famílias de destaque
social, com ceias largas e conversas animadas, principiavam as
diversões populares.
De um lado, os jovens saíam em algazarra para suas sere-
natas com violões ou para suas brincadeiras espalhafatosas. Uma
destas consistia em amarrar, na cauda de um cachorro, retirado
cuidadosamente da casa do seu dono, um buscapé barulhento,
acendê-lo, e soltar o animal que passava a correr por entre as

69
casinhas improvisadas. A graça vinha do alvoroço das pessoas
em apagar os inúmeros pequenos incêndios que o cachorro ia
causando. Um dos dirigentes deste tipo de brincadeira era José
Bezerra, do Ingá, então com 23 anos.
No início da noite já se esperava pela corrida incendiá-
ria dos cachorros. Porém Joaquim Matias, nervoso e precavido,
dono de uma cachorra de estimação, não estava pelos autos. Foi
pedir discretamente à tia Aninha do Ingá (Ana Marcolina de Je-
sus), senhora do maior respeito do Acary, que guardasse em seu
quintal de muro alto a cachorra de seus cuidados. Recebeu dela
as palavras de segurança.
Mais tarde, quando no meio da agitação e dos gritos da
turba, corria a chispa de fogo entre os ranchos, Joaquim Matias
saiu ao terreiro e de sorriso no rosto e peito estufado, gabou-se:
− Garanto que minha cachorra não é!
Mas era! A pobre cachorra havia sido retirada da casa de
Tia Aninha do Ingá pelos seus sobrinhos José Bezerra e Tomaz
Pires que desfrutavam da maior liberdade e eram, então, os pro-
motores daquelas estripulias.
Joaquim Gomes, da sociedade local, mas bastante desen-
xabido andava desejoso de impressionar bem a moça dos seus so-
nhos. Como conseguir? Os sobrinhos de João Damasceno con-
venceram o sempre sem-graça a sair vestido de anjo numa das
alvoradas da festa. Então, mandaram buscar na Fazenda Bulhão
um cavalo formoso e ruço e, ao quebrar da barra, fizeram mon-
tar o Joaquim, todo fagueiro, confiante, vestido de camisolão de
seda branca e duas longas asas de cetim armadas.
Cinco horas!! Tocou o sino da Matriz de Nossa Senhora da
Guia, a banda de música rebentou num dobrado e das girândolas
subiram foguetões chiando forte.

70
Os planos de Joaquim foram por água abaixo nesse mo-
mento! O cavalo endoideceu e saiu em disparada, desembestado
na direção de seus pastos. Joaquim logo perdeu as asas e agarrou-
-se aqui e ali como pôde. Os aparatos angelicais foram encontra-
dos, mais tarde, nos galhos do mufumbal do Riacho da Juliana,
riacho que hoje corre por baixo do pontilhão que vai para o Alto
da Usina.
Já nas casas mais simples, distantes do centro, eram orga-
nizados os bailes chamados de “samba” cujas danças principais
eram variações da Polka e do Scottish, com músicas de violas,
flautas e pífanos. As mesas de jogos na rua, iluminadas escassa-
mente pelas candeias de azeite de carrapato, atraíam muitas pes-
soas desejosas de diversão. O que mais se bebia era aluá de milho
acompanhado de sequilho de goma de mandioca de doce seco.
Essa Festa de Agosto foi certamente a maior até os dias
atuais e, através dos documentos históricos, podermos ir para
além da parte religiosa e visualizar o que acontecia na parte social
de uma festa no velho Acary dos anos 1800.

Villa do Acary, Agosto de 1867.

71
O centro do Acary no início dos anos 1920 e
seu primeiro calçamento

Pesquisando no acervo fotográfico pertencente ao Mu-


seu Histórico de Acari, chamou a atenção uma foto que mos-
tra o centro da cidade, mais precisamente em frente ao prédio
do Mercado Público, que a essa altura já tinha sido dividido ao
meio para abrir-se a Avenida do Comércio. Em 1890, possuía
sete portas e era considerado o melhor de todo Seridó. É provável
que essa reforma tenha sido feita nas primeiras duas décadas do
século XX, quando Acari passou por modificações e alterações
em sua forma urbana, principalmente no centro.
Na foto há outras observações a serem feitas. O calçamen-
to ainda não existia. Entretanto, segundo documento existente
no Arquivo da Prefeitura Municipal, a Praça de Mercado teve
seu calcamento realizado no ano de 1922, na gestão de Antonio
Basílio de Araújo, custando dois contos e quinhentos réis aos
cofres públicos. A luz elétrica da cidade foi inaugurada em 10 de
abril de 1927.
A mesma foto é objeto de uma das postagens que o aca-
riense Jesus de Ritinha de Miúdo escreveu para o blog acarido-

72
meuamor (12 de janeiro de 2005), de sua autoria, e pondera que
talvez a construção do calçamento tenha sido iniciada nesse dia
da foto ou logo depois.
Nessa postagem, são identificados: o menino de muletas,
Dr Mário Neto, cunhado do Major Sátiro Bezerra. De pé, ao
lado de seu elegante Ford” de bigode, encontra-se Aurino Pi-
res Fernandes, provavelmente um dos primeiros proprietários de
automóvel do Acary. Cipriano Santa Rosa teria sido o primeiro
a possuir um carro no velho Acary, tendo presenteado sua fi-
lha Maria Amália, que foi assim a primeira mulher a dirigir em
Acary. Foram também proprietários de automóveis nessa época:
Edmundo Gomes, Alberto Dantas e Antônio Alves dos Santos
(Tóta).
Em nossa singela opinião, analisando a composição da foto
e as vestimentas, podemos especular que o registro não era mera
casualidade e pode ter sido o lançamento da pedra fundamental
do primeiro calçamento do velho Acary. Mas, essa foto histórica
tem muitos outros detalhes que escapam aos nossos olhos. Com
novas pesquisas e novos documentos, esses detalhes serão reve-
lados, descobertos para que os que apreciam o Acary do nosso
amor possam deles desfrutar.

73
Grupo Escolar “Tomaz de Araújo”

A foto acima do Grupo Escolar Tomaz de Araújo, que faz


parte do acervo on-line do Instituto Histórico e Geográfico do
Rio Grande do Norte, foi tirada no ano de 1927, por ocasião da
visita do Dr. Nestor dos Santos Lima, então Diretor de Departa-
mento de Educação do Estado do Rio Grande do Norte. Na foto
se vê o seu carro estacionado na frente da escola.
Em 1908, o acariense Francisco Bezerra de Araújo Galvão
desapropriou a primitiva casa dos padres (atual sede da Câmara
dos Vereadores) ao lado da Igreja do Rosário e ergueu lá o Grupo
Escolar Tomaz de Araújo. Estimando-se o custo de sua cons-
trução um total de seis contos de réis, o prédio já estava pronto
naquele mesmo ano.
Pelo decreto n° 193 de 13 de março de 1909, foi oficiali-
zada a criação do grupo escolar. Seu quadro de funcionários de
1910 estava assim disposto. Director: Esperidião Eloy de Medei-
ros. Professoras: Francisca Dantas Cortez e Olinda Ernestina da
Costa Pereira. Zelador: José Fructuoso Dantas.

Acary, 12 de maio de 1910.

74
Festa da Padroeira de Cruzeta em 1935
O jornal católico A Ordem, em suas páginas, dava frequen-
temente destaque às festas religiosas pelo interior. A edição nº 37
de 1935 deu ampla cobertura aos festejos da Padroeira de Cruzeta,
como se vê na crônica abaixo resgatada, através da pesquisa histórica.
“Cruzeta, a florescente povoação do município de Acary,
festejou condignamente sua excelsa Padroeira durante o período
de 11 a 14 do corrente mês.
A festa religiosa constou de um triduo solene, sendo as três
noites dedicadas respectivamente a Santa Terezinha ao Sagrado
Coração de Jesus e a Nossa Senhora dos Remédios, com missas
cantadas nos dias subsequentes, havendo avultado número de
comunhões.
Officiou nas duas primeiras noites o Padre Ambrósio Silva,
Vigário da Freguesia, em ambas fazendo prática. Na última noite
oficiou o padre Walfredo Gurgel Vigário do Caicó sendo coad-
juvado pelo Vigário da Freguesia e pelos padres António Avelino
Vigário de flores e Antônio Chacon de Jardim do Seridó a quem
Coube fazer a prática.
As missas foram cantadas pelo Vigário da Freguesia, que
no último dia foi acolytado pelo padre walfredo Gurgel que fez
o sermão.
A tarde sairãm em procissão as imagens dos festejos dos
Santos, com acompanhamento de uma multidão de fiéis e da
banda de música de Currais Novos que tocou durante a festa.
Em todas três noites houve concorrida quermesse para
cujo brilhantismo muito contribuíram as representações do
Acary, Caicó, Currais Novos, São José, Flores e Jardim do Seridó.
Houve ainda animado leilão no dia 14 e noite precedente,
que rendeu, juntamente com a quermesse, mais de 7 contos de réis.

75
A festa profana e a esportiva também mereceu menção
pelo espírito de ordem cordialidade que as distinguiu e consisti-
ram, entre outras, numa bem disputada a partida de futebol, do
quadro local com o time de São Vicente realizada na tarde de 11
a qual terminou com empate de 2 a 2.”

Cruzeta, 27 de outubro de 1935.

76
Inauguração da Ponte Juvenal Lamartine

A ponte velha ou ponte Juvenal Lamartine foi inaugura-


da no dia 14 de agosto de 1929. À época de sua construção foi
considerada a maior obra de concreto armado de todo Estado do
Rio Grande do Norte.

77
Um raio cai no oitão da Matriz... Há 150 anos
Era um dia de domingo chuvoso na Villa do Acary.
Como de costume, muitos moradores das fazendas que
ficavam nas cercanias do município estavam em suas “casas da
rua” para suas obrigações religiosas e sociais, como, por exemplo,
a feira e a missa dominical.
Neste mesmo dia, logo cedo, os sinos da suntuosa e recém-
-construída Matriz de Nossa Senhora da Guia chamou todos à
missa. Uma chuva muito forte caía no Acary e misturava a ale-
gria do sertanejo com a admiração, ao ouvir o ronco do trovão e
ver os raios rasgando o céu. Quando a chuva deu uma pequena
trégua, as pessoas rapidamente cruzaram os portões da igreja e
acomodaram-se.
A missa foi solenemente conduzida e celebrada pelo vigá-
rio Tomaz Pereira de Araújo, que no auge de seus 60 anos, já ha-
via prestado honrosos e inúmeros serviços à Freguesya de Nossa
Senhora da Guia, sendo o maior destes, a tutela da construção
da Matriz.
A missa terminou, porém a chuva não. O padre apressa-
damente tomou o rumo de sua residência que ficava ao lado da
matriz. Algumas crianças mais afoitas ensaiaram correr na chuva,
mas ao temível ronco de um grande trovão, corriam apavoradas
para suas casas. Em poucos minutos, os acarienses já estavam
em suas casas, felizes a ouvir a chuva no telhado que mandava
embora uma seca perniciosa. As esperanças agora se renovavam,
a água da chuva lavava cada palmo daquele chão.
Porém, o fato mais interessante desse dia viria acontecer
somente no final daquela tarde chuvosa. Tudo o que se ouviu foi
um estrondo seguido de um clarão que rasgou os céus da Villa do
Acary. Certamente, o barulho de supetão causou um tremendo

78
susto nos mais distraídos e desavisados. Passados os primeiros
momentos do susto, muitos acarienses saíram para as ruas onde
conversavam entre si, tentando entender o ocorrido. Um tran-
seunte que corria aos berros pelo centro do Acary gritou:
− Uma faísca caiu no oitão da Matriiiiiz!!
Meio desnorteado, o vigário Tomaz vestiu sua batina e
correu em direção à Matriz para tomar ciência do ocorrido. Che-
gando lá observou uma enorme mancha de queimado na lateral
ou pé direito da igreja. A ordem era levantar os possíveis danos
e prejuízos. Assim, ao adentrar no recinto, o padre observou que
a faísca do raio havia se precipitado na frente do nicho de Nossa
Senhora da Guia, queimando a parte dourada; quebrou a Ima-
gem do Senhor, a pedra d’ara e, ainda, queimou as toalhas do
altar. O reparo do mesmo nicho custou aos cofres da um conto
de réis. Após anunciar esses fatos aos inúmeros curiosos que se
aglomeravam em frente ao templo, o padre retornou para sua
casa.
Este fato ficou marcado e registrado nas páginas do Acary
antigo, agora emerge à luz da história, para ser lido e sentido,
aproximando o passado do presente.

Acary, 12 de Janeiro de 1868.

79
Villa do Acary, Villa do Jardim (Jardim do Seridó)
e a Villa do Príncipe (Caicó)
Em 1861, o presidente da Província, Pedro Leão Veloso,
fez uma viagem de 41 dias, com o objetivo de conhecer as vilas
e cidades espalhadas pelo interior. Entre os que compunham sua
comitiva estavam Manoel Ferreira Nobre e Francisco Othílio Al-
vares da Silva. Este último, na condição de secretário de governo,
ficou encarregado de escrever o relato sobre a viagem. Suas narra-
tivas foram publicadas no jornal O Recreio, que circulou no Rio
Grande do Norte durante o século XIX. Entre os lugares visita-
dos e descritos por Othílio, estavam a Villa do Acary, a Villa do
Jardim (Jardim do Seridó) e a Villa do Príncipe (Caicó). Abaixo,
seguem alguns trechos que retiramos desse relato de viagem:
“Às 8 horas da noite do dia 19 chegamos ao Acari já bem
maçados, encontrando ao entrar da rua o Senhor Vigário Tho-
maz Pereira de Araújo, que sendo avisado já às 6 horas que sua
Excelência para ali se dirigia, ia ao seu encontro em companhia
de dois homens. A sua casa foi destinada para nossa hospedagem.
Sem pretender ofender o melindre das pessoas que obsequiaram
ao excelentíssimo Presidente e sua comitiva nesta viagem, forço-
so é confessar que a jovialidade, franqueza, e maneiras delicadas
com que nos tratou o Sr. Vigário Thomaz, conquistaram os nos-
sas puras simpatias, o nosso sincero reconhecimento.
Enganei-me completamente no juízo que fazia da Vila do
Acary, supondo ser de péssima edificação; mas não: contém 92
casas, sendo bem sofrível a maior parte delas. Notei, porém, que
muitas estivessem fechadas, mas deram-me a razão disso que é
− morarem os donos em suas fazendas ao redor da Vila, nas dis-
tancias de 2, 3, 4 e 5 léguas.

80
Uma matriz de grandes dimensões se está ali construindo,
a qual, sendo concluída pelo modo por que deseja o Reverendo
Vigário, será incontestavelmente uma das melhores da Província.
No dia 21 ás quatro horas da tarde já íamos no caminho
da Vila do Jardim. Apesar, porém, do vagar com que caminha-
va o sendeiro, sempre às 8 horas da noite estávamos na Vila.
Apeei-me e entrei na casa destinada para nossa pousada, a do
Sr. Manoel Ildefonso de Oliveira e Azevedo. Aquela Vila que
presentemente conta 36 casas de boa construção, pode ser um
dos lugares importantes do centro, em razão do comércio que
entretém com o Ceará e Paraíba.
A Villa do Príncipe não ha duvida que é hoje uma das
melhores do sertão; e apesar de ser o seu solo demasiadamente
árido, todavia alli não faltam recursos; por que seus habitantes
empregam todos os seus esforços afim de lhes serem menos difí-
ceis e penosos os meios de subsistência. O terreno sobre que se
acha plantada a villa nada tem de agradável, porém muito nova e
boa é sua edificação. A sua matriz é antiga, porém de boa cons-
trução; tem menos commodos do que a da nossa capital, e é mes-
mo alguma cousa diferente em sua divisão interior, mas excede-a
em asseio. Há um gosto extraordinário na festa da Padroeira, e
tem ela tanto nomeada que muitas pessoas do centro do Ceará,
Parahiba e até do Pernambuco vão ali passa-la com suas famílias.
Disso fui eu testemunha quando lá estive.”

81
Os 150 anos do translado da padroeira do
Acary: a Festa de Agosto em 1867
Ser pesquisador e viver fuçando arquivos sempre nos rende
gratas descobertas que parecem querer vir à luz da história. Do-
cumentos amarelados e empoeirados que esperam por décadas
para nos contar prazerosamente fatos ocorridos em um Acary
antiquíssimo. Pois bem! Nas minhas últimas pesquisas, estive pa-
cientemente lendo e transcrevendo jornais dos anos 1800.
Acidentalmente e quase sem querer, descobrimos um
documento raríssimo e muito valioso para nossa história local.
Trata-se de uma descrição da Festa da padroeira de Acary, no
ano de 1867, quando foi realizada a transladação da imagem da
padroeira.
A festa foi acompanhada e narrada nos mínimos detalhes
por um viajante que publicou seu relato no jornal O Assuen-
se, que circulou entre 1867 e 1872, na então Província do Rio
Grande do Norte. Para que todos os acarienses ouçam as vozes
do passado e, através desse raro documento histórico, possam
viajar no tempo para aquela esplêndida noite de 15 de agosto de
1867, segue abaixo o documento transcrito:
“No dia 15 do corrente mês terminou a Festa da Padroeira
do Acary, que foi assas concorrida. Tivemos ocasião de assistir
aos últimos dias da festa, e podemos asseverar que em magnitude
e explendor esteve ella altura do objeto a que foi destinada.
Alem do digno parocho da Freguesya o Rdv. Thomaz Pe-
reira d’ Araujo e do seu coadjuctor o Rdv. Idalino Fernandes de
Souza, á ella concorreram mais 6 sacerdotes. Orando ad evan-
gelho o Rdv. Francisco Rafael Fernandes, que ainda uma vez se
mostrou digno da cadeira sagrada em que tantos louros tem sa-
bido adquirir.

82
As trez ultimas noites de novena corresponderam aos es-
forços dos noiteiros que delas se encarregaram, com especiali-
dade as dos jovens e das jovens solteiras, que estiveram a todos
os respeitos explendidos, sendo destes a ultima noite, que foi
precedida de uma brilhante alvorada, acompanhada por mais
de 100 jovens Acaryenses trajando branco, e sendo seguidos de
um concurso de povo, que igualmente acompanhavam o carro
triumphal.
Para aumentar o prazer da Festa da Padroeira, permittio
esta que na véspera chegassem a Villa do Acary, 4 voluntarios da
Patria que d’alli haviam seguido para o theatro da Guerra do Pa-
raguay, Manoel Hipolito Dantas de Maria, João Firmino Dantas
de Maria, Antonio Theophilo de Maria e Gonçalo José Cardoso.
A chegada e recepção destes veio ainda mais aumentar as
sensações de prazer que experimentava naquela ocasião o povo
Acaryense, e não é fácil descrever as demonstrações de alegria e
satisfação que então manifestaram todos em geral e em particular
as famílias dos mesmos que alli se achavam.
Diremos em conclusão que a Festa de N. S. da Guia, Pa-
droeira do Acary, foi a mais explendida de quantas havemos as-
sistido, e prova de um modo incontestável o fervor religiosos do
povo Acaryense e do digno Parocho que tem este mesmo povo a
ventura de possuir.”

Villa do Acary, 15 de Agosto de 1867.

83
A Revolta do Quebra Quilos na Villa do Acary
em 1875
A Revolta ou Sedição do Quebra-Quilos foi um movimen-
to de conotação popular que aconteceu nas Províncias do Norte
(como era chamada a atual região Nordeste) em resistência ao
novo sistema métrico implantando pela Lei n.º 1.157, de 26 de
junho de 1.862, sancionada por Dom Pedro II, para substituir
em todo o Império o vigente sistema de pesos e medidas pelo
Sistema Métrico Francês. Vilas inteiras se revoltaram, chegando
seus populares a saquear as feiras e a destruir os pesos e medidas
do comércio.
Por força da dita Lei, os instrumentos de pesos e medidas
passariam a ser alugados ou comprados à Câmara Municipal que,
além de tudo, ainda cobrava por sua aferição. Um dos impostos
criados com a adoção dos novos parâmetros que mais provoca-
ram a ira dos revoltosos foi o chamado “imposto do chão”, que
era cobrado àqueles que expunham suas mercadorias no chão da
feira.
Das treze vilas da Província do Rio Grande do Norte que
estiveram envolvidas no levante do quebra quilos, cinco eram do
Seridó: Acary, Príncipe (Caicó), Flores (Florânia) Jardim (Jardim
do Seridó) e Currais Novos. E, para agravar a insatisfação com
os novos impostos sobre as mercadorias, sobreveio à população
o recrutamento obrigatório para a Guerra do Paraguay (1864-
1870).
No Acary, os principais líderes do movimento foram Ma-
noel Bezerra de Araújo Galvão, Joaquim José de Carvalho Pinto
e Benjamin Manuel de Figueiredo Cavalcanti. Juntaram-se, tam-
bém, à revolta, comerciantes, elementos da camada proprietária
de terras, pequenos agricultores que, semanalmente, vendiam

84
sua produção na feira e consumidores atingidos com a elevação
de preços dos produtos.
No domingo, então dia da tradicional feira do Acary, os
sediciosos caminharam em número considerável até o Mercado
Público. Chegando lá, iniciaram uma discussão acalorada, termi-
nando em uma luta corporal que envolveu os participantes da re-
volta e a pequena força policial que tentava sem sucesso por um
fim a confusão. Após o delegado levar um “tijolo” de rapadura na
cabeça e um dos soldados sofrer uma tremenda cacetada, sem ter
como fazerem frente à situação, os agentes da força pública bate-
ram em retirada. Os revoltosos invadiram o Mercado Público de
onde levaram vários pesos e medidas e lançaram no Rio Acauã.
Sob a tutela de Manoel Bezerra de Araújo Galvão, os re-
voltosos do Quebra-Quilos organizaram o próximo passo, inva-
dir a Câmara Municipal e colocar fogo no arquivo, a fim de dar
cabo das leis que estabeleciam os novos pesos e medidas. Porém,
de alguma forma, o coletor geral de imposto do Acary, Joaquim
Teotônio Pereira de Araújo, soube de tais planos e, no silêncio
da madrugada, com a ajuda de seu escrivão, Manoel Dantas,
transferiu vários documentos da Câmara Municipal para sua
própria residência. Sem saber de tal ocorrido, no raiar do dia,
os sediciosos foram até as dependências da Câmara Municipal
da Villa do Acary e adentraram no recinto. Insatisfeitos por não
encontrarem as leis “maléficas” que desejavam dar fim, passaram
a rasgar, em desvario, documentos e livros que encontravam pela
frente para, depois, tomarem o rumo da feira. O objetivo lá era
impedir que o cobrador de impostos recolhesse o injusto e caro
“imposto de chão”.
Sabendo disso o comandante policial do Acary, o Tenente
Joaquim do Rêgo Barros, mandou para a feira um destacamen-
to. O encontro entre a polícia e o séquito liderado por Manoel

85
Bezerra de Araujo Galvão foi inevitável. Os ânimos novamente
se exaltaram e tudo caminhava para um combate corpo a corpo
entre a força policial e os partidários do Quebra-Quilos. Foi, en-
tão, que Manoel Maria Dantas e Joaquim Paulino de Medeiros
(Quincó da Ramada) intervieram e apaziguaram, evitando que o
conflito chegasse às vias de fato.
O documento que nos possibilitou essa viagem de quase
cento e cinquenta anos se encerra aqui nesse ponto. As pági-
nas ilegíveis, corroídas pelas traças e pelo impiedoso tempo não
me permitem continuar essa crônica histórica sobre esse fato do
Acary antigo. Entretanto, foi possível ficar durante quase uma
semana, no ano de 1875, passeando pelas asseadas ruas e visuali-
zando, no pensamento, como se deu a Revolta do Quebra Qui-
los na Villa do Acary.

86
Campanha do Vasco de Acari no Matutão de 1979

Falar do esporte acariense nas décadas de 1970 e 1980 é


sinônimo de Vasco. O escrete de ouro foi, sem dúvida, um das
melhores equipes de futebol amador do interior do Rio Grande
do Norte. Criado em 1973 por Mundoca e Neguinho de Seu
Albino (in memoriam), o Vasco o Acari dominou o cenário do
futebol da cidade por quase duas décadas. Representou Acari em
inúmeras competições, criando uma identidade − por vezes foi a
seleção local. Participou diversas vezes do Matutão, importante
torneio de futebol das décadas de 1970 e 1980. No ano de 1979,
fez uma campanha memorável. Inesquecível. Foram 50 partidas

87
disputadas com 36 vitórias e 6 empates. Marcou 103 gols e so-
freu 48. Seu principal artilheiro foi Téu, com 51 gols marcados,
seguido por Oscar, que marcou 32 gols. Cola e Zé Velho marca-
ram 27 gols, cada um.

88
A primeira missa celebrada na nova Matriz
em 1862

Chegava o mês de dezembro de 1862 e a construção da


nova matriz seguia em bom ritmo, embora tivesse sofrido alguns
contratempos como epidemias e, mesmo, falta de dinheiro. A
obra era motivo de orgulho para os acarienses e faltava apenas
um ano para que a sua conclusão desse o esperado abrigo aos
paroquianos da Villa do Acary.
O vigário paroquial, Padre Tomaz de Pereira de Araújo
resolveu, então, realizar a missa do galo ou a missa do Natal da-
quele ano na nova matriz. Mesmo sabendo que no prédio em
construção, apenas a Capela-Mor constava com cobertura, não
hesitou em convidar os fieis a prestigiarem a solene missa.
Chegado o dia 24 de dezembro, uma quinta feira, a Villa
do Acary estava cheia de pessoas, mesmo não sendo dia de feira.
Enquanto a noite não chegava, as pessoas se congregavam e se
confraternizavam em suas casas, se fartando em suas ceias e re-
forçando seus votos familiares.
Ao cair da tarde muitos cavalos e carroças continuavam
a movimentar as estradas que davam acesso à villa. A felicidade
pairava no ar. Era sentida e respirada. No céu, a lua se encarregou
de abrilhantar ainda mais essa noite festiva. Aos poucos as pes-
soas iam deixando suas casas e caminhando em direção à futura
matriz que, toda iluminada com tochas e lâmpadas de azeite e
ainda em suas rústicas formas, já resplandecia ao longe uma be-
leza pitoresca.
Ao cruzar as portas da igreja, os acarienses ficaram impres-
sionados. O templo fora perfumado com alecrim, rosmaninho e
murta, e suas paredes, estavam revestidas com panos e tapetes.

89
A Missa começou com um cântico natalício. No momento do“-
Gloria in excelsis Deo”, as campainhas tocavam fulgurantes para
assinalar o nascimento do Menino Jesus. Aquele Natal fora cele-
brado com muita pompa e alegria. Quando a missa terminou, já
era mais de meia noite.
Os acarienses voltaram às suas casas, regozijados pela bela
homilia do Vigário Tomaz e, na quietude de suas salas, ainda
cantavam e rezavam para mais exaltar o Menino Deus, cuja ima-
gem, geralmente, figurava solenemente entre os demais santos de
um antigo oratório.
E, assim, foi celebrada a primeira missa da nova Matriz de
Nossa Senhora da Guia, na madrugada de 24 para 25 de dezem-
bro de 1862...

90
Duas fotos e 89 anos de história

A análise comparativa entre fotografias atuais e antigas é


uma técnica muito interessante da pesquisa histórica, que nos
permite perceber as transformações urbanas que determinados
lugares sofrem, ao longo dos tempos. Nossa análise é da fotogra-
fia da Ponte Velha, datada de 1929, em relação à outra, de 2018.
Ao longo desses 89 anos, observamos que não só a ponte, como
o seu entorno, sofreram mudanças consideráveis. A construção,
quase centenária, perdeu sua fábrica original, que tinha suas va-
randas inspiradas no Art Déco, refinado estilo que marcou a ar-
quitetura dos anos 1920. Foram substituídas, sobretudo, pela má
conservação desse patrimônio. À sua volta, o bairro Petrópolis

91
cresceu vertiginosamente, passando de um simples arruado de
casas desordenadas, a um lugar povoado e de boa consistência
urbana. Por isso, há de se considerar que, sob o olhar atento de
quem quer desvendar o passado, uma fotografia deixa de ser uma
simples imagem encerrada em si mesma, para ser uma fonte do-
cumental tão importante quanto é a fonte textual.

92
Bailando na madrugada e vendo o sol nascer
quadrado no Acary antigo
A lua estava alta na Villa do Acari. Longe do centro, em
uma casinha de ponta de rua, o samba e a polka soavam alto. Ho-
mens e mulheres divertiam-se sob a escassa luz de um candeeiro
de azeite de carrapateira. Beirava meia noite, o dono da taberna
já se sentia cansado e já era hora de fechar, pois o barulho já
começava a incomodar os vizinhos. Não satisfeitos e querendo
extravasar na dança e nas bebidas, o grupo resolveu sair bailando
e dançando até o centro do Acary.
Porém, a noite não iria terminar bem para os “bailarinos”
e “bailarinas”. A algazarra acabou chamando atenção dos mora-
dores que, incomodados com o barulho, abriam as janelas e alte-
avam os candeeiros que traziam na mão. Já era alta madrugada e
um morador gritou:
− Essa súcia de peraltas está perturbando o sossego públi-
co! Vamos chamar a polícia!
Enquanto os incautos dançarinos cantavam e dançavam,
sorrateiramente, um morador foi ao prédio da cadeia “dar parte”
do ocorrido. Mesmo caindo de sono, dois dos cinco soldados
que estavam aquartelados resolveram pôr fim à festa dos dançan-
tes. De surpresa os fanfarrões foram pegos em flagrante delito,
não houve tempo para correr.
Foram todos levados à cadeia e foi assim que terminou a
noite dançante para os sorridentes bailarinos. No xilindró. Ven-
do o sol nascer quadrado, em uma madrugada da Villa do Acary.

Villa do Acary, 12 de março de 1889.

93
A “bomba” que explodiu no Acary
O dia 12 de maio de 1957 ficou marcado na história de
Acari como o dia em que uma “bomba” explodiu no centro da
cidade. O termo bomba foi colocado propositalmente entre as-
pas, pois a verdadeira natureza do artefato que causou a pavoro-
sa explosão é fruto de diferentes versões. O texto aqui exposto
foi fruto de uma simples pesquisa iniciada por mim, no ano de
2010, quando vasculhei documentos e ouvi pessoas no intuito
de juntar os fatos e versões em um único texto.
Era uma manhã de domingo, dia de feira e por isso o fluxo
de pessoas no centro comercial de Acari era enorme. Por esses
tempos a feira tomava conta e se alastrava por boa parte do cen-
tro. Era realizada nas adjacências do mercado público, se espa-
lhando pelas ruas e becos próximos.
A barraca onde a fatalidade viria acontecer estava localizada,
provavelmente, entre os atuais Açougue Público e a Farmácia Santa
Bárbara. O proprietário da barraca de carnes era Gregório Manoel
da Silva, um marchante de Cruzeta. Segundo informações, ele havia
trazido uma lata de pólvora à pedido de Seu Albino, para entregar
a Zé Carneiro que era fogueteiro em Acari. A manhã seguia movi-
mentada, as barracas da feira estavam repletas de pessoas da zona
rural e da cidade comprando gêneros alimentícios, fazendo a feira
da semana.
Porém, no fim da manhã, entre as 10 e 11 horas do dia,
ocorreria o fato que ficaria para sempre marcado na história de
Acari. Segundo a tradição oral, Gregório, ao trabalhar cortando
carnes gordurosas, ficou com as mãos escorregadias. E, ao pegar
a lata de pólvora, esta terminou lhe escapulindo e se derrubando
no chão. O violento impacto teria causado a explosão. Existe ain-
da outra versão que atribui a um incauto e infeliz que se aproxi-

94
mou da barraca do marchante de Cruzeta, soltando baforadas de
um cachimbo ou cigarro de palha. Queria comprar carnes. Uma
fagulha ou faísca saiu do cachimbo (cigarro) do infeliz senhor e
desgraçadamente caiu em cima da pólvora, fazendo tudo ir pelos
ares. O estrondo da explosão pôde ser ouvido em vários lugares
da cidade. O proprietário da banca morreu, instantaneamente,
atingido pela violenta explosão. Outro indivíduo, Gabriel Rosa,
também viria a ser atingindo, falecendo devido aos graves fe-
rimentos. Foram duas vítimas fatais e outras 10 ou 12 pessoas
sofreram graves ferimentos, como cortes e fraturas. Os jornais da
época deram conta de noticiar o fato. O Diário de Natal (13 de
maio de 1957) trouxe a seguinte notícia:
“Explosão, Em acari mata duas pessoas e fere outras doze.
A cidade de Acari viveu na manhã do ultimo domingo, horas das
mais angustiantes devido a explosão de uma lata contendo uma
bomba dinamite. O pavoroso desastre teve como local. O centro
da feira livre que ali se realizava.”
Outro jornal de circulação estadual a destacar o fato em
suas páginas foi O Poty (13 de maio de 1957) com alguns deta-
lhes do ocorrido:
“Notícia da cidade de Acari dão conta de pavorosa explo-
são ocorrida naquela cidade, domingo passado, ocasionada por
pólvora seca. As proporções alarmantes da explosão foi devido
ao fato de haver se dado em plena feira e de várias pessoas have-
rem sido atingidas, malgrado a hora matinal em que se verificou.
Duas pessoas morreram em consequência da explosão, havendo
diversas outras ficado feridas. Dentre os feridos alguns se encon-
tram em grave estado, com ferimentos pelo corpo todo, além de
braços e pernas quebrados. Foi também o impacto da explosão,
ocasionada por quase 10 kg de pólvoras, que várias residências
e mercearias circunvizinhas ao local, foram danificadas, tendo

95
vidros de janelas e garrafas quebradas.”
Pela maneira que o fato foi noticiado, podemos afirmar
que foi um acontecimento de gravidade considerável. Para além
dos jornais, existem também os depoimentos de testemunhas
diretas e indiretas que de uma forma ou outra estiveram envol-
vidas nesse acontecimento. Embora este fato tenha ocorrido há
61 anos, ficou guardado na memória coletiva dos acarienses di-
ferentes versões sobre o artefato que causou a explosão1, cujo
incidente, até em forma de verso já foi contado.
Em nosso ofício de historiador, cruzamos as notícias dos
jornais da época com os depoimentos e a tradição oral, e consi-
deramos a possibilidade de chegar a certa verossimilhança, ou
seja, chegar a uma aproximação com a “verdade” dos fatos que
marcaram tanto a história do Acari. Nosso objetivo foi permitir
que os acarienses do presente, através dessas poucas linhas, pu-
dessem ter uma ideia desse dia cinzento dos anos 1950.

1 Fala-se que o artefato da explosão foi uma lata de pólvora, mas uma dinamite
também é citada. Sobre a causa da explosão, conta-se que pode ter sido causada por
uma faísca de um cigarro de palha ou cachimbo. Existe ainda a versão de que a pólvora
prensada dentro da lata tenha esquentado com o calor e explodido ou talvez tenha sido
derrubada acidentalmente pelo dono da barraca.

96
A feira e o comércio de Cruzeta em 1920
Nos anos 1920, a atual cidade de Cruzeta era apenas um
lugarejo chamado Cruzeiro dos Remédios. Entretanto, começa-
va a prosperar, do ponto de vista urbano, um dos sinais claros de
desenvolvimento: o surgimento da feira, do comércio e de novas
edificações. O pequeno, mas florescente lugar, em 24 de outubro
de 1920, passaria a ser oficialmente uma povoação pertencente
ao Acary. Esse crescimento rápido trazia consigo a necessidade
de regulamentar o comércio e a construção de novos prédios.
É o que vemos no ofício encaminhado por João Bartolomeu de
Araújo Silva à intendência municipal do Acary.
O documento histórico segue transcrito abaixo, na íntegra.
“Ilustríssimos senhores presidentes e demais membros da
Intendência Municipal do Acary
Como requerem, ficando designado o dia de domingo
para as feiras, a começar no dia 24 do corrente mês de outubro.
Acary, 11 de outubro de 1920.”

“Nós abaixo assinados, atualmente comerciantes no lugar


denominado Cruzeiro dos Remédios, viemos por meio desta, a
presença de Vossas Senhorias solicitar-vos a dispensa de impostos
municipais, por este fim de ano. Alegando-vos o nosso grande sacri-
fício de princípios, e a grande vantagem que podemos oferecer a este
município, com o desenvolvimento de nosso meio. Pedimos mais
de dignar-vos a nomear para a fiscalização do traço dado para a edi-
ficação do referido lugar, cujo visto foi passado por esta corporação,
um fiscal, o qual desejamos que seja, o cidadão Antonio Praxedes de
Medeiros, já por suas habilitações e mais.
Peço deferimento
Cruzeiro do Remedio, 9 de outubro de 1920.

97
João Bartolomeu de Araujo Silva”
O documento acima é uma espécie de certidão de nas-
cimento de Cruzeta, pois foi escrito poucos dias antes daquela
que é a data considerada como a “fundação” de Cruzeta, é 24 de
outubro de 1920. A partir daí, seria uma Povoação. Em 1937,
transformada em um Distrito e, em 1953, Desmembrada de
Acari, transformando-se em uma cidade.

98
A placa de bronze furtada da ponte velha em
1929

Inauguração da Ponte Velha em 1929. À esquerda a placa de


bronze contendo a data e o nome de Lamartine. À direita, Juvenal
Lamartine, Júlio Rezende (Engenheiro) e o bispo da diocese.

A Ponte Velha ou Ponte “Juvenal Lamartine” foi inaugu-


rada no dia 14 de agosto de 1929. Na época, era considerada a
maior obra de concreto armado do estado. Muitas pessoas im-
portantes estiveram na festa de inauguração, como o bispo dio-
cesano Dom Marcolino, o engenheiro Júlio Rezende que dirigiu
os trabalhos e o próprio Juvenal Lamartine. A população acarien-
se compareceu em peso. Houve muita festa e muitos fogos para
celebrar a inauguração de tão importante obra. Ao fim das sole-
nidades, uma placa de bronze foi fixada na ponte. Nela estavam
a data de inauguração (14.08.1929) e o nome de seu patrono,
“Juvenal Lamartine”. Porém, no silêncio da madrugada, mãos
larápias e ardilosas arrancaram a placa do seu devido lugar, pro-
vavelmente o gatuno estava interessado no valor do bronze. No
outro dia perceberam que a placa havia sido furtada, sem deixar
rastros nem vestígios.

99
Pelo que se sabe, a identidade do autor do furto nunca foi
descoberta e o lento passar dos anos se encarregaria de colocar
esse fato no esquecimento. O paradeiro da placa de bronze tam-
bém permaneceu desconhecido. Talvez, tivesse sido derretida e
convertida em outro objeto. Entretanto, o silêncio seria quebra-
do em 1954, quando a Câmara Municipal recebera uma carta
de Juvenal Lamartine, dando notícias sobre o paradeiro da placa
que passara 25 anos desaparecida.
Na carta o ex-governador (Natal, 12 de junho de 1954)
revela que a ponte teria sido projetada para ser construída em
um lugar um pouco mais acima da cidade, na Fazenda Serrote,
e, para valorizar Acari, por esforços pessoais, conseguiu desviar
o lugar da construção para o qual foi erguida. Finalmente, fala
sobre a placa de bronze, no seguinte teor:
“Ilustríssimo senhor presidente e demais membros da Câ-
mara Municipal do Acari
Tendo sido encontrada, entre outros objetos da tenda de
um ferreiro falecido nesse município, a placa de bronze posta a
ponte sobre o rio Acauã e com o meu nome, remeto-a a Vossa
Senhoria afim de lhe darem o destino que for conveniente . Essa
placa que foi arrematada da referida ponte por mãos criminosas,
pertence mais a esse município que a mim.”
A carta nos trás revelações interessantes. A dita placa foi en-
contrada em Natal, após 25 anos, nos objetos de um ferreiro que já
havia falecido. Como e quando foi parar em Natal nas coisas de um
ferreiro, provavelmente nunca vamos saber. Porém a revelação mais
importante é que a placa foi finalmente devolvida ao Acari, pelas
próprias mãos de Juvenal Lamartine, que cuidou pessoalmente de
remeter o artefato a Câmara dos Vereadores em 1954.
Não se sabe que destino foi dada a placa, pelos edis da épo-
ca. Em nossas pesquisas, não encontramos mais nenhum registro

100
documental no arquivo da Câmara Municipal de Acari que ci-
tasse o destino da placa. Hoje, 89 anos após ter sido furtada e 64
anos do seu reaparecimento, seu destino permanece desconheci-
do. Mas a placa e aquelas pessoas ficaram para sempre imorta-
lizadas pela fotografia e agora é rememorado por estes escritos.
O lugar onde a placa foi originalmente fixada já não mais
existe, pois a ponte não teve a manutenção merecida e perdeu a sua
fábrica original em 1957. Imaginamos que tanto Juvenal Lamartine
(in memoriam) quanto as pessoas (in memoriam) que estiveram na-
quela memorável festa de inauguração ocorrida no dia 14 de agosto
de 1929, finalmente, apreciariam ver a placa fixada em seu devido
lugar: lá no Acary antigo e no Acary de todos nós.

101
A imagem de Nossa Senhora da Guia cai do
andor na procissão de 1897
A festa da padroeira do Acary, do ano de 1897, ficou mar-
cada por fatos que deixaram os acarienses receosos. Primeira-
mente, a morte inesperada e prematura de um elemento muito
querido na sociedade local, deixando esposa e filhos. Grande foi
a comoção. Depois, a queda da imagem de Nossa Senhora da
Guia do andor, em plena procissão, que ajuntava mais de 5 mil
pessoas. Para os moradores do Acary, aquela sucessão de fatos
significou um mau presságio. Um verdadeiro agouro.
Na época, o jornal natalense A Republica registrou esse
fato que, agora, por meio da pesquisa histórica, chega até nós.
Eis a sua narração, na crônica a seguir:
“A nossa festa do orago que teve lugar a 15 do corrente
mês, começou e findou desanimada, apesar da grande concor-
rência de povos de toda parte e apesar das muitas distrações que
alegraram, como companhia dramática, cosmorama, grapho-
phone, phonographo, lanterna mágica, etc.
É que no meio da festa, quando a gente ia se animando de-
senferrujando-se para o prazer, morreu inesperadamente, de um
colapso cardíaco, o cidadão Manoel Antônio de Araújo, nego-
ciante, morador nesta Villa, casado, com filhos pertencente a boa
família da localidade, rapaz morigerado, trabalhador, benquisto,
cuja morte prematura foi sentida por todos.
Por aqui não faltam os agoureiros e logo houve quem visse
nesse fato natural um sintoma de caiporismo numa festa tão bem
iniciada.
Tudo, porém, ocorria sem novidade e a procissão veio ates-
tar com majestade imponente d’um acompanhamento de mais
de cinco mil pessoas, que o povo pagava satisfeito á Senhora da

102
Guia o tributo de sua gratidão por mais um ano de paz e pros-
peridade.
Seguia a procissão em meio do seu percurso, nesse cami-
nhar cadenciado que dá aos ajuntamentos em marcha ondula-
ções de vaga, quando um burburinho levantou-se em um dos
pontos da Rua Tomaz de Araújo, pessoas sobre pessoas foram
fazendo ruma num ponto fixo, impelindo uns, derrubando ou-
tros, como se algo de extraordinário tivesse acontecido.
E de fato, coisa grave se passava; nada mais, nada menos
que uma queda da Sagrada imagem da Senhora da guia, que
despejando-se do andor em que, a levavam piedosa e majestati-
camente, beijaria o solo pedregoso se não fosse o caridoso am-
paro que lhe ofereceu casualmente a cabeça do cidadão Pacífico
Laurentino Dantas, que saiu se dessa tarefa pia e meritória com
algumas contusões e dois talhos no crânio a jorrar sangue.
Foi o caso que o cidadão José Matias não se julgaria quite
com a sua consciência de católico fervoroso, se não lograsse aven-
tura de também carregar o andor, e nele pegando com pressa e
desatenção, deu-lhe um solavanco tal, que fez tombar a imagem
sobre a cabeça do providencial Pacífico, não evitando porem li-
geiros arranhões no braço e mão da santa.
O povo desfez-se em comentários sobre o acidente, temen-
do que essa queda da Santa fosse um presságio de qualquer cala-
midade que porventura pudesse assolar o Acary e o cidadão Pa-
cífico, que não duvidaria sacrificar a vida para salvar de qualquer
desastre a sagrada imagem - símbolo da sua fé - se ele fosse exigi-
do, tomando assim de improviso, uma caqueretada que quase o
fez cadáver, talvez no íntimo da sua alma tenha tido umas tenta-
ções de protestar contra o desajeitado cidadão Matias.”

Acary, 15 de Agosto de 1897.

103
Festa da instalação da Comarca do Acary em
1890
Do ponto de vista político-administrativo, o Acary des-
membrou-se de Caicó em 11 de abril de 1833, quando o muni-
cípio foi criado e instalado no mesmo ano, em 24 de setembro.
Em termos eclesiásticos, a Lei Provincial nº 15 elevou a Cape-
la do Acary à condição de Matriz em 13 de março de 1835,
criando, assim, a Freguesya de Nossa Senhora da Guia do Acary.
Outrossim, existindo o termo do Acary, do ponto de vista judi-
cial, este ainda estava anexado à Velha Comarca do Seridó. Tal
condição perdurou até 1873, quando a Comarca do Seridó foi
desmembrada, dando origem à comarca do Jardim, com sede na
Villa de mesmo nome, e cuja nova circunscrição judicial agluti-
nava os termos da Villa do Jardim e da Villa do Acary.
Passados nove anos, após muitos esforços das lideranças
políticas locais, encabeçadas pelo Coronel Silvino Bezerra de
Araújo Galvão, a Comarca do Acary seria finalmente criada pela
Lei nº 844, de 26 de junho de 1882. A instalação oficial da Co-
marca viria ocorrer em 17 de fevereiro de 1890. Uma grande
festa se deu no Acary para louvar esse fato tão almejado pelos
seus moradores. Segue abaixo a descrição do dia da festa, nos
mínimos detalhes, conforme publicado no jornal caicoense O
Povo, 22 de Fevereiro de1890:
“Ontem teve lugar a instalação desta comarca no meio do
regozijo de todos os acaryenses.
Estava marcado para o dia 17 a instalação da comarca e
a 16 chegou o juiz de direito, Dr. José Pedro de Almeida Per-
nambuco. Ao saber que ele se aproximava da Villa, saiu ao seu
encontro uma enorme comitiva que o esperou a duas léguas de
distância. Às 8 horas da noite chegaram ao Acary e foram recep-

104
cionados pela banda de música, pelos fogos que se misturavam
os trovões e relâmpagos que iluminavam os céus do Acary.
Dia 17 de fevereiro ao meio dia, presentes o Juiz de Direi-
to Dr. Pernambuco, o Juiz municipal Dr. Muniz e o promotor
interino José Carlos Pereira de Brito, todas as autoridades e fun-
cionários públicos da comarca, a intendência municipal e grande
concurso de povo, o Juiz de Direito, depois de lida a acta da au-
diência solemne da instalação em breve mas eloquentes palavras,
declarou instalada a comarca do Acary.
Então o Dr Manoel Dantas, promotor publico do Jardim,
saudou os novos magistrados e ao povo acaryense por um facto
de tamanha magnitude e terminou entre applausos o seu inspi-
rado discurso. Silvino Bezerra em seu nome e no da Intendencia
Municipal, que representava, saudou o grande dia da instalação
de sua comarca, cuja creação tantos sacrifícios lhe custara.
Terminada a audiência solemne da instalação, o Dr. Per-
nambuco saudou o povo acaryense e levantou vivas a republica,
ao Estado do Rio Grande do Norte, ao povo do Acary, vivas que
foram correspondidos ao som do hymno naconal. Depois segui-
ram em passeiata até a residência do Juiz de Direito, onde foram
feitas de regozijo. Assim terminaram os festejos da instalação da
comarca do Acary.
Estava assim realizado o mais ardente desejo dos acaryen-
ses. Fazemos votos para que este acto signifique uma época de
reconstrução e paz para a localidade e que o Acary progrida e
engradeça-se.”

Acary, 17 de fevereiro de 1890.

105
A abolição e libertação dos escravos no Acary,
em 1888
Na última metade do século XIX, ganhou força no Brasil
e na Província do Rio Grande do Norte, o Movimento Abolicio-
nista. Para os que defendiam o fim da escravidão, era impossível
o progresso da pátria sem que as correntes caíssem das mãos ca-
tivas. Um país moderno e republicano não poderia manter uma
prática tão abominável e retrógrada como a servidão.
No Rio Grande do Norte, foi criada a Sociedade Libertadora
Norte-Rio Grandense, com o objetivo de espalhar os ideais abolicio-
nistas por todo território da província. Para isso usaram a imprensa
como ferramenta, criando o boletim abolicionista. Aos poucos, du-
rante o ano de 1888, as vilas e cidades iam libertando seus escravos.
A Villa do Acary libertou seus cativos no dia 1 de abril de
1888. A Gazeta do Natal, no dia 14 de abril de 1888, registrou em
suas páginas esse solene fato e, com isso, permitiu-nos viajar no tem-
po e acompanhar o ato oficial na crônica histórica que segue.
“Em sessão solemne que teve lugar no dia 1 do corrente
mês na Villa do Acary, presidida por Antonio Pires de Albuquer-
que Galvão, teve lugar entre as mais festivas manifestações de
prazer a libertação daquela importante Villa. A comissão liberta-
dora daquela localidade deve-se o impulso ultimamente tomado
pelo movimento abolicionista, do qual resultou em poucos dias
a restituição a pátria, a família e a liberdade a um punhado de
escravos que ali existam no cativeiro.
O ilustre Antonio Pires foi incansável na caminhada que
enobreceu e elevou a Villa do Acary, que hoje livre, passa a figurar
no quadro de honra da província, inundada de luz. Registrando
com prazer este glorioso acontecimento, a todos os distinctos
abolicionistas daquela villa livre as nossas mais sinceras sauda-
ções. Ao todo, 37 escravos foram libertos no Acary.”

106
Festa de Agosto de 1902... Há 116 anos!
Da série “O Acary antigo”, que tal embarcar na máquina
do tempo e desembarcar na Festa de Agosto do ano de 1902, em
Acari? Através da História isso é possível.
Segue a transcrição de um documento histórico, rico em
detalhes sobre a festa daquele ano:
“Fallecimentos. No dia dois do corrente, faleceu, em sua
fazenda Cachoeira da Cruz, o honrado acaryense, capm. Ama-
ro José Ferreira, chefe de numerosa familia, ancião respeitado e
benquisto pelas suas grandes virtudes. A missa funebre teve logar
no dia 16, sendo concorrida’ por grande numero de amigos do
finado, não só deste e d’outros municipios do Seridó, como de
varias localidades do visinho Estado da Parahyha.
No dia 11 do corrente, falleceu inexperadamente a joven
e virtuosa senhora, d. Antonia Aguida de Jesus, digna esposa do
cidadão Manuel Aprigio de Araujo Galvão. Pela posição social
da familia da finada e pelas suas excelsas virtudes, a sua morte foi
geralmente lamentada.
Juiz de direito. A 7 do corrente, regressou de sua viagem
á capital do Estado, o digno e illustrado juiz de direito da co-
marca, dr. Juvenal Lamartine. Em visita a seus honrados paes
e sogros, esteve nesta cidade o honrado acaryense, dr. Manoel
Dantas, illustre redactor chefe da Republica, que foi aqui muito
cumprimentado.
Festa da Padroeira. A 15, celebrou-se a festa da padroeira,
Nossa Senhora da Guia, precedida de um novenario, que teve
o maior brilho possivel, devido não só ao espirito catholico do
povo acaryense, como ao zelo inexcedivel do digno vigario da
freguezia, padre Luiz Borges de Salles.

107
Nos ultimos dias da festa, houve uma concorrencia enor-
me de muitas mil pessoas. Serviram nos actos religiosos, os pa-
dres Luiz Borges, Marcellino Freire e João Borges, vigarios desta
e das freguezias de Jardim e Sant’Ana do Mattos. A banda de ‘
musica cargo do habil professor José Venancio, desempenhou-se
a contento geral, não só na orchestra da Igreja, como nas tocatas
da rua.
Impressionou agradavelmente o estado de asseio do ma-
gestoso templo que serve de matriz, para o que muito concorreu,
não só o zêlo do virtuoso vigario como a dedicação das associadas
do Sagrado Coração de Jesus.
Sobresahiram as noites dos artistas e dos solteiros, prece-
didas de Passeatas, com fogos de vista e boa ornamentação no
templo. No dia da noite dos solteiros, todas as ruas amanhece-
ram embandeiradas, ha vendo á tarde uma imponente passeata
de moças, meninas e rapazes, trajados de branco.
Por occasião da novena subiu ao pulpito o intelligente sa-
cerdote João Borges, que proferiu uma eloquente oração ana-
loga ao acto. enaltecendo o brilhantismo com que os solteiros
acaryenses haviam solemnisado a sua noite.
No dia da festa foi celebrante o vigario João Borges e ao
evangelho subiu á tribuna sagrada o digno e inteligente viga-
rio Luiz Borges que, numa profunda e eloquente oração, fez o
panegyrico da nossa padroeira, congratulando-se com o povo
acaryense pelo modo por que sabia abrilhantar as festas da nossa
santa religião. O discurso do padre Luiz Borges causou a melhor
impressão no immenso auditorio, avido de ouvir a palavra sa-
grada.
À tarde terminou-se a festa com uma procissão imponente
que percorreu todas as ruas da cidade, sempre na melhor ordem,
precedida das irmandades do Sacramento e de N. S. da Guia.”

108
Mas a República foi saudada no Acary com
extraordinária festa!
A proclamação da República repercutiu em várias cidades
e villas do Seridó. Os jornais registraram os atos solenes de festas
em várias localidades, como em Caicó e Jardim do Seridó. Em
terras seridoenses, o principal veículo propagador dos ideais re-
publicanos era o jornal O Povo, com sede em Caicó. Eram reda-
tores do jornal os irmãos Diógenes e Janúncio da Nóbrega Filho,
além de Manoel Dantas, todos três bacharéis em Direito pela
famosa Faculdade de Direito do Recife. Por lá, tiveram contato
com os ideais republicanos e, ao retornarem para casa, trataram
de difundi-los, conclamando o apoio de seus conterrâneos para
levantar “o estandarte glorioso da República”, propagado no Ma-
nifesto Republicano que fizeram publicar no referido jornal, em
6 de abril de 1889.
No Acary, o Coronel Silvino Bezerra de Araújo Galvão,
chefe do Partido Liberal, foi uma liderança política de grande in-
fluência e respeito por seus correligionários e até adversários. Em
17 de novembro, quando a notícia da proclamação da República
chegou ao Rio Grande do Norte, Pedro Velho de Albuquerque
Maranhão assumiu o poder e convidou o Coronel para exercer
a função de seu vice-governador. Após assumir o cargo e voltar
para o Acary, organizou uma festa para comemorar e saudar a
Proclamação da República em seu município.
Ao som da banda de música, os acarienses saíram às ruas
dando vivas. A banda tocava o Hino Nacional e os foguetes es-
touravam nos céus. Antonio Corsino era o fiel propagandista e,
aos gritos, exclamava:
−Viva a República!
Seu entusiasmo era tanto que o mesmo ficava irritado
quando via uma pessoa e esta não queria se juntar ao concurso

109
de povo que percorria as ruas do Acary. A animada passeata des-
ceu pela Rua da Matriz, percorreu o centro até chegar frente ao
prédio da Intendência Municipal (atual Museu Histórico).
Lá, todos se acomodaram em pé e, cheios de atenção, as-
sistiram ao ato oficial. Da janela do segundo piso do prédio, o
Coronel Silvino Bezerra Galvão proferiu um longo discurso e,
entusiasticamente, proclamou a República, novamente, sob os
tradicionais estampidos de foguetes, vivas e uma grande e dura-
doura salva de palmas.
Além do grande concurso do povo, estavam presentes a
esse ato solene os senhores Manoel Maria do Nascimento (Ma-
nuelzinho do Navio), Cypriano Bezerra Galvão Santa Rosa, Jo-
aquim Paulino de Medeiros (Quincó da Ramada ou Rajada) e
Manoel Dantas.
Estes viriam, posteriormente, a formar o primeiro corpo
municipal do Acary, e iriam, a partir daquele momento, admi-
nistrar o lugar, ocupando vários cargos como intendente, delega-
do, juiz de paz entre outros.

110
A Villa do Acary e seus limites em junho de 1834
A Villa do Acary foi criada pelo Conselho Provincial em
11 de abril de 1833, quando foi desmembrada da Villa do Prín-
cipe (Caicó). O município seria instalado no mesmo ano a 24
de setembro. Após esse fato, o conselho Provincial encaminhou
oficio à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, dando con-
ta dos limites entre as Villas do Acary, Principe e Apody. Em
resposta, recebeu um aviso em 3 de junho, no qual A regência,
em nome do imperador Dom Pedro II, aprovava as divisões da
Villa do Acary pelo governo provincial.
Em 5 de agosto do mesmo ano, uma cópia desse ofício foi
encaminhada ao Corpo Municipal da Villa do Acary, ou seja,
ao grupo de homens responsáveis pelas decisões políticas após a
criação do município. O documento encontra-se no Arquivo da
Prefeitura Municipal de Acary e, para facilitar a sua compreen-
são, segue transcrito abaixo:
“Communico V. senhorias para sua intelligência e apre-
ciação, a cópia do aviso da Secretaria de Estado dos Negócios da
Justiça de 3 de junho ultimo, pelo qual a Regencia em Nome do
Imperador Senhor Dom Pedro Segundo, houve por bem aprovar
a Divisão feita pelo Conselho Provincial entre os municípios das
villas do Acary e Principe.
Deus guarde V. senhorias muitos anos.
Casa de Governo na cidade do Natal, 5 de agosto de 1834.”
A Secretaria de Estado dos Negócios e da Justiça, criada
em 1821, foi um órgão do governo imperial responsável por
promulgação de leis, decretos e resoluções no que concerne, por
exemplo, à divisão territorial. Sendo assim, o ato que aprovou os
limites do município da Villa do Acary, do ponto de vista hie-
rárquico, foi chancelado por um órgão de competência nacional.

111
Em 1835, a Assembleia Provincial, pela lei nº 16, de 18 de
março, aprovou a criação da Villa do Acary, feita pelo Presidente
em Conselho, dando limites e contornos ao munícipio, o docu-
mento diz o seguinte:
“Approvando a creação da Vila do Acary, feita pelo Presi-
dente em Conselho, e marcando-lhe os limites de seu Município.
Basílio Quaresma Torreão, Presidente da Província do Rio
Grande do Norte: Faço saber a todos os seus Habitantes, que a
Assembléa Legislativa Provincial Decretou, e eu sancionei a Lei
seguinte: Art. 1 − Fica aprovada a Villa do Acary, criada pelo
Presidente em Conselho em 11 de abril de 1833.”
Neste sentido, é dizer que em relação ao município de
Acari, existem três datas importantes no que se refere a sua cria-
ção: a primeira,11 de abril de 1833, quando a Villa foi criada; a
segunda, 24 de setembro do mesmo, quando foi instalada e, por
última, a terceira, 18 de março de 1835, quando foi aprovada. O
documento encontrado por nós, no arquivo da prefeitura revela
que antes de março de 1835, Acari já possuía limites estabele-
cidos e um corpo municipal formado para tomar suas decisões
políticas.
Portanto, a lei nº 16, de março de 1835, serviu apenas
como instrumento legal para oficializar a criação do município,
que apenas três anos depois em 1838 já tinha sua cadeia de pé.

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