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Ser Mórmon é, antes de tudo, uma ilusão

O conceito de felicidade é muito particular. Quem pode dizer que somos ou não felizes além
de nós próprios? Tive muitos momentos de felicidade na seita Santos dos Últimos Dias. Tudo o que
a igreja me oferecia, a diversão, as amizades, a espiritualidade, a cidadania, me fazia ter certeza que
não precisava de nada além na minha vida. Era completa! Desfrutava do privilégio de ser membro
da única igreja verdadeira, era uma moça admirada e requisitada para cargos que envolvessem
responsabilidade, uma digna representante do jeito de ser Mórmon. O slogan “Ser Mórmon é ser
feliz”, se aplicava muito bem a mim.
Além disso, tinha muitas amizades. Ser membro de uma religião tão invasiva, faz com que
você entre constantemente na casa de pessoas e vice versa. Nas datas mais importantes da sua vida,
são os Santos dos Últimos Dias que estão presentes. A sua família! Você enxarca seus eventos, suas
festas, suas comemorações com pessoas que mal lhe conhecem, mas que por uma questão de
proximidade religiosa, passa uma percepção que são pessoas íntimas, seus amigos. Posso citar como
exemplo meu casamento. Quase 80% dos presentes eram SUD’s. Pessoas que hoje não tenho
contato algum, não são meus amigos, pois a relação se pautava, na verdade, na ilusão do convívio
semanal, confundido com amizades. A fragilidade das relações despontam para os dois lados.
Quando saímos da igreja, há um desinteresse de ambas as partes para manter vínculos de amizades
frágeis. Que não suportam a mudança de percepção sobre a seita e uma crítica severa à religião que
lhes são tão cara.
Nesse sentido, poucos ficam. Pouquíssimos. Você não carrega nada daquele ambiente. Todo
tempo desprendido em estudos religiosos são pautados em informações manipuladas. As centenas
de treinamentos só fazem sentido ou lhe dão alguma vantagem naquele ambiente controlado. A
maior parte das “habilidades” desenvolvidas são, na verdade, de interesse da seita e não lhes
servirão de nada quando você sair dela. O sentimento de tempo perdido é quase sufocante. Imagine
desprender anos e anos em assimilar uma causa mentirosa. Nesse ponto, só quem passa pelo
“despertar”, que também chamo de olhar com sinceridade essa religião, conhece! Não tem como
uma pessoa de dentro conhecer o sentimento de está aqui fora de olhos abertos. Quando os
elementos fantasiosos e distorcidos da realidade se desfazem na sua frente, você precisa lidar com o
fato de que sua vida foi orquestrada por aspectos irreais. Não se iludam! Antes das amizades, vem a
igreja! Lembro de uma amiga, que após minha saída da igreja, se recusava a ler meus textos e quase
implorava para não dizer que estava perdendo seu tempo naquela instituição, o que era respeitado.
Esse desespero para não lidar com a realidade vem do conforto que o pertencimento a uma
religião traz. Porém, na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, muitos membros que
certamente não compactuam com ideias racistas, machistas, criminosos, fazem vista grossa para a
realidade de que esses mesmos aspectos estruturaram sua religião. Em pleno 2023, em uma pequena
busca na internet, até mesmo em fontes oficiais da igreja, está tudo exposto sobre o que foi essa
religião em seu início. Sabem que a igreja atende a interesses empresariais, antes de espirituais.
Mas, surpreendentemente, são exímios em dar desculpas para tudo. Temos o nosso próprio
repertório de desculpas para nos manter nesse lugar confortável que a seita nos dá. “Deus sabe de
todas as coisas”, “Era um propósito de Deus”, “No Milênio todas as coisas serão descobertas”, “A
igreja é perfeita, os homens não.” e por aí vai. Sempre retroalimentando a máxima de que o
importante é não perder o testemunho e não nos afastarmos.
Olhando para trás, vejo a pobreza que era minha felicidade. Uma felicidade limitada aos
espaços que a igreja permitia. As relações condicionadas por ela. Caso isso fosse burlado, havia
muita culpa. Como dizia na minha benção patriarcal “Para onde você vai, senão aqui?”. Uma oferta
de vida perfeita que não existe. Pura ilusão. Quando você cai em si, percebe que não é melhor do
que ninguém, mais protegido, mais amado. Você só é mais um. Sua religião só é mais uma dentre
tantas. Não há nada de especial em você.

Obs. Em uma seita, há dois tipos de comportamentos em relação a saída de uma membro. Quando
ele sai por uma “fraqueza”, mas ainda mantém laços emocionais com a religião, o tratamento é o de
buscar sempre essa pessoa, bajular, mandar mensagens bonitas e de encorajamento ao retorno.
Quando você sai da seita ciente do que lhe levou a “decepção” há um esquecimento da pessoa, que
antes era admirada, passa a ser questionada, julgada. Há um esforço em deturpar a honra do antigo
membro, para que não seja motivo de levar outras pessoas ao mesmo processo.

Obs². Em 2002, quando entrei no mormonismo, quase nenhuma informação real sobre a igreja era
disponibilizada. Havia uma proteção de dados sobre os eventos históricos, que tornava quase
impossível o questionamento da seita. Hoje, para se ajustar a divulgação paralela de assuntos
referentes a seita, a mesma disponibiliza, de forma tímida, aspectos reais sobre sua história. Em
livros oficiais da religião, encontramos as pautas do racismo, poligamia, maçonaria, entre outros.
Mas, não esperem um pedido de desculpas ou retratação histórica. A abordagem logo é seguida das
mesmas desculpas as quais me referi no texto.

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