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O material a seguir, uma raridade, nos foi enviado tempos atrás por um usuário do orkut, que
utiliza o nome de "Campina Grande". Trata-se de uma matéria do Diário de Pernambuco de 06
de outubro de 1907. Nela é retratada toda a epopéia da chegada do Trem a Campina Grande,
fato que mudou a história da cidade, impulsionando-a economicamente. Transcrevemos na
íntegra o documento, inclusive mantendo a grafia da época:
O RAMAL DE
Campina Grande
Sua inauguração no dia 2 do corrente. Serviço mal feito. Incommodos e desgostos dos
passageiros. O que é a estrada. Bonitas edificações. Um nicho ao leito da linha. Campina
Grande e seu desenvolvimento. O que o a cidade. Impressões de Itabayanna. Antonio Silvino e
suas proesas. O Diário renova as queixas. Appello ao Sr. J. Lorimer. O serviço de nossa
reportagem.
No desempenho da nossa commissão vamos hoje offerecer aos leitores do Diário uma
descripção completa e minuciosa do que foi a inauguração do Ramal de Campina Grande,
Great Wesrtn, no dia 2 do corrente mez.
A impressão que trouxemos da abertura desse tráfego foi a peor possível, e sómente quem
teve ocasião de assistil-a, figurando entre o grande número de ex-maratonistas, poderá ajuizal-
a, reconhecendo não haver exagero nestas nossas palavras, que escrevemos
desapaixonadamente, sem um desabafo qualquer. E sim assim nos expressamos é que a Great
Western, não sabemos a que atribuir, foi de uma infelicidade sem nome na inauguração do
ramal de Campina Grande, consentindo que fossem maltratados inumeros passageiros,
inclusive famílias, durante cinco enfadonhas horas em uma viagem de trem de ferro, sem as
acommodações precisas.
E todas as queixas e aborrecimentos dessa viagem de quarta-feira ultima se voltaram para essa
locomotiva, quasi imprestável, sempre pregando quando outra, de pressão superior, sem
difficuldade venceria a subida da serra Borborema, não incommodando como acontecera, ao
viajante curioso, merecedor de melhor tratamento.
Foi naquella estação, na respectiva plataforma, ainda com o trem parado, que dirigindo-nos ao
sr. Teixeira ouvimol-o responder :
- Sim, retrucámos, o senhor não há de fabrical-os, mas também não deve consentir que parta
um trem dessa forma: deve providenciar como de direito, pois do contrario é fazer perigar a
vida de grande numero de pessôas .
Acreditamos que o descuido da Great Western não mais se repetirá e com a continuação dos
tempos ella reconhecerá o seu erro, procurando tratar melhor o publico.
Tanto que acreditamos no que dizemos que sem querermos mais desenvolver, estes ligeiros
reparos, testemunhados por todos aquelles que viajaram no dia 2 do corrente, passamos a
descrever a viagem, conforme as notas encontradas em nosso canhenho e hoje coordenadas...
O trem saia vencendo o triangulo que ali se encontra para galgar uma grande volta traçada. A
estrada a principio, entrecortada de curvas, obrigava o comboio à marcha lenta, quase sem
velocidade, dando tempo ao passageiro curioso melhor observar o caminho: aqui linda
paisagem que sómente é própria das regiões do matto, onde a natureza parece caprichosa
sempre se mostrando pródiga, dotando-a com edeficantes e belos panoramas, ao alcance da
vista: acolá campos vastos e vastíssimos, mais abundantes do que cultivados, em
demonstração a indolência que é comum ao brasileiro e que mais se arraiga no typo do
sertanejo.
A locomotiva vencia sempre aos poucos os kilometros, deixando a descoberto os quadros mais
lindos que se podem imaginar...
- Tenho viajado bastante, adeantou nosso companheiro de viagem e somente uma ponte eu
conheço quase pode ser igual a essa : é uma existente na estrada de ferro de Baturité, no
Ceará, sendo que esta lhe é superior...
Por esta comparação o leitor poderá fazer uma idea desse bem feito e bonito trabalho que
custou a Great Western um anno para sua construção .
Vencida a ponte, mais adeante, encontramos bem disposto corte de pedras de 20 metros de
altura.
- Tão bem cortados esses blocos de pedras que parecem mais enormes pedaços de queijos
aparados por uma navalha...
LAURO MULLER
A companhia mandou construir ali uma elegante estação, que na parada do trem se apinhava
de populares, na anciã de contemplar o seu movimento.
Eram moradores do povoado Guarita, disseram-nos, os quaes ali foram assistir à chegada do
comboio.
Lauro Muller não tem casario; duas ou três casinhas completam com o pequeno chalet da
estação, o seu todo...
A Great Western, talvez por conveniência de serviços, resolveu fazer ali uma parada.
Como affirmâmos a estação é elegante, regularmente subdividida, servindo como chefe o sr.
Honório Lemos, que ao mesmo tempo exerce as funcções de telegraphista.
O comboio marchava agora com alguma rapidez; naturalmente descambava numa descida.
MOGEIRO
O mesmo quadro de Lauro Muller: a plata forma da estação cheia de matutos, com reboliço
ensurdecedor, no desejo ardente de conhecer um vapor de terra, como ouvimos dizer.
INGÁ
Uma outra parada, estação da villa parahybana que lhe deu o nome.
Não podemos descrever a villa, atraz de uma pequena serra, à vanguarda da estação e a
distancia de 2 kilometros.
Mesmo assim na passagem do trem avistámos o seu casario, destacando-se claramente um
bonito cruzeiro.
Ainda o movimento das duas primeiras: grupos e mais grupos de pessôas em admiração ao
trem.
Uma certa demora, tivemos, motivada pela pela descida de uma força federal, do 14° batalhão
que para ali se dirigia, sob o comando do 2° tenente Francisco Barretto de Menezes.
Um cavalheiro, que nos disse chamar-se Joaquim Lima e ser 1° tabellião no Ingá, procurava nos
fornecer algumas notas da cidade, mas o chefe da estação, o sr. Arcelino de Lima Pontes, dava
o trem como prompto e ao apito do conductor, acenando da plata-forma a sua clássica
bandeirinha azul, deixamos sua estação toda a procura do
GALANTE
Ali foi que a viagem se tornou enfadonha, as queixas se desenrolavam: maldiziam todos da
hora em que se dispuseram a assistir a inauguração: o comboio, sempre subindo, ameaçava
pregar, nas grandes curvas, vencendo lentamente nos serrotes, deixando ao lado montes e
capoeiras, várzeas e campinas.
Entrincheitrados, naquella casinha fizeram fogo a policia , sendo afinal presos, com excepção
de Antonio Silvino e trucidados naquella garganta de serra, mostrávamos o local o orientado
companheiro.
A custo vencíamos esse ponto, procurando avivar na memória a triste tragédia conhecida do
público, quando subitamente um movimento qualquer paralysa por completo a marcha do
trem.
Como era natural os passageiros ficaram assustados, parando de repente no meio as serras,
havendo quem affirmasse ser alguma arte de Antonio Silvino, pois diziam que jurara elle não
correr a linha nesse dia.
Procuravam dar vulto a affirmação do mal intencionado, por haverem galgado a propriedade
do terrível bandido, a mesma do Surrão.
Felizmente não tinha fundamento o que se dizia: apenas a péssima locomotiva que nos
guiava , parara no kilometro 55 para se utilizar d’água do seu tender, pois o vidrilho marcador
assim reclamava.
Estivemos parado nesse ponto seguramente 15 minutos, saindo o comboio com a marcha
melhor para chegar a Galante , onde já noite, á’ escuras , não quizemos abandonar o carro ,
como fizemos nas demais estações.
Parece incrível!... Uma hora marcada de relógio, estivemos nessa estação, pois a estragada
marchina necessitava de mais água.
Estávamos em pleno campo, pois o Galante não tem povoado: apenas servem em frente a
estação duas casinhas.
Como se tratasse da ultima estação, muito embora o enfado fosse geral, lia-se uma satisfação
no semblante dos passageiros, desejando todos o termino do caminho tão paulificante como
havia sido até aquelle ponto.
Não foi sem dificuldade que vencemos a separação dessas estações, para entrarmos em
CAMPINA GRANDE
A hora adeantada em que chegamos , 8 e 30 minutos da noite, com um atraso de três horas
approximadas o cansaço da enfadonha viagem não nos permitiam endagar ante aquella
incalculável multidão , os motivos da sua estada ali , a sua admiração ao trem, uma coisa tão
velha e tão aborrecida para nós outros da cidade, quão novidade e ambicionada pelo povaréo
do matto .
Foi esse ponto principal de Campina Grande – milhares de pessoas se encontravam na gare
para ver o trem que pela vez primeira ali chegava.
Impossível se torna nesse momento uma descrição exacta do que foi a parada do trem em
Campina , pois somente com difficuldade, aos empurrões, pudemos abandonar o nosso carro
de viagem.
Mesmo assim, cortezmente fomos vencendo o povo, sendo levados a um dos departamentos
da estação.
Batemos na porta da seção de bagagens e com um senhor que, uniformizado de boné a cabeça
, ali se encontrava , trocamos ligeiramente o seguinte diálogo.
- Boa noite, senhor. Será possível uma entrada aqui por um instante, enquanto nos livramos
desta onda popular?
- Ah! O senhor não viu nada disse-nos o moço que mais tarde soubemos ser o despachante.
A’hora do trem, 5 e 40 minutos da tarde, impossível era o transito da estação. Foi calculado em
4 mil pessoas o numero aqui existente...
Em pouco tempo, porem, o grande volume de pessoas foi diminuindo e franco o caminho
procuramos então um lugar onde pudéssemos receber hospedagem para o descanso das
fadigas da penosa viagem.
Ali passamos a noite e somente no dia seguinte procuramos a cidade com o fim de colher
alguma coisa que pudéssemos contar aos leitores.
Esta situada na chapada da serra da Borborema, contendo segundo informações que nos
foram ministradas, calculadamente 6 mil habitantes.
É cortada por innúmeras ruas, tendo um arrabalde que denominaram de bairro de São José.
Cidade central, de largo commercio é limitada por três zonas: ao sul pelas catingas, ao poente
por sertões e ao norte por brejos.
Tem bons edifícios, bem construídos, destacando-se sobre todos a matriz de Nossa Senhora da
Conceição, um elegante e sumptuoso templo, u’a miniatura da igreja da Penha, desta capital .
O parocho da cidade, Monsenhor Luiz Salles Pessôa, muito ha se esforçado para a limpeza
dessa soberba egreja, julgada talvez, a primeira dos interiores deste Estado e vizinho do norte.
Alguns outros edifícios dão importância a Campina Grande, como sejam o prédio do Grêmio de
instrucção, o da cadeia e do paço municipal, a do telegrafo, salientamdo-se ainda o seu
cemitério, bem localizado, compreendendo uma vasta área de 150 metros quadrados.
A cidade é ainda o morredouro de três estradas principais, as quaes com a abertura do trafego,
virão, indubitavelmente, dar-lhes mais desenvolvimento. São as estradas dos Espinhaes, Siridó
e Soledade, compreendendo os Estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Parahyba do Norte.
Acha-se collocada a 600 metros acima do nível do mar.
Foram estas informações que pudemos colher no dia da nossa chegada, quando por uma
gentileza de respeitáveis cavalheiros do logar, percorremos em diligencia especial as melhores
artérias do local.
A estação de Campina Grande, ficou situada a uma certa distancia do coração da cidade, a
mais dois kilometros approximados.
Tivemos ainda occasião de verificar a existência de dois enormes açudes, mandados fazer pelo
município para abastecimento d´agua à população.
Á cidade com a inauguração da linha, necessita quanto antes de um meio de transporte para
os senhores passageiros, dando perfeitamente para o estabelecimento de uma companhia
carril urbano, attendendo-se ao alargamento de suas ruas.
Queremos crêr que em breve os campinenses terão esse melhoramento, à semelhança do que
se encontra em Limoeiro, deste Estado, que nas mesmas condições, com a sua estação longe
da cidade, já conta uma regular companhia de bondes.
NOTAS
Dentre o grande numero de passageiros que viajaram no trem inaugural de Campina Grande,
podemos tomar nota dos seguintes: dr. Trindade Henrique, coronel Franklin Oliveira e
senhora, bacharelando Tiburtino Leite, acadêmicos Severino Procópio, e Paulo Silva , do Recife:
coronel Casado Lima, sra. dr. Odilon Maroja, Pedro Gusmão,, Manuel Vieira,major José
Rosendo, e João Luiz Freire, de Itabayanna: srs. José Herculano, Octaviano Tejo, José Paulo,
José de Paulo Filho, Felinto Velho, João Leôncio,Liberalino Pereira Silva, Anízio Regis,
Herculano Alves de Oliveira , José de Andrade Silva, , de Alagôa Grande: Horácio Tavares, da
Parahyba Olegário de Asevedo, de Timbaúba e muitos outros.
Na estação, além dos departamentos destinados aos empregados , como sejam secções de
chefia , telegrapho, bagagem, latrina etc, encontra-se ainda um andar superior destinados a
residência dos empregados.
Servem na estação: como chefe o sr. Francisco Pacheco, como despachante Cypriano Fonseca
e como telegraphista Adolfo de Queiroz e mais 4 serventes.
A Great Western no ramal de Campina Grande , em todo o seu trajeto , mandou construir duas
caixas d´agua para provisão das machinas: uma em granito e outra em Campina Grande.
O ramal de Campina Grande levou 33 mezes na sua construcção, entrando a primeira machina
nessa cidade no dia 22 de junho do corrente ano, sendo ali festivamente recebida.
Nas proximidades da estação de Galante, ao lado da linha uma grande pedra , se encontra um
bem feito nicho de alvenaria , contendo uma pequena imagem de Santo Antonio.
A historia desse nicho e sua collocação encerram algo de interessante, pelo que vamos narral-a
aos eleitores como pudemos colhei-a de pessoas informadas.
O sr. Arnaud, que era então o enpreiteiro, fez uma promessa a Santo Antonio, affirmando
perante os seus empregados que se alcançasse um real sucesso no trabalho, levantaria
naquellas immediações um perfeito nicho com a imagem do santo.
Aconteceu que o francez esperava e este com sua palavra empenhada perante grande numero
de cossacos mandou levantar o elegante nicho , collocando então a imagem falada.
Esta historia nos foi contada por uma pessoa que conheceu o ex-empreiteiro da obra da
companhia, affirmando-nos ainda que o nicho tem uma inscripção commemorativa do seu
feito.
A volta do trem de hontem, tornou-se um tanto melhor, o que atribuímos á descida que fazia o
trem desde que deixou Campina Grande
Mesmo assim, o pequeno numero de carros não pôde comportar os excursionistas, pelo que
tivemos occasião de ver alguns sentados em malotes de viagem, dispostas sobre o único vagão
da 1ª classe.
Houve um passageiro até, um inglez, que nos affirmaram pertencer à companhia, que trazia
sobre sua malota, uma rêde a descoberto, parecendo querer armal-a no carro.
O comboio de hontem chegou sem atrazo algum em Itabayanna, pelo que tivemos o tempo
necessário para fazer um ligeiro passeio.
ITABAYANNA
é uma cidade que conhecíamos de perto, há dois annos, mas que devidos aos esforços de um
cavalheiro diligente e operoso, como é o seu actual prefeito coronel Francisco Resende, tem
passado por algumas reformas, podendo até competir com as demais do interior do Estado.
Itabayanna não é mais aquella cidade há dois annos passados: de um aspecto bonito, hygienica
como poucas, tem as suas ruas principaes calçadas e arborisadas, elegantes edifícios e boas
construcções.
O que maior belleza lhe empresta, é uma avenida situada atraz da estação, com um lindo
passeio publico.
Não podemos percorrer toda a cidade, mas, o que soubemos o coronel Francisco Rezende
continúa a trabalhar para o engrandecimento da pittoresca cidade.
O passeio que fizemos em Itabayanna, durante o curto tempo que ali nos achamos, foi em
companhia do major José Rezende, que gentilmente nos fornecia as melhores informações.
Ultimando estas notas ligeiras escriptas às pressas na altura da rapidez da nossa viagem não
podemos deixar de offerecer alguma coisa sobre o bandido
ANTONIO SILVINO
A victima escapou da sanha do bandido a pedido de uma sua irmãn, que, chorosa, reclamava
para ser assassinada em logar do irmão.
No dia da inauguração da estrada de Campina, Antonio Silvino, esteve no Alto Branco, onde
soltou diversas girândolas, naturalmente festejando aquelle dia.
Nesse logar declarou que o trem de Campina correria sómente três vezes , o numero
necessário para as moças da referida cidade conhecerem-no.
Ainda esteve no Geraldo e no Areial de Alagoa Nova, a 15 kilometros de Campina Grande,
roubando, trucidando, matando animais e comettendo os maiores desatinos.
Ante-hontem, à noite, chegou em Campina Grande uma força federal que anda em
perseguição do bandido.
Naquella cidade, diziam hontem que Silvino estava no logar Pocinhos, a 6 leguas dali.
Terminando a publicação da missiva do nosso estimado companheiro, pedimos para o que elle
narra a attenção do Sr. J. Lorimer , actual superitendente da Great Western.
É estranhável que com tamanho desapreço fosse tratados os passageiros do trem inaugural e
mais ainda que para um representante da imprensa faltasse até com o cavalherismo
corriqueiro nas relações da vida .
Acreditamos que providencias se darão completas a bem dos créditos da Great Western.
Para servir aos leitores, o Diário não poupa esforços, correspondendo à generosa acolhida que
lhe tem sido dispensada.
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Multidão a espera do Trem em 1907