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O plantio de água na perspectiva da transição agroecológica: o caso do sítio

pedra brilhante

Nágila Scarpi Nespoli1, Leonard Campos Avellar Machado 2, Haloysio Miguel de


Siqueira3, Davi Salgado de Senna4, Sara de Oliveira Carvalho5
1
Universidade Federal do Espírito Santo/Departamento de Zootecnia, Alegre-ES, Brasil, e-mail:
nagila.sn@gmail.com
2
Grupo de Agricultura Ecológica Kapi’xawa , Alegre-ES, Brasil, e-mail:leonardcamachado@gmail.com
3
Universidade Federal do Espírito Santo/ Departamento de Medicina Veterinária, Alegre-ES, Brasil,
e-mail: haloysio.siqueira@ufes.br
4
Associassão de Plantadores de Água e Grupo de Agricultura Ecológica Kapi’xawa, Alegre-ES, Brasil,
e-mail: davi_ssenna@yahoo.com
5
Engenheira Agrônoma, Alegre-ES, Brasil, e-mail: saracarvalhopbjf@yahoo.com.br

Resumo - Os agricultores que se enquadram como familiares, podem recuperar suas APP’s de curso
d’água tendo como base princípios da agroecologia. No Sítio Pedra Brilhante estão sendo
desenvolvidos trabalhos de “plantio de água”, trata-se da combinação de tecnologias sociais, de baixo
custo, que podem ser utilizadas por agricultores familiares para evitar a degradação de nascentes e
cursos d’água. Com o trabalho objetivou-se realizar o monitoramento participativo de uma adequação
ambiental, tendo em vista o processo de transição agroecológica. As metodologias utilizadas foram:
monitoramento participativo e levantamento de práticas agroecológicas. Este estudo mostrou que é
possível iniciar a transição agroecológica trabalhando, desde o começo, com estratégias que
correspondem aos três estádios da transição.

Palavras-chave: Caixas secas; Monitoramento Participativo; Agricultura Familiar, Recursos Hídricos;


Técnicas Conservacionistas.

Área do Conhecimento: ENGENHARIA AGRONÔMICA - Agroecologia

Introdução

A adequação ambiental, como o isolamento de áreas de preservação permanente (APPs), é vista


por muitos como perca de áreas produtivas e consequentemente prejuízo para o produtor. Porém,
segundo o novo código florestal, os agricultores que se enquadram como familiares, podem recuperar
suas APPs de curso d’água com técnicas que mesclam até 50% de espécies exóticas com 50% de
espécies nativas do bioma em questão, em sistema agroflorestal (Lei nº 12.727, de 17 de outubro de
2012, atualiza o Código Florestal Brasileiro, dispõe sobre Áreas Consolidadas em Áreas de Reserva
Legal).
Adotando as técnicas de manejo e conservação do solo e da água, os agricultores proporcionam
que a água volte a infiltrar no solo, abastecendo o lençol freático e assim evitando as oscilações de
vazão nas nascentes durante as diferentes estações do ano. Sendo assim, ao estabelecer e colocar
em prática o código florestal em suas propriedades rurais, os agricultores estarão contribuindo para
preservação dos cursos d’água, evitam erosões provocadas por enxurradas decorrentes de chuvas
fortes e de solos sem a cobertura vegetal nativa.
Carvalho et al. (2007) afirmam que o manejo adequado tanto do solo como da água, é um pré-
requisito que se deve ter sempre em mente quando há propostas de estabelecer sistemas de cultivos
sustentáveis.
Com este trabalho objetivou-se realizar o monitoramento participativo das intervenções de
adequação ambiental propostas pelo projeto Plantadores de Água, no Sítio Pedra Brilhante, tendo em
vista o processo de transição agroecológica.

Metodologia

XX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI 1
Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba.
O Sítio Pedra Brilhante está situado na comunidade rural de Gabriel Vargas no município de
Alegre-ES. A propriedade faz parte da micro bacia hidrográfica do córrego das pedras e da bacia
hidrográfica do rio Itapemirim. Possui uma área total de 22,35 ha, sendo que o relevo é
predominantemente ondulado com pequenas áreas planas.
O clima da região é do tipo tropical quente úmido, com inverno frio e seco, temperatura anual
média de 23,1 °C, classificada por Köppen como “Cwa”.
O projeto Plantadores de Água, patrocinado pela Petrobras e realizado pelo Sindicato dos
Trabalhadores rurais de Alegre, Sítio Agroecológica Jaqueira e pelo Grupo Kapi’xawa, está
trabalhando com agricultores familiares para auxilia-los na recuperação dos seus recursos hídricos. A
rede da Agricultura Familiar (RAF) indicou oito propriedades da agricultura familiar para participar do
projeto, uma delas foi o Sítio Pedra Brilhante, onde estão sendo desenvolvidos trabalhos de “plantio
de água”.
Para evidenciar os trabalhos iniciados há um ano e os benefícios adquiridos pela família, foi
definido como metodologia o monitoramento participativo (FERRARI, 2002), realizado por meio de
entrevista com a família de agricultores, procurando quantificar e entender a percepção da família
sobre a sua realidade e as práticas agroecológicas adotadas na propriedade. Foi utilizado um
questionário estruturado para a entrevista e para ajudar na quantificação das práticas adotadas foram
realizadas caminhadas transversais (Chambers, 1992).

Resultados

O primeiro passo, para iniciar o trabalho, foi a reobtida do fator degradante, que neste caso, era o
acesso do gado diretamente à nascente e ao curso d’água que abastecem a residência. Após o
isolamento da nascente e do curso d´água, foram construídos bebedouros para os animais e caixas
cheias com o intuito de iniciar uma criação de peixes. (Figura 1).

Figura 1. Setas indicando o isolamento da área de nascente e curso d’água

As espécies para implantação do SAF foram escolhidas juntamente com a família da propriedade
e o plantio foi feito na forma de mutirão entre a família e a equipe do projeto. Antes do plantio das
mudas foi realizada uma roçada em toda área de implantação do SAF, deixando a cobertura vegetal
morta sobre o solo e nas entrelinhas de plantio foi semeado feijão de porco (Canavalia ensiformis) e
feijão guandu (Cajanus cajan (L.) Millsp.). (Figura 2).

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Figura 2. Plantio de mudas de frutíferas para implantação de Sistema Agroflorestal na área de mata
ciliar (Fotografia obtida pelo autor).

Seguindo a descrição de outras práticas adotadas antes do plantio, é importante destacar os


terraços de contenção feitos na área de implantação do sistema. Por se tratar de um relevo declivoso,
tomou-se a decisão de fazer dois terraços em nível (Figura 3).
Figura 3. Terraços construídos no local de implantação do SAF (Fotografia obtida pelo autor).

Foram feitas 17 caixas secas (Figura 4), sendo que cinco foram feitas com retroescavadeira na
estrada de acesso à propriedade (serviço pago pelo próprio agricultor) e o restante de forma manual
com a utilização de enxadão e pá, feitas em pontos acima da área de nascente, na estrada que dá
acesso à propriedade.

Figura 4. Caixa seca instalada na estrada de acesso à propriedade construída com recursos do
proprietário (Fotografia obtida pelo autor).

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Um grande problema apontado pela família foi a falta de tratamento do esgoto, que era despejado
diretamente no córrego, causando grande impacto negativo na propriedade.
Para o tratamento da água cinza, foi escolhido o ciclo de bananeiras, um método simples, mas
eficaz. O círculo de bananeiras consistiu num buraco de aproximadamente 2 m de diâmetro por 80
cm de profundidade, onde foram despejados materiais orgânicos diversos, na parte do fundo foram
colocados troncos e galhos de árvores, seguido de materiais mais finos, e por ultimo fazendo uma
pilha de folhas de 80 cm altura. Nas bordas do buraco foram plantadas 5 bananeiras (Figura 5).

Figura 5. Círculo de bananeiras para recebimento de água cinza.


(Fotografia obtida pelo autor)

Já o tratamento da água escura ( água da privada) foi feito com a implantação de fossa séptica
biodigestor (Figura 6), que ao final do processo resulta em um biofertilizante de alta qualidade que,
além de ser sustentável, não necessita de limpeza, só a reobtida do biofertilizante.

Figura 6. Fossa Séptica Biodigestora em utilização.


(Fotografia obtida pelo autor)

Discussão

Para iniciar a adequação ambiental de uma propriedade rural, em primeiro lugar, deve-se retirar o
fator degradante. No caso do Sítio Pedra Brilhante, o isolamento das APPs foi a primeira ação para
que os animais domésticos não pisoteassem essas áreas de preservação, com essa atitude evitou-se
que o solo continuasse a sofrer pressão pelo pisoteio aumentando ainda mais a compactação do
mesmo, tal situação tornaria inviável a implantação do Sistema Agroflorestal (SAF). Neste contexto,
Abrão e Kuerten (2016) observaram que a presença de gramíneas em alguns trechos de AfPP,
animais domésticos, principalmente bovinos, têm acesso livre à essas áreas e causam danos à
vegetação ciliar.

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O preparo da área para o plantio foi feito utilizando cobertura morta, proveniente da gramínea
predominante na propriedade e com adubação verde cujas espécies escolhidas foram devido ao
porte baixo e arbustivo, o que proporciona sombreamento inicial às mudas de arbóreas. Beltrame e
Rodrigues (2008), destacam que o Cajanus cajan tem rápido crescimento, cobrindo o solo e
aumentando a biomassa no estágio inicial, com importante papel na adubação através da fixação de
nitrogênio (restauração química) e tem ciclo de vida de, aproximadamente, três anos, o que dificulta a
ação de plantas invasoras.
A técnica de caixas secas e terraços de contenção visa aumentar a infiltração de água no solo,
conservar as estradas, abastecer o lençol freático e reter os sedimentos da enxurrada que iriam para
o curso d‘água causando assoreamento. Segundo Comério (2010), as caixas secas impedem que a
água arraste partículas sólidas, ao mesmo tempo em que se infiltra no lençol freático e garante o
abastecimento das nascentes no período de seca.
Para o tratamento das águas cinza (provenientes de pias, chuveiro e tanque) foi utilizado o círculo
de bananeiras, técnica simples e eficaz que permite o tratamento e a reutilização da água. O micro
clima que se forma no sistema favorece o desenvolvimento de bactérias que auxiliam na degradação
do material que é despejado, evitando que o lençol freático seja contaminado. Martinetti et al. (2007)
e IPEMA (2008) mencionam o círculo de bananeiras como técnica eficiente para o tratamento de
água cinza, já que esta se adaptam bem a solos úmidos e ricos em matéria orgânica. As bananeiras
aproveitam os nutrientes do efluente e absorvem grande parte da água, produzindo alimento e
biomassa. Existe a possibilidade de empregar também lírios e mamoeiros.
A escolha da fossa séptica biodigestora para o tratamento da água escura, foi por ela gerar um
biofertilizante no final do processo. O sistema constitue de três caixas de 1000 L cada, sendo as duas
primeiras totalmente vedadas que permite a eliminação dos patógenos presentes nas fezes, a
terceira caixa serve apenas para o armazenamento do biofertilizante. O processo de tratamento de
água escura, discutido nesse trabalho, foi desenvolvido pela Embrapa Instrumentação Agropecuária
com o propósito de, a um custo baixo, substituir as fossas negras e sumidouros. O sistema consiste
em um tratamento biológico através de ação fermentativa, sendo o esterco bovino utilizado como
inoculante (Novaes, 2002), o autor ressalta ainda que a aplicação do efluente gerado no biodigestor
sobre o solo, em culturas de consumo indireto, tem se mostrado eficiente.
Tendo em vista que futuramente a produção será muito mais diversificada, o desafio será a busca
por locais e meios de comercialização dos produtos. As feiras livres podem ser uma saída para esta
demanda, como a feira de Alegre. Aliado a isso, a produção de alimentos saudáveis, favorecerá a
boa aceitação dos produtos. Porém, se as estradas não estiverem em bom estado, esse
deslocamento ficará comprometido. Além disso, será preciso obter um faturamento mínimo que
compense os custos da comercialização. Tais preocupações se enquadram na perspectiva da
transição agroecológica externa ao sistema produtivo, conforme Mattos (2006).
Perguntados sobre o grau de satisfação com as práticas adotadas, os membros da família se
consideram satisfeitos. Relataram ainda que já tinham vontade de mudar o manejo da propriedade,
para um sistema de produção mais sustentável, só que não sabiam como fazer. Por este motivo, a
assistência técnica especializada é de grande importância para os pequenos agricultores.

Conclusão

O estudo mostrou que é possível iniciar a transição agroecológica trabalhando, desde o começo,
com estratégias que correspondem aos três estágios de transição agroecológica, sobretudo em áreas
degradadas e/ou onde não são utilizadas de forma severa adubações químicas e agrotóxicas.
A realização da transição agroecológica depende de vários fatores. Mas, observou-se como fator
principal a decisão do agricultor em acreditar que é possível produzir alimentos de forma diversificada
e sem o uso de agroquímicos.

Agradecimento
Ao casal de agricultores dona Antônia e senhor João Afonso e ao filho do casal Sirlei por recebermos
sempre com muita hospitalidade. Agradecer pela sua confiança e dedicação à transição
agroecológica de sua propriedade.

Referências

XX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI 5
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FERRARI E. A. Monitoramento de impactos econômicos de práticas agroecológicas. Workshop:
métodos e experiências inovadoras de monitoramento de projetos de desenvolvimento sustentável.
Brasília, 9 e 10 de dezembro de 2002.

CARVALHO, A. J. A.; Souza, E. H.; Marques, C. T. S.; Gama, E. V. S.; Nacif, P. G. S. Caracterização
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Bahia. Rev. Bras. de Agroecologia, v. 2, p. 941-944, 2007.

MATTOS, L. (coord.) Marco referencial em agroecologia. Brasília: Embrapa Informação


Tecnológica, 2006. 70p.

CHAMBERS, R. The origins and practice of participatory rural appraisal. World Develop., 22:953-969,
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ABRÃO C. M. R. e KUERTEN S. Avaliação da Área De Preservação Permanente Do Rio Santo


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Técnico 46).

BELTRAME, T. P.; RODRIGUES, E. Comparação de diferentes Densidades de Feijão Guandu


(Cajanus cajan (L.) Millsp.) na restauração florestal de uma área de Reserva Legal no pontal do
Paranapanema, SP. Scientia Forestalis, Piracicaba, v. 36, n. 80, p. 317-327, dez. 2008.

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0EMI161245-18295,00-CAIXA+SECA.html> Acesso em 07 de setembro de 2016.

XX Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVI Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e VI 6
Encontro de Iniciação à Docência – Universidade do Vale do Paraíba.

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