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Revista: Estudos & Pesquisa em Psicologia (Qualis A2)

Título: Considerações sobre o luto diante da privação do corpo

Resumo: Os resumos devem conter de 150 a 200 palavras, espaço entre linhas simples e com
alinhamento justificado. Não devem conter citações e nem abreviações.

Palavras-chave: - Fornecer, após o resumo, de três a cinco palavras-chave (em português, inglês e
espanhol), com iniciais minúsculas e separadas com vírgula. Para utilizar descritores mais adequados,
consulte a lista de terminologias BVS-Psi que pode ser acessada pelo link:
www.bvs-psi.org.br/php/index.php. Obs.: Os termos “Palavras-chave”, “Keywords” e
“Palabras-clave” devem estar em Itálico.

Abstract:

Keywords:

Resumen:

Palabras-clave:
1 Introdução

As perdas e as vivências provenientes delas são recorrentes para a humanidade. Seria


uma tarefa impossível encontrar alguém que não tivesse passado por um período de
enlutamento em algum momento da vida. Isso se dá pelo fato de que as perdas estão
imbricadas à existência humana e a ruptura dos laços afetivos pode gerar variáveis
sentimentos no indivíduo que considera ter perdido algo ou alguém importante (Costa, 2019).

Nesse sentido, a temática não é nova, contudo, segue atual: o luto e suas implicações
na vida social e psíquica do sujeito. Para além do senso comum, a discussão acerca do
assunto acontece nas mais diversas áreas do saber. Não sendo apenas do interesse da
Psicologia ou da Filosofia, o processo de luto interessa também às áreas da Sociologia,
Antropologia, Saúde, Política, e torna-se também um assunto importante para ser considerado
pela Psicanálise, sendo atrelada a uma forma de sofrimento contemporâneo.

Eu um dos seus mais conhecidos escritos, Freud (1917/2010) discorreu a respeito do


luto caracterizando-o como o trabalho que o indivíduo a partir da perda de um objeto amado
(seja alguém querido, uma posição, ou um ideal) como o processo de desinvestir a energia
libidinal ali antes investida; ou, em contrapartida, um cenário de melancolia em que o sujeito
apesar de identificar o objeto perdido, não é capaz de identificar o que foi perdido.

Tendo em vista essa perspectiva apresentada por Freud, quando nos propomos a
discutir a respeito do luto dos familiares que lidam com o desaparecimento de um ente,
podemos pensar que podem existir as duas possibilidades de lidar com a perda: o luto ou a
melancolia. Em um ponto, os que sentem a perda de maneira paralisante, em outro ponto, os
que tentam de algum modo, fazer o trabalho de luto buscando o reconhecimento do seu lugar
de sofrimento, em alguns casos reivindicando-o socialmente por meio de movimentos sociais.

Refletimos que as barbaridades resultantes de crimes que ocasional no


desaparecimento de alguém podem suscitar um estado melancólico; entretanto, na escrita
deste texto, opta-se por pensar o luto dos familiares ao invés de um estado melancólico,
evitando, talvez uma análise selvagem dos envolvidos. Sendo assim, utiliza-se como material
de pesquisa livros e artigos que contam a respeito do caso dos meninos emasculados de
Altamira que aconteceu no entre o final da década de 80 e início da década de 90 no interior
do Pará.
Na psicanálise, compreende-se o luto é vivido pelo sujeito diante de todas as perdas
de objeto em que havia energia libidinal investida (Edler, 2012). Freud (1917/2010)
caracteriza esse processo como um trabalho de elaboração que envolve, a partir da percepção
da perda do objeto amado, a retirada da libido investida para investi-la em um novo objeto.
Não se trata, contudo, de um processo mecânico, operacional, como se fosse possível ter um
manual com um passo a passo. É possível que haja intercorrências que dificultem o
desinvestimento de energia libidinal e, por consequência, a elaboração do luto. É pensando
nisso que se considera como objeto de estudo o processo de luto dos familiares dos garotos
que desapareceram no contexto do caso dos meninos emasculados de Altamira.

O contexto envolve um caso que tomou repercussão nacional: Entre 1989 e 1993
vários garotos foram mortos e/ou desapareceram no município de Altamira. Em comum, a
faixa etária e a situação de vulnerabilidade social. Os corpos que foram encontrados estavam
emasculados. Oficialmente seis corpos foram encontrados, três garotos sobreviveram e sete
desapareceram, porém essa contagem é incerta uma vez que há informações de garotos que
apesar de terem desaparecido, as queixas não foram registradas na delegacia por motivos
diversos (seja por descaso policial ou iniciativa da família). Essa pesquisa é então
direcionada no esforço para compreender o luto dos familiares dos garotos que
desapareceram, tendo em vista que foi negado a esses familiares os meios comuns para a
objetivação da morte que poderiam promover a convicção do fim da vida, seja a comunicação
da morte, o acesso ao corpo, e o ritual funerário.

Esses rituais de despedida frente a morte são determinados por aspectos culturais que
mudaram no decorrer da passagem dos séculos (Costa, 2019). Desde o período “a idade da
pedra” havia uma preocupação dos sobreviventes a respeito da responsabilidade de cuidar do
morto para que este pudesse fazer sua viagem ao outro mundo (Kellehear, 2016). Foi só a
partir do século XIX que os corpos dos mortos passaram a receber um tratamento diferente –
deixando de ser responsabilidade da Igreja para ser responsabilidade da família (Costa, 2019).
Passa-se a perceber a morte como uma ruptura que envolve diferentes encadeamentos desde
sociais, financeiros à emocionais (Kellehear, 2016).

A notícia da morte e a vivência dos rituais fúnebres são evidências concretas da perda
(Fustinoni & Caniato, 2019). Sendo a morte um destino certo, há também a necessidade
de dar destino ao corpo. Há variações desses rituais, significados e processo de enlutamento
que se adequam conforme a cultura de cada grupo social e a conjuntura da morte (Costa,
2019). O contexto cultural promove certos códigos culturais possíveis para a organização de
rituais fúnebres, que envolvem o modo como o corpo da pessoa falecida será tratado, as
homenagens e cerimônias de despedida e, ainda, a cremação ou enterro (Souza & Pontes,
2016). Essa ritualística social é fundamental no processo de elaboração do luto, colaborando
para a percepção simbólica da morte e a elaboração do luto. O luto significa um status de
memória para os mortos.

A busca por um suporte emocional, como a realização de um ritual fúnebre, é uma


alternativa possível para que o aparelho psíquico elabore maneiras de lidar com as grandes
diante da perda (Fustinoni & Caniato, 2019). Os rituais fúnebres são responsáveis por
inaugurar a etapa inicial do luto, sendo encarados como espaços que demarcaram o início da
elaboração do que foi perdido, podendo, assim, contribuir para a organização psíquica (Costa,
2019). Os rituais, favorecem a resolução do luto e a impossibilidade de se despedir de
maneira adequada de quem se ama pode ser um fator traumático (Roque & Lapa Esteves,
2009).

Tendo em vista casos de desaparecimento, qual as possíveis repercussões de não ter


um corpo? Em que a ausência do cadáver torna mais incômodo o processo do luto? Quais as
possíveis repercussões psíquicas para o sujeito diante de mortes brutais e repentinas que
acarretam a ausência de um corpo? De que modo simbolizar a perda de alguém querido
diante do desaparecimento abrupto e possivelmente violento?

2 O contexto

O município de Altamira é localizado no interior do Pará e cresceu às margens da


Rodovia Transamazônica. Tendo início no estado da Paraíba e chegando ao seu fim no estado
do Amazonas, essa rodovia atravessa o estado de Leste a Oeste e foi planejada para o
Nordeste e o Norte do Brasil. Sua construção se iniciou entre final da década de 60 e início da
década de 70 durante o regime militar. Seguindo um plano de integração nacional, o governo
da época tendo à frente Emílio Médice, buscou atrair população para a região amazônica sob
a propaganda “terras sem homens para homens sem terra” (Oliveira & Nascimento, 2019).
Localizado nessa região, Altamira tem proporções geográficas significativas, sendo o
maior município do Brasil em extensão territorial. Habitada por população indígena,
colonizadores vindos de diversos estados do país, e população trabalhadora que foi para o
município sob a promessa de emprego e assentamentos rurais. Havia uma série de
dificuldades relacionadas ao transporte – por se tratar de uma região de densa floresta,
grandes rios e estradas precárias, a densidade demográfica era baixa na região. Por volta do
final da década de 1980 e o início da década de 1990, o município recebeu destaque por uma
série de crimes que vitimaram garotos em idade puberal.
As histórias a respeito do caso se confundem em meio a tantos relatos. Inúmeras
testemunhas contam versões diferentes e difíceis de serem verificadas. Dentre as tantas
versões, é falado sobre descaso político, má conduta policial e até mesmo seita satânica.
Nessas tantas histórias, se afirmava haver pessoas de destaque social (empresários e políticos)
na cidade envolvidos no crime o que dificultaria que, de fato, houvesse justiça no caso. De
um lado sujeitos desamparados, do outro lado, poder e violência.
A crueldade no modus operandi chama atenção, uma vez que os corpos encontrados
tinham inúmeros ferimentos. Quanto aos garotos desaparecidos, em alguns casos os
inquéritos policiais constam como inconclusivos e outros sequer tem registro oficial do
desaparecimento – já que a busca era dificultada devido às proporções geográficas do
município e a precariedade do serviço público de segurança.
A partir dessa série de crimes, familiares dos garotos se reuniram em busca de
respostas. A mobilização social estruturada por esse grupo majoritariamente coordenado por
mulheres da região da Transamazônica criou o Comitê em defesa da vida das crianças
altamirenses. O grupo de pessoas que constituiu o Comitê tencionava mobilizar a população,
pedir por justiça e denunciar o desamparo por parte do Estado frente aos casos cotidianos de
violência (Lacerda, 2014).
A condenação de quatro suspeitos de envolvimento no caso aconteceu em 2003. O
Estado também foi condenado a indenizar a família de todos os garotos, uma vez que
transgrediu o dever de protegê-los. Já se passaram três décadas e desde então, os familiares
dos desaparecidos seguem lidando com a ausência e sem materialização da morte dos
garotos. Não houve despedidas. Além de vivenciar com o desamparo social do qual já
conheciam devido à precária situação em que viviam, coube aos familiares conviver com o
luto diante das perdas violentas.

3 Luto
O luto é um processo individual e cotidiano, um período de criar sentido para a
experiência da perda. O luto surge requerendo tempo e energia a partir da perda de uma
pessoa amada ou de uma abstração que ocupe esse lugar, como uma reação de grande
exigência psíquica (Freud, 1917/2010). É importante que esse processo ocorra de maneira
livre para ser vivido sem pressa.

Freud nomeia como Trauerarbeit (trabalho de luto) o processo de elaboração diante


das perdas (Freud, 1917/2010). Com o intuito de furtar-se da vivência da dor, o ser humano
buscou produzir a concepção de permanência e continuidade em uma vida após a morte
(Freud, 1915/2010). O exame da realidade age de maneira a preservar o Eu. Por meio do
trabalho de elaboração do luto é possível, para o sujeito, desinvestir a libido que investia no
objeto perdido para, então, encontrar um novo objeto. O trabalho de luto tende a ser um
processo moroso e progressivo, terminando, após o desinvestimento libidinal no objeto
perdido e a retomada da satisfação narcísica (Freud, 1917/2010).
Nessa concepção, o exame de realidade é parte fundamental do processo de
elaboração do luto. A morte representada por meio da existência/exteriorização do corpo
morto oferta materialidade, viabilizando uma representação. No processo de elaboração do
luto, de modo costumeiro e de acordo com cada tradição, realiza-se um ritual de homenagem
e despedida do morto. Com a morte de alguém, os rituais fúnebres ocorrem como espaço
onde se lida com a concretude da perda, sendo expressos das mais variadas maneiras em
diferentes culturas (Costa, 2019). A ritualística fúnebre pode ser uma alternativa para o
aparelho psíquico lidar com as vivências que envolvem a perda.
A princípio, o luto e a forma como o vivemos é engendrado à cultura (Costa, 2019). O
evento da morte pode ser compreendido de diferentes maneiras, porém, sempre há um modo
característico de cada cultura lidar com os rituais de despedida, e tais rituais exercem uma
função específica para que o luto seja concluído (Maesso, 2017). São momentos valorosos
para expressar sentimentos diante da perda de alguém querido, sendo uma manifestação
pública e comunitária (Costa, 2019).
Há, porém, realidades em que é negada a objetivação da perda, seja pela notificação
oficial à morte, o encontro com o corpo morto, um ritual fúnebre que instaure a expectativa
de um luto gradativo (Fustinoni & Caniato, 2019). Perdas sem ritos de passagem podem ser
favoráveis para o impedimento do reconhecimento do luto, trazendo possíveis complicações
psíquicas (Fustinoni & Caniato, 2019). Existem cenários como o de Altamira que a chance de
regresso a respeito de quem desapareceu, interpõe imaginário de quem espera o retorno,
contudo, diante de tantos desaparecimentos sem resposta e das notícias de corpos de garotos
sendo encontrados em condições violentas, as famílias podem perder a esperança de
encontrar os garotos com vida.
De alguns garotos ficaram unicamente a possibilidade que as ossadas encontradas
pela polícia sejam efetivamente deles, outros nem sequer as ossadas ou informações do que
teria acontecido (Lacerda, 2014). O terror que a situação inspira, a negação da morte e a
ausência de rituais complicam o processo de elaboração da perda (Costa, 2019). Somado a
isso, quando o Estado, seja por meio de políticas públicas ou do aparato de proteção à
população, se furta do seu papel, faz sobressair o desmentido – deixando a falta de respostas
para os familiares.
A relação mantida com o objeto perdido reverbera no modo como o luto é vivenciado
(Edler, 2012). Entende-se que o luto não necessariamente diz sobre morte, mas sobre perda,
reflexo de um vínculo que havia ali. Quando o espaço de proteção é violado o trabalho de
luto é um trabalho de reinvindicação – uma reinvindicação social que busca reconhecimento.
Não se trata unicamente do desaparecimento das crianças, mas social e político com uma
realidade que subjuga a população e não preza por seus direitos.
Diante do desdém de sequer registrar alguns casos de desaparecimento, o Estado, por
meio dos órgãos policiais, agiram com indiferença e descaso, re-traumatizando os familiares.
A noção de trauma não é reduzir o episódio apenas ao acontecimento, mas ao unir a violência
e o descredito, impossibilitar a vítima de dar sentido ao acontecido (Ferenczi, 1993/2011). O
cenário trágico e atroz das violências e dos desaparecimentos, suscita um caráter
per-dura-dor, em que é necessário encontrar modos de elaborar o sofrimento ocasionado pela
violência e o desmentido do evento traumático.
É possível considerar que os desaparecimentos e as questões imbricadas no decorrer
dos fatos foram (e são) eventos traumáticos no íntimo familiar. O passado permanece no
presente, e a ausência da materialização da perda perpassa o imaginário. A vivência do
evento traumático, caracterizada por sua natureza difícil de ser representada e assimilada,
estabelece-se dentro do indivíduo, na sociedade e na cultura (Endo, 2013). Procurando aliviar
o sofrimento do indivíduo decorrente daquilo que não pode ser representado há a busca por
dar reconhecimento aquilo que até então é inominável.

4 A mobilização social como parte no processo de elaboração do luto


É, portanto, concebível que a morte sem um cadáver seja um ponto complicador para
o processo de elaboração do luto, influenciando na aceitação da morte (Roque & Lapa
Esteves, 2009). Quanto a isso, sabe-se que não é apenas a aceitação que contribui para o
processo de elaboração, mas é representando a perda simbolicamente que se é possível dar
conta do processo (De Souza Conte, 2020). Essa representação da perda simbolicamente
acontecer pelo engajamento em mobilização social que busca escancarar os acontecimentos.

Nos arquivos do Comitê, há pelo menos cinco garotos que constam como
desaparecidos (Lacerda, 2014). Para os familiares, eles não são apenas desaparecidos, uma
vez que o fato em si acontece em um período de violência e assassinato contra crianças, mas
também por estarem introduzidos em uma realidade de descompromisso dos órgãos que
seriam incumbidos de realizar as buscas (Lacerda, 2014).

Diante das impossibilidades postas frente à realidade em que viviam, expressas na


ausência de respostas, familiares se mobilizaram em uma luta social para testemunhar os
cotidianos casos de violência. Essa mobilização no caso da família dos garotos de Altamira
pode ser entendida como um ritual alternativo aos rituais que não puderam ser realizados
como a celebração de um velório e sepultamento. Uma forma de retratação à subtração do
corpo da vítima, é a reparação pública, o que poderia romper o descrédito dado inicialmente à
perda derivada de violência.

Quando uma família se vê abalada por uma circunstância traumática como o


ocultamento de um de seus membros, há uma desorganização, uma fratura no tecido familiar
e comunitário (Fustinoni & Caniato, 2019). Apesar do desaparecimento do corpo em si, resta
algo do corpo que não desaparece: resta o luto pela perda, o familiar e a insistente
reivindicação por justiça que denuncia o crime acontecido. Em um movimento de
testemunhar as violências e perdas vivenciadas, compartilha-se com os que tiveram vivências
parecidas direta ou indiretamente. Essas trocas propiciam aos familiares a possibilidade de
elaboração de um luto traumático. Falar sobre o caso é também uma ação política.

Quando a barbárie e violência acontece em grupos ditos civilizados, a ideia de


trabalho da cultura, progresso, desmorona – a barbárie e violência acontece nos grupos ditos
civilizados (Ceccarelli,2009). Em contrapartida, os familiares dos garotos e os movimentos
sociais que surgiram após seu desaparecimento, estabelecem laços em busca de justiça. No
decorrer do processo histórico, os laços que são estabelecidos são uma alternativa para lidar
com o desamparo psíquico e social (Ceccarelli, 2009). Além disso, contar e denunciar essa
história traumática de uma realidade precária e desigual, é um modo de não esquecer o que
foi vivido.

Falar dessa dor e experiência vivida é um ato de testemunhar o que aconteceu, ao


mesmo tempo que há uma denúncia., sendo, portanto, um ato político. Ao se unirem e se
organizarem como um Comitê, os familiares dos garotos, por meio do discurso podem
reafirmar sua dor frente às violências sofridas. A morte não implica em sentido, mas quando
transformada em perda, faz buscar um sentido. Diante da ausência de uma mobilização social
abrangente e da falta de rituais e leis que ratificassem os direitos humanos, os familiares dos
garotos, oscilariam entre a busca pelo processo de luto, o recalque e a ânsia pela restituição
do que passou (Teles, 2010).

Somado a isso, os protestos geraram uma percepção de pertencimento mútuo


recíproco para os familiares dos garotos (Lacerda, XXX). O ato de testemunhar é também a
possibilidade de elaborar uma memória coletiva (Teles, 2010). Ter que os escute é buscar
legitimidade do sofrimento, tornando o escuta-dor também um possível aliado, fazendo do
drama vivido uma luta capaz de mobilizar socialmente a população. Essas mobilizações
sociais buscavam não apenas justiça pelo que tinha acontecido, mas também melhores
possibilidades de futuro.

As manifestações sociais e coletivas de luto pelas perdas dos garotos cumpriram um


objetivo político de denunciar o descaso com vidas não reconhecidas. Essas manifestações
públicas do luto podem ser compreendidas como espaço de simbolizar as perdas e ressaltar o
descomprometimento do Estado com vidas por marcadores interseccionais como o gênero,
classe social, raça (Rodrigues, 2021).

5 Considerações Finais
Referências

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Endo, P. (2013). Pensamento como margem, lacuna e falta: memória, trauma, luto e

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Freud, S. (2010). Luto e Melancolia. In P. C. de Souza (Trans.), Freud (1914-1916) - Obras

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Kellehear, A. (2016). Uma história social do morrer. Unesp.

Lacerda, P. (2014). O sofrer, o narrar, o agir: Dimensões da mobilização social de familiares


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https://doi.org/10.1590/s0104-71832014000200003

Oliveira, T. da C., & Nascimento, F. (2019). Transformações sociais em Altamira, PA. Projeto
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https://amazoniaconflitos.com.br/pesquisas/transformacoes-sociais-em-altamira-pa/

Rodrigues, C. (2021). O luto entre clínica e política: Judith Butler para além do gênero.

Autêntica Editora.
Roque, A. R., & Lapa Esteves, M. (2009). "O PROCESSO DO LUTO NA AUSÊNCIA DO
CORPO". International Journal of Developmental and Educational Psychology, 1(1),
627-633.
Teles, J. A. (2010) Os testemunhos e as lutas dos familiares de mortos e desaparecidos
políticos no Brasil. In III Seminário Internacional Políticas de la Memoria.
Recordando a Walter Benjamin: Justicia, Historia Y Verdad. Escrituras de la
memoria. Buenos Aires: Centro Cultural de la Memoria Haroldo Conti.

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