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Universidade Estadual de Campinas – 24 de outubro a 6 de novembro de 2005

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Engenheiro agronômo realiza trabalho de recuperação de solo que perdeu 8 metros da camada original
Fotos: Divulgação

Seqüência de
fotos mostra a
evolução da
recuperação do
solo: para
pesquisador,
surgiu uma
“floresta no
meio do nada”.

Tratamento com lodo de esgoto faz


nascer um ‘oásis’ em área desértica
LUIZ SUGIMOTO gagramas) por hectare, em base seca.
sugimoto@reitoria.unicamp.br Segundo o professor, houve uma
redução da densidade do solo, com
m 1969, numa área de 700 hec- aumento da macroporosidade e da

E tares do município de Selviria


(MS) foi retirada uma camada
de 8 metros de espessura do solo
porosidade total da camada super-
ficial, e também um aumento da a-
tividade microbiana. “Foi avaliado
original, para terrapleno da Usina o desenvolvimento da cultura do
Hidrelétrica de Ilha Solteira, que eucalipto aos 180 e aos 360 dias após
marcava assim o início de sua cons- a incorporação do lodo de esgoto.
trução. Por cima da camada restante Pode-se afirmar que o manejo em-
– pouco mais de metro – pregado promoveu um incremento
Lodo tem ainda passaram cami- na qualidade do solo, a julgar pelo
70% de nhões fora-de-estrada e
outras máquinas pesa-
aumento significativo de fósforo,
potássio, magnésio, matéria orgâni-
matéria das que compactaram o ca e da capacidade de troca catiônica
orgânica solo, acentuando a in-
fertilidade da área re-
[ou CTC, parâmetro de retenção de
nutrientes para as plantas]”, afirma.
manescente. Havia mais de 30 anos
que ali não crescia nem o capim bra- Inédito – Gilberto Colodro preo-
quiária – que de tão rústico persis- cupou-se em fazer um rastreamento
te nas terras mais pobres. “Arranca- para saber se havia trabalho seme-
ram solo e subsolo. O que mais inte- lhante no país, confirmando o ine-
ressava à usina era o subsolo abaixo ditismo da utilização de lodo de es-
da camada de 20 centímetros, que foi goto na recuperação de solo degra-
decapitado, sem que se colocasse de dado com plantio de eucalipto. Ele
volta a camada de terra superior, informa que a Esalq (Escola Superior
como seria exigido hoje através do de Agricultura Luiz de Queiroz, da
EIA-Rima [Estudo de Impacto Am- USP) promove pesquisas em culturas
biental]”, afirma o professor Gilber- de eucalipto recorrendo ao lodo como
to Colodro, da Universidade Esta- condicionador da fertilidade, mas em O professor Gilberto Colodro, autor da pesquisa: manejo promoveu um incremento na qualidade do solo
dual do Mato Grosso do Sul. solo normal, obtendo resultados sa-
O emprego de lodo de esgoto para tisfatórios em termos de produção.
a recuperação de parte da área con- “Para se ter uma idéia da importân-
denada foi o objeto da tese de dou- cia que o lodo pode adquirir na agri-
torado defendida por Colodro jun-
to à Faculdade de Engenharia Agrí-
cultura, em uma pesquisa com a cul-
tura de milho em Brasília, empregan-
Mal utilizado, lodo traz impactos ambientais
cola (Feagri) da Unicamp, orienta- do doses baixas de dez a vinte tone-
do pelo professor Carlos Roberto ladas por hectare, chegou-se à produ-
“Pesquisas em várias partes do mundo já comprovaram que trou pelo ‘cinturão verde’ de São Paulo, atribuída ao excesso
Espíndola. “Nosso desafio era asse- ção normal da região sem a aplicação
gurar a retenção de umidade e um de fertilizantes. Muitos trabalhos evi- a melhor forma de deposição do lodo de esgoto é a agrícola, de nitrogênio em vista das elevadas adubações químicas para
mínimo de condições de plantio. A denciam a capacidade do lodo de por todas as vantagens no aspecto econômico e por resolver a produção de olerícolas (folhosas, legumes)”, recorda. Depen-
gleba faz parte de um total de mil esgoto em substituir plenamente o um grave problema ambiental, aliviando a disposição em aterros dendo do tipo de solo, doses que variam de 10 a 30 toneladas
hectares da Fazenda de Ensino e Pes- fertilizante químico”, informa. sanitários e o despejo nos rios”, afirma o professor Gilberto por hectare garantem a mineralização e evitam a excessiva
quisa da Unesp, no campus de Ilha Desse ponto de vista econômico, Colodro. Ele informa que nos Estados Unidos, Canadá, Austrá- lixiviação de nitrato.
Solteira, e sua recuperação tornou- o professor lembra que o lodo para lia e em vários países da Europa, grande parte do lodo domés- A presença de patogenos é outro temor, que Gilberto Colodro
se fundamental para seja inserida às sua pesquisa foi conseguido gratui- tico vai para a agricultura, aproveitamento que chega a 65% no atribui a um tabu já superado. “Sabe-se que há altas concen-
demais áreas produtivas”, justifica tamente e que a disseminação do seu caso dos norte-americanos. Sendo aparentemente tão simples, trações de patógenos no lodo brasileiro, em comparação com
o pesquisador. uso teria como único custo o trans- por que o Brasil ainda não faz melhor uso desses resíduos? o europeu e americano, países onde o saneamento básico e
Gilberto Colodro explica que o porte. “Se a distância for muito gran- Colodro explica que o esgoto no país começou a ser trata- o sistema de saúde realmente funcionam. Na verdade, gran-
lodo de esgoto possui cerca de 70% de, a prática torna-se inviável. Entre- do apenas por volta da década de 1970, com tecnologia impor- de parte dos ovos já é eliminada no processo de tratamento do
de matéria orgânica, quando outros tanto, existe um belo trabalho, tam- tada. “Tudo teve início em São Paulo e mesmo Araçatuba, com esgoto e outra parte na aplicação dos resíduos, graças à ação
resíduos aplicados na agricultura, bém da Esalq, mostrando a relação menos de 200 mil habitantes, possui hoje a sua estação, o que do sol e às condições do próprio solo”, pondera. De qualquer
como bagaço de cana, trazem um custo-benefício para a cultura de é um exemplo de evolução do saneamento básico”, admite. A forma, a legislação deve determinar um índice máximo de 1 ovo
máximo de 20%. O teor de nutrien- eucalipto. A partir das cinco estações incoerência está no fato de que se importou a técnica de trata- por quatro gramas de matéria seca do lodo, como parâmetro
tes é elevadíssimo, chegando a apre- de tratamento da Grande São Pau- mento, mas não houve preocupação com o destino do resíduo seguro de aplicação.
sentar entre 5% e 7,5% de nitrogênio lo, o pesquisador concluiu que o gas- produzido, que cresce proporcionalmente ao número de esta- Colodro transfere para as regiões metropolitanas a respon-
a ser disponibilizado às plantas no to com o transporte de lodo de esgo- ções implantadas pelo país. Distribuído desordenadamente, o sabilidade pela disposição do lodo de esgoto com metais pe-
prazo de três anos, ou 50 a 75 quilos to, em comparação com a compra de resíduo pode causar três tipos de impacto ao meio-ambiente, sados, reconhecendo que o problema é complicado. “O lodo
por tonelada de lodo. “Numa cultu- fertilizantes, é inferior até um raio de
decorrentes das presenças de nitrato, de patógenos e de me- doméstico traz matérias orgânicas como nitrogênio, fósforo e
ra de cana, aplica-se por hectare a 150 quilômetros. Ou seja: em tese, o
média de 30 a 60 quilos de nitrogê- lodo produzido em São Paulo pode- tais pesados. potássio, e o nitrato, mesmo caindo no lençol freático, acaba
nio, que entra como fertilizante quí- ria ser aplicado em culturas de Cam- “Somente agora discutimos uma legislação para a disposi- sendo eliminado com o tempo. O metal pesado, ao contrário,
mico. No caso do lodo de esgoto, pinas ou Piracicaba”, observa. ção dos resíduos. Tenho participado dos grupos de estudo e creio é acumulativo, tanto que na legislação haverá uma norma rí-
como são utilizadas cerca de 20 to- A ressalva quanto a São Paulo é que as normas serão aprovadas até o final deste ano ou início gida: em área que receba lodo com teor elevado destas subs-
neladas desses resíduos por hecta- que a utilização do lodo de esgoto de do próximo”, adianta Gilberto Colodro. Ele acrescenta que, en- tâncias, não mais será permitido qualquer outro tipo de aplica-
re, estaríamos aplicando de 1.000 a regiões metropolitanas merece res- quanto os países mencionados já usam o lodo de esgoto há 60 ção”, informa.
1.500 quilos de nitrogênio, um teor trições por causa dos resíduos in- anos, o Brasil soma apenas 10 ou 15 anos de trabalho efetivo
bastante elevado”, compara. dustriais. Já em relação ao seu apro- na área. “Na formulação da legislação, ainda aparecem mui- Aterros – Outro problema, que atinge os próprios aterros sa-
No processo de recuperação em veitamento no interior do país, Gil- tas dúvidas quanto à composição do nosso lodo e reações no nitários, também seria amenizado. “Disposto no aterro, o lodo
Selviria, foi aplicado lodo obtido na berto Colodro elimina qualquer dú- solo. Temos apenas respostas da Europa, que vive sob clima adquire uma umidade que pode ficar estocada por dois ou três
Estação de Tratamento de Araçatuba vida de bons resultados, exibindo temperado e com solos bem diferentes. É por causa da falta de anos, criando o risco de “desmoronamento” dos taludes, aci-
(Sanear), originado de esgoto essen- fotografias que mostram o contraste dados próprios que a aplicação agrícola está proibida por todo dente ambiental de significativas proporções”, explica Gilber-
cialmente doméstico e por isso com entre as áreas degradadas e aquelas esse tempo”, observa to Colodro. Ele atenta, ainda, para os reflexos no nosso bolso,
teores baixos ou nulos de metais pe- em que a técnica foi aplicada . “Aqui já que o custo da disposição de lodo nos aterros é de 50 reais
sados – resíduos que inviabilizam a mesmo em Ilha Solteira, temos pes- Impactos – Já há consenso em relação às doses adequa- por metro cúbico no interior do Estado, chegando a 120 reais
aplicação na agricultura do esgoto quisa conduzida há mais de 8 anos das de lodo de esgoto para evitar, por exemplo, a contamina- em São Paulo. “Apesar de hoje ser menor, no passado esse
industrial (veja matéria nesta página). na tentativa de recuperar a área, sem ção por nitrato. Foi dito que o elevado teor de nitrogênio é be- custo já representou 60% dos gastos com operação e adminis-
Colodro descreve que o lodo foi a- conseguir sustentabilidade de cul- néfico para as culturas, mas Colodro faz uma ressalva impor- tração do tratamento do esgoto. Na disposição agrícola, a es-
plicado na superfície e incorporado turas. Em nossa pesquisa, aplicando tante: quando o lodo fica acumulado em excesso no solo, acon- tação não pagará pelo transporte e nem pelo depósito do lodo.
a uma profundidade de 5 a 10 cen- o lodo por um ano, chegamos a eu-
tece a lixiviação do nitrato (sua lavagem pela chuva), que pode Portanto, além dos benefícios econômicos e ambientais, a apli-
tímetros, plantando-se um total de caliptos tão desenvolvidos quanto os
640 mudas de eucalipto e de capim de solo normal. A nova paisagem re- chegar ao lençol freático. “Seria como beber uma água com cação agrícola traria um ganho social, pois quem paga a con-
braquiária. Dividida em blocos de almente impressiona. Parece que cri- excesso de sais. Isso já fez surgir uma doença grave que se alas- ta absurda do aterro é o contribuinte”.
10m x 12m, a terra recebeu doses de amos um oásis no meio do deserto,
lodo de zero a 60 toneladas (ou me- uma floresta no meio do nada”.

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