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JARARACA
Controvérsias
Como sua família era “gente” de Quincas Saldanha, seguindo a risca as ordens do
chefe, não é difícil de compreender a razão de Chico Jararaca fazer parte de um grupo de sete
“cabras” que seu patrão levou para Serra Negra do Norte, no Rio Grande do Norte, para
colocar este pessoal ao grupo de Silvino.
Aqui abro um parêntese na história de Chico Jararaca para apontar ao leitor a
dificuldade de se levantar uma história baseada, na sua totalidade, em entrevistas orais. Os
pesquisadores Carlos Lyra e Adauto Guerra Filho, que entrevistaram o ex-cangaceiro em
diferentes anos das décadas de 70 e 80 do século passado, não são coincidentes nas
informações básicas.
Um assunto controverso é a data de nascimento de Nicácio, bem como o período em
que Chico Jararaca entrou e participou do bando de Silvino. Entre os dois pesquisadores existe
uma diferença de dez anos sobre a data de nascimento do cangaceiro seridoense.
Sobre a entrada do mesmo no cangaço, Carlos Lyra indica, através do depoimento
prestado em 1972 pelo ex-cangaceiro, que o mesmo permaneceu nas hostes de Antônio
Silvino dois anos, de 1911 a 1913. Já Adauto Guerra aponta, através de entrevista concedida
por Chico Jararaca em junho de 1982, que ele teria pertencido ao bando por quatro anos, de
1909 a 1913.
Saber quando e em qual período Chico Jararaca entrou no bando é difícil. Acredito que
neste aspecto Carlos Lyra obteve mais sorte, devido ao fato do próprio Chico Jararaca ter lhe
fornecido uma data, 30 de maio de 1911.
Sem adentrar mais nesta questão, mesmo com controvérsias, é possível traçar um
relato da vida de Chico Jararaca.
Antonio Silvino
Quando Quincas Saldanha forneceu seus homens para Antônio Silvino, o chefe
quadrilheiro buscava reforçar seu grupo para ajudar um parente de nome Manoel Godê. Este
seria irmão de Antão Godê, nome de guerra de Idelfonso Godê de Vasconcelos. Estes irmãos
eram parentes de Silvino, homens valentes ao extremo e que buscavam apoio para atacar um
grupo de inimigos comuns na região da Serra da Colônia, em Afogados da Ingazeira,
Pernambuco. Este local era especial para Antônio Silvino, pois no sopé desta serra existe a
Fazenda Colônia, local de seu nascimento.
O grupo de jovens do Rio Grande do Norte seguiu para o lugar “Santo Agostinho”, nas
proximidades da Serra da Colônia. Os inimigos dos Godês, que Chico Jararaca denomina
apenas de “negos” ou “mulatos”, eram protegidos do coronel Desiderio Ramos, homem
poderoso em Afogados da Ingazeira. Em 3 de janeiro de 1897, Desiderio matou, juntamente
com outros capangas, o pai de Antônio Silvino, Pedro Baptista Rufino de Almeida, conhecido
como “Batistão”.
Ao chegar à região, Chico Jararaca descobriu que o grupo dos “mulatos” tinha 33
homens em armas, enquanto o grupo de Silvino e dos Godês apenas 16 “cabras”.
Logo ocorreram tiroteios entre os grupos no lugar “Jasmim” e em outros locais. Mas
este trabalho, tão próximo à morte, não estava nos planos do jovem Nicácio. Decidido a deixar
o bando, Chico Jararaca avisou a Antônio Silvino sua intenção de voltar para o Seridó. O
problema é que o jovem cangaceiro não sabia o caminho de retorno, tinha medo de cair “no
oco do mundo” e o jeito foi ficar no bando, na “vida do rifle”.
Chico Jararaca estava em uma ocasião participando de uma tocaia, junto com o chefe
Antão Godê, quando avistam a figura do inimigo “Bem-te-vi”, que vinha por uma várzea
galopando em um cavalo baixo. “Bem-te-vi” era um combatente já veterano em outras lutas e
não se alterou quando Godê ordenou ao comandado mandar bala no inimigo. Chico tremeu
diante da tranquilidade do seu oponente, ele atirou várias vezes, mas o inimigo não foi
atingido, não reagiu e ainda tirou o chapéu de couro e disse corajosamente “-Vão lá para casa
que vocês almoçam bala, jantam bala, e se há bala, dormem com a bala na mão”.
Quando entrou no cangaço, junto com o pessoal de Quincas Saldanha, fazia parte do
grupo Estevam, Cassimiro, Peitada, Joaquim Cigano, Neco Domingo, Mané Barão e Mané
Pequeno. No bando de Silvino conheceu Serrote, Pau Reverso, Zé Pedro, Manuel Pequeno,
Severino, Girondo, Gavião, Biano, Salvino, Bacurau, Manoel e Antão Godê. Para Chico Jararaca
todos eram valentes por igual, mas os Godês se sobressaíam. Já o negro Serrote era
extremamente perverso, gostava de buscar os soldados da polícia feridos e sangrá-los
cruelmente. Entretanto, na hora da defesa, todos participavam.
Chico Jararaca nada comenta sobre o saque e a total destruição do comércio de José
Alvino Correia de Queiroz, que teve tudo que possuía roubado e queimado. Este comerciante
sentou praça na polícia de Pernambuco, conseguindo o posto de sargento e passa a perseguir
Antonio Silvino. Quando este foi um capturado, em 28 de novembro de 1914, na propriedade
Lagoa da Laje, em Taquaritinga, Pernambuco, José Alvino só não matou o chefe bandoleiro por
insistente ordem do tenente Theophanes Ferraz Torres.
Memórias Controversas
Uma afirmação controversa dada pelo ex-cangaceiro foi que em 1912, em uma
oportunidade que o bando retornava para Afogados de Ingazeira e descansou nas
proximidades de Vila Bela (atual Serra Talhada), Chico Jararaca afirmou que “conheceu
Lampião”. O encontro se deu na casa do velho José Ferreira, pai do futuro “Rei do Cangaço”,
sendo um momento de muita alegria, pois, segundo Chico Jararaca, “Antônio Silvino era primo
da mãe de Lampião”. Na ocasião deste encontro, Chico Jararaca viu Virgulino Ferreira da Silva
quando este retornava de uma viagem como almocreve, o futuro chefe cangaceiro teria entre
12 e 16 anos.
O oficial Theophanes Ferraz Torres,
comandante da volante que capturou Silvino.
Valente e destemido, seria um grande perseguidor de Lampião.
Segundo o depoimento de Chico Jararaca, ele já tinha ouvido muito falar na intrigante
história do “cangaceiro que comeu sal”, que vivia sendo narrado pelos cantadores de viola que
declamavam as valentias do chefe Silvino pelo sertão afora. Ele afirmou que não foi
testemunha deste fato, mas acreditava que esta história havia ocorrido de verdade. Em uma
ocasião o grupo chegou à casa de uma mulher muito pobre, ela se encontrava só e seu pai
estava em um roçado a três quilômetros de distância.
O chefe quadrilheiro a tranquilizou lhe deu garantias de vida e ordenou que matasse
uma galinha para saciar a fome do grupo de cangaceiros. No medo, a mulher esqueceu-se de
colocar sal. Após degustarem a alimentação insossa, o chefe pagou à senhora e quando saiam
da casa, perguntou ao grupo o que acharam da comida e a cabroeira respondeu que estava
boa.
Silvino repetiu a pergunta três vezes e em todas as ocasiões à resposta foi idêntica.
Contudo, na última vez, um dos rapazes comentou que “estava boa, mas um pouco insossa”,
nisto o chefe alterou o semblante e disse ameaçadoramente “por causa disso, o companheiro
vai comer um litro de sal”, mas a ameaça não se concretizou. Provavelmente Silvino desejava
chamar a atenção dos seus “cabras” com esta incerta história.
Deixando o Bando
Para Chico, Antônio Silvino era um homem muito bom, tratava todos bem no bando,
não obrigava ninguém ficar ao seu lado e detestava quem bebia cachaça.
Antônio Silvino e Lampião eram muito diferentes nas suas maneiras de praticarem o
cangaço, mas compartilhavam o mesmo ódio em relação à polícia, aos rastejadores e aos
delatores.
Chico Jararaca afirmou, sem maiores detalhes, que durante o período que esteve com
Antônio Silvino presenciou a realização de muitos casamentos, onde o comandante bandoleiro
não deixava um “cabra safado”, que supostamente “buliu” com uma menina, sair incólume e
não assumir as responsabilidades do matrimônio.
Outra declaração bem contraditória do ex-cangaceiro foi que em uma ocasião, quando
Antônio Silvino esteve no Ceará, o grupo assistiu em Juazeiro a uma missa realizada pelo padre
Cícero Romão Batista. Chico Jararaca afirmou que Antônio Silvino tinha ótimas relações com os
padres José Cabral e Aristides, respectivamente párocos e chefes políticos de Gurinhém e
Piancó, ambas as localidades na Paraíba.
Mas, a maré começaria a mudar para o bando. No dia 25 de dezembro de 1912,
ocorria uma importante reunião em Recife, onde pela primeira vez seria efetivamente
concretizada a união das polícias dos Estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e
Pernambuco, para conjuntamente darem cabo de Antonio Silvino e seu bando.
Em 1913, como resultado desta nova iniciativa governamental, ocorreu uma forte
perseguição ao grupo. Para Chico Jararaca, estas perseguições produziam fome e lhe mostrava
a pouca perspectiva de continuar nesta vida. O cangaceiro seridoense pediu a Antônio Silvino
para deixar o grupo. O chefe não criou problemas e em 1913 eles se viram pela última vez.