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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Artes e
Culturas Surdas
Artes Integradas + Educação
+ Acessibilidade

Daina Leyton

Apoio: Realização: Realização

Apoio
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro
Ministro do Turismo
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Secretaria Especial de Cultura (SECULT)
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Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ Escola de Música da UFRJ

Reitora Diretor
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Vice-reitor Vice-diretor | Diretor Adjunto do Setor Artístico
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Diretor Adjunto de Ensino de Graduação
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Cristina Grafanassi Tranjan Coordenador do Programa de Mestrado Profissional em Música
Vice-decano Aloysio Fagerlande
Osvaldo Luiz de Souza Silva Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Música
João Vidal
Fundação José Bonifácio | FUJB

Presidente
Kleber Fossati Figueiredo Todos os direitos reservados
Secretário Geral Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Laboratório do Centro de Estudos Orquestrais
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Editora Escola de Música | Selo UFRJ Música
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Gerente de Convênios e Análise CEP 20.021-290 Rio de Janeiro RJ Brasil
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PROJETOS UFRJ — FUNARTE UM NOVO OLHAR | UNO


Coordenação geral Coordenação
Marcelo Jardim Marcelo Jardim
Coordenação de produção Coordenação de ações de acessibilidade
Vanessa Rocha Patrícia Dorneles
Coordenação de comunicação Gerência de produção
Gustavo Mendicino
Lanuzza de Lima
Coordenação de Publicidade
Assistência de produção em acessibilidade
Fabiana Rosa
Isadora Machado
Coordenação do Núcleo de Mídias Digitais (NuMiDi)
Assessoria Curso “Arte/Educação+Acessibilidade+In-
Kátia Maciel
clusão”
Direção de arte
Márcio Massieri Thelma Sydenstricker Alvares, Angélica Fonseca
Administrativo da Silva Dias e José Antônio dos Santos Borges
Aliciandra Amaral e Tânia Oliveira Consultoria DIRAC/UFRJ
Imprensa Amélia Rosauro e Cláudia Fátima Morais Martins
Henrique Koifman Tradução para Libras
Assistente de Imprensa Gabriel Sampaio e Marcos Arantes
Creuza Gravina Audiodescrição
Marketing digital Georgia Oliveira e Lindolfo Farias Júnior
Gustavo Kremser Locução e edição de audiodescrição
Revisão de texto Filipe Granja
Maurette Brandt
Consultoria em audiodescrição
Diagramação
Neyara Rebeca Barroso Lima
Renata Arouca
Coordenação de ações de Canto Coral
NuMiDi
Maria José Chevitarese
João Pedro, Rogério Leão (redes sociais); Alberto Moura,
Editoração de partituras e edição de vídeos de canto
Eduardo Martino, Giuliano Gerbasi, Márcio Massieri
(audiovisual); André Flauzino, Isabelle Barreto (design coral
gráfico); Marlus Araújo, Wesley Lima (Webdesign) Cadu Barcelos
Fotografia Vocal para vídeos de canto coral
Raffaela Bompiani, Walda Marques Carolina Morel e Sarah Garcia Salotto
Piano para vídeos de canto coral
Hector Coutinho
EDITORA
ESCOLA
de MÚSICA

Editor chefe (coordenação)


Giulio Draghi
Editor associado
João Vidal
Subcomissão produtos didáticos,
bibliográficos, fonográficos e audiovisuais
Presidente
Marcelo Jardim
Coordenação Editorial
André Cardoso
Maria José Chevitarese
Aloysio Fagerlande
Eduardo Monteiro
Leandro Soares
Sumário

Projeto Um Novo Olhar.......................................................................................................... 4


Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade......................................................... 5
Apresentação da Semana..................................................................................................... 6
Metas deste módulo..............................................................................................................7
Nossas metas........................................................................................................................7
Objetivos educacionais..........................................................................................................7
Culturas e artes surdas: um universo a ser conhecido........................................................... 8
Poesia e Libras: o percurso de Leonardo Castilho e Edvaldo Santos.....................................11
Bibliografia.......................................................................................................................... 16
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Projeto Um Novo Olhar

O PROJETO UM NOVO OLHAR é uma parceria entre a Fundação Nacional de Artes – Funarte e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, por meio da Escola de Música da Universidade, que
desenvolve e disponibiliza, gratuitamente, oficinas e apresentações artísticas, com especial atenção
às artes visuais, além de capacitações em arte-educação e em regência coral.

Com atuação online e nas cinco macrorregiões do país, a iniciativa faz parte do Programa Funarte
de Toda Gente. Seu objetivo é promover o acesso de crianças, jovens e adultos com algum tipo de
deficiência a atividades artísticas e de arte-educação, além de ampliar a percepção de toda a sociedade
sobre as deficiências.

Para isso, promove diversas atividades: i) a exibição online de performances de artistas; ii) vídeo
podcasts (vodcasts) sobre arte e acessibilidade; iii) uma série de publicações; iv) grandes eventos online
(Encontro Um Novo Olhar em Arte/Educação + Acessibilidade, Congresso Internacional de Música Coral
Infanto-juvenil e Encontro Nacional de Acessibilidade); v) uma série de sete cursos em ambiente virtual,
chamada Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão, destinada a professores do ensino fundamental
— que traz palestras e mesas redondas nas quais especialistas tratam de temas relacionados à arte-
educação inclusiva; vi) ações voltadas ao canto coral, uma das atividades musicais consideradas de
maior capacidade inclusiva, por meio de aulas e oficinas que resgatam ainda o acervo de partituras da
Funarte para coros e o disponibilizam de forma acessível e gratuita; e vii) oficinas de arte para crianças
com deficiência.

Suas atividades promovem a diversidade, incentivam o exercício da arte e da reflexão, trabalham as


habilidades motoras e físicas — e promovem capacidades de percepção, comunicação, expressão,
sensibilidade e formação, além da qualificação de indivíduos para geração de renda e inclusão no
mercado de trabalho.

Por sua atuação nas linhas de ensino, pesquisa e extensão, o projeto é de fundamental importância
para o real fortalecimento dos vínculos sociais dos indivíduos participantes. Suas aulas, oficinas e
cursos contam com professores e artistas com conhecimento comprovado e notoriedade na área, com
o suporte de materiais didáticos de alta qualidade.

Marcelo Jardim
Vice-diretor | diretor artístico
Coordenador geral projeto Um Novo Olhar
Professor Adjunto | Escola de Música da UFRJ
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade

O PROJETO UM NOVO OLHAR objetiva a inclusão das atividades artísticas na vida de crianças, jovens
e adultos com algum tipo de deficiência, através da acessibilidade e da democratização do acesso. No
que diz respeito à formação de professores, dedica-se a auxiliar, a partir de um conjunto de diferentes
iniciativas, a qualificação do ensino das artes numa perspectiva inclusiva e de mediação, acessível para
pessoas com deficiência.

É importante compreender que é através do ensino das artes, seja na educação formal ou não
formal, que temos a ampla possibilidade de desenvolver o gosto pelas artes, a possibilidade de um
desenvolvimento estético e artístico de forma individual e coletiva, a interpretação e a leitura do mundo
através da manifestação artística — e o desejo do direito ao consumo artístico e cultural, dentre tantas
outras potencialidades que o conhecimento em artes e a experiência estética de fruição e/ou criação
nos proporcionam.

As diferentes iniciativas desenvolvidas pelo Projeto Um Novo Olhar compõem uma plataforma de
conteúdos que nos permitirá compreender a complexidade do campo da acessibilidade cultural para
pessoas com deficiência. Todos esses conteúdos vão nos ajudar a avançar na promoção da cidadania
cultural da população brasileira.

A série de cursos oferecidos pelo projeto tem como objetivo oferecer um suporte consistente para a
construção de novos olhares sobre arte, pessoas com deficiência, artistas e novas formas de fazer arte-
educação. A grande diversidade de conteúdos, temas e metodologias aqui oferecidos abarcam desde
a legislação que orienta os direitos das pessoas com deficiência até as diferentes áreas do campo das
artes. Em diálogo com um fazer educativo e artístico acessível, descobriremos um universo composto
de diferentes linguagens e tecnologias que facilitam não apenas a aplicabilidade de instrumentos de
mediação, mas também o compartilhamento de todas a poéticas que a arte — e a vivência da arte — nos
proporcionam.

Patrícia Dorneles
Coordenação Integrada de Ações de Acessibilidade | Projeto Um Novo Olhar
Professora Associada | Departamento Terapia Ocupacional | Faculdade de Medicina UFRJ
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Apresentação da Semana

Nesta semana entraremos em contato com o universo da surdez.

Para começar, realizaremos uma breve contextualização sobre o histórico da compreensão da surdez, da
Língua de Sinais e das diferentes abordagens educacionais para crianças e jovens surdos. Ao percorrer
fatos relevantes históricos que envolvem tanto as opressões como as conquistas dessa comunidade,
refletiremos sobre as violações de direitos a que foram submetidas as pessoas surdas — por exemplo, a
proibição da Língua de Sinais — e sobre o fato de que a forma de estar no mundo com língua, identidade e
cultura próprias, pode gerar outras potencialidades.

A proposta é conhecer, nas artes integradas, percursos de artistas surdos que desenvolvem seu processo
criativo a partir de sua identidade, assim como processos artísticos realizados por pessoas surdas e
ouvintes que partem das culturas surdas e da Língua Brasileira de Sinais.

Boa semana!

Daina Leyton
Educadora l Consultora de Acessibilidade
Cultural e de Programas Educativos
Professora do Curso Artes Integradas
+ Educação + Acessibilidade
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METAS DESTE MÓDULO:

A partir do reconhecimento das especificidades na vida de uma pessoa surda, que geram uma identidade,
realizaremos uma breve contextualização sobre as culturas surdas, para então conhecermos projetos
artísticos realizados na Língua Brasileira de Sinais que nos mostram como as diferenças podem ser
potentes no processo de expressão e de criação artística.

NOSSAS METAS:

• Reconhecer as especificidades na vida de uma pessoa surda, para poder compreender as


demandas específicas de seu processo educacional;
• Trazer a consciência dos contextos que formam as identidades surdas e, consequentemente, as
culturas surdas;
• Conhecer processos de criação e manifestações artísticas, realizadas na Língua Brasileira de
Sinais, que exploram sua potência expressiva e performática.

OBJETIVOS EDUCACIONAIS:

Ao final desta aula, você será capaz de:

• Saber como a singularidade das pessoas surdas gera demandas específicas nos seus processos
educacionais;
• Adquirir uma noção da perspectiva da educação bilíngue para surdos;
• Compreender a potência da conexão entre diferentes culturas (dos surdos e dos ouvintes) e a
riqueza que o intercâmbio de línguas pode criar.
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Culturas e artes surdas: um universo a ser conhecido


Daina Leyton

O reconhecimento do potencial poético e expressivo da Língua Brasileira de Sinais e das culturas


surdas é um importante exemplo para compreender como as diferentes formas de estar no mundo
geram subjetividades e linguagens que enriquecem a criação artística. Para começar, faremos uma
breve contextualização sobre o histórico das pessoas surdas, suas características específicas e
potencialidades, além das situações de opressão e de violação de direitos a que foram submetidas. Dessa
maneira, poderemos compreender um pouco melhor as identidades e as culturas surdas.

“Para quem não tem contato com nenhuma pessoa surda e desconhece o contexto da surdez, ela
pode ser compreendida tão-somente como uma deficiência, uma perda auditiva que faz com que a
pessoa escute muito pouco ou nada. Seu entendimento pode, assim, permanecer restrito ao campo
da falta e da patologia, como uma condição que requer reabilitação e tratamento. O universo da
surdez, porém, é muito mais complexo, interessante e transformador. Para conhecê-lo, é necessário
vislumbrar o que é ser surdo, as implicações a que os surdos foram submetidos historicamente, e
as condições em que se encontram atualmente. Se o contato com a arte é um amplo campo de
possibilidades, vale observar como esse contato tem sido vivenciado, tanto dentro quanto fora
da escola. Nesse sentido, o fotógrafo e filósofo cego Evgen Bavcar chama a atenção para a lógica
“oculocêntrica” vigente no campo da fruição artística — por exemplo, em museus e espaços culturais,
nos quais as obras são quase sempre expostas para a visão frontal, enquanto existem inúmeras
outras formas de percepção possíveis, mas que são pouco exploradas.

Imagine o que é não compartilhar, de forma direta, da língua em que a maioria das pessoas que
estão ao seu redor se comunicam; ou seja, a língua oral. Enquanto a audição é um dos sentidos
dominantes e essenciais na comunicação, na apreensão e na percepção do mundo para os ouvintes,
para os surdos tudo isso se dá por meio de outros sentidos. Como a língua é intrínseca para o
desenvolvimento das relações humanas e de suas culturas, os surdos têm sua forma de comunicação
própria, que é visual, gestual e espacial: a língua de sinais.

Para compreender tudo isso, é essencial tomar conhecimento da opressão a que os surdos
foram submetidos ao longo dos séculos, que se caracterizava pela sobreposição da forma de
comunicação oral usada pela maioria ouvinte. Isso privou os surdos da aquisição de uma língua
primeira essencial para seu desenvolvimento cognitivo, social, afetivo e subjetivo. Essa história
é contada pelo escritor e neurologista Oliver Sacks, em seu livro Vendo Vozes (Sacks, 1998), que
mostra como as línguas de sinais foram proibidas inúmeras vezes, em vários países. A regra
adotada, de que as comunicações deveriam ser orais, trazia o entendimento de que os surdos
precisariam desenvolver a fala. O desenvolvimento da oralidade, porém, sem um uma língua
primeira (a língua de sinais), sempre se mostrou um árduo e longo trabalho, que trazia significativos
prejuízos ao desenvolvimento dos surdos. Isso ficava evidente ao se constatar que, nas escolas
que usavam a língua de sinais, os surdos apresentavam rendimento escolar superior ao dos
alunos somente oralizados, além de conseguirem desenvolver a fala tão bem quanto os surdos
educados nas escolas oralistas. Mesmo assim, as línguas de sinais ainda enfrentariam muitas
proibições. Quando permitidas, eram vítimas de outra concepção equivocada: acreditava-se que
elas não possuíam gramática própria — e que deveriam seguir a estrutura da língua falada. Esse
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Artes e culturas surdas
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equívoco perdura até hoje — e muitos ainda acreditam que a Libras, por exemplo, é uma espécie
de ‘português sinalizado‘.

Sabe-se atualmente que as línguas de sinais são línguas de verdade, com léxicos e gramáticas
próprias. Nelas, diferentes sinais são compostos pelas configurações das mãos, pelos movimentos
e pelos pontos de articulação. Compõem sua estrutura gramatical as expressões faciais, o
posicionamento espacial e outras composições que envolvem o corpo todo. São línguas que
possibilitam o pensamento e a comunicação — e que foram constituídas por meio de complexos
processos de elaboração, por meio da experiência comunicativa de várias gerações de pessoas
surdas. Assim como qualquer língua, elas têm diferenças regionais — e cada país pode ter uma ou
mais línguas de sinais, reconhecidas ou não.

No aspecto geral, importantes avanços têm ampliado as formas de comunicação das pessoas
surdas e difundido o conhecimento sobre essa comunidade. Cada vez mais, há surdos e intérpretes
de libras trabalhando em espaços públicos e privados. A evolução da tecnologia auxilia e facilita
progressivamente a comunicação, o acesso à informação e o desenvolvimento dos surdos. Faculdades
são obrigadas por lei a fornecer intérpretes, e o número de pessoas surdas com formação superior
tem aumentado expressivamente nas últimas décadas. Crescem as manifestações artísticas
idealizadas nas línguas de sinais, além das interpretações em Libras — que tornam acessíveis
espetáculos de teatro, dança, música e mostras de artes visuais. Intensificam-se as reivindicações
de direitos dos surdos — como a educação bilíngue — e também a participação política de líderes
e ativistas surdos em espaços de tomada de decisão e nas políticas públicas.” (CORPAS, LEYTON.
Surdez e deficiência auditiva. In Acessibilidades, Museu das Telecomunicações, 2016)

Após séculos de equívocos nos processos educativos, que geraram muito prejuízo ao desenvolvimento
das pessoas surdas, existe hoje um movimento coeso, de referência, de uma Proposta Bilíngue de
Educação dos Surdos, já em prática em escolas públicas e privadas. No entanto, ainda há muitas
crianças surdas que não usufruem desse direito, seja por desinformação, por diagnóstico tardio da
surdez ou mesmo pela falta de opções de escolas. A concepção bilíngüe compreende que a língua de
sinais é a língua primeira de uma pessoa surda, independentemente de ser ou não filha de surdos; por
isso é utilizado o termo língua primeira, e não língua materna. A segunda língua seria a língua do país em
que essa pessoa mora. Assim sendo, uma criança surda brasileira, por exemplo, deve ter acesso em
primeiro lugar à Língua Brasileira de Sinais e ser alfabetizada no português escrito por meio de métodos
de alfabetização que não são pautados na oralidade. Na perspectiva bilíngue, após a alfabetização,
os alunos têm acesso às duas línguas, concomitantemente.

A pessoa surda vive, assim, numa condição bilíngue e bicultural: a língua de sinais e a cultura da
comunidade surda, e a língua falada (e escrita) e a cultura ouvinte de seu país. Essa é uma condição
identitária das pessoas surdas. Além dessa condição específica, cada surdo ou surda terá sua trajetória,
história de vida, habilidades, dificuldades e perspectivas. Dessa forma, é fundamental compreender as
diversas singularidades dentro da comunidade surda:

“Assim como há surdos oralizados e fluentes no português falado ou escrito, existem surdos
pesquisadores e especialistas na pedagogia da Língua Brasileira de Sinais. Surdos que usam
aparelho e gostam dele, pois conseguem perceber alguns sons que consideram essenciais. Surdos

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Artes e culturas surdas
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que conseguem se comunicar totalmente e reconhecer inclusive vozes, com o uso de aparelhos.
Há também os surdos que não gostam e preferem não usar o aparelho, pois não se sentem
confortáveis com o excesso de ruído. Existem surdos com implante coclear — e também surdos que
passaram por essa cirurgia e optaram por revertê-la, pelo mesmo motivo citado acima. Há surdos
que se comunicam em língua de sinais desde os primeiros meses de vida — e surdos que tiveram
o diagnóstico da surdez e o conhecimento da língua de sinais tardios. Surdos que têm fluência
em várias línguas de sinais diferentes. É bastante comum, também, surdos de uma nacionalidade
conhecerem e conseguirem se comunicar com facilidade com surdos de outra nacionalidade,
mesmo desconhecendo completamente a língua de sinais nativa do outro país. Isso é bastante
provável de acontecer com surdos que tiveram uma educação sólida em língua de sinais. É possível,
por exemplo, que um surdo holandês e um surdo brasileiro consigam se comunicar em poucos dias,
mesmo sem conhecer a língua um do outro, o que dificilmente ocorreria com um ouvinte brasileiro
e um ouvinte holandês. Pela habilidade de comunicar coisas que a língua falada não consegue, e
por deter uma língua que transcende facilmente barreiras internacionais, estudiosos surdos se
denominam “cidadãos globais” ou “cidadãos do mundo” (CORPAS, LEYTON. Surdez e deficiência
auditiva. In Acessibilidades, Museu das Telecomunicações, 2016)

Para pensarmos a acessibilidade para alunos surdos nas artes integradas, é essencial, portanto, refletir
sobre os inúmeros aspectos que envolvem a identidade surda:

“Além da língua, existem outros aspectos que constituem identidades culturais próprias das
pessoas surdas. O pesquisador finlandês surdo Juhana Salonen divide esses aspectos em dois
grupos diferentes: os que estão na ponta do iceberg e os que estão em seu corpo, debaixo d’água,
onde não enxergamos. Na ponta — a parte visível do iceberg — podemos ver os grupos de pessoas
surdas formados pela identificação; a comunicação gestual; as escolas para surdos; os clubes; as
associações; os esportes; os eventos artísticos característicos; os hábitos; a comunicação por
meio de vídeos gravados em língua de sinais e lançados na internet; e as histórias e piadas típicas da
comunidade, entre outros. Já os aspectos que não são vistos com tanta facilidade, e que são a base
do iceberg, requerem o conhecimento e a compreensão por serem constituintes das identidades e
da cultura surda. São eles: a surdez nos diferentes contextos históricos; as tradições; as diferentes
abordagens educacionais; a consciência do ser surdo; a identidade; o orgulho; a militância; os
direitos e as experiências positivas da surdez. Há também a expressão deafhood, ou “irmandade
surda”, em uma de suas traduções para o português, que explora esses aspectos da multiplicidade
e da riqueza da identidade surda. Para saber mais, consulte Hugo Eiji, Deafhood. In: Cultura surda.
Disponível em: https://culturasurda.net/deafhood.” (LEYTON, Daina. O museu e as culturas surdas.
In: Educação e acessibilidade: experiências do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo:
Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2018)

As manifestações artísticas que dizem respeito à comunidade surda têm sido pesquisadas e difundidas em
um termo que vale conhecer, para aprofundar nossa reflexão sobre a acessibilidade nas artes integradas:

“O termo Arte Surda (e, por extensão, produções surdas), mesmo entre aqueles que participam das
comunidades surdas, não raro transita de forma imprecisa, incerta, amarrado a uma série de (in)
definições. Entre tantas produções culturais feitas por, para e sobre pessoas surdas, então, o que se
entende aqui como Arte Surda?

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Arte Surda, aqui, é entendida como todo o conjunto das produções artísticas que trazem à tona —
em diferentes suportes — questões relacionadas às culturas surdas. Seja em pinturas, gravuras,
esculturas, instalações, performances, produções audiovisuais, espetáculos teatrais etc., a
Arte Surda convida — e convoca — o espectador à imensidão do mundo surdo, expressando de
diferentes maneiras a história, as lutas, as línguas, as experiências cotidianas, os protagonismos, os
marcadores culturais, as narrativas, as tensões e os desafios que permeiam esse mundo, refratando
os discursos ouvintistas que, dia após dia, seguem a apequenar a potência da diferença Surda.

A designação Arte Surda (conhecida também como De’VIA — Deaf View/Image Art, sobretudo no
universo das artes plásticas, em alguns países de língua inglesa), assim, vincula-se às produções que
têm em seu cerne a expressão de mundos e identidades surdas, independentemente de tais obras
serem produzidas por pessoas surdas ou ouvintes. Em outras palavras, a definição é dada a partir
dos elementos que compõem a obra e não pela condição física/sensorial de seu autor, o que em
muito contribui para minar o gesto paternalista que comumente ronda o fazer artístico de pessoas
com deficiência.” (EIJI, Hugo. Mediações acessíveis: ciclos de encontros sobre acessibilidade em
espaços de educação e cultura. Instituto Tomie Ohtake, 2018)

Realizada esta breve contextualização, visitaremos agora alguns processos, nas artes integradas, que
reconhecem a potência poética e criativa da Língua de Sinais e das identidades e culturas surdas. São eles:

• O projeto Canto Livro e a oficina Canto Libras;


• O processo de formação dos educadores surdos Edvaldo Santos e Leonardo Castilho, que passaram
a se reconhecer como artistas e poetas;
• O Corposinalizante: grupo de pesquisa e produção artística de surdos e ouvintes;
• A realização do evento artístico multissensorial Sencity, que teve três edições realizadas no Museu
de Arte Moderna de São Paulo e uma edição no Colégio Brasileiro de Altos Estudos da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, que marcou o encerramento da programação do IV Encontro Nacional de
Acessibilidade Cultural.

Poesia e Libras: o percurso de Leonardo Castilho e Edvaldo Santos


Os artistas, poetas e educadores Leonardo Castilho e Edvaldo Santos participaram, quando
adolescentes, do curso Aprender para ensinar, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. Esse curso
teve início em 2002, devido ao seguinte contexto: grupos de alunos surdos, acompanhados de seus
professores, começaram a visitar o Museu, onde eram recebidos por educadores ouvintes da instituição,
que não tinham conhecimento da Língua Brasileira de Sinais (Libras). A dificuldade de comunicação
fazia com que a atenção de todos ficasse mais voltada para o que estava sendo traduzido do que para
a experiência que poderia ser vivenciada ali, no contato direto com as obras de arte. A diferença entre
as duas formas de comunicação — a de ouvintes e surdos, longa e truncada, e a dos surdos entre si,
fluída e de qualidade —, chamou a atenção da equipe educativa do MAM. Foi então iniciado o projeto
Aprender para ensinar, de formação de jovens educadores surdos, para que eles próprios pudessem
receber o público surdo nas exposições em sua primeira língua, a Libras. O projeto revelou o interesse
de jovens e crianças surdas pela fruição e produção artística, além de evidenciar a necessidade de
haver educadores surdos em espaços culturais. Ao longo dos anos, os alunos formados pelo projeto
passaram a ser contratados por diversas instituições culturais de São Paulo.

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Artes e culturas surdas
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Leonardo Castilho e Edvaldo Santos começaram a trabalhar no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
E a convivência diária com eles fez com que a equipe do museu passasse a se atentar à programação
aberta ao público que ainda não contava com recursos de acessibilidade. Iniciou-se, assim, um processo
de pesquisa para viabilizar uma programação acessível com equiparação de qualidade de fruição
estética. A primeira atividade do museu que aprofundou essa pesquisa foi o Canto Livro, em 2011; um
projeto de música, literatura e poesia, idealizado por Joana e Jean Garfunkel, no qual espetáculos
temáticos inspirados nas exposições em cartaz aconteciam no espaço expositivo. A proposta foi a
criação de espetáculos que contassem com a Língua de Sinais, em todo o potencial performativo de
uma língua gestual-visual-espacial, nas atuações realizadas por tradutoras-intérpretes de Libras junto
aos músicos. Para tanto, foram convidadas as tradutoras-intérpretes Lívia Vilas Boas e Naiane Olah,
que já realizavam uma pesquisa voltada para a tradução e interpretação de músicas em Libras, e a
professora e tradutora-intérprete de Libras Amarilis Reto, que trabalhava a poesia na sala de aula com
seus alunos surdos. Amarilis iniciou, em sua sala de aula, “uma pesquisa sobre a relação dos surdos
com a poesia”, pois não aceitava o estigma de que os surdos não se identificavam com ela. No MAM,
Amarilis integrou projetos educativos em Libras e pôde ampliar sua pesquisa junto a educadores
e alunos surdos, educadores ouvintes, intérpretes e professores de Libras, artistas, músicos e
poetas. Quais movimentos, intensidades, configurações de mão e expressões melhor expressam e
traduzem sensações, sentimentos e ideias?” (LEYTON, 2018: O museu e as culturas surdas. Educação e
acessibilidade: experiências do MAM, pág. 84)

A experiência com textos, poesias e músicas, todas interpretadas em Libras no Canto Livro, passou a
garantir o acesso do público surdo à poética dos espetáculos, além de instigar o interesse do público
ouvinte por essa língua que aguça a percepção por meio de seus movimentos, gestos e expressão. Esse
processo, realizado com a consultoria dos dois educadores surdos da equipe — que traziam devolutivas
de como as músicas e poesias chegavam ao público —, incitavam questões que alimentavam a pesquisa
poética: Qual a melhor forma de traduzir uma poesia na língua de sinais? Como trabalhar a rima numa
língua gestual?

Existem sinais que possuem o mesmo modo de configuração da mão; quando esta assume uma
posição diferente, transmite um outro significado. O ponto do sinal no corpo também pode ser o mesmo
para diferentes sinais. Os sinais “água” e “desculpe”, por exemplo, possuem diferentes configurações
das mãos, e são realizados no mesmo ponto do corpo. Já o sinal de “desculpa” e “brincadeira” tem a
mesma configuração de mão, com pontos espaciais diferentes.” O jogo com essas configurações
caracteriza uma conexão, criando uma rima visual. (LEYTON, 2018: O museu e as culturas surdas.
Educação e acessibilidade: experiências do MAM, pág. 84).

Estes são alguns exemplos bem simples do início dessa pesquisa no museu, mas existe um amplo
movimento internacional de poesia em línguas de sinais. Para ampliar o contato com a poesia e a língua
de sinais mundo afora, recomendo conhecer alguns poemas reunidos no blog do pesquisador Hugo Eiji:
https://culturasurda.net/poesia/

Assim, no processo de investigação, de pensar uma acessibilidade estética para esse espetáculo de
música, literatura e poesia no projeto Canto Livro, a pergunta era: como a música pode ser representada
pela visualidade? Realizado o primeiro espetáculo, recebemos os seguintes retornos dos participantes
surdos: — Pela primeira vez na minha vida eu pude ver uma canção, pude compreender sua melodia —

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contou um deles. — A gente sentiu a música! Elas (as tradutoras-intérpretes) tinham no corpo o balanço
da música, eu estava sentindo completamente a música! — revelou outro.

O projeto Canto Livro no MAM teve início em 2011 e foi inspiração para muitos outros processos.
É importante constatar como uma iniciativa de acessibilidade cultural inspira outras, ao passo que
também outras estão sendo idealizadas, inventadas em outros lugares — e a coisa se prolifera. É fato
que há, no campo musical, a preocupação com o público surdo; e essas iniciativas de interpretação
musical tiveram um avanço significativo. Hoje, nove anos depois do início desse projeto no Museu de
Arte Moderna de São Paulo, é comum encontrarmos tradutores-intérpretes de Libras em espetáculos
musicais de diversas instituições culturais brasileiras. Para além desse circuito, há também
interpretação em Libras em lives e outros grandes shows da indústria do entretenimento. Entre essas
iniciativas, há as que dedicam maior zelo à qualidade da experiência estética, enquanto outras se
detêm menos nesse aspecto. Este é um assunto que será abordado na quinta semana de aula, quando
refletiremos sobre a acessibilidade estética.

Um interessante desdobramento do projeto Canto Livro no MAM foi a oficina Canto Libras, idealizada
pela equipe do projeto para compartilhar a pesquisa de tradução e interpretação de poesia e literatura
na Língua Brasileira de Sinais. Nessa oficina, Joana e Jean Garfunkel, os músicos e compositores do
Canto Livro, propõem — junto com Amarilis Reto, intérprete de libras, professora de crianças surdas
e pesquisadora da relação da poesia com a língua de sinais — apontar caminhos, a partir da interface
com as linguagens artísticas poética e musical, para a interpretação do texto poético, dentro de sua
complexidade: rimas, metáforas, aliterações e figuras de linguagem no geral. Sob essa perspectiva, os
participantes são convidados a elaborar interpretações para poemas; essas interpretações resultam
em uma apresentação de poesia, canções e libras.

A presença de dois educadores surdos no MAM, oriundos do curso de formação de educadores surdos
Aprender para Ensinar, passou a demandar e a inspirar ações culturais acessíveis à comunidade surda.
Outros museus e espaços culturais também passaram a contratar ex-alunos do Aprender para ensinar
para integrar suas equipes; a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o Museu Afro Brasil, o Centro Cultural
Banco do Brasil, a Caixa Cultural, o Instituto Tomie Ohtake, o Itaú Cultural e a Bienal Internacional
de Arte de São Paulo (31ª edição) são algumas dentre as várias instituições que também passaram a
elaborar programações em Libras.

A experiência de consultoria na tradução e na interpretação de poesias para Libras criou um vínculo do


educador surdo Leonardo Castilho com a poesia. Isso fez com que passasse a levar esse interesse para
seus outros campos de atuação, como as visitas mediadas, as oficinas abertas ao público e o grupo de
estudos Corposinalizante. As múltiplas demandas de acessibilidade e a potência expressiva e poética
na Libras — notável qualidade dos educadores Leonardo Castilho e Edvaldo Santos — desencadearam
um bonito processo, no qual ambos passaram a se reconhecer como artistas e poetas.

O Corposinalizante é um projeto que acontece até hoje no Museu de Arte Moderna de São Paulo: é um
grupo que reúne semanalmente, no museu, pessoas interessadas na cultura surda, sejam surdas ou
ouvintes. “Criado para dar continuidade às pesquisas artísticas desenvolvidas pelos jovens surdos
que se formaram no curso Aprender para Ensinar, o grupo já realizou documentários e intervenções
poéticas, entre outras manifestações artísticas que trazem a performatividade da língua de sinais, a

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Artes e culturas surdas
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

potência surda e as demandas de sua comunidade como materiais principais de trabalho (LEYTON,
2018: O museu e as culturas surdas. Educação e acessibilidade: experiências do MAM, pág. 85).

Um processo de pesquisa de poesia em Libras e em português resultou na concepção do Slam do Corpo,


primeira batalha de poesias no Brasil que se dá na fricção entre a língua portuguesa e a língua de sinais.
Batalha que hoje participa e interfere no circuito nacional e internacional de saraus e slams. Esse
processo, que nasce no MAM e transcende o seu espaço, gera significativas transformações e impactos
sociais; anuncia a importância de os museus terem tempo e um espaço dedicado à experimentação
e à pesquisa realizadas pelo próprio público — neste caso, os surdos que começaram como alunos,
tornaram-se participantes do Corposinalizante e hoje são organizadores do Slam do Corpo. Um exemplo
de processo de tomada de consciência da potência da identidade surda, que se expande do museu
para o mundo. Para saber mais sobre o Slam do Corpo e sua abrangência, consulte a dissertação de
mestrado de Cibele Lucena: Beijo de línguas: quando o poeta surdo e o poeta ouvinte se encontram.
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Clínica, PUC-SP, 2017. Disponível em
https://tede2.pucsp.br/handle/handle/20478

Edvaldo Santos também iniciou suas criações de poesia nesse processo, como educador de museu e
pesquisador de manifestações artísticas em prol da identidade surda. Quando começou a participar do
curso Aprender para Ensinar, foi apresentado à equipe do museu pelas professoras de sua escola como
“um caso muito complicado, um aluno sem envolvimento nas aulas”. Vale aqui refletir que essa postura
provavelmente tinha relação com a falta de equiparação de oportunidades em seu cotidiano, dentro
e fora da escola: “[...] constantemente sem possibilidade de comunicação, até mesmo nas situações
mais triviais de seu cotidiano, nas quais não tinha acesso à conversa das outras pessoas, fato que
o levou a perder muitos contextos e informações, e consequentemente dificultava a construção de
sentido em seus estudos. Hoje pedagogo e educador, Edvaldo vê a necessidade de ser uma referência
positiva para crianças e jovens surdos, para que possam vislumbrar possibilidades em suas vidas, pois
essas referências lhe faltaram quando criança.” (LEYTON, 2021. Museos e Inclusión. Perspectivas crítico-
alterativas producidas desde Latinoamérica. pág. 94)

Hoje formado em pedagogia, Edvaldo conta como a tomada de consciência das opressões que sofreu
durante a vida foi o combustível para sua criação poética, na qual exalta com orgulho a sua identidade
negra e surda.

“No início de suas apresentações como poeta, realizadas sempre em dupla com um TILS (Tradutor-
Intérprete de Língua de Sinais) que interpretava sua voz, tinha como requisito para a seleção
de quem o acompanharia apenas a qualidade de interpretação e a fluência em Libras. Com o
desenvolvimento de sua pesquisa, porém, passou a fazer mais sentido para ele que a pessoa que
fizesse a sua voz fosse também um poeta, também do gênero masculino e também negro. E o
mais importante: que houvesse empatia e parceria no processo de criação poética. Atualmente
seu parceiro oficial é James Bantu — poeta, MC e cantor cujo trabalho pode ser visto no Youtube
no link "https://www.youtube.com/watch?v=20dovmD3Y1A. Os dois atualmente contam com o
apoio de uma TILS, Erika Mota, para o processo de criação conjunta da poesia falada/cantada e
sinalizada.” (LEYTON, 2021. Museos e Inclusión. Perspectivas crítico-alterativas producidas desde
Latinoamérica. Pág. 95)

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Artes e culturas surdas
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

As poesias de Edvaldo trazem o quanto ele tem de se haver com barreiras em seu cotidiano. Ser
surdo significa vivenciar diversas situações de opressão, algumas bastante claras para todos, outras
das quais nem nos damos conta. Ser negro na atual sociedade significa vivenciar outras inúmeras
opressões. O processo de tomada de consciência de sua identidade, seu posicionamento anunciando
o que é necessário para garantir sua cidadania plena, e saber hoje que ele tem a missão de ser uma
referência para os surdos mais jovens, é a contribuição de Evaldo para todos os espaços culturais e
educacionais por onde passa.

“Eu, quando era pequeno, não conseguia me expressar; só comecei a perceber minha identidade
quando entrei em contato com a arte. Na minha infância não havia referência de surdos atuando no
campo da cultura, ou surdos artistas. E hoje temos referências; somos as referências, somos poetas!
Hoje viajo o mundo fazendo palestras e apresentações e vejo que ainda falta muita acessibilidade
cultural em muitos lugares do mundo. [...] O fato de hoje poder participar de grandes projetos culturais
é um grande passo: é podermos ser referências para as próximas gerações de surdos. Referências
que nós não tivemos. Porque, quando crianças, nós não conhecíamos surdos artistas, educadores
de espaços culturais, arquitetos, designers etc. Já trabalhei em vários espaços culturais e convivi
com pessoas que não tinham nenhum pensamento ou noção de acessibilidade. Que não tinham ideia
de como se conectar com pessoas surdas. Poeticamente, eu descobria maneiras de estabelecer
trocas, para que esse ambiente fosse transformado. Como sensibilizar as pessoas pela poesia. Daí,
quando a instituição já estava preparada, transformada, eu ia para outra instituição e pensava: vou
começar do zero aqui. Hoje olho para trás e vejo os lugares onde trabalhei, vejo meu papel de abrir
caminhos, de transformar espaços.” (LEYTON, 2021. Depoimento de Edvaldo Santos na avaliação e
performance de encerramento do programa Poéticas do acesso. Pág. 116)

Além do processo de pesquisa e criação de poesias, me chamou a atenção a conexão que Leonardo
Castilho tem com a música. Sempre gostou de conversar sobre música e de dançar. Então compreendi
que o fato de não escutar não quer dizer que os surdos não apreciem música. Eles a acessam por sua
visualidade e vibração. Essa descoberta nos levou a realizar, junto com a fundação holandesa Skyway,
a Sencity no MAM — uma celebração na qual se pode sentir, ver, cheirar e degustar música. A pista
de dança vibra com a música, dançarinos interpretam em língua de sinais, um “aroma-jockey” exala
cheiros e um cardápio sensorial é servido. O evento é concebido e organizado junto com a comunidade
surda de cada local onde é realizado. O ambiente multissensorial, com milhares de mãos que sinalizam,
promove uma experiência única para quem comparece, seja surdo ou ouvinte.

“Como o próprio nome diz, a proposta é construirmos uma cidade dos sentidos, na qual todos os
elementos dessa construção se comuniquem com o nosso corpo. Sinestesicamente, o som para o
público surdo — e ouvinte — passa a ser cheirado, degustado, sentido e visto. Além da clássica figura do
disc jockey (DJ), há também a presença do aroma jockey, do food jockey e do video jockey (VJ). De acordo
com a batida da música, cada jockey elabora um cardápio sensorial para ofertar ao público. Uma música
verde e com cheiros doces pode mudar, em poucos minutos, para uma vibração azulada de gosto ácido.
O som, por sua vez, também é sentido diretamente no corpo. Por sua própria característica, o som
passa pela matéria através de ondas mecânicas que, literalmente, vibram nesse meio. Caixas de som
subgraves alimentam o palco da festa, assim como a presença de um chão vibrátil. Esse chão vibrátil,
ou vibrationfloor, é na verdade um tablado conectado a uma mesa de som; é feito para o público sentir
a vibração da música pela planta dos pés. Embaixo de cada módulo há a presença de um dispositivo

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Artes e culturas surdas
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

vibrátil instalado, conhecido como Buttkicker, que faz vibrar a superfície conectada de acordo com
os graves das músicas. Foi na junção dessa festa multissensorial com as práticas e saberes artísticos
e pedagógicos desenvolvidos ao longo de uma década, que foi realizada a primeira Sencity no MAM. O
evento aconteceu em março de 2011, com o envolvimento, ao todo, de mais de 2.000 pessoas, entre
surdas e ouvintes, de várias regiões do Brasil e de outros países, como Holanda, Inglaterra e Índia
— tanto na conceitualização quanto na produção, na execução e na participação do evento. Houve
também edições em 2013 e 2014 no MAM, com a participação do rapper finlandês Signmark, que rima
em ASL (American Sign Language). Em 2016, realizou-se a Sencity-UFRJ, uma parceria entre a UFRJ
e o Museu de Arte Moderna de São Paulo. (SANCHES, Gregório Ferreira Contreras. Museu dos verbos
visuais. In: Educação e acessibilidade: experiências do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Pág. 94.
São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo, 2018. Conteúdo em PDF Acessível)

Realizar um evento cultural multissensorial em formato de festa no espaço expositivo do museu, junto
com a comunidade surda, gera uma significativa transformação, tanto na cultura interna da instituição
quanto no conhecimento e no pertencimento da comunidade surda de toda a cidade, que passa a ter
um evento artístico concebido por si e para si. No evento, a Libras é a língua primeira. Além de promover
o reconhecimento e a difusão das culturas surdas, a Sencity faz com que cada espaço cultural onde é
realizada tome consciência de outras possibilidades de percepção e de sensorialidade.

Os processos artísticos aqui descritos, realizados para e com as pessoas surdas, nos evidenciam a
necessidade de imaginar e de conceber situações experimentais que permitam e instiguem os corpos
para que falem, sintam e possam compartilhar sensações e percepções.

Bibliografia:
LEYTON, Daina; LUCENA, Cibele; e ZATZ, Joana. Aprender para ensinar. In: Programa Igual Diferente.
São Paulo: Museu de Arte Moderna, 2015.
Disponível em:
https://mam.org.br/wp-content/uploads/2016/08/DIFERENTE.pdf

LEYTON, Daina. O museu e as culturas surdas. In: LEYTON, Daina. Educação e acessibilidade: experiências
do MAM. São Paulo, Museu de Arte Moderna, 2018. Conteúdo em PDF Acessível.
Disponível em:
https://mam.org.br/wp-content/uploads/2018/09/Educac%CC%A7a%CC%83o-e-Acessibilidade_
experie%CC%82ncias-do-MAM-QRcode.pdf

EIJI, Hugo. Cultura surda. Disponível em: https://culturasurda.net/ Acessado em janeiro de 2021.

LUCENA, Cibele. Beijo de línguas: quando o poeta surdo e o poeta ouvinte se encontram. Dissertação de
mestrado pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia: Psicologia Clínica, PUC-SP, 2007.
Disponível em https://tede2.pucsp.br/handle/handle/20478

SANCHES, Gregório Ferreira Contreras. Museu dos verbos visuais. In: Educação e acessibilidade:
experiências do Museu de Arte Moderna de São Paulo. São Paulo: Museu de Arte Moderna de São Paulo,
2018. Conteúdo em PDF Acessível.

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Artes e culturas surdas
www.https://www.umnovoolhar.art.br/
Módulos - Curso Artes integradas +
acessibilidade + inclusão

1 Acessibilidade transversal

2 Artes e culturas surdas

3 As possibilidades do ensino da arte para além do


olhar

4 Artes integradas: corporalidades e deficiência

5 Acessibilidade estética: ferramentas estéticas de


mediação

6 O conceito de interdependência a de experiências


poéticas

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