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Crime e Guerra No Brasil Contemporâneo
Crime e Guerra No Brasil Contemporâneo
(*)
Professora Adjunta de Criminologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Secretária Executiva
do Instituto Carioca de Criminologia.
1
PAVARINI, Massimo. Control y Dominación: teorias criminológicas burguesas y proyecto hegemónico.
México: Siglo Veintiuno editores Argentina, 1983.
2
BATISTA, Nilo. Criminologia sem segurança pública. In Revista Derecho Penal y Criminología. Buenos
Aires, 2013, ed. La Ley: v. 10, pp. 86-92.
3
Op. cit. p.5.
4
MARX, Karl. Para a Questão Judaica, trad. J. B.-Moura, S. Paulo, 2009, ed. Exp. Popular, p. 65.
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razão que os governos do campo da esquerda que tiverem conhecimento da ampla e
histórica reflexão crítica sobre a questão criminal devem tentar construir políticas
públicas de contenção e redução de danos do poder punitivo e não expandi-lo através de
modulações e modernizações.
5
FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 422.
6
Op. cit. p. 439.
7
CERQUEIRA, Carlos Magno Nazareth. Remilitarização da Segurança Pública: a Operação Rio.
Discursos Sediciosos. Crime, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia,
1996, ano 1, nº. 1, 1º sem, pp. 141-168.
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BATISTA, Vera Malaguti. O Medo na Cidade do Rio de Janeiro: Dois Tempos de uma História. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
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Nesse cenário, a criminologia positivista impôs-se como uma
cultura a partir do deslizamento semântico entre a saúde e a salvação no discurso
jurídico e político luso-brasileiro desde o século XVIII9. Essa perspectiva salvacionista
tão presente nos dias de hoje trabalha a pena como remédio contra as imagens de
desordem provenientes da mentalidade racista e colonial da nossa história. Nilo Batista
já nos havia chamado a atenção para as permanências históricas da inquisição ibérica
em nosso sistema jurídico-penal e como elas são convocadas em momentos de crise
tendo a tortura e a delação como método, a execução penal como catarse com a
exprobação dos suspeitos ou condenados, tudo isso costurado pelo dogma da pena como
solução mágica para todos os conflitos.
9
BATISTA, Vera Malaguti. O positivismo como cultura. In Passagens – Revista Internacional de História
Política e Cultura Jurídica. Rio de Janeiro: UFF, 2016, pp. 293-307.
10
Adesão subjetiva à barbárie. In Vera Malaguti Batista (org.) Loïc Wacquant e a questão penal no
capitalismo neoliberal; Rio de Janeiro: Revan, 2012.
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SCHEERER, Sebastian. Atypische Moralunternehmer, Kritische Kriminologie heute, em KriTJ, 1986,
anexo 1, pp. 133 ss. Sebastian Scheerer se utiliza do conceito de empresários morais em Howard
Becker para fazer uma crítica à demanda por pena e criminalização dos movimentos sociais,
alcunhados por Maria Lúcia Karam de Esquerda Punitiva.
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o "ser coletivo"12. Zaffaroni demonstra como a letalidade dos sistemas penais latino-
americanos produz massacres a conta-gotas que acabam configurando genocídio,
através de discursos legitimantes do extermínio13.
12
BAUD, Jean-Pierre. Genèse Institutionalle du Genócide. In: Olff-Nathan, Josian (org.). La Science sous
le Troisème Reich. Paris: Seuil, 1993.
13
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. A Palavra dos Mortos: Conferências de Criminologia Cautelar. São Paulo:
Saraiva, 2012.
14
OLMO, Rosa del. Geopolítica de las drogas. In Revista de Análisis, Medelín: junho de 1998.
15
BATISTA, Nilo. Política criminal com derramamento de sangue. In Rev. Brasileira de Ciências
Criminais, S. Paulo, - ano 5, nº 20, out./dez.1997, ed. RT, p. 129.
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juventude pobre do Rio de Janeiro: a disseminação do uso de cocaína trouxe como
contrapartida o recrutamento da mão-de-obra jovem para a sua venda ilegal e constituiu
núcleos de força nas favelas e bairros pobres do continente. Aos jovens de classe média,
que a consumiam, aplicou-se sempre o estereótipo médico e aos jovens pobres, que a
comercializavam, o estereótipo criminal. Este quadro propiciou um colossal processo de
criminalização de jovens pobres que hoje superlotam os sistemas de atendimento aos
adolescentes infratores e as prisões.
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Cf. BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis Ganhos Fáceis: drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio
de Janeiro. Revan, 2003 e Adesão subjetiva à barbárie. In Vera Malaguti Batista (org.) Loïc Wacquant e
a questão penal no capitalismo neoliberal; Rio de Janeiro: Revan, 2012.
17
MENEGAT, Marildo. A Crítica do Capitalismo em Tempos de Catástrofe: o giro dos ponteiros do relógio
no pulso de um morto. Rio de Janeiro: Consequência, 2018.
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O que ficou oculto nesse processo seria a maneira como a
necessidade lógica do progresso seria seu reverso, a regressão. A partir da grande crise
do capital na década de setenta do século XX nenhum estado nacional pôde bancar o
formato de bem estar social ou welfare state. Loïc Wacquant demonstra essa passagem
analisando o grande encarceramento, a passagem do estado social para estado penal nos
Estados Unidos dos anos oitenta18.
18
WACQUANT, Loïc. Punir os Pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro:
Revan,
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de guerra. As estratégias de congelamento dos gastos públicos em educação e saúde se
contrapõem à concentração de investimentos nas batalhas da segurança pública.
24
MEDEIROS, Gabriel Salgado Lacerda. Guerra sem fim: o papel macroeconômico da política bélica
neoliberal no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, apresentada ao Programa de Pós-graduação em
Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fevereiro de 2019, p. 132.
25
AGOZINO Biko, Counter-colonial criminology: a critique of imperialist reason, London, Pluto Press,
2003.
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Marx e o de sociedade contra o Estado em Clastres26. Para tanto ele trabalha os cadernos
etnográficos de Marx, compostos de anotações sobre os escritos do antropólogo
estadunidense Henry Morgan, que se deteve sobre as práticas políticas para além da
Europa Ocidental. Tible se vale também do pensamento do peruano Mariátegui. Através
do perspectivismo de Eduardo Viveiros de Castro ele produz esse encontro entre Marx e
a América Indígena a partir da diferença entre perspectiva e representação. Talvez o
melhor exemplo seja o que ele nos apresenta como o discurso cosmopolítico de Davi
Kopenawa, liderança Yanomami da Amazônia brasileira. Kopenawa trabalha a
predação branca como crítica da atividade econômica dos brancos baseada no fetiche do
ouro, na "fumaça do ouro", ele teme que "essa euforia da mercadoria nunca tenha
fim"27, fazendo um apelo contra a "predação generalizada do Povo da mercadoria"28.
Para Kopenawa, meio ambiente são as terras que não foram cercadas, contrapondo à
propriedade privada a inteligência coletiva e as lutas dos povos indígenas no Brasil.
Referência bibliográfica:
Poder Patriarcal y Poder Punitivo: diálogos desde la crítica latinoamericana. Gabriela L.
Gusis e Laura Farb (coords.). Buenos Aires: Ediar, 2020, pp. 299-312.
26
TIBLE, Jean, Marx selvagem. São Paulo: Annablume editores, 2013.
27
TIBLE, p. 248.
28
TIBLE, 243.
29
A Palavra dos Mortos, cit.
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