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Supremo Tribunal Federal

Ementa e Acórdão

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25/10/2018 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.077 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE
RONDÔNIA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.


CONSTITUCIONAL E AMBIENTAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS
REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA. LEI
3.213/2013 DO ESTADO DE RONDÔNIA. MINERAÇÃO E
GARIMPAGEM. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA
UNIÃO (ART. 22, XII, DA CF). LICENCIAMENTO AMBIENTAL.
COMPETÊNCIA CONCORRENTE. PRIMAZIA DA UNIÃO PARA
FIXAR NORMAS GERAIS (ART. 24, VI, VII E VII, § 1º, 30, I E II, E 225, §
1º, IV, DA CF). EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL.
SEPARAÇÃO DOS PODERES (ART. 2º DA CF). RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO (ART. 2º, 61, § 1º, II, “E”, 84, II E VI, “A”, DA CF).
COBRANÇA DE TAXA PELO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA
(ART. 145, II, DA CF), POR MEIO DE LEI DE INICIATIVA DO
LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE INICIATIVA
RESERVADA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. PARCIAL PROCEDÊNCIA.
1. Compete privativamente à União legislar sobre jazidas, minas,
outros recursos minerais e metalurgia (CF/1988, art. 22, XII), em razão do
que incorre em inconstitucionalidade a norma estadual que, a pretexto de
regulamentar o licenciamento ambiental, impede o exercício de atividade
garimpeira por pessoas físicas.
2. A diretriz fixada pelo constituinte, de favorecimento da
organização da atividade garimpeira em cooperativas (art. 174, § 3º, da
CF), não permite o extremo de limitar a prática de garimpagem apenas
aos associados a essas entidades, sob pena de violação à garantia
constitucional da liberdade de iniciativa e de livre associação (art. 1º, IV,

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ADI 5077 / DF

art. 5º, XX, e art. 170, parágrafo único, da CF).

3. A competência legislativa concorrente cria o denominado


“condomínio legislativo” entre a União e os Estados-Membros, cabendo à
primeira a edição de normas gerais sobre as matérias elencadas no art. 24
da Constituição Federal; e aos segundos o exercício da competência
complementar — quando já existente norma geral a disciplinar
determinada matéria (CF, art. 24, § 2º) — e da competência legislativa
plena (supletiva) — quando inexistente norma federal a estabelecer
normatização de caráter geral (CF, art. 24, § 3º).
4. O licenciamento para exploração de atividade potencialmente
danosa, como é o caso da lavra de recursos minerais, insere-se no Poder
de Polícia Ambiental, cujo exercício é atividade administrativa de
competência do Poder Executivo e, portanto, submetida à reserva de
administração (art. 61, § 1º, II, e, c/c art. 84, II e VI, “a”, da CF).
5. A definição do valor cobrado a título de taxa pelo exercício do
poder de polícia (art. 145, II, da CF) pode ser estabelecida em sede
legislativa, por iniciativa concorrente dos Poderes Executivo e Legislativo,
pois não há falar em iniciativa reservada em matéria tributária (ARE
743480, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado sob o rito
da repercussão geral, DJe de 19/11/2013).
6. Medida Cautelar confirmada e Ação Direta julgada parcialmente
procedente.
AC ÓRDÃ O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo


Tribunal Federal, em Plenário, sob a Presidência do Senhor Ministro
DIAS TOFFOLI, em conformidade com a ata de julgamento e as notas
taquigráficas, por unanimidade, acordam em confirmar a medida
cautelar e em julgar parcialmente procedente o pedido formulado na ação
direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da
Lei 3.213/2013 do Estado de Rondônia, nos termos do voto do Relator.
Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto Barroso.

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Brasília, 25 de outubro de 2018.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES


Relator

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RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES


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RE LAT Ó RI O

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se


de Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
ajuizada pelo Governador do Estado de Rondônia em face da Lei
3.213/2013 do Estado de Rondônia, com o seguinte teor:

Art. 1°. Fica estabelecido que o processo nº 881.178/1983,


devidamente protocolizado pela Companhia de Mineração de
Rondônia – CMR, junto ao Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM, cuja área está inserida no
remanescente da Área de Proteção Ambiental – APA, criada
pelo Decreto nº 5.124, de 06 de junho de 1991, terá prioridade
dentro da nova poligonal da APA.
Parágrafo único. A expedição de Licença de Operação para
a Companhia de Mineração de Rondônia – CMR deverá
observar a apresentação de novo requerimento, dentro da
poligonal da nova APA.
Art. 2°. As licenças ambientais, a jusante do início da APA
remanescente, determinado pelo vértice entre as coordenadas
do P2 – 08°.37'30,00012"/-63°.53'26,00000" e o P3 –
08°.40'11,00010”/63°.53'26,00000" até a divisa com o Estado do
Amazonas, serão expedidas prioritariamente para cooperativas.
Art. 3°. Fica terminantemente proibida a expedição de
Licença de Operação a pessoas físicas, na área de mineração e
garimpagem dentro do Estado de Rondônia, priorizando as

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cooperativas de garimpeiros estabelecidas na forma legal,


conforme disposto no § 3°, artigo 174, da Constituição Federal.
Art. 4°. Fica estabelecido que os procedimentos e critérios
utilizados para licenciamento ambiental, observarão a Política
Nacional do Meio Ambiente, tendo por base a Resolução nº 237,
de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA, especialmente, devendo ser aplicada as
mesmas definições dispostas no artigo 1°, os mesmos prazos de
licenças estabelecido no artigo 18, incisos e parágrafos e os
mesmos critérios para expedição de licenças disciplinados no
artigo 8° da mencionada Resolução.
Parágrafo único. A taxa a ser cobrada, por hectare, para as
licenças do setor minerário e garimpeiro, previstas no artigo 8°,
incisos e parágrafo, da Resolução n° 237/97 do CONAMA, será
no valor de R$ 1,00 (um) real, por ocasião da expedição da
respectiva licença ou renovação.
Art. 5°. Os órgãos ambientais competentes ficam
responsáveis pela aplicação das medidas estabelecidas por esta
Lei.
Art. 6°. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Aduz o postulante que a referida lei, que dispõe sobre a concessão


de licença para atividade garimpeira no Estado, teria usurpado a
competência da União para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos
materiais (art. 22, XII, da Carta da República), incorrendo em
inconstitucionalidade formal. Sustenta que o art. 20 da Constituição, ao
determinar serem bens da União os recursos minerais, inclusive os de
subsolo, corrobora a ilegitimidade da norma estadual.
Assevera que, dessas razões, decorre a violação à forma federativa
de Estado, veiculada nos arts. 1º e 60, § 4º, I, da Carta Magna.
Ainda, em específico, aponta a inconstitucionalidade material do art.
3º da lei citada, uma vez que proíbe a expedição de licença de operação,
na área de mineração e garimpagem, a pessoas físicas, contrariando o
disposto no art. 174, § 3º, da Constituição Federal, o qual apenas prioriza
o exercício da atividade de garimpo a cooperativas, sem prejuízo de sua

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realização por pessoas físicas.


Por despacho do eminente Ministro TEORI ZAVASCKI, adotou-se o
rito do art. 12 da Lei 9.868/1999.
Em suas informações, a Assembleia Legislativa do Estado de
Rondônia defendeu a constitucionalidade da lei estadual, pleiteando a
improcedência do pedido.
O Advogado-Geral da União manifestou-se pela procedência parcial
do pedido, para seja declarada a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º e
5º da lei censurada. Destaca que, sem embargo da inconstitucionalidade
formal dos aludidos artigos, o art. 4º da lei rondoniense regula
validamente matéria cuja suplementação é autorizada aos demais entes
federados (art. 23, VI, da CF). As taxas a que alude o seu parágrafo único
também seriam suscetíveis de normatização pelos Estados, porque
possuiriam natureza jurídica de taxa, atendendo ao princípio da
legalidade tributária (art. 150, I, da CF).
O Procurador-Geral da República apresentou parecer pela
procedência parcial do pedido, defendendo a inconstitucionalidade dos
arts. 1º, 2º, 3º, 4º, caput, e 5º da lei contestada.
Pelo despacho de 1º/2/2018 (peça 21), levando em consideração a
enorme relevância da questão constitucional e os riscos ao Meio
Ambiente, pedi dia para julgamento definitivo, na forma regimental,
determinando a distribuição do relatório (peça 22) aos demais Ministros
da CORTE.
Em 27/3/2018, considerando a impossibilidade de agendamento, em
face do elevado número de processos submetidos ao Plenário desta
SUPREMA CORTE, concedi parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad
referendum, para suspender a eficácia dos arts. 1º, 2º, 3º e 5º da Lei
3.213/2013 do Estado de Rondônia (peça 24).
É o relatório.

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VOTO

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES (RELATOR): Trata-se


de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do
Estado de Rondônia em face da Lei Estadual 3.213/2013, dispondo sobre o
licenciamento ambiental para a atividade garimpeira.
O Postulante sustenta que a norma teria usurpado competência da
União para legislar sobre jazidas, minas e outros recursos minerais (art.
22, XII, da CF), pelo que haveria violação à forma federativa de Estado,
veiculada nos arts. 1º e 60, § 4º, I, da CF. Além disso, aponta que o art. 3º
da lei citada, ao proibir a expedição de licença de operação na área de
mineração e garimpagem a pessoas físicas, violaria o art. 174, § 3º, da CF,
o qual não comporta tal restrição.
Cumpre verificar, inicialmente, se o Estado de Rondônia poderia, à
luz das normas de distribuição de competências legislativas estatuídas na
Constituição Federal, disciplinar o conteúdo posto na norma impugnada.
A delimitação do que seriam normas gerais em matéria submetida à
legislação concorrente, bem como a definição do alcance da competência
suplementar, é decisiva para a solução da presente ação direta, com base
na manutenção do equilíbrio constitucional, pois o federalismo e suas
regras de distribuição de competências legislativas são um dos grandes
alicerces da consagração da fórmula Estado de Direito, que, conforme
salientado por PABLO LUCAS VERDÚ, ainda exerce particular
fascinação sobre os juristas. Essa fórmula aponta a necessidade de o
Direito ser respeitoso com as interpretações acerca de diferentes
dispositivos constitucionais que envolvem diversas competências
legislativas, para que se garanta a previsão do legislador constituinte
sobre a divisão dos centros de poder entre os entes federativos, cuja
importância é ressaltada tanto por JORGE MIRANDA (Manual de direito
constitucional. 4. Ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1990, t. 1, p. 13-14),
quanto por JOSÉ GOMES CANOTILHO (Direito constitucional e teoria da

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Constituição. Almedina, p. 87).

A essencialidade da discussão não está na maior ou menor


importância do assunto específico tratado pela legislação, mas sim, na
observância respeitosa à competência constitucional do ente federativo
para editá-la (MAURICE DUVERGER.Droit constitutionnel et institutions
politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 1955. p. 265 e ss.), com
preservação de sua autonomia e sem interferência dos demais entes da
federação, pois, como salientado por LÚCIO LEVI:

a federação constitui, portanto, a realização mais alta dos


princípios do constitucionalismo. Com efeito, a idéia do Estado
de direito, o Estado que submete todos os poderes à lei
constitucional, parece que pode encontrar sua plena realização
somente quando, na fase de uma distribuição substancial das
competências, o Executivo e o Judiciário assumem as
características e as funções que têm no Estado Federal
(NORBERTO BOBBIO, NICOLA MATTEUCCI, GIANFRANCO
PASQUINO (Coord.). Dicionário de política. v. I, p. 482).

O equilíbrio na interpretação constitucional sobre a distribuição de


competências na história do federalismo iniciou com a Constituição
norte-americana de 1787. A análise de suas características e
consequências, bem como do desenvolvimento de seus institutos vem
sendo realizada desde os escritos de JAY, MADISON e HAMILTON, nos
artigos federalistas, publicados sob o codinome Publius, durante os anos
de 1787-1788, até os dias de hoje, e mostra que se trata de um sistema
baseado principalmente na consagração da divisão constitucional de
competências, para manutenção de autonomia dos entes federativos e
equilíbrio no exercício do poder (THOMAS MCINTYRE COOLEY.The
general principles of constitutional law in the United States of America. 3. ed.
Boston: Little, Brown and Company, 1898. p. 52; DONALD L.
ROBINSON. To the best of my ability: the presidency the constitution. New
York: W. W. Norton & Company, 1987. p. 18-19). Em 1887, em seu

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centenário, o estadista inglês WILLIAM GLADSTONE, um dos mais


influentes primeiros-ministros ingleses, afirmou que a Constituição dos
Estados Unidos era a mais maravilhosa obra jamais concebida num momento
dado pelo cérebro e o propósito do homem, por equilibrar o exercício do poder.
É importante salientar, dentro dessa perspectiva da mais maravilhosa
obra jamais concebida, que a questão do federalismo e do equilíbrio entre o
Poder Central e os Poderes Regionais foi das questões mais discutidas
durante a Convenção norte-americana, pois a manutenção do equilíbrio
Democrático e Republicano, no âmbito do Regime Federalista, depende
do bom entendimento, definição, fixação de funções, deveres e
responsabilidades entre os três Poderes, bem como a fiel observância da
distribuição de competências legislativas, administrativas e tributárias
entre União, Estados e Municípios, característica do Pacto Federativo,
consagrado constitucionalmente no Brasil, desde a primeira Constituição
Republicana, em 1891, até a Constituição Federal de 1988.
A Federação, portanto, nasceu adotando a necessidade de um poder
central, com competências suficientes para manter a união e coesão do
próprio País, garantindo-lhes, como afirmado por HAMILTON, a
oportunidade máxima para a consecução da paz e liberdade contra o
facciosismo e a insurreição (The Federalist papers, nº IX) e permitindo à
União realizar seu papel aglutinador dos diversos Estados-Membros e de
equilíbrio no exercício das diversas funções constitucionais delegadas aos
três poderes de Estado.
Durante a evolução do federalismo, passou-se da ideia de três
campos de poder mutuamente exclusivos e limitadores, segundo a qual a
União, os Estados e os Municípios teriam suas áreas exclusivas de
autoridade, para um novo modelo federal baseado, principalmente, na
cooperação, como salientado por KARL LOEWENSTEIN (Teoria de la
constitución. Barcelona: Ariel, 1962. p. 362).
O legislador constituinte de 1988, atento a essa evolução, bem como
sabedor da tradição centralizadora brasileira, tanto, obviamente, nas
diversas ditaduras que sofremos, quanto nos momentos de normalidade
democrática, instituiu novas regras descentralizadoras na distribuição

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formal de competências legislativas, com base no princípio da


predominância do interesse, e ampliou as hipóteses de competências
concorrentes, além de fortalecer o Município como polo gerador de
normas de interesse local.
O princípio geral que norteia a repartição de competência entre os
entes componentes do Estado Federal brasileiro, portanto, é o princípio
da predominância do interesse, não apenas para as matérias cuja
definição foi preestabelecida pelo texto constitucional, mas também em
termos de interpretação em hipóteses que envolvem várias e diversas
matérias, como na presente ação direta de inconstitucionalidade.
A própria Constituição Federal, portanto, presumindo de forma
absoluta para algumas matérias a presença do princípio da
predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências
para cada um dos entes federativos, União, Estados-Membros, Distrito
Federal e Municípios, e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior
centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora
permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e Municípios
(CF, arts. 24 e 30, inciso I).
Atuando dessa maneira, se, na distribuição formal de competências,
houve um maior afastamento do federalismo centrípeto que sempre
caracterizou a república brasileira, na distribuição material, nossas
tradições históricas, político-econômicas e culturais, somadas ao próprio
interesse do legislador constituinte, que permaneceria como poder
constituído (Congresso Nacional), após a edição da Constituição de 1988,
acabaram por produzir grande generosidade do texto constitucional na
previsão dos poderes enumerados da União, com a fixação de
competência privativa para a maioria dos assuntos de maior importância
legislativa.
Consequentemente, concordemos ou não, no texto da Constituição
de 1988, as contingências históricas, político-econômicas e culturais
mantiveram a concentração dos temas mais importantes no Congresso
Nacional, em detrimento das Assembleias locais, como salientado por
JOSÉ ALFREDO DE OLIVEIRA BARACHO (Teoria geral do federalismo. Rio

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de Janeiro: Forense, 1986. p. 317), e facilmente constatado ao analisarmos


o rol de competências legislativas da União estabelecidas no artigo 22 do
texto constitucional.
Essa opção inicial do legislador constituinte, ao centralizar nos
poderes enumerados da União (CF, artigo 22) a maioria das matérias
legislativas mais importantes, contudo, não afastou da Constituição de
1988 os princípios básicos de nossa tradição republicana federalista, que
gravita em torno do princípio da autonomia, da participação política e da
existência de competências legislativas próprias dos Estados/Distrito
Federal e Municípios, indicando ao intérprete a necessidade de aplicá-los
como vetores principais em cada hipótese concreta em que haja a
necessidade de análise da predominância do interesse, para que se
garanta a manutenção, fortalecimento e, principalmente, o equilíbrio
federativo (GERALDO ATALIBA. República e constituição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1985. p. 10), que se caracteriza pelo respeito às
diversidades locais, como bem salientado por MICHAEL J. MALBIN, ao
apontar que a intenção dos elaboradores da Carta Constitucional
Americana foi justamente estimular e incentivar a diversidade,
transcendendo as facções e trabalhando pelo bem comum (A ordem
constitucional americana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987, p.
144), consagrando, ainda, a pluralidade de centros locais de poder, com
autonomia de autogoverno e autoadministração, para que se reforçasse a
ideia de preservação da autonomia na elaboração do federalismo, como
salientado por ALEXIS DE TOCQUEVILLE, ao comentar a formação da
nação americana (Democracia na América: leis e costumes. São Paulo:
Martins Fontes, 1988. p. 37 e ss.), que serviu de modelo à nossa Primeira
Constituição Republicana em 1891.
Nos regimes federalistas, respeitadas as opções realizadas pelo
legislador constituinte e previamente estabelecidas no próprio texto
constitucional, quando surgem dúvidas sobre a distribuição de
competências e, consequentemente, a necessidade de definição do ente
federativo competente para legislar sobre determinado e específico
assunto, que engloba uma ou várias matérias com previsão ou reflexos

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em diversos ramos do Direito, caberá ao intérprete priorizar o


fortalecimento das autonomias locais e o respeito às suas diversidades
como pontos caracterizadores e asseguradores do convívio no Estado
Federal, que garantam o imprescindível equilíbrio federativo (JUAN
FERRANDO BADÍA. El estado unitário: El federal y El estado regional.
Madri: Tecnos, 1978, p. 77; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO.
O Estado federal brasileiro na Constituição de 1988. Revista de Direito
Administrativo, n. 179, p. 1; RAUL MACHADO HORTA. Tendências
atuais da federação brasileira. Cadernos de direito constitucional e ciência
política, n. 16, p. 17; e, do mesmo autor: Estruturação da federação.
Revista de Direito Público, n. 81, p. 53 e ss.; CARLOS MÁRIO VELLOSO.
Estado federal e estados federados na Constituição brasileira de 1988: do
equilíbrio federativo. Revista de Direito Administrativo, n. 187, p. 1 e ss.;
JOSAPHAT MARINHO. Rui Barbosa e a federação. Revista de Informação
Legislativa, n. 130, p. 40 e ss.; SEABRA FAGUNDES. Novas perspectivas do
federalismo brasileiro. Revista de Direito Administrativo, n. 99, p. 1 e ss.).
A Constituição Federal coloca os recursos minerais sob o domínio da
União (art. 20, IX, da CF), e, guardando coerência com a titularidade
estabelecida para tais bens, inseriu a lavra dessas riquezas no âmbito da
competência material do mesmo ente (art. 21, XXV, da CF), a quem cabe
estabelecer as áreas e as condições para o exercício da atividade de
garimpagem , bem como legislar privativamente sobre a matéria (art. 22,
XII, da CF). Tais atividades são regidas, respectivamente, pelo Código de
Mineração (DL 227/1967) e pelo Estatuto do Garimpeiro (Lei 11.685/2008),
entre outras normas.
A legislação impugnada não regula diretamente a atividade de
mineração ou garimpagem, mas tratou de procedimentos administrativos
para a concessão de licenciamento pelos órgãos ambientais para a
exploração dessas atividades.
No caso, a Lei estadual impugnada conferiu prioridade na obtenção
de licença ambiental à Companhia de Mineração do Estado de Rondônia
– CMR, considerando o processo 881.178/1983, protocolizado junto ao
Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, cujos limites

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ADI 5077 / DF

geográficos estão inseridos no remanescente da Área de Proteção


Ambiental - APA criada pelo Decreto 5.124/1991. Quanto às demais áreas,
pertencentes à nova poligonal da APA, determinou que a Companhia
observasse novo requerimento. Eis o teor do art. 1º da norma impugnada:

Art. 1°. Fica estabelecido que o processo nº 881.178/1983,


devidamente protocolizado pela Companhia de Mineração de
Rondônia – CMR, junto ao Departamento Nacional de
Produção Mineral – DNPM, cuja área está inserida no
remanescente da Área de Proteção Ambiental – APA, criada
pelo Decreto nº 5.124, de 06 de junho de 1991, terá prioridade
dentro da nova poligonal da APA.
Parágrafo único. A expedição de Licença de Operação para
a Companhia de Mineração de Rondônia – CMR deverá
observar a apresentação de novo requerimento, dentro da
poligonal da nova APA.

Na sequência, em seu art. 2º, a norma estabeleceu preferência na


expedição de licenças para cooperativas garimpeiras em áreas localizadas
a jusante do início da APA remanescente, em área geograficamente
delimitada por coordenadas especificadas no próprio dispositivo,
conforme transcrito abaixo:

Art. 2°. As licenças ambientais, a jusante do início da APA


remanescente, determinado pelo vértice entre as coordenadas
do P2 – 08°.37'30,00012"/-63°.53'26,00000" e o P3 –
08°.40'11,00010”/63°.53'26,00000" até a divisa com o Estado do
Amazonas, serão expedidas prioritariamente para cooperativas.

Em complemento ao art. 2º, ainda a respeito do tratamento


diferenciado conferido a cooperativas garimpeiras, o art. 3º proibiu a
expedição de licença de operação na área de mineração e garimpagem
para pessoas físicas, a pretexto de dar cumprimento ao disposto pelo art.
174, § 3º, da CF, conforme referido no dispositivo em questão:

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Art. 3°. Fica terminantemente proibida a expedição de


Licença de Operação a pessoas físicas, na área de mineração e
garimpagem dentro do Estado de Rondônia, priorizando as
cooperativas de garimpeiros estabelecidas na forma legal,
conforme disposto no § 3°, artigo 174, da Constituição Federal.

Por fim, a norma estadual tratou da incidência da legislação federal


sobre o tema – Lei Federal 6.938/1981 (Política Nacional de Meio
Ambiente) e Resolução CONAMA 237/1997 – e fixou taxa a ser cobrada
no licenciamento em R$ 1,00 (um real) por hectare, conforme transcrito a
seguir:

Art. 4°. Fica estabelecido que os procedimentos e critérios


utilizados para licenciamento ambiental, observarão a Política
Nacional do Meio Ambiente, tendo por base a Resolução nº 237,
de 19 de dezembro de 1997, do Conselho Nacional do Meio
Ambiente – CONAMA, especialmente, devendo ser aplicada as
mesmas definições dispostas no artigo 1°, os mesmos prazos de
licenças estabelecido no artigo 18, incisos e parágrafos e os
mesmos critérios para expedição de licenças disciplinados no
artigo 8° da mencionada Resolução.
Parágrafo único. A taxa a ser cobrada, por hectare, para as
licenças do setor minerário e garimpeiro, previstas no artigo 8°,
incisos e parágrafo, da Resolução n° 237/97 do CONAMA, será
no valor de R$ 1,00 (um) real, por ocasião da expedição da
respectiva licença ou renovação.

A legislação padece de inúmeros vícios de inconstitucionalidade.


Consoante fiz ver na decisão em que concedi parcialmente a medida
cautelar, embora o artigo 3º da legislação contestada não trate
diretamente da concessão e exploração de direitos minerários, mas do
licenciamento ambiental a encargo de órgãos ambientais competentes, há
indisfarçada interferência sobre atividades passíveis de regulamentação
pela União.
Sob o pretexto de atribuir preferência na obtenção de licenciamento

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ambiental - o que já seria questionável, pois não parece atender a um


critério de proteção ambiental -, chega-se a virtualmente proibir o
exercício de atividade garimpeira por pessoa física, impossibilitando a
expedição de licenciamento ambiental nessa hipótese.
Ao assim dispor, o citado dispositivo (art. 3º) também violou o art.
174, § 3º, da CF, prevendo que “o Estado favorecerá a organização da atividade
garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a
promoção econômico-social dos garimpeiros”.
Favorecer a organização da atividade garimpeira em cooperativas,
como estabelecido no Diploma Fundamental, não significa proibir o
garimpeiro individual de exercer a atividade. Pelo contrário, afirma-se, a
contrario sensu, que esses garimpeiros também terão direito ao exercício
da atividade, ainda que de forma secundária.
A diretriz fixada pelo constituinte, no sentido do favorecimento da
organização da atividade garimpeira em cooperativas, não permite que se
alcance o extremo de limitar a prática de garimpagem apenas àqueles que
se encontrem associados a essas entidades, sob pena de violação à
garantia constitucional da liberdade de iniciativa e de livre associação
(art. 1º, IV, art. 5º, XX, e art. 170, parágrafo único, da CF).
Em reforço, cabe lembrar que de acordo com o art. 176, caput e § 1º,
da CF, incumbe à União decidir sobre as concessões para a pesquisa e a
lavra dos recursos minerais. Assim, uma vez autorizada pelo poder
concedente, o Estado-Membro não poderia criar embaraços injustificados
para o exercício da atividade por pessoa física.
Ainda sob a égide da Carta de 1969, que possuía dispositivo
equivalente ao da atual no que relativo à repartição de competências em
matéria de mineração, esta CORTE examinou, em concreto, questão
semelhante em acórdão da relatoria do Min. BILAC PINTO, que ficou
assim ementado:

LAVRA DE MINÉRIO. SEGURANÇA PEDIDA EM


DECORRÊNCIA DA PRÁTICA DE ATOS, PELO GOVERNO
LOCAL, NO SENTIDO DE CRIAR EMBARAÇO NA LAVRA
DE AREIA QUARTZOSA. SE A UNIÃO CONCEDE

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ADI 5077 / DF

AUTORIZAÇÃO DE LAVRA DE PRODUTO MINERAL, NÃO


CABE AO ESTADO, O QUAL NÃO TEM PODERES PARA
TANTO, TOLHER, DIRETA OU INDIRETAMENTE, A
EXECUÇÃO DOS RESPECTIVOS TRABALHOS. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO PROVIDO, CONCEDENDO-SE A
SEGURANÇA.
(RE 77.890, Rel. Min. BILAC PINTO, DJ de 13/2/1976).

Acresce que o dispositivo em exame (art. 3º), assim como os artigos


1º e 2º da Lei estadual 3.213/2013, ainda desborda do tratamento dado
pela Constituição à matéria ambiental.
Como se sabe, o legislador constituinte distribuiu entre todos os
entes federativos as competências materiais e legislativas em matéria
ambiental, reservando ao ente central (União) o protagonismo necessário
para a edição de normas de interesse geral e aos demais entes a
possibilidade de suplementarem essa legislação geral. É também verdade
que a Jurisprudência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL admite que a
legislação dos demais entes federativos seja mais restritiva do que a
legislação da União. Nesse sentido: ADI 3.937, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, redator para o acórdão Min. DIAS TOFFOLI, julgado em
24/8/2017, pendente a publicação de acórdão), que tratou de lei estadual
paulista que proibiu a produção e circulação do amianto, confrontada
com legislação federal que admite o emprego dessa substância; e o RE
194.704 (Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Rel. p/ Acórdão Min. EDSON
FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2017, DJe de 16/11/2017), em
que validada lei do Município de Belo Horizonte/MG que estabelecera
padrões mais restritos de emissão de gases poluentes.
No entanto, as previsões contidas nos três dispositivos mencionados
(arts. 1º, 2º e 3º) estabelecem um regime de proteção ambiental menos
protetivo, ao conferir preferência para expedição de licenciamento em
prol de categoria de agentes econômicos não contemplados com tal
prerrogativa pelas normas federais que tratam do licenciamento
ambiental, em prejuízo do efetivo exercício do poder de polícia ambiental
nessas hipóteses. Nesse sentido: ADI 2.396, Rel. Min. ELLEN GRACIE,

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ADI 5077 / DF

Tribunal Pleno, DJ de 1/8/2003; ADI 1.086, Rel. Min. ILMAR GALVÃO,


Tribunal Pleno, DJ de 16/9/1994.
Além disso, verifica-se que a norma impugnada promoveu indevida
interferência em matéria reservada a órgãos administrativos, em
contrariedade ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF).
A concessão de licença autorizando a exploração de atividade
potencialmente danosa, como é o caso da exploração de recursos
minerais, insere-se no Poder de Polícia Ambiental, cujo exercício é
atividade administrativa de competência do Poder Executivo e, portanto,
submetida à reserva de administração (art. 61, § 1º, II, e, c/c art. 84, II e VI,
“a”, da CF, aplicável aos Estados Membros em decorrência do princípio
da simetria). Nesse sentido, o precedente firmado pelo SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL no julgamento da ADI 1.505, Rel. Min. EROS
GRAU, Tribunal Pleno, DJ de 24/11/2004, assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.


187 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL. APROVAÇÃO
PELA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. VÍCIO MATERIAL.
AFRONTA AOS ARTIGOS 58, § 2º, E 225, § 1º, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. É inconstitucional preceito da Constituição do Estado
do Espírito Santo que submete o Relatório de Impacto
Ambiental - RIMA - ao crivo de comissão permanente e
específica da Assembleia Legislativa.
2. A concessão de autorização para desenvolvimento de
atividade potencialmente danosa ao meio ambiente
consubstancia ato do Poder de Polícia --- ato da
Administração Pública --- entenda-se ato do Poder Executivo.
3. Ação julgada procedente para declarar inconstitucional o
trecho final do artigo § 3º do artigo 187 da Constituição do
Estado do Espírito Santo.

Por oportuno, mencione-se a ADI 3.252, Rel. Min GILMAR


MENDES, Tribunal Pleno, DJe de 23/10/2008, julgado assim ementado:

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ADI 5077 / DF

EMENTA: Medida cautelar em ação direta de


inconstitucionalidade.
2. Lei n° 1.315/2004, do Estado de Rondônia, que exige
autorização prévia da Assembléia Legislativa para o
licenciamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais
consideradas efetivas e potencialmente poluidoras, bem como
capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental.
3. Condicionar a aprovação de licenciamento ambiental à
prévia autorização da Assembléia Legislativa implica indevida
interferência do Poder Legislativo na atuação do Poder
Executivo, não autorizada pelo art. 2º da Constituição.
Precedente: ADI n° 1.505.
4. Compete à União legislar sobre normas gerais em
matéria de licenciamento ambiental (art. 24, VI, da Constituição.
5. Medida cautelar deferida.

A Jurisprudência da CORTE censura legislações editadas com o


propósito de delimitar o exercício de atribuições a encargo de órgãos
administrativos, como é o caso. Cite-se, nesse sentido, o julgamento da
ADI 776, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJ de 15/12/2006,
no qual invalidada lei que vedara a fixação, pela Administração, de
requisitos de idade para provimento de cargos públicos. Transcrevo o
seguinte trecho do voto do eminente Ministro Relator:

Ainda que o legislador disponha do poder de


conformação da atividade administrativa, permitindo-se-lhe,
nessa condição, estipular cláusulas gerais e fixar normas
impessoais destinadas a reger e a condicionar o próprio
comportamento da Administração Pública, não pode, o
Parlamento, em agindo “ultra vires”, exorbitar dos limites que
definem o exercício de sua prerrogativa institucional.
Isso significa, portanto, que refoge, ao domínio
normativo da lei em sentido formal, veicular deliberações
parlamentares que visem a desconstituir, “in concreto”,
procedimentos administrativos regularmente instaurados por

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órgãos do Poder Executivo, como resulta claro da norma legal


ora referida.
Nessa mesma linha: ADI 2.364-MC, Rel. Min. CELSO DE MELLO,
Tribunal Pleno, DJ de 14/12/2001; ADI 3.075, Rel. Min. GILMAR
MENDES, Tribunal Pleno, DJ de 4/11/2014; ADI 3.343, Rel. Min. LUIZ
FUX, Tribunal Pleno, DJe de 2.111/2011; e ADI 3.169, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO, redator para acórdão Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal
Pleno, DJe de 18/2/2015, assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI


QUE INTERFERE SOBRE ATRIBUIÇÕES DE SECRETARIA DE
ESTADO EM MATÉRIA SUJEITA À RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO.
1. Lei que determina que a Secretaria de Segurança
Pública do Estado de São Paulo envie aviso de vencimento da
validade da Carteira Nacional de Habilitação a seus respectivos
portadores. Matéria de reserva de administração, ensejando
ônus administrativo ilegítimo.
2. Procedência da ação direta de inconstitucionalidade.

Mencione-se o recente julgamento da ADI 5501-MC (Rel. Min.


MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 19/5/2016, DJe de
31/7/2017) no qual suspensa a eficácia de lei que autorizara o
fornecimento de substância sem registro (caso fosfoetalonamina - “pílulas
do câncer”), sob fundamento de invasão da competência administrativa
reservada a órgão do Poder Executivo.
Como se vê, a Constituição não autoriza que um ato legislativo
ingresse no domínio normativo atribuído pela Constituição aos órgãos
administrativos para a execução de atividades relacionadas ao Poder de
Polícia Ambiental. Caso admitida essa possibilidade, ficaria
comprometido o próprio equilíbrio e harmonia entre os Poderes, tal como
delineados pelo legislador constituinte.
Quanto ao artigo 4º, observa-se em seu caput a primazia da
competência legislativa da União na matéria, ao preconizar a estrita
observância das definições, critérios e prazos estipulados na legislação

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federal. O parágrafo único apenas define o valor a ser cobrado a título de


taxa pelo exercício do poder de polícia (art. 145, II, da CF), como é a
hipótese, a qual pode ser validamente estabelecida em sede legislativa,
por iniciativa concorrente dos poderes Executivo e Legislativo. Sobre a
inexistência de iniciativa reservada em matéria tributária, cite-se o
precedente firmado em sede de repercussão geral no ARE 743480, Rel.
Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno (julgamento virtual), DJe de
19/11/2013, em que afirmado que inexiste, no atual texto constitucional,
previsão de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo em matéria tributária.
Assim, tenho que o dispositivo não incorre em inconstitucionalidade.
Por fim, conforme me manifestei ao apreciar a medida cautelar
requerida, o artigo 5º, ao atribuir aos órgãos ambientais a
responsabilidade pela aplicação do conteúdo legislado nos dispositivos
anteriores, também incide, por arrastamento, nas mesmas
inconstitucionalidades acima apontadas.
Diante do exposto, CONFIRMO A MEDIDA CAUTELAR e julgo
PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação para DECLARAR A
INCONSTITUCIONALIDADE dos artigos 1º, 2º, 3º e 5º da Lei 3.213/2013
do Estado de Rondônia.
É o voto.

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Extrato de Ata - 25/10/2018

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PLENÁRIO
EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.077


PROCED. : DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
REQTE.(S) : GOVERNADOR DO ESTADO DE RONDÔNIA
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE RONDÔNIA
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE RONDÔNIA
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, confirmou a medida


cautelar e julgou parcialmente procedente o pedido formulado na
ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º,
2º, 3º e 5º da Lei 3.213/2013 do Estado de Rondônia, nos termos do
voto do Relator. Ausente, justificadamente, o Ministro Roberto
Barroso. Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário,
25.10.2018.

Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à


sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber,
Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Ausente, justificadamente, representando o Supremo Tribunal


Federal no Seminário “El Constitucionalismo Abusivo y Autoritario
en América Latina - Conmemoración de los 30 años de la
Constitución de Brasil” na Universidad Externado de Colômbia, o
Senhor Ministro Roberto Barroso.

Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira


Dodge.

Carmen Lilian Oliveira de Souza


Assessora-Chefe do Plenário

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