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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Fundamentação: O acesso à
produção, à divulgação e ao
consumo dos bens culturais
como direito humano
Artes Visuais + Educação +
Acessibilidade + Decolonialismo

Robson Xavier

Apoio: Realização: Realização

Apoio
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro
Ministro do Turismo
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Secretaria Especial de Cultura (SECULT)
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Coordenação de Artes Visuais
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Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ Fundação José Bonifácio | FUJB

Reitora Presidente
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Vice-reitor Secretário Geral
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Centro de Letras e Artes Gerente de Convênios e Análise
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Vice-decano
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Todos os direitos reservados
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Diretor Centro de Letras e Artes | Escola de Música
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Vice-diretor | Diretor Adjunto do Setor Artístico Editora Escola de Música | Selo UFRJ Música
Marcelo Jardim Rua do Passeio, 98 — Centro
CEP 20.021-290 Rio de Janeiro RJ Brasil
Diretor Adjunto de Ensino de Graduação
editora@musica.ufrj.br | www.umnovoolhar.art.br
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Diretora Adjunta dos Cursos de Extensão
Maria José Di Cavalcanti
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Música
João Vidal
Coordenador do Programa de Mestrado Profission-
al em Música
Aloysio Fagerlande
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como direito humano
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Robson Xavier

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PROJETOS UFRJ — FUNARTE UM NOVO OLHAR | UNO


Coordenação geral Coordenação
Marcelo Jardim Marcelo Jardim
Coordenação de comunicação Coordenação de ações de acessibilidade
Gustavo Mendicino Patrícia Dorneles
Coordenação do Núcleo de Mídias Digitais (NuMiDi) Gerência de produção
Kátia Maciel
Lanuzza de Lima
Administrativo
Assistência de produção em acessibilidade
Aliciandra Amaral e Tânia Oliveira
Isadora Machado
Direção de arte
Assessoria Curso “Arte/Educação+Acessibilidade+
Márcio Massieri
Inclusão”
Publicidade e Relações Públicas
Thelma Alvares, Angélica Dias e José Antônio Borges
Fabiana Rosa
Assistente de Relações Públicas Consultoria DIRAC/UFRJ

Carolina Lais de Assis Amélia Rosauro e Cláudia Martins


Imprensa Tradução para Libras
Henrique Koifman Gabriel Sampaio, Jéssica de Almeida Lima,
Assistente de Imprensa Marcos Arantes e Raphael Costa
Creuza Gravina Supervisão da Equipe de Audiodescrição
Marketing digital Vera Lucia Santiago
Gustavo Kremser Audiodescrição
Revisão de texto Lindolfo Júnior, Naiana Moura e Stefanie dos Santos
Maurette Brandt Locução e edição de audiodescrição
Diagramação Filipe Granja
Renata Arouca
Consultoria em audiodescrição
NuMiDi
Marcos Lavor
João Pedro Dutra, Rogério Leão e Ítala Barros (redes
Supervisão da equipe de legendagem
sociais); Alberto Moura, Eduardo Martino, Giuliano Gerbasi
Patrícia Vieira
(audiovisual); André Flauzino, Isabelle Barreto (design
Legendagem
gráfico); Renan Ferreira e Eduardo Mangeli (webdesign)
Fotografia Eurijunior Sales e Joel Bezerra
Raffaela Bompiani e Walda Marques Coordenação de ações de Canto Coral
Maria José Chevitarese
Editoração de partituras e edição de vídeos de canto
EDITORA
ESCOLA coral
de MÚSICA Cadu Barcelos
Editor chefe Vocal para vídeos de canto coral
Giulio Draghi Carolina Morel e Sarah Salotto
Editor associado Piano para vídeos de canto coral
João Vidal
Hector Coutinho
Subcomissão produtos didáticos,
bibliográficos, fonográficos e audiovisuais
Presidente
Marcelo Jardim
Coordenação Editorial
André Cardoso
Maria José Chevitarese
Aloysio Fagerlande
Eduardo Monteiro
Leandro Soares
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Sumário

Projeto Um Novo Olhar.......................................................................................................... 4


Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade......................................................... 5
Apresentação da Semana..................................................................................................... 6
Metas deste módulo..............................................................................................................7
Objetivos...............................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................ 8
Breve histórico dos paradigmas da acessibilidade e da inclusão ........................................... 9
1. Arte contemporânea como questão social........................................................................ 12
2. Coletivos e produções dissidentes na arte contemporânea.............................................. 15
2.1 Frente 3 de Fevereiro — atua desde 2004 — São Paulo/SP — Brasil............................... 16
2.2 Mujeres Creando — atua desde 1992 — Bogotá, Colômbia............................................ 17
2.3 Aparecidos Políticos — atua desde 2010 — Fortaleza/CE — Brasil................................. 17
Considerações Finais.......................................................................................................... 17
Referências e indicações bibliográficas............................................................................... 18

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Projeto Um Novo Olhar

O PROJETO UM NOVO OLHAR é uma parceria entre a Fundação Nacional de Artes — Funarte e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ, por meio da Escola de Música da Universidade, que
desenvolve e disponibiliza, gratuitamente, oficinas e apresentações artísticas, com especial atenção
às artes visuais, além de capacitações em arte-educação e em regência coral.

Com atuação online e nas cinco macrorregiões do país, a iniciativa faz parte do Programa Funarte
de Toda Gente. Seu objetivo é promover o acesso de crianças, jovens e adultos com algum tipo de
deficiência a atividades artísticas e de arte-educação, além de ampliar a percepção de toda a sociedade
sobre as deficiências.

Para isso, promove diversas atividades: i) a exibição online de performances de artistas; ii) vídeo
podcasts (vodcasts) sobre arte e acessibilidade; iii) uma série de publicações; iv) grandes eventos online
(Encontro Um Novo Olhar em Arte/Educação + Acessibilidade, Congresso Internacional de Música Coral
Infanto-juvenil e Encontro Nacional de Acessibilidade); v) uma série de sete cursos em ambiente virtual,
chamada Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão, destinada a professores do ensino fundamental
— que traz palestras e mesas redondas nas quais especialistas tratam de temas relacionados à arte-
educação inclusiva; vi) ações voltadas ao canto coral, uma das atividades musicais consideradas de
maior capacidade inclusiva, por meio de aulas e oficinas que resgatam ainda o acervo de partituras da
Funarte para coros e o disponibilizam de forma acessível e gratuita; e vii) oficinas de arte para crianças
com deficiência.

Suas atividades promovem a diversidade, incentivam o exercício da arte e da reflexão, trabalham as


habilidades motoras e físicas — e promovem capacidades de percepção, comunicação, expressão,
sensibilidade e formação, além da qualificação de indivíduos para geração de renda e inclusão no
mercado de trabalho.

Por sua atuação nas linhas de ensino, pesquisa e extensão, o projeto é de fundamental importância
para o real fortalecimento dos vínculos sociais dos indivíduos participantes. Suas aulas, oficinas e
cursos contam com professores e artistas com conhecimento comprovado e notoriedade na área, com
o suporte de materiais didáticos de alta qualidade.

Marcelo Jardim
Vice-diretor | diretor artístico
Coordenador geral projeto Um Novo Olhar
Professor Adjunto | Escola de Música da UFRJ

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade

O PROJETO UM NOVO OLHAR objetiva a inclusão das atividades artísticas na vida de crianças, jovens
e adultos com algum tipo de deficiência, através da acessibilidade e da democratização do acesso. No
que diz respeito à formação de professores, dedica-se a auxiliar, a partir de um conjunto de diferentes
iniciativas, a qualificação do ensino das artes numa perspectiva inclusiva e de mediação, acessível para
pessoas com deficiência.

É importante compreender que é através do ensino das artes, seja na educação formal ou não
formal, que temos a ampla possibilidade de desenvolver o gosto pelas artes, a possibilidade de um
desenvolvimento estético e artístico de forma individual e coletiva, a interpretação e a leitura do mundo
através da manifestação artística — e o desejo do direito ao consumo artístico e cultural, dentre tantas
outras potencialidades que o conhecimento em artes e a experiência estética de fruição e/ou criação
nos proporcionam.

As diferentes iniciativas desenvolvidas pelo Projeto Um Novo Olhar compõem uma plataforma de
conteúdos que nos permitirá compreender a complexidade do campo da acessibilidade cultural para
pessoas com deficiência. Todos esses conteúdos vão nos ajudar a avançar na promoção da cidadania
cultural da população brasileira.

A série de cursos oferecidos pelo projeto tem como objetivo oferecer um suporte consistente para a
construção de novos olhares sobre arte, pessoas com deficiência, artistas e novas formas de fazer arte-
educação. A grande diversidade de conteúdos, temas e metodologias aqui oferecidos abarcam desde
a legislação que orienta os direitos das pessoas com deficiência até as diferentes áreas do campo das
artes. Em diálogo com um fazer educativo e artístico acessível, descobriremos um universo composto
de diferentes linguagens e tecnologias que facilitam não apenas a aplicabilidade de instrumentos de
mediação, mas também o compartilhamento de todas a poéticas que a arte — e a vivência da arte — nos
proporcionam.

Patrícia Dorneles
Coordenação Integrada de Ações de Acessibilidade | Projeto Um Novo Olhar
Professora Associada | Departamento Terapia Ocupacional | Faculdade de Medicina UFRJ

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Apresentação da Semana

Neste texto abordaremos o direito de acesso aos bens culturais para todas as pessoas - e a arte
contemporânea como possibilidade de inter-relação entre os públicos e as artes visuais. Abordaremos
os conceitos de “corpo dissidente”, “estética relacional” e “arte útil” a partir das práticas culturais
acessíveis na arte contemporânea. Analisaremos trabalhos e propostas de coletivos de artistas visuais
brasileiros e latino-americanos que abordam a inserção dos públicos como parte da obra. Trabalharemos
com propostas dissidentes e decoloniais realizadas no Brasil e na Colômbia; vamos analisar o impacto
das polêmicas e dos enfrentamentos que essas ações geraram na sociedade. Nosso objetivo é analisar
o papel dos coletivos de artes visuais no contexto contemporâneo, a partir da sua repercussão social e
da sua veiculação nas mídias. Consideramos as ações coletivas de arte contemporânea como espaços
políticos e de reconhecimento dos grupos sociais excluídos, a partir das abordagens dissidentes.

Robson Xavier
Docente/Investigador do Deptº de Artes Visuais e dos PPGs Artes Visuais
e Arquitetura e Urbanismo da UFPB
Professor do Curso de Artes Visuais+Educação+Acessibilidade+Decolonialismo do Projeto Um Novo Olhar

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

METAS DESTE MÓDULO

Neste módulo do curso problematizamos práticas estéticas relacionais, arte útil e arte contemporânea
brasileira, a partir da sua relação com a acessibilidade cultural. Analisamos como algumas propostas
de artistas contemporâneos brasileiros podem promover acessibilidade cultural para todos, todas e
todes. Abordaremos os aspectos educativos e inclusivos de propostas de arte contemporânea brasileira
como referências para práticas educacionais inclusivas e acessíveis.

Nossas metas são:

• Apresentar os conceitos de arte relacional e arte útil;


• Analisar o papel de educadores e educadoras como “artivistas”;
• Conhecer ações de coletivos de artistas brasileiros e latino-americanos.

OBJETIVOS

Ao final deste módulo, você será capaz de:

• Conhecer propostas de arte contemporânea brasileira acessível e inclusiva;


• Analisar ações de coletivos de artistas;
• Utilizar abordagens da arte contemporânea brasileira como base para elaborar propostas
artísticas e/ou educativas em artes visuais.

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Introdução

No terceiro módulo do curso ARTES VISUAIS, ACESSIBILIDADE CULTURAL E DECOLONIALISMO,


abordamos o acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano;
partimos do direito constitucional do acesso à arte e à cultura para discutir de que maneiras algumas
propostas da arte contemporânea brasileira podem ser veículos para a promoção da acessibilidade
cultural e para o empoderamento das classes sociais invisibilizadas.

Neste curso pretendemos fomentar as práticas de libertação propostas por Paulo Freire, a partir do
enfrentamento da “cultura do silêncio”, provocada pela opressão das classes dominantes sobre as
demais, o que promove o silenciamento da diversidade cultural e a hierarquia entre culturas.

Há, portanto, uma relação necessária entre dependência e cultura do silêncio. Ser silencioso não é não
ter uma palavra autêntica, mas seguir as prescrições daqueles que falam e impõem suas palavras (...).
Assim, para compreender a cultura do silêncio, é necessário primeiro fazer uma análise da dependência
como fenômeno relacional que dá origem a diferentes formas de ser, de pensar, de expressar-se:
as da cultura do silêncio e as da cultura que tem uma palavra (...). A sociedade dependente é, por
definição, uma sociedade silenciosa. Sua voz não é uma voz autêntica, mas um simples eco da voz
da metrópole (...). O silêncio da sociedade objeto, em relação à sociedade dirigente, repete-se nas
relações que se estabelecem no seio da própria sociedade -objeto. (Freire, 1980, p. 74 — 76).

Para Paulo Freire, a educação é um ato político; seu vínculo com a realidade e o contexto dos envolvidos
no processo é orgânico e reflete os enfrentamentos necessários para que todas as pessoas tenham
direito a vez e voz. O que dizer em relação à arte e à cultura? Primas-irmãs da educação, as duas áreas
se configuram como campos de luta política e de lugares de luta para todas as pessoas, com ou sem
deficiência.

As práticas de silenciamento cultural ainda presentes no contexto brasileiro do século XXI permeiam
hierarquias entre saberes, lugares específicos de falas, escolas para ricos e pobres, cultura erudita x
cultura popular, acessos diferenciados aos espaços culturais e de formação. As produções artísticas
dominantes são vistas como produtos para a elite; o que resta para a maioria da população brasileira
são as produções populares, vistas e tratadas como cultura de segunda classe.

Pensar acessibilidade cultural para as artes visuais é pensar na democratização do acesso irrestrito
à produção cultural visual brasileira, sem hierarquias e tipologias excludentes. É preciso encontrar e
trabalhar com as fissuras, com as brechas, para que produções visuais oriundas das diversas culturas
que formam o Brasil sejam contempladas e inseridas nos circuitos e nos currículos.

(...) o educador não deve procurar reproduzir a si mesmo no educando, não deve propor a si mesmo
como modelo, mas reconhecer e respeitar a diferença do educando. A ausência desse reconhecimento
está na raiz de toda a violência que é sempre perpetrada em nome da educação. Se queremos falar
do professor como profeta, podemos entendê-lo como aquele que dá a palavra à infância, que se faz
intérprete da infância junto ao mundo dos adultos, que representa a sua diferença e pede para ela o
respeito devido. (Vigilante, 2014, p. 187).

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Lemos o mundo a partir da nossa própria existência - mediado por imagens, palavras e sons. Esses
filtros influem nas relações que estabelecemos entre nós, com o meio e com as demais pessoas - e
também com nossas maneiras de aproximação das diversas formas de conhecimento (epistemologias).

Breve histórico dos paradigmas da acessibilidade e da inclusão

A longa história da construção do paradigma da inclusão remete à divisão de quatro paradigmas


proposta por Sassaki (2012): a) Exclusão (rejeição social); b) Institucionalização (segregação); c)
Integração (modelo médico da deficiência); e d) Inclusão.

No século XXI foram suplantados os modelos anteriores, que vamos conhecer agora. O primeiro
modelo, conhecido como “exclusão” e que perdurou até o início do século XIX, remete à demonização
das pessoas com deficiência - que, na Antiguidade, chegaram a ser classificadas como “espíritos maus”
ou “impuros” e fadadas ao extermínio.

O modelo da “institucionalização” começou a ser adotado no século XIX e perdurou até o século XX
- com evidências de prisões, asilos e hospitais psiquiátricos focados na segregação e nos modelos
médicos e sanitários, onde as pessoas com deficiência eram tratadas como “doentes” e “marginais”,
dentro de uma visão, na melhor das hipóteses, assistencialista; foi nesse período que surgiu a chamada
“educação especial”, que separava as crianças e jovens com deficiência das ditas “normais”.

O paradigma da “integração” surgiu na década de 1940, inspirado na Declaração Universal dos Direitos
Humanos de 1948. Nessa época surgiram também muitas associações e ONGs para apoio e educação
de pessoas com deficiência, que levaram à criação de redes internacionais de assistência. Houve então
o movimento de inserção das crianças e jovens com deficiência, após ou durante o acompanhamento
educacional e de saúde nas escolas regulares. Foram os primeiros movimentos em direção ao
questionamento da segregação educacional. No entanto, segundo esse paradigma, a pessoa com
deficiência deveria se adequar ao contexto das pessoas “normais”.

O paradigma da “inclusão” eclodiu na segunda metade do século XX, a partir de reflexões de intelectuais
e educadores norte-americanos e ingleses, na defesa do ensino integral, inclusivo e em condições de
igualdade para todas as pessoas. A Declaração de Salamanca, de 1994, foi um marco legal internacional
que definiu políticas e ações — e que estabeleceu o princípio fundamental da escola inclusiva.

A legislação brasileira no campo cultural e da acessibilidade é considerada uma das mais avançadas
do mundo, por garantir o direito à arte e à cultura para todos os cidadãos e cidadãs; no entanto, a
aplicação da lei nem sempre atende àquilo a que se propõe. Existe um hiato enorme entre a garantia na
lei a as práticas de acessibilidade cultural no país.

Assegurar a acessibilidade no campo cultural e educacional é dever e obrigação social; não podemos
mais permitir nenhuma forma de discriminação, segregação ou preconceito em relação às pessoas
com deficiência, pessoas que têm o direito legal de ter seus lugares de fala garantidos, assim como
os espaços de formação e de trabalho, em todas as esferas da sociedade. O mundo globalizado,
mediado pelas tecnologias de informação, de comunicação e pelas mídias, oferece possibilidades

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

de inserção de mão-de-obra e de atuação de pessoas com deficiência como protagonistas da sua


própria história.

Desde o período colonial, por ordem do Imperador Pedro II, o Brasil contou com o Imperial Instituto
dos Meninos Cegos, de 1854 (atual Instituto dos Cegos Benjamin Constant), e o Imperial Instituto dos
Surdos-Mudos, de 1857 (atual Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES), no Rio de Janeiro. No
início, ambas as instituições aplicavam o paradigma da segregação; recebiam crianças e jovens com
deficiência para reabilitação.

Em 1948, Helena Antipoff fundou a Sociedade Pestalozzi do Brasil; a Associação de Assistência à


Criança Defeituosa (AACD) foi criada em 1950; a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE)
foi fundada em 1954. Todas essas associações, ainda em plena atividade, foram marcadas, no período
de sua fundação, pelas pressões do Estado Novo (1945-1964).

O período entre 1957 e 1993 foi caracterizado pela era do assistencialismo do governo federal, pelas
campanhas nacionais no campo educacional e pela promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira, LDB 4.024/61, que instituiu:

Art. 88. A educação de excepcionais deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral de
educação, a fim de integrá-los na comunidade.
Art. 89. Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e
relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento especial, mediante
bolsas de estudo, empréstimos e subvenções (BRASIL, 1961, p. 15).

Até a década de 1970 predominaram o assistencialismo, a segregação e a falta de protagonismo das


pessoas com deficiência no Brasil; o período também foi marcado pela ditadura militar (1964 -1985).
No entanto, foi nesse período que surgiu o movimento internacional das pessoas com deficiência, cujo
lema - “Nada sobre nós sem nós” - era fundamentado na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A Constituição Federal do Brasil de 1988 garante, em seus artigos 208 e 215:

Artigo 208. O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de: "atendimento
educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino”.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das
de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes
segmentos étnicos nacionais.
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento
cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 48, de 2005)
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de
2005);

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II produção, promoção e difusão de bens culturais (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de
2005);
III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões (Incluído pela
Emenda Constitucional nº 48, de 2005);
IV democratização do acesso aos bens de cultura (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005);
V valorização da diversidade étnica e regional (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
(BRASIL, 1988, s/p).

A educação inclusiva para pessoas com deficiência foi inserida na constituição Federal de 1988 e no
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069/90, que instituiu no Art. 54, inciso III: Atendimento
Educacional Especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”
(BRASIL, 1990, p. 13). Estas são garantias legais para a inclusão das pessoas com deficiência no país.

Nos anos 2000, com o avanço do movimento das pessoas com deficiência em todo o mundo, foi promulgada
a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 - a Lei Brasileira para Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa
com Deficiência) —, que determina, no CAPÍTULO II — DA IGUALDADE E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO:

Art. 4º - Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas
e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão,
por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento
ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa
de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
§ 2º A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa.

Art. 5º A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.
Parágrafo único. Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados
especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso com deficiência.

Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade,
à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à
habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao
lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito,
à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de
outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico (BRASIL, 1990).

As artes visuais, como área de conhecimento inserida na cultura brasileira e como parte da diversidade
cultural do país, devem estar presentes e ser estimuladas na vida de todas as pessoas, que têm o direito de
usufruir de arte de qualidade, como expectadores e também como autores. A aproximação e a expansão
do trabalho com a produção visual, por meio da utilização dos recursos tradicionais e digitais, permite que
as pessoas com deficiência encontrem novos espaços de expressão, em que possam tornar-se autoras e
autores de sua construção cultural.

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

O estímulo ao trabalho com artes visuais nas escolas, ONGs, instituições culturais, associações,
cooperativas e demais espaços de organização social, é fundamental para que os diferentes grupos
sociais encontrem novas maneiras de expressão e possibilidades de enfrentamentos e posicionamentos
políticos, de modo que possam auxiliar na reflexão e na inserção das pessoas com deficiência em espaços
até então hegemônicos e excludentes.

1. Arte contemporânea como questão social

Segundo a performer Estela Lapponi, o rótulo “arte inclusiva” segrega; a arte deve ser singular,
independente de gênero, religião, etnia, deficiência ou condição social. A arte é criada na singularidade
das vivências e experiências pessoais e coletivas. Não interessa se o artista tem ou não deficiência
- que é uma característica da pessoa, mas não a define. A arte inclusiva segrega, já que a inclusão
corresponde a um movimento unilateral, autoritário e colonialista. No seu manifesto anti-inclusão, a
artista afirmou:

Manifesto Anti-Inclusão parte_1

A Inclusão propõe hierarquia de capacidades.


A Inclusão é incapaz de ver e enxergar.
A Inclusão é incapaz de ouvir e escutar.
A Inclusão é simplesmente incapaz.
A Inclusão pressupõe passividade.
A Inclusão não interage.
A inclusão causa pena
A inclusão é unilateral
A inclusão exclui
A inclusão isola

Manifesto Anti-Inclusão parte_2


Colaboração de Lenira Rengel

Arte é conhecimento
Arte é habilidade
Arte é construção
Arte é diálogo
Arte é investigação
Arte é Ação
Arte é troca
Arte é liberdade
Arte é criação
Arte é expressão
Arte tem de toda pessoa
A inclusão quer te normatizar
A inclusão quer te excepcionalizar

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Fundamentação: O acesso à produção, à divulgação e ao consumo dos bens culturais como direito humano
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

A inclusão quer te paralisar


A inclusão quer te desconsiderar
A inclusão quer te desincorporar
A inclusão quer te ignorar
A inclusão quer te especificar
A inclusão quer te deixar só!

Arte e Inclusão estão na contramão!


O significado das palavras vai além de sua semântica
Trazem em seu traçado gráfico e sonoro pesos e levezas históricas e arraigadas às mais diversas
sociopoliticoculturas
O que quero propor aqui é que R-E-P-E-N-S-E-M-O-S
Sobre o significado e a significância que carregam as palavras Arte Inclusiva. (Lapponi, 2012, s/p).

A potência da arte ajuda a descortinar os preconceitos sobre as deficiências e pode estimular o contato
com nossos preconceitos. Na arte contemporânea, arte e vida caminham juntas; as experimentações
espaciais possibilitam a presença e a inserção dos corpos, mas que corpos são esses? Para Lapponi
(2018), o corpo que intitulamos dissidente por ser o “corpo intruso”, que é tudo o que não está convidado,
está fora de contexto, não nos damos conta, te tira do centro, desarticula o cotidiano, causa atração
e temor, é feio, é frágil, é estranho, no entanto pode ser engraçado, gracioso e ter certo humor e te
pertence.

Se o corpo da pessoa com deficiência é um corpo intruso ou dissidente, temos de refletir sobre o
fato de que todos os corpos, em algum momento, foram ou são dissidentes/intrusos em determinado
contexto. O fato é que não queremos pensar um lugar específico de fala para artistas com deficiência,
e sim para artistas — que, por acaso, podem ser pessoas com deficiência. Precisamos pensar o lugar
de fala do ponto de vista da inserção das pessoas a partir de suas competências, de seus direitos e de
suas potências.

Isso nos leva a dois conceitos centrais para este curso: “estética relacional” e “arte útil”. Ambos se
referem a práticas da arte contemporânea que abordam relações sociais e produção artística. Para
pensar essas práticas, cabe inserir aquilo que Agamben trabalhou como “profanação” (termo oriundo
da esfera da religião), ao pensar sobre os “dispositivos” a partir de Foucault, que os definiu como o que
regulariza e regula as práticas sociais, “o que nomeia aquilo em que, e por meio do qual, se realiza uma
pura atividade de governo, sem nenhum fundamento no ser (...) por isso, os dispositivos devem sempre
implicar um processo de subjetivação” (Agamben, 2009, p. 38), isto é, devem produzir o sujeito.

Temos, assim, duas grandes classes, os seres viventes (ou as substâncias) e os dispositivos. E entre
os dois, como terceiro, os sujeitos. Chamo sujeito o que resulta da relação e, por assim dizer, do
corpo a corpo entre os viventes e os dispositivos. Naturalmente as substâncias e os sujeitos, como
na velha metafísica, parecem sobrepor-se, mas não completamente. Neste sentido, por exemplo, um
mesmo indivíduo, uma mesma substância, pode ser o lugar dos múltiplos processos de subjetivação:
o usuário de telefones celulares, o navegador na internet, o escritor de contos, o apaixonado por
tango, o não-global, etc. (Agamben, 2009, p. 41).

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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

A estética relacional refere-se ao termo cunhado por Nicolas Bourriaud, ao se referir às práticas artísticas
da arte contemporânea e à inserção do espectador no âmago das obras. Para além da lógica do signo,
proposta pela arte moderna, a produção da arte contemporânea pede a presença e a participação do
espectador, como parte integrante do trabalho. As relações são estabelecidas por cada artista, ao abrir
sua obra para a construção coletiva e interativa, possibilitando o mergulho multissensorial.

A arte relacional abrange propostas construídas coletivamente - e que agreguem novos públicos como
parte da sua construção. A arte contemporânea estabelece relações com o mundo e com as pessoas
ao propor um jogo, uma negociação, entre arte e vida. Os trabalhos dialogam com as condições sociais
das pessoas e com as práticas relacionais que produzem novas relações no mundo e com o mundo.

Nós, pelo contrário, julgamos que a forma só assume sua consistência (e adquire uma existência real)
quando coloca em jogo interações humanas; a forma de uma obra de arte nasce de uma negociação
com o inteligível que nos coube. Através dela, o artista inicia um diálogo. A essência da prática artística
residiria, assim, na invenção de relações entre sujeitos; cada obra de arte particular seria a proposta
de habitar um mundo em comum, enquanto o trabalho de cada artista comporia um feixe de relações
com o mundo, que geraria outras relações, e assim por diante, até o infinito. (Bourriaud, 2009, p.10).

A arte contemporânea se estabelece a partir das relações entre suas práticas e a realidade das
pessoas envolvidas, estipulando redes de relações. As obras inventam e são inventadas a partir das
ações coletivas humanas. Os públicos são agora co-criadores das obras; a sociabilidade é inventada a
partir do contato; as ações do cotidiano tornam-se práticas estéticas e artísticas; atos comuns, como
reuniões, encontros, manifestações, caminhadas, jogos, festas, e ações colaborativas podem tornar-
se produções da arte contemporânea. O deslocamento formal e espacial do campo dos museus, das
galerias e dos objetos para a rua, as ações coletivas, as intervenções urbanas etc., inserindo a arte no
campo ampliado, tudo isso passou a abranger práticas coletivas de produção, circulação e consumo da
arte. (Bourriaud, 2009).

Ações até então impensáveis para o campo da arte foram incorporadas como práticas artísticas
contemporâneas. A obra de arte não é apresentada pronta, para o público simplesmente apreciar; ela
se constrói em parceria, em diálogo, assimilando conflitos e negociações, refletindo os problemas e
as necessidades dos diversos grupos de pessoas, a partir das vivências in loco em que as obras são
construídas. A efemeridade passou a ser um elemento aceitável e presente. Propostas de intervenções
em tempo real envolvendo o processo como práxis tornaram-se caminhos possíveis para a produção
comprometida com a vida, ao darem voz e vez para que todas as pessoas participem da construção
conceitual e física das obras e se coloquem no lugar de co-autoras. Nessa abordagem os processos são
horizontais, não estabelecem hierarquias rígidas entre o artista e seu público.

Assim, a partir de um mesmo conjunto de práticas, vemos surgir duas problemáticas totalmente
diversas: ontem, a insistência sobre as relações internas do mundo artístico, numa cultura modernista
que privilegiava o "novo" e convidava à subversão pela linguagem; hoje, a ênfase sobre as relações
externas numa cultura eclética, na qual a obra de arte resiste ao rolo compressor da "sociedade do
espetáculo". As utopias sociais e a esperança revolucionária deram lugar a micro-utopias cotidianas
e a estratégias miméticas: qualquer posição crítica "direta" contra a sociedade é inútil, se baseada
na ilusão de uma marginalidade hoje impossível, até mesmo reacionária. (Bourriaud, 2009, p. 15-16).

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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

O questionamento sobre o lugar do corpo dissidente na arte contemporânea e sobre a arte relacional nos
leva ao conceito de “arte útil”, elaborado pela artista Tânia Bruguera, conceito este que tem relação com
a participação intrínseca das pessoas na construção de uma arte viva, que vá além da proposição, para a
aplicação na realidade. É a arte que se torna parte da realidade cotidiana, propõe soluções para os problemas
concretos, investe nas pessoas e em suas necessidades, busca transformar o mundo em algo melhor.

As propostas da arte útil devem prever sua continuidade no longo prazo, pensar na sua manutenção
como benefício concreto para as comunidades e grupos sociais. Uma vez implantado coletivamente, o
projeto passa a ser autônomo em relação ao artista propositor; pode ter continuidade a partir da ação
coletiva e comunitária. Longe da perspectiva do consumo e do mercado, a arte útil tem compromisso
com a vida e com o ser, com a transformação da realidade das pessoas.

Portanto, os limites de um projeto de Arte Útil são determinados pelo relacionamento com as pessoas
para as quais ele é feito e pelas transformações das condições em que cada trabalho é realizado. O
momento perfeito aparece quando o projeto já está em movimento, quando as pessoas para as quais
ele foi feito o entendem, quando eles o desapropriam do artista e o tomam para si. Arte Útil intervém
na vida das pessoas e é esperado que se torne parte dela. (Bruguera, 2012, p. s/p).

Os artistas e as artistas da Arte Útil devem ter compromisso com as diferentes realidades das pessoas,
acreditar na capacidade de mudança que a arte proporciona; seu compromisso é com a formação,
com a negociação, com a construção de novos comportamentos, atitudes e estruturas para melhorar
a vida das comunidades. A ação/reflexão/ação proposta por Paulo Freire para a educação de jovens
e adultos pode ser aplicada nesse caso; a Arte Útil deve levar as pessoas a tomarem consciência da
sua realidade, a refletir sobre qual é o seu papel e sobre como poderiam propor modificações, ajustes
e partir para a ação transformadora, tornando-se mediadoras e mediadores da construção dos seus
próprios saberes, pela continuidade da sua cultura e arte.

A partir do manifesto da anti-inclusão, dos conceitos de corpo dissidente, de arte relacional e de arte
útil, apresentaremos experiências de artistas brasileiros e coletivos de artistas que têm trabalhado
com a interação e com a construção coletiva em arte contemporânea.

2. Coletivos e produções dissidentes na arte contemporânea

Entre as expressões da arte contemporânea, a intervenção urbana é uma das mais potentes formas
de visibilidade social. Os coletivos de arte ou de artistas são uma das práticas da arte urbana que
partem de grupos de artistas autônomos com autoria compartilhada, produzindo ações e intervenções
urbanas, em geral de cunho político, abordando questões de gênero e étnicas.

Os coletivos são fenômenos culturais organizados por jovens artistas e ativistas em todo o mundo, que
se organizam para combater, resistir e lutar pelos direitos humanos e civis, pelas políticas públicas
equitativas e pelas condições sociais e espaços para produção artística.

Apropriar-se ludicamente da cidade e do seu valor de uso remete a diversas experiências artísticas,
como as derivas situacionistas, as performances de grupos contraculturais como Diggers, Bread &

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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Puppet Theater, Provos e Yippies, e tantas outras práticas coletivas que apresentaremos a seguir.
Eventos de rua são rituais de libertação, escreveram os Diggers em 1968. É a recuperação de um
território através do espírito, da luta que considera que “a resistência é o segredo da alegria” — para
lembrar de uma consagrada frase ativista — e que transforma a estética da vida cotidiana em criação
política. Este sentimento de engajamento social impulsiona os coletivos de arte para o encontro
com o ativismo, proporcionando a criação de táticas e intervenções que se colocam em oposição a
normas, regras e poderes. (Mesquita, 2011, p. 44).

Utilizando mídias sociais não hegemônicas e os recursos das redes sociais na internet, esses coletivos
conseguem mobilizar a opinião pública e reunir adeptos para seus projetos e proposições criativas.
Agentes ativos ou artivistas, esses grupos questionam o status da arte hegemônica e abrem frestas
no sistema da arte, propondo intervenções urbanas, possibilitando aos jovens artistas - e àqueles e
àquelas não inseridos no sistema - espaços para expressão e diálogo com os públicos.

(...) refiro-me à arte urbana como manifestação cultural de origem periférica que encontra nas ruas
das cidades o suporte para sua criação, como é o caso da linguagem estética do grafite, do picho
(ou pixo), do estêncil, do sticker ou das aplicações de lambe-lambe. Entre esses diferentes estilos,
predomina o caráter marginal, de contracultura e contravenção, mas isso não é regra. Os conteúdos
variam. Trazem ilustrações de traço realista, mensagens políticas de afronta ao sistema econômico
capitalista, rechaçam padrões culturais machistas, misóginos, homofóbicos, transfóbicos, racistas,
pregando a luta por igualdades. (MITTMANN, 2016, s/p).

No contexto da arte contemporânea latino-americana e a partir das ações e propostas coletivas


e relacionais, destacaremos neste módulo do curso dois coletivos de artistas atuantes no Brasil e
um na Colômbia. Os três grupos trabalham com artivismo político, enfrentamento da opressão e do
silenciamento de grupos sociais marginalizados, com foco no racismo, no feminismo e na ditadura
militar.

2.1 Frente 3 de Fevereiro — atua desde 2004 — São Paulo/SP — Brasil

Grupo transdisciplinar de pesquisa e ações contra o racismo no Brasil, com atuação em São Paulo
desde 2004; utiliza performance, artes visuais, dança, teatro, poesia, audiovisual, aulas e debates; com
ações contra-hegemônicas e decoloniais, pesquisa e discute o racismo estrutural no país.

Uma das práticas do coletivo é a produção e o uso de bandeiras com frases de denúncia sobre o racismo,
expostas nas áreas urbanas das cidades, como a frase “Onde estão os negros?”. Essas bandeiras fazem parte
das ações performáticas do coletivo, que são gravadas e disponibilizadas em forma de registros audiovisuais.
Perseguido e silenciado ao longo da sua atuação, o coletivo teve inclusive seu site retirado do ar.

Site: https://ims.com.br/convida/coletivo-frente-3-de-fevereiro/

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2.2 Mujeres Creando — atua desde 1992 — Bogotá, Colômbia

O coletivo feminista colombiano foi criado em 1992, como enfrentamento político à política promovida
pelo neoliberalismo econômico e social implantada na Colômbia. O grupo questiona o discurso político
neoliberal, machista e misógino, apoiando outros grupos de mulheres e ONGs que batalham pela
igualdade de direitos.

Além de enfrentar o neoliberalismo, o grupo ativista também produz enfrentamentos com a esquerda
boliviana, que ainda considerava as mulheres como mão-de-obra barata, como objeto sexual, como
massa de manobra. Suas ações, além dos confrontos públicos, têm-se mostrado eficazes na luta pelo
reconhecimento das mulheres trabalhadoras no país.

Site: http://mujerescreando.org/

2.3 Aparecidos Políticos — atua desde 2010 — Fortaleza/CE - Brasil

Coletivo de artivistas nordestinos com sede em Fortaleza/CE, composto por seis integrantes;
atua desde 2010, com ações voltadas para as intervenções urbanas de cunho político e para o
enfrentamento do silenciamento em relação aos desaparecidos políticos durante a ditadura militar
brasileira — e também da celebração dos ícones da ditadura como heróis nacionais.

Suas ações contundentes contra o apagamento e o silenciamento dos nomes dos desaparecidos
políticos brasileiros têm relação com a guerrilha urbana. Um dos seus trabalhos é o “minimanual de
arte guerrilha urbana”, onde apresentam reflexões e técnicas de como realizar intervenções urbanas
como enfrentamento político.

Ações como rebatizar ruas, avenidas, bairros e instituições com novos nomes; fixação de lambes e
stêncils com fotos de desaparecidos políticos em Fortaleza e em outras cidades nordestinas; criação
do espaço “aparelho”, da Zuada Rádio Livre FM e de uma cerveja artesanal; e organização de diversas
exposições em todo o país. Seus projetos receberam várias premiações em salões e editais de arte
contemporânea pelo Brasil afora; o coletivo foi contemplado, inclusive, com dois editais da Fundação
Nacional de Artes (Funarte).

Site: http://www.aparecidospoliticos.com.br/

Considerações Finais

Considere que a arte ativista não significa apenas arte política, mas um compromisso de engajamento
direto com as forças de uma produção não mediada pelos mecanismos oficiais de representação.
Esta não-mediação também compreende a construção de circuitos coletivos de troca e de
compartilhamento, abertos à participação social. E que, inevitavelmente, entram em confronto com
os diferentes vetores das forças repressivas do capitalismo global e de seu sistema complexo de
relações entre governos e corporações: a reorganização espacial das grandes cidades, o monopólio

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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

da mídia e do entretenimento por grupos poderosos, redes de influência, complexo industrial-militar,


ordens religiosas, instituições culturais e educacionais etc. (Mesquita, 2011, p. 15 — 16).

Diante de tudo que discutimos neste módulo do curso, buscamos despertar nos alunos e alunas o desejo
de ação, de enfrentamento, de coletividade e de expansão por meio das artes visuais. Seja em que
campo de atuação for, o importante é que não deixemos adormecidas nossas práticas de indignação
diante das injustiças e imposições sociais. A educação e a arte são espaços políticos por natureza.

Que todas as pessoas exerçam seu direito constitucional de acesso à arte e à cultura; que possamos
pensar em um Brasil que respeite a diversidade cultural, de gênero, de credo e étnica; que a acessibilidade
cultural chegue a todas as pessoas, em todos os municípios brasileiros. Que as artes visuais estejam
comprometidas com a transformação social, com a formação do caráter, com a humanização e com a
melhoria das condições de vida da população.

Que todos nós possamos pensar e atuar como artivistas a partir do nosso lugar de fala, de atuação,
de compromisso - e que não aceitemos sem questionamento os conhecimentos prontos e impostos,
acreditando que todas as pessoas sabem; que o respeito às diversas culturas brasileiras seja o mote
para a ação/reflexão/ação pregada por Paulo Freire e ainda em implantação na educação brasileira.
Abaixo todo e qualquer silenciamento!

Referências e indicações bibliográficas

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? e outros ensaios. Trad. Vinícius Nicastro Honesko.
Chapecó/SC: Argos, 2009.
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Pedagogias da libertação: estudos sobre Freire, Boal, Capitini & Dolci. Trad. William Soares dos Santos.
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www.https://www.umnovoolhar.art.br/
CURSO ARTES VISUAIS + EDUCAÇÃO +
ACESSIBILIDADE + DECOLONIALISMO

1 Introdução à História do Ensino das Artes Visuais


no Brasil + Acessibilidade

2 Frequentação: Formação de Públicos para as Artes

3 O Acesso à Produção, Divulgação e Consumo dos Bens


Culturais como Direito Humano

4 Experiência: Artes Visuais para Além das Instituições


Culturais. Da Casa para os Espaços Públicos

5 Laboratório: Os Espaços de Criação e Os Meios no


Campo Ampliado

6 O/A Estudante como Protagonista. A Produção Visual


como Desafio e Processo

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