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Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Educação inclusiva: um
processo coletivo de toda
a comunidade escolar
Introdução a Arte/Educação,
Tecnologia Assistiva e Deficiência

Thelma Sydenstricker Alvares


e José Antônio Borges

Apoio: Realização:
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Presidente da República
Jair Messias Bolsonaro

Ministro do Turismo
Marcelo Álvaro Antônio

Secretaria Especial de Cultura (SECULT)


Mario Luís Frias

Fundação Nacional de Artes | Funarte

Presidente Luciano da Silva Barbosa Querido

Diretor Executivo Jefferson da Fonseca Coutinho

Procuradoria Jurídica Renata Renault

Diretor do Centro de Artes Visuais Leila Regina Pereira dos Santos

Coordenação de Comunicação Marcelo Mavignier

Universidade Federal do Rio de Janeiro | UFRJ

Reitora Denise Pires de Carvalho

Vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha

Centro de Letras e Artes Cristina Tranjan

Fundação José Bonifácio | FUJB

Presidente Kleber Fossati Figueiredo

Secretário Geral Helios Malebranche

Centro de Letras e Artes Helena Ibiapina

Escola de Música da UFRJ

Diretor Ronal Xavier Silveira

Vice-diretor | Diretor Adjunto do Setor Artístico Marcelo Jardim

Diretora Adjunta de Ensino de Graduação David Alves

Diretor Adjunto dos Cursos de Extensão Maria José Di Cavalcanti

Coordenador do Mestrado Profissional em Música Aloysio Fagerlande

Coordenador de Pós-Graduação - PPGM João Vidal

2020, Universidade Federal do Rio de Janeiro


Centro de Letras e Artes | Escola de Música
Laboratório do Centro de Estudos Orquestrais
Editora Escola de Música | Selo UFRJ Música
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Educação inclusiva: um
processo coletivo de toda
a comunidade escolar
Introdução a Arte/Educação,
Tecnologia Assistiva e Deficiência

Thelma Sydenstricker Alvares


e José Antônio Borges

Apoio: Realização:
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

PROJETOS UFRJ-FUNARTE

Coordenação geral: Marcelo Jardim


Coordenação de comunicação: Gustavo Mendicino
Coordenação de produção: Vanessa Rocha
Administrativo: Aliciandra Amaral e Tânia Oliveira
Publicidade: Fabiana Rosa
Marketing digital: Gustavo Kremser
Direção de arte: Márcio Massieri
Coordenação do Núcleo de Mídias Digitais (NuMiDi): Kátia Maciel
Imprensa: Henrique Koifman
Assistente de imprensa: Creuza Gravina
Produção de conteúdo para redes sociais: João Pedro Maciel e Rogério Carneiro Leão
Revisão de texto: Maurette Brandt
Diagramação: Renata Arouca
Fotografia e vídeo: Nadejda Costa, Raffaella Bompiani e Walda Marques
Design gráfico: André Flauzino e Isabelle Barreto
Web design: Marlus Araujo, Wesley Lima, Caio Freitas e Renan Lima

PROJETO UM NOVO OLHAR

Coordenação: Marcelo Jardim


Coordenação de ações de acessibilidade: Patrícia Dorneles
Gerência de produção: Lanuzza de Lima
Assistência de produção: Luiza Santos
Assessoria técnica do curso “Arte/Educação+Acessibilidade+Inclusão”: Thelma Sydenstricker Alvares,
Angélica Fonseca da Silva Dias e José Antônio dos Santos Borges
Consultoria DIRAC/UFRJ: Amélia Rosauro e Cláudia Fátima Morais Martins
Tradução para Libras: Gabriel Sampaio e Marcos Arantes
Coordenação de ações de canto coral: Maria José Chevitarese
Editoração de partituras e edição de vídeos de canto coral: Cadu Barcelos
Vocal dos vídeos de canto coral: Carolina Morel e Sarah Garcia Salotto
Piano dos vídeos de canto coral: Hector Coutinho
Edição e finalização de vídeos: Alberto Moura, Eduardo Martino, Giuliano Gerbasi e Márcio Massiere

Editor chefe (coordenação): Giulio Draghi


Editor associado (coordenação adjunta): João Vidal
Subcomissão para produtos didáticos, bibliográficos, fonográficos e audiovisuais
Marcelo Jardim (presidente); André Cardoso, Maria José Chevitarese, Aloysio Fagerlande, Eduardo Monteiro das Neves e
Leandro Soares (membros da coordenação setorial)

2 Educação inclusiva: um processo coletivo de toda a comunidade escolar


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Projeto Um Novo Olhar

O PROJETO UM NOVO OLHAR é uma parceria entre a Fundação Nacional de Artes – Funarte e a Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, por meio da Escola de Música da Universidade, que desenvolve
e disponibiliza, gratuitamente, oficinas e apresentações artísticas, com especial atenção às artes vi-
suais, além de capacitações em arte-educação e em regência coral.

Com atuação online e nas cinco macrorregiões do país, a iniciativa faz parte do Programa Funarte de
Toda Gente. Seu objetivo é promover o acesso de crianças, jovens e adultos com algum tipo de defi-
ciência a atividades artísticas e de arte-educação, além de ampliar a percepção de toda a sociedade
sobre as deficiências.

Para isso, promove diversas atividades: i) a exibição online de performances de artistas; ii) vídeo podcasts
(vodcasts) sobre arte e acessibilidade; iii) uma série de publicações; iv) grandes eventos online (Encontro
Um Novo Olhar em Arte/Educação + Acessibilidade, Congresso Internacional de Música Coral Infanto-ju-
venil e Encontro Nacional de Acessibilidade); v) uma série de sete cursos em ambiente virtual, chamada
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão, destinada a professores do ensino fundamental - que traz
palestras e mesas redondas nas quais especialistas tratam de temas relacionados à arte-educação inclu-
siva; vi) ações voltadas ao canto coral, uma das atividades musicais consideradas de maior capacidade
inclusiva, por meio de aulas e oficinas que resgatam ainda o acervo de partituras da Funarte para coros e
o disponibilizam de forma acessível e gratuita; e vii) oficinas de arte para crianças com deficiência.

Suas atividades promovem a diversidade, incentivam o exercício da arte e da reflexão, trabalham as


habilidades motoras e físicas - e promovem capacidades de percepção, comunicação, expressão, sen-
sibilidade e formação, além da qualificação de indivíduos para geração de renda e inclusão no mercado
de trabalho.

Por sua atuação nas linhas de ensino, pesquisa e extensão, o projeto é de fundamental importância
para o real fortalecimento dos vínculos sociais dos indivíduos participantes. Suas aulas, oficinas e cur-
sos contam com professores e artistas com conhecimento comprovado e notoriedade na área, com o
suporte de materiais didáticos de alta qualidade.

Marcelo Jardim
Vice-diretor | diretor artístico
Coordenador geral projeto Um Novo Olhar
Professor Adjunto | Escola de Música da UFRJ
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade

O PROJETO UM NOVO OLHAR objetiva a inclusão das atividades artísticas na vida de crianças, jovens
e adultos com algum tipo de deficiência, através da acessibilidade e da democratização do acesso. No
que diz respeito à formação de professores, dedica-se a auxiliar, a partir de um conjunto de diferentes
iniciativas, a qualificação do ensino das artes numa perspectiva inclusiva e de mediação, acessível para
pessoas com deficiência.

É importante compreender que é através do ensino das artes, seja na educação formal ou não formal,
que temos a ampla possibilidade de desenvolver o gosto pelas artes, a possibilidade de um desenvol-
vimento estético e artístico de forma individual e coletiva, a interpretação e a leitura do mundo através
da manifestação artística - e o desejo do direito ao consumo artístico e cultural, dentre tantas outras
potencialidades que o conhecimento em artes e a experiência estética de fruição e/ou criação nos
proporcionam.

As diferentes iniciativas desenvolvidas pelo Projeto Um Novo Olhar compõem uma plataforma de con-
teúdos que nos permitirá compreender a complexidade do campo da acessibilidade cultural para pes-
soas com deficiência. Todos esses conteúdos vão nos ajudar a avançar na promoção da cidadania cul-
tural da população brasileira.

A série de cursos oferecidos pelo projeto tem como objetivo oferecer um suporte consistente para
a construção de novos olhares sobre arte, pessoas com deficiência, artistas e novas formas de fazer
arte-educação. A grande diversidade de conteúdos, temas e metodologias aqui oferecidos abarcam
desde a legislação que orienta os direitos das pessoas com deficiência até as diferentes áreas do cam-
po das artes. Em diálogo com um fazer educativo e artístico acessível, descobriremos um universo
composto de diferentes linguagens e tecnologias que facilitam não apenas a aplicabilidade de instru-
mentos de mediação, mas também o compartilhamento de todas a poéticas que a arte - e a vivência da
arte - nos proporcionam.

Patrícia Dorneles
Coordenação Integrada de Ações de Acessibilidade | Projeto Um Novo Olhar
Professora Associada | Departamento Terapia Ocupacional | Faculdade de Medicina UFRJ
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Educação inclusiva, arte e tecnologia assistiva

EM NOSSO TRABALHO, deparamo-nos frequentemente com situações desafiadoras. Precisamos nos


reinventar, como profissionais e como pessoas, para dar conta de situações inusitadas em nosso co-
tidiano. Muitas vezes surgem questões que nunca foram abordadas em nossa formação acadêmica,
mas que exigem máxima atenção. Trabalhamos com os mais diferentes tipos de alunos, pessoas que
sempre nos desafiam. Dentre esses, destacamos a pessoa com deficiência, que será o foco de nosso
curso. Como trabalhar com este aluno? Sua deficiência limita realmente sua capacidade de aprender
ou apenas exige novos processos de ensino e de aprendizagem? Como podemos ajudar nossa comuni-
dade escolar a tornar-se genuinamente inclusiva? Quais os recursos e tecnologias que podem facilitar
o processo de inclusão? E quanto às artes? De que maneira a dança, a música, o teatro e as artes visuais
podem não apenas facilitar o desenvolvimento do aluno com deficiência, mas também contribuir com
uma escola que possa ser um espaço de acolhimento e de desenvolvimento humano para todos? Estas
são algumas questões que vamos discutir ao longo do curso.

A tecnologia é algo que nos permite superar nossas limitações. Isto é ainda mais verdadeiro quando
uma pessoa tem uma deficiência; neste caso, existem inúmeros produtos que melhoram sua relação
com o mundo. Há vários produtos que permitem que pessoas cegas possam escrever e ler através de
um computador - e muito fáceis de usar. Há programas que permitem que uma pessoa controle um
computador com a voz ou com os olhos; há alternativas para a produção de objetos em 3D por pessoas
que não têm as mãos. Muitos são artefatos caros, mas também há uma grande variedade de produtos
gratuitos ou de preço irrisório, adequados às situações de maior precariedade socioeconômica ou cul-
tural.

Vamos conhecer alguns artistas com deficiência que nos ensinam que o cadeirante pode dançar, que o
cego pode trabalhar com artes visuais, que pessoas com deficiência intelectual podem atuar em uma
peça de teatro com muita competência, e que o surdo pode fazer música. São histórias que nos como-
vem e inspiram, pois demonstram o imenso potencial da arte e da capacidade humana para superar
barreiras. Desejamos que este curso possa contribuir, de alguma forma, para que os professores pos-
sam desenvolver novos olhares, novos recursos pedagógicos e cultivar ânimo novo em seu cotidiano de
trabalho. Sejam todos bem-vindos!

Thelma Sydenstricker Alvares José Antônio Borges


Professora titular | Escola de música da UFRJ Coordenador do Programa de Pós-Gradução
Assessoria técnica do curso Arte/ em História das Ciências e das Técnicas e
Educação + Acessibilidade + inclusão Epistemologia da UFRJ
Projeto Um Novo Olhar Assessoria técnica do curso Arte
/Educação + Acessibilidade + inclusão
Projeto Um Novo Olhar
Sumário

Projeto Um Novo Olhar.......................................................................................................... 3

Um novo olhar nas políticas públicas de acessibilidade......................................................... 4

Educação inclusiva, arte e tecnologia assistiva..................................................................... 5

Metas....................................................................................................................................7

Objetivos...............................................................................................................................7

Educação Inclusiva: um processo coletivo de toda a comunidade escolar............................. 8

A história da Áurea................................................................................................... 8
A responsabilidade do professor .............................................................................. 9
A inclusão é um trabalho de todos........................................................................... 10
As crianças como protagonistas da inclusão ...........................................................11
A contribuição da tecnologia....................................................................................11
A contribuição das artes.......................................................................................... 12
Equipando a escola e ensinando o professor........................................................... 13

Referências......................................................................................................................... 14
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

METAS

Esta aula inicial trata da contribuição das artes para a educação inclusiva. Você vai conhecer várias
formas de trabalhar as artes com os alunos portadores de deficiência na sala de aula, de modo a inseri-
-los num contexto mais confortável de convivência, aprendizado e cooperação.

Nossas metas são:

• Promover um movimento em seu trabalho, a partir da ideia de que a educação inclusiva é um


processo contínuo - e que envolve toda a comunidade escolar;
• Experimentar distintas atividades artísticas como instrumentos geradores de interações que
promovam a inclusão, tanto em sua sala de aula quanto em sua escola como um todo;
• Experimentar atividades de Arte como instrumentos facilitadores do processo de ensino-apren-
dizagem do aluno com deficiência.

OBJETIVOS

Ao final desta aula, você será capaz de entender que:

• Na educação, o foco do trabalho é na pessoa, e não na deficiência;


• A importância das Artes como forma de expressão da pessoa com deficiência é definitiva;
• A Arte pode facilitar imensamente o processo de ensino e aprendizagem da criança com defi-
ciência e a própria interação dentro da comunidade escolar.
Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Educação Inclusiva: um processo coletivo de toda


a comunidade escolar
Thelma Sydenstricker Alvares e José Antônio Borges

Descrição da imagem: Desenho de grupo de pessoas de diferentes etnias agrupadas em diversas filei-
ras que ocupam toda a imagem. Fim da descrição

A história da Áurea

Vou começar este nosso texto com memórias da minha infância que, certamente, contribuíram para que eu
escolhesse meus caminhos profissionais. Vou contar para vocês a história de Áurea1 , uma querida amiga de
infância. Vivências como a dela nos despertam para o sofrimento de muitas pessoas que nascem diferentes.

A diversidade é uma característica da vida - e os seres humanos apresentam-se em sua essencial e


rica perspectiva de se diferenciarem, de não serem iguais uns aos outros (ou de não serem os outros).
Mas, na prática, a diferença nem sempre é encarada assim... Áurea não tinha nenhuma deficiência. Era
uma menina muito inteligente e talentosa, que adorava correr, pular e rir como qualquer criança. No
entanto, nasceu com uma mancha escura e peluda, que cobria a metade de seu rosto. Algo muito feio,

1 nome fictício

8 Educação inclusiva: um processo coletivo de toda a comunidade escolar


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

mas que nunca interferiu em nossa amizade. Mas o jeito com que as pessoas olhavam para a minha
amiga me deixava muito incomodada. Parecia que só enxergavam a mancha e não percebiam a Áurea.

Gargalhadas nunca faltavam em nossos encontros. Somos amigas desde os 5, 6 anos de idade. Éramos
do mesmo colégio e também estudávamos na mesma escola de música. No entanto, Áurea sofria com
sua diferença. Lembro-me do dia em que estávamos em uma loja ou supermercado; enquanto sua mãe
fazia as compras, nós duas saímos andando, conversando e olhando as coisas ao nosso redor. De re-
pente encontramos outra criança, que olhou para a Áurea e começou a gritar e a chorar desesperada-
mente: “- Um monstro, um monstro!”. Então puxei minha amiga e saímos correndo atrás de um abrigo
seguro: a mãe dela. Dona Letícia2 , como muitas mães de crianças diferentes, desenvolveu uma grande
força interior e sensibilidade para criar sua menina. Ela foi, sem dúvida, a fortaleza que acompanhou
Áurea nas inúmeras cirurgias plásticas invasivas pelas quais passou desde bebê. São mães guerrei-
ras, que lidam frequentemente com situações delicadas - e que exigem atitudes, para que seus filhos
desenvolvam uma boa autoestima e não internalizem a ideia de que são pessoas deficientes. Mesmo
quando o indivíduo tem uma limitação - isto é, quando algo genético, hereditário ou adquirido limita sua
função física, sensorial e/ou intelectual -, isso não o torna um sujeito deficiente. Percebem a diferença?

Pessoas como Áurea, muitas vezes, desenvolvem a percepção de que têm algo errado ou faltando,
como seres humanos. Isso é o reflexo de uma sociedade que não acolhe a diversidade e determina um
molde humano que se torna a referência de beleza, sucesso e, até mesmo, de “normalidade”, pelo qual
julgam a essência de alguém, sem mesmo conhecer a pessoa. Áurea não se encaixava no molde... Mas
será que alguém se encaixa?

Áurea é hoje uma mulher feliz em seu casamento e profissionalmente muito bem-sucedida, mas seu
caminho foi muito difícil, cheio de obstáculos. Na escola de música onde estudávamos, nossa profes-
sora foi criticada por deixar “aquela menina” se apresentar em público. A pessoa que fez esse comen-
tário trabalhava na escola e disse que a Áurea estragava a beleza da apresentação musical. Isso já faz
quase 50 anos... Com atitudes como a de nossa professora, de enfrentar oposição e preconceito, mu-
damos bastante, evoluímos, mas ainda estamos longe de um patamar aceitável ao se trabalhar com a
diversidade humana.

A responsabilidade do professor

Histórias como as de Áurea não podem passar despercebidas por nós, professores. Nossa sala de aula,
os corredores, os pátios escolares e as reuniões com os pais são testemunhas de enredos similares,
mais ou menos evidentes — alguns muito sutis, quase imperceptíveis, mas que, sem dúvida, precisam
de nossa atenção. O preconceito e a discriminação criam muito sofrimento para um grande número de
crianças e famílias. Afinal, temos em nossas mãos uma imensa responsabilidade: a formação humana.
Acredito que você certamente tem alguma história, de sua experiência como professor, que envolva
preconceito ou discriminação para contar. Talvez uma experiência com um aluno com deficiência, de
uma religião determinada, uma criança negra, asiática, imigrante, filha de pais homossexuais ou em
situação de vulnerabilidade social — que requer acolhimento, mas que é tratada com rejeição.

2 nome fictício

Introdução a Arte/Educação, Tecnologia Assistiva e Deficiência 9


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

O preconceito surge em diferentes contextos e faz muitos estragos. Lembro-me da primeira escola em
que estudei no Rio de Janeiro, ao chegar da Bahia. Naquela época eu falava, obviamente, com sota-
que e vocabulário baianos. Na aula de educação física, perguntei ao professor sobre a farda; afinal, na
Bahia, chamamos de farda o uniforme escolar. Em vez de explicar o uso do termo para a turma, o profes-
sor aproveitou para fazer uma piada: “Farda? Por quê? Você vai marchar?”. A turma caiu na gargalhada — e
o estranhamento que as crianças tinham com meu sotaque e com o meu “jeito baiano de ser” se tornou
uma discriminação. Foi o primeiro ano da minha infância em que não recebi convites para ir a uma festa
ou para brincar na casa de alguém: ficava sozinha na escola e perdi, naquele ano, o interesse em estudar.

Conto esse fato apenas para ilustrar a importância da atitude do professor diante de seus alunos. Meu
professor poderia ter dito que eu vinha da Bahia e que lá, como em diferentes regiões do Brasil, en-
contramos palavras diferentes para designar determinadas coisas. Descobrir a riqueza de vocabulário
poderia, inclusive, ter se tornado uma atividade pedagógica interessante, que promoveria a interação
da turma com a aluna “diferente”. Infelizmente, porém, o professor — certamente sem perceber — legi-
timou minha diferença como algo a ser ironizado, rejeitado.

A inclusão é um trabalho de todos

Em nosso curso, vamos abordar apenas uma fatia dessa ampla diversidade para discutir a inclusão
escolar de crianças com deficiência. Um grande desafio, sem dúvida, mas também uma oportunidade
para desenvolver uma cultura escolar que seja solidária, que respeite o outro e que nos liberte de cren-
ças arraigadas, que nos enrijecem e nos tornam cidadãos indiferentes ao sofrimento alheio.

Acredito que a Covid-19 ensinou à humanidade a importância do cuidado com a coletividade. Não
adianta cuidar só de nossa família — ou mesmo cuidar apenas de nosso país. A máscara, a limpeza e o
isolamento social são também formas de cuidar não só da gente, mas também do outro, e assim evitar a
disseminação do vírus. No desenvolvimento da pandemia, ficou evidente a forma como as situações de
vulnerabilidade social facilitam a propagação do vírus e fazem com que ele atinja muito mais pessoas.

Na educação inclusiva, cuidamos da comunidade escolar como um todo — buscando acomodar, dentro
do possível, as diferentes necessidades e peculiaridades de nossos alunos. Nossa meta é: “Se não está
bom para você, não está bom para mim”. Incluir é, antes de tudo, não excluir. Precisamos sair de nossa
zona de conforto e ajudar o colega que está em uma situação delicada, que podemos ajudar a melhorar.
Dessa forma, contribuímos para consolidar uma sociedade genuinamente democrática, que se cons-
trói coletivamente e que, com certeza, estará mais preparada para enfrentar outras pandemias que
possam surgir no futuro.

Boaventura de Sousa Santos afirma que:

Temos o direito de ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito de ser
diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade
que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as
desigualdades. (SANTOS, 2006, p. 462).

10 Educação inclusiva: um processo coletivo de toda a comunidade escolar


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

Considero que essa citação é um bom começo para se pensar a educação inclusiva. Uma criança com defi-
ciência tem os mesmos direitos de uma criança em desenvolvimento típico. No entanto, não podemos pen-
sar em igualdade se negligenciamos sua deficiência. Por exemplo: se não temos bebedouros adaptados,
não temos direitos iguais para as crianças cadeirantes. Comprometemos pelo menos, parte da autonomia
delas na escola. Como educadores, sabemos que a autonomia é um aspecto muito importante para o desen-
volvimento da autoestima e da autoconfiança. Esse pensamento de Santos pode contribuir também para o
desenvolvimento de uma cultura escolar que respeite a diferença — e, assim, garanta a dignidade de todos
os membros da comunidade escolar. A inclusão de uma criança com deficiência é um processo que envolve
toda a comunidade da escola: diretor, coordenador, professores, inspetores, faxineiros, merendeiras, pais e
alunos. Gostaria de mencionar um exemplo, ocorrido em uma turma do primeiro ciclo do ensino fundamen-
tal, que mostra o protagonismo das crianças no desenvolvimento coletivo do cuidado com o outro.

As crianças como protagonistas da inclusão

Lurdes3 estava no primeiro ano e tinha deficiência intelectual. A professora da turma descobriu que
as crianças pediam para que a menina tirasse a roupa — e ela assim o fazia. Com isso, tornava-se mo-
tivo de chacota na escola. A professora conversou com a turma sobre a dificuldade que Lurdes tinha
em entender que isso era algo que ninguém fazia em público. Perguntou se as crianças gostariam que
todos rissem ao vê-las sem roupa, e elas disseram que não. A educadora também comentou que talvez
Lurdes tirasse a roupa para ter atenção, ou para agradar os colegas, como meio de sentir-se aceita na
escola. Ela não percebia que as crianças estavam zombando dela.

Na hora do recreio, as crianças foram para o pátio e outra turma se aproximou de Lurdes para pedir que
tirasse a roupa. No entanto, seus colegas correram e não deixaram que isso acontecesse. Ao contrário,
repetiram o discurso da professora, o que ajudou as outras crianças a entenderem a fragilidade de Lur-
des. A partir daquele dia, ninguém mais pediu à menina para tirar a roupa.

A contribuição da tecnologia

Estamos hoje rodeados por tecnologia, de uma forma tão intensa que é difícil a gente se imaginar em
um mundo sem lâmpadas, automóveis, água filtrada, máquinas de lavar, computadores, celulares...
Enfim, uma quantidade infindável de objetos e de infraestrutura que nos dão mais do que simples con-
forto: a tecnologia nos permite transcender nossos limites. Não podemos, por exemplo, enxergar no
escuro — e uma lâmpada resolve isso; não podemos correr a 100 km/h mas o automóvel nos conduz sem
esforço, e assim por diante. Quando uma pessoa tem uma deficiência, porém, a tecnologia faz ainda
mais: não só torna a vida mais confortável mas, dependendo do caso, torna mesmo a vida possível. É o
caso, por exemplo, do respirador, que permite que uma pessoa com poliomielite grave possa respirar.

Hoje em dia há um número enorme de soluções tecnológicas para pessoas com deficiência. Há pro-
dutos gratuitos que permitem que pessoas cegas possam escrever e ler — não apenas textos, mas até
mesmo partituras musicais —, através de um computador ou celular equipado com um software ade-
3 nome fictício

Introdução a Arte/Educação, Tecnologia Assistiva e Deficiência 11


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

quado. Há programas que permitem que uma pessoa controle, com a voz ou com os olhos, o ambiente
em que vive; há também alternativas para produção em 3D de objetos por pessoas que não têm as mãos.

Para que qualquer tecnologia funcione de modo efetivo, não basta comprá-la ou disponibilizá-la; é pre-
ciso que a pessoa que vai usar seja treinada para operá-la. No caso de pessoas com deficiência isso é
um problema sério, pois há poucos professores gabaritados para oferecer esse tipo de treinamento.
Este é um dos objetivos deste curso: oferecer uma formação mínima, com o intuito de formar uma
massa crítica de profissionais capacitados a ensinar pessoas com deficiência a usar intensivamente a
tecnologia. Com isso, essas pessoas se tornarão mais poderosas, mais integradas e menos diferentes
no “mundo das pessoas comuns”.

A contribuição das artes

A arte pode contribuir significativamente para facilitar o processo gradual do desenvolvimento de uma cul-
tura escolar inclusiva, que envolva toda a comunidade escolar. Mas não só isso; ela também pode otimizar
o processo de ensino e de aprendizagem, para torná-lo inclusive mais prazeroso. Segundo Byington (2011),

Quem estuda sem vivência, absorve o ensino somente no nível racional e logo o esquece. Há muitos
anos aprofundo-me na prática de técnicas expressivas para transformar assuntos em vivências.
Técnicas de desenho, pintura e argila. Técnicas corporais, dramáticas, ou não, e musicais. (p.19)

Não são apenas os professores de música, teatro, dança ou artes visuais que podem trabalhar com as
artes. Não há dúvida de que fazem um trabalho diferenciado, pois tiveram formação profissional para
isso. No entanto, a Arte é um bem de toda a humanidade, que nos permite desfrutar a vida de forma
profunda e contribuir para tornar significativa a aprendizagem escolar, como foi apontado por Byington
(2011). Além disso, utilizar música, teatro, literatura, dança, pintura, argila etc. pode facilitar a interação
da turma, e torná-la mais unida. Precisamos criar oportunidades de autoexpressão e experiências in-
terativas que promovam a quebra do estranhamento em relação às deficiências. Temos tendência a re-
jeitar o que é diferente, principalmente quando se trata de algo tão discriminado como as deficiências.

Para trabalhar com seus alunos, portanto, o professor precisa reformular alguns conceitos que apren-
demos ao longo da vida, mas que, na verdade, nos amarram em padrões rígidos. Por exemplo: quando
pensamos em dança, consideramos a possibilidade de um cadeirante dançar, expressar-se por meio
de seu corpo? Será que um cego encontraria sentido em pintar ou fazer uma escultura? Uma pessoa
com deficiência intelectual pode criar um personagem no teatro? Terá capacidade para improvisar e
assumir um papel de liderança no processo artístico? Pessoas que não podem utilizar suas mãos, ou
mesmo que não possuem mãos, podem tocar um instrumento? E o surdo? Será que aprende música?

A resposta para todas estas perguntas é um sonoro SIM. Mas é muito provável que este SIM esteja condi-
cionado à presença de tecnologia — usada de forma a amplificar o potencial do indivíduo, para que possa
estar apto a perceber as manifestações artísticas ou mesmo produzi-las. Uma criança cega não poderá
ler partituras com os olhos, mas, com um software simples, poderá aprender a tocar com facilidade: po-
derá escutar cada detalhe da música por meio de um sintetizador de voz, complementado por um instru-
mento musical eletrônico que tocará a música a ser aprendida. Uma criança sem os braços não poderá

12 Educação inclusiva: um processo coletivo de toda a comunidade escolar


Arte/Educação + Acessibilidade + Inclusão

produzir uma escultura, mas conseguirá construir os mais complexos modelos por meio de uma impres-
sora 3D, acionando com a voz o computador que a controla. Os limites virtualmente desaparecem.

Equipando a escola e ensinando o professor

Mas será que uma criança com deficiência terá este apoio tecnológico na escola? Será que seu pro-
fessor de iniciação artística estará preparado para atendê-la em todo seu potencial? Hoje ainda não,
mas acreditamos que este curso seja mais um tijolinho na construção de um novo tempo, de um mundo
melhor, em que deficiência, arte e tecnologia andem de mãos dadas para promover cultura e felicidade.

Quando misturamos deficiência, arte e tecnologia, nenhuma fórmula pedagógica é mágica, e o desa-
fio para o professor sempre existirá. Mas com conhecimento prévio e metodologias adequadas, será
um desafio delicioso de encarar, na medida em que, uma vez vencido, vai se refletir no sorriso de uma
criança e do seu professor, ambos bem mais felizes.

Assista agora ao vídeo


Muitas pessoas pensam que o surdo não pode fazer música. Veja como este grupo trabalha com surdos
e ouvintes. No entanto, há muitos surdos que não se interessam por música. É importante respeitar as
escolhas de cada um.

https://youtu.be/LwTvrXkqeJ8

Gostou? Quer assistir outros vídeos?


Este mostra uma reportagem sobre o Surdodum, que é uma banda formada por uma maioria de músicos surdos.
Confira!

https://youtu.be/G9Oo2emteek

Veja como os atores do Teatro Novo improvisam no palco e fazem o público rir muito.

https://youtu.be/pmynrua13Hg

A Associação de Pintores com a Boca e os Pés abre as portas para muitos artistas com deficiência.
Veja estes depoimentos emocionantes!

https://youtu.be/y3TkzNQq3qA

Referências
BYINGTON, Carlos. Construção Amorosa do Saber: o fundamento e a finalidade da Pedagogia Simbólica Junguia-
na. 3ª ed. São Paulo: Religare, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2006.

Introdução a Arte/Educação, Tecnologia Assistiva e Deficiência 13


Curso Introdução à Arte/Educação,
Tecnologia Assistiva e Deficiência

1 Educação Inclusiva: um processo coletivo de toda


a comunidade escolar

2 O modelo de Inclusão escolar: vantagens e desafios

3 A contribuição das artes para criação de uma escola


que acolha as diferenças

4 Discussão sobre os direitos da criança com deficiên-


cia e a aquisição destes direitos

5 Discussão sobre o modelo de educação atual para


pessoas com deficiências, incluindo o atendimento
educacional especializado (AEE) e as salas de recur-
so multifuncionais

6 A Arte como forma de expressão do indivíduo e cons-


trução de identidade: um olhar para a pessoa e não
para deficiência

Apoio: Realização:

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