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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

PASTORAL URBANA

Prof. Mestre Cícero Bezerra

Secretaria Geral de Educação e Cultura - IEQ

2013

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

SECRETARIA GERAL DE EDUCAÇÃO E CULTURA


Rua Eduardo Sprada, 3806; Campo Comprido, Curitiba/PR;
CEP: 81210-370; fone/fax: (41) 3339-0272

Diretor Executivo
Pr. Almir de Paula

Produção
Prof. Mestre Cícero Zezerra

Preparação de Originais
Prof. Pr. Marco Antonio T. Lapa

Revisão
Prof. Roberto Carlos Carvalho Gomes

Projeto Gráfico
Eurípedes Mendes

Diagramação
Antonio Dias

Edição

Edição - 2013

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a permissão escrita dos autores, por
quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte. A violação dos direitos
dos autores (Lei n.9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do código penal.

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PASTORAL URBANA

APRESENTAÇÃO
Prezados alunos!

No mundo atual e urbano, a maioria dos 6,7 bilhões de habitantes


do planeta, vivem nas cidades, são 202 países e 5 continentes, a
cidade prevalece. Nesse ambiente e contexto, precisamos fazer
uma análise da atuação pastoral cristã nas cidades. Pesquisas foram
feitas nesse sentido, diálogos com vários autores e inteiração com
as situações urbanas que acontecem em várias partes do mundo.

A disciplina Pastoral Urbana visa capacitar o aluno a interagir


com a cidade, a desenvolver uma pastoral contextualizada e urbana,
no verdadeiro sentido da palavra.

O cidadão da cidade precisa de um tratamento adequado e um


pastoreio objetivo e definido para sua realidade de vida.

São vários temas abordados no decorrer da pesquisa, uma


inteiração será feita, com práticas pertinentes e com atividades
voltadas para a cidade. Alguns filmes serão sugeridos, algumas visitas
serão indicadas e alguns trabalhos serão feitos com fins de ajudar a
desenvolver os aspectos práticos da matéria.

Para você aluno, dedicado, comprometido com o reino de Deus,


a cidade é o seu grande desafio, o futuro e a evangelização nas
cidades; os valores urbanos precisam ser identificados, as alternativas
precisam ser definidas. O meu desejo é que esse curso seja um
diferencial em sua vida, espero que você seja impactado pelo trabalho
na cidade, e o amor de Deus pelas cidades, impacte sua vida. Olá, que bom
podermos estar
Mateus 21.10 nos diz que quando Jesus entrou em Jerusalém,
juntos novamente!!
toda a cidade ficou agitada e perguntava: “Quem é este?” A multidão
respondia: “Este é Jesus, o profeta de Nazaré da Galileia”.
A partir de agora
vamos estudar
Prof. Cícero Manoel Bezerra Pastoral Urbana

Desejo a você um
ótimo curso!

THEO

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

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PASTORAL URBANA

SUMÁRIO
PLANO DE ESTUDOS DA DISCIPLINA.........................................................................11
EMENTA..................................................................................................................... 11
OBJETIVO GERAL ......................................................................................................11
OBJETIVOS ESPECÍFICOS .........................................................................................11
PROGRAMA DA DISCIPLINA......................................................................................11

CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA E O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES...........................13


TÓPICO 1 – HISTÓRIA................................................................................................. 13
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 13
2 A URBANIZAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO.................................................................. 13
2.1 ESTUDO DA HISTÓRIA DA CIDADE........................................................................... 13
2.2 ESTUDO DO PAPEL E HISTÓRIA DA IGREJA NA CIDADE.............................................. 14
3. A HISTÓRIA DAS CIDADES....................................................................................... 15
3.1 Assentamento Permanente................................................................................. 16
4 O DIA A DIA NAS CIDADES........................................................................................ 16
TÓPICO 2 – O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES............................................................ 18
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 18
1.1 A ENTRADA DO EVANGELHO E O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES............................ 18
1.2 DURANTE A IDADE MÉDIA....................................................................................... 19
1.3 O INÍCIO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL..................................................................... 19
1.4 A MUNICIPALIDADE NO BRASIL .............................................................................. 19
2 DEFINIÇÃO LEGAL DE CIDADE NO BRASIL................................................................... 19
2.1 CARACTERIZAÇÃO DE CIDADES............................................................................... 20
TÓPICO 3 – A TRANSIÇÃO DO BRASIL RURAL PARA URBANO............................................ 21
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 21
2 O FATOR FAVELA....................................................................................................... 21
TÓPICO 4 – A FALTA DE COMPREENSÃO DA TRANSIÇÃO RURAL PARA O URBANO................ 22
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 22
2 DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES......................................................................... 22
Quer saber mais?..................................................................................................... 24
2.1 ALGUMAS MUDANÇAS DRÁSTICAS DO CAMPO PARA A CIDADE.................................... 24
TÓPICO 5 – IGREJA E URBANIZAÇÃO............................................................................. 25
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 25
1.1 O MAIOR DESAFIO DA PASTORAL URBANA ............................................................... 25
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 1.................................................................................. 27

CAPÍTULO 2 – A SITUAÇÃO SOCIAL E POLITICA DA GALILEIA NOS DIAS DE JESUS......29


TÓPICO 1 – SITUAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA.................................................................... 29

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1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 29
2 QUADRO POLÍTICO E ADMINISTRATIVO ...................................................................... 30
3 ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA ...................................................................................... 30
4 ORGANIZAÇÃO SOCIAL ............................................................................................ 31
5 INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS ...................................................................................... 31
6 O JUDAÍSMO NO SÉCULO I ....................................................................................... 32
6.1 OS PRINCIPAIS GRUPOS DO JUDAÍSMO DO SÉC. 1 d.C............................................... 32
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 2.................................................................................. 35

CAPÍTULO 3 – A AÇÃO DA IGREJA NA CIDADE A


PARTIR DO MINISTÉRIO DO APÓSTOLO PAULO........................................................37
TÓPICO 1 – O MINISTÉRIO DO APÓSTOLO PAULO
COMO REFERÊNCIA PARA A IGREJA NA CIDADE.............................................................. 37
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 37
2 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO.............................................................................. 37
2.1 O MAIOR DESAFIO DA PASTORAL URBANA................................................................ 38
3 A IGREJA SE RELACIONANDO COM A COMUNIDADE...................................................... 38
4 ANÁLISE DO MOVIMENTO EVANGELIZADOR URBANO DE PAULO..................................... 39
4.1 MOTIVAÇÕES MISSIONÁRIAS DE PAULO................................................................... 39
5 ESTRATÉGIAS MISSIONÁRIAS DE PAULO: ANÁLISE DAS VIAGENS MISSIONÁRIAS............ 41
5.1 PREGAÇÃO DO EVANGELHO NO PODER DO ESPÍRITO SANTO....................................... 41
5.2 PLANTAÇÃO DE IGREJAS......................................................................................... 42
5.3 APOIO ESTRUTURAL DA IGREJA DE ANTIOQUIA......................................................... 43
TÓPICO 2 – APRENDENDO COM PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS.................................... 44
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 44
2 FORMAÇÃO DE LIDERANÇA........................................................................................ 44
2.1 Razões pelas quais algumas pessoas chegam até a igreja.............................. 44
2.2 COMO ESCOLHER OS LÍDERES................................................................................. 46
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 3.................................................................................. 47

CAPÍTULO 4 – POBRES NA CIDADE............................................................................49


TÓPICO 1 – POBRES NA CIDADE................................................................................... 49
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 49
2 CONCEITUAÇÃO DA POBREZA.................................................................................... 49
3 A POBREZA E A INDIGÊNCIA SÃO REALIDADES............................................................ 50
3.1 A CLASSE DE INDIGENTES...................................................................................... 50
3.2 O PROFISSIONAL DA MISÉRIA................................................................................. 51
3.3 PENSANDO NO BRASIL........................................................................................... 51
3.4 OS POBRES PRECISAM SER CONSIDERADOS............................................................. 52
3.5 REAGINDO FRENTE À POBREZA............................................................................... 52
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 4.................................................................................. 55

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PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 5 – AÇÃO PASTORAL E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL.....57


TÓPICO 1 – POBRES NA CIDADE................................................................................... 57
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 57
2 A AÇÃO PASTORAL E O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO ........................................... 57
3 DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL ............................................................ 58
3.1 CONTRIBUIÇÕES BÍBLICAS PARA UMA PROPOSTA
DE DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL .......................................................... 58
3.2 FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL............................... 58
4 PRINCÍPIOS PARA O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL ............................... 59
5 PASSOS METODOLÓGICOS ........................................................................................ 61
6 DESAFIOS QUE TEMOS DIANTE DE NÓS...................................................................... 62
6.1 ALGUMAS SUGESTÕES PARA TAL AGENDA................................................................ 63
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 5.................................................................................. 65

CAPÍTULO 6 – A ESPIRITUALIDADE NA CIDADE E REFLEXÕES SOBRE A MESMA........67


TÓPICO 1 – A ESPIRITUALIDADE NA CIDADE.................................................................. 67
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 67
2 COMO REAGE O CIDADÃO MODERNO NA CIDADE?........................................................ 67
2.1 A BÍBLIA E A CIDADE............................................................................................. 68
2.2 JESUS E A CIDADE................................................................................................. 68
2.3 MUDANÇA DO CONTEXTO....................................................................................... 68
3 O EVANGELHO NAS CIDADES GREGAS E ROMANAS....................................................... 69
3.1 AS CRISES DO CIDADÃO DA CIDADE........................................................................ 70
4 A IGREJA PRECISA FAZER DIFERENÇA......................................................................... 72
5 A IGREJA DA CIDADE PRECISA INCENTIVAR A VIDA COM DEUS...................................... 74
TÓPICO 2 – REFLEXÕES SOBRE A CIDADE...................................................................... 75
1. INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 75
2 AS ESTRUTURAS DA URBANIZAÇÃO............................................................................ 75
2.1 CARACTERÍSTICAS DA GRANDE CIDADE BRASILEIRA................................................. 75
2.2 A LÓGICA DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA................................................................. 75
3 A PRESENÇA DA IGREJA NA CIDADE GRANDE............................................................... 76
4 MINISTÉRIOS CONFIADOS À IGREJA........................................................................... 77
5 A CIDADE E A IGREJA E SUAS RELAÇÕES PECULIARES.................................................. 78
5.1 POR QUE A IGREJA NÃO AGE NA CIDADE?................................................................ 79
6 PEQUENA ABORDAGEM SOBRE OS MUÇULMANOS NAS CIDADES.................................... 80
7 FUNDAMENTOS DA AÇÃO DA IGREJA NA CIDADE
A PARTIR DA AÇÃO DO APOSTOLO PAULO...................................................................... 81
7.1 A CONVICÇÃO MINISTERIAL: A EDIFICAÇÃO DA IGREJA DE CRISTO............................. 81
7.2 A CONVICÇÃO MISSIONÁRIA: AS BOAS NOVAS COMO
INSTRUMENTO MAIS ESSENCIAL DA EDIFICAÇÃO DA IGREJA............................................ 81

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7.3 A MOTIVAÇÃO ESCATOLÓGICA: O FIM JÁ COMEÇOU!.................................................. 81


7.4 A CONVICÇÃO METODOLÓGICA: A PLANTAÇÃO DE IGREJAS LOCAIS............................. 82
8 POR UMA AÇÃO PASTORAL EFETIVA NA CIDADE........................................................... 82
9 DESAFIOS DADOS À IGREJA AO MINISTÉRIO PASTORAL................................................ 83
10 MODELOS INADEQUADOS DE IGREJA E MINISTÉRIO PASTORAL.................................... 84
11 PROPOSTAS PARA O MINISTÉRIO PASTORAL NA CIDADE.............................................. 85
11.1 PREGAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO............................. 86
11.2 VISITAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE APROXIMAÇÃO E SOLIDARIEDADE..................... 87
11.3 ACONSELHAMENTO COMO FORMA DE ORIENTAÇÃO E APRENDIZADO CONTÍNUO......... 88
11.4 ASPECTOS PRÁTICOS........................................................................................... 89
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 6.................................................................................. 91

CAPÍTULO 7 – UM NOVO REFERENCIAL PARA O


PASTORADO, FUNDAMENTOS DO MINISTÉRIO PASTORAL ........................................93
TÓPICO 1 – FUNDAMENTOS DO MINISTÉRIO PASTORAL................................................... 93
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................... 93
2 CUIDADO................................................................................................................ 93
2.1 CUIDAR................................................................................................................ 93
2.2 COMO NÓS, PASTORES, CUIDAMOS DA COMUNIDADE?............................................... 93
3 MOBILIZAÇÃO.......................................................................................................... 94
3.1 MOBILIZAR........................................................................................................... 94
3.2 COMO NÓS PASTORES MOBILIZAMOS A COMUNIDADE?.............................................. 94
4 FORMAÇÃO (DE)....................................................................................................... 95
4.1 IDENTIDADE DO POVO DE DEUS.............................................................................. 95
4.2 DISCERNIMENTO DO POVO DE DEUS........................................................................ 95
4.3 MISSÃO DO POVO DE DEUS.................................................................................... 95
5 COORDENAÇÃO........................................................................................................ 95
6 COMO DEVE O MINISTRO CRISTÃO PROCLAMAR SUA FÉ NO CONTEXTO DA CIDADE?...... 95
7. AÇÕES PASTORAIS NA CIDADE, PISTAS E PRÁTICAS DIÁRIAS....................................... 96
7.1 O dia a dia com a violência .............................................................................. 96
7.2 A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA............................................................................... 97
7.3 ENCARANDO A VIOLÊNCIA ..................................................................................... 97
7.4 TAREFAS E MODELOS PASTORAIS RELEVANTES E CONTEXTUALIZADOS........................ 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 100

REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 101

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PASTORAL URBANA

PLANO DE ESTUDOS DA
DISCIPLINA
EMENTA
Esta disciplina visa preparar o aluno para exercer o ministério cristão na cidade e desenvolver
atividades pertinentes para uma ação transformadora nas áreas de influência da igreja local.

OBJETIVO GERAL
Levar o aluno à compreensão da pastoral urbana desenvolvida nas cidades, com compreen-
são bíblica, tomando Jesus como referência e apresentando alternativas contextualizadas de
evangelização.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Conceituar biblicamente a igreja na cidade.

• Refletir com vistas a aprender dos teólogos a respeito da igreja na cidade.

• Observar as diversas abordagens no que diz respeito à urbanização.

• Após reflexão adequada sobre a cidade, apresentar propostas alternativas.

• Capacitar o aluno a pensar e argumentar sobre a cidade.

PROGRAMA DA DISCIPLINA
CAPÍTULO 1 - A HISTORIA E O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

CAPÍTULO 2 - A SITUAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA DA GALILEIA NOS DIAS DE JESUS

CAPÍTULO 3 - A AÇÃO DA IGREJA NA CIDADE A PARTIR DO


MINISTÉRIO DO APÓSTOLO PAULO

CAPÍTULO 4 - POBRES NA CIDADE

CAPÍTULO 5 - AÇÃO PASTORAL E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL

CAPÍTULO 6 - A ESPIRITUALIDADE NA CIDADE E REFLEXÕES SOBRE A MESMA

CAPÍTULO 7 - UM NOVO REFERENCIAL PARA O PASTORADO,


FUNDAMENTOS DO MINISTÉRIO PASTORAL

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PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 1
A HISTÓRIA E O DESENVOLVIMENTO
DAS CIDADES

01
CAPÍTULO
FIGURA 01: CIDADES
Disponível em: blig.ig.com.br/acessivelparatodos/tag/turismo/
em 27.mar.2010

TÓPICO 1 – HISTÓRIA
1 INTRODUÇÃO
Ao iniciarmos o estudo dessa disciplina, será interessante
fazermos algumas perguntas:

• O que é urbanização?
• O que é uma cidade?
• Como acontece o dia a dia dos habitantes de uma cidade?

Essas são algumas perguntas que precisam ser feitas para


podermos desenvolver o tema.

O estudo da história de uma cidade ou de um bairro é necessário


para realizar um projeto evangelístico, ou um projeto ainda mais
abrangente e profundo que é o da pastoral urbana.

2 A URBANIZAÇÃO NO BRASIL E NO MUNDO


2.1 ESTUDO DA HISTÓRIA DA CIDADE
Para se fazer um estudo da história da cidade, você deve levar
em consideração que cada cidade tem sua própria história. Importa

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conhecer seus primórdios, seus processos urbanizatórios, quem exerceu ou exerce o poder político,
econômico e espiritual. É fundamental conhecer a lógica administrativa municipal. Quais são as
áreas privilegiadas na administração pública: educação, saúde, saneamento básico, especulação
imobiliária? O resultado (lucro) dos empreendimentos é reaplicado a favor da cidade e redunda
em melhor progresso e bem–estar social ou é desviado para aplicação distante? Quais são os
pontos fortes e os pontos fracos da cidade, do bairro?

2.2 ESTUDO DO PAPEL E HISTÓRIA DA IGREJA NA CIDADE


Além dos questionamentos anteriores, em relação a uma cidade precisamos estudar quem
são os fundadores da Igreja? Qual era então sua visão missionária, e hoje? Como se relacionam
com a cidade como um todo e como hoje a igreja se relaciona com a cidade? A igreja trabalha
e vive em função de seus filiados ou está mobilizada para a missão? Que desafios estão sendo
assumidos a partir dela? Que serviços estão sendo abraçados para promover a evangelização e
um serviço a favor da cidade e sua população? Como é exercida a liderança espiritual? A liderança
espiritual está centrada no pastor ou assume a dimensão de ministério compartilhado numa
diversidade de serviços?

A ideia de urbanização, no contexto da discussão pastoral, precisa ser situada dentro dos limites
conceituais mais claros. Não é raro vermos pessoas confundirem os termos “urbanização“ e “cidade”.

2.2.1 O Conceito de Urbanização


A urbanização é um fenômeno mundial. Trata-se do abandono do campo para a migração para
centros urbanos. Cerca de metade da população mundial, que já atingiu a cifra de seis bilhões e
meio de pessoas, mora em cidades. No Brasil, o assunto não é diferente. O Brasil deixou de ser um
país essencialmente rural no fim da década de 60, quando a população urbana chegou a 55,92%.
A mecanização das atividades rurais (o que dispensa a mão-de-obra) e a atração exercida pelas
cidades como lugares que oferecem melhores condições de vida são dois dos principais fatores
do êxodo rural. Atualmente, o país conta com 81,23% de seus habitantes morando em áreas
urbanas (IBGE - censo 2000).

2.2.2 Implicações
As cidades, principalmente nesses “dois terços” do mundo, não crescem apenas em população
(explosão demográfica), mas também em problemas sociais, econômicos e políticos. Pobreza,
violência, fome, doenças, favelas,; os problemas são imensos.

2.2.2.1 Megacidades
Outro grande problema é a formação de megacidades. Essas são áreas com uma população
igual ou superior a dez milhões de habitantes. De acordo com a ONU, estima-se que no ano 2015
Tóquio, Mumbai, Jacarta, Karachi, Lagos e São Paulo terão mais de 20 milhões de habitantes.

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PASTORAL URBANA

2.2.2.2 Cidades-globais
Outra categoria nos estudos urbanos é o da cidade global. Estudos feitos recentemente
mostram que hoje existem no mundo cinquenta e cinco cidades globais. Para sabermos se uma
cidade é global, leva-se em conta:

• O número de escritórios das principais empresas (em contabilidade, consultoria,


publicidade, banco e consultorias);
• A rede financeira e bancária;
• A rede de telecomunicações entre outros fatores.

As cidades-globais são vetores importantes da globalização. Elas são sede de poder e é, por
meio delas, que a economia global é administrada, coordenada e planejada. Algumas cidades são,
simultaneamente, cidades-globais e megacidades. Nova Iorque e São Paulo estão nessa categoria.

Não há como negar que a cidade se apresenta como a próxima fronteira missionária, nos
desafiando a entender a conjuntura sociocultural, para que o trabalho
missionário seja verdadeiramente salutar e produza frutos. O que
acontece nas cidades acaba por afetar uma nação inteira e o mundo
caminha na direção que as cidades seguem.

A cidade se apresenta como a próxima fronteira missionária, nos


desafiando a entender a conjuntura sociocultural para que o trabalho
missionário seja verdadeiramente salutar e produza frutos.

2.2.3 Uma cidade por definição


Uma cidade é uma área urbanizada, que se diferencia de vilas e outras entidades urbanas
através de vários critérios, os quais incluem população, densidade populacional ou estatuto legal,
embora sua clara definição não seja precisa, sendo alvo de discussões diversas.

O termo “cidade” é geralmente utilizado para designar uma dada entidade político-adminis-
trativa urbanizada. Em muitos casos, porém, a palavra “cidade” é também usada para descrever
uma área de urbanização contígua, ou seja, uma região metropolitana, como por exemplo: Grande
São Paulo, Grande Rio, Grande BH, Grande Curitiba e outras.

3 A HISTÓRIA DAS CIDADES


A história das cidades do mundo em geral é longa, sendo que as primeiras cidades teriam
surgido entre quinze a cinco mil anos atrás, dependendo das diversas definições existentes sobre
um antigo assentamento permanente como uma cidade.

15
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3.1 Assentamento Permanente


Definições sobre um antigo assentamento permanente:

• Sociedades que vivem em cidades são frequentemente chamadas de civilizações;

• O ramo da história e do urbanismo encarregado do estudo das cidades e do processo


de urbanização é a história urbana.

As primeiras verdadeiras cidades são, por vezes, consideradas grandes assentamentos per-
manentes, onde os seus habitantes não são mais simplesmente fazendeiros da área que cerca o
assentamento, mas passaram a trabalhar em ocupações mais especializadas na cidade, onde o
comércio, o estoque de alimentos e o poder foram centralizados. Como Ur dos Caldeus, na Meso-
potâmia, elas são resultantes do crescimento de pequenos vilarejos e/ou da fusão de pequenos
assentamentos entre si. Antes desta época, assentamentos raramente alcançavam tamanho
significativo, embora haja exceções como Jericó, por exemplo.

O crescimento de impérios antigos e medievais levou ao apare-


cimento de grandes cidades capitais e sedes de administração pro-
vincial. Roma possuía mais de um milhão de habitantes no século I
a.C., sendo considerada por muitos como a única cidade a superar
esta marca até o início da Revolução Industrial.

Nos territórios anteriormente ocupados pelo Império Romano, a


população das grandes cidades cairia drasticamente entre os séculos
V e VI, com as migrações dos povos bárbaros, o colapso do Império
Romano do Ocidente e o início do feudalismo.

4 O DIA A DIA NAS CIDADES


Atualmente, as grandes cidades são muito maiores e mais populosas do que em tempos pas-
sados. Um exemplo é Paris. Em 1400, possuia 225 mil habitantes em 8 km² de área. Atualmente,
a cidade possui 2,3 milhões de habitantes e 105 km², sendo que sua região metropolitana possui
mais de 11,2 milhões de habitantes e 14.518 km² de área.

Na imagem de satélite da maciça área urbanizada da região metropolitana de São Paulo


pode-se ver, na parte inferior da imagem, à beira do litoral do Oceano Atlântico, a área urbanizada
da região metropolitana de Santos.

A maioria das grandes cidades possui um centro financeiro, onde instituições financeiras,
sedes de grandes companhias e shopping centers estão localizados. Pessoas de todas as partes da

16
PASTORAL URBANA

cidade (bem como de cidades vizinhas


também) vão ao centro financeiro
trabalhar diariamente. A cidade de
Londres, por exemplo, como centro
financeiro da região metropolitana de
Londres, possui 2,90 km² e 8,6 mil
habitantes permanentes. No entanto,
mais de 300 mil pessoas de outros
cantos da região metropolitana vão
a Londres trabalhar diariamente. É
nesta realidade que a Igreja realizará
Missões Urbanas e fará a sua Pastoral.

FIGURA 02: SÃO PAULO – IMAGEM DE SATÉLITE


Disponível em: www.fotolog.com/oliviaeivo/12833588
em 27.mar.2010

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TÓPICO 2 – O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES

FIGURA 3: DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES


Disponível em: www.caiman.de/05_09/art_1/index_pt.shtml
em 28.mar.2010

1 INTRODUÇÃO
Neste tópico você vai conhecer e entender o crescimento das cidades e o seu desenvolvi-
mento, e a entrada do Evangelho neste contexto.

1.1 A ENTRADA DO EVANGELHO E O DESENVOLVIMENTO DAS CIDADES


Voltemos nossa atenção para o processo que se deu quando o evangelho ingressou no mundo
das grandes cidades gregas e romanas. Sabemos que, a certa altura, a mensagem do reino de
Deus transpôs os limites interioranos da Palestina e se espalhou pelo mundo urbano antigo. Muitas
pessoas estiveram por trás dessa irradiação da mensagem evangélica.

1.1.1 Modelo de Cidade da Época


A cidade helênica segue a linha da cidade da Grécia clássica e desenvolve a tradição de
planejamento urbano. Escavações desta localizam casas dos cidadãos, os templos e os prédios
do governo (buleuterion, prytaneion, arquivo), o teatro e o odeon, o ginásio e as termas. Já no
5º século a C. foi desenvolvido, na Jônia, o modelo urbano que recebe o nome do arquiteto Hip-
podamos, cuja base é uma rede quadrangular de ruas que divide toda a cidade em quadras de
igual tamanho. Esse plano de cidade tornou–se padrão para as novas fundações urbanas durante
a colonização helênica.

As antigas cidades normalmente tinham uma acrópole, um castelo para segurança. A acrópole
sumiu e a defesa foi confiada totalmente aos muros. Estes cercavam as cidades num círculo ir-
regular e envolviam também áreas não povoadas, quando isso era favorável à defesa.

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PASTORAL URBANA

1.1.2 O Anúncio de Jesus Cristo


De Antioquia na Síria até Roma na Itália, passando por Éfeso na Ásia Menor, Corinto na
Grécia, Filipos na Tessalônica na Macedônia e Alexandria no Egito, o anúncio sobre Jesus Cristo
foi acompanhando as grandes rotas comerciais da época, que interligavam os grandes centros
urbanos, por mar e por terra. Menos de vinte anos após a ressurreição de Cristo, havia peque-
nas comunidades cristãs por todo o mundo urbano mediterrâneo e até além dele. O que chama
a atenção não é o tempo nem a amplitude da divulgação. Vinte anos é um tempo razoável e o
tamanho das comunidades em relação à população das respectivas cidades não deve ter sido
muito significativo. O aspecto intrigante é que a mensagem evangélica encontrou ressonância
num meio totalmente diferente do de sua origem, e logrou fazer a cabeça e o coração de pessoas
da “polis” e da “urbs”, as quais a princípio nem eram visadas.

1.2 DURANTE A IDADE MÉDIA


Durante a Idade Média na Europa, uma cidade era tanto uma entidade político-administrativa
como um agrupamento de casas. Morar nas cidades passou a ser considerado um ato de liber-
dade em relação às obrigações rurais para com o senhor e para a comunidade feudal da época.

Algumas cidades, excepcionalmente, tais como Veneza, Gênova ou Lübeck, tornaram-se


Cidades-estados poderosas, por vezes tomando controle de terras próximas ou estabelecendo
extensivos impérios marítimos. Tal fenômeno não se limitou somente à Europa.

Após a ascensão do feudalismo, a maioria das cidades do mundo eram formadas por pequenas
populações, sendo que em 1500 existiam aproximadamente duas dúzias de cidades com mais de
cem mil habitantes. Em 1900 esse número aumentaria para 300, graças à Revolução Industrial.

1.3 O INÍCIO DA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL


O início da Revolução Industrial, a ascensão e o crescimento da indústria moderna, no final
do século XVIII, levou à massiva urbanização e à ascensão de novas grandes cidades, primei-
ramente na Europa. Posteriormente em outras regiões, as novas oportunidades geradas nas
cidades fizeram com que grande número de migrantes, provenientes de comunidades rurais, se
instalassem em áreas urbanas.

1.4 A MUNICIPALIDADE NO BRASIL


O Brasil é um dos únicos países do mundo a definirem a entidade administrativa urbana lo-
cal - o município - como um ente federativo. Esta entidade é definida pela Constituição Federal
e constitui a esfera mais local de poder (ao lado dos Estados e da União).

2 DEFINIÇÃO LEGAL DE CIDADE NO BRASIL


A definição legal de cidade, do ponto de vista demográfico, adotada pelo país é a do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão oficial do Governo Federal responsável pelos

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censos demográficos. Segundo tal critério, qualquer comunidade urbana caracterizada como
sede de município é considerada uma cidade, independentemente de seu número de habitantes,
sendo a parte urbanizada de seus distritos considerados prolongamentos destas cidades. O senso
comum brasileiro associa um município a uma cidade.

Desde 2003, o Brasil possui um órgão ministerial denominado Ministério das Cidades, que
tem a função de realizar o planejamento territorial e fiscalizar a gestão e o planejamento urbano
de todos os aglomerados urbanos do país, segundo as diretrizes e os princípios constantes na
Constituição e no Estatuto das Cidades.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DE CIDADES


O IBGE caracteriza a rede urbana da seguinte forma:

• Cidade pequena: 500 a 100.000 habitantes;

• Cidade média: 100.001 a 500.000 habitantes;

• Cidade grande: acima de 500.000 habitantes;

• Metrópole: acima de 1.000.000 de habitantes;

• Megacidade: acima de 10.000.000 de habitantes.

20
PASTORAL URBANA

TÓPICO 3 – A TRANSIÇÃO DO BRASIL RURAL PARA URBANO


1 INTRODUÇÃO
O Brasil inicia seu processo de urbanização por volta do séc. XIX. As cidades brasileiras,
especialmente as que possuem grandes concentrações demográficas, guardam um desenho
comum: grandes prédios, mansões e, saindo para os contornos da cidade, as favelas.

2 O FATOR FAVELA
O processo de urbanização é um fenômeno mundial. No primeiro mundo, especialmente na
Europa, este processo teve origem na revolução industrial com o surgimento da máquina a vapor
na Inglaterra. Poucas pessoas moravam nas cidades. Foi necessário importar do campo, da zona
rural, a mão de obra necessária. Não havia um programa de habitação. Os trabalhadores tiveram
que viver amontoados em lugares insalubres muito parecidos com aquilo que hoje faz parte
do cenário das “grandes” cidades brasileiras – as favelas. O crescimento populacional nos dois
últimos séculos, inclusive no Brasil, foi quantitativamente diferente de tudo que a humanidade
já havia experimentado. A primeira favela no Brasil, segundo dados do governo, surgiu no morro
da Providência, no centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1897.

Segundo o IBGE, mais de 10 milhões de pessoas vivem em favelas. Estudos da ONU projetam
que até o ano de 2020, haverá 1,4 bilhão de pessoas vivendo em favelas em todo o mundo, sendo
162 milhões na América Latina. Cerca de 52,3 milhões de pessoas vivem em favelas no Brasil.
O que a Igreja pode fazer neste contexto?

Favela, tal como definido pela agência das Nações Unidas UN-HABITAT, é uma área degradada
de uma determinada cidade caracterizada por:

• Moradias precárias.
• Infraestrutura precária e sem regularização fundiária.
• Baixa qualidade de vida.
• Limitado poder aquisitivo dos moradores.
• Áreas com edificações inadequadas, muitas vezes apertadas aos morros onde é difícil
construir edifícios estáveis e com os materiais tradicionais .
• Áreas de habitação que já foram respeitáveis, mas que se deterioraram quando os
habitantes originais foram deslocados para novas e melhores partes da cidade.
• Vastos assentamentos informais encontrados nas cidades do mundo subdesenvolvido e
em desenvolvimento.
• Áreas que são muito habitadas por pobres ou socialmente desfavorecidos.
• Área de características geográficas que variam entre as diferentes regiões.
• Edificíos variando desde simples barracos a estruturas permanentes e bem estruturadas.
• Falta de água potável, eletricidade, saneamento e outros serviços básicos.

Muitos moradores opõem-se energicamente contra a descrição de suas comunidades como


“favelas”, alegando que o termo é pejorativo e que, muitas vezes, resulta em ameaças de despejos.

A modernidade, as migrações, o surgimento da pílula anticoncepcional e a banalização do


aborto proveram sólido suporte para uma mudança de mentalidade, com efeito negativo sobre
o crescimento populacional entre a população terceiro mundista.

21
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

TÓPICO 4 – A FALTA DE COMPREENSÃO DA


TRANSIÇÃO RURAL PARA O URBANO
1 INTRODUÇÃO
A migração do mundo rural para o mundo urbano, no Brasil, significou uma mudança radical
no modo de vida de um imenso contingente de brasileiros. No que consiste essa caracterização
de mudança radical?

Através dos quadros que se seguem, vamos explorar uma caracterização dessas diferenças.

2 DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES


Vamos avançar na conceituação, sem a qual pouco se pode progredir em direção a uma
compreensão mais justa de um fenômeno social como esse.

Observe os quadros abaixo:

O MUNDO RURAL TRADICIONAL


Dimensão Características
Atividades Econômicas Diretamente ligadas à agricultura e à agropecuária. Praticamente a
totalidade dos habitantes se dedica a elas.
Natureza Força produtiva fundamental nesse mundo. O que dita o calendário
(temporalidade) e os ritmos de produção são os ciclos naturais. A essa
força produtiva o ser humano acrescenta trabalho.
Demografia População dispersa no espaço, expressando densidades demográficas
mais baixas que no urbano. A exigência de terrenos para a produção
não permite grandes concentrações.
Estrutura Social As comunidades rurais tendem a ser, quanto às suas origens étnicas
e culturais, bem mais homogêneas que as populações urbanas.
Mobilidade Social O destino do homem rural em termos de mudança de classe e status
social é inexistente. O homem rural, nessa situação, nasce camponês
e morre camponês, assim como seus ascendentes e descendentes.
Interações Sociais O número de pessoas e o número de recursos sociais com o qual o
homem rural se relaciona é necessariamente pequeno ao longo de
sua vida. As territorialidades do homem rural são mais estreitas e
limitadas, se comparadas como o modo de vida urbano.
QUADRO 1: O MUNDO RURAL TRADICIONAL
FONTE: Do Autor

Após ler o quadro acima você percebeu o quanto há para se notar no mundo rural além da
dimensão econômica? Há temporalidades e territorialidades próprias desse modo de vida.

Vamos observar outro quadro. Nele avançamos na caracterização conceitual dos modos de
vida rural e urbano e dos respectivos espaços.

22
PASTORAL URBANA

O MUNDO URBANO
Dimensão Características
Atividades Econômicas Múltiplas: indústria e serviços diversos se desenvolvem e são criados
quase que infinitamente.
Natureza Não é uma força produtiva no mundo urbano. Seus ritmos e tempo-
ralidades contam pouco, diante de um tempo inteiramente humano.
Demografia Populações concentradas espacialmente; altas densidades demográficas.
Estrutura Social Uma sociedade marcada pela diversidade quanto às suas origens
étnicas e culturais.
Mobilidade Social Grande a possibilidade de mudança; múltiplas atividades econômicas
significam várias profissões e significam também possibilidades de
ascensão social, de troca de classe social.
Interações Sociais O número de pessoas e o número de recursos sociais com o qual o
homem urbano se relaciona é imenso. As territorialidades do homem
urbano são amplas num mundo de conexões.
QUADRO 2: O MUNDO URBANO
FONTE: Do Autor

Um terceiro quadro que nos é de muito interesse, serve para dar respostas sobre a desruralização
do país, nos dois sentidos que estão sendo trabalhados: o da migração campo-cidade, propriamente
dito, e da modernização (urbanização) do campo. Trata-se do campo modernizado e ou urbanizado.

CAMPO MODERNIZADO (OU URBANIZADO)


Dimensão Características
Atividades Econômicas Ainda predominantes agropecuárias, porém para além da produção
e da criação avançou-se para o processamento industrial dos bens
agrícolas, como o exemplo da produção de álcool.
Natureza Com a tecnologia a dependência da natureza diminuiu significativa-
mente. Os ritmos do trabalho e suas temporalidades são cada vez
mais humanos, como no mundo urbano.
Demografia Populações mais e mais dispersas. Densidades demográficas mais
baixas que no rural tradicional. Diminuição do trabalho humano direto.
Estrutura Social Uma sociedade marcada pela diversidade quanto às suas origens étnicas
e culturais. Muitos trabalhadores desse campo moram nas cidades, prati-
camente tornando indistinta a diferença homem rural e homem urbano.
Mobilidade Social A modernização favorece a mobilidade social no campo com várias
novas profissões técnicas (operários das usinas de álcool, de suco de
laranja, de óleo de soja, técnicos de informática, operadores de má-
quinas sofisticadas etc.), necessárias para mover uma agropecuária
com alto conteúdo técnico-científico. Novas classes sociais.
Interações Sociais O homem do campo moderno mora nas cidades e está conectado a ter-
ritorialidades maiores. Quando habita o campo está conectado de várias
formas, longe do certo isolamento geográfico que vivia o homem rural.
QUADRO 3: CAMPO MODERNIZADO (OU URBANIZADO)
FONTE: Do Autor

23
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

A desruralização do Brasil pode, a partir desses quadros, ser bem caracterizada.

Quer saber mais?


Bibliografia: Jaime Oliva e Roberto Giansanti. O espaço agrário brasileiro
In: Jaime Oliva e Roberto Giansanti. Temas da Geografia do Brasil. São
Paulo: Atual Editora, 1999. p.239-273.

2.1 ALGUMAS MUDANÇAS DRÁSTICAS DO CAMPO


PARA A CIDADE
O que mobiliza os sujeitos no processo migratório do campo para
Para refletir: a cidade é a busca pela sobrevivência e o atendimento às necessidades

Em que segmentos básicas, tais como: trabalho, moradia, educação e saúde. Mesmo

do território estando presentes outros motivos como perda de familiares ou doença,


o que emerge dos discursos como eixo central é o trabalho.
brasileiro esse tipo
de modernização Em relação a essas mudanças é importante lembrar que se na
do campo está se igreja as pessoas não se sentem mais úteis descobrem o banco da
dando? Essas áreas praça, o banco dos aposentados e tem ali o seu lugar. Neste momento
testemunham as visualizamos a capacidade do ser humano de recriar, no aparente “de-
transformações serto da cidade”, a aproximação de cada um de nós.

referidas neste
tópico?

24
PASTORAL URBANA

TÓPICO 5 – IGREJA E URBANIZAÇÃO


1 INTRODUÇÃO

FIGURA 4: URBANIZAÇÃO
Disponível em: www.itaimpaulista.com.br/portal/index.php?sec... em 28.mar.2010

Para entender a urbanização e a presença de cada cidade nela, é indispensável:

• uma contextualização que apresente os aspectos comuns, ou seja, os aspectos derivados


da história da nação, do tipo de desenvolvimento executado etc.

• Uma contextualização que apresente os aspectos particulares, ou seja, os aspectos que


indicam as diversidades e singularidades. Neste sentido, precisamos identificar os com-
ponentes estruturais e conjunturais que vão desde as características físico-espaciais, a
origem, até elementos econômicos, políticos, sociais, culturais, as forças sociais, e assim
por diante.

O homem forma seu eu interior a partir de um processo de socialização, isto é, recebendo


ou constituindo um universo objetivo e moral de significação.

No caso brasileiro, em particular, precisamos estar atentos à velocidade do processo de


urbanização, que fez pular a população das cidades de menos de 13 milhões (1940) para cerca
de 110 milhões (1991), enquanto a população rural oscilou entre 30 e 40 milhões no mesmo
período, ou seja, manteve-se quase estável. A influência da origem rural ou urbana é evidente
também no campo religioso. De um modo geral, espíritas kardecistas e protestantes tradicionais
são urbanos no Brasil de hoje; pentecostais e católicos contam com alta porcentagem de fiéis de
origem rural ou interiorana. Na realidade católica há muito apego à tradição religiosa. A isso se

25
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

acrescente a crise das instituições: família, escola, Estado e Igreja, o que incide particularmente
sobre a educação da pessoa. Abre-se aqui, para a pastoral, o desafio de contribuir para que a
família seja, apesar das adversidades, lugar de ”personalização” e de iniciação à fé cristã ou,
alternativamente, de assumir um eficaz trabalho pedagógico de educação à fé, lá onde a família
não pode ou não quer desempenhar seu papel.

1.1 O MAIOR DESAFIO DA PASTORAL URBANA


O maior desafio da pastoral urbana está em tornar pública a presença da Igreja na cidade. A
sociedade atual, como vimos, abre espaço para uma profissão de fé cristã ou uma prática religiosa
no âmbito privado ou íntimo. Mas tende como “sistema”, a eliminar toda referência à religião.
Com estas premissas, ficará mais claro decidir os meios.

1.1.2 Os Meios da Pastoral Urbana


• O testemunho cristão exige “meios pobres”, a não utilização ambígua do poder, uma
presença mais crítica, mais espiritual da Igreja, no sentido forte da palavra reveladora
do Espírito de Cristo.

• Os movimentos de massa, as concentrações, as passeatas deverão ser expressão de


comunhão e solidariedade, não de manipulação.

• O uso dos meios de comunicação de massa não deverão ter prioridade sobre a
comunicação interpessoal, que é a maior riqueza da Igreja, também hoje. E quando
houver recursos, é preciso cuidar para que as tomadas de posição da Igreja não pareçam
estéreis, pouco confiáveis e distantes dos reais interesses dos habitantes da cidade.

Quando você aprende a manejar as pesquisas, você se torna mais objetivo para desenvolver
uma pastoral para a cidade. Um dos fatores importantes para a pastoral urbana é saber o que
esta acontecendo dentro da cidade, e saber fazer as leituras certas a respeito das tendências.
Com esta compreensão é possivel desenvolver uma estratégia de evangelização efetiva e obje-
tiva dentro da cidade. Uma igreja contextualizada e uma igreja que fala a língua do seu povo,
comunica de acordo com a necessidade de seus participantes. Espero que você possa colocar
em prática estes fundamentos.

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

26
PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 1

Nome: Série: Data de Entrega:

PARTE 1 - Questões:

1. Como acontece o desenvolvimento histórico da cidade?

2. O que marca uma grande cidade, quais são as suas estruturas de funcionamento?

3. Como se deu o processo de urbanização no Brasil?

4. Qual foi o fator fundamental para promover o início das favelas?

5. Cite algumas mudanças drásticas do campo para a cidade.

27
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

Os índices sociais são levantados através de pesquisa. Precisamos saber


fazer uma leitura adequada das pesquisas fornecidas pelos vários institutos
de pesquisa que temos. A pesquisa nos ajuda a identificar uma tendência,
a montar uma estratégia de evangelização para a cidade, a desenvolver um
programa de apoio a pastores etc.

Incentivo você a estar conectado com os temas atuais, com as necessidades


das cidades.

Os índices sociais que devem ser pesquisados, para uma análise e


planejamento de ação estratégica para a pastoral urbana, são:
• Taxa média geométrica de crescimento anual da população.
• Taxa de Urbanização.
• Razão de Sexo (contagem por sexo).
• Razão de Dependência (dependentes familiares).
• Esperança de vida ao nascer.
• Taxa de Atividade.
• Taxa de Desocupação.
• Índice de Gini (amostra de domicílios).
• Taxa de Analfabetismo.
• Famílias por Sexo do Chefe (ou pessoa de referência).
• Domicílios por condição de saneamento e luz elétrica.
• Água Canalizada.
• Lixo Coletado.
• Iluminação Elétrica.

CARACTERÍSTICAS “GONDOM CHILDE” DO PERÍODO URBANO

• Permanente assentamento em densas formações, agregações;


• especialização de trabalhos em regiões não rurais: poucas vocações
agriculturais; muitas vocações urbanas;
• taxação e acúmulo de capital;
• movimentos públicos: teatros, praças públicas, palácios;
• uma classe dominante;
• técnica de escuta, comunicação e facilidade de locomoção;
• desenvolvimento das ciências;
• desenvolvimento das expressões artísticas;
• troca e comércio;
• Membresia em comunidade.

28
PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 2
A SITUAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA
DA GALILEIA NOS DIAS DE JESUS

02
CAPÍTULO
FIGURA 5: GALILEIA
Disponível em: www.ccbhinos.kit.net
em 30.mar.2010

TÓPICO 1 – SITUAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA


1 INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é procurar reconstruir, em linhas gerais,
como estava organizada política, econômica, social e religiosamente
a Palestina no século I d.C., período em que Jesus nasceu e o Novo
Testamento foi escrito. Compreendemos que quanto mais conhecer-
mos o cotidiano palestinense neste período, será mais fácil avaliar o
impacto da mensagem cristã. Não é possível realizar a pastoral urbana
sem conhecer e entender o contexto onde a igreja está inserida.

A Palestina é uma estreita área situada entre a África e a Ásia,


funcionando como uma espécie de ponte entre estas regiões. Com
um território menor que o nosso estado do Espírito Santo, possuía
uma superfície de 34.000 Km2 e cerca de 650 mil habitantes. En-
contrava-se dividida em áreas menores: Judeia, Samaria e Galileia,
a oeste; Itureia, ao norte; Gualanítide, Bataneia, Traconítide, Au-
ranítide, Decápolis e Pereia, à leste e Idumeia ao sul. Vamos centrar
nas regiões situadas à oeste, uma vez que a maior parte dos fatos
referentes à vida de Jesus ocorreram neste cenário.

29
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

2 QUADRO POLÍTICO E ADMINISTRATIVO


A Palestina, durante as vidas de Jesus e de Paulo, foi governada, principal-mente, pela
Dinastia Herodiana e estava subdividida em outras regiões que, neste período, possuíram formas
de governo e administração distintas. Em 63 a.C., Roma conquistou a Palestina, aproveitando
a fragilidade da dinastia asmoneia em suas crises internas. Herodes governou os territórios da
Judeia, Samaria, Indumeia, Galileia e Pereia entre 37 a 4 a.C. De 6 até 41 d.C, a Judeia, Samaria
e a Indumeia passaram a ser administradas diretamente por procuradores romanos. Agripa I, neto
de Herodes, governou essa região entre 41 a 44 d.C. Após este período, a administração voltou
para as mãos dos procuradores romanos. As questões internas da comunidade judaica, contudo,
mesmo sob a administração romana eram resolvidas pelo Sinédrio, com sede em Jerusalém. Em
todas as cidades e vilas da Palestina também existiam pequenos sinédrios formados por três
membros que cuidavam de questões locais (Mt. 5:25).

Ainda que Roma tenha procurado manter as estruturas locais anteriores à conquista e tenha
respeitado a idiossincrasia judaica no tocante a diversos aspectos, a dominação romana implicou
na progressiva romanização e helenização e na cobrança de inúmeros impostos diretos e indiretos.
Por causa disto, face à irreversível ocupação romana na região, surgiram levantes e movimentos
de resistência armados contra Roma (Lc. 13;1; At. 5: 36-37, 21:37). O que resultou na Guerra
Judaica. Foi no decurso desta guerra que o Templo de Jerusalém foi novamente destruído e a
política tolerante de Roma em relação aos judeus revista.

Estes acontecimentos marcaram profundamente judeus e cristãos e foram um fator decisivo


no rompimento definitivo entre judeus e cristãos. Com a destruição do Templo, cessaram os
sacrifícios. Os cultos nas sinagogas ganharam importância, sendo dirigidos pelos rabinos fariseus.
A Judeia tornou-se província romana, na qual se encontravam duas legiões estacionadas. Contudo,
as revoltas não cessaram.

Em 132 a Palestina torna-se palco de nova revolta, agora liderada pelo judeu Simão Bar-
Kosba. Esta insurreição resultou numa acentuada baixa populacional na Palestina. Jerusalém foi
destruída e reconstruída como colônia romana, ou seja, ali foram fixados soldados aposentados
de diversas origens. Os judeus foram proibidos de entrar na cidade. No local do Templo foi
construído um templo pagão.

3 ORGANIZAÇÃO ECONÔMICA
Devido à sua posição estratégica, a palestina era uma região de passagem. Por ela circulavam
soldados, comerciantes, mensageiros, diplomatas etc. Essa região possuía importantes centros
urbanos, como Cesareia e Jerusalém, que concentravam pessoas e atividades econômicas. Como
em outras áreas do Império, nessa região existiam vias e portos, que facilitavam as comunicações
e transporte de mercadorias e pessoas. Havia uma incipiente manufatura, especializada na
defumação ou salgação de peixes, construção, fiação e tecelagem, produção de artigos em couro,
cerâmica, além de um artesanato de produtos de luxo, como perfumes, e a extração e tratamento

30
PASTORAL URBANA

do betume, substância utilizada para a calafetagem dos navios. Além disso, outros ofícios se
faziam presentes, principalmente nas grandes cidades, tais como os padeiros, carregadores de
água, barbeiros etc. O comércio, tanto interno quanto externo, também era praticado. A principal
atividade econômica da região, contudo, era a agricultura. As atividades de pesca, pecuária e
extrativismo também não podem ser esquecidas, devido à sua grande importância econômica.

4 ORGANIZAÇÃO SOCIAL
A sociedade palestinense pode ser dividida em quatro grandes grupos socioeconômicos:
os ricos, grandes proprietários, comerciantes ou elementos provenientes do alto clero; os
grupos médios, sacerdotes, pequenos e médios proprietários rurais ou comerciantes; os pobres,
trabalhadores em geral, seja no campo ou nas cidades; e os miseráveis, mendigos, escravos ou
excluídos sociais, como ladrões. Contudo, as diferenças sociais na Palestina não se pautavam
somente na riqueza ou pobreza do indivíduo, mas em diversos outros critérios, como sexo, função
religiosa, conhecimento, pureza étnica etc.

5 INSTITUIÇÕES RELIGIOSAS
O Templo foi, até 70 d.C., o mais importante centro religioso judaico. Destruído duas vezes,
estava sendo reconstruído neste período. As mulheres e os não circuncidados não podiam entrar
no interior do Templo. Neste edifício eram realizados os sacrifícios; o sinédrio se reunia; eram
armazenadas as riquezas e impostos dirigidos ao Templo, bem como os objetos de culto. Ou seja,
o Templo era muito mais do que um local de culto.

Organizando a vida religiosa e os cultos,


no templo existia um amplo clero chefiado pelo
sumo-sacerdote, que provinha das famílias
judaicas mais ricas da palestina. Os sacerdotes,
tanto sob o governo dos herodianos quanto dos
procuradores, eram escolhidos e destituídos pelos
governadores civis. Logo, este posto possuía
um forte caráter político. O sumo-sacerdote
era auxiliado por diversos funcionários, todos
FIGURA 6: TEMPLO DE JERUSALÈM
provenientes das famílias mais importantes: Disponível em: viagem.uol.com.br
em 30.mar.2010
o comandante do Templo; os chefes das 24
equipes semanais, os sete vigilantes, três tesoureiros. Existiam cerca de 7 mil outros sacerdotes
divididos em 24 equipes que se revezavam nos serviços do Templo. Em média, cada sacerdote
atuava cinco vezes por ano. Recebiam salário, que provinha dos sacrifícios e do dízimo. A função
sacerdotal era hereditária. Ao lado dos sacerdotes, havia 10 mil levitas, também organizados
e 24 equipes. Atuavam como músicos ou porteiros, também cinco vezes ao ano. Não recebiam
salários. As sinagogas também eram centros religiosos, uma vez que nelas se cultuava a Deus
e era estudada a Lei, tal como ocorre ainda hoje. As festas religiosas também possuíam um
papel destacado na vida judaica. Nestas ocasiões o povo se reunia em Jerusalém e celebrava a

31
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

intervenção divina em sua história. Outras práticas religiosas judaicas comuns no século I d.C.
eram a circuncisão, a guarda do sábado e a oração cotidiana, realizada pela manhã e à tarde.
Contudo, apesar de uma aparente unidade, o Judaísmo estava subdividido em uma série de
facções político-religiosas, que apresentaremos no próximo item.

6 O JUDAÍSMO NO SÉCULO I
Muitas pessoas pensam no judaísmo do século I d.C. como um bloco monolítico, uma religião
solidamente unificada que o cristianismo dividiu, formando uma religião nova. Entretanto, havia
muitos grupos diferentes dentro do judaísmo antigo e o movimento de Jesus era, a princípio, só um
deles. Assim, a separação do cristianismo do judaísmo não foi súbita, mas aconteceu gradualmente.
O Judaísmo no tempo de Jesus parecia muito com as divisões internas do cristianismo de hoje.
Para entendermos o Novo Testamento mais completamente, especialmente como a vida de Jesus
é apresentada nos Evangelhos, nós precisamos conhecer a variedade dos grupos judaicos que
existiram no primeiro século.

6.1 OS PRINCIPAIS GRUPOS DO JUDAÍSMO DO SÉC. 1 d.C.


Os principais grupos do judaísmo do séc. 1 d.C. eram:

• Os Fariseus - Lc. 18: 10-12; Atos 5: 34; 22:3


• Os Saduceus - Mc. 12:18-27; Lc. 20:27; At. 4:1; 5:17; 23:6; Mt. 16:1-12; Mc. 18:12-27
• Os Essênios - Os essênios não são mencionados no Novo Testamento.
• Os Herodianos - Mc. 3:6
• Os Zelotes - Lc. 6:15; At. 1:13

Outros grupos – Os levitas do Templo; os escribas; os movimentos batistas (seitas populares


que mantinham as práticas de batismo de João Batista), dentre outros.

Quando Jesus Cristo iniciou sua pregação foi visto como mais um dentre os diversos grupos
que já possuíam interpretações próprias da lei. Contudo, a mensagem de Cristo mostrou-se
revolucionária, chegando a formar uma nova religião. Jesus soube colocar o homem acima da
Lei e das tradições e proclamou que qualquer mudança só poderia se iniciar a partir do coração
do homem que, pela fé em seu sacrifício salvador, era restaurado.

Portanto, a Palestina no século I d.C. era um grande mosaico de povos e costumes.


Dominados por Roma, os judeus, maioria da população, acabaram por revoltarem-se, o que
redundou no efetivo domínio romano. Área produtiva, a maior riqueza da região, contudo, era a
sua privilegiada posição estratégica. Cada vez mais influenciada pela cultura romano-helenística,
o judaísmo resistia, mantendo suas práticas e instituições, mesmo que excluindo alguns grupos.
Ao final do século I, com a Guerra Judaica e a extinção da grande maioria das seitas judaicas, o
judaísmo acabou por gerar uma religião autônoma, o cristianismo, e a passar por um processo
de cristalização farisaica.

32
PASTORAL URBANA

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

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RASCUNHO

34
PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 2

Nome: Série: Data de Entrega:

Questões:
1. Onde sua igreja está localizada?

2. Quais são os principais grupos influentes no seu bairro?

3. Existe violência no seu bairro? Quais são os motivos?

4. Pensando na capacidade de influenciar, como você deve agir no seu bairro?

5. Sua igreja é bem conhecida no seu bairro?

6. Os moradores de seu bairro participam das ações da igreja?

7. Sua igreja já desenvolveu alguma ação de impacto no seu bairro? (Exemplos: na rua da
cidadania, em praças, locais públicos, ações com as famílias, visitas de casa em casa, dis-
tribuição de folhetos para todas as residências do bairro).

35
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

RASCUNHO

36
PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 3
A AÇÃO DA IGREJA NA CIDADE A PARTIR
DO MINISTÉRIO DO APÓSTOLO PAULO

03
CAPÍTULO
FIGURA 7: O MINISTÉRIO DE PAULO NAS CIDADES
Disponível em: desafiandooscambiadore...
em 30.mar.2010

TÓPICO 1 – O MINISTÉRIO DO APÓSTOLO


PAULO COMO REFERÊNCIA PARA A
IGREJA NA CIDADE
1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo o ponto de referência será o ministério do apóstolo
Paulo. Estudaremos seu método de trabalho, as implicações de suas
estratégias e os motivos que o levaram a um trabalho sério e engajado
na pregação do evangelho.

2 CARACTERÍSTICAS DO TRABALHO
Através do ministério do apóstolo Paulo, 52 novas igrejas foram
estabelecidas no contexto do Novo Testamento. Números como estes
devem ser considerados para servirem de referência para nossa ação
evangelizadora na cidade.

Outra característica fundamental da atividade urbana paulina


é o trabalho em equipe. Precisamos aprender a considerar que um

37
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

dos aspectos de sua grandeza reside justamente em que ele não trabalhou sozinho. “Desde o
princípio, a missão de Paulo foi empreendimento coletivo”.

Sua natureza corporativa era um dos elementos mais eficientes na adaptação bem-
sucedida da missão urbana. Sua atividade missionária esteve baseada no trabalho autônomo
das comunidades, as quais delegavam a missão àquelas pessoas que costumamos chamar de
colaboradores de Paulo.

A permanência relativamente curta de Paulo, nas cidades por onde passava, não teria
dado os resultados que deu se não houvesse, em cada lugar, um grupo de homens e mulheres
assumindo consciente e autonomamente a edificação de comunidades e a divulgação do Evangelho.
Paulo aprendeu essa maneira de trabalhar na comunidade de Antioquia, na qual ele próprio foi
colaborador por muitos anos (At. 13:1-3).

A partir da atividade itinerante surgiam pequenas comunidades domésticas que,


autonomamente, tomavam em suas mãos a continuidade do trabalho. Portanto, Paulo não chamava
seguidores nem tinha discípulos. Ele tinha colaboradores, sendo ele mesmo – embora líder – um
colaborador no trabalho ao lado de outras pessoas. Esse método, mais do que uma estratégia
bem definida, era exigência do meio urbano, com sua diversidade étnica, cultural e de condição
social. Faz sentido que equipes formadas por pessoas das respectivas cidades, conhecedoras do
seu contexto, levassem adiante o trabalho, estimuladas pelos apóstolos e pelas comunidades já
formadas.

2.1 O MAIOR DESAFIO DA PASTORAL URBANA


O maior desafio da pastoral urbana está em tornar “pública” a presença da Igreja na cidade. A
sociedade atual, como vimos, abre espaço para uma profissão de fé cristã ou uma prática religiosa
no âmbito privado ou íntimo. Mas tende, como “sistema”, a eliminar toda referência à religião.

Precisamos ter uma base bíblica de referência para articularmos uma ação objetiva da igreja
na cidade. Vamos tomar como base a ação desenvolvida pelo Apóstolo Paulo.

3 A IGREJA SE RELACIONANDO COM A COMUNIDADE


A igreja se relaciona diretamente com a vida comunitária. Ela vive junto, ora e atua em
comum, onde cada um coopera para o bem de todos e, através da construção de uma sociedade
cristã e justa, se deduz qual é o sentido de ser igreja. A evangelização está presente, levando
a comunidade eclesial a atuar de modo a obedecer à ordem de seu Senhor, apontando o
sentido de sua existência. A força atual da igreja só será medida quando se puser em prática a
evangelização, com todos os elementos que ela supõe. Deus decidiu usar homens e mulheres
para realizar a proclamação de seu Filho. Por isso, os resgata, os chama, os vocaciona, os
capacita e os respalda para essa obra. Esse é o papel da igreja: através da ação polarizadora
do Espírito Santo levar as boas novas aos que ainda não ouviram. Ou seja, precisamos conhecer
a Deus e torná-lo conhecido.

38
PASTORAL URBANA

Não devemos medir esforços para aprender com Paulo em Atos dos Apóstolos. Em primeiro
plano, analisar profundamente o que motivava o apóstolo a pregar o evangelho de cidade em cidade
e as estratégias que ele usou para fazer isso. E desta forma, num segundo momento, teremos
uma visão clara para ver se podemos ou não usar essas mesmas motivações e estratégias para
a transformação da sociedade vigente através da obra redentora e conciliadora de Jesus Cristo,
proclamado com profundidade teológica e fervor missionário.

4 ANÁLISE DO MOVIMENTO EVANGELIZADOR URBANO DE PAULO


Paulo fora perseguidor da Igreja, contudo, com a sua conversão, o movimento missionário
ganhou força. Em Atos 13, o Espírito Santo mostra claramente a missão que Paulo e Barnabé
deveriam desempenhar. Com o aval da igreja de Antioquia, os dois saem para a tarefa missionária.
A partir daí, Paulo passa para a história, então, como uma combinação de teólogo profundo e
missionário fervoroso.

Para analisar o movimento missionário do apóstolo Paulo, precisamos responder duas


perguntas: o que motivou Paulo nessa tarefa e quais foram as estratégias missionárias que ele
usou? Paulo estava motivado a evangelizar, plantar igrejas e organizar comunidades, apesar de
toda hostilidade e perseguição de seu povo. Era óbvio que algo o movia. Podemos chamar isso
de motivações missionárias de Paulo. A pergunta que nos urge é: o que motivava Paulo a pensar
em missão?

4.1 MOTIVAÇÕES MISSIONÁRIAS DE PAULO


4.1.1 Paixão por Cristo: a primeira motivação de Paulo era proveniente de um sentimento
levado a um alto grau de intensidade, de um amor ardente, de uma inclinação afetiva, de um
afeto dominador e um entusiasmo muito vivo por Cristo e sua obra. Este sentimento norteava o
ministério de Paulo e o impelia para que levasse adiante as Boas Novas (Rm. 8:36-39; 1 Co. 2:9;
1 Co. 16:22). Essa paixão, portanto, incitava o apóstolo a estar sempre no centro da vontade
daquele a quem pertencia seu coração.

Será possível falar em um amor abnegado, ardente e num entusiasmo grande por Cristo nos
dias de hoje? Creio que mais do que tudo hoje, a igreja precisa resgatar esse primeiro amor por
Cristo. Aliás, somos exortados pelo próprio Cristo a isso (Ap. 2:4-5).

4.1.2 Paixão pela igreja: isso motivou Paulo. Ele compreendeu que amava a Cristo acima
de todas as coisas, e esse amor o levou a amar a igreja de uma forma imensurável. As pessoas
de nossas comunidades precisam viver esse amor ardente, tanto por Cristo como pela igreja.
Por diversas vezes vemos Paulo tomando as dores de Cristo pela igreja. Podemos entender essa
preocupação como um resultado do amor ardente de Paulo por Cristo. O sentimento motivador
de Cristo a se entregar pela igreja era o mesmo que Paulo tinha por ele. A entrega, portanto, era
bilateral: Cristo se entregou pela igreja, e Paulo se entregou por ele (2 Co. 12:15).

As suas epístolas às igrejas eram carregadas de uma preocupação abnegada por tudo o

39
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

que acontecia dentro dessas comunidades. Ele considerava-os seus filhos, e por isso exortava
quando era preciso (2 Co. 6:13; Ef. 3:1; Fl. 1:3-5, 4:1-4; Cl. 1:3-10, 1 Ts. 1:2-10, 5: 12-27; 2
Ts. 1:11-12, 3:6-15).

4.1.3 Convicção do seu chamado: a terceira motivação missionária do apóstolo Paulo era
a profunda convicção de que ele fora chamado para ser apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de
Deus. Isso se expressa na maioria de suas epístolas, nas quais ele recorre à autoridade de seu
apostolado para confirmar seu ministério (Rm. 1:1, 1 Co. 1:1, 2 Co. 1:1, Gl 1:1, Ef. 1:1, Cl 1:1,
1 Tm. 1:1, 2:7; 2 Tm. 1:1, 1:11; Tt. 1:1; Fm. 1). Paulo se considerava um apóstolo como os
outros doze que andaram com Jesus durante os três anos e meio de seu ministério terreno. Essa
autoridade apostólica vinha do fato dele ter visto o Senhor Jesus em sua viagem a Damasco
(1 Co. 9:1), e de ser um instrumento para levar o evangelho às pessoas. Ele chega a defender
seu apostolado na primeira carta aos Coríntios (10, 11, 12). Essa convicção de que fora chamado
para pregar o evangelho, impulsionava Paulo a continuar seu trabalho mesmo diante das muitas
pressões e perseguições que sofria (Rm. 1: 16-17; Fl. 3:12-14; Cl. 4:3; 1 Ts. 2:2).

Expressamos aqui a preocupação legítima com a carência de vocações que estamos vivendo.
Há uma busca pelo sagrado, mas há uma necessidade de vocações. E quando surgem vocações,
como tratamos delas?

4.1.4 Necessidade das pessoas: outra motivação missionária que constrangia Paulo, era
a visão que ele tinha de que o mundo necessitava das Boas Novas. Em 1 Tm. 2:4, ele diz que o
desejo de Deus é que todas as pessoas cheguem ao pleno conhecimento da verdade; e esse era
também um desejo do próprio Paulo. Segundo Lopes, o alvo de Paulo era o mundo, os gentios,
o remanescente fiel, o maior número possível de eleitos, onde os pudesse encontrar. Essa visão
fazia parte da motivação de Paulo em sair plantando igrejas ao longo de seu ministério. Ele
entendia a real necessidade do mundo em conhecer a Deus e tinha grande compaixão para com
as pessoas (1 Co. 9:9; At. 17:16).

Os tempos que estamos vivendo têm sido marcados por muitas dificuldades: guerrilhas
urbanas, violência sem controle, brutalidade, fome, miséria, drogas, impunidade, corrupção,
desamor, tragédias, desigualdade social, pais se levantando contra filhos e filhos contra pais. A
lista é imensa e parece não ter fim.

Temos sentido hoje, que o mundo precisa de Deus, e Deus decidiu usar servos. Somos seus
servos para tentar levar a mensagem das boas novas ao mundo que vivemos, pois só ela é capaz
de transformar a atual conjuntura. As necessidades das pessoas e de toda a criação de Deus
devem nos impulsionar a levar essa mensagem de salvação e vida. Alberto Antoniazzi diz que:

“A questão é oferecer condições às pessoas de fazer uma experiência de Cristo.


Neste sentido, não basta reforçar a instituição ou dar mais publicidade à sua
mensagem. Deve-se levar à experiência salvífica, a qual só se realiza no contexto
da comunidade cristã, do povo de Deus. Pois o encontro com o Cristo vivo se dá
hoje, como no início, através do encontro com seus discípulos... se torna exigência
de que os discípulos acolham como Ele acolheu, amem como Ele amou, sirvam

40
PASTORAL URBANA

como Ele serviu, perdoem como Ele perdoou, curem as enfermidades do corpo e do
espírito como Ele curou, encontrem sua felicidade nas bem-aventuranças, anunciem
aos pobres e oprimidos o tempo da libertação e da graça. Precisamos investir na
proclamação da mensagem de Cristo que vá de encontro às necessidades das
pessoas. Isso não significa mudar o conteúdo da mensagem, mas mudar a forma
de proclamá-la, a linguagem.”

4.1.5 Convicções teológicas: creio que uma das motivações que podemos aprender com
Paulo é sobre suas convicções teológicas. Curioso notar que Paulo não se deixava levar pelos
ventos doutrinários de sua época e combateu vários deles. Uma das maiores dificuldades hoje em
dia é que tem se adaptado a teologia à realidade e não a linguagem. Isso é um sério problema. O
apóstolo Paulo exorta para não cedermos a qualquer vento de doutrina (Ef. 4:14). Quando Paulo
e Silas foram enviados a pregar em Bereia, aquelas pessoas que ouviram a mensagem foram
consideradas mais nobres que os tessalonicenses, porque “de bom grado receberam a palavra,
examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim” (At. 17: 10-11). Precisamos
estar firmados em nossas convicções, adaptando a linguagem ao contexto que estamos inseri-
dos, para que a palavra proclamada possa, de fato, transformar vidas. Desta forma, podemos
concluir que suas motivações missionárias eram carregadas de paixão por Cristo e pela igreja,
eram baseadas na certeza de seu chamado como apóstolo, estavam encharcadas com a visão
divina acerca da necessidade das pessoas e do mundo e, por fim, tinham como pano de fundo
suas convicções teológicas.

5 ESTRATÉGIAS MISSIONÁRIAS DE PAULO:


ANÁLISE DAS VIAGENS MISSIONÁRIAS
A partir de Atos 13, Paulo realiza três viagens missionárias pregando em várias cidades impor-
tantes. A estratégia missionária de Paulo tinha como base a sua própria experiência de conversão
e regeneração. Sua mensagem era a de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Suas
pregações sempre tocavam no assunto de ser uma nova criatura em Cristo.

As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da igreja e iam de encontro à sociedade


daquela época: seus governos, instituições e religiões. Paulo penetrou no mundo romano alta-
mente urbanizado com estratégias em sua mente.

5.1 PREGAÇÃO DO EVANGELHO NO PODER DO ESPÍRITO SANTO


Uma marca peculiar da estratégia de missão de Paulo foi a pregação do Evangelho no poder
do Espírito Santo. Paulo estava disposto a levar o evangelho por onde quer que fosse, em toda
sua integridade, embora fosse condenado e perseguido por isso. Sofreu perseguição, foi preso,
mas não cessava de pregar e ensinar o Evangelho (At. 28: 30-31), contudo, a base para Paulo
fazer isso era o próprio Espírito Santo. O apóstolo estava cheio do Espírito (At. 13:9, 52; 19:2-6),
e realizava toda obra no Seu poder. Foi o próprio Espírito que o vocacionou para a tarefa mis-
sionária (At. 13:2), o enviou (13:4), o capacitou (13:9), o sustentou (13: 52). Deus, através de
seu Espírito, cuidava (At. 20: 23) e direcionava todo o ministério de Paulo, guiando-o a ponto de
dizer onde pregar ou não (At16: 6-7).

41
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

Por que será que a pregação atual não tem sido tão eficaz quanto nos dias da igreja primi-
tiva? “Como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm. 10:14).

Sem o poder do Espírito Santo é impossível sermos eficazes na pregação do Evangelho.


Sem o Espírito que nutre e dá vida à mensagem, o que falamos se torna ensaio moral, discurso
político, desabafo de frustrações emocionais, parlatório.

Através do Espírito é que ela pode e consegue transformar corações de pedra em corações
de carne (Ez. 36: 26). Na realidade, essa primeira estratégia missionária de Paulo, se podemos
chamá-la assim, era fruto de um íntimo relacionamento com Deus, demonstrado em sua vida,
na sobriedade de suas cartas, na seriedade de seu ministério e na autoridade que ele possuía.
Paulo procurava sempre estar no centro da vontade de Deus, revelada através do Espírito Santo.

Precisamos ver os dois fatos lado a lado: Escrituras e poder de Deus.

Quanto às Escrituras, somos tendentes a substituí-la por qualquer outra sabedoria, ou pelas
tradições, ou pelos modismos, ou pelas inovações. Mas, não podemos substituir a palavra de
Deus por nada. A Palavra de Deus é articulada pelo Espírito Santo. O próprio Senhor Jesus a usou
para validar sua autoridade de Filho de Deus (Lc. 4:17-19). Somos sustentados diariamente pelo
poder de Deus. Conhecer as Escrituras sem o poder de Deus nos torna doutores da lei. Conhecer
o poder de Deus sem as Escrituras nos faz cristãos superficiais. Para pregarmos eficazmente o
evangelho na atualidade é necessário haver este equilíbrio: Escrituras e poder de Deus.

5.2 PLANTAÇÃO DE IGREJAS


Paulo foi um plantador de novas igrejas. Entretanto, ele não plantou igrejas por todo canto
que passou, mas escolhia a dedo em quais cidades valia a pena este investimento. Aparentemente,
Paulo não queria perder tempo com cidades menos importantes. Ele escolhia cuidadosamente
centros estratégicos e planejava como seria a proclamação da mensagem de salvação. Ele fez isso
em cidades importantes como Listra, Antioquia da Pisídia, Filipos, Tessalônica, Atenas, Corinto,
Éfeso e Roma, a principal cidade de todo império.

As cidades que Paulo entrou eram centros de administração romana, sob a influência grega e
judaica, além de serem importantes centros culturais, sociais e comerciais. Quando passava pelos
centros romanos, procurava proteção legal do governo e ainda usava um modo de influenciá-los
para a aceitação do evangelho. Segundo Nicodemus Lopes, a cidade de Tessalônica tornou-se
a base missionária para a província da Macedônia; Corinto a base para a província da Acaia; e
Éfeso, a sua base para a Ásia proconsular.

Paulo tinha consciência da importância dos neoconversos estarem em lugares específicos para
comungarem sua fé. Por isso, os organizava em igrejas, em comunidades locais. O propósito de
Paulo era promover os meios pelos quais eles fossem edificados, instruídos, celebrassem a Ceia,
cultuassem a Deus e se envolvessem no próprio projeto de expansão do cristianismo. Atualmente,
a evangelização também é feita, mas é possível que o princípio de Paulo não seja repetido. Não

42
PASTORAL URBANA

existe com tanto afinco a ideia de plantar novas igrejas. Corre um estranho pensamento que uma
igreja nova só é plantada com pesados subsídios e de líderes de igrejas maiores. Por isso, ao invés
de sair plantando igrejas novas em todo canto da cidade, é melhor investir nas reuniões nos lares
(grupos pequenos). Não há o pesado investimento como haveria no caso de plantar uma nova
igreja; não há necessidade dos líderes, basta treinar os crentes; o suposto problema da falta de
comunhão entre os membros é resolvido. Mas só quem viveu nos dois lados sabe que existe muita
diferença entre uma igreja grande com grupos pequenos e uma igreja pequena. O fato é que
precisamos pensar em plantar novas igrejas como uma importante estratégia missionária.
Precisamos perder o medo de desmembrar grandes igrejas em pequenas comunidades onde é
possível viver com mais afinco a comunhão e o aprendizado da Palavra.

5.3 APOIO ESTRUTURAL DA IGREJA DE ANTIOQUIA


Antioquia da Síria é a mais importante cidade da história primitiva do cristianismo, depois
de Jerusalém. Nessa cidade foi estabelecida a primeira igreja gentílica (At. 11:20-21) e foi ali
também que, pela primeira vez, se chamaram cristãos os discípulos de Jesus Cristo (At. 11:26).
A igreja foi fundada por cristãos que tiveram que sair de Jerusalém após a morte de Estevão. Os
apóstolos, vendo que o trabalho prosperava naquele lugar, enviaram Barnabé para ajudá-los (At.
11:22). Paulo, depois da fuga de Damasco (At. 9:25), é enviado para Jerusalém, Cesareia e depois
para Tarso. Barnabé, um dos primeiros de Jerusalém a crer na conversão de Paulo, vai buscá-lo
em Tarso e leva-o para Antioquia para auxiliá-lo na tarefa de ensinar a igreja (At. 11:25-26). Em
Atos 13, há o comissionamento dos dois, pela igreja, para obra missionária.

Depois da primeira e segunda viagem missionária, Paulo retorna à igreja que o havia enviado
para relatar tudo o que tinha feito no tempo que ficou fora (At. 14:26-27; 18:22-23). Já na
terceira viagem missionária, Paulo é preso em Jerusalém, mas podemos entender que assim como
aconteceu com as duas primeiras, seu desejo era de relatar aos irmãos o que havia acontecido
nessa viagem. Paulo considerava isso importante estratégia em seu ministério. Sua ligação com
a igreja de Antioquia era grande. A sua “casa” oferecia apoio espiritual e moral (At. 13:3). A
questão financeira, muito embora não apareça explicita dessa forma, provavelmente existia, pois
o apóstolo viajava com o aval da referida comunidade.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

TÓPICO 2 – APRENDENDO COM PAULO


EM ATOS DOS APÓSTOLOS
1 INTRODUÇÃO
Nesse tópico abordaremos a importância de investir na liderança. Novos líderes devem
surgir; os líderes atuais devem ser capacitados e os líderes antigos precisam se atualizar. Como
descobrir novos líderes? Não acontece evangelização na cidade sem o apoio e trabalho de uma
liderança comprometida.

2 FORMAÇÃO DE LIDERANÇA
Será que, depois de quase dois mil anos, as estratégias missionárias de Paulo podem ajudar o
movimento missionário atual? É possível desenvolvermos estratégias missionárias atuais baseadas
nas estratégias de Paulo? Se possível, como fazer?

Além de fundar novas comunidades, Paulo não desejava abandoná-las. Por isso ele trabalhava
na formação de uma liderança que poderia substituí-lo quando fosse embora. Como seu ministério
era um constante movimento, ele achou melhor discipular pessoas escolhidas por ele mesmo para
serem os líderes dessas comunidades na sua ausência. À medida que Paulo pregava o evangelho e
discipulava novos líderes locais para a continuidade do trabalho, a comunidade local se fortalecia.
(At. 18:23-26; 1 Co. 3:3-6).

Nas igrejas que fundou, Paulo procurou deixar uma liderança bem estruturada – presbíteros – a
quem encarregava do rebanho (At. 14:21-23) e, depois de algum tempo, voltava para supervisioná-
los (At. 15:36; 16:4-5; 18:23). Nas estratégias missionárias modernas isso tem sido praticado
com resultados muito positivos. Entendeu-se que é melhor investir na formação de novos líderes
locais do que sustentar por anos um missionário na mesma função. O que é necessário, contudo,
é olhar altruistamente essa nova liderança e empreender mais em sua formação. De fato, não
adianta somente suscitar a liderança, é preciso que ela seja bem formada. Paulo pensava nesse
investimento na liderança e, por isso mesmo, levava consigo, num discipulado diário, pessoas que
seriam os líderes da igreja num futuro próximo. Uma das importantes estratégias missionárias
é investir na liderança, para que ela seja cada vez melhor preparada para propagar o Reino de
Deus na terra.

2.1 Razões pelas quais algumas pessoas chegam até a igreja


Jesus viveu uma realidade que temos experimentado: “Desde então muitos dos seus discípulos
tornaram para trás e já não andavam com ele. Então disse Jesus aos doze: quereis vós também
retirar-vos? Respondeu-lhe pois Simão e Pedro: Senhor para quem iremos nós? Tu tens as palavras
da vida eterna” (João 6:66-68).

Diante deste fato, listamos razões pelas quais algumas pessoas chegam até a igreja:

44
PASTORAL URBANA

1. Existem pessoas que se unem a uma igreja pela simples razão que muitos outros estão
fazendo a mesma coisa.

2. Há pessoas que estão numa igreja pela simples razão que alguém as levou ou então
viram outras pessoas indo a essa igreja.

3. Há pessoas que estão atrás de sinais e milagres.

4. Algumas pessoas têm a tendência de se unirem à igreja porque ela lhes dá posição,
reputação, poder e influência.

5. Alguns se unem à igreja pelo motivo que isso beneficia seus negócios ou sua profissão;
fazem uso da igreja para o avanço de seus interesses ou desejos pessoais.

6. Talvez devêssemos incluir nesta categoria aqueles que seguem a Cristo porque estão
interessados na doutrina do perdão dos pecados, e porque querem tirar proveito da Sua
cruz; eles não querem sofrer o castigo eterno; não gostam da noção do inferno.

7. As pessoas estão interessadas no fenômeno da religião. Elas seguem a Jesus porque


veem os milagres que Ele realiza. O poder miraculoso de Cristo as atrai. Esse grupo
parece ser bem grande na época atual.

8. Temos também um grupo muito interessante de pessoas, que O seguem porque estão
completamente enganadas a respeito de Cristo e de Sua mensagem.

A partir desse contexto, o pastor, o líder de grupo pequeno, deve desenvolver um programa
de discipulado e treinamento, deve acreditar nas pessoas; cada um desses indivíduos tem um
potencial para se tornar um cristão exemplar. Jesus acreditava nas pessoas, investia nas pessoas,
apoiava as pessoas, dava valor ao desacreditado, incentivava o desanimado (Mateus 11: 28).

O líder é um descobridor de novos líderes. Ele observa, ensina e estimula novos líderes; no
seu trabalho, ele observa novos líderes, tem em mente a projeção que determinada pessoa ainda
vai ter em sua igreja, no seu grupo pequeno; sendo assim, ele incentiva constantemente, ajuda,
auxilia aos novos líderes para que esses possam desempenhar uma tarefa igual à sua ou quem
sabe até melhor do que ele.

A ideia principal da liderança é ajudar as pessoas a desempenharem ao máximo seu potencial.


Com ajuda de outras pessoas, podemos chegar ao pleno desenvolvimento de nossos talentos.
Os talentos afloram no pequeno grupo, doutra feita o trabalho da liderança é público, os líderes
estão sendo observados e têm a tarefa de observarem. Surge um ciclo complexo de observação
e de ajuda que resulta em pessoas comprometidas com Jesus.

Um bom líder é um constante motivador, percebe o talento, descobre o dom e incentiva a


pessoa que faz parte de seu grupo a desenvolver seu maior potencial. Cabe ao líder compreender
que uma de suas principais tarefas é descobrir novos líderes.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

2.2 COMO ESCOLHER OS LÍDERES


Onde e como podemos encontrar novos líderes? Aqui vão algumas sugestões baseadas em
princípios bíblicos:

• Escolha os fiéis (Mt. 25.23). Em outras palavras, quem é fiel com pouco, também o será
com muito. Procure aquelas pessoas que fazem sempre o trabalho “por trás dos bastidores”.
• Ore pedindo sabedoria. Às vezes, quando líderes precisam recrutar auxiliares, vão logo
perguntando: “Quem está disposto a fazer isto? Quem é que não vai nos deixar na
mão?”, ao invés de primeiro falarem com Deus.
• Lembre-se de que não existe gente “sem talento” (Rm. 12.8; 1 Co. 12.14; Ef. 4.7-16).
Aprenda a pô-los em ação e aproveitá-los. “Ou você os emprega ou você os perde”.
• Preste reconhecimento aos líderes que escolheu. Não dispomos de um relatório dizendo
que Jesus, todos os dias, ia até os discípulos para assegurar-lhes de suas qualidades de
liderança (Jo. 15.14,15). Mas sabemos que ele elogiou aqueles que viveram justamente.
Ele lhes disse que todos, com exceção de um, estavam limpos (Jo. 13.10; 21: 15-17,
21, 22). Só mesmo lendo a continuação da história que se desenrola em Atos é que
podemos ver a que proporções a liderança dos apóstolos atingiu. Deus usou-os para
transformar o mundo. Isso demonstra que a maneira como Jesus escolhe e treina seus
líderes realmente funciona.

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

46
PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 3

Nome: Série: Data de Entrega:

Questões:
1. Como era a relação de Paulo com os irmãos das diferentes cidades nas quais estabeleceu igrejas?

2. Como deve ser a relação da igreja com a comunidade?

3. Quais eram as principais motivações do apóstolo Paulo?

4. Comente sobre a pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo.

5. Cite quais são os passos apresentados para escolher líderes.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

RASCUNHO

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PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 4
POBRES NA CIDADE

04
CAPÍTULO
FIGURA 8: POBRES NA CIDADE
Disponível em: http://lms.ispgaya.pt/webfiles/pobreza.jpg
em 30.mar.2010

TÓPICO 1 – POBRES NA CIDADE


1 INTRODUÇÃO
Uma experiência bíblica importante, quando Paulo e Barnabé
foram, até aos apóstolos em Jerusalém, pedir permissão para que
Paulo pudesse pregar o evangelho aos gentios, uma observação feita
por Tiago: “Não se esqueça dos pobres”. Nesse capítulo estudaremos
o que é ser pobre, a realidade da pobreza e o compromisso da igreja
da cidade com os pobres.

Existem no Brasil entre 15 e 30 pessoas a cada 100 em estado de


completa pobreza. Na América Latina, o número de pobres aumentou
12% em decorrência dos efeitos da crise asiática em 1997. O índice
de pobreza no Brasil é comparável ao obtido por Chile, Costa Rica
e Panamá. A situação é ainda pior na Bolívia, Equador, Honduras e
Nicarágua, onde a cada 100 Pessoas, mais da metade está situação
de pobreza absoluta. Argentina e Uruguai são os países em melhor
condição, nos quais o índice não chega a 15%.

2 CONCEITUAÇÃO DA POBREZA
O acelerado processo de urbanização, das últimas décadas,
trouxe consigo o fenômeno da metropolização da pobreza, que passa

49
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

a fazer parte do cotidiano da sociedade brasileira. O pobre na cidade é uma realidade mundial.
No Rio de Janeiro, a quarta parte da população vive em favelas. Pessoas que vivem do lixo. O
tráfico de drogas se apresenta como uma alternativa de dinheiro fácil, uma maneira vantajosa de
adquirir fortuna em detrimento da desgraça do próximo. Adolescentes entram por este caminho
como distribuidores de drogas, sem escola e com uma perspectiva de vida muito baixa, devido
aos diversos confrontos com a polícia que, na maioria das vezes, resultam em morte.

São por demais conhecidos os outros atributos que determinam uma situação de pobreza.
Dentre eles destacam-se: baixo nível educacional (que somente possibilita o acesso a postos de
trabalho de baixa produtividade e remuneração e que exigem pouca ou nenhuma qualificação);
características do chefe de família (famílias chefiadas por mulheres são particularmente vulneráveis
à pobreza, o mesmo ocorrendo quando os chefes são pardos ou pretos, para não falar do fator
idade, diante da alta seletividade do mercado de trabalho a favor dos mais jovens); tamanho e
estrutura da família (famílias numerosas, com crianças menores de 10 anos de idade); e local
de residência (rural/urbano e regional).

Quando um cristão começa a se relacionar com Deus, ele passa a sentir a necessidade dos
carentes e oprimidos. Jesus disse: Se deres de comer ou beber a um destes pequeninos, dos tais
e o reino dos céus (Tiago 2.5; 15-16).

3 A POBREZA E A INDIGÊNCIA SÃO REALIDADES


Esta realidade é inegável, não há como anular todo o preconceito desenvolvido pela sociedade em
função dos desfavorecidos. O racismo e a exploração são fatores preponderantes no que diz respeito
à pobreza; o pior de tudo isto são os efeitos produzidos nas crianças e na juventude de modo geral.
“Outra classe que se apresenta como uma grande realidade no contexto atual são os indigentes. [...],
estes representam 12% da população brasileira, o que significa 16,6 milhões de pessoas”.

3.1 A CLASSE DE INDIGENTES


Podem-se classificar como indigentes aqueles que não têm escolaridade, profissão, moradia,
família, documentos, e vivem errantes pelos diversos pontos da cidade. Geralmente são frutos de
uma história triste, um drama familiar, mortes trágicas de parentes ou problemas psicológicos.
No Brasil, segundo a ONU, existem entre 15 e 30 pessoas a cada 100 em estado de completa
pobreza. O cristão não pode ficar alheio às necessidades de seu mundo e de seu tempo. Um dos
grandes desafios da humanidade para o próximo milênio é “Pão para quem tem fome”. Com vistas
à formulação de um programa de segurança alimentar, foi elaborado um estudo que desenha
o mapa da fome no Brasil. Embora exista controvérsia quanto à magnitude do problema, o
documento indica que a distribuição do problema também obedece ao padrão regional que vem
sendo assinalado, tendo como boa parte os habitantes do Nordeste e do Sudeste. As necessidades
estão muito visíveis.

Também é preciso observar que 130 dos 185 municípios do Ceará têm renda per capita menor
do que em Burkina Faso, um dos países mais pobres da África. Por conta dessas diferenças, é que

50
PASTORAL URBANA

defendemos uma mudança na sistematização de dados sobre qualidade de vida na América Latina e no
Caribe. Só assim será possível identificar os bolsões de pobreza e promover um reequilíbrio nacional.

A forma como está sendo identificada a pobreza no contexto latino-americano está com-
prometida com interesses políticos e alguns destes estão apresentando um quadro que não é o
real. Resolver o problema da miséria precisa começar com o miserável, ele precisa entender sua
situação, e ao mesmo tempo receber capacitação necessária para sair da estagnação existencial
em que se encontra.

3.2 O PROFISSIONAL DA MISÉRIA


Existe na verdade um grupo que se aproveita da miséria e da desgraça alheia, usa as tragé-
dias e as necessidades do pobre para se promover e tirar algum tipo de vantagem. O profissional
da miséria lembra o urubu da caatinga. O urubu-bicho se alimenta da seca, da doença, da fome
dos outros. O urubu-profissional não só se alimenta da desgraça alheia como a promove.

Deve-se respeitar a pobreza, tratar os pobres com dignidade. John Stott menciona: “A
pobreza deve sempre incomodar, nunca pode-se estar conformado com a pobreza”. O Pacto de
Lausanne, o mais representativo movimento cristão do último século, apresenta a seguinte afir-
mação a respeito da pobreza:

“Afirmamos que Deus é tanto criador como Juiz de todos os homens. Portanto,
devemos participar dessa solicitude divina pela justiça e reconciliação em toda
sociedade humana e pela libertação do homem de toda forma de opressão. Sendo
o ser humano feito à imagem de Deus, toda pessoa, independentemente de raça,
religião, cor, cultura, camada social, sexo, ou idade, possui uma dignidade in-
trínseca, razão pela qual deve ser respeitada e servida, e não explorada...”

Deus tem interesse em se revelar a todos, independentemente de sua condição social, raça,
sexo ou cor. Quando se pensa nos menos favorecidos se deve ter em mente o que podemos fazer
para ajudar. No contexto latino-americano vive-se em um continente com aproximadamente 570
milhões de habitantes, sendo que deste grupo em torno de 70% são pobres.

3.3 PENSANDO NO BRASIL


Ao pensarmos no Brasil devemos levar em conta uma questão: será que existe solução?

Não existe mágica possível, diz Vilmar Farias (1943-2001), assessor especial para a área
social da Presidência da República, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em geral, políti-
cas compensatórias, como as cestas básicas ou a renda mínima, são muito boas para aliviar os
efeitos de pobreza, mas ineficaz na solução do problema. Note que essas políticas são muito
importantes: ninguém aqui está dizendo que não se deva entregar cestas básicas ou garantir
renda mínima. MAS NÃO é daí que sairá qualquer medida mais profunda. Aliás, o próprio custo
desse tipo de programa é objeto de muita confusão .

O pobre precisa ser liberto da pobreza, será libertado através da educação. Atualmente con-
segue se provar que uma pessoa com educação tem menos chance de ser pobre.

51
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

A probabilidade de uma pessoa com menos, de um ano de escolaridade ser pobre é de 75%.
Esse número cai para 62% se ela tiver entre quatro e oito anos, a possibilidade de ser pobre cai
para 41%. Entre oito e 12 doze anos, é de 20%. E, se a pessoa tiver mais do que 12 anos de
escolaridade, ela tem apenas 2% de probabilidade de ser pobre.

No que diz respeito ao Evangelho, quando chega até o pobre produz libertação. Esta na
verdade é a grande proposta do Evangelho de Jesus Cristo. “Conhecereis a verdade e a verdade
vos libertará” (João 8.32). Sendo assim, não se pode negligenciar de forma nenhuma as neces-
sidades de nosso povo. O povo é pobre, inculto, de fracos valores éticos e morais; a palavra de
Deus deve servir de guia e orientação para as diversas sociedades desenvolvidas no contexto
latino-americano. Muitas vezes a mensagem do evangelho chega até esses povos com uma forte
ênfase ufanista e como uma solução humana. A solução para a pobreza ultrapassa o assisten-
cialismo, o problema não pode ser tratado de maneira superficial, ajudar ao necessitado é uma
obrigação. Urge discernir para não se enganar achando que a ajuda momentânea resolverá o
problema, precisa-se ensinar aos carentes como eles podem encontrar caminhos que o ajudarão
a sair da miséria.

3.4 OS POBRES PRECISAM SER CONSIDERADOS


Estas questões não podem passar desapercebidas por aqueles que buscam a Deus. Jesus
atendeu as necessidades do seu povo: comida, cura, alento, conforto etc. Jesus não inventou as
necessidades do povo, trabalhou a partir das carências de sua época. Aqueles que passam fome
precisam, ao mesmo tempo, de comida e também alento para sua dor ou tristeza do presente.
Não se pode apenas apresentar o porvir, a mensagem do reino deve ser para o porvir e, ao mesmo
tempo, apresentar um projeto de vida e orientações sobre o que se deve fazer hoje.

A população destituída, depauperada e subnutrida do mundo introduz-se no contexto da


evangelização. Pois o pacto declara que não podemos esperar atingir este alvo (da evangelização
mundial) sem sacrifício. Estamos todos assustados com a pobreza, isto é, com o enorme número
de pessoas que não têm o que comer e cujo teto e vestuário são penosamente inadequados, e
cujas oportunidades de educação, emprego e de assistência médica são mínimas. Todo cristão
sensível deve sentir-se chocado com essa situação e nunca se acostumar tanto com ela a ponto
de nada fazer.

A solução para a pobreza não está no discurso, precisamos agir, buscar alternativas de Deus
para socorrer aqueles que verdadeiramente estão necessitados. Como diz Stott: “Não podemos
nos acostumar com a pobreza, sempre que deparamos com uma situação crítica devemos estar
preparados para nos posicionar”.

3.5 REAGINDO FRENTE À POBREZA


Para atuar neste contexto deve-se abrir mão de comodidades. As necessidades são maiores
do que as regalias, precisa-se acreditar que pode-se ajudar e viver esta ajuda. Nesta tarefa,
o pobre, o excluído, apresenta-se como verdadeiro critério. As ações pastorais da Igreja, em

52
PASTORAL URBANA

resposta ao projeto da modernidade e pós-modernidade, devem se nortear pelas exigências


humanas e evangélicas dos pobres, pois quando se desenvolve um relacionamento genuíno com
Deus contagia-se outros a levar a igreja a exercer uma função muito especial neste contexto de
pobreza devido à sua dinâmica de vida. GRELLERT, elucidou o tema quando argumentou:

Na vida da Igreja a generosidade se orienta, pelo menos, por quatro princípios, que
pressupõem a noção do corpo. O princípio da igualdade: Deus quer que todos os
seus filhos, que têm acesso à mesma graça, tenham o suficiente ou o necessário. No
corpo de Cristo há um nivelamento tanto de privilégios quanto de responsabilidades
(II Co. 8.1,13,15). O princípio da mutualidade: Não há autossuficiência no corpo de
Cristo. O dar e o receber de dons ou de dádivas são uma das marcas fundamentais
da vida do corpo de Cristo. Via de regra, quem dá é também quem mais recebe.
O princípio da responsabilidade: onde há maturidade espiritual, poder contribuir é
sentido como um privilégio (II Co. 8.9). O princípio da proporcionalidade. Somos
responsáveis a partir do que recebemos de Deus. (II Co 9.6,7)

A generosidade faz parte de Cristo, percebendo-se, em todas suas atividades ministeriais


sua disposição para ajudar, dar, sacrificar algum valor pessoal; devo ser reflexo da vida de Cristo
e o espírito de generosidade deve permear todas atividades da igreja.

Perante Deus os homens são todos iguais. Deus não os trata com preconceitos, Deus ama
a todos e todos os que o obedecem recebem seus favores até mesmo os desobedientes são fa-
vorecidos pelas obras de Deus, com o sol, a chuva etc. Todos têm a opção de uma vida melhor
através de Cristo, mesmo não sendo uma vida farta aqui na terra, a esperança do céu faz uma
grande diferença numa perspectiva existencial. Pode-se afirmar que existem pobres ricos, pes-
soas que muitas vezes vivem em uma situação de vida caótica, mas espiritualmente certos da
vida eterna com Deus, onde todas estas dificuldades serão superadas.

Quando o corpo é maduro e vive de acordo com as Escrituras, o dar se torna um privilégio,
não um sacrifício. Para muitos, a contribuição é apenas uma obrigação, podem não dizer, mas
em outras palavras, estão tentando comprar os favores de Deus. A contribuição dentro do corpo
reflete o caráter de Jesus e vários serão favorecidos com esta dinâmica de vida da igreja onde
proporcionalmente contribuir-se-á e haverá ajuda mútua.

Gostaria de citar GRE LLERT que, com muita propriedade, situa e propõe alternativas cor-
retas para a problemática:

A pergunta que se impõe é simples: qual a missão da igreja numa sociedade de


contrastes tão marcantes? Admitindo-se a inviabilidade de uma postura fatalista,
isto é, que Deus é responsável pela presença dos pobres entre nós, sobram três
abordagens, que são complementares: Primeira, a Igreja deve viver e proclamar
a redenção de Deus em Cristo, pelo poder do Espírito Santo. A nova sociedade de-
pende de novos homens. Segunda, a igreja pode ser parte importante da consciência
nacional, comprometendo-se com uma visão cristã da sociedade humana, em que
se busca a superação de todas as injustiças geradoras de miséria. Terceira, a igreja
pode e deve fazer alguma coisa de concreto, enquanto sonha com uma sociedade
mais marcada pelos ideais do reino de Deus, ainda que o realismo bíblico exija que
se leve a sério o poder do pecado e do mal na sociedade humana. À igreja cabe viver
e proclamar o evangelho. É isto que o novo testamento chama de “fazer o bem”

53
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

O evangelho se apresenta como a grande esperança para uma população depauperada e com
fome, esperança no sentido de dar direção para a vida, esperança em Cristo, que salva e ajuda
o homem a consertar suas dificuldades existenciais e, ao mesmo tempo, apresenta caminhos
que devem ser seguidos por aqueles que pretendam ter uma vida digna e conseguir sobreviver
às necessidades de uma geração carente, pobre e excluída.

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

54
PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 4

Nome: Série: Data de Entrega:

Questões:
1. Qual é o nível de pobreza da região ou do estado que você mora?

2. Qual é a conceituação de pobreza, no seu modo de entender?

3. Explique sobre a classe dos indigentes.

4. Faça uma pequena narrativa sobre o profissional da miséria.

5. No seu ponto de vista, quais os caminhos para a solução?

55
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

RASCUNHO

56
PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 5
AÇÃO PASTORAL E DESENVOLVIMENTO
COMUNITÁRIO INTEGRAL

05
CAPÍTULO
FIGURA 9: AÇÃO PASTORAL E DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO
Disponível em: minhocanacabeca.com.br
em 06.abr.2010

TÓPICO 1 – POBRES NA CIDADE


1 INTRODUÇÃO
O conceito do desenvolvimento comunitário é fundamental
para uma ação pastoral na cidade, a expressão de desenvolvimento
comunitário tem sido usada desde 1950, como uma das alternativas
sociais para ajudar a mudar o quadro de miserabilidade dos grandes
centros urbanos.

2 A AÇÃO PASTORAL E O DESENVOLVIMENTO


COMUNITÁRIO
A sociedade em que vivemos, no continente latino-americano,
é a sociedade dos capitalistas e dos dependentes, em que a maioria
do povo se vê privada dos bens e serviços básicos para a vida. É
a sociedade do desemprego, da dívida externa e da corrupção que
deixa nossos países sem dinheiro para a saúde e para a educação,
e onde estão morrendo nossas crianças. Neste continente e nesta
sociedade, somos chamados a viver e a nos adaptarmos à realidade
do nosso tempo. Mas, como responder à realidade do nosso tempo?
Como nos identificar com este mundo, com esta sociedade, sem
perder nossa identidade cristã?

57
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

É tempo, portanto, de nos voltarmos para a ordem de Jesus, que disse: “Assim como o Pai me
enviou, eu também vos envio” (Jo. 20.21). Jesus se coloca como modelo para a igreja. Missão é
“tudo aquilo que a igreja foi enviada a fazer no mundo”! Missão é, pois, um ato de obediência ao
chamado de Jesus Cristo para ir a todos os lugares, em todo o tempo, a fim de anunciar todo o
Evangelho a todas as pessoas e a todo ser humano, no contexto global de toda a sua comunidade.

A ação da Igreja está estreitamente ligada ao Reino de Deus. O Reino de Deus não é apenas
uma coisa futura, de dimensão escatológica. O Reino é um “já” e um “ainda não”. O Reino aponta
para a totalidade e para “tudo em todos”.

Para viver uma vida de serviço, temos que dar lugar a uma proposta por meio do arrependi-
mento e ao convite à mudança, com opções que nos levem a ter posições que incomodem e que
não reproduzam o sistema de dominação e dependência atual. Portanto, é preciso pensar em
formas alternativas de ação, pensando e fazendo desenvolvimento comunitário integral à maneira
de Jesus e de sua missão: com dinamismo e justiça, curando enfermos, expulsando demônios,
restaurando a natureza, restaurando a comunidade e denunciando estruturas injustas e corrup-
tas, reconciliando irmãos e lutando a favor dos direitos dos mais pobres, dos meninos e meninas
de rua; dos indígenas, dos sem-terra e dos sem-teto, das mulheres discriminadas e de outros
inúmeros grupos colocados à margem desta sociedade.

O evangelho de Jesus não nos deixa conformar: nossa missão é transformar este mundo.

3 DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL


3.1 CONTRIBUIÇÕES BÍBLICAS PARA UMA PROPOSTA DE
DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL
Compreendemos, sem dúvida, que cumprir o mandamento de Deus de ser o sal da terra e
a luz do mundo requer também integrar-se na luta a favor de um mundo menos cruel e injusto,
com estruturas menos pecaminosas e menos opressoras. Por conseguinte, o desenvolvimento
comunitário pode ser para nós um excelente instrumento de mudança da situação vigente, ao
encarar a complexidade dos problemas humanos sob uma análise integral, ou seja, o desen-
volvimento comunitário como algo que considere o ser humano de maneira holística (integral) e
completamente envolvido na sociedade da qual faz parte. Este desenvolvimento se produz tão
intensamente que, se quiser beneficiar o homem de maneira efetiva e real, tem que promover
a comunidade inteira.

Na Bíblia encontramos alguns pontos que consideramos fundamentais para a formulação de


um pensamento orientador da prática, um pensamento que deve orientar uma ação consciente
e comprometida, cheia de sentido, com base científica e subordinada ao Senhor.

3.2 FUNDAMENTOS DO DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL


3.2.1 Criação e mordomia: o ser humano, imagem de Deus, tem o “direito-dever” de
administrar o mundo, não como proprietário, pois “ao Senhor pertence a terra e tudo o que nela

58
PASTORAL URBANA

se contém” (SI 24.1), mas como mordomo. Se este “direito-dever” foi dado a Adão, isto significa
que o direito sobre a terra é, como consequência, responsabilidade de todos nós.

3.2.2 Homem e trabalho: o trabalho é a cooperação do homem na obra de Deus. Através


do trabalho, ele demonstra os dons que Deus lhe deu, revela quem os deu, e por meio do
trabalho realiza seus ideais criativos. No Antigo Testamento, todos sempre tinham acesso à terra.
Trabalhava-se em pequenos grupos. A cooperação e a divisão do trabalho são essenciais para a
continuidade desses grupos.

3.2.3 A distribuição dos bens: a justa distribuição dos bens é o fator essencial para que
todos tenham suas necessidades fundamentais supridas e estejam sempre sujeitos ao Senhor.
(1 Tm. 6.18)

3.2.4 Estado/Governo: o texto por excelência para qualquer estudo deste assunto, na
Bíblia, é Romanos 13.1-7, onde as autoridades são definidas como “ministros de Deus, atendendo
constantemente a este serviço” (v. 6). Por isso, o governo tem o objetivo de fazer frente à anarquia
e à desordem. Jeremias, Ester, Neemias e Daniel, aceitavam as autoridades como instrumento
de Deus embora estas pessoas, em seu interior, fossem rebeldes ao Senhor. Jesus reconheceu o
poder de César e de Pilatos, e Paulo apelou para César (At. 25.11). O dever do Estado é, portanto,
proteger a sociedade contra as anarquias, criar justiça para os cidadãos, suprir as carências do
povo com bens e serviços necessários. O chefe de Estado deve julgar o seu povo com justiça
e tratar as aflições deste com igualdade e, também, julgar as angústias do povo e destruir a
opressão. Atualmente, o Estado precisa recobrar o seu verdadeiro papel, ou seja, o papel de
ministro de Deus para o sustento da sociedade e também da natureza.

4 PRINCÍPIOS PARA O DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO INTEGRAL


A partir dos pontos descritos anteriormente, podemos extrair princípios para nossa utilização
imediata:

1. Precisamos praticar a solidariedade. O objetivo do desenvolvimento comunitário é


principalmente conseguir que o indivíduo se sinta responsável, capaz de alterar a história
de sua vida. Sozinho, porém, ele não conseguirá lutar contra os conglomerados financeiros
e multinacionais.

2. É preciso que pratiquemos a justiça e o amor. Projetos que criem dependência devem
ser evitados ao máximo possível,. O que se deseja é a promoção do ser humano e da
comunidade, e não simplesmente a satisfação temporária de uma necessidade ou o alívio
do sentimento de culpa que se percebe em algumas pessoas que, mesmo que não estejam
conscientes disso, se sentem corresponsáveis pela miséria urgente.

3. Precisamos vivenciar a participação, o serviço e a liberdade. É preciso perceber também


as necessidades para os grupos urbanos e para os grupos rurais. Assim, se para as áreas rurais
o problema está na posse da terra, da água, da semente e na comercialização da produção,

59
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

para as áreas urbanas reside na escassez de emprego, nas condições precárias de vida, na
falta de saneamento básico, na violência urbana, no menor abandonado e na prostituição,
entre outros. É importante ressaltar que a população urbana representa 76,2% do total do
Brasil. Portanto, nossa preocupação deveria abranger também aqueles que vivem na cidade.
O problema urbano representa um dos maiores desafios que a sociedade contemporânea
enfrenta, e só com a participação de todos é que se pode esperar que tal situação melhore.

4. É necessário que vivamos a liberdade, a misericórdia, a esperança e o amor. A


organização do projeto e os rumos a tomar representam um sério problema. O capitalismo
tem evidenciado uma incapacidade de satisfazer a todos os indivíduos. Quanto ao socialismo,
com sua visão excessivamente coletiva, falta o respeito ao indivíduo e à vontade do indivíduo.
Logo, o ideal parece ser o equilíbrio, tanto em termos humanos como em possibilidades de
aplicação e viabilidade econômica. Assim, a pequena empresa caseira, a indústria familiar
das hortas caseiras, a produção artesanal das populações, as associações de carpinteiros,
são iniciativas que devem receber apoio e fomento, dando a todos a oportunidade de decisão
e participação nos ganhos e lucros de cada grupo.

5. Precisamos viver a justiça e a misericórdia. A comunidade deve ser capaz de usar seus
membros menos capazes, tornando-os úteis dentro de suas possibilidades e participantes
do processo de desenvolvimento da comunidade. Só os totalmente incapazes não podem
participar do processo. Neste caso, a sociedade deveria prover para sua subsistência.

6. Precisamos clamar por justiça e também praticá-la. As comunidades em processo de


desenvolvimento devem apelar para o Estado, pois é seu dever colaborar no progresso de
seus cidadãos. Os serviços de saúde, educação, transporte etc. são direitos da comunidade.
Quando o Estado não cumpre sua obrigação, e quando há canalização de recursos para
projetos que beneficiam somente os grupos mais privilegiados, a sociedade tem o direito
de protestar, assim como o cristão tem o dever profético de denunciar essa transgressão. A
igreja tem a obrigação de recobrar sua vocação profética.

7. É necessário que vivamos a esperança, o amor e a liberdade. Não se pode tratar com
negligência o anúncio do Evangelho do Reino e a pregação da Palavra de Deus, sem os quais
nosso trabalho é vão.

8. Devemos viver o serviço e o amor. Os intelectuais e os outros colaboradores, no processo


de desenvolvimento comunitário, devem estar conscientes do perigo (ao qual vivem
constantemente expostos) de transmitir a ideologia de dominação de classe àquelas pessoas
para cuja promoção afirmam querer contribuir. Quando um grupo se torna dependente de
nossa orientação teórica e metodológica, estamos privando de autonomia a comunidade,
impedindo-a de caminhar sobre suas próprias pernas. De igual modo, quando o ponto central
do problema não é explicitado por todos, existe o perigo de que a comunidade desenvolva uma
imagem equivocada de si mesma e inclusive da realidade que a circunda, o que compromete
seriamente toda a capacidade crítica do movimento.

60
PASTORAL URBANA

5 PASSOS METODOLÓGICOS
Não poderíamos deixar de considerar aqui os passos metodológicos que nos mostram como
caminhar no processo de desenvolvimento integral. Embora seja algo muito familiar a todos os
profissionais das ciências sociais e principalmente aos do serviço social, estes passos não fazem
parte do cotidiano dos leigos que normalmente atuam em projetos de desenvolvimento em nossas
igrejas. Eles não são passos independentes; fazem parte de um todo e complementam-se entre si.

O primeiro passo não é fazer, mas observar, conhecer as pessoas e seu dia a dia, e definir
a área em que pretendemos atuar. Por exemplo: estabelecer com antecedência alguns critérios
que demonstrem a necessidade da área que deve ser trabalhada; conversar informalmente com
as pessoas, procurando entendê-Ias.

O segundo passo é mergulhar na vida das pessoas ou da comunidade; é o que alguns


chamam de identificação. É colocar-se no lugar delas e ver o mundo desde o seu ponto de vista.
Nesta fase podem-se realizar entrevistas e elaborar questionários. Não estamos falando aqui de
entrevistas e questionários “frios”, mas de participação da própria população, por exemplo, na
confecção desses questionários. Isto nos dará uma compreensão mais real dos problemas da
comunidade. Quando se está trabalhando em zonas rurais ou em bairros da periferia, onde a
maioria das pessoas não sabe ler nem escrever, podem-se elaborar questionários com desenhos
ou figuras, que são mais fáceis de entender.

Um terceiro passo é descobrir os grupos com os quais podemos trabalhar. Descobrir


pessoas que, dispostas a trabalhar juntas, possam participar de tarefas, que queiram distribuir
responsabilidades, que saibam decidir juntas. É importante que a equipe seja composta das mais
diversas categorias sociais.

O quarto passo é perceber as necessidades reais da localidade, sentindo as possibilidades


que as pessoas têm de melhorar a sua vida por si mesmas e de participar ativa e responsavelmente
nos esquemas de sua localidade e de seu país. Um dos instrumentos que podemos utilizar nesta
fase é a reunião. Nas reuniões as pessoas expressam seus pensamentos, seus interesses e suas
necessidades. Para que as reuniões sejam produtivas, devem-se considerar aspectos como datas
fixadas com antecedência, agenda, informações objetivas, funções bem distribuídas, tempo
limitado e técnicas adequadas. As reuniões devem ser realizadas de acordo com as necessidades
do grupo, e não simplesmente para cumprir uma rotina. Nessas reuniões, pode-se refletir sobre os
dados colhidos formal e informalmente, estudar e planejar as atividades junto com a população.
No início, pode ser que as reuniões não sejam muito produtivas; mas com o decorrer do trabalho,
o nível de participação irá crescendo.

O quinto passo é a articulação com grupos locais, isto é, a interação com outras agências
que estejam desenvolvendo trabalhos similares na comunidade. Além de sua igreja, existem
centros sociais do governo, do município, de paróquias, que podem estar preocupados com os
problemas das pessoas mais pobres. É interessante realizar reuniões com tais grupos e colaborar
com sugestões para o estudo dos problemas da área.

61
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

Um sexto passo é considerar a população como protagonista ou agente de suas mudanças


e não só como espectadora ou objeto. As pessoas, a comunidade, é que decidem sobre as mu-
danças que devem ser realizadas. Ao empreender um trabalho comunitário, devemos questionar
nosso papel junto às pessoas, junto às famílias ou junto à comunidade, e perguntar-nos se o
projeto conta com a participação delas; se atende aos seus interesses ou aos interesses de alguns
líderes da igreja ou de alguma outra instituição.

Para a realização de qualquer projeto, precisamos de recursos humanos, financeiros e


materiais. Quanto aos recursos humanos, é bastante significativo o uso de mutirões como uma
forma comunitária de trabalho. É um sistema barato, que proporciona maior inter-relação entre
as pessoas e possibilita o desenvolvimento e o compromisso da população. Devem-se formar
comissões ou equipes de trabalho, conforme os interesses e necessidades do projeto. Quanto
aos recursos financeiros e materiais, podem ser obtidos através das próprias famílias, ou então
de fora, através de instituições governamentais ou particulares (as chamadas OG e ONG).

O sétimo passo é o acompanhamento e avaliação do desenvolvimento do trabalho


que é levado a cabo pelo agente social cristão e pelas pessoas da comunidade envolvidas. O
acompanhamento e as avaliações são contínuos. A avaliação, para ser mais proveitosa, poderá
conter as seguintes perguntas:

• Quais são as dificuldades encontradas?


• Quais são as causas dessas dificuldades?
• Como foi o desempenho da equipe, da população, da instituição (igreja)?
• Quais são as sugestões para a reformulação do trabalho com a população?

6 DESAFIOS QUE TEMOS DIANTE DE NÓS


1. O desafio da realidade latino-americana com sua história de dominação, opressão,
dependência, e suas intermináveis crises políticas, econômicas e sociais, somadas à dívida
externa, os cinturões de miséria das grandes cidades e à corrupção administrativa, pública
e privada, que compõem o panorama desolador de nosso continente.

2. O desafio de uma igreja que possa entender seu lugar na sociedade e na comunidade e
sua participação na construção de uma nova sociedade no mundo em que vive. A pergunta é:
como poderia a igreja desempenhar seu papel na transformação da realidade usando alguns
instrumentos do desenvolvimento comunitário? A saúde espiritual da igreja é completa quando
tanto as relações verticais como as horizontais são trabalhadas. Portanto, a missão da Igreja
pode ser considerada integral se ela abranger proclamação, denúncia profética, testemunho
pessoal e comunitário, chamado ao arrependimento, à conversão e à integração à igreja
cristã, e também participação na luta por uma vida mais justa e mais humana, inspirada no
propósito de Deus. “A Igreja, assim como o Senhor Jesus, deve ser uma igreja do caminho
e não de gabinete. Não pode permanecer como espectadora da história: tem que descer
até onde são travadas as batalhas reais dos homens. Ali se encontram as necessidades,

62
PASTORAL URBANA

que são o chamado gritante da igreja para que possa cumprir sua missão.” O caminho
da encarnação é a via que a igreja tem para transformar a realidade. Como comunidade
terapêutica, a igreja tem que ser sal e luz na sociedade. São muitas as igrejas e os grupos
que têm vivido esta experiência de ser sal e luz na sociedade; no entanto, elas ainda são
minorias. Precisamos continuar desafiando as igrejas para que pensem em uma agenda para
seu papel na transformação da realidade do nosso continente.

6.1 ALGUMAS SUGESTÕES PARA TAL AGENDA


• Fazer uma opção por um estilo de vida baseado no modelo de Jesus Cristo, em que haja
coerência entre o que se prega e o que se faz.

• Que a igreja seja sensível ao contexto da realidade de sua comunidade e, mais


amplamente, de todas as cidades e comunidades.

• Que a igreja contribua para a formação de equipes que possam ser agentes facilitadores
para o desenvolvimento comunitário integral, e que essas equipes tenham inserção e
imersão nas comunidades, ao lado dos movimentos populares que buscam melhores
condições de vida para a população.

• Que a igreja procure formas de cooperação com outros irmãos ou comunidades que
também sejam sensíveis às necessidades humanas. A integração de recursos, o apoio
mútuo e a reflexão em conjunto nos ensinarão muito, assim como nos servirão para a
manifestação de nosso testemunho e da unidade em Jesus Cristo.

• Que a igreja fundamente sua experiência e aprofunde uma proposta transformadora,


com a certeza e a esperança de “um novo céu e uma nova terra onde reina justiça”. Essa
esperança jamais pode ser razão para cruzar os braços ou agir de maneira paliativa.

• Que a igreja desenvolva um conhecimento pleno sobre o Reino de Deus e os sinais do


Reino que devem acompanhar qualquer proposta de trabalho, e que estes sinais atinjam
todas as pessoas, especialmente as mais pobres de todo o nosso continente.

• Que a igreja tenha discernimento quanto à aplicação dos princípios e valores acima
descritos, considerando a solidariedade, a justiça, a misericórdia, o amor, o serviço, a
esperança e a liberdade como manifestações concretas na vida das populações latino-
americanas.

Precisamos confessar aqui nossa inteira dependência de Deus, pois a transformação que
queremos ver é obra dele, mas é algo nos dado para administrar. Para isto, o Senhor nos capacita,
concedendo seu Espírito para que possamos enfrentar a desesperança. O ser humano precisa ser
restaurado à imagem e semelhança do Deus Criador, através do poder redentor de Jesus Cristo.

Nesta fé e esperança, queremos caminhar comprometidos com a transformação da vida de nosso


povo, vivendo e anunciando o Evangelho da justiça, para opressores e oprimidos, demonstrando
em ação nosso amor para com todos. Afinal nós somos o sal da terra e a luz do mundo.

63
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

64
PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 5

Nome: Série: Data de Entrega:

Questões:
1. Como relacionar o conceito de desenvolvimento comunitário e a ação pastoral?

2. Cite as contribuições bíblicas a respeito do desenvolvimento comunitário.

3. Quais são os princípios do desenvolvimento comunitário?

4. Cite os passos metodológicos.

5. Cite os desafios que temos diante de nós.

65
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

RASCUNHO

66
PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 6
A ESPIRITUALIDADE NA CIDADE E
REFLEXÕES SOBRE A MESMA

06
CAPÍTULO
FIGURA 10: ESPIRITUALIDADE NA CIDADE
Disponível em: praxiscrista.blogspot.com/2010/02/espirituali...
em 06.abr.2010

TÓPICO 1 – A ESPIRITUALIDADE
NA CIDADE
1 INTRODUÇÃO
Neste tópico veremos que as cidades estão por toda parte. De
acordo com as estatísticas, em 1800, apenas 3% da população vivia
nas áreas urbanas. Hoje, 70% da população mora na cidade. Para
conceituarmos o mundo moderno, precisamos passar pela cidade. O
cidadão da modernidade vive na cidade, depende da cidade, estuda
na cidade, pratica religião na cidade.

2 COMO REAGE O CIDADÃO MODERNO NA CIDADE?


Por causa do individualismo e da solidão nas grandes cidades, as
pessoas tendem a se refugiar em pequenos grupos com interesses
afins. A divisão social estabelece–se nesses núcleos fechados, que
oferecem uma certa proteção contra ameaças de fora. A separação
na sociedade perpassa os “shopping centers”, os clubes, as escolas
particulares e reflete-se, da mesma maneira, nas igrejas. Pode-se
encontrar comunidades ricas e pobres. Mas espaços onde as duas

67
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

classes convivam acontecem talvez apenas em eventos espetaculares de massa, acessíveis para
ambos os lados. Dessa forma, não pode haver uma consciência de unidade na população.

Pouco se tem analisado a respeito da espiritualidade na cidade. Nos meios religiosos, a


tendência é relacionar a cidade com o pecado. A maldade está na cidade; pressupõe-se que o
cidadão que vive na zona rural esteja livre do mal.

2.1 A BÍBLIA E A CIDADE


Quando a Bíblia fala da cidade, via de regra, usa conceitos de valor e revela uma postura em
relação à mesma. Desde a crítica vinda do campo e da periferia (p. ex. Gn. 11.1-7; 23.33-38;
11.20-24) e também de dentro da cidade (p. ex.11.1-7; Mt. 23.33-38; Mt. 11.20-24) e também
de dentro da cidade (p. ex. Is 1.21-26) até à utopia da cidade de Deus (p. ex. Is. 65.17-25; Ap.
21.1-8), passando pela tentativa de salvar a cidade (p. ex. Gn. 18.16-33; Lc. 19.41-48). Estes
textos mexem com nossas emoções e preparam o nosso estado de espírito para nos ‘confrontar-
mos’ com o urbano. Eles criam um clima de rejeição e compaixão, juízo e esperança, realidade
nua e crua e utopia esperada. Eles nos ajudam a tomar posição em relação ao tema. Animam a
denunciar e anunciar. Porém, ficam devendo a resposta quando perguntamos pelo ‘como’, pelo
modo de proceder dentro do urbano. Entretanto, quando se trata do envolvimento prático no
mundo urbano, precisamos saber como ir além do sentimento e da emoção.

No meio religioso, principalmente evangélico, carecemos de uma reflexão séria e bíblica a


respeito da vida cristã na cidade. Lembremo-nos de que metade da população do mundo vive nos
centros urbanos. Perto de 3 bilhões de pessoas deste planeta moram em cidades. Ao fazermos
uma reflexão a respeito da espiritualidade nas cidades, estaremos contribuindo com o cidadão
urbano, com a igreja urbana, de modo geral. Podemos assim aprender lições importantes com
Jesus e o apóstolo Paulo, que desenvolveram ministérios nas cidades de sua época.

2.2 JESUS E A CIDADE


De início, recordemos que Jesus atuava em povoados e vilas do interior da Palestina e cos-
tumava frequentar lugares pouco ou nada habitados (Mt. 14.13; 15.33; Mc. 1.35,45; 6.31ss;
8.4; Lc. 4.42; 5.16). Quase não procurava as cidades e, quando o fazia, entrava em choque com
elas (Mt. 11.21, Lc.10.13; Mt 23.37, Lc 13.34; Lc. 23.28). Seu contexto vital era agrícola, mar-
cado pela exploração tributária por parte do império romano. A perspectiva de sua atuação era
provinciana e nacionalista (p. ex. Mt. 10.6;15.24).

2.3 MUDANÇA DO CONTEXTO


O primeiro passo da mudança de contexto aconteceu quando a mensagem de Jesus Cristo –
e então também sobre Jesus Cristo – fixou residência em Jerusalém com a primeira comunidade
cristã. Jerusalém era a maior cidade da Palestina, nela residiam entre 30 e 55 mil habitantes;
apesar de mal localizada, pobre em água e recursos naturais, mas por ser um centro religioso
importante, prosperava comercialmente e atraía, a cada ano, um grande número de estrangeiros

68
PASTORAL URBANA

e, nas grandes festas, acomodava uma população diversas vezes maior do que a residente. Via
Jerusalém, o evangelho ‘agrícola’ de Jesus, já transformado em Evangelho sobre Jesus, alcançou
e espalhou-se por todo o mundo urbano mediterrâneo.

Jesus percebeu que precisava alcançar o indivíduo em sua realidade existencial. Às vezes a
igreja tem dificuldade em fazer essa leitura na comunidade onde está inserida. Desenvolve um pro-
grama que difere totalmente da vida daqueles que pertencem àquele grupo e, com isso, impede o
desenvolvimento da espiritualidade das pessoas que formam o corpo de Cristo naquela localidade.

Na cidade, as pessoas sentem-se questionadas pelas outras, o que as obriga a definir sua
identidade e, em primeiro lugar, a dar-se uma identidade consciente. Identidade religiosa,
identidade quanto aos valores morais, quanto aos grupos que pertença. As pessoas identificam-
se pelo seu clube de futebol, pelo tipo de ritmo de vida que preferem levar, pelo grupo de lazer
etc. Tornam-se criadores ativos de si próprios. No campo, as pessoas sentiam-se a si próprias
como feitas por uma vontade superior (dão-lhe o nome de Deus, orixá, destino etc.).
A cidade, de certa forma, obriga o indivíduo a assumir sua própria identidade. Existem vários
slogans com os dizeres “orgulho de ser nordestino”, “orgulho de ser brasileiro” etc. Na verdade,
são expressões de identidade, pois o indivíduo sente necessidade de se afirmar no contexto em
que está inserido. A igreja, neste aspecto, pode exercer papel importante, despertando em seus
membros o “orgulho de seguir a Jesus”, o “orgulho de não fazer parte do sistema”. Com isso,
estará instilando os valores do evangelho na vida de seus seguidores.

3 O EVANGELHO NAS CIDADES GREGAS E ROMANAS


Sabemos que, a certa altura, a mensagem do reino de Deus transpôs os limites interioranos
da Palestina e se espalhou pelo mundo urbano antigo. O anúncio sobre Jesus Cristo foi acom-
panhando as grandes rotas comerciais da época, que interligavam os grandes centros urbanos,
por mar e por terra. Menos de vinte anos após a ressurreição de Cristo havia pequenas comu-
nidades cristãs por todo o mundo urbano mediterrâneo e até além dele. Fazer esta análise tem
por intuito formar conceitos fundamentais que venham proporcionar mudanças benéficas nos
aspectos religiosos, nos relacionamentos e na comunhão com Deus dentro do contexto urbano.

Entrementes, a problemática se desenvolve sobre as questões relevantes às necessidades


desse contexto: como desenvolver a espiritualidade numa cidade onde o indivíduo gasta boa parte
do seu tempo no trânsito, onde trabalha de 12 a 14 horas por dia para sobreviver, onde os salários
são baixos e as condições de vida precárias? Podemos pensar e praticar os princípios de Deus
no que diz respeito à meditação, leitura da Palavra, contemplação etc., nessas circunstâncias?

Somos regidos pelo tempo, onde tudo tem hora e lugar marcado, onde o descartável faz parte
do cotidiano, e tempo é dinheiro. O culto à juventude, à novidade, ao consumo e por aí afora,
onde se tem a ilusão de que podemos driblar a essência da existência humana que é ‘o ser para
a morte’, esquecendo-nos que o tempo é dado como condição – finitude humana, não como uma
interrupção da vida, mas uma condição que me é dada desde o nascimento.”

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

A noção de tempo da comunidade cristã é regida pelas leis do campo, onde o indivíduo
tem tempo para levantar cedo, tirar leite, preparar o café, cuidar dos animais etc. O discurso a
respeito da espiritualidade urbana passa pelos paradigmas em que o indivíduo terá muito tempo
disponível para oração, adoração e louvor. Não se pretende com isso ser contrário a essas práticas,
mas esta chamada tem como objetivo avaliar alguns paradigmas desenvolvidos pela igreja cristã.

Como buscar ao Senhor? Será que existem forma e horários padronizados? Será que devemos
buscá-lo? Podemos orar no ônibus enquanto nos dirigimos ao trabalho? O tempo de leitura bíblica
poderá ser durante o intervalo do almoço? A liderança da igreja precisa conversar sobre esses
assuntos com seus membros e estes, por sua vez, devem buscar alternativas para desenvolver
sua espiritualidade.

O século XX viu o desenvolvimento da megalópole com seus problemas novos de congestão,


engarrafamento e massificação. Atualmente, mais de quinze cidades têm mais de 4 milhões de
habitantes. Essas cidades são presas de um movimento de crescimento acelerado, cujos limites não
vemos ainda. Até agora não se manifestaram os fatores que poderiam freá-lo. Embora os problemas
que têm que enfrentar pareçam cada vez mais insolúveis, o mito do gigantismo parece paralisar
todo esforço para controlar o movimento. O mito da maior cidade do mundo atua como ímã.

3.1 AS CRISES DO CIDADÃO DA CIDADE


Mesmo o cidadão cristão, temente a Deus, disposto a obedecer a seu Senhor, tem seus
dilemas, crises familiares e existenciais, peculiares ao ser humano. Ele não está isento de passar
pelos problemas existentes nas cidades, e precisa sobreviver profissionalmente neste momento
de guerra por um emprego.

Nos centros urbanos, o indivíduo tem uma gama muito alta de esclarecimento em diversos
níveis, inclusive no religioso. Por ser mais informado, pode estar mais convicto das realidades
religiosas de uma determinada proposta. Ele pode fazer uma opção nova a cada ano sem nenhuma
dificuldade; quanto mais útil for a proposta, mais emocionante ela será. É como vestir uma roupa
da moda. Só por agir assim, a pessoa se torna mais interessante, e consegue admiradores com
mais facilidade.

Como podemos ver, na sociedade moderna, quem tem informação detém o poder, pois é
ela que nos coloca a par do que acontece nos lugares mais distantes deste nosso mundo. Mas,
quais as informações que chegam ao povo? E como chegam? Cada informação passa por uma
seleção que, segundo certos critérios, determina sua importância. Do mesmo modo, a sua forma e
expressão ocultam uma opinião que filtra e modela o texto como bem entender. Alguém escolhe e
determina quais notícias devem ser passadas à população. Quem controla esses meios, influencia
e forma a opinião do povo. O cidadão se torna um objeto consumidor, assumindo um papel que
algum órgão de comunicação estabeleceu para ele.

Durante um bom tempo pensava-se que para sermos religiosos e espirituais deveríamos
nos mudar para um sítio, ou uma fazenda, esquecermos as atividades da cidade, e termos uma

70
PASTORAL URBANA

vida bucólica. Não temos como anular a realidade da vida moderna, em que o cidadão vive em
grandes conglomerados, onde o barulho, a violência, os assaltos, o medo e doenças das mais
variadas fazem parte do cotidiano. Como ter um relacionamento equilibrado com Deus e, ao
mesmo tempo, superar as pressões decorrentes da vida na cidade?

A vida urbana é cruel; discrimina com veemência o negro, o pobre, o índio, o analfabeto, a
mãe solteira, o mendigo, o idoso etc. Todos eles sofrem o descaso, o abuso e os infortúnios da
vida na cidade. Precisamos conhecer a cidade onde vivemos.

É necessária uma liderança capaz, informada e treinada sobre a vida na cidade, para poder
alcançar e fazer diferença entre as classes desfavorecidas. Precisamos criar oportunidades para
que essas categorias cheguem a conhecer a Deus.

Surge uma pergunta: quantos templos evangélicos existem nestas cidades? Qual a utilização
desses patrimônios dados por Deus? Durante a semana, são usados por poucas horas para práticas
religiosas? Por que não podemos montar nas igrejas pousadas, cozinhas, clínicas de saúde etc.?
Ao pensarmos na espiritualidade, na cidade, não podemos nos deter somente na contemplação,
meditação e leitura. Como o indivíduo poderá ler sem saber ler, ou meditar quando está passando
fome? Como pregar o evangelho quando somos tão incoerentes? Temos o que oferecer, mas não
damos nada, porque achamos que a única coisa que podemos fazer com nossas construções é
nos reunirmos para cultuar o ego e os grandes feitos humanos.

Como desenvolver uma proposta a respeito da espiritualidade num contexto em que os pobres
não sabem ler, não têm bíblias, e não fazem parte de nenhuma comunidade cristã?

Não há como fugir da realidade da pobreza e da indigência. A igreja precisa enfrentar


a pobreza agindo como Jesus agiu em sua época, indo em busca do necessitado, aflito e
desamparado. Cristo não fugiu do problema, nem o dissimulou; passou a conviver com os
carentes, chamou pessoas que estavam na mesma realidade deles, e apresentou uma proposta
de vida que fez diferença para seu povo. As pessoas que fizeram grande diferença no contexto
do Novo Testamento não estavam dentro dos padrões às vezes estabelecidos pela igreja: a
mulher samaritana, o endemoninhado gadareno, os leprosos, os cegos, a prostituta, o publicano
etc. Pensar sobre isso deve provocar certo incômodo a respeito da espiritualidade e do trabalho
propostos pela igreja contemporânea.

Os intelectuais sustentam a “religião do saber” e os clérigos sustentam a “religião do poder”.


Poder advindo dos recursos da religião, sustentado pelo pobre que contribui, participa e até
compactua com o modelo, por ignorância e falta de informação. Seguindo esta tônica na reflexão,
como o cidadão que mora na favela, trabalha a uma distância de três horas de viagem, pode
ter uma vida de contemplação? Qual é, na verdade, o equilíbrio para sua espiritualidade? Será
que podemos lhe dizer que precisa temer ao Senhor, ser honesto com sua família, trabalhador,
respeitador da mulher alheia? Podemos lhe dizer também que é necessário fazer parte de uma
comunidade cristã, onde tenha liberdade para expressar sua fé, e desenvolver uma vida de oração

71
ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

de acordo com seu tempo e oportunidades diárias? Será que é errado pensar assim, num contexto
tresloucado como este que vive o cidadão moderno?

Existe uma estranha associação entre o desenvolvimento e a pobreza. O desenvolvimento


pode trazer o distanciamento de Deus. Com o crescimento e o progresso, a tendência do cidadão
é ficar cada vez mais incrédulo e cínico com a sua própria vida. Como consequência, ele começa
a perder o sentido de sua espiritualidade. Para ele, pensar nas coisas de Deus, só quando tiver
tempo. A tendência é relacionar a religião e a espiritualidade com o oportunismo de alguns, que
se julgam espertos e conseguem enganar a muitos. O cidadão urbano, enganado, está vacinado
contra a religião. Como aquela pobre senhora que vendeu sua casa para dar o dinheiro a uma
referida igreja, que dizia: “Quanto mais você der, mais você terá”. consequentemente,, a pobre
senhora tornou-se uma senhora pobre, ficou na miséria, sem casa, sem esperança, e totalmente
incrédula no que diz respeito às questões relacionadas a Deus. Cada igreja tem a responsabilidade
de assumir sua condição de corresponsável pelo destino de seus cidadãos e de seu povo.

4 A IGREJA PRECISA FAZER DIFERENÇA


A igreja precisa fazer diferença. Cabe aos líderes e às comunidades religiosas apresentarem
alternativas de busca, comunhão com Deus e com seu próximo. Não se pode negar que o cidadão
urbano é triste e solitário. Ele vive alegre e satisfeito em meio ao barulho, à musica e às festas, mas
basta parar um pouco sua tresloucada agitação para cair em si e perceber o vazio de sua existência.

Ao olhar o testemunho de algumas igrejas locais percebe-se a falta de integração das


mesmas à vida da cidade. São corpos estranhos que, na maioria das vezes, assumem uma visão
preconceituosa em relação à vida na cidade. Vivem num mundo de fantasia, de ficção religiosa,
não conseguem perceber que se Jesus ou os apóstolos tivessem tomado esta atitude de reclusão,
provavelmente o cristianismo não teria frutificado.

Alguns ainda se lembram daquelas igrejas que, ao realizarem suas reuniões, colocavam um
alto-falante em um local estratégico. Com esse procedimento, acreditavam estar trazendo uma
contribuição espiritual para os moradores. Entretanto, o que conseguiam era despertar a antipatia
dos moradores. O procedimento correto seria fazer um levantamento no bairro para saber quais
as necessidades dos seus habitantes, e apresentar propostas que fizessem diferença na vida das
pessoas, se tornando instrumento de ajuda e contribuição para as necessidades da população.

O ser humano tem necessidades espirituais; precisa pensar sobre Deus. Seus anseios íntimos
estão relacionados com seu Criador, e a cidade não o estimula ao encontro com Jesus; ao contrário,
ela visa a produção, o dinheiro, o poder do forte sobre o fraco. Na cidade, saber é poder; quem
sabe mais, exerce mais poder. A saúde e a alimentação saudável estão disponíveis aos que têm
recursos financeiros para pagar por elas.

A partir dessa análise, podemos perceber a grande responsabilidade da igreja. A comunidade


cristã deve ter, em sua proposta, vencer o preconceito e alcançar o cidadão em suas mais profundas
necessidades. Cabe à igreja apresentar caminhos para que o indivíduo encontre Deus, bem como

72
PASTORAL URBANA

orientá-lo para aproveitar o tempo perdido no trânsito, a buscar ao Senhor e a desenvolver


amizades como forma de evangelização. Cabe a ela promover reuniões evangélicas que ensinem
o indivíduo a vencer suas lutas interiores e seus anseios espirituais.

A igreja precisa destoar; não pode se vender. Ela não tem o espírito do mercado, pois
representa os anseios de Deus para com seu povo. A igreja é o instrumento que Deus usa para ser
o cabeça sobre todas as coisas. Cada comunidade tem uma forma de ser. Precisamos identificar
suas tendências, perceber suas necessidades nos diferentes campos – seja espiritual ou social –
e outras carências peculiares a cada centro urbano.

O caminho da espiritualidade na igreja da cidade começa pela integração. Se o corpo de


Cristo conseguir reunir em torno de si as diferentes categorias que existem na cidade, terá dado
um grande passo no que diz respeito à espiritualidade.

O exercício evangélico da cidadania não se concretiza no isolamento em relação ao urbano,


mas no esforço organizado, comunitário. A comunidade cristã se qualifica como segmento
participativo da pólis. Isto é, o evangelho encarnado no segmento ‘comunidade’ participa da luta
pelo poder e pelo espaço vital no meio urbano, visando qualificá-lo com os valores vislumbrados
no evangelho de Jesus Cristo.

O povo integrado, amado, reconhecido, está aberto para desenvolverem sua vida com Deus;
mas a tendência existencial nos grandes centros é a solidão. As pessoas buscam em animais de
estimação respostas para o vazio interior que as persegue no dia a dia.

O indivíduo não se encontra consigo mesmo na solidão; muito menos com Deus. Com a
ajuda do próximo, e através do relacionamento com ele, descobrirá os passos a serem dados na
direção do Senhor. A Bíblia é fundamental na orientação daqueles que estão perdidos, mas cabe
à igreja desenvolver programas de ensino bíblico que supram as necessidades do cidadão urbano.

O mundo não tem mais definições claras sobre família, escola, Estado, igreja, pois a meta
declarada da sociedade é a livre escolha do indivíduo. Na cidade não existe uma única verdade, e
sim um pluralismo de religiões, igrejas e opiniões. E a igreja cristã está inserida nesse contexto. O
crente, membro de uma igreja na cidade, não está isento das pressões urbanas; precisa identificar
as tendências de seu tempo e saber como proceder de acordo com a Bíblia.

Paulo teve um ministério amplo e muito eficiente, não se deixando levar pelas mazelas
próprias da cidade. Ele fez diferença dentro de um contexto totalmente adverso. “Sua ação na
cidade era estratégica, usando os pontos de contato mais característicos da sociedade urbana de
seu tempo. Conhecedor do mundo urbano, sabia movimentar-se em seu meio; afeito a viagens,
sabia movimentar-se também de cidade em cidade. Justamente a forma de sua movimentação e a
escolha das cidades revelam uma ação estrategicamente bem pensada. Ao escolher precipuamente
os centros mais importantes daquela época como local de sua atuação, contava claramente
com a dinâmica da própria cidade. Períodos curtos de estada (com poucas exceções, não mais
de dois meses) não teriam tido efeitos duradouros, se não fossem baseados nas características
de relação e comunicação próprias das cidades.”

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

5 A IGREJA DA CIDADE PRECISA INCENTIVAR A VIDA COM DEUS


Em suma, a igreja urbana não deve desejar ser uma grande máquina administrativa, mas,
sim, estimular os motivos particulares. As necessidades da igreja têm prioridades distintas:
moradia, saúde e segurança, pois são marcos fortes da cidade. Cabe à igreja encontrar alternativas
nessas áreas, juntamente com a presença do evangelho. A igreja precisa vencer a mentalidade
de mercado que impera na sociedade moderna. Não devemos nos deixar levar pelo capitalismo,
mas rejeitar esta teologia utilitária onde Deus tem de fazer tudo por seus servos, livrando-os
de todos os males. O cidadão urbano precisa entender que Deus ensina o homem através do
sofrimento, das provações e dificuldades do dia a dia. A felicidade sem dor e eterna não existe;
podemos ser felizes em meio às dores e aos mais variados sofrimentos, porque o que conta é o
amor de Deus por sua criatura.

O que a cidade mais precisa é de uma justa leitura de suas necessidades, pois não adianta
apresentar a mensagem do evangelho sem saber qual é a realidade do povo. A estruturação do
contexto social urbano de cada cidadão deve ser feita com base bíblica e com muita compaixão.

Paulo oferece uma ajuda indispensável para reformular a estratégia de ação no mundo
urbano. Primeiro, porque não nos indispõe teologicamente, de antemão, com o mundo urbano,
vivia dignamente o evangelho de Jesus Cristo.

Em segundo lugar, Paulo nos ajuda a refletir como o evangelho poderia tomar forma no
mundo urbano. Seu procedimento argumentativo, avesso à receitas prontas, proporcionava
critérios para facilitar a decisão autônoma das comunidades. Paulo era um parceiro do diálogo
na busca por fazer, das comunidades, um espaço dentro do mundo urbano que correspondesse
à vontade de Deus.

Em terceiro destaque – a comunidade se configura como um segmento importante da


sociedade urbana. E um exemplo dessa importância é o conflito que a Palavra de Deus provoca
nas comunidades do nosso mundo moderno. No entanto, não se trata de fugir do meio urbano
para “viver o evangelho”; mas de “viver o evangelho de Jesus Cristo” onde se está (Fp. 1. 27).

A espiritualidade na cidade é um grande desafio. Devemos pensar sobre esse assunto,


levando em conta o cidadão que levanta às 6 da manhã, pega o ônibus para o trabalho às 6h30
e, após um percurso de uma 1 hora, chega ao serviço, onde trabalha das 7h30 ao meio-dia. Faz
um intervalo de 30 minutos para o almoço, e começa a trabalhar novamente às 12h30, indo até
19h. E, com tudo isso, ainda faz hora extra para poder receber um pouco mais no final do mês.
Trabalha de segunda a segunda com dedicação e afinco. Às vezes precisa trabalhar aos domingos
para ajudar num novo empreendimento da empresa. Vai à igreja três vezes por semana, junto
com a esposa e os filhos, procurar algum alento para sua alma faminta; algum alimento espiritual
que faça diferença na sua vida e na vida de sua família. Dentro desse contexto, ele deve pensar
na sua comunhão com Deus, dedicar tempo para a leitura da Palavra, evangelizar e, acima de
tudo, ser totalmente obediente ao Senhor.

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PASTORAL URBANA

TÓPICO 2 – REFLEXÕES SOBRE A CIDADE


1 INTRODUÇÃO
Neste tópico estudaremos as causas da urbanização brasileira: chama-se de urbanização “ao
processo pelo qual uma percentagem significativamente importante de uma população urbana
se agrupa no espaço, formando aglomerados funcional e socialmente inter-relacionados”. Esta
definição mostra o que a urbanização deveria ser. Mas na realidade brasileira ela não alcança
estes objetivos de aglomerados organizados. Pelo contrário, o processo urbanizatório brasileiro,
do ponto de vista social, é desordenado, violento e competitivo.

2 AS ESTRUTURAS DA URBANIZAÇÃO
Urbanização deveria compreender a existência de uma infraestrutura capaz de colocar, ao
alcance da população, os serviços públicos essenciais como transportes, luz, água e esgoto,
ou seja, condições de morar e viver. Mas o que sucede, é que as aglomerações de população
acontecem rapidamente e as prefeituras não têm condições ou não têm interesse em providenciar
as condições essenciais para a população afluente. Ademais, as possibilidades de emprego e
moradia, para grande parte da população, são inexistentes. Com isto, surgem os cinturões de
miséria e crescimento das favelas. Assim sendo, é mais justo falar em inchamento das cidades
do que de um processo urbanizatório.

2.1 CARACTERÍSTICAS DA GRANDE CIDADE BRASILEIRA


A grande cidade é o cenário espacial onde interagem, com intensidade, as forças e os interesses
orientados para diferentes sistemas de valores sociais, econômicos, políticos e religiosos. A vida
da cidade denuncia o sofrimento que resulta da modernização industrial e do acúmulo de capitais.
Para demonstrar isso, basta olhar para algumas das muitas marcas características da metrópole
brasileira, como o rápido e desordenado inchamento das grandes cidades (as cidades brasileiras
não crescem, elas incham; não têm capacidade de infraestrutura para acomodar as populações
que chegam da noite para o dia); o problema habitacional (os planos habitacionais do governo
não estão voltados para populações de baixa renda e, com isso, surgem as favelas); a violência
institucionalizada na cidade com medidas contra o povo e a favor do grande capital (ela domina
na política salarial, habitacional, de transportes coletivos, saúde, educação etc.).

2.2 A LÓGICA DA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA


A grande cidade é uma grande confusão. As contradições estão por toda parte: uns trabalham,
outros não têm trabalho; uns residem em palacetes e mansões e outros se recolhem em favelas
ou dormem na rua; uns esbanjam, outros mendigam; uns têm direitos e poderes, outros não
os têm; uns roubam e enriquecem, outros são presos e torturados porque roubam alimentos.

Atrás dessa aparente desordem se esconde a “lógica” muito claramente elaborada. A cidade
é pensada e planejada em função dos ricos e do capital. As leis do sistema capitalista dominante
favorecem o capital em detrimento do trabalhador. A luta é desigual.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

A confusão reinante não se dá por falta de planejamento ou por incapacidade das elites
dirigentes. É mais uma alternativa que tais segmentos sociais encontram para ampliar o seu
domínio e sua exploração sobre as demais classes.

Nota-se assim que, a “lógica” que comanda a urbanização no Brasil beneficia uma elite
burguesa enquanto exclui das conquistas e melhorias da urbanização a grande maioria da
população das cidades. Por isto, a grande cidade é desintegradora e conflitiva, vive-se um intenso
sofrimento, tensão, incerteza, decorrente de uma prática de injustiças institucionalizadas. Há um
clamor por vida digna que emerge do seio da grande cidade: é o suspiro das massas oprimidas.

Será que a Igreja em sua pastoral ouviu e ouve o clamor da gente oprimida? A Igreja tem
acompanhado a transformação que tem ocorrido na cidade? Como deve se dar a presença e a
missão da Igreja no contexto urbano?

3 A PRESENÇA DA IGREJA NA CIDADE GRANDE


É através da igreja local que a Igreja se faz presente na cidade grande. A congregação local
é uma realidade geograficamente delimitada. O centro da igreja é o templo, onde é concentrado
todo o trabalho eclesiástico.

O pároco (pastor, padre, reverendo) desempenha toda a ação pastoral da paróquia. O


crescimento ou a estagnação de uma paróquia, o modo de agir dos fiéis, está relacionado com a
capacidade e a habilidade de liderança do pároco (Pastor Titular).

O Conselho Paroquial (Conselho Diretor Local) administra as coisas materiais da paróquia,


e o pároco as coisas espirituais.

Os membros das igrejas urbanas são, em sua maioria, pessoas que possuem em comum
uma herança espiritual, cultural e religiosa. A fé cristã faz parte de sua vida, seja por formalidade,
seja por convicção. A prática pastoral na cidade gira quase que exclusivamente em torno das
necessidades dos paroquianos: aconselhamentos, ensino confirmatório, escola dominical, pastoreio
junto a enlutados e doentes, visitações, realização de ofícios, celebrações etc. Mas, em algumas
igrejas urbanas, existem outras janelas: escolas, creches, jardins de infância, casas para crianças
carentes, casas para crianças de rua, trabalho com dependentes químicos e alcoólicos, trabalho
com idosos e pastoral de saúde. Trabalhos desse tipo são um segmento da Igreja. Os denominamos
de Ministérios Desafios ou Paraeclesiásticos. Os membros das igrejas, além desses trabalhos,
também se engajam em movimentos ecológicos, associações de bairros, sindicatos, lutam por
melhorias de habitação, saúde, educação, transportes urbanos etc.

No campo, a evangelização que acontecia no convívio familiar não terá mais vez. Ou a igreja
evangeliza criativamente, ou ela não terá lugar na metrópole.

O caminho para a missão na cidade precisa ser pensado a partir da diversificação de


ministérios, como maneira de corresponder aos desafios que surgem do conflito urbano. A presença
da igreja na cidade na forma de diferentes ministérios não pode esquecer uma pedagogia que
facilite a experiência de fé e comunhão.

76
PASTORAL URBANA

Se a Igreja de Jesus Cristo deseja servir aos pobres e marginalizados como forma de servir ao
Reino de Deus, então ela precisa repensar o seu caráter institucional. Uma revisão dos ministérios
confiados à igreja facilitará a descoberta de novos caminhos em direção a uma Pastoral Urbana.

4 MINISTÉRIOS CONFIADOS À IGREJA


a) Ministério da Evangelização: a cidade é um campo aberto onde competem livremente
todo tipo de ideias e valores. Cada um procura a maneira de “vender a sua mercadoria”.
O Evangelho de Jesus Cristo é uma mensagem de vida e libertação. Esta proposta de vida
precisa ser tornada acessível. Para isto, não basta a pregação em culto, pois o seu alcance
é limitado. Na cidade há muitos públicos. A cidade tem seu tempo dividido em turnos. Ela
gira 24 horas por dia. A igreja precisa se dar conta desse fato para evangelizar a população.
A nova geração, para ser cristã, precisa ser evangelizada.

b) O Ministério Profético: a Igreja está vocacionada para anunciar a vida e aprovar todas as
iniciativas que promovem e propiciam a vida. Consequentemente, tem a responsabilidade de
denunciar todas as ideias, forças, instituições, leis e organizações que são contrárias à vida,
dentro e fora da Igreja. Parece que na cidade a igreja, para ser comunidade cristã, precisa
identificar-se com aqueles por quem Jesus optou: os que carecem de vida. Seu evangelho
é tornar presente o Reino de Deus neste mundo. A cruz é o símbolo maior deste ministério.
Mesmo assim, antes importa obedecer a Deus que a homens.

c) O Ministério Participativo: há um clamor pela unidade que parte dos empobrecidos urbanos.
Seus reclamos vão além do que uma ou outra confissão pode fazer. A cooperação ecumênica,
no sentido corporativo (Corpo de Cristo), será mais frutífera quando partir do clamor dos
oprimidos urbanos. Se as igrejas aprenderem a se unirem no amor, terão ouvido a oração
de Jesus (Jo. 17). Com amor, o Espírito Santo poderá vencer as barreiras ideológicas que
separam os cristãos. A aposta é na parceria ou alianças que surgem de baixo para cima, que
procedem do desejo sincero de responder amorosamente ao clamor dos oprimidos.

d) O Ministério da Cura: na cidade, a procura por uma cura, seja ela psíquica, física ou espiritual
é muito grande. A competição urbana desintegra a pessoa em seus valores e comportamentos.
Com isto, a população se torna insegura e vulnerável, capaz de atender aos apelos que lhe
devolvam uma identidade. As propostas religiosas que permitem uma experiência capaz de
devolver identidade ou oferecer nova identidade sempre terão procura. Basicamente, todo
morador de grande cidade é um carente afetivo e espiritual. Daí a razão de prosperarem
oferecimentos tão contraditórios. A igreja na cidade grande precisa descobrir maneiras que
permitam a cura das pessoas, através de vivências quentes. Para isto, a nossa tradição
litúrgica não colabora, mas, onde ela for “aquecida”, permite intercâmbio de experiências
dos fiéis, e há retornos surpreendentes.

e) Ministério de Ação Social: as obras de misericórdia sempre tiveram um espaço cativo na


igreja. Hoje não é diferente. Há sempre carentes que necessitam um pedaço de pão ou um

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

copo d’água. Se Jesus valorizou esses gestos, quanto mais nós! A caridade é necessária, mas
não substitui a luta por mudanças profundas na sociedade. Ela não é desculpa para não se
engajar naquelas lutas populares por melhores condições de vida. Deve estar claro para a
igreja, na grande cidade, que não é através do assistencialismo que se transforma a injustiça
institucionalizada. Mas este fato também não é desculpa para não ajudar na assistência. Se
não houvesse assistencialismo muitos movimentos de resistência teriam sucumbido. Enquanto
tivermos comunidades pluriclassistas haverá necessidade de batalhar por assistência social.
Ela quer sinal para algo maior: a busca por uma sociedade que dispensa a esmola - onde
todos tenham acesso à vida digna.

5 A CIDADE E A IGREJA E SUAS RELAÇÕES PECULIARES


E a igreja, onde fica na cidade? Para entender como a igreja se relaciona com a cidade pre-
cisamos recorrer à história.

A igreja cristã teve um papel fundamental no curso da história humana. Quando Jesus e seus
seguidores fundaram a igreja, ela expandiu-se nas cidades, nos vilarejos e nas áreas rurais de
todo o mundo, principalmente no Oriente próximo e Ocidente. No Período Apostólico (séc. I, II,
e III), a igreja tinha uma relação de misericórdia para com a cidade e seus habitantes.

Era um período da igreja escondida. Era clandestina, vivendo em catacumbas e reunindo-se


nas casas dos irmãos. Depois, no Período Imperial (séc IV ao XVI), a igreja sai da clandestinidade
para o reconhecimento. Sai da obscuridade e aparece no palco do mundo. O grande iniciador de
tudo isso foi o imperador Constantino, o “grande”, que se “converteu” ao Cristianismo e tornou-
a religião oficial de todo império romano. Solidifica-se nas cidades, construindo, principalmente
na Europa, com grandes catedrais e universidades. Tudo agora dependia da igreja, e óbvio de
seus líderes. Reis e rainhas eram coroados pelo Papa, sujeitando, de certa forma, todo o poder
do estado a Roma. Neste período o mundo viveu a “era das trevas”.

Com a Reforma, a igreja passou a olhar mais para os moradores da cidade. Uma das pri-
meiras atitudes dos reformadores foi de traduzir a Bíblia na linguagem do povo. Neste período
a igreja ainda ditava as regras, fosse católica ou protestante. Com as duas grandes revoluções
da história, a Francesa e a Industrial, a igreja começou a perder seu poder. Até este período, a
igreja se encontrava sempre na vanguarda da história, e agora passa à retaguarda. Isso é de
suma importância para entendermos o papel da igreja nas cidades hoje.

Nesta última fase, desde a Revolução Industrial até hoje, a igreja passa a ter uma atitude
reacionária com a cidade. Antes, acostumada a estar na frente de decisões políticas, econômicas
e sociais, se vê agora sem rumo e precisa redefinir seu papel. A partir disso, então, a igreja passa
a viver sempre na retaguarda das cidades, sempre reagindo às necessidades da população.

Segundo C. Timóteo Carriker, a resposta de Deus para a cidade se encontra primordialmente


na igreja. Por isso, a igreja necessita de uma pastoral voltada para as necessidades das pes-
soas da cidade, e isso pode fazer muita diferença. Uma “pastoral urbana para a realidade” deve

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PASTORAL URBANA

desenvolver um ministério para as pessoas. No episódio da transfiguração (Lc. 9: 28-36), onde


os discípulos queriam ficar na montanha, o Mestre relembrou que é junto do povo que teriam
que estar. A igreja deve estar pronta para orar no monte e depois descer para junto do povo.
Estar junto da cidade nos faz ver a realidade que as pessoas estão inseridas e descobrir quais
são suas reais necessidades.

Mas por que a igreja não age na cidade? Ela sabe que deve seguir as ordens de Jesus, deve
levar o Evangelho do Reino a todas as esferas da cidade, sabe que necessita ser relevante no
contexto da cidade, então por que não faz?

Vamos tomar por base o texto “Viver na Cidade” de José Combleia, teólogo e adaptá-lo à
realidade protestante histórica. Ele diz que essa falta de ação é simplesmente o resultado da ação
do clero em geral e das igrejas em particular.

5.1 POR QUE A IGREJA NÃO AGE NA CIDADE?


Em primeiro lugar, o povo não age na cidade porque os pastores estão interessados em mo-
bilizar toda ação dos crentes para a conservação e expansão da própria igreja. Por quê? Porque
ele teme que, quando as pessoas de sua igreja começarem a se preocupar com as tarefas na
cidade, não farão as tarefas da igreja. Teme que o crente se contamine com as coisas profanas da
cidade. Teme perder o controle sobre os crentes, porque a partir da ação na cidade, ele começa
a ter contato com outras formas de pensar e agir.

Depois, a própria igreja invoca as razões éticas para limitar rigorosamente todo o agir. Qualquer
ação concreta se expõe de tal maneira a tantas críticas morais, que é melhor e mais seguro ficar
sem fazer nada. Qualquer agir concreto nas circunstâncias históricas reais está sujeito a tantas
restrições, que o mais seguro é não meter-se nos assuntos da cidade.

É nesse contexto de falsa moralidade que a igreja se perde. Ela tenta se tornar tão “santa” e
se afastar tanto do que ela considera “profano”, que acaba por se tornar cada vez mais hipócrita.
Se o Senhor Jesus garantiu que quando fazemos o bem a alguém, seja uma visita a um enfermo,
a um preso, seja quando cobrimos alguém que está nu, ou seja, quando damos um copo de
água a alguém que tem sede, estamos fazendo ao próprio Senhor (Mt. 25:35-40), por que nos
isolarmos das pessoas? Parece mais uma estratégia maligna.

Num terceiro momento, a igreja não age na cidade por dois fatores ligados à política. O
primeiro é que os pastores criticam de tal maneira tudo que se relaciona ao assunto, que os
crentes acham que tudo isso é do diabo. Não há como falar de política dentro da igreja sem
ser exorcizado. O perigo disso é que os crentes vivem cada dia mais alienados, longe de suas
realidades, vivendo duas vidas: uma dentro do contexto eclesial (“aqui não se fala dessas coisas”)
e outra no contexto social (“porque não existe como viver isolado nesse mundo”).

O segundo, e isso é bem típico e vergonhoso em nosso meio. Muitos pastores, em época de
eleições, fazem “pedidos” aos candidatos, prometendo votos. É telha daqui, tijolo dali, e uma

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mão lava a outra. O famoso “jeitinho brasileiro” entrando na vida da igreja. Os crentes não estão
alheios a essa situação e, por isso mesmo, os que têm coragem, ou enfrentam a situação, ou
acabam abandonando a igreja local e até mesmo a sua fé.

Num quarto momento, a pregação dos pastores é um exercício de chantagem moralista. A


mensagem intimida os crentes, que até querem realizar alguma coisa na associação de bairro
local, mas sentem-se inseguros, com medo de se tornarem citação no próximo sermão pastoral.

Por último, os crentes só vão participar de alguma coisa em prol da cidade se o serviço for
valorizado pela própria igreja. Portanto, a igreja e os pastores têm a função de serem gestores
no sentido de incitar os crentes a se envolverem com a ação na cidade.

O papel da igreja é muito maior do que só pregar. Como portadora da melhor notícia que já
se ouviu, ela deve também testemunhar viva e eficazmente a Cristo através de seu envolvimento
com a ação na cidade. Sem esse envolvimento, seremos simplesmente como “bronze que soa”
ou como “címbalo que retine” (1 Co 13:1).

6 PEQUENA ABORDAGEM SOBRE OS MUÇULMANOS NAS CIDADES


Nas décadas de 30, 40, 50, até os anos 80, os olhos das agências missionárias estavam
voltados para a União Soviética. O grande desafio missionário era o bloco comunista. Com a
derrocada do comunismo a cortina de ferro se abriu ao Evangelho de Deus. Billy Graham e
numeroso grupo de evangelistas conhecidos têm concentrado esforços nos países da ex-União
Soviética e como resultado da graça divina, milhares de ex-comunistas têm recebido o novo
nascimento. O cristianismo prevaleceu sobre o comunismo. Em larga escala, ainda há muito a ser
realizado na Rússia e nos países do antigo regime ateísta. Os olhos da Igreja de Jesus focalizam
agora, outro desafio colossal. E este desafio missionário chama-se Islamismo. Os conhecidos
muçulmanos. Os seguidores de Maomé e adoradores de Alá, são, de modo geral, anticristãos.
No mundo muçulmano, Cristo nada mais é do que um “profeta “, inclusive inferior a Maomé. O
Evangelho nos países muçulmanos é notoriamente proibido, e aqueles que se convertem a Cristo
abandonando o Islamismo são severamente punidos, até mesmo com a pena de morte. Não há
igrejas autorizadas pelas autoridades e os cultos são sempre secretos. Pastores e missionários
quando conseguem entrar em países muçulmanos o fazem como profissionais liberais como:
dentistas, médicos, engenheiros etc. Desta forma, trabalhando como profissionais que são,
semeiam o Evangelho. O mundo muçulmano se opõe a Israel radicalmente, e uma vez que as
igrejas evangélica apoiam o Estado de Israel e por ele intercede, como manda a Bíblia (Salmos
122), somos também alvo do mesmo extremismo. Centenas de irmãos e irmãs perderam suas
vidas por amor a Cristo, no mundo islâmico. Não obstante a tanta oposição, o Evangelho de Deus
triunfa. Há relatos extraordinários de conversões. Recentemente um missionário norte-americano
indo a um país da janela 10/40 encontrou-se com um grupo de cerca 300 irmãos ex-muçulmanos.
O Espírito de Deus moveu-se de forma poderosa neste culto, conta-nos o missionário dos Estados
Unidos. E o que impacta a todos nós é saber que estes irmãos ex-muçulmanos se converteram
de modo extraordinário. Eles se converteram por meio de sonhos. Eles começaram, um a um, a

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PASTORAL URBANA

sonhar e em seus sonhos Cristo lhes aparecia e lhes pregava o Evangelho. Aleluia! Eles receberam
o Evangelho de Deus pelo maior de todos os missionários. Então foram sendo salvos e a igreja
de Cristo nasceu em território proibido. São irmãos do tipo do apóstolo Paulo, que recebeu o
Evangelho de Deus através do próprio Senhor Jesus (Atos 9:4)

7 FUNDAMENTOS DA AÇÃO DA IGREJA NA CIDADE


A PARTIR DA AÇÃO DO APOSTOLO PAULO
7.1 A CONVICÇÃO MINISTERIAL: A EDIFICAÇÃO DA IGREJA DE CRISTO
Paulo percebeu a essência do seu chamado ministerial como sendo para edificar a igreja de
Jesus Cristo. Entendeu que as promessas dadas por Deus ao longo da história, como a restauração
de Israel, a criação de um povo santo, vivendo dentro de um novo paradigma de relações
comunitárias, nas quais as barreiras entre judeus e gentios seriam superadas, se concretizariam
todas na Igreja de Jesus (Ef. 2). A igreja plenificaria as promessas, mas também esta mesma
Igreja, na visão Paulina, era a plenitude histórica de Cristo, ou por palavras mais teológicas, é na
eclesiologia que a cristologia se plenifica historicamente (Ef. 1.23, 2.15; 4.24; 3.10; Cl. 3.10). Ao
plantar uma nova igreja, Paulo entendia estar dando concretude histórica à presença de Cristo
neste mundo. Por isso ele via seu ministério como sendo o de edificar, construir, plantar, regar,
fazer crescer a igreja de Jesus.

7.2 A CONVICÇÃO MISSIONÁRIA: AS BOAS NOVAS COMO INSTRUMENTO


MAIS ESSENCIAL DA EDIFICAÇÃO DA IGREJA
Na complexa “arquitetura” de edificar a igreja de Jesus, Paulo tinha uma preocupação essencial
com o alicerce. O fundamento desta igreja era o evangelho, o poder de Deus para a salvação de
todo aquele que crê (I Co. 3:10-12; Ef. 2:20). Sua incrível criatividade metodológica de se fazer
“tudo para todos, para, por todos os meios, chegar a salvar alguns” (I Cor 9:20-23) não implicava
em negociar o conteúdo básico ou a raiz mais profunda sobre a qual a igreja ia crescendo: a
pregação da boa nova do evangelho. Nenhum método substituía este elemento central que, na
visão do apostolo, era sem dúvida o mais e o único eficaz parar plantar, regar e fazer crescer a
Igreja de Cristo. Não era difícil, então, supor que a realização do apóstolo não se dava por conta de
qualquer resultado, mas sim quando via as igrejas plantadas por ele fundamentadas no evangelho!

7.3 A MOTIVAÇÃO ESCATOLÓGICA: O FIM JÁ COMEÇOU!


Qualquer leitura, mesmo a mais desatenta das cartas paulinas, vai nos dar conta da curta
perspectiva escatológica do apóstolo. Para ele, o final dos tempos começou quando o tempo
chegou à sua maturidade, alcançou a plenitude na pessoa de Jesus. Todas as coisas, as celestiais
e terrenas, que convergiriam em Cristo, começaram no seu tempo (1 Co. 10:11; Gl. 4:4, Ef.
1:10). Tal perspectiva injetava em suas veias missionárias um senso de urgência tão profundo
que o levava a não ter dúvida de que “eis, agora, o tempo sobremodo oportuno, eis, agora, o dia
da salvação” (2 Co 6.2b). O semear novas igrejas por todo o império era uma resposta imediata

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à urgência da missão. Não havia tempo a perder. Jesus batia à porta da história e convinha, até
sua chegada definitiva, estabelecer sua igreja!

7.4 A CONVICÇÃO METODOLÓGICA: A PLANTAÇÃO DE IGREJAS LOCAIS


Todas essas motivações, geradoras da atividade missionária paulina, encontravam na
organização de igrejas locais sua face concreta e histórica. Os convertidos ao evangelho pregado
se reuniam em comunidades locais dentro das quais cresciam na fé e no conhecimento! Essas
comunidades não viviam somente do carisma, ou da dimensão espiritual e romântica da fé,
organizavam-se institucionalmente, como por exemplo, o estabelecimento de uma “hierarquia”
mínima e de processos de eleição das suas lideranças (At. 14.21-23). Era dentro do contexto
da igreja local que Paulo discipulava os novos, identificava liderança e os levava a assumirem o
cuidado das igrejas, embora o apóstolo nunca tenha deixado de voltar e supervisioná-las (At.
15.36;16.4-5;18.23).

Está posto então que, na ponta última da cadeia de convicções de Paulo, estava a plantação
de uma igreja local. Não fosse esta convicção metodológica de plantar igrejas locais, a atividade
missionária de Paulo tenderia a se pulverizar e mesmo não ter qualquer relevância e permanência
na história, visto que foi pelas igrejas que plantou que o evangelho foi sendo disseminado de
geração em geração.

O contato com essas convicções de Paulo deve inspirar a todos nós, envolvidos hoje com
o processo de plantação de novas igrejas, a uma tarefa mínima e essencial: checar diante de
Deus a saúde, a pureza e firmeza das nossas convicções. Isto porque, como sabemos todos, com
muita rapidez podemos estar construindo impérios pessoais e dando a eles o nome de Reino de
Deus. Este texto quer nos ensinar que o processo de plantação de uma nova igreja começa nas
convicções. Elas habitam a dimensão subjetiva do nosso ser e a parte invisível do nosso olhar, por
isso mesmo, estão na ordem do essencial. São elas, e somente elas, que nos farão lutar o bom
combate, por elas vale a pena lutar todas as lutas e enfrentar todas as barreiras para plantar uma
nova igreja. Nunca é tarde para lembrar e nem é muito repetir: diante de Deus são as nossas
motivações que qualificam as nossas ações. A pergunta que não pode calar nunca no processo
de plantação de uma nova igreja é, quais são as convicções básicas que me levam a plantar uma
nova igreja? Sem dúvida que a fantástica experiência de Paulo como plantador de igrejas é um
referencial indispensável para respondermos, a esta pergunta, para o nosso coração diante do
olhar daquele que tudo sonda.

8 POR UMA AÇÃO PASTORAL EFETIVA NA CIDADE


O ministério pastoral é um dos temas mais relevantes para a Igreja Cristã. Em primeiro lugar,
porque o pastor é quem conduz o rebanho de Deus, segundo a Sua vontade. Em segundo lugar,
porque é o pastor o responsável por alimentar este rebanho para que ele cresça forte e sadio.
Em terceiro lugar, porque o pastor é aquele que foi chamado por Deus para assistir ao rebanho
em todas as suas tribulações.

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PASTORAL URBANA

Além disso, devido a inúmeros escândalos nos últimos tempos, o ofício pastoral tem tido sua
excelência questionada fora e até mesmo dentro da Igreja. É necessário, portanto, refletir sobre a
relevância deste ministério e propor caminhos para resgatar o seu valor e a sua importância para o
contexto atual e não somente dentro da Igreja, mas também na proclamação à sociedade em geral.

9 DESAFIOS DADOS À IGREJA AO MINISTÉRIO PASTORAL


A igreja precisa compreender quais são os maiores desafios que se levantam diante dela
nestes tempos. Tempos em que os referenciais estão cada vez mais flexíveis e os fundamentos
cada vez mais frágeis. Nas palavras de Ricardo Gondim:

“Começamos o século XX com o apogeu da modernidade, terminamo-lo com o nascimento


da pós-modernidade. Se a modernidade foi a época da lógica e do método, a pós-modernidade é
marcada por ambiguidades e contradições” (GONDIM, Ricardo. Artesãos de uma Nova História. p. 87).

Stanley J. Grenz e Gene Edward Veith, Jr. afirmam, citando Charles Jencks, que o pós-
modernismo nasceu a partir da arquitetura, na implosão do conjunto habitacional de Pruitt-Igoe,
em Saint Louis, nos Estados Unidos, que era um exemplo emblemático da estética modernista
(Cf. GRENZ, Stanley J. Pós-Modernismo. p. 25 e VEITH, Jr, Gene Edward. Tempos Pós-Modernos.
p. 32). Eles apontam para os sinais do pós-modernismo, desde então, na sociedade, na cultura
e nas artes em geral (Cf. GRENZ, Stanley J. Pós-Modernismo. p. 27ss e VEITH, Jr, Gene Edward.
Tempos Pós-Modernos. p. 37ss).

Por identificar-se em oposição e superação ao modernismo e também por estar em pleno


processo de desenvolvimento, não é fácil determinar com segurança as características do pós-
modernismo. Todavia, pode-se perceber que ele é a negação de diversos valores e pensamentos
que dominaram a cultura moderna. Citando Ihab Hassan, Veith Jr. propõe uma série de antíteses
entre o modernismo e o pós-modernismo:

“Os modernistas creem em determinância, os pós-modernistas creem em indeterminância.


Onde o modernismo dá ênfase à finalidade e ao projeto, o pós-modernismo enfatiza o jogo e
o acaso. O modernismo estabelece uma hierarquia, o pós-modernismo cultiva a anarquia. O
modernismo valoriza o tipo; o pós-modernismo valoriza o mutante. O modernismo busca o logos,
o significado subjacente ao universo expresso na linguagem. O pós-modernismo, por outro lado,
acolhe o silêncio, rejeitando os dois, o significado e a Palavra”. (VEITH, Jr, Gene Edward. Tempos
Pós-Modernos. p. 36-37)

Assim, para o pós-modernismo a realidade é uma construção social e evita-se o discurso


absolutizante, rejeitando as bases de pensamento e os fundamentos da era imediatamente anterior.
Assim, a pós-modernidade é caracterizada pela ausência de princípios e valores claros. E, neste
sentido, desta vez citando o historiador Arnold Toynbee, Veith Jr. identifica em uma tríplice divisão
os sentimentos gerados no pós-modernismo como sendo uma fase dominada por “ansiedade,
irracionalismo e desamparo” (Cf. VEITH, Jr, Gene Edward. Tempos Pós-Modernos. p. 38). A
partir desta tríplice divisão, serão analisados os riscos e perigos que os tempos atuais podem
trazer ao bom exercício da excelência do ministério pastoral.

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A primeira característica que Toynbee destaca no mundo pós-moderno é a ansiedade. Ela é


resultado da multiplicidade de escolhas de um mundo plural e onde não se tem parâmetros claros
de verdade para direcionar estas escolhas. Um dos mais importantes pensadores do existencialismo
corrente que está no pós-modernismo, Jean-Paul Sartre, fala de uma ânsia característica desta
situação em que o homem se encontra.

A segunda característica do pós-modernismo, segundo Toynbee, é o irracionalismo. Com sua


crítica ao modelo racionalista da modernidade, o mundo pós-moderno tem como uma de suas
expressões mais marcantes o irracionalismo. Veith Jr. afirma que: “As heresias modernistas caíram,
mas agora heresias pós-modernas as substituem. O racionalismo, tendo fracassado, cede lugar
ao irracionalismo – e ambos são hostis à revelação de Deus, ainda que de maneiras diferentes.
Os modernistas não criam que a Bíblia fosse verdadeira. Os pós-modernistas lançaram fora
completamente a categoria de verdade. Fazendo isso, já abriram uma caixa de pandora de religiões
da Nova Era, sincretismo e caos moral”. (VEITH, Jr, Gene Edward. Tempos Pós-Modernos. p. 186s)

Assim, não existem parâmetros absolutos, modelos universais ou paradigmas unívocos.


Assim, neste pluralismo levado ao extremo, Ricardo Gondim lembra que “a cosmovisão religiosa
não pode ser imposta, ela participa da sociedade como mais uma opção entre muitas” (GONDIM,
Ricardo. Fim de Milênio: os perigos e desafios da Pós-Modernidade na Igreja. p. 71).

A terceira característica da pós-modernidade apontada por Toynbee é o desamparo. Este


desamparo, também oriundo da falta de parâmetros claros de verdade, se desenvolve no
exacerbado sentimento de isolamento, no individualismo. O individualismo é um dos traços mais
marcantes da modernidade, no período do pós-guerra. Vivemos em uma época de exacerbado
individualismo. O bem-estar pessoal é colocado acima do bem comum. Os interesses individuais
estão acima dos direitos sociais. Estas três características se constituem num grande desafio
pós-moderno à excelência do Ministério Pastoral para os dias atuais.

10 MODELOS INADEQUADOS DE IGREJA E MINISTÉRIO PASTORAL


A influência dos perigos e desafios da pós-modernidade pode ser vislumbrada facilmente
na vida da igreja. Muitas igrejas evangélicas, consciente ou inconscientemente, têm até mesmo
adotado modelos eclesiásticos e pastorais que carregam em si a marca clara do mundo pós-
moderno, especialmente no que se refere à teatralização, à dominação e à comercialização da
religião, como se fora um artigo cultural qualquer. Esta é precisamente a tese de um importante
estudo de Leonildo Silveira Campos (Cf. CAMPOS, Leonildo Silveira. Templo, Teatro e Mercado:
organização e marketing de um empreendimento pentecostal. p. 14ss).

Comentando esta obra, Julio Paulo Tavares Zabatiero relaciona este modelo eclesiológico com
a atividade pastoral. Assim, ele demonstra que a cultura massificada pela televisão tem tornado a
sociedade pós-moderna na “sociedade do espetáculo”. Por esta causa, o ministério pastoral tem se
desenvolvido cada vez mais em grandes eventos, que só contribuem para aumentar o sentimento de
desamparo e solidão do povo. Nessa sociedade “midiática”, até o culto toma uma nova conotação.

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PASTORAL URBANA

Os novos gostos litúrgicos, nas igrejas históricas, trazem a sedução imagética. A imagem
apaixona, o espetáculo seduz mentes, corações e corpos, e imperceptivelmente a igreja se
transforma em um imenso teatro coletivo; o culto converte-se em arrebatador desenvolvimento
das coisas que se deveriam esperar. Realidades escatológicas são adequadas, capturadas nas
agradáveis sensações da confusa presença do sagrado no cansativo consumo dos novos cânticos,
novos ritmos, novos gestos, novas palavras de ordem, novos ritos, meios sempre novos para
se “performar” os mesmos e velhos ritos da celebração cristã do Crucificado. (ZABATIERO, Julio
Paulo Tavares. Apascentai a Igreja de Deus no Mundo Pós-Moderno)

É por isto que, ao invés de centralizar-se na proclamação da Palavra de Deus, o culto evangélico
tem tido o seu foco sobre manifestações visíveis da espiritualidade. Assim, a primeira tarefa
pastoral que Zabatiero propõe é o cuidado com estas seduções da imagem e do espetáculo, não
aceitando o papel que a pós-modernidade tem dado aos líderes religiosos.

Zabatiero também aponta para o já citado individualismo extremado da pós-modernidade


tem invertido as realidades do mundo, privatizando o que é público e tornando público o que é
privado e, mais uma vez, em grande parte por influência dos meios de comunicação. Ele lembra
que a fé cristã não pode ser privatizada sob pena de perder sua essência.

A fé cristã é pública, seu palco não é o templo, não é o coração, não é a doutrina, não é a
denominação. Sua arena é o mundo! Não o abstrato mundo composto de falsas doutrinas, espíritos
enganadores, ou religiões concorrentes e anticristãs. O mundo, que é nossa arena, é o mundo
amado inefavelmente por Deus. O mundo composto de pessoas reais, visíveis e palpáveis. Pessoas
com cores, gostos, cheiros, modos e tons particulares, individuais, mas construídos publicamente
nesta imensa sociedade anônima chamada Brasil (ZABATIERO, Julio Paulo Tavares. Apascentai a
Igreja de Deus no Mundo Pós-Moderno).

Diante deste mundo, a tarefa do ministro do Evangelho também é publica, mas sem desvanecer
no espetáculo vitorioso. Ironicamente, ele aponta para a Cruz como o único “espetáculo” que
deve ser demonstrado a partir do exercício do ministério pastoral.

Ministério pastoral e teológico que ajudem a Igreja a ser sal da terra e luz do mundo. Que,
juntamente com o Povo de Deus, experimentem, desbravem novos caminhos para salgar este
mundo insosso e nauseante em que vivemos. Ensino e pastorado que conduzam a Igreja de Deus,
comprada com o sangue de Cristo, ao serviço ao mundo e no mundo. Igreja de Deus chamada
para ser sal e luz, para brilhar em meio às trevas da exclusão, do consumo, da desumanização,
da globalização tecnológica. Luz, farol altaneiro que reconduza a humanidade ao porto seguro
da reconciliação com Deus. Sal, tempero agradável, que torne sábias as palavras e ações dos
cristãos no mundo ignorante do progresso sem solidariedade e compaixão (Cf. ZABATIERO, Julio
Paulo Tavares. Apascentai a Igreja de Deus no Mundo Pós-Moderno).

11 PROPOSTAS PARA O MINISTÉRIO PASTORAL NA CIDADE


A despeito de todos os dilemas e necessidades do tempo presente, no meio evangélico tem
surgido uma infinidade de modelos eclesiásticos e pastorais que, além de negociarem as firmes

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bases da fundamentação bíblica e reformada, não tocam no âmago dos problemas das pessoas
e oferecem soluções apenas parciais para suas realidades.

Aqui serão apresentadas propostas visando à expressão da excelência do ministério pastoral


num contexto pós-moderno, a partir do modelo o tríplice ministério apontado por Gildásio Reis na
visão pastoral de João Calvino: o pastor como pregador, como visitador e como conselheiro (Cf.
REIS, Gildásio. João Calvino: Sua Visão Pastoral). Será demonstrado, assim, que a proclamação
da Palavra é uma ferramenta singular para superar o relativismo pós-moderno; que a visitação é
um meio eficiente de vencer o desamparo das pessoas no mundo atual; e que o aconselhamento
é uma forma adequada de mitigar a ansiedade por meio do acompanhamento e do processo
contínuo de orientação e aprendizado.

11.1 PREGAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE ENSINO E TRANSFORMAÇÃO


Como visto anteriormente, a pregação do Evangelho é uma atividade inerente ao ofício
pastoral. Assim, é cada vez mais urgente revisitar os ideais fundamentais do ministério pastoral,
tanto no Novo Testamento quanto na Tradição Reformada, para prover bases firmes para a
excelência do ministério pastoral também à pós-modernidade. O ministério pastoral continua o
mesmo, assim como sua missão permanece inalterada. E a excelência do ministério pastoral, em
qualquer tempo e qualquer época, deriva diretamente de sua missão: proclamar a Palavra de
Deus! A tarefa do pastor continua sendo uma e a mesma, segundo Michael Horton:

“Pregar a Escritura é pregar a Cristo; pregar é Cristo é pregar a cruz; pregar a cruz é pregar
a graça; pregar a graça é pregar a justificação; pregar a justificação é atribuir o todo da salvação
à glória de Deus e responder a essa Boa Nova em grata obediência por meio de nossa vocação
no mundo” (HORTON, Michael. Reforma Hoje. p. 124).

Neste sentido, Stanley Grenz inicialmente demonstra que o pós-modernismo e os cristãos


evangélicos, possuem uma posição comum: a rejeição da epistemologia iluminista, que se
expressou na valorização excessiva do conhecimento, sua objetividade e avaliação como algo
inerentemente bom (Cf. GRENZ, Stanley. Pós-Modernismo. p. 236ss). Para uma aproximação
do contexto cultural pós-moderno, ele propõe quatro contornos nos quais o Evangelho deve ser
proclamado: um Evangelho pós-individualista, pós-racionalista, pós-dualista e pós-noeticêntrico.

Segundo Grenz, em primeiro lugar é necessário superar o individualismo da cultura pós-


moderna. A promoção do indivíduo foi uma das marcas da modernidade, todavia, como já foi
demonstrado, o mundo moderno tornou-se excessivamente individualista. Desta forma, Grenz
entende que a ênfase no individual não deve ser completamente retirada da proclamação do
Evangelho para os dias atuais. No entanto, deve-se acentuar o papel inevitável da comunidade
e de redes sociais que é, precisamente, onde os indivíduos conhecem a si mesmos em suas
identidades pessoais. Além disso, deve-se reconhecer a importância da comunidade de fé neste
intento, uma vez que a geração atual não se impressiona com discursos verbais. Os próprios
participantes da comunidade devem participar deste processo. Esse é o papel de uma proclamação
pós-individualista (Cf. GRENZ, Stanley. Pós-Modernismo. p. 238ss).

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PASTORAL URBANA

Em segundo lugar, deve-se apresentar o Evangelho numa perspectiva pós-racionalista. Grenz


lembra que uma das marcas da modernidade foi a valorização da razão. Mesmo com a crítica
pós-moderna do racionalismo, ele advoga que a apresentação do Evangelho neste contexto
não deve ser anti-intelectual, mas essa intelectualidade deve estar a serviço do contato com a
realidade e conduzir à descoberta da verdade divina. Assim, a verdade não será expressa apenas
nas categorias de certeza racional, típicas da modernidade, mas apontará para a realidade
fundamental de que Deus está além da racionalidade humana. Neste sentido, o encontro com
Deus deve ser proclamado no centro de uma experiência através de Jesus Cristo, numa realidade
transformadora. Assim, enfatiza-se o papel da dimensão intelectual na perspectiva da experiência
humana (Cf. GRENZ, Stanley. Pós-Modernismo. p. 241ss).

Grenz aponta, em terceiro lugar, para um Evangelho pós-dualista. Para ele, a proclamação
cristã deve ultrapassar o dualismo fundamental entre “mente” e “matéria” presente no modernismo,
desenvolvendo um holismo bíblico. Ele reconhece que o dualismo moderno exerceu influência
sobre o pensamento cristão, mas propõe que se cesse esta influência em favor de um Evangelho
que fale ao ser humano de maneira integral, seja no seu aspecto racional-intelectual, emocional-
afetivo ou físico-sensual. Esse holismo cristão pós-moderno deve unir todos os contextos da
vida humana, inspirado na verdade bíblica e no exemplo de Jesus que ministrou o Evangelho às
pessoas como seres integrais (Cf. GRENZ, Stanley. Pós-Modernismo. p. 243s).

Por fim, Grenz entende que a proclamação do Evangelho num contexto pós-moderno deve
ser expressa também num sentido pós-noeticêntrico, ou seja, deve afirmar que a existência
humana é mais do que a mera acumulação de conhecimento. Na modernidade, este foi um dos
seus mais importantes conceitos. Entretanto, na atualidade, deve-se afirmar que a proclamação
do Evangelho visa à obtenção de sabedoria. Assim, este anúncio se mostra relevante para todas
as dimensões da vida, não permitindo que se viva uma vida cristã entre os extremos do ativismo
e do quietismo. Por isso, esta característica da proclamação do Evangelho numa perspectiva pós-
moderna ajuda o ser humano a bem lidar com a verdadeira função do conhecimento (Cf. GRENZ,
Stanley. Pós-Modernismo. p. 244ss).

11.2 VISITAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE APROXIMAÇÃO E SOLIDARIEDADE


Conquanto as propostas de Stanley Grenz apontem um caminho extremamente válido para
a comunicação do Evangelho a uma cultura pós-moderna, é preciso salientar que, conforme visto
nos capítulos anteriores, o ministério pastoral não se resume apenas à pregação. Neste sentido, a
visitação aparece como uma faceta do ministério pastoral que deve ser reformulada e valorizada
em virtude das necessidades do mundo atual.

Como já foi mencionado, um dos traços da pós-modernidade é o sentimento de desamparo,


que relega as pessoas à solidão e ao individualismo. A visitação, então, aparece como um
instrumento adequado para o pastor aproximar-se de suas ovelhas, em seus contextos e
necessidades. O pastor como visitador é aquele que vai onde as ovelhas estão. Além disso, na
visitação, o pastor tem um meio específico para demonstrar um cuidado especial a cada membro
do rebanho individualmente.

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Por meio da visitação, o pastor entra em contato com as necessidades e dores de seu
rebanho, ultrapassando as barreiras do individualismo e dissipando o sentimento de desamparo.
Em meio às inevitáveis experiências de dor e aflição, a pior coisa que as ovelhas podem sentir
é a indiferença, como afirma Jürgen Moltmann: “O mal e o sofrimento não são maus, mas a
indiferença. Insensíveis esquecemo-nos dos acontecimentos desagradáveis. Não notamos que
os jovens desempregados se multiplicam. Não percebemos que, sem esperança, entregam-se às
drogas e se viciam. Acostumamo-nos a vê-los roubando para comprar “a matéria-prima” de seus
falsos sonhos. Não mais nos alarmamos quando, à luz do dia, vemos assaltos ou atropelamentos.
Ninguém se espanta. E assim o mal se expande como um tumor no corpo doente. Amplia-
se o círculo diabólico da pobreza, do desemprego, da criminalidade e das prisões. Por quê?
Porque, simplesmente, não paramos para pensar, e não nos deixamos impressionar. Aceitamos
a brutalidade. Não queremos admitir a miséria dos outros. Evitamos, destarte, sofrer com eles.
Perdemos a paixão pela vida (MOLTMANN, Jürgen apud CASTRO, Moisés Coelho. A Experiência
da Dor no Ministério Pastoral).

Assim, o cuidado pastoral deve manifestar-se em virtude das aflições do rebanho, conforme
afirma Moisés Coelho Castro, o pastor deve colocar-se “ao lado das pessoas a fim de orientá-las
e ajudá-las na busca da superação, da resistência e da perseverança” (CASTRO, Moisés Coelho.
A Experiência da Dor no Ministério Pastoral). A visitação, portanto, é importante ferramenta do
ministério pastoral no cuidado com os que sofrem.

Além disso, a visitação é também essencial no exercício do discipulado. Seja de maneira


individual ou num pequeno grupo, o pastor que visita o seu rebanho tem a oportunidade de mais
abertamente lhes ensinar a doutrina de Cristo e motivá-los a uma vida de adoração, oração e
serviço. Neste ministério, o pastor pode potencializar a força de sua mensagem e vencer algumas
barreiras que a pós-modernidade tem erigido diante das igrejas e do Ministério Pastoral. Peter
White descreve a ação pastoral de Richard Baxter que discipulava 15 a 16 famílias por semana
(Cf. WHITE, Peter. O Pastor Mestre. p. 155).

11.3 ACONSELHAMENTO COMO FORMA


DE ORIENTAÇÃO E APRENDIZADO CONTÍNUO
Além da pregação orientada para as necessidades de um mundo relativista e da visitação como
instrumento de aproximação das pessoas, o aconselhamento aparece aqui como uma importante
ferramenta para a orientação do povo e para a solidificação do ensino pastoral. Neste ponto,
pode-se dizer que aplica-se também aquilo que Stanley Grenz defendeu quanto à adaptação da
pregação do Evangelho para uma cultura pós-moderna.

Paul Hoff demonstra que o aconselhamento é uma parte importante do ministério pastoral,
através da qual proporcionam-se muitas oportunidades de levar almas angustiadas aos pés de
Cristo (Cf. HOFF, Paul. O Pastor como Conselheiro. p. 11-13). Em tempos de pós-modernidade,
onde o sentimento de ansiedade assola as pessoas de uma forma cada dia mais abrangente, o
aconselhamento se constitui numa atividade relevante, através da qual o pastor pode acompanhar
suas ovelhas em seu crescimento e aprendizado.

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PASTORAL URBANA

Hoff apresenta, ainda, dois métodos principais de aconselhamento que podem ser utilizados
pelo pastor: a técnica diretiva e a não diretiva. Na técnica diretiva o membro da Igreja apresenta o
seu problema e o pastor lhe informa a solução, semelhante a uma consulta médica. Já na técnica
não diretiva, o assistido é a figura central, falando livremente de seus sentimentos; o pastor
escuta, reflete e tenta ajudá-lo a compreender a si mesmo e a causa do problema, motivando-o
a tomar sua própria decisão. Hoff entende que, num contexto como o do mundo atual, a técnica
não diretiva é mais apropriada e apresenta maiores possibilidades de ajudar o aconselhando em
suas aflições (Cf. HOFF, Paul. O Pastor como Conselheiro. p. 13-15).

Neste mesmo sentido, Peter White lembra uma particularidade nem sempre valorizada no
aconselhamento: o ouvir. Ele lembra que cada pessoa é singular e o pastor deve estar atento ao
que elas sentem e querem expressar, pois o aconselhamento pastoral não deve ocorrer somente
em ambientes especiais, mas mesmo em conversas comuns, que devem sempre facilitar a
compreensão da própria pessoa para responder às situações concretas de sua vida (Cf. WHITE,
Peter. O Pastor Mestre. p. 130s).

Para tanto, ele propõe um modo eficaz de ouvir, em três atitudes básicas: em primeiro lugar,
o pastor deve ser genuíno, combinando palavras e sentimentos, na busca da autenticidade;
em segundo lugar, ele deve demonstrar entusiasmo, sentimento que deve incluir dois fatores:
gostar das pessoas como são e não se tornar possessivo; e em terceiro lugar, a empatia, que é a
habilidade de entender e determinar o estado emocional da pessoa. A partir destas três atitudes
básicas, será desenvolvido um modo eficaz de ouvir, baseado em: assumir um profundo interesse
pela pessoa e sua situação, ter prazer nas pessoas, admirá-las e sentir suas preocupações (Cf.
WHITE, Peter. O Pastor Mestre. p. 135ss).

11.4 ASPECTOS PRÁTICOS


Apontou-se, aqui, para um ministério pastoral que leva em consideração os desafios da
pós-modernidade, apresentando-lhe respostas em três frentes, seguindo o modelo de ministério
pastoral em Calvino: a evangelização para vencer o relativismo, a visitação para ultrapassar o
individualismo, e o aconselhamento para superar a falta de sentido e direção.

Deve ser destacado, entretanto, que existem outras ferramentas válidas para o exercício do
ministério pastoral em sua excelência. Não é pretensão deste trabalho esgotar as alternativas e
caminhos para tal. Todavia, esta tripla forma, em sua simplicidade, abrange um espectro amplo de
desafios que o mundo pós-moderno impõe e faz isso em perfeita consonância com os pressupostos
da perspectiva bíblica e reformada do ministério pastoral.

Ademais, percebe-se que muitas igrejas e pastores têm sido levados a reboque dos tempos
atuais, fazendo com que seus rebanhos sofram com as consequências de uma religiosidade sem
raízes e sem rumo. A igreja deve perceber essa realidade urgentemente e enfrentar os desafios
com a sólida base de um ministério pastoral bem preparado e contextualizado.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

Caro Aluno! Estou certo que essa avaliação vai lhe


ajudar a fixar os pontos importantes da matéria e
melhorar sua compreensão a respeito dos assuntos
urbanos. Uma excelente avaliação para você!
Não se esqueça: destaque esta folha preenchida e
entregue ao professor na próxima aula.

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PASTORAL URBANA

INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR NOTA

PASTORAL URBANA
AUTOATIVIDADE DO CAPÍTULO 6

Nome: Série: Data de Entrega:

Questões:
1. Quais são os princípios que você pratica para fortalecer sua espiritualidade?

2. Quando o cidadão da cidade está em crise, o que ele procura para solucionar?

3. Como construir sua identidade na cidade?

4. Como o cidadão da cidade deve reger a questão do tempo?

5. Quais são as faces da discriminação na cidade?

6. Qual o seu programa pessoal para fortalecer seu relacionamento com Deus?

7. Como se define a atuação da igreja na cidade?

8. Qual deve ser a relação do pastor e os membros de sua igreja, que vivem na cidade?

9. Cite alguns modelos inadequados da igreja e ações pastorais.

10. Como a pregação afeta na formação do indivíduo da cidade?

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RASCUNHO

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PASTORAL URBANA

CAPÍTULO 7
UM NOVO REFERENCIAL PARA O
PASTORADO, FUNDAMENTOS DO
MINISTÉRIO PASTORAL
TÓPICO 1 – FUNDAMENTOS DO

07
MINISTÉRIO PASTORAL

CAPÍTULO
1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo estudaremos e apresentaremos algumas ações
relacionadas como “FUNDAMENTOS” do ministério pastoral que são,
de fato, todas, ministérios da comunidade cristã. Tornam-se, porém,
FUNDAMENTOS do ministério do pastor, na medida em que elas são
as pessoas que têm responsabilidade de supervisionar, de pastorear
a comunidade.

2 CUIDADO
2.1 CUIDAR
“CUIDAR” é a expressão do agir de Deus para com sua criação.
Três são as características fundamentais do cuidado divino: Valorizar
(amar) a criação na mesma medida em que valoriza a si mesmo;
lembrar-se da criação como a beneficiária de seu cuidado amoroso;
reunificar a Criação sob Deus Criaturizado, autor da vida.

2.2 COMO NÓS, PASTORES, CUIDAMOS DA


COMUNIDADE?
1. Permitindo que nós mesmos sejamos cuidados – por Deus,
primeiramente – e por outros significativos. Nas palavras de
Ray Anderson, “ninguém pode praticar um autocuidado sadio
a menos que seja parte de uma comunidade em que todos se
cuidam mutuamente.” (The soul of Ministry, p.217);

2. ouvindo as pessoas participantes da nossa comunidade;

3. lembrando-nos das pessoas, de suas alegrias, tristezas, seus


projetos de vida, de seus nomes;

4. ajudando as pessoas de nossa comunidade a permanecerem


unidas no amoroso vínculo da paz (Cl. 3: 12-15);

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

5. permitindo a cada membro da comunidade liberdade e espaço para viver sua vida, cometer
seus erros, realizar seus projetos.

3 MOBILIZAÇÃO
3.1 MOBILIZAR
“Mobilizar” é motivar as pessoas a se moverem de seus espaços de comodismo, ansiedade,
autocentramento, para os espaços da comunhão com Deus e com o próximo, do serviço à comu-
nidade e ao mundo, da vida em livre solidariedade. Mobilizar e mimetizar a obra libertadora de
Deus que, em Cristo, “nos libertou do império das trevas e nos transportou par o reino de seu
Filho amado” ( Cl. 1:13);

3.2 COMO NÓS PASTORES MOBILIZAMOS A COMUNIDADE?


1. Sendo porta-vozes da vocação divina, do chamamento divino à vida de liberdade e serviço (cf.
Mc. 2.13-17). Nas palavras de Fowler, “ a vocação não pode ser reduzida ao nosso trabalho,
ou ocupação. A vocação é maior que nossa carreira, ou profissão. A vocação é a resposta
que damos, como todo nosso ser, ao chamamento de Deus (coincidentemente, ou não), e
ao chamado de Deus à comunhão. Neste sentido mais abrangente, vocação refere-se à
orquestração de nosso lazer, nossos relacionamentos, nosso trabalho, nossa vida particu-
lar, nossa vida pública e aos recursos que administramos. É a focalização de nossa vida no
serviço a Deus e no amor ao próximo” (Faith Development and Pastoral Care, p. 35).

2. Sendo pessoas motivadoras da vida vocacionada:

2.1 Mediante o exemplo de vida (1 Ts2:12; c Co. 4:1-15)

2.2 Mediante o nosso discurso. Na linguagem semiótica, motivar é manipular. A manipulação


é um momento da narratividade da comunicação humana: “na fase de manipulação, um
sujeito age sobre o outro para levá-lo a querer e/ou dever fazer alguma coisa [...]”. Há
inúmeros tipos de manipulação. Quatro tipos são mais comuns:

• quando o manipulador propõe ao manipulado uma recompensa, ou seja, um objeto de


valor positivo, com a finalidade de levá-lo a fazer alguma coisa, dá-se uma tentação;

• quando o manipulador leva a fazer manifestando ameaça, ocorre intimidação;

• quando leva a fazer manifestando um juízo positivo sobre a competência do manipulando,


há uma sedução;

• Se ele impele à ação, exprimindo um juízo negativo a respeito da competência do ma-


nipulando, sucede uma provocação.” (FIORIN,1989:22).

O querer fazer caracteriza a sedução e a tentação, o dever fazer, a provocação e a intimidação.


A manipulação só será bem sucedida se o sistema de valores que está por detrás dela for

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PASTORAL URBANA

compartilhado pelo manipulado. Volta-se à questão do contrato fiduciário. O bom funcionamento


da manipulação pressupõe certa cumplicidade entre manipulado e manipulador. Escapar da
manipulação, além de significar a recusa em participar do jogo, constitui, também, a proposição e
outro sistema de valores. “( BARROS, 1988:38s). A motivação pelo discurso, consequentemente,
só será libertadora se efetivamente, for expressão dos valores do Reino de Deus.

4 FORMAÇÃO (DE)
4.1 IDENTIDADE DO POVO DE DEUS
Como formar identidade em um momento em que “o sujeito pós-moderno, [é] conceituado
como não tendo uma identidade fixa, essencial ou permanente. A identidade torna-se uma
celebração móvel, formada e transformada continuamente em relação a formas pelas quais
somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam?” (Hall, S. A
identidade cultural na pós-modernidade, p.13). Formar identidade do povo de Deus é uma aventura
comunitário-teológica de estar permanentemente perdendo a identificação e sendo renovado por
Deus em semelhança a Jesus Cristo, o humano, contextual e universal. ( Rm.12:1-3; Ef. 4:17_24).

4.2 DISCERNIMENTO DO POVO DE DEUS


Conforme BARRO, J.H. & ZABATIEIRO, J.P.T. ( Discernimento Espiritual, São Paulo, Abba Press,
1995. P.10) “Discernimento espiritual é uma ação crítica, do cristão iluminado pelo Espírito Santo,
que busca autenticidade (verdade) para vivenciar a vontade de Deus” (Ef. 5:8-10; Rm. 12:1-2).

4.3 MISSÃO DO POVO DE DEUS


Lembramo-nos do que já estudamos? Em síntese, a missão do povo de Deus é responder à
ação de Deus em benefício de sua criação. Missão é cuidar do mundo de Deus.

5 COORDENAÇÃO
5.1 Para o seguimento de Jesus no contexto, com vistas à construção da identidade da pessoa
em liberdade e serviço, e da identidade da comunidade, em adoração e missão;

5.2 para a justa cooperação de cada parte da missão, abrindo espaços para a contribuição
ministerial de cada pessoa, participando na arbitragem comunicativa dos conflitos na comunidade;
e cuidando para que ninguém seja prejudicado pelo excesso ou falta de operação ministerial.

5.3 Na nova comunidade de pessoas vocacionadas, o lema administrativo–político será: “o


máximo de coordenação possível, com o mínimo de subordinação necessária”!

6 COMO DEVE O MINISTRO CRISTÃO PROCLAMAR


SUA FÉ NO CONTEXTO DA CIDADE?
1. Ministros que possam enfrentar o pluralismo religioso. A experiência religiosa deve ser autêntica.

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ITQ – INSTITUTO TEOLÓGICO QUADRANGULAR

2. Precisa-se entender que no processo de formação pastoral que o ensino por si só não basta.

3. O Pastor precisa reconhecer que deve ser acompanhado por outro.

4. Redefinir a discussão teológica no processo formativo do pastor.

5. A preparação ministerial antecede a ação ministerial.

6. A palavra de Deus deve ser o centro da preparação ministerial.


a. Ministros da Palavra.
b. Ministro que saiba analisar e expor a Palavra.
c. Ministros que não recuam perante o conselho de Deus.

7. Precisam-se administrar sabiamente os recursos acadêmicos


a. Todas as atividades que ajudem na construção da formação pastoral.
b. Capacidade de diferenciar propostas acadêmicas.
c. Estar pronto para ouvir propostas diferentes.

8. Necessita-se fazer uma revisão dos conteúdos pastorais.


a. Refazer e eliminar discursos que têm perdido sua pertinência
b. Introduzir novas posturas pastorais que respondam à realidade da igreja contemporânea.

9. Desenvolver um processo sistemático de capacitação pastoral que consiga conciliar os as-


suntos temáticos com a práxis.

10. Pastores críticos, reflexivos, que tenham um enfoque correto frente aos desafios ministeriais
e consigam formular propostas efetivas para esta geração. (Oseias 4:6).

11. A formação de um pastor não termina após 3 ou 4 anos de seminário, continua por uma vida.

7 AÇÕES PASTORAIS NA CIDADE, PISTAS E PRÁTICAS DIÁRIAS


“Nossa geração não lamenta tanto os crimes dos perversos quanto o estarrecedor silêncio
dos bondosos”. Martin Luther King, Jr.

7.1 O dia a dia com a violência


Onze horas da manhã. Em um semáforo, num ponto movimentado de uma cidade turística
do sul do Brasil, pessoas atravessam a rua, enquanto os carros parados esperam sua vez de
prosseguir. Uma senhora, ao volante, tranquila, espera o sinal abrir. De repente, ela é surpreendida
por um assaltante. Violentamente, de arma em punho, obriga a mulher a entregar a bolsa e,
como que surgindo do nada, aparece seu cúmplice numa moto. Eles saem em alta velocidade,
ainda apontando a arma para os transeuntes que, estarrecidos, nada podem fazer.

O Brasil é, hoje, o quinto país mais violento do planeta - 43 mil homicídios em 2001. A ONU
classifica um país como em situação de guerra quando este alcança a taxa de 15 mil homicídios ao
ano. Já ultrapassamos esse numero há bastante tempo; estamos na marca de 117 homicídios/dia.

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PASTORAL URBANA

7.2 A BANALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA


O crime tem sido o grande vencedor na batalha contra a polícia: marginais fortemente armados
contra uma milícia limitada, mal preparada, e usando armamentos ultrapassados. Os cidadãos
são prisioneiros em suas residências, que foram transformadas em verdadeiras fortalezas: cães
ferozes, cerca elétrica, alarmes sofisticados, segurança 24 horas etc. A situação está tão grave
que até as delegacias têm sido assaltadas; ora para libertação de presos, ora para roubo de
mercadorias apreendidas, ora pelos dois motivos.

Uma das maiores autoridades em criminalística no Brasil disse que, atualmente, sequestros,
roubos, assassinatos, estupros, assaltos a residências etc., passaram a ser crimes banais, aos
quais a segurança pública não consegue combater. Tudo isso tem contribuído para que estejamos
vivendo o momento de maior insegurança pelo qual a sociedade brasileira já passou.

7.3 ENCARANDO A VIOLÊNCIA


Diante dessa situação, gostaria de fazer algumas considerações a respeito do papel ou das
responsabilidades da pastoral evangélica. Não podemos ser simplistas a ponto de achar que o
cristão está imune a situações de roubo, sequestro, morte etc., nem tão pouco fatalistas.

Primeiramente, temos de estar cientes de que os problemas da sociedade são, na maioria,


resultados das políticas opressoras e escravizadoras, impostas por governos que não levam em
conta o indivíduo, nem zelam por suas famílias. Nós, como cristãos, não podemos fechar os olhos
a essas situações, nem ficar esperando iniciativas políticas. Se acompanharmos a filosofia política
mundial, perceberemos que o Estado está se retirando cada vez mais das atividades públicas.

Segundo, devemos desenvolver uma pastoral comunitária, pois em muitos casos, pastores
e líderes cristãos se tornaram gerentes e executivos de igrejas, se esquecendo de sua função
principal. Nos gabinetes, eles tentam resolver os problemas numa perspectiva clínica e gerencial.
Não seguem o estilo de vida praticado e ensinado pelo apóstolo Paulo, no qual se destaca a pessoa
de Cristo, anulando a si mesmo. “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus
como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus” (2 Co 4.5.).

Terceiro, precisamos de uma pastoral de renúncia. Constatamos, envergonhados, que muitos


ingressam no ministério cristão em busca de status e de uma vida melhor. Pensemos na vida e
no ministério de Jesus. Diferente dos religiosos da época, ele não se conformou com os moldes
da religião convencional. Desenvolveu seu trabalho ministerial de forma simples, sem se deixar
levar pela fama religiosa, e com uma proposta de vida desafiadora para seus seguidores: “Se
alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, dia a dia tome a sua cruz e siga-me” (Lc. 9.23).

Quarto, devemos atentar que nas Escrituras Sagradas Jesus é o referencial de pastor. Sendo
assim, deve ser também o referencial para a igreja cristã. Essa vocação apostólico-pastoral é mostrada
claramente ao longo do Novo Testamento. A igreja é enviada a buscar, sob a direção do Espírito, as
outras ovelhas do aprisco (Jo. 10.14-16; 20.21; 21.15-17); é constituída para ser o sal da terra e,

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portanto, enviada a dar sabor e a preservar (Mt. 5.13). A igreja também é agente de reconciliação
(2 Co. 5.19,20), e comunidade sacerdotal (Hb. 13.15,16; 1Pe. 2.5,9). Ela foi chamada para ser um
testemunho vivo das virtudes de Deus, e para comprometer-se com os que sofrem (Tg. 1.27).

7.4 TAREFAS E MODELOS PASTORAIS RELEVANTES E CONTEXTUALIZADOS


A tarefa pastoral não tem dimensão apenas teológica: ela também é política. Em Israel,
era o profeta (pastor) quem tinha a responsabilidade de conduzir o povo, e essa é uma tarefa
eminentemente política. Ou seja, o profeta em Israel não era condenado por ser político e atuar
politicamente como pastor, mas, sim, por deixar de fazê-lo. Não estamos falando de “politicagem”
(conchavos políticos alinhavados a partir da exploração e do sofrimento do outro), mas de ações
que visam a articular projetos voltados para a espiritualidade, a educação, a integração familiar.
O lazer, o trabalho, a saúde, a segurança, e outros necessários ao contexto comunitário.

A verdade perturbadora sobre os modelos pastorais contemporâneos é que, em grande


parte, eles não podem ser reproduzidos. Os homens apresentados nas conferências como aqueles
aos quais vale a pena ouvir são pessoas carismáticas, servos altamente dotados. Contudo seus
talentos são naturais e singulares. Seus dons e sua personalidade não podem ser empacotados,
colocados numa caixa, embrulhados para presente e entregues. A pastoral precisa ser genuína,
construída a partir do serviço cristão e da comunhão com Deus. No lugar comum da existência
humana, o cotidiano passa a ser “educativo”, pois aprendemos com as atividades do dia a dia.

Necessitamos de uma pastoral que faça diferença na comunidade em que estiver inserida.
Atualmente uma líder sindical, um líder revolucionário (como o do Movimento dos Sem Terra),
e o gerente financeiro de um determinado banco, juntamente com outras figuras da sociedade,
exercem uma influência social mais objetiva e mais constante do que o pastor.

Podemos constatar que, quando alguém exerce as funções pastorais de maneira bem articulada
e inspirada em Jesus, consegue fazer grande diferença na comunidade. Consideremos algumas
atividades:

• Participar da associação de moradores do bairro e da APAE.


• Desenvolver programas de atendimento aos idosos, de orientação vocacional para jovens,
e de distribuição de literatura.
• Visitas aos moradores carentes do bairro, e outros.

O pastor tem hoje, diante de si, o grande desafio de não ceder aos encantos da modernidade
que, sejamos realistas, não oferecem novidade. Em vez disso, esses encantos apenas estimulam
uma repetição dos modelos tiranos que têm sido desenvolvidos no decorrer da história. A religião
é um excelente palco para que indivíduos mal-intencionados, com sede de poder, se estabeleçam
sobre muitos. Fazem isso “em nome de Deus”, mas agindo em proveito próprio.

Precisamos de referenciais como o de João Wesley que, no século dezoito, foi usado por Deus
para proclamar a mensagem da Reforma na Inglaterra. Na ocasião, percebeu-se que o evangelho

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PASTORAL URBANA

era o poder de Deus para libertar o povo inglês da opressão e da escravidão. Inspirado no poder
e no evangelho do Reino de Deus,

Wesley confrontou principados e potestades da economia, da política e da religião. Ele os


enfrentou com a força que vem de Deus, o qual não deseja que nenhum dos seus pereça. A
obra de João Wesley teve grande repercussão junto ao povo oprimido e empobrecido. Esse é
um modelo pastoral a ser seguido: interagir na sociedade, obedecendo às ordenanças de Deus,
para fazer diferença apresentando um evangelho orientador, libertador, e gerador de esperança.

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FINAL
Fomos tão enriquecidos por esta disciplina!

Tenho certeza que sua compreensão dos problemas e dos desafios para a igreja contem-
porânea e para o seu ministério ganharam uma nova dimensão, foram aprofundados, ao mesmo
tempo que ampliados.

Que o Senhor possa usar todas estas informações para abençoá-lo, levantá-lo como um
grande valor no Reino e na História da Igreja.

Querido Aluno, faça a diferença!

Prof. Cícero Manoel Bezerra

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REFERÊNCIAS
CESAR & SHAULL, Waldo e Richard. Pentecostalismo e o futuro das igrejas cristãs – Promessas
e Desafios. 1ª Ed. Petrópolis, São Leopoldo: Vozes e Sinodal, 1999.

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GEISLER e NIX, Norman e William . Introdução Bíblica – como a Bíblia chegou até nós.
3ª Ed. São Paulo: Vida, 2000.

LONGUINI , Luiz Neto. Pastoral como o novo rosto da missão – um estudo comparativo
dos conceitos de Pastoral e Missão nos Movimentos Ecumênicos e Evangelical no
Protestantismo Latino-Americano (1960- 1993) – Documentos Peregrinos. Tese de
Doutorado. São Bernardo do Campo: UMESP, 1997.

METTE , Norbert. Pedagogia da Religião. 1ª Ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

O´CONNOR, Jerome Murphy. Paulo – Biografia crítica. 1ª Ed. São Paulo: Loyola, 2000.

PAULY, Evaldo Luís, SCHÜNEMANN, Rolf. Org. Oneide Bobsin. Desafios Urbanos à Igreja. Et al.
Arzemiro Hoffman. São Leopoldo: Sinodal, 1995. p. 13, 24, 39.

RAMOS , Ariovaldo. IGREJA – E eu com isso? Compreendendo a igreja para poder vivê-la.
1ª Ed. São Paulo: SEPAL, 2000.

SALINAS & ESCOBAR , Daniel e Samuel. Pós-modernidade – novos desafios à fé cristã.


1ª Ed. São Paulo: ABU, 1999.

STOTT , John. Ouça o Espírito ouça o mundo – como ser um cristão contemporâneo.
2ª Ed. São Paulo: ABU, 1998.

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