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BRASIL

Autópsia da sombra
O depoimento terrível de um ex-sargento
que transitava no mundo clandestino da repressiio militar
resgata parte da história de uma guerra suja
ExPEDITO FILHO

Murival Dius Chaves do Oln- para dizer pela primeim ve:¿ que a1u11111 na aQ~ e, portante. centava uma visii.o global
lo lem 45 anos, é moreno, repressao militar. No in(cio, elns reagiram do assunlo. A partir da dcrrubada do presi-
musculoso e está bem conser- assusladas. Mais adiante. emocionadas. dente Joao Goulart. em 1964, com~ou a
vado paro a idade. Nasctdo acabaram estimulando sua decisño de faJar. ser deflagrada ttma guerra suja e surda no
na Bahia. morou muilos anos Urna de suas filhas havia safdo ~ ruas para Brasil. Foi menos violenta do que na Ar-
em Sao Paulo e boje é dono pedir o afustru:nento de CoUor, engrossando J;enrina, ande bouvc quu.se 1O000 desapa-
de um modesto negócio em o movimento dos caras-pintadas e relem- recidos. Mas o ciclo da ditadura no Brasil
Vitória, no Espfñto Santo. brando os anos rebeldes, e só depois soube colocou em a~o L3 000 militantes de es·
Visto ~ distancia. é um cidadiio como que o pai participara ativamente daquele querda. distribuídos cm 29 organiza~
qualq~ outro. De pe11o. tem algurnas periodo. "Eias actmrum que er.l importante que pegaram em armas e outr<IS 22 que
peculiaridades. Cbaves. como é conhecido. contar rudo para passar essa pane da Histó- op¡amm pela chamada resi51él1cia pacífica.
é um homem tenso, habituado a represar r!a a lin1po'', afirma Chaves. Tinham raziio. Do outro lado da lrinchcira, havia pelo
suas emoyCies. Usa um linguqjar que mistu- menos 400 militares envolvidos diretamen-
ra tennos policiais e politices. No seu VISITA 1\ PoJm: - O dramático relato do te cm operay<ies clandestinas. Nesse emba-
vocabulário. aparecem com freqiiéncia pu- ex-s;u-gen1o sobre a vida e morte nos po- te. rcrrori ras assaltaram bancos, seqüestra-
lavrns como "subversivos", paro designar os roes niio tem a abrnngencia cronológica dos ram e assa.'iSinaram. Do outro lado, prende-
militantes de organiza~5es de esquerda, ou vinte anos de dit:adura, muito menos o peso mm pessoa.<; ilegalmente, totturaram e ma-
-elemento'", quando se refere a uma pessoa do relato de alguém que coordenou as tarani. No total. mai de 4 600 pessoas
qualquer. Na semana passada, tiveram seus direitos políticos cas-
Chaves encerrou umn longn série sados, cerca de JO 000 fo ram exi-
de depoimentos a. VEJA e, nas ladas c. na lista dos dcsnpare<:idos,
páginas do seu relato, collStala-se exisrcm 144 nomes.
que Chaves es(á mesmo longe de O depoirnento de Chaves é um
er um cidadao tranqililo. Ele é o relato parcial. Sua importancia re-
primeiro ex-agente dos órgaos de side em mostrar por dentro. e pela
infonna¡;iio do Exército a contar primeira vez. a rotim d il re pres-
tudo o que sabe, com o rcnívei e siio polftica. Cuidadoso, o ex-sar-
esclarecedores detalhes sobre a gento falou apenas do que tem
barbárie dos poroes dos anos de certeza e cal.ou sobre as dúvidas.
cbumbo da di!adura militar. Na larde de • exta-feira da semana
Há mais de urna década, o ex- pnssada. chcgou a tomar um avii:i.o
sargento Chaves vem amadurecen.- para Sao Paulo e ir a Rodovia SP
do sua decisao de faJar. Quando 255, que dá acesso ~ cidade de
ainda transita va pelo ventre da bes- Avaré, no interior do Esrado. Ali.
la, entrando e aindo das mnsmor- há duas pomes. Chaves queria ve-
ras de torrura e gastando horas las para saber de qual deJas eram
lendo depoimentos de presos polí- jogados os corpos de preso as-
ticos, Chaves preocupava-sc em sassinados (veja quadro as págs.
n1emorizar e anotar detalhes. No 12 e 23). Estava satisfciLO com
n1Cs passado, entendeu que a de- eu desabafo. "Foi a cúpula mili-
cretayii.o do impeachmenl do presi- tar que se beneficiou com cargos
dente Fernando CoiJor muda:m o ¡ e funf,(OeS na época da reprcssao··.
pm e. em especial, as Fo~as Ar· e afirma. "A grnnde maioria silen-
n1adas. que se mantiveram na lega- ~ ciosa queria o Exército profissio-
lidade de meras espectadoras da ~ nal, como ele é boje."
crise. Resolveu contar rudo. Há Nos porOes. Chaves garnnte que
duas semanas, cbamou a mulber e nunca ronurou nem leve envolví-
as duas filhas, de l6 e 18 anos, mento direro com assassinaros ou
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ocutrar;ao de cadáveres. "Se tivesse feíto
isso, rulo est:uia dando esse depoimento".
diz. Sua missao era avaliar os depoimenlos
dos _presos e cruzá-los oom as inform!lQOes
rcpassadas ao Exército pelos militames de
esquerda que haviam se convertido em
informantes. Em 1965, entrou para o Exér-
ciro. servindo no Arsenal de Guerra em Sao
P.aulo. Tres anos mais tarde, já sargento.
teve o primeiro contato com atividades de
info1m~ao. "Ficamos sabendo que a Van-
guarda Popular Revolucionária, do capitiio
Carlos Lamarc-a. estava pintando wn cami-
nhao com as cores das Foryas Ammdas para
usar numa ~iio terrorista' ', relembra Cha-
ves. Depois de fazer cursos de oper-~ao na
selva, Chaves foi para o Destacamento de
Ope~6es de lnfomrnyoes, o 001. chetiado
pelo coronel Carlos Albeno Brilhante USIJ'3.
Com~va seu convfvio com o porJ.o.

PEDIDO DE DEMISSAO - 0 ex-sar:gento


Cbaves trabalhou no 001 paulista até
1976. Dali, mudou-se para lmperatriz. no
Maranhao, onde servia num Batalhíio de
lnfantaria da Selva. De lmpcmtriz, passou
por Manaus aré ser destacado pam ervir
em Brasilia, no Comando MUitar do Pla-
nalm, em 1980. No ano seguinre, Chaves
passou para o Centro de lnformayOes do
Exército, que oomandava as operayees do
póri'io. Nes.su. época, chegou a ser destaca-
do para fazer a seguranc;a do entiio diiador
da Argentina. Leopoldo Galtieri. durante
uma visita ao Brasil. Em 1985, tornou uma
decisüo raro na caserna. Pelos rmmires
bUJ'OCrúticos norn1ais. encruninhou urna
correspondencia pedindo sua demissao do
EKército. "Foi duro. Perdi noites de sono.
caminltando pela casa. até resolver que nao
era mai po íVel supoL1át aqueta pressao".
conta. Com sua demissao, Chaves renun-
ciou a mais de vinre anos de sua carreira
militar e perdeu todos os beneficios que
recebem os miliiares quando passam para
a reserva. Se tivesse pcmmnccido. seria
capitl'io. Hoje, Chaves é um ex-sargento.
com a vantagem de que nao pode sc.r
punido pelas suas revela~;6es.

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A lei da barbárie
Num relato sobre a selvageria do porii,a,
o ex-sargento conta como eram mutilados, esquartejados
e ocultados os corpos de presos políticos
Há um ano, o editor Expedi- VEJA - Como eram morros os presos :ze peda~¡X>S; oomo se faz com bol num
to Pilho conversou pela pri- políticos? maradouro. Era um neg6cio terrível. Eles
meira vez com o ex-sargen- CH~VES- Sei que e m Sao Paulo alguns faz.iam isso para dificultar a descoberta e a
to Marival Dias Chaves do morñam na tortura. Os que resistiam eram idcntific~iío do morto. Cada membro de-
Canto, que traba1hou dezes· liquidados pelos agentes da repressiío polf- cepado era colocado num saco e enterrado
sete anos como agente do tica com urna inj~o u ada para matar em local diferente. A casa de Petrópolis foi
Destacamento de Opera.¡:oes cavalos de até 500 quilo . A inje.¡:ño era onde o Centro de l nfonna~Oes do Exérciro
lmernas, o DOJ.Codi, em aplicada na veia do preso político. que mais marou presos e ocultou cadáveres. Os
Sao Paulo. e do Centro de lnforma~oes morria na hora. Quem já ao;sistiu a urna militantes deridos em diversas regiOe.s do
do Bxército, em BrasíJia. Há tres sema- cena dessas sabe que é urna das co.isas pafs ernm enviados dos & lados diretamen-
nas, Cbaves. especializado em análise de mais grotescas e rep~gnan tes que se pode te para Petrópolis.
infonmu;:óes. decidiu enfun revelar tudo o fazer a um ser humano. Eles maravam e
que sabe sobre prisao, tortura, assassinato esquartejavam. Agentes que estiveram nu- V EJA - Quamas cosas de ronura e
e desaparecimento de cadáveres de presos ma casa manrida pelo Centro de l nfonna- morle eram mantidas pelo Centro de lrl-
poHticos. Foram mais de vintc horas de yOcS do Exército em Petrópolis. no Rio de fomiOfoes do Etército?
entrevista, cujo~ principai trecho sao Janeito, me conraram que os cadliveres CHAVES - Do final da década de 60 até
publicados a seguir: ernm esquartejado . as vezes aré em catar- o inicio dos anos 70, havia urna casa no

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bairro de Sao Coorado, no Rio. Depois. uro amigo do major do Exélcito André
por m7..Qes de seg uran~ mudou-se o cen- "Os que resistiam Leite Pereira Ftlho.
tro de tonura e morte para Petrópolis.
Eram levados para lá os presos condena- eram liquidados VEJA - Como eram equipados os ctm-
dos a morte. mas alguns conseguiram com uma inje~ao rros de IIUIIan~a ?
l>Obrcvivct. Em 1972. o U Exército. ern CHAVES - Eles linham as coisas de urna
Sao Puulo. montou os seu centro clan- para matar casa norn1al. além do aparatos de repres-
destinos de tonura e assassinato . Durante si!o. Nas casas do lpiranga e da estrada de
um cuno período. o Desracamento de cavalos de até ltapevi, havia até grilhiks para acorrentar
Opcra~Ocs de lnfo~3es , o 001, utilizou os pés e as nuios do presos as camas e a
um sitio na regiao sul de Sao Paulo. Ali 500 quilos, blocos de cimento.
fomm assassinados Antónlo Bicalbo Lana
e a sua cornpa.oheira Sonia Moraes, ambos aplicada na veian VEJA. - A oculraryiio dos catMveres era
da A~o Libenndom Nacional, a ALN. wna opera~cw improvisada ou havia al-
gwll plan()?
VEJA - Mas a versiio oficial é de q11e CHAVES - Matar subversivos era urna
Lona e Sónia reriam marrido durante 11111 CMAvu - Si m. Era urnn época de matan- atividade altamente profissionaJ. Nas casas
riroreio... ~ febril. No final de 1973. o 001 usou urna de Sao Paulo. bavia urna equipe especiali-
CHAVES - É mentira. Eles foram tonu- casa no balrro do lpiranga. na Zona Sul de zada na oc ulta~o dos cadáveres. Os agen-
rado. e assassinado com tiros no tóra.x. Silo Paulo. Ncssc perfodo montou outro tes sabirun exatamenre o que fazer. Primei-
cabe<¡a e ouvido. Os cadáveres for:mt col~ centro clandestino na esaudn de lropevi. ro. ampumvam as fala.ngetas dos dedos.
cados no porta-malas de um carro e leva- Entre 1965 e 1966. funcionou ali urna boare para evitar que os mortos fossem reconheci·
dos :d o bairro de Samo Amaro. na Zona chamada Querosene. que pertencia ao innii.o dos attavés das impressóes digitais. Depois.
Sul de Sao Paulo. Ali, encenou-se a farsa do ent.So subt.enente CarJos. fundador da amarravam as pcmas para Irás, de forma
do úro1eio para imular a morte deles. ~ii.o Bandeirant.es, a Oban. Só em que o corpo ficasse reduzido !1 memde. e
L975. por qu~'10es de segu~ o cárcere esfuqucavam a barriga. O esfaqueameruo
VEJA- Depois de abandoru1r esse .fítio, de ltapcvi foi ubstitufdo por uma fazenda, era pam evitlr que o corpo. se fosse jogado
o Destacamento de OperafOeS de ln[onna- na beirn da Rodovia CasteUo Bronco, a 30 num rio. \'ÍCSSC atona aJgum lempo depoi ,
fOes crbriu ourro em Siiu Ptmlo? quilometros de Sao Paulo. A fuzenda era de Eles também colocavam o corpo dentro de

Uma das duas pontes da estrada SP 255 nas


imecl~s de Avaré1 a 260 quilómetros de Sio
Paulo, passa por cima de um cemitério subaquático.
Sepndo o sargento Marival Chaves, pelo menos oito
intearantes do Partido Comunista Braslleiro. o PCB,
tiveram seus corpos atirados nas áaun do Rio Novo,
onde ele ach01 que o local é mals parecido c:om u
descl'i\:óes que ouviu de coleps, na época, ou da
Represa lutumirim, cuja profundldade favorece esse
tipo de oper~. Chaves indiCOI 70% de chances
para o Rlo Novo. Todos esses mortos integravam o
comité central do PCB. Luis lnácio Maranhio Filho e
loio Massena Melo, presos em 1974, foram os
primeiros. Os outfos morreram até 8 de outubro do
ano segulnte, quando foi levado a ltapevi Orlando
Rosa Bonfim Júnior, o último do partido a desapare-
cer. O advoaado Bonfim tinha 60 anos. Vivla e scon-
dido, longe da mulher e dos seis fllhos, desde 1964.
Foi preso no Rio de Janeiro e conduzldo para o sitio
de ltapevl. O cardeal dom Eua6nio Salles cobrou seu
paradeiro do entio comandante do 1 Exército, eene-
ral Relnaldo Melo de Almeida. Em vio. O caso de
transferénc:ia para Sio Paulo nlo foi único. Em 25 de
maio, já havia sumido no Rio o &apateiro ltair losé
Veloso, de 45 anos. Salu para um encontro e nio
voltou par<~ o <~lm~o. Morreu de choque térmico,
sob tortura. Segundo Chaves, também foram atira-
dos ao rio os corpos de Elson Costa, Hiram de Uma
Pereira, losé Montenegro de Uma e l ayme Amoñm
de Miranda.

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um saco e a.marravam-no numa placa de
O centro clandestino de execu~oes concreto. de 40 a 50 quiJos. para gammir
que o carpo !icaria no fundo dÓ rio.
Na Estrada da Granja 20, em rio próximo de Avri. O jomalala
llapevi, municipio da Crande Sio l.ufs lnéc:io Maranldo Fllho, re&- VEJA - Hcí dezena.s de familias que aré
Paulo, hA uma casa cujo interior é ponsável pela disbi~Jui9io de ... boje ncln sabem onde encmiimr os carpos
pintado de cores fortes, com pre- nheiro para 1111Tdantes do partido, dos seus pareme.r. O se1rlror lem idéia de
dominincia do vermelho e do pre- chegou a ltapevi em abril de onde eram enterrados'!
to. Tem uma sala pequena, uma 1974. Tercelro na hlerarqula do CHAvES - Tenho. Boa parte dos monos
cozinha e um salio grande. Ela partido, o advogado Jayme Miran- nao eslá sob n rerra, mas sob a água. Se
abrigou por alguns anos a boate da fol morto sob tortura na casa alguém ñzer urna busca no rio delxúxo de
Querosene. O Exérclto foi o inqui- em 1975, enquanto seu irmio NU. urna ponte que fica na estrada que liga a
Dno segulnte, e transformou-a son, secretário-leral do PCB em cidade de A varé. no interior de Sao Pnu'lo. a
num centro de torturas e execu- Porto Alegre, era inlen'ogado no Rodovia Caslello Branco, podcrú achar
~· Passaram .pela casa de lta- balrro do lplranga, em SAo Paulo. muitos corpo . Existe uli um cemilério
pevi integrantes do PCB cujos cor- Nllson, no entanto, nega a prlsio. debaixo d'água.
pos seriam depols atlrados num "Nio fui preso no lpiranp", diz.
VEJA - O senlror sabe identificar trlgwts
de:mparecidos q11e estejamno rio de AwmF?
CHA.VES - Conh~o a identidnde de oiio
deles. todos do CorniL.: CeniJ\11 ao Panído

Comunista Br.c;ileim. o antigo PCB. Boa


pane deles caiu nas maos da rcprcs-••ao
durante a Ope111fiilO Radar.

VEJA- O q11e foi es.m Opemrcio Rctdar?


CHAVES - Foi wna grande ofen iva do
Ex.ército. iniciada cm 1973. para dl7.imar o
PCB. A Opero~o Radar culminou com a
apreensao da gráfica do joma1 Vo: Operá-
rilt. do PCB.

VEJ.A. - Foi ne.1'S/J o¡u!ro,·ao q11e parte do


Comité Cemml do PCB foi capmrada'!
CitAVES- Sim. e depois jogada no rio de
Avaré. É o caso de Himm de Lima Pereir.t.
inteJTOgudo cm Jtapevi. e de Lu( lnácio
Mar.mhlio Filho. pre.o;o cm Sao Paulo cm
1974. Levado para lrapevi, Marnnhao Fílho
morreu com a inj~iio para mamr cavalo.
Joao M;L<;sena Melo é outro. Também está
no rio e mo~reu com a inj~iio para cavalo.
Orlando Bonlim Júnior. da cúpula do PCB.
esta no rio de Avaré. Bontim foi preso no
Rio pelo De.swcamenro de Oper~Oes de
l nrom1~ de Siio Paulo e levado JXl11l o
c;írcere nn Rodovia Castello Br.mco. Outro

EJA_ 18 DE 'OVEMBRO. 1992


que está no rio é Elson Cosw. a~~sinado
cm 1975. Ele ero o encarregado da ses-lio Um local para formar cachorros
de ::~gitavio e propag<tnd<• do partido. Na
casa de ltapevi. foi intcnogado dumnte No lnM:Io dos....,. 70, o Exérc:üo duida .. ~de DonlzziM Pe-
vime días e submetido a todo tipo de criou em Sio Paulo 11811 centro para rep. .luvMIIno Gusmlo, pnro de
tortur.1 e barburidade. Seu carpo foi quei- cooptar cachorros, como enm Durazd¡.., conta que o imóvel fai
llUldo. Banharnm-no com álcool e tocar.Jm c~Bnadosos . . . . . . . de.....,.. .....,. entre 1968 e 1976 para
fogo. Depoí. , Elson aimJa recebeu a inje- ... que w.v.m lnforln.ltas do .,. um pequeno eniiJI ! • . , . que ele
~ao para matar cavalo. O corpo de ltair rlo. A casa fica M Avenida Tereza eoc•'leceu apena como .a.rbaL .
JQ!.é Velo. . a também toi jogado da ponte. Cristina, número 58, no bairro do .......... dftendo ,.._ ......
Ele foi preso no Rio, pelo DOI de Sao lphnp, e reeeiJie ..,..._ politlcos p.e6ls, ..... constnju .... ....., que
Paulo. Era o inverno de 1975 e o que o que asslnavam eoc•tr•to com o os praprteláios inta peet.am co-
levou ~ morte foi banho de água gclalln. Exén:ito para qlr como lnfllnl. mo lnvesllma1lo de um homem
Morreu de choque tém1 ico. doa. N6o hall rqistro de mortas preocu.-lo com • ~ pes-
neue local. A casa fai ef'&llida hali 1011. MSe llouve lortl.n .. dentro,
VEJA - Por que o 001 de Siio Ptwlo ...-entB..,. pelo fuudocáio pú- nur~U foi de nosso c:onhedrnelr-
fit:ia pris<ies tw Rio '! blco Joio Copia e, em 1960, In- to", llflmul Guunlo.
CHAVES - Dumnte a Opern<;ao Radar. o
001 de Sao Paulo pasM>U u fazer urna l>éric
de opcr~ües no Río de fonn<• absoh,itamen-
tc dandestirla e ilegal. O Rio nilo era área de
j urisdicriiO do 001 de Siio Paulo.

VEJA - Como e m a riralidade mtre os


<Íf}(oos deinfimuar<iotlo E.:rén:ito, da Mari-
nlw e do Aeronáutica'!
CitAVES- Existía urna rival idade gran-
de entre o Centro lle lnfonn~óes do
Exérci to e o Centro de lnfo rm~~ da
Marinha. o Cenímar. O Ce.uro de lnfor-
ma~óes e Segum n~n da Aeronáutica. o
Cisa. chegou a j untar-se ao Exército numu
campanha contra Ol> ampongas da Muri-
nha. Em umu con fu~iío.

VEJA - Vo/wndo ao rio de A\'aré. O


.w!IIIIOr firlou
em oito 11umes, ma.v cmr/Qu ·r)
,·eis.
CtiAVES - Um é Jayme Amorim de
Mir.tmla. também preso na Ope~io Radar.
numn da,<; incursocs do 001 de Sño Paulo
ao Río. Foi transferido pam ltapevi. Seu
ím1oo Nil!;on Mir-.Jnda, que er.1 secretário-
gcml do PCB de P0110 Alegre. cswva pn...~
no lpiranga. Um nao sabia onde e.ill\va o
outro. O Nilson sobreviveu. O último carpo
que sei ter sido jogado da ponte é o de José
Mon1enegro de Lima. ma... es..~ é um caso
especial.

VEJA - Especial t)()r qué?


CHAVES - Porque mostra que dcnll'O dos
órgaos de reprcssiio lambém havia umn
quadrilha de ladrOes. Logo depois da inva-
st'io da gr-.ilica do Vn:: Operária. Montenegro
re(.-ebeu do parúdo 60 000 dól~ par.! recu-
pcmr uma cstrulum llc impn:ssW do jornal.
Un1<1 equipe do 001 prendcu Montenegro,
maLou-o com a inje~~lo, e depois foi na sua
ca<.a pegar os 60 000 dólares. O dinheiro foi
rateado na cúpula do DOl.

V IEIA- AJé agora o senlrorfa/uu de gente


presa 110 Rio e le1'0do f 'KIIT.f Siio Pmdo. E 110
seurido iJI\'erso?

VEJA. 18 DE NOVEMBRO. 1992 25


CHAVES - Também havín. É o caso de PetTópolis. onde a pn'itica de oculmcao dos CtiJlVES - Ern aJ sim que chnmávarnos os
lssami Okano. da ALN. e de Waher de COI]X>Sera através do esquanejamento. Foi o infiltrados. Os militantes de grupos de es-
Souza Ribeiro. do PCB. Trunbém morreram caso também de Ana Rosa Kucim;li e seu querda que colabora"am com a repressao.
eul Pctrópol~ David Capistrano {pai do marido. Wilson Silva. FOt".un delatados por contando os plano das suas organizac:;6cs e
candi<btlo a prefeiJUrn de Samos pelo PT. um cachorro, preso.~ em S¡¡o Paulo e leva- delatando scus companheiros.
David Capistrnno Filho} e José Romam, dos paro a CR<m de Petrópolis. Acredito que
ambos do PCB. O m:üor Br.md chefiava a seus oorpos ~mnbém for.un despeda~¡".Kios. VEJA - O senlwr coordena l'll os cu-
equipe que os prendeu. Capistt.mo loi lev;t- rhorros "!
do pnrn o Rio. Ambos fornm monos em CltA.\ In - Nao. M eu [rabalho consis1ia

Seis meses •tes de 1he que estava casada com o mulher entre os tr6s flhoa
ser ..auinadll em Pe- fisico Wilson Silva, com do polones M • • Gostava
tropoh, em 1974, a quem n.norava em sepedo de teatro e psicolo&ia, ado-
prafesson Ana ROM h6 cinco ln06.. Kucinskl irna- rava a escritora francesa
Kudnsld SDva, de 32 &inou que ela escondla o ro- Slmone de Beauvolr e
ano5, encontrou o IF- mance porque aeu pal, M• "nunca leu os manual• de
mlo Bernardo em Sáo Jer, era judeu e nio acelbwla marxismo", seaundo Ku-
Paulo pela última vez. um pnro nio jucleu. O joro cinski. Fol vista pela última
Ana lnslstiu para que nalsta \'Oitou para Londrea vez em 22 de abri1 de
Bernardo Kucinsld ~ sem que Ana lhe contasse a 1974, na Universldade de
mane cuidado com re- .... mais lmpot"talle da Sio Paulo, onde ledonava
preúllaa aoa artlgoa hlstória. Ela era ~ da Qufmlca. O aovemo só se
que escrevla para o joro Aqao Liberbldora Nacional, manifestou sobre o ctesapa.
nal Oplni.lo, do qual era a ALN, assim como o mari- redmento depois de um
correspondente na ln- do Wlaon. ano, dlzendo que o caul
eaaterra. Confldenc:iou- Ana era a ~ e única nlo estava preso em de-

:?.6 VEJA. 11:! DE NOVEMBRO. 1':19:?.


Delatores a servic;o do Exército
Os órBáos da inf~ das F~ Armadas chama·
vam de 'lcac:horro~ os militantes de esquerda que es-
pionavam para o Exército. Em geral, eram respeitados
nas suas orga~, mas assinavam um conb"ato
com os órPos de repressio e agiam como infiltrados.
§eeundo o ex -sargento Marival Chaves, o dirigente
comunista do PCB Severino Teodoro de Mello adotou
no porlo o codinome de "Vfrúdus... MeDo tem hoje 72
anos, é dirigente do PPS, o herdeiro do PCB, e nep
envolvJmento com a repressio. Chaves diz que as
inf~ de Mello, no inicio dos anos 70, penniti-
ram ao Exérdto dizimar o ComitA Central do PCB.
Segundo Chaves, o médico Luclano Siqueira, do
Comité Central do PC do B, era secreürio-pral do
partido ern Pernambuco quando virou informante, em
1973. É acusado de delatar e, eleito deputado estadual
em 1982, relatar a~ dos parlamentares do PC do B
que disputavam elei~Oe& pelo PMDB. Siquelra nep as
ac~. Outro que fu hlstória no ExércHo foi o
pediatra Joao Henrique de carvalho, o ..Jota", de BraU-
Iia, lnmtracro na ~ Libertadora Nacional, a ALN. Era
táo eficiente que chegou a ser citado como informante
modelo. Os militares o seguiam nos encontros com
militantes que depols eram exterminados. Suas dela-
~.a partir de 1973, podem ter levado vinte pessoas
a morte. "'Nao me aw 'ependo", diz. Mello e Siqueira
viraram cachorros depois de presos. e torturados. Joio
Henrique se entregou espontaneamente.

cm faz.er a análisc de informa<;oc~. Eu liu douwr Jairo. que conhc¡;o só pelos codi- Paulo. Depoi de interrogado. ele assinou
os dcpoi menlo:; de presos polílieos loma- nome:.. un1 contr<llo dt: lrnbalho e recebeu uma
dos sob lortura e examinava as informa- importíincia em dinheiro. Nilo me lernbro
~ócs e nviadus pelos nossos infi ltmdos no VEJA - O senlwr crmheceu algum quanlo.
PCB. na ALN. no PC do B ~ nu VA R- infiltrado?
Palrnurcs. Tambérn fazii:l cole1a de d;1clos, CttA~ - Conheci v5rios. Sevcrinu Tc<r VEJA - Cm"'' fm' ll c,:(H)pTllr;iio de Lucicmo
ínvesliga\<OeS, vigiláncia e escuta Lelefo- doro de Mello, do PCB. Joao Henriquc tle Siqueim. do PC dn B?
nica. Qnem coordenava o. cachorro. era Perreirn de C.'l!Valtto, o "Jo1a'', da A LN. CHAvES- Luciano virou cachorro numa
um olicial. Tivemos o doulor Pulrício e o Sabia lambém de lrés infi ltmclo!> do PC do opemt;Jo do Cenlro de l nfonnac;Oe.~ do
B. Eram o Luciano Exércflo em Pernambuco. que visnva des-
Rosn de Siq~•ciru, u munlelar a A;;ilo Popular, a AP, e o pr6prio
advogado Hamihon PC do B. Nessu oper~o. ele foi preso.
pendéncias militares. de Fr.m~a e o médi· torturJdo e virou inliltrudo. Em 1977. quml-
Em buKa da ir ma, Ku- co Fi úza de Mello. do o gcneml Sylvio Frot<1 foi dcmilido do
clnski vJajou até para Todos tr<•balhavam
Nova York, onde en- pnm o Exército.
trou em contato com a
CIA. Certa vez foi e Jt- VEJA - Como se
to r q uldo e pagou c.:o11.vem:ia e:.·se.r mi· "Amputavam as
25 000 dólares a m ili- 1itcmtes a fi¡u rem
tares em troca de infor· espionagem pltrtJ o falangetas,
mac;óes. Eram falsas. Exérciro?
"Enquanto o corpo nio CHAVES - Nt\o amarravam as
é encontrado, a famifla havia um modelo.
nao consegue se livrar Teoúoro de Mello. pernas e
do sentimento de culpa por cxemplo, foi
e faz qualquer coisa pa- prc..'iO em 1974 e le- esfaqueavam a
ra saber o que aconte- vado paro ltapevi.
ceu", diz Kuclnski. De lá. foi tmn Ferido barriga. O corpo
para outro cárcerc.
na citladc de Siio nao vinha a tonan
VEJA. 18 DE NOVEMB RO, 1992
Ministério do Exército. o Centro de lnfor-
A masmorra dos esquartejados m~ do Exército abandonou todos os
cach<>rros e só restabeleceu contato com eles
Na aprazjvel cidade serrana de Romeu é uma das raras sobrevi- em 1982 Participei desse recontato, que foi
Petrópols, no Rio de Janeiro, o ventes da casa de Petrópolis. Em chefiado pelo Paulo Malhaes. Nao estive
Centro de 1~ do Exérd- trM meses de cárcere, Inés foi pessoalmente com Luciano, mas sei que ele
to lnstlllou no inicio dos anos 70 atendda quatro vezes pelo méd"t- morava no bairn> Janga. próximo a Olinda.
um centro de tortura e extemú- co Amlre. Lobo. Numa delas pa- Pernambuco.
nio. Era uma casa de paredes da- ra costu,... o pulso, que cortara
,_, tr6s quartoa, sala, copa e tentando suicidio. Segundo Cha- VEJA - Que ripo de iliforma~iio os ca-
cozinha, para onde erarn envia- ves, lideres esquerdistas pauao dlorros passal'am?
dos os presos condenados il mor· ram pela casa de Petrópolis. Ele CHAVES - O Luciano Siqueira fez várias
te. Seaundo o eK-s&1'8ento Mari- sustenta que o deputlldo Rubens tarefas. Foi ele quem pcm1itiu a prisao de
val Chaves, era comum os mortos Palva morreu all e teve seu corpo muita gente da AP e do PC do B no
ali serem cortado& em vários pe- esquarteJado. Preso no sul do Nonles\e. Em L982. quundo o PC do B
~. embalados em sacos e • • pals e levado para lá, o comunista esmva ~ando candidatos a depurados pelo
terrados em lugares diferentes. David Capistrano também morreu PMDB, el.e fez relatos det:alhados sobre
A ex-terrorista Inés Etienne ne&NCIItiL essas reuni5es. Quando esrava em Sao Pau.-
lo, participando de reonioes do partido. ele
era coordenado pelo coronel Enio da Silvei-
ra. Já o Tcodoro de Mello, do PCB, foi
quem elucidou uma série de dúvidas durnnte
a ~ Radar. Ele ajudou a identificar
muita gente que só conhecíamos pelo nome
de guerra. Com isso. descobrimos que era
gente graúda, da d~ao do partido. Mello
foi um divisor de águas. A partir de suas
irúonnar;Qes, foi possível prender. tortumr e
assassioar vários comunista.;,

VEJA- OCIE dava algron tipo de prore-


f80 aos cachorros?
CHAVES - Claro. As vezes até os compa-
nheiros dos cach.orms se beneñciavam dis.-
so. Dou um exemplo. O A.lanir Cardoso. ex-
preso político, até hoje diz que Luciano
Siqueira niio ern intiltrndo porque nao con-
! tou que t:inha um encontro com Manir
e marcado para o dia seguinte asua prisao. Só
~ que se prcndessemos Alanir ficaria evidente
~ que Luciaoo ero um infiltrado.

VEJA - MliS .nao ha l'ia seguranr;a clirrua


pam os cachorros?
CMAVES- Havia. Em 1975. Teodoro de
Mello viajou aoompanhado por urna equipe
de agentes do Destacamento de Opera~
de Lnf~. chetiada pelo coronel Enio
da Silvei:ra, até Rivera, no Uruguai. Fiz.
contato pessoal com Mello durante o rrajeto.
Sozinho.. ele poderla ter problemas oom
au1oridades no sul, já que era procurado por
todn parte.

VDA - Niio seria mais prático deixar


Mello 110 Bms-il?
c:HAVES - Ele tinha de sait do paí
porque nessa fase o PCB estnva sofrendo
muit:as baixas em ~ da repressao. Era
perigoso que ele continuasse no Brasil. Ele
era infiltrado do Destacamento de Opera-
~ de l llfon~ e poderia ser preso por
um outm 6rgiio, como o Cenimar, da Mari-
nba. ou o Dops. Na Argentina, ele se
encontraría com o dirigente comunista Ar-

28 VEJA. 18 DE NOVEMBRO. 1992


mando Ziller e depois iria para a Uniíio "Montenegro foi Exircilo que costuma110 tratar dcs ranura-
Soviética. Em Moscou. trabalhou como se~ dos. garome que ate11deu Rube11s Paiva no
cretário de Luís Carlos Prestes, sccretári~ morto coma quonel da Polfcia do Exército do Rio de
geroJ do partido, e chegou a mandar de lá Jmreiro...
cartal para o coronel Enio da Silveira.
inje~ao. Depois, ClAVES- A ex-gucmlheúa Ines Etienne
relmnndo os planos dos dirigenteS comunil - já desmentiu Amilcar Lobo. Ele pode ter
ras brasilei ros. agentes do DOI viSto Rubcns Paiva vivo na Polícia do
Ex.ército, mas ele morreu em Petrópoli .
VEJA - Havia algum cachorro que lroba- foram a sua casa Todo mundo sabe que Amilcar Lobo aten-
/hasse tilo bem a pomo de sen lir come dia os torturados na casa de Petrópolis.
mndelo? para roubar os Além di so, duas pcs.~ru paniciparam do
CHAVES - Sim. o Joao Henrique de cpisódio Rubens Puíva: os irmfiOS Jacy e
Calvalho, o "Jota''. Ele deu o tiro de 60 000 dólares" Jurandyr Ochscndotf e SOU7A
misericórdia nn ALN e em ootr<C> org.utiza-
~ que tinham li~ com a ALN. Por VEJA- É verdade que alg1uas desapareci-
seu trabalho. Jota era citado pela amiga dos fornm elllerrados numo fnzenda em Rio
Escola Nacional de Infonnar;Oes como m~ sobre a mane do jom a/isla W/adimir Her- Verde, 110 interior de Goiás?
cielo de infiltrado. :og, em / 975? CHAvu- MM:io Beck Machado e Ma-
CHA.w:s- Quem JX)dc esclarecer rudo ria Augusta Thomaz, ambos do Movimemo
VEJA- Jota confrib11iu diretamenle paro sobre a morte de Herzog é o major André de Libertai;OO Populur. o Molipo. fonun
a monede alguns de seus com¡xm/reiros? Leite Pereim Fllho. Ele era o cbefe das mortos e i!nterrados ouma fazenda de Rio
CHAVES - Sem dúvida A delac¡:OO dele equipes de inrerrogatório. inclusive da que Verde. Grupos de diroitos bumanos estavam
pemtitiu n etimi~ de pelo menos urnas matou Hermg. próximos de cbcgar ao local onde eJes
vinte pessoas. Ele é responsável pela morte estavam enterrados. Mas o Cemro de Jnfor-
de Anlónio Bic-..tlho Lana e sua mulher. . VEJA - O se11hor wbe o paradeiro d<J ex- ~Oe.s do Exército soube da atividade dos
Sórúa Moraes. Também delatou lssarni deputaclo Rubens Paiva'l grupos de dircito humWlOS c. através do
Okano, da ALN. A panir de 1973. Jota CHAVES- Ele foi levudo por um destaca- major Leite Peroira. montou uma equipe
delatou todos os comandos da ALN. Foi por mento do l Exército para a casa de Pe!l'6po- para desente!Till' os cadáveres e sumir com
causa do scu tmbalho que Wilson Silva e lis. ondc o mataram, Usaram o método de os corpos. Só o major pode dizer onde os
sua mulhcr, Ana Rosa Kucinscki, fomm cortar o oorpo ao pedal;os e enterrar em dois estiio hoje.
preso . tonumdos e mortos. locais diferentes.
VEJA- Hc1 muita menlira sobre o destino
VEJA - O senhor tem a/gr~ma ilifonnar;iio VEJA - Mas Amilatr wbo. o médico do de presos poUiicos?

A confirmacrao do fim no aniversário do neto


o comansta potiguar a mis&il". Fattou ao primeiro soa mals alegre da noite, Hr.n foi eleito deputa-
Hlram de Urna Perelra e, perto do sepndo, a casa era seu pai. "Nin&uém en- do eonstituinte em
foi perseguido por qua- de Célia foi invacida por cin- tendia por que eu me emo- 1945 pelo PCB. Doi5
se todos os &Q11emos co homens que a levaram ao.v. tanto c:om ele", re- anos depols, o l&1ido
brasileiros ao longo da para o DOI-Codl, onde fol lembra Zodja. foi coloc:ado na ilepli-
5WI vida, mil$ quando torturada. Alnda asslm, a t. Jornalsta, poeta e artista, dade. Em 1961, foi se-
desapareceu, em janel- mAl só se convenceu de qüestrado pela policla •
ro de 1975, aos 61 que Hiram nio voltaria flcou detldo durante
ano&, sua famila pen- quando faltou ao tercelro dez eRas, depols da re-
sou pela primeira vez encontro, no dla 27 de J• núneia de .linio Qu&-
no pior. Diri&:ente do neiro, anivenário de 3 anos dros. Em 1965, caiu na
PCB, ex-secretário de donetoHir.-n. lleplldacle. Consegulu
Admlnla~ de Mi- lsao nunca acontecia. Em sobrevlver dez anos.
auel Arraes na prefeitu- 1964, esconcldo no Redfe, Desde 1975, secundo
ra do Redfe, Hlram Pe- Hlram a..-eceu sem avisar o ex18f'Kento Marival
reira vivia separado da no trabalho da filha Zodja só Chavea, seu COf'PO está
mulher, Célia, das qua- para cumprimentá-la pelo no fwldo de um rlo, em
tro filias e do& seis ne- 18' anlverúrto. Sel& anos A..-6. Zod)a dlz que ji
tos ..... resguardá-los depois, ji em SAo Paulo, qulseram lhe contar
no caso de ser~ chegou de .....,..... ao ca- quem dedurou seu pai.
do pela repressio. Em samento da fllha. Como m. M• ela nio está inte-
1974, passou o Natal guém o conhecia na cidade ressada. '"Nio quero
com a familia e IIB'COU e o resto da famila ainda earregar o sentimento
tréa encontros com Cé- morava no Redfe, os nolvos de ralva pela vida que
lia, e avisou: "Se eu n1o eram os únicos que sabiam meu pai fez questio de
aparecer, manda rez. que aquele homem, a peso doar 110 país."

VEJA, 18 DE NOVEMBRO, 1992 19


CHAVES - Acho que nunca se men1iu VElA ·- O que emm esses temrinlros? acllar que cstavam salvando o país do
!anto nem se comeleu lanla atrocidnde. CHAVES- O preso morto er:.1le'll<ldo para comunismo.
Há inúmeros exemplo.. A reprcssiio fe~: u•n local público. om.le equipes do DOJ
noticiar que Joiio Bal istl! Fmnco Dru- simulavam um til'Oteio com mortcs. Na hora VEJA - Cama u senhar se l 'l!lllia diwue
mond.. do PC do B. morrera num alrope- de levar o ..corpo.. par:l o IML. faziam-se as disso?
lamento. Menlim. Ele morreu no Depar- · ubstil ui~Oe.o;. O agente que se lingiu de ·CHAVES - Mui1o mal. Cheguei a P'.tl sur
tamento de Operac;:6es de lnform:uyOes do mono era subsLilUído pelo corpo do preso. muii:Js noites sem donnir. Mas procumva
n Exérci1o. Foi tonurado, escapou da No IML. o lcgist<J H<UTY Shibata e outros levar umn vida nonnal. Anol<Wu alguns
segura n~a. subiu numa torre de trunsmis- legali:t_avam a morte em combare. relatos cm folhas de papel e fíc-ava pensando
sii.o e de lá voou para a mortc. Eduardo no dia em que conmría tudo. Eu erJ um
Lcite. du Atrilo Libertadora Nacionul. foi VElA - Ncio hal'ia em re os agente.~ algum homcm ocuado. Nilo tinhu. amigos e niio
preso cm 1970 pela equipe do delegado Cói/U!llltÍrio de re¡ní-
Sérgio Paranhos Fleury e ficou na casa da dio a essa motOilfCI,
mortc de Si.io Conrado. Depois. lo i tran - algumo indigllaftio? Prisao no café da manha
fe rido para Sao Paulo e assassinado. Para CftAVES - Pelo
de piswr. tizeram um temrinllo. contrário. Os co- Na manhl do dla 15 de Costa era o aposentado M•
me nl á ri os eram Janelro de 1975, o res- noel de Souza Comes.
ufanistas. No caso ponsável pela área de "Nio se rnetam porque isso
da prisii.o de Anlo· ~ e propaganda aqui é problema de contra·
nio Bicalho Luna do PCB, Elson Costa, de bando", avisou um dos su-
"Rubens Paiva houve vibm<;ao. Na 62 anos, fol tomar o café postos pollcials. Segundo o
repress.1o cxistiam no bar ao lado de sua ex-sargento Marfva1 Cha-
morreu em dois tipos de pes- casa, no bairro de Santo ves, Costa foi assasslnado
soa. O primeiro, Amaro, em Sio Paulo. e seu carpo jogado no rlo
Petrópolis. com vocay:.io para De chinelo e bermuda, de Avaré, em Sio Paulo,
matar. inspir.tdo pe· nem se preocupou em em 1975.
Participaram do lo ódio. O outro. trancar a porta. No bar, Um ano antes, Costa
nao tinha voca~ ao seis homens lhe deram mandou a mulher, Aglaé,
episódio os irmaos par..L o crime. mas VOZ de prisio. AJpns vi- morar com parentes em
eslava impregnado zinhos ~ram pro- Goiinia. Sua prisiio foi in·
Jacy e Jurandyr pela doutrina da se· te&tar. Para eles, Elson formada aos irmi os no
g uran¡;a n:tcional.
Ochsendorf" Esses mutavam por
vr.:1 IR n¡:: NOVJ!M RRO 100 :>
A história do jomaista Waldimir Ker- e outras v.;edades de 8ftOes le-
ZQ&, o Vlado, é o caso mais conhec:ido pis faziam dele um dos ofic:iais
entre os de presos políticos mortos nos mais respeitados do órPo- o coro-
por6es da ditadan .,..__ Em ~ nel foi um dos fWidadores da ()pe-
deste ano, o ex-ca'Cefelro Pedro Ant6- ~ ~.a Oban, finan-
nio Mira Grwlderi contou ter sido o dada por empresários de Sio
último a interrog¡w Vlado, no ella em Paulo, e ~ al&uns dos
que ele apareceu morto numa cela do principais grupos de esquerda. '"Ele
DOI-Cod de Sio Paulo, 25 de outubro foi um dos lídents na montapm
de 1975. Segundo o ex-agente de in- dos cárceres privados"' afirma o
~~ Marival Chaves, GnwM:ieri ex-agente M..m.l Chaves. Com
curnpria ordens do entio tenenfe.coro. problemas famllares, Slveira suici-
nel André Leite Pereira Rito, que c:he- dou-se com dois tiros no COI'alj3o
flou as equipes que faziam iute.-roptó- em 1986. Ouwes destaca outro
rios entre 1972 e 1975. 'IEJe pode nome de iniPQI1incia entre os mais
responder pela morte de Henog", afir· temidos cbefes no esquema dan-
ma Chave&. Perelra Flho altemava dois destino de tortura e morte, o do
papéis, o de torturador implacável e o coronel Fred Perdl,gio, do Centro
de bonzlnho, quase cúmplice do preso. de lnfol n1890es do Exército. EJo de
Versátil, Pereira F"lllo era batido em ~ com o Destacamento de
~ pelo coronel tnio Pimentel ()perafrOes de 1~, ~
da Slveira. Disdpulo do delegado do gio fazia a transfeÑIICia de presos
Dops Sérglo Pa a .:,OS Flewy, Si1veira de SAo Paulo p¡n a casa de horro-
acabou superando seu mestre. PrisOes, res de Petrópoli&, no Rio de Janei.
tortura, escuta telefónica, inteocep~ ro, e controlava seu PI óprio canl de
postal, martes, ~ de cadáveres inlilbados em grupos de esquerda.

podía desabafar scqucr com minha mulller. tuvets na área de infomm<;ao. Com os Sao PauJo para PeU"Ópolis. Ele participou do
Ao acordar. enfrentava a mcsmu rot:ina. Ert~ comandados. era aré genti l. Mas quando desapurccimcnlo de Ana Kucinski e Wilson
um horror. queria, cm duro e enérgico. Suicidou-se em Silvn.
1986. O coronel Paulo Malhiies. que chcfia-
VEJA - Como se ctHIJponavam os que vu conlatru t:om os infiltrndo. . rewva pela VEJA- flm'iltllm JKICIO de sile11cio emre 1
tvmumdavam a repres.wio '! Eram (JeSstKIS mesma canilhu. Ele esteve no Chile. onde malt.ulore~· e Torturadores?
violemas no dicl-!t-tlia! intcnugou e 1onurou bn1sileiros e chilenos. CHAVES - Depois de ~:ada caso. na hom
CHAVES- O coronel Énio du Silveira.ern J~í o coronel Fred Perdigiio, que pcncncia ao c.lo uln"J<X;o. e durante viagens em qurutos de
exll'Cm:uncntc violento. Para ele, a doulrina Cemro de Lnfonm~Oc.-; do Exército desde a hotel. os agentes comcnluvam o que linha
de scgu r.m~a n;JCionaJ estava acima de qual- sua ép<:X:<l de capiliio, 1inhu innuéncia sufi- oconido. ~ conversas cram simulada" e
qucr coisa. Ele tinhu cun;o de lodos o. ciente no pomo pum viver levando presos de ninguém dizia claramente: eu marei.

mesmo dia. "Com~mos a sa o desaparecimentop dois recimento. Na ficha de


procurá-lo horas depols", homens foram procurá·la Elson Costa constava
lembra Zallda Sotua~ uma as Sh30 da manhi. A&laé que ere terla sido se-
das irmis de Costa, que até tlnha viajado. Durante me- qüestrado por compa-
hoje o chama pelo codino- ses, a familia atendeu a te- nheiros do PCB. Cinco
me "Maneco". Com Aglaé, lefonemas com voz de ho- anos depois do sumi~
ela tentou encontrar o ir· mem que pediam para talar de Elson, a familia ob-
mio no DOI de Slo Paulo. com Elson Costa. "Queriam teve na Justi~a um
"Quando perguntamos do dar a lmpressAo de que al n- atestado de morte pre-
E1son, u m coronel respon· da o procuravam", diz Ar- sumida. " Sempre tive
deu que o Exército também naldo de 5ouza, marido de um pouco de esperan·
estava procurando por ele", Zailda. ~ de que ele podia
conta Zallda, ,.que era me- Há um ano, quando o go- aparecer vivo'', diz ZaU-
lhor que a gente o encon- verno do Paraná abriu os da. ' 'Depois desses
trasse prlmetro." arqulvos do Dopa local, a anos todos, é triste ter
Dias depois, quando familia encontrou a única de parar de acreditar
a
A&laé denundou lmpren- referéncia ao seu desapa- nisso."

VEJA. 18 DE NOVEM BRO. 1992 31


A verdadeJra histórill da guen-a de cada péglna, ..ota a lápis nomes e
suja entre terroristas e setores das codlnomes de torta.adores e presos
Fon¡as Annadas dtr.lllte os gover. políticos que identifica. Um dos prind-
nos miltares ~ a ser conta- paia responsáveis pelo projeto Bnt511:
da em 1979, quando ganhou c:orpo Nunu Mais, o pastor presbiteriano Jai.
a prlmeira fase do pro)eto Brasil: me Wrlght. l'nnlo do deputado Paulo
NUIICll ltfals. Em 500 rolos de ml- Stuart Wright, assa$Sinado em 1973,
crofi lllle, o projeto reuniu os mais tomou conhedmento de detal1es da
dramáticos depoimentos já feitos entrevis1a do ex.aeente do DOI. "É a
sobre a realidade dos pori)e& do primeira vez que um ex-agente da re-
regirne m._., com lncontestável presslo resolve eonw o que sabe em
proc:edénda. Todas as narrativas detalhes", observa o pastor....sso tem
sahm de 707 processos de pre- um valor ines~ p¡ra a História."
sos politicos em auditorias milita- Para o ex-militante da ~ de U-
res, numa pesquisa que vasculhou ~ Nacional Paulo Vanuchl, outro
mais de 1 mihlo de piginas de dos malores responsávels pelo BrasJI:
documentos ofidais. O projeto ren- Nunca M.lis, a entntvista pode abrir
deu doze volumes, dos quals dois novos camlnhos para familias que nio
foram publcaclos pela ecfttora Vo- oonhecem o destino de seus mortos.
zes. Eles transcrevem depolmen- "É um relato lrnpressionante", aflnna.
tos de esquerdistas, identifk:am Vanuchi aa-edita que, a partir do depoi-
torturadores e listam os nomes mento de Chaves, a Comlssio dos De-
dos desaparecidos. saparecidos da prefeitwa de Sio Pau-
O ex-sargento Marival Chaves lo, coordenada por Suzana Lisboa e
aparece no Brasil: Nunca Mafs co- lvan Seixas, pode pedir uma investiga-
mo um dos encarrepdos de fazer ~ ofldal nos rios onde Chaves afirma
cifldndas contra o pupo ~ terem sido jogados os carpos de vários
fa VAR-Palmares. Chaves fez do desaparecidos. USe apenas um osso for
primelro volume desse trabaiiO encontrado, já será um passo no cami-
seu lvro de cabeceira. A na-gem nho da verdade", dlz Vanuchl.

VEJA -Nenhum ageme ameafOU .sair do do acordei eslava envolvido. O próprlo VEJA - O stmlwr acha que mió se
E:rércíro e comar tudo ? sistema procumva comprometer os envolvi- comprome1eu?
CHAVES - O sujeito que dur.mte a repres- dos. O medo da repressao era muito grande. CHAVES - Se tivesse matado alguém
siio tcnlaSSe se afasw eot.ria o risco de ser Eles criavam sfmbolos na própria fo~ para nao faria este depoimento. É claro q ue
justi<;ado. Um agente, que conh~ s6 pelo mostrar que ninguém poderia reagir. Matar meu trabalho. e af farro mea-cul.pa. con-
codinome de ··Júnior'', foi ufastado da ~o o capitiio Carlos lamarca, por exemplo, tribuiu muito para causar esses males.
de investiga¡;Cies por tentar extorquir dinhei- foi questao de honra. Por isso. da mesma Há pessoas honestus que participaram
ro do jomalista Bernardo Kucin ·ki. jnnao forma que cu. muila gente acabou ficando. du repre ·sao e nao concorduvam com
de Ana, cm troca de infonn~ sobre o apesar de discordar. Em 1985, semi que aquela violéncia insana. Mas até hoje
paradeiro delu. A ~o de investig~o ern hora de me afa~ta r porque os govemos nao tl!rn coragem de contar o que sabem,
pensou em justi<;:á-lo porque ele disse que militares tinham chegado ao fim. Era a que a única lei do porilo era a barbárie.
iria procurdT a Comissao de Justi~ e P.<IZ de hora de me afastar sem me comprometer.
Sao Pauto para denunciar faros sobre a VEJA - O senhor se c:onsh/erc1 um
subversao. democrata ?
CHAVES - Nosso país só será grande
VEJA- Por que o senhor reso/ve¡t falar? vivendo urna profunda democracia. Eu
CHA.VES - As atividadcs de combate a "0 major André estive dentro dos por6es da repressao e
subversao aos poucos foram me dando nojo, ei o que uma ditadura angrcnta sign i-
eojóo. náuseas. vómitos, tudo que voce pode Leite Pereira Filho fica. E espero que esse depoimenl.o con-
inmgmar. Eu vta as coisas arontecerem, triboa para o aprimoram enm da demo-
discordava e nño podia me manifestar. O era o chefe da cracia.
regulamento d isciplinar do Exército era
muito rigido. Existi~ ainda a nonna ger.tl de equipe que matou VEJA - Se uma errJidade de defesa dos
~iio. que impedia o integrante do órgao de direitos lwmano o proc;~ rar para fa-
infon~o de se manifestar ou discutir urna Herzog. Ele pode lar ~-obre des(lpared dos, o se11/ror irá
ordem. Se dcixnsse de cumprir, oconiam colaborar?
puní~ e, em seguida. a pecha de contrário
responder pela CitAVES- Estou d isposto a ajudar e m
?.! RevoJUI;ao de 64. Nao fui fonnado pam todos os sentidos. Quero prestar um ser-
esse tipo de atividade. Fui cooptado e quan- morte de Herzogn vir;o ao pafs. •

32 VEJA. 18 DE NOVEMBRO. 1992

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