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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

PATRÍCIA SCHNEK GUERRA

TERRITÓRIO E POLÍTICAS SOCIAIS NA TEKOÁ PARANAPUÃ

SANTOS
2021
PATRÍCIA SCHNEK GUERRA
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

TERRITÓRIO E POLTÍTICAS SOCIAIS NA TEKOÁ PARANAPUÃ

Trabalho apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade


Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, como requisito parcial
para obtenção de título de bacharel em Serviço Social, sob a orientação
da Prof.ª Dra. Raiane Patrícia Severino Assumpção.

Santos/2021
PATRÍCIA SCHNEK GUERRA
TERRITÓRIO E POLÍTICAS SOCIAIS NA TEKOÁ PARANAPUÃ

Trabalho apresentado ao Curso de Serviço Social da Universidade


Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista, como requisito parcial
para obtenção de título de bacharel em Serviço Social, sob a orientação
da Prof.ª Dra. Raiane Patrícia Severino Assumpção.

Aprovação em: __/__/____

EXAMINADORA:

_____________________________________
Prof.ª Dra. Renata Cristina Gonçalves dos Santos
Universidade Federal de São Paulo – Baixada Santista.
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de conclusão de curso aos amigos da Tekoá Paranapuã, que desde minha
aproximação pudemos trocar muitos saberes. Registro minha profunda admiração e respeito
pela luta cotidiana ao direito da terra originária.
#marcotemporalnão#PL490não!

Aguyjevete!
AGRADECIMENTOS

Agradeço aos amigos e amigas da Tekoá Paranapuã: Ara Mirim (Vanessa), Karai Mirim
(Gilson), Karai (Dida), Karai Popyguâ (Rogério), Papa (Eleno), Para Poty (Eliana), Pará Poty
Mirim (Daniela), Para Poty Nhenduá (Suelen), Tupã Mirim (Mariano), Werá Mirim (Ronildo)
e Yva Mirim (Suzana) pelos ensinamentos tradicionais e pela disponibilidade de sempre, em
poder partilhar das ações. Com vocês, pude e posso refletir quanto a minha própria
espiritualidade, cultura, e inserção política nesta sociedade. Só tenho a agradecer por tudo. Com
muito afeto. Há’evete!
Agradeço aos meus país Cristina e Marco, pelo apoio em todo este período da
graduação, sem vocês, os caminhos seriam bem mais difíceis. Agradeço imensamente pelos
esforços e por tudo que fizeram e fazem por nós. Agradeço às minhas queridas e amadas irmãs,
Pamela e Jaqueline, e também aos meus pequenos sobrinhos: Guilherme e Murilo.
Ao meu companheiro e amigo Vitor, que esteve do meu lado cotidianamente (apesar
das dificuldades nestes últimos tempos pandêmicos), pacientemente e contribuindo com
reflexões, através de altas conversas. Você foi essencial para conclusão deste período. Só tenho
a agradecer.
As minhas amigas de adolescência/infância, Tata e Angélica, que sempre me apoiaram
em minhas decisões, e a minha querida afilhada Cora Teodora. As minhas queridas amigas da
república que não vou listar, pois são muitas, mas a cada uma, tenho grande admiração.
A professora e orientadora Raiane Assumpção, que brilhantemente têm coordenado a
Frente de Cultura e Resistência Indígena, contribuindo com importantíssimas reflexões nas
inserções dos povos na universidade pública. Agradeço por estimular a potência de cada
integrante e além disso, lutar por uma universidade plural. Muito Obrigada pelo trabalho
coletivo.
Aos meus colegas extensionistas: Bruna, Esther, Guilherme, Luma, Marina, Thayná e
Vinicius. Em especial Leila, quem tenho grande admiração, pois me ensinou e me ensina muito
em todo este processo de aprendizado, levo essa amizade consolidada para a vida.
Agradeço todos os docentes do curso de Serviço Social, em especial e em memória a
Professora Andréa Torres. Andréa Torres Presente!
TERRITÓRIO E POLÍTICAS SOCIAIS NA TEKOÁ PARANAPUÃ

RESUMO: Este trabalho de conclusão do curso de Bacharel em Serviço Social tem o objetivo
de compreender o território e seu significado para o povo guarani, especificamente da Tekoá
Paranapuã, para analisar a garantia dos direitos sociais. Ao relacionar com às políticas sociais,
numa perspectiva crítica da realidade encontrada na comunidade, buscamos compreender
brevemente os contextos da formação sócio histórica do Brasil, que se estendem até a
atualidade, no que se refere às expropriações de terras, materializada nas opressões e o
genocídio desta população. Além disso, a partimos das experiências das ações realizadas em
conjunto com a Frente de Cultura e Resistência Indígena do PET (Programa de Educação
Tutorial) – Educação Popular e a comunidade da Paranapuã de São Vicente, para percorrer
pelas políticas de saúde, assistência, educação, alimentação e saneamento, além do
aprofundamento na cosmologia Guarani Mbyá, prioritariamente, no que se refere a participação
indígena para a construção de tais políticas. Neste sentido, no âmbito do Serviço Social,
discorremos o compromisso da profissão com os povos tradicionais, bem como às necessidades
de incorporação nos debates tanto na categoria profissional quanto para os agentes que atuam
com as populações indígenas devido o Nhandereko ser a resistência do povo Guarani, frente
ao modo de produção capitalista e por conseguinte o Estado opressor.

Palavras-Chave: Tekoá Paranapuã, Território, Políticas Sociais, Guarani Mbyá e Nhanderekó.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1 ....................................................................................................................... 14
TERRITÓRIO ...................................................................................................................... 14
1.1 O Território na Perspectiva Juruá e Indígena ........................................................... 14
1.2 A relação com o Território ........................................................................................ 23
1.3 A disputa do território ............................................................................................... 28
1.4 O direito ao território. ................................................................................................ 33
CAPITULO 2 ....................................................................................................................... 40
POLÍTICAS SOCIAIS .......................................................................................................... 40
2.1 Política Social na perspectiva Juruá ......................................................................... 40
2.2 O Serviço Social e a Política Social Indigenista ........................................................ 45
2.3 Direito indígena? ...................................................................................................... 51
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 56
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 60
ANEXO I TERMO DE RESPONSABILIDADE ......................................................................64
9

INTRODUÇÃO
A aproximação da UNIFESP/BS1 com a Tekoá Paranapuã iniciou por meio do PET
(Programa de Educação Tutorial) - Educação Popular, pelas ações e atividades da “Frente de
Cultura e Resistência Indígena”. Este espaço oportunizou para as e os extensionistas
experiências acerca da cultura Guarani, conhecimento sobre os desafios das políticas sociais
que permeiam a comunidade e sua relação com o território. A aproximação explicitou que a
terra é um meio essencial para subsistência e para o Nhandereko2 no cotidiano da comunidade
da Tekoá3.
As ações realizadas em conjunto com o PET me oportunizaram também, experiências
e reflexões quanto a cosmologia guarani, e sobre a relação sócio histórica do Brasil. Ao longo
desta aproximação com a comunidade, me surgiu um incomodo quanto à judicialização do
território, e os grandes esforços para garantia de direitos fundamentais das famílias que estão
inseridas na Tekoá, principalmente referente a autonomia no modo de vida Guarani Mbyá.
Para ilustrar minha participação e aproximação com a Tekoá, gostaria de abordar os
primeiros momentos em que iniciei um processo de conscientização, quanto a visão de mundo
Guarani. Em uma das primeiras visitas à comunidade, estava observando as crianças em frente
à escola indígena inserida na Paranapuã, pude observar que elas andavam em grupos, falavam
guarani e todas subiam e desciam medianos morros de terra para brincar. Confesso que fiquei
apreensiva, pois, para mim naquele momento, as crianças corriam risco de se machucarem,
fiquei observando com preocupação e me encarreguei de cuidar delas, iludida e sem ao menos
perceber que tal ação não era precisa, pois na minha concepção seria necessário que crianças
fossem tuteladas por adultos.
Com o tempo de aproximação, pude perceber que a relação das crianças com os adultos
é de extrema confiança, aprendizagem e educação, as crianças estão em todas as pautas de lutas
e acompanham os adultos nos momentos de luta, bem como são ensinados desde pequenos a
se relacionar com a natureza de forma autônoma e natural, um exemplo disso, é a prática dos
Xondaros.

1 UNIFESP: Universidade Federal de São Paulo/ BS: Baixada Santista.


2
Nhandereko/ Nhanderecó, ambos possuem o mesmo significado. Segundo Borghetti (2014) “Nhande”, significa
“nosso” (dos Guaranis). Já “Recó” é uma variação de Tekó (sistema, cultura, lei, ordem, identidade, modo de
ser/estar/viver/ocupar). Portanto, o significado de Nhanderecó consiste em: “O nosso sistema, lei, ordem,
identidade, modo de ser/estar/viver e ocupar”. O modo de ser Guarani.
3
De acordo com Borghetti (2014), Tekoá, é o lugar em que se vive de acordo com o modo de ser Guarani. Para
que uma aldeia, ou terra indígena seja considerada Tekoá, é necessário que tenha o Opy (casa de reza), liderança
espiritual e plantação. A Tekoá é aldeia idealizada.
10

O que gostaria de ressaltar aqui é que enquanto Juruá4, iniciei minha aproximação com
a comunidade com a minha visão de mundo, e meu processo de conscientização quanto a visão
de mundo Guarani, foi se dando e se dá com as experiências concretas que me trouxeram e me
trazem transformações e muitas reflexões quanto ao meu local, enquanto consciência de quem
sou, para que pudesse/possa trilhar ações, tanto com a comunidade quanto aos Juruá Kuery5,
nos espaços em que estou inserida. A comunidade e a participação no projeto de extensão,
contribuem para essa transformação de rompimentos com ideologias enraizadas por minhas
origens e também para tomadas de consciência, pois, passo a desenvolver criticidade o que
pensava antes de minha aproximação sobre o “ser indígena”.

A conscientização é, neste sentido, um teste de realidade. Quanto mais


conscientização, mais se “desvela” a realidade, mais se penetra na essência
fenomênica do objeto, frente ao qual nos encontramos para analisá-lo. Por
esta mesma razão, a conscientização não consiste em “estar frente à
realidade” assumindo uma posição falsamente intelectual. A conscientização
não pode existir fora da “práxis”, ou melhor, sem o ato ação – reflexão. Esta
unidade dialética constitui, de maneira permanente, o modo de ser ou de
transformar o mundo que caracteriza os homens (FREIRE, 1979, p. 15).

Trago essa reflexão, de meu processo de conscientização devido refletir acerca da


relação dos Guarani Mbyá com a terra e as intervenções das políticas sociais neste território
em especifico.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar uma análise acerca da
compreensão do território a partir da visão de mundo guarani, com o Nhandereko, e relacioná-
la com as políticas sociais vigentes para a população indígena e seus reflexos na Tekoá
Paranapuã. Portanto, o trabalho busca contribuir com a elaboração de documentos que irão
compor o percurso do processo de mediação para o reconhecimento do direito à terra pra os
povos originários, como também com estudos que possam direcionar os direitos fundamentais
para a Tekoá Paranapuã.
Trabalhou-se com a hipótese de que as políticas públicas direcionadas as comunidades
indígenas não contemplam o modo de vida guarani, uma vez, que não há diálogo com os

4 Juruá é utilizado para retratar o não-índio (colonizador), Borghetti (2014), nos traz dois possíveis significados:
“Juru”, cujo significado é boca e “á”, cujo significado é aberta, portanto, pode significar “desembocadura de um
rio”, “boca vazia”, ou “sem boca”. O outro possível significado pode ser de que no encontro entre os indígenas,
espanhóis e portugueses, estes, tinham bigodes e barbas longas, onde não podiam ver suas bocas, sendo
considerados pelos indígenas os “sem bocas”. Importante ressaltar que o negro é chamado de Juruá Cambá, uma
vez que o significado de Cambá é negro.
5 Kuery é utilizado para o plural, ou seja, Juruá Kuery é o mesmo que “os não-indígenas”.
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sujeitos do território indígena para sua construção, mas, sim, com pressupostos sobre a cultura
Guarani.
O território da Tekoá Paranapuã, é ocupado em sua maior parte pela etnia Guarani
Mbyá e outra parte pela etnia Tupi Guarani. A Tekoá está localizada no Município de São
Vicente, em área de sobreposição ao Parque Estadual Xixová Japuí, atualmente é administrado
pela Fundação Florestal do estado de São Paulo. A retomada do território ocorreu em 2004.
Esta área foi ocupada anteriormente por parentes indígenas, antes mesmo, do Estado se apossar
da área.
Após a retomada o Estado, representado pela Fundação Florestal, entrou com uma ação
civil pública na justiça para reintegração de posse. Foi instaurado um processo de
judicialização, e a FUNAI (Fundação Nacional do Índio) perde em 1ª instância, avançando o
processo para a 2ª instância, com a instalação, pelo juiz responsável, um procedimento de
mediação entre as partes - conciliar os interesses destes dois grupos, sendo que a proposta da
comunidade indígena, representada pela FUNAI é o uso compartilhado do território.
Neste caminho da mediação houve uma centralidade nas políticas sociais, em que os
direitos fundamentais, no que se refere a saúde, educação, habitação e saneamento, foram
levados para instituições de poder - Ministério Público Federal e Estadual - para que fossem
garantidos.
É fundamental a compreensão de dois elementos que permeiam e refletem no cotidiano
e no modo de vida Guarani Mbyá (Nhandereko), sendo: o território e as políticas sociais no
modo de produção capitalista. Ainda, é fundamental buscar a compreensão da relação entre o
território, na perspectiva Guarani, bem como da política social, sendo ela, um dispositivo do
Estado; ou seja, uma perspectiva de Juruá caracterizando uma relação contraditória entre
Estado e o acesso à terra pela população indígena. Sendo o Nhandereko uma resistência perante
o Estado que funciona como componente do modo de produção e reprodução capitalista;
portanto gerador de uma violência estrutural.
A pesquisa realizada foi de natureza qualitativa, com levantamento bibliográfico e de
dados por meio documental, tendo como base os materiais produzidos ao longo das ações de
extensão, como o projeto Photovoice em parceria com o Sesc Vila Mariana e os vídeos
produzidos pela Tekoá Paranapuã em parceria com Sesc Santos, além de relatórios produzidos
no apoio ao processo de mediação.
As experiências e produções dos materiais da extensão foram fundamentadas no
referencial teórico-metodológico de Paulo Freire, na concepção de Educação Popular, que
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propiciou aprendizagens para os sujeitos envolvidos no processo e a produção de conhecimento


por meio do diálogo intercultural.
Esses materiais já produzidos foram essenciais para aprofundamento do conhecimento
sobre a cultura e o cotidiano da Tekoá Paranapuã, trazendo uma perspectiva real dos reflexos
dos elementos centrais do Estado perante à comunidade - as necessidades concretas para o
modo de vida Guarani no espaço que estão inseridos.
O ponto de partida para a definição da metodologia é de natureza epistemológica, pois
consiste no entendimento da cultura Guarani como central e que permeia todos os outros
elementos que serão apresentados na pesquisa.
Além disso, através do contato realizado pelo grupo de extensão com demais
movimentos sociais que lutam por território da Baixada Santista, como também com a FUNAI/
Regional BS, foi possível identificar ausência do documento chamado “Protocolo de Consulta”
da Tekoá Paranapuã, que está descrito na convenção número 169 da OIT (organização
Internacional do Trabalho), promulgada em 2004, através do Decreto 5051/2004, que tem a
finalidade da consulta prévia da comunidade indígena aos assuntos que lhe é de seu interesse.
Portanto, este trabalho também tem como finalidade contribuir com os estudos para a
elaboração futura deste protocolo.
Outro fator a ser destacado é a tentativa de apagamento do povo indígena e sua cultura,
desde o período colonial, marcados pelo genocídio dos povos indígenas e do povo negro.
Conforme abordado por Oliveira, o racismo é uma das manifestações que “compõe a
necropolítica, ao passo que gerencia e banaliza a morte de pessoas não-brancas, de modo a
inviabilizar o processo de luto e a comoção social sobre as vítimas do genocídio de negros e
indígenas” (OLIVEIRA, 2020, p. 73).
Portanto, busca-se também fundamentar que todo este processo histórico marcado pela
desapropriação de terras, violência e dispositivos legais, ou seja, toda a opressão contra um
povo, claramente, são manifestações de um modelo genocida. Ainda, de acordo com Oliveira
(2020, p. 78), “as memórias dos indígenas são desconsideradas, por supostamente serem menos
exatas e importantes, o que provoca o genocídio por meio do silenciamento e das relações de
poder em torno da discursividade”. Segundo o Censo de 2010, vivem no Brasil, 896.9 mil
indígenas, que representam cerca de 0,4% da população brasileira, e estão distribuídos em 683
terras indígenas, além de 77 grupos não identificados. Estima-se que no período colonial
habitavam cerca de 2,5 milhões de indígenas (VIEIRA, 2018, p. 161). Existe mais de uma
forma de genocídio no Brasil, podendo manifestar através das instituições, ruralistas, bancada
evangélica entre outros. Porém, o genocídio que está mais presente é o genocídio cultural, “em
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que você apaga aquela pessoa pelo que ela é, pelo o que ela foi e pelo o que ela projeta ser”
(VIEIRA, 2018, p. 161).
Por fim, acredita-se em uma contribuição com o Serviço Social, uma vez que, como
área de conhecimento, vêm avançando na produção referente ao racismo estrutural6 na
sociedade brasileira, mas ainda com pouco acúmulo no que tange aos povos indígenas, sendo
fundamental para as perspectivas teórico-metodológica, técnico-operativa e ético-político da
profissão.

6Pode-se considerar o racismo estrutural, como aspecto estruturante nas relações sociais da sociedade. O racismo
enquanto estrutura das relações sociais, “organiza os privilégios e as opressões sociais de modo que garanta a
supremacia da branquitude”. (OLIVEIRA, 2020, p. 76).
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CAPÍTULO 1

TERRITÓRIO

1.1 O Território na Perspectiva Juruá e Indígena


Partimos do pressuposto que existe uma relação contraditória na compreensão da
categoria território, visto que, temos a perspectiva indígena e a perspectiva do não-
indígena/Juruá. Estas perspectivas estão em contradição desde o processo de conquista do
europeu sobre os povos originários da América Latina. Neste processo de conquista há um
conflito determinante entre as duas visões de mundo, visto que cada uma possui sua própria
cosmologia.
Os europeus chegaram na América carregados pela visão de mundo cristã, advinda da
Idade Média. Neste período a Europa passava por um processo de desenvolvimento do
mercantilismo, portanto, chegaram em nosso continente para conquistar as riquezas materiais,
através dos mares, favorecendo os reis absolutistas e excluindo toda a construção cultural dos
povos que aqui já habitavam.
A ideia de raça surge com a exploração da América, acarretando em relações de
opressão, partindo do dominador (europeu) as denominações de índios, mestiços, e os negros.
A partir disso, intensifica-se as relações hierarquizadas, em que o europeu irá se colocar como
um “ser superior”, o homem branco. (SUESS; SILVA, 2019).
Deste modo, os povos da América vão entrar em conflito com esta visão de mundo em
que se baseia na conquista do território. Visto que os povos originários não possuíam uma
perspectiva de cercamento de terras, pois viviam do que a natureza oferecia, sem a necessidade
de ter propriedade sobre a terra, pois tudo que produziam possuía uma utilidade para satisfazer
as necessidades materiais do grupo, ou seja, tudo que produziam eram para sua própria
subsistência. Desse modo, partimos da busca do entendimento da categoria território, a partir
da compreensão de território para o povo Guarani, bem como sua relação, a qual iremos nos
aprofundar no próximo item, tendo em vista que essa concepção de território está em constante
disputa com diversas perspectivas dos Juruá Kuery.

Restando somente cerca de 8% da Mata Atlântica original, em razão do


modelo de civilização que levou ao extermínio povos indígenas inteiros e ao
confinamento das comunidades atuais, parece claro que as alternativas de
reprodução cultural dos índios Guarani só podem acontecer por meio da Mata
Atlântica. A despeito da sua visão de mundo e de suas próprias categorias
ambientais [...] não serem as mesmas dos parâmetros oficiais, observadas nas
diretrizes de criação de unidades de conservação, o interesse dos Guarani na
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conservação das matas é um interesse vital, pois este é ainda o único espaço
para, enquanto sociedade, viverem seu modo de vida segundo sua
cosmologia. Ao contrário, a produção econômica, base de sustentação da
sociedade nacional em seu conjunto, em que pese as diferenças sociais e sua
diversidade cultural (LADEIRA, 2015, p. 51).

Conforme abordado por Ladeira (2015), é “natural que as áreas ocupadas pelos índios
contemplem áreas de matas preservadas que atualmente compõe as Unidades de Conservação”,
sendo necessário essa compreensão para os processos de desapropriação de terras, como é o
caso da Tekoá Paranapuã, que aqui iremos tratar.
Segundo Milton Santos (2000), ao longo da história, o Estado-Nação foi um divisor de
águas no que se refere ao território, trazendo uma noção jurídico-política para este, bem como
o território era o fundamento do Estado-Nação, noção derivada do conhecimento e conquista
de mundo. Além disso, do ponto de vista institucional, jurídico-político, a política pública e
cidadania são determinadas e implementadas a partir do Estado-Nação Já na
contemporaneidade, temos uma noção de território através da transnacionalização, ou seja,
ultrapassa fronteiras nacionais englobando mais de um país, o que antes não tínhamos em todo
o globo o território estatizado, hoje, também não é todo o globo que tem a transnacionalização
dos territórios. Neste sentido, autor nos traz a categoria de território usado, ou seja, a ideia de
território com objeto e ação, onde há espaço humano e espaço habitado.
Ao nos deparar com a obra de Octavio Ianni (1978), o qual realizou seus estudos da
luta pela terra e a expansão do capitalismo na região da Amazônia, especificamente no
município de Conceição de Araguaia, foi possível sintetizar a categoria de território usado e
sua relação histórica.
Ao nos trazer a compreensão de que a terra, a depender das relações econômicas e
políticas, e também, diante das transformações das relações de produção, das forças produtivas
e da divisão social do trabalho; a terra modifica, ganhando novos formatos sociais:

A terra passa a ser mercadoria, ganha preço; isto é, apropriada de modo


privado e sob nenhuma outra forma. A terra passa a ser objeto e meio de
produção de valores de troca. É inserida nas relações capitalistas de produção,
controladas pela empresa privada. Pouco a pouco, ou de súbito, conforme o
caso, a terra deixa de ser apenas, ou principalmente, objeto e meio de
produção de valores de uso. O poder estatal aparece, de forma cada vez mais
ostensiva e permanentemente, com um poder maior destinado a favorecer e a
acelerar o processo de privatização da terra, nos moldes exigidos pela
empresa privada de grande porte, segundo a lógica da acumulação capitalista
(IANNI, 1978, p.154).
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Podemos compreender que a categoria de território usado é o espaço com historicidade,


habitado por um povo e nação. Já, o espaço geográfico consiste em uma categoria de análise,
para compreendermos o mundo em seu movimento, como uma instância social.
No vídeo7 apresentado pela Tekoá Paranapuã através do projeto “Sementes Guarani”
do SESC (Serviço Social do Comércio) Santos, em que a liderança Werá Mirim (Gilson
Santos), nos apresenta a realidade vivida no território da comunidade, em que diz:

[...] vou falar um pouco do território, como o povo guarani /indígena conhece
o espaço e sua/seu convívio onde ele vive, e qual o conhecimento que ele tem,
a partir da área onde ele é localizado[...] Então o espaço onde o indígena
conhece como território indígena ne? da comunidade, então ele já vem com
esse propósito de cuidar e manejar daquela área, mas ele tem seu próprio
conhecimento em relação a preservação ambiental (MIRIM, 2020).

Portanto, a fala em que Werá Mirim nos traz o significado do território para a
comunidade, vai ao encontro com a categoria de território usado de Milton Santos, uma vez
que o território para os indígenas é “o espaço de seu convívio, onde ele vive, e qual o
conhecimento que ele tem a partir da área onde ele é localizado”, ou seja, para a comunidade
da Tekoá Paranapuã, o território se faz a partir do seu convívio, em que possa vivenciar o
Nhandereko em seu cotidiano, sendo a comunidade, parte do território.
Ainda, para Milton Santos (2000), todo o globo terrestre é compartimentado ou
fragmentado, onde os melhores pedaços ficam com atores de poder e o restante para os demais,
por um lado, a ação direta do ser humano, e por outro, a presença política. Antigamente, toda
a superfície terrestre era compartimentada, já nos tempo atuais, sua maior parte é fragmentada.
Para o autor, o território compartimentado possui algumas características, sendo:
conflitivo e hierárquico, irá depender do tempo em que estamos e será complementar. Existe
também, um acontecer solidário ao meio, mas, este acontecer solidário não exclui as relações
distantes. O território compartimentado atravessa o passado e o presente. Através da existência
da solidariedade do meio e a identificação entre os atores sociais que ali vivem/habitam, há
possibilidade de regulação interna, ou seja, ajustes do local em que se vive (SANTOS, 2000).
Quando todo o globo era compartimentado, já existia também a diferenciação entre
quem possuía maior ou menor avanço tecnológico, porém, por haver a solidariedade do meio,

7
Vídeo em que a Tekoá Paranapuã apresenta o território no projeto “Sementes Guarani”, em parceria com o SESC
Santos e os membros do PET Educação popular – Frente de Cultura e Resistência indígena. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=SRAxAYnCXoE. Acesso em: 13 de Março de 2021.
17

através da identificação, havia também a possibilidade de regulação, a política equilibrava esta


diferença, inclusive do poder técnico e econômico (SANTOS, 2000).

Por meio da regulação, a compartimentação dos territórios, na escala nacional


e internacional, permite que sejam neutralizadas diferenças e mesmo as
oposições sejam pacificadas, mediante um processo político que se renova,
adaptando-se às realidades emergentes para também renovar, desse modo, a
solidariedade. No plano internacional, esse processo cumulativo de
adaptações leva às modificações do estatuto colonial, aceleradas com o fim
da Segunda Guerra Mundial. No plano interno, a busca de solidariedade
conduz ao enriquecimento dos direitos sociais com a instalação de diferentes
modalidades de democracia social (SANTOS, 2000, p. 40).

Neste sentido, mesmo com o avanço tecnológico, as possibilidades de disputa, em um


território compartimentado são maiores (regulação), devido as compreensões da vida histórica
e da solidariedade ao meio, entre pessoas e lugares, mesmo que também existam disputas de
poder, em que historicamente, são demarcadas pelo estado e grandes empresários.
Já no território fragmentado existe uma dificuldade de regulação, tanto interna quanto
externa, por não haver interação ao meio (solidariedade). O cotidiano de um território
fragmentado é marcado por parâmetros externos, parâmetros que não são construídos
internamente com os habitantes daquele espaço.
De acordo com Milton Santos (2000), a intensificação de forma fluída e rápida do
avanço da tecnologia e da informação e das técnicas, cria-se a fragmentação dos espaços,
transformando-se os espaços compartimentados em locais que não possui mais a solidariedade
ao meio em que se vive, em que apenas alguns atores sociais detém a velocidade deste avanço.
Porém, tanto o espaço fragmentado, quando o compartimentado, ocorrem simultaneamente.

Cada empresa, porém, utiliza o território em função dos seus fins próprios e
exclusivamente em função desses fins. As empresas apenas têm olhos para os
seus próprios objetivos e são cegas para tudo o mais. Desse modo, quanto
mais racionais forem as regras de sua ação individual tanto menos tais regras
serão respeitosas do entorno econômico, social, político, cultural, moral ou
geográfico, funcionando, as mais das vezes, como um elemento de
perturbação e mesmo de desordem. Nesse movimento, tudo que existia
anteriormente à instalação dessas empresas hegemônicas e convidado a
adaptar-se às suas formas de ser e de agir, mesmo que provoque, no entorno
preexistente, grandes distorções, inclusive a quebra da solidariedade social.
(SANTOS, 2000, p. 41).

Ainda,
18

Nessa situação, as técnicas a velocidade, a potência criam desigualdades e,


paralelamente, necessidades, porque não há satisfação para todos. Não é que
a produção necessária seja globalmente impossível. Mas o que é produzido –
necessária ou desnecessariamente – é desigualmente distribuído (SANTOS,
2000, p. 63).

O documentário8 “O mundo global visto do lado de cá”, nos ilustra os fatos marcantes
acerca deste processo de fragmentação, que iniciou no fim do século XX. O Consenso
Washington9 (1989) foi um fato ocorrido para incorporação do neoliberalismo na América
Latina. No Brasil houveram alguns movimentos sociais de resistência contra a tomada de ações
para implementar o neoliberalismo. Já países como a Bolívia e Argentina tiveram grandes
manifestações para barrar a exploração de empresas internacionais em seus territórios, essas
lutas que foram essenciais para impor limites nesta disputa de poderes, como por exemplo: a
privatização da água na Bolívia que foi barrada devido as pressões populares, mas, não barrou
o avanço do mundo privado sob os países em desenvolvimento. (TENDLER, 2006).
Além disso, Milton Santos vai nos atentar quanto aos locais que são atingidos pelos
reflexos da mundialização, também há movimento nos atores que ali vivem, o que nos traz a
reflexão de que é fundamental a busca a histórica, mesmo que este mesmo local tenha passado
por diversas transformações, aspecto este, fundamental em que Milton vai denominar de
metáfora do retorno.

[...] Mesmo nos lugares onde os vetores da mundialização são mais operantes
e eficazes, o território habitado cria novas sinergias e acaba por impor, ao
mundo, uma revanche. Seu papel ativo faz-nos pensar no início da história,
ainda que nada seja como antes. Daí, essa metáfora do retorno. (SANTOS,
1998, p.15)

É imprescindível compreender como se dá a relação da luta, e relação com a terra no


cotidiano da Tekoá Paranapuã, entendendo que o Nhandereko entra em conflito com o modo
de produção capitalista, portanto, como se dá a resistência dos Guarani Mbyá e Tupi Guarani,

8 Documentário “O mundo globalizado visto do lado de cá” produzido pelo cineasta brasileiro Sílvio Tendler,
Caliban Produções, Rio de Janeiro, 2006, em que reflete as perversidades da globalização, em conjunto com
entrevista com o autor Milton Santos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-
UUB5DW_mnM&t=3556s. Acesso em: 14 de Março de 2021.
9 Segundo o economista Marcelo Carcanholo (2007, p. 146), o Consenso de Washington foi um “um programa

de ajuste neoliberal” compostos por três elementos: o primeiro, da “estabilização macroeconômica” (redução da
inflação, com controle das contas governamentais), o segundo, a privatização de estatais e serviços públicos,
reformas de abertura comercial, “garantindo a liberação dos preços”, e o terceiro, em que o autor referência como
o mais perigosos, “o funcionamento da economia de mercado, com prudência fiscal, apoiada na iniciativa
privada”. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/AnaliseEconomica/article/view/10901/6483. Acesso em: 09 de
Março de 2021.
19

de São Vicente, uma vez que estão permeados cotidianamente pelos aparatos jurídicos do
Estado.
Desde o período colonial, os povos tradicionais estão em luta, como disse a liderança
Werá Mirim (Gilson), em uma atividade relacionada à unidade curricular de Classe e
Movimentos Sociais10, em que Gilson foi convidado e nos apresentou a ideia de que o indígena,
desde o período colonial, sempre esteve na luta pelo território, e nesta mesma atividade nos
apresenta também a ideia de que hoje, o povo indígena luta no papel, na justiça. Nesse sentido,
Gilson nos faz refletir, o quanto o aparato legalista do Estado os obrigam a lutar neste formato,
uma vez que buscam melhores condições para que possam viver do modo de vida Guarani, e
assim, garantir seus meios de subsistência.
De acordo com Marx e Engels (2008), com o estabelecimento da grande indústria e do
mercado mundial, a burguesia conquista o domínio político do Estado representativo, em que
os filósofos irão denominar o estado como um “comitê que administra os negócios da
burguesia”. Para os autores, a burguesia concentrou propriedades em poucas mãos, ou seja, a
expropriação de terra foi fundante para a expansão capitalista no Estado moderno.

A burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da


propriedade e da população. Ela glomerou as populações, centralizou os
meios de produção e concentrou a propriedade em poucas mãos. Resultou daí
a centralização do poder político. Províncias independentes, ligadas até então
por débeis laços mas com interesses, leis, governos e aduanas diversos, foram
reunidas em uma só nação, com apenas um governo, uma legislação, um
único interesse nacional de classe e uma só fronteira aduaneira (MARX;
ENGELS, 2008, p. 16).

Deste modo, as legislações, advindas do Estado até a contemporaneidade possuem um


único interesse, a manutenção da classe burguesa em que legitima a opressão através dos
aparatos jurídicos e através destes, continuam expropriando terras e subordinando povos.
Pelo fato da Tekoá Paranapuã, estar inserida no Parque Estadual Xixová Japuí (PEXJ),
área administrada pela Fundação Florestal, o Nhandereko sofre limitações. O Nhandereko, para
os Guarani Mbyá, é intrinsicamente interligado a relação estabelecida com a terra e a
espiritualidade. A terra, tem valor espiritual e material. De acordo com Ximirinhupoty e
Rezende (2016), o Nhanderekoha/Nhandereko, são conhecimentos dos Kaiowá e Guarani,
passados para dos mais velhos, para os mais novos, sendo parte da educação indígena. Portanto,

10
Live realizada no dia 01 de Outubro de 2020, coordenada pela docente Joana Flores para Unidade Curricular,
classe e movimentos sociais, da Unifesp Baixada Santista, em que Gilson foi convidado à falar referente a luta do
território na Tekoá Paranapuã.
20

o aparato jurídico e as limitações existentes, devido a presença da Fundação Florestal e demais


órgãos na Tekoá Paranapuã, atravessam o modo de ser Guarani Mbyá:

Você não pode plantar; ir na floresta cortar uma madeira ou buscar um


fruto, porque “está degradando a natureza”. Sempre a gente recebe essa
palavra. Que falam que o povo indígena está degradando a natureza. De
Fato, isso não acontece. Através do povo indígena que vocês podem ver
os rios, a mata atlântica, o pouquinho que resta. Mas está tudo em aldeias.
Graças aos povos indígenas (FERNANDO, 2016, p. 40).

Cleirray, indígena que residia na Tekoá Paranapuã, argumenta em seu artigo, publicado
na obra organizada pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP), sobre as limitações da
comunidade da Paranapuã em seu cotidiano, além de exemplificar o quão essas medidas
jurídicas e interferências estatais afetam o modo de ser Guarani, o Nhandereko.
A retomada do território da Tekoá Paranapuã, ocorreu no ano de 2004, pelos Tupis
Guaranis e Guarani Mbyá. É fundamental considerar a importância histórica e cultural da
presença dos Guarani para a região de São Vicente, devido historicamente este território ser
habitado pelo povos indígenas e desde então, este espaço ter passado por diversas
transformações.
No século XIX, na região do morro do Japuí, foi instalado o “Curtume Cardamone”,
local que o manguezal e a água era utilizado para tratamento do couro. Já na praia de Paranapuã,
especificamente o local onde a comunidade da Tekoá Paranapuã está inserida, encontrava-se
uma área para travessia de gado para abate, por isso, a área era conhecida como “Praia das
Vacas”. (SANTOS, 2019, p.126).
Outras atividades foram evidenciadas durante este período da colonização até a
atualidade, relacionadas à agricultura, fábricas, fortaleza para proteção militar devido a
expansão do porto de Santos, expansão na infraestrutura da região como: a linha férrea e a
rodovia Anchieta, que marcaram as fragmentações e transformações deste território (SANTOS,
2019, p. 124).
O território foi utilizado também para implantação de uma unidade da FEBEM
- Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor, e até hoje permanecem algumas estruturas
de concreto no local. No ano de 1993, através do Decreto 37.536, foi instituído o PEXJ (Parque
Estadual Xixová Japuí.
Segundo Santos (2019), o decreto foi resultado de solicitações de instituições de
Pesquisa como a CEPEL/UNESP - Centro de Ensino e Pesquisa do Litoral Paulista, algumas
21

ONGs e associações de moradores, cujo objetivo era a preservação da mata ao redor, visto que
a região é uma das primeiras regiões colonizadas do país.
Após a instituição do Decreto em 1993, a fundação florestal não possuía uma instalação
administrativa física no local, e somente após a retomada da comunidade indígena que a
administração passou a instalar-se no território, desencadeando em pedido de reintegração de
posse da comunidade. A FUNAI (representando a Paranapuã) perde em primeira instância, pois
a comunidade não foi incorporada no processo até a atualidade, portanto, os reflexos da decisão
judicial incidem sobre a Tekoá Paranapuã, e ao recorrer em segunda instância instaurou-se, a
pedido do Juiz responsável, o processo de mediação (SANTOS, 2019, p. 126).
Como dito, a judicialização deste território reflete negativamente sobre a vida e o modo
de vida guarani, uma vez que o há influências do Estado frente ao cotidiano dos Guarani Mbyá
que habitam esse espaço, sendo de difícil compreensão os elementos da cosmologia guarani
pelos Juruá Kuery. O Estado, por sua vez, não considera este modo de vida, e também não
considera as especificidades da cultura e sua relação com a terra.
O território para os Guarani Mbyá possui uma diferenciação da perspectiva de território
dos Juruá Kuery. Para os guarani, o espaço em que vivem não é apenas um local
geograficamente definido, e sim, a busca de um local em que possam viver de acordo com o
Nhandereko. Além disso, a perspectiva de espaço/território ideal está ligada a ideia de um local
em que possa existir movimento, em constante transformação. (BORGHETTI, 2014).

A terra, para os Guarani, é mais do que um local para morar. Para eles, a terra
é a própria vida, a garantia de que viverão nos moldes dos seus valores
tradicionais, como a utilização da língua e a vivência da religião. Segundo os
próprios, não pode ser substituída por outra, porque faz parte de sua
experiência histórica e o seu “modo de ser” está nela fundado, pois “terra
boa”, para os Guarani, é o resultado da socialização dos espaços geográficos
que formam seu território. Nesse sentido, socializar as crianças nesses
padrões implica, também de acordo com eles, vivenciar seu território
(BORGHETTI, 2014, p. 13).

Um dos elementos presentes da cosmologia guarani, está presente a busca pela Terra
Sem Males, em que buscam um território ideal para produzir e reproduzir o Nhandereko. A
busca da terra sem males, é um dos elementos que explicam as antigas e atuais retomadas do
povo guarani Mbyá e Tupi guarani.

A Terra Sem Mal seria um lugar onde os Mbyá pudessem realizar o tekó –
modo de ser autêntico e verdadeiro (MELIÁ apud LITAIFF, 1996, p.52).
Segundo Litaiff (idem), Yvy Marae’í pode ser comparada a um “remoto e
22

nostálgico tekoha” (lugar necessário para a realização do tekó). Dessa forma,


quando os Mbyá buscam a Terra Sem Males, podem estar procurando um elo
com seus parentes, deuses que há muito se perderam, uma vez que, segundo
as tradições Mbyá, são todos filhos de Nhanderú (Nosso Pai). (BORGHETTI,
2014, p. 62-63).

Um dos fatores que levaram os Tupi Guarani e os Guarani Mbyá a realizar o processo
de retomada da Paranapuã está relacionada com a cosmologia guarani, sendo, a busca da Terra
Sem Males. Além disso, há também um processo histórico, em que a cidade de São Vicente
passou por um processo violento de colonização Europeia, tendo em vista a história do Brasil.
De acordo com Santos (2019), o fato do território da Tekoá Paranapuã estar a beira-mar
influenciou o povo indígena a retomar o local, devido “simbolicamente estar associada à Terra
Sem Males”.

O tekoa Paranapuã, juntamente à TI Piaçaguera, são os únicos territórios


indígenas na Baixada Santista com acesso direto e livre ao mar. Conforme
mencionado, a reterritorialização do grupo é também explicada por outros
fatores de ordem histórica – remontando aos registros da literatura no início
da colonização europeia –, incluindo os processos de violência associados a
esta dinâmica, bem como a própria ação do estado brasileiro na
desterritorialização de coletivos indígenas para abertura ao capital, em suas
diferentes fases. Mais recentemente, o caráter de memória do grupo em
relação à moradia e ao uso do território em questão, implicando também na
afetividade e nos vínculos de parentesco associados ao Morro dos Barbosas,
Morro do Xixová e à Praia de Paranapuã. Neste sentido, tal característica do
território vivido remonta também aos aspectos de ordem material,
sociopolítica e simbólica. (SANTOS, 2019, p. 207).

O fato dos Guarani Mbyá estarem inseridos no PEXJ possui uma intenção, a qual está
intrinsicamente ligada à cosmologia Guarani, fato este que, para a visão de mundo dos Juruá
Kuery, especificamente, aqueles que possuem cargos representativos do Estado, se confrontam
de forma que cria-se uma disputa. A formação sócio histórica brasileira é um movimento que
perpassa nessas disputas e resistências cotidianamente, não somente no território da
comunidade, mas também, em diversos grupos que resistem até a atualidade, como os caiçaras,
ribeirinhas e quilombolas.
É importante considerar e compreender o modo de ser Guarani e sua relação com o
território para construção de políticas públicas condizentes com os preceitos deste povo, uma
vez que as relações sociais, e também com o território dos Juruá foram programados e
planejados com uma visão de mundo eurocêntrica. Portanto, o ponto de partida para esta
construção se dá no entendimento de sua cultura e também sobre sua relação com o território.
23

1.2 A relação com o Território


A Tekoá Paranapuã é constituída por três núcleos, com o total de 18 casas, 23 famílias
e cerca de 85 pessoas, sendo 33 bebês/crianças (0 a 12 anos), 15 adolescentes (13 a 18 anos),
6 jovens (19 a 21 anos), 29 adultos (22 a 59 anos) e 2 idosos. No primeiro “núcleo” são seis
casas e onze famílias; no segundo “núcleo”, 7 casas e 8 famílias; e no terceiro “núcleo”, 5 casas
e 4 famílias (CRAS, 2018).
Como dito no item anterior, a centralidade dos povos indígenas, seu modo de vida e sua
visão de mundo, está relacionada com o território, ou a que está inserido, ou sua busca pela
terra sem males. Portanto, para que possamos compreender a relação do território com os
Guarani Mbyá, é indispensável percorrer por elementos da cosmologia Guarani, uma vez que
as dimensões culturais, espirituais, dimensão da saúde, educação, alimentação são interligadas
entre si, pois todos estes elementos também estão relacionados ao território.
É fundamental nos aprofundar nesta relação única entre a cultura e o território, a qual
iremos apontar os elementos centrais, iniciando-se pela Tekoá. A Tekoá é o local em que a
comunidade indígena passa a exercer seu Nhandereko. Portanto, para o entendimento desta
relação é necessário percorrer a visão de mundo da comunidade da Tekoá Paranapuã, dos
guarani Mbyá e Tupi Guarani que ali cotidianamente exercem seu próprio modo de vida.

O conceito que o povo Guarani-Mbya mais opera hoje para identificar o


seu território é o Tekoa. Ele representa o espaço onde vive o povo Guarani,
onde ele existe. Etimologicamente a locução teko acompanhada pelo
prefixo relacional indefinido t- tem o sentido de ser, estar, viver e existir
— comum nas línguas da família Tupi-Guarani — enquanto sufixo -a
significa lugar, espaço. Um outro elemento importante desta palavra é que
o mesmo vocábulo teko é empregado pelos Guarani também com o sentido
de cultura, modo de ser, costume. Quando acrescentado de um pronome
possessivo de terceira pessoa do plural como nhande (nosso inclusivo) ou
ore (nosso exclusivo) ele recebe o prefixo relacional definido r- formando
as palavras nhandereko ou orereko, que significam nossa cultura ou nosso
modo de vida. Ou seja, o Tekoa é o espaço imprescindível para que o
Guarani viva a sua cultura e para que siga existindo em sua essência.
(NACIF, 2020, p. 28).

A palavra “Tekoá” não exerce um papel apenas como tradução da palavra da língua
portuguesa “aldeia”, o significado vai além desta compreensão. A Tekoá é carregada pelas
crenças dos povos indígenas e se relacionam com a espiritualidade, cultura, saúde, alimentação
e educação, por isso, viver em uma Tekoá é desenvolver o Nhandereko.
24

Assim como o significado da palavra Tekoá, vai além de uma tradução, o território
também possui um significado e uma compreensão própria para os povos indígenas, que
confronta com a compreensão de território dos Juruá Kuery (não-indígenas). Para os Guarani,
o território não é um espaço delimitado geograficamente, uma vez que a terra, os elementos da
natureza, ser humano e os animais, fazem parte de um todo, o planeta terra. Para os Guarani, o
território é inseparável dos demais elementos no que se refere as manifestações da cultura,
portanto, o território é parte do modo de vida Guarani, diferentemente da concepção de
território para os Juruá Kuery, em que apresenta limites geográficos através de instrumentos
concretos, políticos e permeado pelas relações de poder.
De acordo com o professor Tupã Mirim11, o Yvyrupa12 é o globo em que vivenciamos
hoje, não apenas para os indígenas, mas, também o mundo em que o Juruá vive. Para ele, o
Yvyrupa é o local onde os seres vivos habitam, local que não possui fronteiras, pois não há
fronteiras ao pensar no globo. É o local onde o povo indígena consegue sobreviver, não só no
Brasil, mas também, em uma escala global.
Segundo o diário de campo apresentado na dissertação de mestrado de Borghetti (2004,
p. 12), para que a terra indígena seja considerada uma Tekoá, é fundamental a presença da Opy
(Casa de Reza), e também que se integre uma liderança espiritual. Estas são categorias próprias
dos povos indígenas constituídas de geração em geração, a partir de suas vivências cotidianas
e também através da educação indígena, que resistem até a atualidade e tem como intenção a
manutenção da cultura Guarani Mbyá.
A educação indígena é outro elemento da cultura que está relacionada também à outros
aspectos, diferenciando-se da educação dos Juruá Kuery e que está relacionada ao território.
Para além da educação formal13 diferenciada, a educação em território indígena, se manifesta
também de modo próprio e natural, que tem por garantia a resistência do povo Guarani. Os
ensinamentos que são passados geralmente dos mais velhos para os mais novos estão
relacionados com sua cosmologia, ou seja, o Nhandereko.

[...] um modelo de educação baseado na oralidade onde para além é claro, da


opy (casa de reza), o aprendizado se fundamenta nas histórias contadas pelos

11
Professor que ministrou as aulas do curso de Língua e Cultura Guarani Guarani Mbya - Nhanhe Mbo'e Mokoin
Avyu Py, em que tive a oportunidade de participar. Patrocinado pelo Instituto British Council, com o apoio do
coletivo PlantaSonhos e o PET (Programa de Educação Tutorial) – Educação Popular, Frente de Cultura e
Resistência Indígena, 2021.
12
Segundo NACIF (2020, p. 50), Yvy rupa é a Terra Toda, e não podem ser de um em particular e sim de todos
os que habitam.
13 A educação indígena diferenciada prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), em que abordaremos suas especificidades no capítulo 02 deste trabalho.
25

mais velhos ao acessarem lugares de memória [...] e nas práticas antigas


transmitidas através de longas caminhadas na mata, pescarias, caça etc. Não
é possível que essa mesma educação se reproduza hoje dentro de um espaço
limitado como é a escola, imprópria ou insuficiente até mesmo para o modelo
da educação do Juruá (NACIF, 2020, p. 190).

Através das experiências no projeto14 “Estratégias de enfrentamento à Covid-19”,


notamos também que a Opy (casa de reza) é essencial para a existência da Tekoá, pois é nela
que se encontra a força física (saúde) e espiritual, portanto, podemos notar também que a Opy
é um elemento central no que se refere à saúde na cosmologia Guarani, pois é neste espaço que
são realizadas as cerimônias espirituais de acordo com os preceitos da cultura. Além da Opy, a
figura do Xeramõi15, também é uma representação importante para a comunidade, os Guarani
Mbyá considera que desde as primeiras populações indígenas, sempre houve a presença do
Xeramõi.
Para os Guarani, o Xeramõi nasce com o dom de ser este líder espiritual, já o cacique é
escolhido pela comunidade. A Opy é o local em que se fortalece este dom, através das rezas e
das cerimônias, além da força e apoio da comunidade. Neste sentido, o Xondaro16 ou Xondaras,
representa a força do Xeramõi.
No vídeo em que a comunidade da Paranapuã apresenta os Xondaros no projeto
“Sementes Guarani”17 – Sesc Santos, Karai Papa nos ilustra como é realizada a dança, além de
nos explicar sua finalidade.

14
O PET (Programa de Educação Tutorial) – Educação Popular - UNIFESP/BS, Frente de Cultura e Resistência
Indígena me oportunizou a participar no projeto: “Estratégias de enfrentamento à Covid-19” em parceria com o
SESC Vila Mariana. O projeto contou com a participação diversas populações em vulnerabilidade social, dentre
elas, a Tekoá Paranapuã.
Para elaboração deste projeto, utilizamos a metodologia do Photovoice, que consiste em captação de imagens
pelos participantes, através de fotografias que representassem o cotidiano da comunidade diante a Pandemia do
novo coronavírus – Covid-19. Foram onze lideranças a participar do projeto. A partir dos temas geradores
identificados durante os diálogos iniciais do projeto, foram selecionadas as imagens e construídos os títulos e suas
respectivas legendas. Apresentou-se temas relacionados a mediação (proveniente do processo judicial), terra,
alimentação, preservação do meio ambiente, escola/criança e saúde/medicina tradicional.
Apesar de iniciarmos a metodologia do Photovoice através de temas geradores, foi possível notar durante os
encontros, que para a comunidade indígena não há uma separação das temáticas, pois todas elas abrangem mais
de uma dimensão. A saúde, por exemplo, está relacionada com a espiritualidade, bem como a espiritualidade está
relacionada a sua cultura.
15
Segundo Oliveira (2020, p. 65), os “xeramõi kuery, xamãs, lideranças espirituais[...] são as pessoas que guiam
e transmitem o conhecimento tradicional Guarani, se dá em consonância ao reconhecimento da história dos
ancestrais”.
16
Xondaro é uma palavra em Guarani que pode tanto designar uma dança, na qual os participantes realizam
movimentos de agilidade e são desafiados por uma pessoa que toma a frente na condução dos movimentos a
serem desempenhados, como também pode denominar um guerreiro, quem pratica a dança homônima e/ou uma
pessoa que possui a função de auxiliar nas atividades cerimoniosas, espirituais e cotidianas da comunidade
(Oliveira, 2020, p. 19).
17 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UHRA-7AtZWk. Acesso em: 26.de Maio de 2021
26

Xee má xerery Karai Papa, apy Xondaro ruvixa kyringue ambo'e vá'e ojeroky
haguã, Xondaro. Ojerokyagui hexarai he'yn haguã... Kova'e má ore reko i
pygua e ...Ha'e ro nhe mbo'e o pá mba e py va rã ... Há e gui ore vevui haguã
...Ore rexa pyxo avã guive.

Meu nome é Karai Papa, aqui como líder dos guerreiros. Eu também ensino
a dança dos guerreiro para as crianças, para que não se esqueçam e não se
percam, porque isso é a nossa cultura, essa dança na verdade é um preparo
pra ser um guerreiro. A dança é uma forma de treinar como se esquivar e
fortalecer os músculos fisicamente e mentalmente e como estar atento aos
ataques do inimigo (PAPA, 2020).

A relação cosmológica do sonho para o Xeramõi se dá também na busca da


territorialidade em que percorrem os Guarani Mbyá. Segundo relatos dos indígenas da Tekoá
Paranapuã apresentados na dissertação de mestrado de Mariany Santos (2019, p. 206), o
território da Tekoá Paranapuã foi revelado por Nhanderu18 através de sonhos em que os
rezadores tiveram.
Apesar do sonho e a figura dos Xeramõi Kuery serem parte da cosmologia Guarani não
há como delimitar apenas um motivo para que a comunidade tenha realizado a retomada neste
espaço, uma vez que é historicamente presente a disputa pelo território, devido as questões
políticas:

Ainda que tal questionamento seja direcionado a um ou outro interlocutor


indígena, as respostas podem também apontar para tal diversidade de fatores.
É importante, entretanto, colocar em destaque a figura do rezador (pajé), ou
xeramõi, para a compreensão das dinâmicas cosmológicas relacionadas e,
ainda, o papel do sonho como instrumento de interlocução divina orientadora
de ações em vigília (SANTOS, 2019, p. 200).

Outro elemento marcante para os Guarani Mbyá são os artesanatos (trabalhos em


missangas, cestaria, arco e flecha, bichinhos em madeira e filtros dos sonhos). Geralmente a
matéria – prima para confecção é recolhida na natureza, no entanto, a comunidade está em área
de sobreposição no Parque Estadual Xixová Japuí (PEXJ), e isso reflete nos acessos aos
materiais necessários por serem restringidos no parque, causando limitações quanto a
confecção dos artigos artesanais. Além da confecção dos artesanatos ser parte da cultura, em
que os ensinamentos são passados dos mais velhos, para os mais novos, ela é importante
também para o sustentos dos núcleos familiares. Também no vídeo elaborado pelo projeto
“Sementes Guarani”, com a temática dos artesanatos, a liderança Tupã Mirim e Yva Rete

18
De acordo com Fernando (2016, p.40), Nhanderu é Deus.
27

demonstram os processos para a confecção tanto das cestarias, quanto dos bichinhos em
madeira, bem como sua importância, conforme descrição do material publicado19:

Axauka ta pendevy pé peikuaa aguã mba'exapa pa ro mba'eapo mba'emo para


re. Pavê peikuaa aguã mba'exapa pa nhandekery reko. Ore kuery ma
ndorojayai takua yvyra jaxy ra'y py. Ronhembo'e mba'emo rojapo aguã oreru
kuery gui. Rojapo va'kue roiporu aguã rive va'e kue ay ma ha'e rami ve'y.
Arovy'a ha'e javive, xepytyvo va'e kue kova'e ajapo aguã!

Vou mostrar para vocês como trabalhamos com artesanato. Para todos
saberem como é vida do indígena. Nós não trabalhamos com bambu e madeira
na lua nova. Aprendemos a trabalhar as artes através do nossos pais. Os cestos
serviam para usar na roça, guardar sementes ou carregar milho ou batatas mas
atualmente as necessidades são outras. Agradeço todas as pessoas que me
ajudam, com este trabalho no sentido de valorizar a cultura indígena guarani!
(MIRIM, 2020).

Diante a descrição apresentada no material produzido, Tupã Mirim nos aponta que os
artesanatos possuíam uma necessidade no cotidiano da comunidade, o fato da aldeia estar em
área de sobreposição, afeta também no plantio da comunidade, refletindo na autonomia
alimentar, pois o cultivo de alimentos da tradição Guarani é restringido pela fundação Florestal.
Vale ressaltar também que a alimentação da cultura Guarani, diferencia-se da
alimentação dos Juruá Kuery, a falta de autonomia alimentar no território possui interferência
direta no modo de vida e na cultura, além disso, as políticas sociais de segurança alimentar não
incluem suas especificidades alimentares.

A dieta tradicional de uma comunidade indígena específica é resultado de


milhares de anos de simbiose entre este grupo humano, com sua genética,
hábitos, atividades, modo de vida e costumes próprios, e os alimentos que ele
selecionou e reproduziu ao longo de sua história. É importante a reflexão
sobre a qualidade do alimento industrializado, não-indígena, tanto nutricional
como culturalmente, sobre a sua inadequação para a dieta Guarani, e
sobretudo, um olhar para o futuro, um trabalho de sensibilização das crianças
desde cedo com a alimentação tradicional, com o trato da terra, o quanto ela
é importante para o seu povo, sua cultura e identidade (NACIF, 2020, p. 115).

Portanto, algumas das dimensões aqui apresentadas que permeiam a cultura são
afetadas devido a comunidade estar inserida no PEXJ, porém, do mesmo modo, há resistência
perante as tradições e ensinamentos Guarani. Referente as invasões em terras indígenas,
Oliveira nos aponta que:

19 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CrRbO4lAM08. Acesso em: 26 de Maio de 2021.


28

A espoliação dos territórios guarani não inviabilizou a sustentação do


nhandereko como eixo sociocultural deste povo. Apesar de as pressões dos
juruá kuery restringirem a ocupação indígena no yvyrupa, os guarani
mantiveram seus preceitos míticos, espirituais e cosmológicos em sua
territorialidade existencial (OLIVEIRA, 2020, p. 69).

A relação dos Guarani com o território é inerente a cultura, essa relação se dá no


cotidiano, no modo de vida, no próprio existir do indígena, ou seja, no nhandereko. Importante
destacar que os Guarani Mbyá estão presentes pela América Latina. De acordo com Ladeira
(2001, p.99), “os Guarani-mbya conservam um território – que compreende parte do Brasil, do
Uruguai, da Argentina e do Paraguai” [...]. Complementa também que:

Guarani que vivem fora desse território, na Região Norte do Brasil, sem
estabelecer vínculos de parentesco e de reciprocidade com as demais aldeias
no Sul e Sudeste, também reconhecem a mesma região da América do Sul
como território Guarani, uma vez que seus antepassados ali nasceram e
viveram (LADEIRA, 2001, p.99).

Desse modo, a disputa pelo território é presente historicamente desde o período


colonial, em que os indígenas tiveram suas terras desapropriadas, e também é presente as
diversas tentativas de apagamento da cultura. A resistência em territórios como o da Tekoá
Paranapuã, entre outros territórios indígenas permanecem até hoje, mesmo com as opressões
advindas do Estado, burguesia nacional e internacional. Por isso, a luta dos povos originários
de toda a América Latina é imprescindível para permanência da cultura que nos constitui e
constituiu enquanto povo latino americano. Sendo essa cultura, uma forma de resistência contra
as forças opressoras da sociedade.

1.3 A disputa do território


Para início da discussão sobre a disputa pelo território, é essencial percorrermos pelos
aspectos históricos que são carregados até a atualidade, nos facilitando na compreensão das
manifestações da disputa em terras indígenas. Portanto, partiremos da Lei 601 (Lei de Terras)
do ano de 1850, que “Dispõe sobre as terras devolutas do Império”.
Consideramos está legislação fundante para o funcionamento da propriedade privada
no modo de produção capitalista, pois a disputa pela terra marca o processo socioeconômico,
político e cultural da constituição do Brasil. Quando se inicia o processo de conquista dos
29

Europeus em nosso território, é presente um processo de exploração de nossas terras que se


define na história contada pelos juruá kuery como colonização.
A interpretação do Estado sobre às terras devolutas - "aquelas que não estão sob
domínio dos particulares, sob qualquer título legítimo, nem aplicadas a algum uso público
federal, estadual ou municipal”, englobaram as terras indígenas em que os povos já habitavam,
a partir da publicação da lei, nenhuma terra poderia ser ocupada a não ser, através da compra.
(AZANHA, 2001, p. 01).
Já para as terras consideradas “mansas e pacíficas”, ou seja, às terras que foram:
“adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem
cultivadas, ou com princípio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem
o represente [...]” a lei apresenta uma série de condições para sua legitimação (BRASIL, 1850).
Segundo Azanha (2001), no ano de 1854, o regulamento 1318, que trata da execução
da lei de terras, em seu artigo 72 em que diz: “serão reservadas terras devolutas para
colonisação, e aldeamento de indígenas nos districtos, onde existirem hordas selvagens”, e no
Art. 73 em que se especifica como será o processo das terras reservadas para aldeamento:

Os inspetores e agrimensores, tendo notícia da existência de tais hordas


nas terras devolutas que tiverem que medir, procurarão instruir-se de seu
genio e indole, do número provável de almas que elas contêm e da
facilidade ou dificuldade para seu aldeamento (BRASIL, 1854).

E no Art. 74:

A' vista de taes informações, o Director Geral proporá ao Governo


Imperial a reserva das terras necessarias para o aldeamento, e todas as
providencias para que este se obtenha (BRASIL, 1854).

Dessa forma, o Estado passa a ter domínio das terras que seriam de posse dos povos
indígenas, as terras já ocupadas deveriam passar por uma legitimação do Estado, sendo o
Governo imperial responsável por tal desapropriação. Para finalizar, Art. 75 nos traz:

As terras reservadas para colonisação de indigenas, e por elles distribuidas,


são destinadas ao seu usofructo; e não poderão ser alienadas, em quanto o
Governo Imperial, por acto especial, não lhes conceder o pleno gozo
dellas, por assim o permittir o seu estado de civilização (BRASIL, 1854).

Ou seja, as terras que forem legitimadas em seu aldeamento, serão de usufruto dos
indígenas, porém, em posse do governo. As terras que foram aldeadas, passam a ser terra de
uso público, e não mais dos povos que ali habitavam. Essa desapropriação é constante até a
30

atualidade, por meio de legislações beneficiando o setor privado, mantendo um sistema


decorrente da chamada colonização, que tem como objetivo a manutenção da grande
propriedade agrícola.
O continente Americano é marcado pelas expropriações de terras e violências contra os
povos originários, sob o domínio do continente Europeu. A autora Maria Inês Ladeia, nos
aponta que:

[...] a história de desenvolvimento e o processo de ocupação do campo, no


Brasil, é marcada, desde sua origem, por conflitos sociais. Essa realidade
é visível no continente americano como um todo, tendo também marcado
profundamente, desde antes da formação dos Estados nacionais, a história
de contato entre colonizadores e nações indígenas (que ocupavam os
espaços territoriais segundo seus próprios parâmetros). (LADEIRA, 2001,
p. 45).

Apesar da constituição Federal de 1934, em seu artigo 5º inciso “m”, apresentar


obrigatoriedade do Estado brasileiro a criar legislações para “incorporações dos silvícolas20”,
não garantindo a participação e construção das normativas a partir do olhar dos povos indígenas
e também não garantindo a permanência destes em seus territórios.
Segundo Ladeira (1989), hoje, no Brasil podemos encontrar três principais grupos de
etnias indígenas, os Kaiowá, que majoritariamente se encontram no estado do Mato Grosso do
Sul e no Paraguai, com indícios de famílias no estado do Espirito Santo. Os Nhandeva, vivem
no Mato Grosso do Sul, interior de São Paulo e no litoral paulista. Já os Mbyá, estão presentes
no litoral paulista, em alguns estados do sul do país (Rio Grande do Sul, Paraná e Santa
Catarina), e também no Maranhão e Tocantins. Além do Paraguai, Argentina e Uruguai).

Considerando que o conceito de território não é próprio das sociedades


indígenas, e que as delimitações territoriais são historicamente fixadas por
meio de estratégias de poder e controle político do Estado, conclui-se que os
territórios e as Terras Indígenas são espaços dominados que, inevitavelmente,
forçam os índios a firmar um pacto eterno de dependência com o Estado.
(LADEIRA, 2001, p. 84).

Além disso, Barroso e Milomens, vão nos dizer que:

O que se tem visto, do ponto de vista social, cultural, econômico e político,


até agora, é uma incessante e secular expropriação e genocídio, datada, é
verdade, desde o início do processo de colonização eurocêntrica, mas
presentemente reavivada com novos elementos (institucionais, jurídicos e

20 Indígenas / pessoas que vivem em floresta.


31

políticos) neste início de século XXI. (MILOMENS; BARROSO, 2019,


p.23).

Com o avanço da colonização, e ao longo da história, os indígenas passam por


adaptações, transformações, novos formatos e novas alianças entre os povos. Inicia-se a luta
pela terra, que antes deste processo de colonização, não tinham essa necessidade, uma vez que
o território era de origem tradicional.

Durante o processo de delimitação das aldeias Guarani existentes hoje no


litoral foi necessário concentrar esforços e atenção no levantamento técnico
dessa espécie de provas. Os próprios Mbya, constrangidos e atuando contra
seus princípios éticos e religiosos, precisaram participar desse processo (para
contradizer os argumentos dos que afirmavam que eles não necessitavam de
tanta terra e que tudo não passava de uma farsa montada pelos antropólogos
e indigenistas) construindo casas junto às divisas, mudando-se com apenas
parte da família, modificando seu cotidiano regrado por um calendário anual
e lunar ordenador das atividades de subsistência, fazendo novos arranjos
políticos entre aldeias e indicando seus cemitérios, prova mais cobiçada pelos
brancos (LADEIRA, 1989, p. 60).

Essas transformações advindas da política desenvolvimentista através da expropriação


de terras, são opositoras da percepção de território para os indígenas, uma vez que a terra, não
possui limites geográficos. Com o “desenvolvimento”, da grande burguesia, alguns grupos
sociais são excluídos deste processo, não levando em conta, a sua visão de mundo, nem mesmo
respeito a preservação de sua cultura.

Enquanto isso, a humanidade vai sendo descolada de uma maneira tão


absoluta desse organismo que é a terra. Os únicos núcleos que ainda
consideram que precisam ficar agarrados nessa terra são aqueles que ficaram
meio esquecidos pelas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos
oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina. São caiçaras, índios,
quilombolas, aborígenes — a sub-humanidade. Porque tem uma humanidade,
vamos dizer, bacana. E tem uma camada mais bruta, rústica, orgânica, uma
sub-humanidade, uma gente que fica agarrada na terra. Parece que eles
querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobre a terra, envoltos
na terra. A organicidade dessa gente é uma coisa que incomoda, tanto que as
corporações têm criado cada vez mais mecanismos para separar esses filhotes
da terra de sua mãe. “Vamos separar esse negócio aí, gente e terra, essa
bagunça. É melhor colocar um trator, um extrator na terra. Gente não, gente
é uma confusão. E, principalmente, gente não está treinada para dominar esse
recurso natural que é a terra.” Recurso natural para quem? Desenvolvimento
sustentável para quê? O que é preciso sustentar? (KRENAK, 2019, p. 12)
32

Segundo NACIF (2020) e a Comissão Pró-Índio21 entre os municípios da Baixada


Santista: Peruíbe, Itanhaém, Mongaguá, Praia Grande e São Vicente, temos aproximadamente
14 Terras Indígenas (TI), sendo: 02 TIs em Peruíbe, divididas em 12 aldeias, 05 terras indígenas
em Itanhaém, 05 em Mongaguá, 01 em Praia Grande e 01 em São Vicente, todas constituídas
pelos povos Tupi Guarani ou Guarani Mbyá.
Dentre essas terras indígenas temos 03 regularizadas e 02 declaradas, 01 em fase de
estudos e 02 que estão em processo de constituição de um grupo Técnico de Identificação e
Delimitação. (NACIF, 2020, p. 231). Assim como a Tekoá Paranapuã, outras aldeias da região
também estão inseridas em área de proteção ambiental.
Este processo de disputa do território na comunidade, iniciado desde 2004 (ano da
retomada), tiveram alguns percursos. Após a comunidade perder o processo, advindo da
Fundação Florestal, em primeira instância, Cleirray Werá nos aponta que:

Então nós recentemente também recebemos a reintegração de posse da aldeia


Paranapuã. E foi uma luta. Resistência do povo guarani ali de Paranapuã. Para
permanecer ali, porque a terra é o nosso lar; casa. De lá a gente não sai.
Sempre a gente fala isso e sempre repetiremos. E se é para morrer pela terra
a gente morre, mas sair a gente não sai. Apesar de passar por várias
dificuldades, que as vezes eu penso que o próprio Estado coloca essas
barreiras para que o povo indígena possa desistir. Mas a gente nunca desistiu.
(FERNANDO, 2016, p. 41)

Ao recorrer em segunda instância, foi instaurado o processo de mediação. No âmbito


da mediação, foi possível recorrer a garantia de acesso à alguns direitos, como a saúde,
educação, saneamento básico, porém, não em sua completude.
Além disso, no âmbito da mediação, foi construído um grupo de trabalho - GT, para
elaboração do Plano de Uso Tradicional (PUT)22, envolvendo a FUNAI, UNESP e a Unifesp
(representada pela Frente de Cultura e resistência indígena), para realização de um plano de
mapeamento e uso do território de forma que abranja a cultura Guarani. Após mapeamento e
elaboração, o material será apresentado junto ao processo judicial, com intermédio da

21 Mapeamento de terras indígenas no Estado de São Paulo. Disponível em: https://cpisp.org.br/indios-em-sao-


paulo/terras-indigenas/terras-indigenas-em-sao-paulo/. Acesso em: 05 de Junho de 2021.
22 Segundo o manual de atuação MPF (Ministério Público Federal), o PUT consiste em: instrumento de

planejamento territorial e pacto coletivo, no âmbito do qual se define o microzoneamento do território de uso da
comunidade, realizado com base em estudos técnicos e levantamento socioeconômico e ambiental, que contemple
a demanda de sustentabilidade econômica em compatibilidade com a conservação da sociobiodiversidade,
constituindo áreas a vigorar como especiais no interior das Unidades de Conservação de Proteção Integral
(culturais-antropológicas) ou a ser indicadas para a criação de Unidade de Conservação de Uso Sustentável (MPF,
2014, p. 34). Disponível em: manual-de-atuacao-territorios-de-povos-e-comunidades-tradicionais-e-as-unidades-
de-conservacao-de-protecao-integral (mpf.mp.br). Acesso em: 05 de Agosto de 2021.
33

mediação, com o objetivo de conciliar os interesses do povo Guarani, bem como da Fundação
Florestal.
Portanto, essa disputa do território que se encontra a aldeia, está limitada pela decisão
de permanência ou não povo indígena na região, diferentemente de um processo de demarcação
da terra, pois para demarcação através da FUNAI é necessário percorrer outros processos
administrativos, mas, para isso a comunidade precisa garantir em primeiro momento, seu
direito de permanência, antes mesmo de garantir o direito à terra. Neste sentido “a ação judicial
torna-se, portanto, um poderoso dispositivo “ordenador” de territorialidades e provoca, em
contrapartida, respostas distintas de cada grupo envolvido”. (SANTOS, 2019, p. 129).
A disputa pela terra, é um elemento intrínseco ao indígena, visto que sua própria cultura
tem uma relação direta com o território. Ao longo de nosso processo histórico, o Estado torna
difícil o acesso à terra para determinados grupos sociais.

Será que o povo indígena vai existir ainda? Então isso que a gente quer
garantir no futuro. A pressão é muito forte através dos governantes, criam leis
e a gente que fica sem saber para onde correr. Mas de tudo a gente tem lutado
e falar que vamos resistir sempre. O povo guarani é um povo muito forte.
Povo que nunca desistiu. É mais de 1500 anos resistindo. [...] A gente
resistiu, para que até hoje pudesse estar aqui para vocês verem a cultura
guarani. (FERNANDO, 2016, p. 42)

Conforme a fala de Cleirray, através das criações das legislações o povo Guarani perde
constantemente seu território, porém, devido as lutas e resistência da cultura, e do Nhandereko
é que o indígena mantém seu direito ao território e a cultura guarani. Os desafios enfrentados
pela comunidade da Tekoá Paranapuã estão relacionados a vivência do modo de vida Guarani
e o acesso aos serviços que promovam e garantam os direitos fundamentais previstos na
Constituição Federal de 1988, além do direito à terra.

1.4 O direito ao território.


Para discutirmos referente aos direitos dos povos indígenas, previstos como direitos
sociais em nossa carta Magna, é essencial buscar em primeira relevância o acesso ao território,
pois, como dito, a bandeira central da luta dos povos indígenas é o direito à terra.
A constituição Federal de 1988, foi um marco para conquista de direitos sociais em
nosso país. Os povos indígenas são reconhecidos na atual constituinte como pessoas de direito,
portanto, o capítulo “VIII”, que trata especificamente do direito indígena, e em seu Art.º 231:
“São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e
34

os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União


demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988).
Ou seja, fica a critério do Governo Federal, criar meios de demarcar as terras indígenas,
além de preservar sua cultura. Apesar disso, é importante considerar que na trajetória da
democracia brasileira, não tivemos a oportunidade de vivenciar uma política que garanta na
totalidade, os direitos previstos dos povos indígenas na nossa constituição federal, devido os
representantes, em sua maioria, defenderem um projeto baseado no “desenvolvimento”, que se
caracteriza como uma “modernização conservadora” que defendem a classe burguesa.
Importante ressaltar, que o reconhecimento dos indígenas, é resultado de luta e
resistência do povo indígena para serem reconhecidos na constituinte de 1988. Conforme o
depoimento marcante de Ailton Krenak23, na Assembleia Nacional Constituinte ocorrida no
ano de 1987, em que diz:

Eu espero não agredir, minha manifestação o protocolo desta casa, mas, eu


acredito que os senhores não poderão ficar, omissos, os senhores não terão
como ficar alheios a mais essa agressão movida pelo poder econômico, pela
ganância, pela ignorância do que significa ser um povo indígena. O povo
indígena tem um jeito de pensar, um jeito de viver, tem condições
fundamentais para sua existência para manifestação da sua tradição, da sua
vida, da sua cultura, que não coloca em risco e nunca colocaram a existência
sequer dos animais que vivem ao redor das áreas indígenas, quanto mais de
outros seres humanos [...]. [...] E hoje nós somos o alvo de uma agressão que
pretende atingir imanência, a nossa fé, a nossa confiança de que ainda existe
dignidade, de que ainda é possível construir uma sociedade que sabe respeitar
os mais fracos, que sabe respeitar aqueles que não tem o dinheiro para manter
uma companha incessante de informação, que saiba respeitar um povo que
sempre viveu à revelia de todas as riquezas. [...]. [...] o povo indígena tem
regado com sangue, cada hectare dos 8 milhões de quilômetros quadrados do
Brasil. (KRENAK,1987).

No ano de 1910 cria-se o SPILTN (Serviço de Proteção ao Índio e Localização de


Trabalhadores Nacionais), órgão responsável pela proteção do índio no Brasil, porém, neste
período as comunidades indígenas, bem como suas etnias, passam por outro processo de
modificação de seus territórios a mando do Estado Brasileiro, com a concentração de cada etnia
indígena em “um único local do Estado”, porém, essa estratégia foi falha e então optaram por
tentar concentrar os indígenas de uma mesma região em um único local. (NACIF, 2020, p.
155).

23 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ildN6lyXDNE. Acesso em: 10 de Junho de 2021


35

Devido as intensificações do projeto desenvolvimentista na década de 1960,


acarretando em intensificação de obras na região da Amazônia, com abertura de rodovias, e
“implantação das monoculturas e da pecuária extensiva”, os conflitos por terra se acirram.
Neste mesmo período o órgão SPI24, é acusado de corrupção, genocídio e ineficiência, e
investigado pelo CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). A investigação acarretou na criação
da FUNAI 25(Fundação Nacional do Índio), e o fim do SPI. (SANTOS, 2019, p. 62).
Através do Decreto 1.775 do ano de 1996, que “Dispõe sobre o procedimento
administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências”, é o meio em que
a FUNAI, vinculada ao ministério da justiça, utilizará das etapas dos processos administrativos
para demarcação das terras indígenas, sendo competência do poder executivo, conforme
descrito em seu Art. 1º:

As terras indígenas, de que tratam o art. 17, I, da Lei n° 6001, de 19 de


dezembro de 1973, e o art. 231 da Constituição, serão administrativamente
demarcadas por iniciativa e sob a orientação do órgão federal de assistência
ao índio, de acordo com o disposto neste Decreto. (BRASIL, 1996).

O site26 da FUNAI nos explicita as etapas de demarcação de Terra Indígena, que são:

i)Estudo de identificação e delimitação a cargo da Funai;


ii)Contraditório administrativo ;
iii)Declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça;
iv)Demarcação física a cargo da Funai;
v)Levantamento fundiário de avaliação de benfeitorias
implementadas pelos ocupantes não-índios, a cargo da Funai,
realizado em conjunto com o cadastro dos ocupantes não-índios, a
cargo do Incra;
vi)Homologação da demarcação, a cargo da Presidência da
República;
vii)Retirada de ocupantes não-índios, com pagamento de benfeitorias
consideradas de boa-fé, a cargo da Funai, e reassentamento dos
ocupantes não-índios que atendem ao perfil da reforma, a cargo do
Incra;
viii) Registro das terras indígenas na Secretaria de Patrimônio da
União, a cargo da Funai; e
ix) Interdição de áreas para a proteção de povos indígenas isolados, a
cargo da Funai.

24 Serviço de Proteção ao Índio (SPI), desvinculado da localização de Trabalhadores Nacionais em 1918, através
do Decreto – Lei 3.454.
25 Lei 5.731 no ano de 1967.
26 Disponível em: http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-53. Acesso em: 10 de Junho de 2021.
36

Apesar de diversas conquistas dos povos indígenas, o processo de demarcação de terras,


envolve um processo de disputa com o setor fundiário do país, não garantindo o direito à terra
dos povos originários. Ao longo deste processo de conquistas, no continente sul americano, as
disputas são marcadas extermínio do povo originário do país, e também a ausência de
representatividade em espaços de decisão política.
Os povos indígena, são sujeitos de direitos coletivos, portanto, a efetivação da garantia
de direitos, deverão estar numa perspectiva de cada etnia, cada povo, região. Ainda, “sua
criação não depende de trâmites legais, contratos, registros, autorizações” porque os indígenas
existem, e sua existência é de uma gênese originária. O fato de existir, já faz com que o indígena
seja sujeito de direitos coletivos. “Esses direitos, de existir e de estar em uma terra, não nascem
do reconhecimento do Estado, mas lhe são anteriores, nascem com o nascimento do povo ou
comunidade”. (FILHO, 2018, p. 87).
Outro marco importante para a luta indígena foi a criação da convenção da OIT
(Organização Internacional do Trabalho) nº107 do ano de 1957, que “Concernente à proteção
e integração das populações indígenas e outras populações tribais e semitribais de países
independentes”, porém, houve uma alteração, no ano de 1989, em que a OIT 107, foi
substituída pela convenção OIT 169 de 1989, que trata “sobre Povos Indígenas e Tribais”.
O Brasil, através do Decreto 5051/2004, promulga a convenção, bem como, outros
países da América Latina, ratificam a convenção. Segundo o “manual para defender os povos
indígenas e tradicionais”27, os dispositivos da convenção são obrigatórios para os Estados que
validaram a convenção. Portanto, os países deveriam modificar suas legislações, que não forem
de acordo com a convenção, bem como a criação de políticas públicas
Ainda no manual, em que diz que os Artigos 6º,7º e 15º, da OIT explicita o direito a
participação nas construções de políticas e programas que lhe atingem. 6º, 15º, 17º, 22º e 28º
garante o direito a serem consultados sobre medidas legislativas que lhe afetam. Além disso,
os Artigos 14º e 18º, dá o direito aos indígenas “a propriedade e a posse das terras que
tradicionalmente ocupam”.
Apesar do Brasil ser participante do consenso, e conforme previsto na convenção, não
há participação direta do povo indígena nas decisões políticas da sociedade brasileira, o
caminho de conquistas são de muitos anos de luta para tal reconhecimento. No ano de 2016,

27Disponível em: http://www.dplf.org/sites/default/files/povos_indigenas_web_c.pdf. Acesso em: 12 de Junho


de 2021.
37

houve a criação da tese do “Marco Temporal28”, tese que defende que as terras indígenas
poderão ser demarcadas com a data especifica de nossa constituinte. Portanto, o movimento
indígena, é obrigado a criar a bandeira de luta contra o marco temporal.
O Marco temporal, deixa para trás todo o contexto histórico do país, e também não
reconhece o povo indígena, como tradicional, uma vez que passa a considerar o território
indígena somente o povo que estivesse nela em 1988, claramente, seguindo os interesses dos
ruralistas e na contramão da própria constituinte. Como bandeira de luta, surge a frase: “Nossa
História não Começa em 1988!”.
Segundo o protocolo de consulta, da Terra Indígena do Jaraguá:

Essa tese ignora todo o processo histórico de invasão desta terra e genocídio
contra a população indígena, assim como, as políticas governamentais de
deslocamento forçado, remoções e massacres ocorridos contra nós, povos
indígenas desde a chegada do jurua nesta terra. Sendo assim, se é para existir
um marco temporal, que este seja o ano de 1500 (PROTOCOLO DE
CONSULTA TERRA INDIGENA DO JARAGUÁ, s/d).

Segundo NACIF (2020), a tese do marco temporal, é incorporado nas discussões em


diversas esferas políticas, a partir do julgamento, pelo STF (Supremo Tribunal Federal), da
terra indígena Raposa Serra do Sol (PET 3388). Com o acirramento das políticas anti-indigena
a partir do instauração de um governo que utiliza os aparelhos do Estado para garantir espaços
e poder para os ruralista, bem como o grande capital.
No ano de 2018, o atual presidente da república, Jair Messias Bolsonaro, nos deixa
claro, que aplicará uma política anti-indigena, conforme publicação da matéria da Folha de 05
de Novembro de 201829, “'No que depender de mim, não tem mais demarcação de terra
indígena', diz Bolsonaro a TV”:

Em 2017, em visita ao Mato Grosso, Bolsonaro também se disse contra o


reconhecimento de novas terras indígenas no país. “Não terá um centímetro
quadrado demarcado” (FOLHA, 2018).

Portanto:

28 Segundo Terena, assessor jurídico da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), o marco temporal é
uma tese que “os povos indígenas só tem direito as terras que estavam ocupando no dia 05 de Outubro de 1988”,
ou seja, retira os direitos tradicionais em terras brasileiras. Disponível em: https://apiboficial.org/2020/10/20/o-
direito-originario-dos-povos-indigenas/. Acesso em: 28 de Julho de 2021.
29 Matéria da Folha de 05 de Novembro de 2018. Disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/11/no-que-depender-de-mim-nao-tem-mais-demarcacao-de-terra-
indigena-diz-bolsonaro-a-tv.shtml. Acesso em: 12 de Junho de 2021.
38

[...] a política do governo Bolsonaro traz um elemento novo que, além de


ser excludente, passou a ser culposa, contra os indígenas, associando-os a
seres animalizados e deslegitimando suas demandas, numa política hostil
à sobrevivência dos povos indígenas no Brasil (OLIVEIRA & BUZATTO,
2019, p. 11).

Atualmente, está em trâmite de discussão na câmara dos deputados a PL 490 de 2007,


elaborada pela bancada ruralista. O Projeto de Lei, é fundamentado pela tese do marco
temporal, que também está sendo discutido pelo STF. O movimento indígena passa a
manifestar contra a PL 490/2007 e contra a tese em Brasília, através de acampamento, reunindo
diversas etnias, a partir do dia 08 de Junho de 2021, conforme matéria da APIB30 (Articulação
dos Povos Indígenas do Brasil), “APIB: Povos indígenas ocupam cúpula do Congresso
Nacional em manifestação contra o PL 490”:

Povos indígenas das regiões Sul e Sudeste do Brasil ocuparam a cúpula do


Congresso Nacional, na tarde desta terça-feira (8), em protesto contra o
Projeto de Lei (PL) 490/2007, que abre as terras indígenas para a exploração
econômica predatória e inviabiliza, na prática, novas demarcações. Os
indígenas exigem que o PL 490 seja retirado de forma definitiva da pauta da
Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara dos Deputados
(OBIND, 2021).

O cenário de disputa de direito pelo território indígena, na atualidade, tem sido


constantemente tensionado, apesar de que em outros cenários políticos não houverem, de fato,
avanços em que se aproxime da perspectiva Guarani, uma vez que há uma ausência na
representatividade para construção de políticas específicas.
Além dessas pautas, segundo levantamento realizado pelo conselho indigenista
missionário (CIMI)31, do ano de 2017, existem hoje no Brasil cerca de “33 propostas que
ameaçam direitos indígenas”, sobretudo de seus territórios, portanto, a luta é continua. Em
momentos da história, a depender do cenário político, tivemos momentos com mais avanços e
momentos que o cenário de disputa se acirra:

Levantamento realizado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)


identificou que há, hoje, 33 proposições anti-indígenas em tramitação no
Congresso e no Senado. Somadas às propostas apensadas por tratarem de
temas semelhantes, ultrapassam uma centena. Das 33 proposições anti-
indígena apuradas, 17 buscam a alteração nos processos de demarcações de

30 Disponível em: http://obind.eco.br/2021/06/08/isa-povos-indigenas-ocupam-cupula-do-congresso-nacional-


em-manifestacao-contra-o-pl-490/. Acesso em: 14 de Junho de 2021.
31
Disponível em: https://cimi.org.br/2017/10/congresso-anti-indigena-33-propostas-reunindo-mais-de-100-
projetos-ameacam-direitos-indigenas/. Acesso em: 16 de Junho de 2021.
39

Terras Indígenas – oito sustam portarias declaratórias; seis transferem ao


Congresso Nacional a competência de aprovar e gerir as demarcações das
terras; as outras três correspondem a autorizar arrendamento em TI, impedir
a desapropriação para demarcações de TI e estabelecer indenização para
invasores que ocuparam TI após 2013 (CIMI, 2017).

Todos esses elementos refletem diretamente no cotidiano das comunidades indígenas,


portanto, na Paranapuã há também, reflexos das políticas anti-indígenas. Há o direito do
território na legislação brasileira, com interfaces dos programas internacionais, porém, este
direito não é garantido e acessado.
Segundo Ladeira (1989), os processos de demarcação de terras indígenas no litoral
paulista, segue uma ordem conservadora e incoerente com a perspectiva de uso da terra para
os Guarani.

Assim, para além da força da bancada ruralista no Congresso Nacional e do


lobby do agronegócio no Palácio do Planalto a visão de juristas do alto
escalão, ao ser evidenciada de forma cada vez mais interessada e ao não
observar a legislação em sua totalidade, mas apenas com uma interpretação
estreita e parcial, fragmentada, como se revela pela tese do marco temporal,
coloca em xeque o próprio republicanismo do judiciário, como já acontece
com os demais poderes da federação. Revela-se aí uma leitura associada antes
às relações de poder e a um “normativismo de interesse”, uma “hermenêutica
de conveniência” (NACIF, 2020, p. 169).

A disputa pela terra e o direito ao território são possíveis através da luta do povo
indígena, uma vez que a propriedade privada passa a ser um elemento essencial para manter a
ordem burguesa, por meio da utilização da máquina pública e que trabalha na direção da
desapropriação de uma terra de direito tradicional, favorecendo ruralistas, desencadeando no
retrocessos dos direitos indígenas.
40

CAPITULO 2

POLÍTICAS SOCIAIS

2.1 Política Social na perspectiva Juruá


Quanto às construções das políticas sociais, fica explícito que não contemplam a
dinâmica e cosmologia presente nos territórios habitados pelos indígenas. Para tanto, é
necessário entender e incorporar a concepção da visão de mundo dos indígenas, além de
estabelecer o diálogo com a cultura Guarani na execução e implementação dessas políticas,
conforme previsto na OIT 169.
Segundo Koga (2011), para analisar a questão do território e sua relação com as
políticas públicas é necessário compreender a formação sócio histórica brasileira do ponto de
vista cultural e político, para além do ponto de vista somente socioeconômico, tendo em vista
que a formação da sociedade brasileira tem base escravocrata, patrimonialista e apresenta uma
caráter autoritário e uma estrutura estabelecida a partir da violência.
Esses aspectos refletem no que atualmente se entende na sociedade por civilidade e
cidadania, criando uma falsa ilusão de que “os índios” não são sujeitos civilizados, ou até
mesmo, sujeitos que necessitam viver de acordo com os padrões estabelecidos pelos Juruá
Kuery. As comunidades indígenas, historicamente, possui uma trajetória de luta, carregada de
enfrentamento ao racismo e preconceito, passando por hierarquizações das relações. O
cotidiano dos sujeitos que ali vivem são marcados por essas determinações da sociedade.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 215 diz: “O Estado garantirá a todos o
pleno exercício dos direitos culturais”. E em seu artigo 216, em que “constitui patrimônio
cultural brasileiro[...] à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, e
institui nos itens I e II “as formas de expressão” e os modos de criar, fazer e viver”. (BRASIL,
1988). Portanto, segundo nossa constituinte, os indígenas terão seus direitos culturais
garantidos, incluindo o respeito ao seu próprio modo de vida, porém, apesar destes direitos se
apresentaram desde a criação da carta magna, e a partir dela, terem sido formuladas uma série
de legislações que garantam o acesso à terra, a cultura e o modo de vida Guarani, resultado das
lutas dos povos indígenas, esses direitos são violados, se acirrando em territórios que não são
demarcados como terras indígenas (T.I).
Do mesmo modo que o Estado possui a responsabilidade de “garantir o exercício dos
direitos culturais”, possui também, um elemento em que Koga (2011) denomina de aspecto
relacional, sendo a predominância das “relações interpessoais nas tomadas de decisões”.
41

Uma ambiguidade não conflituosa, mas que, pelo contrário, é exercida de


forma eficaz nas relações institucionais, em que o fato da proteção ou da
cordialidade dos superiores para com os inferiores é encarado como um
privilégio e ao mesmo tempo um favor. Junto ao traço patriarcal, destaca-se,
portanto, o traço patrimonial nas relações sociais.
Em decorrência dessa influência patrimonial surgia a dificuldade de
adaptação ao sistema burocrático estatal, prevalecendo as relações
interpessoais na tomada de decisões. (KOGA, 2011, p. 41-42).

Considerando a perda progressiva de território, beneficiando apenas um grupo social, a


cultura indígena é cada vez mais negligenciada por parte do Estado. A questão do território
envolve também o reconhecimento do Estado em comunidades tradicionais indígenas,
quilombolas e ribeirinhas. É fundamental, também, o diálogo na construção de políticas
públicas específicas e a garantia e efetividade de aplicação, fazendo prevalecer a interligação
entre o direito à terra, cultura, saúde, saneamento, alimentação, com a permanência da cultura
Guarani Mbyá.
As políticas sociais são resultados das lutas de movimento sociais, bem como do
desenvolvimento das intervenções do Estado, no período do pós-segunda guerra. Com o
objetivo de manter a ordem social, as sociedades pré-capitalistas, assumem “algumas das
responsabilidades sociais”; porém, no Brasil, as políticas foram constituídas com marcas de
particularidades históricas, específicas de um país periférico. (BEHRING; BOSCHETTI,
2011).

O processo de colonização entre os séculos XVI e XIX, na sua interpretação,


serviu à acumulação originária de capital nos países centrais. Os períodos
imperial e da república não alteram significativamente essa tendência de
subordinação e dependência do mercado mundial, embora se modifiquem
historicamente as condições dessa relação. (BEHRING; BOSCHETTI, 2011,
p. 72).

As marcas da colonização refletem nas construções de dispositivos para a organização


da sociedade até a atualidade, sendo insuficiente partimos das construções das políticas sociais
do continente europeu, uma vez que as especificidades históricas são outras. As marcas da
colonização, cujo o objetivo é manter o grande capital internacional, refletem nessas
construções das políticas, sobretudo aos povos indígenas e povo negro.
O escravismo é um elemento necessário de considerar, pois ele se manifesta nas
relações sociais e também na cultura do povo brasileiro. A consolidação do modo de produção
capitalista na sociedade brasileira carrega as tentativas de apagamento da cultura dos povos
42

originários, como também as disputas para que possam permanecer em seus territórios - a
expropriação ocorrida frente à acumulação do capital.
Além disso, com a Independência do Brasil e a consolidação do Estado-nação surge o
“florescimento do espírito burguês” sem que houvesse um rompimento com o capital
internacional, desencadeando numa “não equiparação entre autonomização econômica e
autonomização política”, uma economia voltada para a exportação. (BEHRING; BOSCHETTI,
2011, p. 75).

O Estado brasileiro nasceu sob o signo de forte ambiguidade entre um


liberalismo formal como fundamento e o patrimonialismo como prática no
sentido de garantia dos privilégios das classes dominantes. O
desenvolvimento da política social entre nós, como se verá, acompanha
aquelas fricções e dissonâncias e a dinâmica própria da conformação do
Estado (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 75).

Ao longo do processo de colonização criou-se uma concepção da necessidade que os


Juruá Kuery façam o intermédio, representação e proteção dos povos indígenas nos espaços de
disputa de interesses; portanto, cria-se instituições para sua representação, como por exemplo,
a FUNAI. Essa necessidade de mediação é fruto do processo, ainda atual, de colonização.
(CALEFFI, 2003).
Esta falsa percepção causa um afastamento das reais necessidades pela retomada de
territórios indígenas, além da não conquista de direitos que abranjam a cosmologia guarani,
pois a mediação do Juruá interfere na percepção das construções de políticas.
Segundo Caleffi (2003), no ano de 1971, houve o congresso de barbados32 em que os
antropólogos e missionários religiosos consideram que as populações indígenas sofrem um
processo de etnocídio na América Latina, além de citarem a necessidade de autogoverno desta
população, considerando suas especificidades culturais.

Isto significa uma importante quebra do paradigma de entendimento que a


sociedade colonizadora possuía sobre as populações nativas como sendo
incapazes ou relativamente capazes, passando-se agora para a compreensão
destas populações enquanto sujeitos históricos capazes de assumir seus
destinos e defenderem seus direitos de existência como povos detentores de
culturas diferenciadas dentro dos Estados Nacionais latino-americano, e que
assim desejam permanecer (CALEFFI, 2003, s/p).

32 De acordo com Urquidi (s/d), a declaração de Barbados de 1971 (patrocinado pelo Conselho Mundial de
Igrejas), reuniu antropólogos indigenistas da América Latina, que pela primeira vez, mencionaram a necessidade
de estar presente o povo indígena, além da responsabilização do Estado perante à colonização. Já o ano de 1977,
o segundo encontro de Barbados pode contar com a presença do povo indígena.
43

De acordo com a autora, essa mudança da concepção ocidental não ocorre de forma
espontânea, mas sim através da luta do povo indígena para reconhecimento de sua cultura, além
das revisões das ciências sociais que possibilitou discussões políticas-acadêmicas para
formação de conhecimentos.
Segundo a análise realizada por Berger33 (s/d), a “questão política como expressão da
questão social do campo”, é determinada pela expropriação de terras na América Latina,
sobretudo no Brasil, afetando a população indígena. No século XX uma série de legislações
reconhecem alguns direitos indígenas a partir de uma percepção ocidental: a constituição
federal, convenção OIT 169, estatuto do índio (1973), e no âmbito da educação, a Lei 11645/08,
que se torna obrigatório o estudo das populações de origem africanas e indígena (BERGER;
PINTO, 2019, p. 85).

A política indigenista, marcada pela tutela, hoje solicita novas abordagens que
têm como ponto de partida os anos 1970 e 1980, quando se reconhecem os
indígenas como sujeitos de direitos. O desafio maior hoje passa pela lente
com que vamos ler a realidade desses povos, que escape ao etnocentrismo e
compreenda sua cultura numa perspectiva crítica de totalidade, e aí sim,
caminhar dos direitos humanos (civis, políticos, sociais e ambientais) para as
políticas públicas onde eles conduzam e decidam o processo, inclusive o
orçamento (BERGER, s/d, p. 20).

O Estado, ao impossibilitar o acesso a Terra para os indígena, está colaborando com o


genocídio deste povo, a não aplicabilidade das políticas já existentes no que se refere ao direito
ao território, trazem consequências concretas no cotidiano e na vida do povo Guarani. Um fator
a ser considerado é quanto a autonomia dos povos indígenas em áreas que estão em processo,
ou não estão demarcadas, pois nelas não se aplicam as políticas indigenistas, bem como os
demais ataques, para o não acesso ao território, como por exemplo, a tese do marco temporal,
apoiada pela bancada ruralista do congresso nacional.

O Estado fecha os olhos duas vezes, uma quando não quer agir em favor da
demarcação desses territórios, a outra é quando aquelas comunidades que
ainda não têm terra demarcada não pode acessar políticas diferenciadas
voltadas para as comunidades indígenas, age na lógica “se eu não demarquei,
logo não tenho obrigação”. Saúde, educação, soberania alimentar são alguns
exemplos de direitos que os indígenas não podem acessar por não ter terra
demarcada. Eles não conseguem implantar uma política de gestão territorial
ambiental porque não têm terra, e essa política é justamente a busca do bem
viver (VIEIRA, 2018, p. 164).

33 Acesso em: 25 de Junho de 2021. Disponível em: file:///C:/Users/User/Downloads/3020-7390-1-PB.pdf.


44

Ocorre que na Tekoá Paranapuã, devido o processo judicial em vigência, o acesso à


direitos fundamentais se dá perante grande esforços dos atores envolvidos (indígenas e
apoiadores), bem como legitimados pela instauração da mediação, que atribuiu alguns avanços
na garantia destes direitos, porém, do mesmo modo, não há uma relação direta com a cultura,
passando por um processo de judicialização até mesmo destes direitos já previstos em
legislações.
Desde a retomada da comunidade indígena, no ano de 2004, tem-se articulado na
inserção dos acessos às políticas, criando fluxos de trabalho e vínculos com equipamentos
públicos. Segundo Koga (2011), para que sejam compreendidas as formas que as políticas
sociais se dão no território é essencial a compreensão de como são as relações sociais dos
sujeitos que estão inclusos nele, sendo, a comunidade da Tekoá Paranapuã parte integrante do
município.
Portanto, é fundamental discorrer quanto aos vínculos que a comunidade formou e vêm
formando no município de São Vicente, e suas vinculações com as secretarias de assistência
social, saúde, educação e habitação, além dos vínculos formados com munícipes, movimentos
sociais, apoiadores da luta indígena, entre outras instituições relacionadas ao cotidiano da
comunidade.
Além dos vínculos municipais, há também, os vínculos com instituições estaduais e
federais, como as unidades escolares, unidades hospitalares, além dos vínculos relacionados às
políticas direcionadas às comunidades indígenas da Baixada Santista, como a SESAI e a
FUNAI, e também as articulações entre os povos indígenas da região.
Como já citado, a saúde indígena está relacionada também com as práticas culturais e
ancestrais dos Guarani Mbyá. A opy, xeramõi e a xejary’i (companheira do xeramõi), e também
a utilização da natureza no cuidado e na manutenção cultural do povo Guarani Mbyá. O espaço
não está relacionado somente à espiritualidade, mas também onde são tratados os casos de
doenças, dores ou queixas relacionadas ao corpo, mente e espírito. O Xeramõi utiliza a natureza
para efetivar seu papel: utilizar plantas e ervas medicinais, sendo assim, é fundamental o cultivo
dessas plantas na terra indígena que estão inseridos.
É importante considerar que apesar dos povos indígenas serem os primeiros habitantes
do país, temos muito o que conhecer de sua cultura e partir da consideração de que são diversas
etnias e não apenas um povo único, apesar de nesta pesquisa buscarmos entender a partir da
cosmologia dos Guarani Mbyá. Partindo de pressupostos de que são sujeitos políticos, portanto,
incorporar estes sujeitos nas discussões das construções das políticas sociais é um dever do
45

Estado, além disso, incorporar também nas discussões acadêmicas, obviamente incluindo o
Serviço Social.

2.2 O Serviço Social e a Política Social Indigenista


No ano de 2012, o CEFESS (Conselho Federal de Serviço Social), lançou seu primeiro
“CEFESS Manifesta”34, com a temática indígena em representação ao considerado “dia do
índio – 19 de Abril”:

Sabemos que o/a assistente social teve, historicamente, seu campo


profissional concentrado no espaço urbano. Todavia, esse campo profissional
vem se ampliando, ultrapassando as fronteiras urbanas, seguindo o rastro do
acirramento das desigualdades sociais no espaço rural, provocado pela
expansão do grande capital nesse âmbito. Compondo as contradições dessa
expansão, vê-se a crescente inserção das chamadas populações tradicionais
(índios, ribeirinhos, quilombolas, pescadores, etc.) nas políticas sociais
brasileiras (CEFESS, 2012).

O documento salienta que quanto a proteção social, previstos na constituição de 1988,


as comunidades indígenas passam a ser incorporadas no tripé de saúde, assistência social e
previdência. Referente a saúde, há avanços quanto a saúde diferenciada, lei 9.836/1999,
que "dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências",
instituindo o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena”, além da criação da SESAI – Secretaria
Especial de Saúde Indígena, instituída pelo decreto nº 7.336 do ano de 2010.
Quanto a previdência, são considerados “segurados especiais”. Já no âmbito da
assistência social, somente na promulgação do SUAS – Sistema Único de Assistência Social,
no ano de 2004, que a população indígena passa a ter ações diferenciadas, sendo implementados
os Centros de Referência de Assistência Social - CRAS Indígena, ou, CRAS em terras
indígenas (CEFESS, 2012).
Ainda, de acordo com o documento, o conjunto CFESS/CRESS – Conselho Regional
de Serviço Social, afirma seu compromisso com a luta indígena e as respectivas lutas pelo
direito à terra, de acordo com os seguintes tópicos:

• intensificação da discussão, no Conjunto CFESS-CRESS, sobre a questão


indígena no Brasil, a população quilombola e comunidades tradicionais, o

34Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta2012_lutaindigena-SITE.pdf. Acesso em: 01


de Julho de 2021.
46

aparato legal (legislação) que as regem, o estudo sobre o acesso desses


segmentos às políticas públicas, apoiando a luta pela demarcação das terras.
• articulação e apoio às lutas dos movimentos sociais pelo direito à terra, pela
moradia digna, pelos direitos dos povos originários, quilombolas, população
em situação de rua e catadores/as de materiais recicláveis. (CEFESS, 2012).

No ano de 2013, o CEFESS Manifesta lança outro documento com a temática indígena
com o título: “Éramos livres e felizes...35”, em que traz o contexto histórico dos povos indígenas
no Brasil, e apresenta também o desafio de aprofundamento na temática para o Serviço Social,
bem como apresenta o compromisso firmado no 41º Encontro Nacional CEFESS/CRESS, e
reafirma os mesmos compromissos do CEFESS Manifesta do ano de 2012.

A questão indígena constitui-se, portanto, num desafio, diante do qual o


Conjunto CFESS reafirma a necessidade de aprofundamento do debate frente
a essa realidade multifacetada, circunscrita num contexto de múltiplas e
diversas determinações, cujo compromisso no 41º Encontro Nacional.
(CEFESS, 2013).

No mesmo ano, o órgão lançou o CEFESS Manifesta referente a 5º Conferência


Nacional de Saúde Indígena, com o tema: “Por uma saúde que respeite a cultura indígena”36,
que também nos apresenta o contexto histórico até a criação da SESAI, dando ênfase que a
secretaria é resultado da mobilização dos povos originários.
Apesar da afirmação de defesa e compromisso, somente no ano de 2020 que o serviço
social manifesta novamente sua preocupação com os povos tradicionais. Neste ano, em plenária
nacional virtual a categoria profissional aprovou a temática “Há mais de 500 anos, sempre na
linha de frente!”37 – 15 de Maio, em comemoração ao mês da profissão do ano de 2021, que
teve como objetivo reafirmar seu compromisso com o projeto ético político, diante a pandemia
do coronavírus e também em posicionamento quanto aos ataques realizados aos povos
tradicionais.
Importante considerar que a gênese da questão social no Brasil é a luta pela terra, neste
sentido, a luta indígena/luta pelo direito ao território é pauta principal ao nos referirmos sobre
a opressão dos povos, uma vez que os indígenas são a base da formação da sociedade brasileira.
Além disso, compreender a realidade e as especificidades dos povos indígenas, bem como suas

35 Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta_lutaindigena2013_site.pdf. Acesso em: 01


de Julho de 2021.
36 Disponível em: http://www.cfess.org.br/arquivos/cfessmanifesta_confindigena2013_site.pdf. Acesso

em: 01 de Julho de 2021.


37 Disponível em: http://www.cfess.org.br/DiaAS2021/Principal.html. Acesso em: 01 de Julho de 2021.
47

etnias para implantação de políticas condizentes ao cotidiano é um dever para construção das
políticas sociais diferenciadas.
Na live38 comemorativa do dia do assistente social de 2021, realizada pelo
CEFESS/CRESS, a indígena Eliz Pankararu39, nos explicita que a formação em serviço social
foi uma possibilidade encontrada para permanecer com o engajamento pela luta pelo território
em conjunto com as famílias ribeirinhas e pesqueiras na região do nordeste.
A convidada salienta também que estamos num país com pluralidade étnica, costumes,
e relações peculiares com a natureza. O serviço social, como categoria profissional, têm o
compromisso de vincular-se aos movimentos sociais de comunidades tradicionais para buscar
alternativas relacionadas às demandas reais dessas populações, sobretudo referente ao SUAS.
Além disso, Eliz considera fundante interpretar as expropriações de terras, além de
superar a ideia de formulação de políticas através de práticas homogeneizadoras, pois, a política
indigenista governamental possui prática colonizadora, devido “o fazer”, “o representar”
indígena, sem a participação dos povos. É necessário uma articulação com os povos indígenas,
com uma relação igualitária nas decisões, com o compromisso de fortalecer os espaços
autônomos, criar, lutar, e vincular às lutas nacionais.
A primeira vez que a população indígena teve representatividade na Conferência
Nacional de Assistência Social - CNAS, foi no ano de 201540, em que o cacique Audirlei
Fidelis, da Tekoá Vãn Ká, de Porto Alegre, em que diz: “Tem Cras que nunca teve contato com
indígena. Nós precisamos de ajuda. Precisamos aprender como funcionam as coisas [...]
[...]Não queremos um tratamento especial, mas um tratamento diferenciado”.
No entanto, não é comum que tenha representação indígenas nos encontros e decisões
das políticas públicas de proteção social, conforme apontado pela indígena e assistente social
Eliz Pankararu. Compreender a realidade e a cosmologia, além de lutar pela participação em
espaços de decisões políticas e orçamentárias é também lutar pelo direito ao território.
O SUS – Sistema Único de Saúde, por exemplo, tem muito o que avançar no que se
refere à saúde diferenciada, mesmo com a presença e implantação da SESAI - Secretária de

38Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iDTOetZ4Ii4&t=5s. Acesso em: 01 de Julho de 2021.


39Assistente social, mestre em Serviço Social UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte e doutora
em Serviço Social pela UFPE – Universidade Federal de Pernambuco.
40
Segundo matéria publicada na Secretária Especial do Desenvolvimento Social. “É necessário um diálogo aberto
da assistência social com a população indígena”. Disponível em: http://mds.gov.br/area-de-
imprensa/noticias/2015/dezembro/201ce-necessario-um-dialogo-aberto-da-assistencia-social-com-a-populacao-
indigena201d. Acesso em: 02 de Julho de 2021.
48

Saúde Indígena, que é pautada pela medicina ocidental, sendo insuficiente os diálogos entre às
lideranças e representações indígenas, ausentando-se, na prática, da perspectiva da saúde
indígena, conforme aponta Dinamam Tuxá:

Então, hoje a saúde indígena é uma saúde posta pelo governo, não os
atendendo em sua plenitude, pois reproduz sempre o modelo do colonizador
não respeitando a diversidade, pois não permite incorporar também práticas
tradicionais de cura aos processos pelos quais os indígenas são submetidos
nos hospitais convencionais.
Uma coisa não pode e não deve excluir a outra, deve haver um diálogo e a
expansão das possibilidades de acesso a modos de cura pela população
indígena. O que vem de suas culturas e o que é trazido também pelos médicos
formados nas cadeiras das universidades. (VIEIRA, 2018, p. 166).

Além disso:

Os indígenas compartilham, buscam entender o todo. Então, pensando o caso


da saúde indígena, no modo como ela é gerida hoje, percebe-se que há um
cerceamento de direitos, há um cerceamento de conhecimento no não
reconhecimento dos conhecimentos tradicionais indígenas e na incapacidade
de trazê-los para o Sistema Único de Saúde. (VIEIRA, 2018, p. 167).

Partir da cosmovisão dos povos indígenas, considerando suas crenças e o que representa
a saúde é fundamental para consolidação das políticas de saúde, uma vez que há saberes
ancestrais passados de geração em geração, e, portanto, o diálogo entre os saberes é
imprescindível para implementação descentralizada da saúde dos povos. Infelizmente, “os
conhecimentos dos indígenas são considerados arcaicos pelos agentes de Estado e substituídos
por inovações, não a partir de um diálogo de saberes”, devido serem vistos como
insubordinados e não qualificados em participar das decisões, resultando na desarticulação nas
“formas endógenas de produção e reprodução da vida”. (NACIF, 2020, p. 265).
A equipe da SESAI que atende a Tekoá Paranapuã está vinculada ao Distrito Sanitário
Especial Indígena41 - DSEI do Litoral Sul, e conta com a equipe de médicos, enfermeiros,
técnico de enfermagem, dentista, além do AIS - Agente Indígena de Saúde e o Agente Indígena
de Saneamento – AISAN, e estão previstas visitas semanais à comunidade. A relação de
judicialização do território é um fator imposto que dificulta ainda mais o avanço no diálogo
quanto a saúde propriamente indígena, uma vez que o atendimento se dá devido aos esforços e

41Os DSEIs foram implantados no ano de 1999 em diversos distritos, devido pressão de movimentos indigenistas,
Ministério Público Federal, entidades internacionais, movimentos ambientalistas, entre outros (OLIVEIRA,
2019).
49

cobrança pelos direitos fundamentais da comunidade. Neste sentido, no trato à saúde,


especificamente neste território é contraditoriamente alcançada devido às ações extrajudiciais,
pelo acesso aos direitos, e ao mesmo tempo, a judicialização é um impasse quanto a autonomia
da comunidade, conforme afirmação de Santos, referente a Tekoá Paranapuã:

Na perspectiva de controle do Estado sobre o território, o histórico do


processo judicial, em torno da Ação Civil Pública que solicita a remoção dos
indígenas, implicou em restrições severas à produção territorial do grupo e
sua territorialidade, comprometendo, inclusive o acesso a direitos
fundamentais, como saúde e educação (SANTOS, 2019, p. 53).

E salienta também que:

A dinâmica indígena, entretanto, relaciona-se a um leque mais amplo de


relações interinstitucionais relacionadas às mais variadas dimensões da
política indigenista, como educação, saúde, assistência social, assistência
técnica e extensão rural, dentre outros. (SANTOS, 2019. p.198).

Já no âmbito da assistência social, é indispensável percorrer por indagações referentes


aos direitos e atendimentos sociais às populações indígenas, ainda mais que a assistência social
não possui um avanço tão significativo quanto a saúde referente aos atendimentos
diferenciados, no que se refere à Política Nacional de Assistência Social – PNAS e a Lei
Orgânica de Assistência Social – LOAS, sendo integrante do Sistema Único de Assistência
Social – SUAS.
Contamos com o total de 8.286 CRAS e 2.372 CREAS – Centro de Referência
Especializada de Assistência Social, sendo 574 CRAS e 240 CREAS que atendem a população
indígena. Já no cadastro único (Cadúnico), são 149.243 famílias indígenas cadastradas, e 9.142
indígenas vinculadas ao o Serviço de fortalecimento de vínculos (MDS, 2017).
No ano de 2017, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), lançou uma cartilha
sobre o “trabalho social com famílias indígenas na proteção social básica”. O documento
apresenta que a função do CRAS é vincular as famílias indígenas ao SUAS, através da inclusão
no Serviço de Proteção e Atendimento Integral às Famílias (PAIF), respeitando sua cultura e
“valorizando suas formas de organização e resistência”, tanto em terras indígenas demarcadas,
como em áreas de retomada ou em processos de judicialização (MDS, 2017).
50

Tivemos acesso à resposta do ofício 0042/202142, no qual apresenta que a comunidade


da Tekoá Paranapuã é acompanhada pelo CRAS do município de São Vicente na proteção
básica e são ofertados os serviços de: cadastro único, orientações referente ao BPC (benefício
de prestação continuada), atendimento individuais/grupais, orientações e encaminhamento para
rede sócio assistencial e atendimento em relação a benefícios eventuais.
Segundo a cartilha de orientações técnicas do trabalho do assistente social com famílias
indígenas, os serviços sócio assistenciais “requer respeito às suas especificidades culturais,
defesa de direitos e fortalecimento das iniciativas coletivas de autonomia étnica e bem viver”,
para isso, é necessário: “conhecer a realidade local; promover participação indígena, respeitar
a autonomia familiar e comunitária; fortalecer a cultura e identidade indígenas; defender seus
direitos”. (MSD, 2017).
A relação do CRAS com a comunidade não poderá se limitar apenas em serviços de
geração de renda e benefícios eventuais, ou seja, relações tecnicistas. É fundamental o
aprofundamento na cultura especifica de cada povo, inclusive de sua língua, costumes e
crenças. Neste sentido, o trabalho envolvendo acolhida, convívio familiar e comunitário e
autonomia pretende reconhecer a cultura de forma contínua que contemplem o modo de vida
guarani, além de que:

[...]é muito importante principalmente no campo das políticas públicas,


observar os impactos das ações governamentais e dos empreendimentos
capitalistas na configuração da paisagem das aldeias Guarani. Elas afetam
diretamente suas dinâmicas socioculturais e o nível de pressão podendo
causar ainda mais mobilidade quando o objetivo destas políticas muitas vezes
está relacionado ao fetiche político-administrativo de fixar os povos indígenas
no território. (NACIF, 2020, p. 189).

Portanto, é muito im portante principalm ente no campo das políticas p úblicas, ob servar os impactos das ações governam entais e dos empreendimentos capitalistas na config uração da paisagem das aldeias Guarani. Elas afetam diretamente suas dinâm icas socioculturais e o nível de pressão podendo causar ainda m ais m obilidade quando o obj etivo destas p olí ticas m uitas vezes es tá relacionado ao fetiche polít ico-adm inistrativ o de fixar os pov os in dígenas no território.

Somente no Brasil, temos aproximadamente 274 línguas43 diferentes dos povos


tradicionais, logo, é um desafio pensar nas políticas públicas, bem como nas políticas sociais
com interfaces aos povos indígenas, uma vez que não há possibilidade de unificar as políticas
tratando-se da homogeneização deste povo, pois cada povo, possui suas especificidades. É
indispensável também, no campo da ação profissional, reconhecer os desmontes das políticas
sociais que afetam não somente os povos indígenas em favor do grande capital, além de

42 Ofício da secretaria de assistência social, referente ao atendimento do CRAS São Vicente, em resposta para a
FUNAI. O oficio foi enviado para construção do PUT (Plano de Uso Tradicional), em que a Frente de Cultura e
Resistência indígena (PET Educação Popular), participa do grupo de trabalho para elaboração do documento.
43
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social, 2017.
51

reconhecer o papel do Estado dentre as políticas e criando estratégias para manutenção do


direito ao território e ao modo de vida.

2.3 Direito indígena?


Partindo do pressuposto que o direito é uma das esferas do modo de produção
capitalista, há uma contradição em abordar os direitos, uma vez que a opressão vêm dessa
mesma organização societária, que oprime os povos indígenas.
A justiça do juruá, surge com o processo de colonização, pois antes do colonizador
chegar a justiça não era nos moldes que se apresentam hoje, e sim dos próprios povos que aqui
habitavam. Eles tinham suas próprias formas de compreender o justo e o injusto de acordo
com seu modo de vida, aplicando suas próprias regras sociais.

No começo do mundo, a gente já existia aqui. Nhanderu criou o nosso povo


e outros povos, por isso estamos aqui. Nhanderu nos criou antes do juruá [não
indígena], por isso, nós temos os nossos direitos, mas eles também têm os
direitos deles. Eles precisam nos valorizar. Eles pensam que sabem mais do
que nós. Nhanderu deixou a terra para nós vivermos aqui, mas os juruá kuery
[não indígenas] pensam que são mais inteligentes do que a gente e, por isso,
eles mataram muitos índios, mataram muitos índios por causa da terra.
Nhanderu diz: “os nossos filhos estão sofrendo nas mãos dos juruá kuery. Eles
estão acabando com os nossos filhos. Vamos destruir a terra aos poucos,
assim é melhor”. E se Nhanderu destruir a terra, o que os juruá kuery vão
fazer? Não foram eles que fizeram a Terra, mas dizem que são os donos da
terra, fazem os índios sofrerem, alguns não gostam do índio, matam os
caciques para conseguirem tirar o povo da sua própria terra. Xejary’i Tereza
Djatxuka (CTI, 2015. p. 47 apud OLIVEIRA, 2020, s/p).

Os colonizadores ao chegar com o intuito de expropriar terras, e com avanço do


mercantilismo, consolidam o campo do Direito, confrontando-se com o modo de vida
indígena, e consequentemente, o modo de vida Guarani Mbyá.

As práticas de gestão e ordenamento territorial definidas pelas políticas


públicas, envolvendo porções de terras e de matas ocupadas por grupos
étnicos ou comunidades minoritárias, implicam, de um modo geral, a
submissão de concepções espaciais, normas de organização, ocupação e
sociabilidade próprias desses grupos às convenções e aos padrões políticos e
econômicos dominantes, responsáveis pela reprodução de um sistema
nitidamente injusto e autoritário (LADEIRA, 2001, p. 48).

Segundo Ladeira (2001), a ocupação indígena nas terras em meio a Mata Atlântica de
acordo visão de mundo Guarani Mbyá, “não compreendidos pela sociedade nacional”, provoca
temor em representantes do Estado, sendo, as políticas públicas aparatos que “visam a um
52

ordenamento espacial, ambiental e político alheios aos objetivos, às concepções geográficas e


a cosmologia Guarani”, e complementa:

Incompreensível é, para os Guarani, o fato de que, não cuidando dos próprios


espaços onde vivem – não organizando, não controlando, destruindo e
afetando com seu modelo de produção a própria qualidade de vida da maioria
da população – a sociedade dominante venha lhes impor regras de como
devem (ou melhor, não devem viver os Guarani), nas porções de terra (as
matas) que lhes foram reservadas para viver/morar socialmente (comer,
procriar, produzir, rezar, sonhar). (LADEIRA, 2001, p. 108).

Importante considerar que se os povos indígenas não possuem o direito ao território, os


acessos as legislações indigenistas serão mitigadoras quanto as violências e expropriações de
terras direcionadas a esta população, tendo em vista a luta maior, que é o direito à terra para
produção e reprodução do modo de vida guarani. No entanto, contraditoriamente, não podemos
desconsiderar a necessidade e significância da permanecia, os avanços e conquistas dos
direitos. Por isso, a resistência se dá neste movimento contraditório, em que ao mesmo tempo
que o direito é um aparato que irá defender, é também um aparato que irá ser utilizado para a
contínua perda progressiva dos territórios, ou limitações do Nhandereko.
O procurador da República Daloia44, nos ressalta a importância de que “ninguém
melhor do que os próprios indígenas” nos apresentarem o “significado da terra”. Nos aponta
que Para Poty (Irundina), indígena da Tekoá Paranapuã, resume a relação com a terra em: “a
aldeia é nossa vida”, demonstrando a “relevância da terra para a subsistência tradicional”. Nos
explicita que “A atuação do MPF na região veicula várias demandas onde se discutem direitos
indígenas e se materializa a resistência das questões da terra”. (DALOIA, 2016, p. 169).
De acordo com Daloia (2016), um exemplo de avanço no campo do direito na Tekoá
Paranapuã é a permissão da construção da Opy, e de oito moradias tradicionais. Porém, é
pertinente refletir, que há limitações por parte do Estado quanto “o viver” nas terras indígenas,
sendo de grande esforço a conquista de direitos já previstos na constituição de 1988:

Vale lembrar que a história mostra que os índios não conseguiram prevalecer
sobre as armas, tendo sofrido com o extermínio e a expulsão de suas terras
tradicionais [...]
Portanto, exigir dos indígenas a comprovação de propriedade civil é desprezar
o direito originário consagrado no artigo 231 da Constituição Federal [...]

44Antônio Daloia atua na ação civil da Tekoá Paranapuã e atua no Ministério Público Federal (MPF) do município
de Santos. Publicou o artigo referente o direito às terras tradicionais da baixada santista e Vale do Ribeira no livro
do CRP (Conselho Regi onal de Psicologia), em que explicita sua atuação e os direitos da comunidade da
Paranapuã permanecer no território.
53

Vale observar que a Constituição Federal reconhece direitos indígenas, porém


é norma elaborada por não-índios. Os indígenas não tiveram força política e
jurídica, além de meios materiais, para manterem suas posses ao longo da
história. (DALOIA, 2016, p. 174).

Conforme já abordado, por não ter o acesso à terra em sua totalidade, é imposto para a
comunidade da Paranapuã formatos e limitações de seu modo de vida, no que se refere às
questões saúde, educação, soberania alimentar, saneamento entre outras que envolvam o
Nhandereko, todos esses elementos possuem um conhecimento ancestral e diferenciado, sendo
a resistência da cultura fundamental para a luta de permanência e uso e autonomia na relação
com o território.
A ideia de raça criada pelo agentes da colonização e escravização reflete na dominação
do colonizador que “produziu um efeito a desumanização e exploração da força de trabalho
escravizada na América”. Esta movimentação “desencadeou no genocídio, etnocídio e na
intolerância à diversidade étnica e cultural”, além disso, a ideia da superioridade do homem
branco e sua manutenção “sustenta as desigualdades sociais e a violação de direitos dos grupos
étnicos que foram colonizados”. (OLIVEIRA, 2020, p. 29).

[...] o etnocídio pode ser operado no processo de deslegitimação da identidade


indígena, ao passo que cria um protocolo que apenas o Estado ou os
antropólogos podem referendar quem é “indígena de verdade”. Este visa
transformar a identidade de povos originários em camponeses, pardos,
caboclos ou pobres, para, em última instância, serem assimilados e absorvidos
pela sociedade, resultando na perda dos direitos específicos que lhes são
assegurados. Nesse caso, a inclusão forçada dos indígenas na sociedade
nacional e a assimilação podem ser compreendidas como ações etnocidas,
pois, intencionam a negação do direito originário dos povos autóctones
no que tange à demarcação de seus territórios (grifo nosso). (OLIVEIRA,
2020, p. 93).

Portanto, a ideia criada pelo colonizador da denominação “índio”, acarreta também na


dominação do Estado sob os povos, criando uma dependência imposta sobretudo do direito ao
território, pois a base da classe dominante é a espoliação das terras. Além disso, as
expropriações estão diretamente relacionadas ao etnocídio dos povos indígenas, uma vez que
o território é onde ocorre o modo de vida Guarani, ao contrário da concepção de território dos
Juruá Kuery que utiliza a terra para benefícios mercadológicos.
Um exemplo dessa dominação imposta é ressaltada pelo indígena da região do extremo
norte da Bahia, Dinamam Tuxá, do povo Tuxá, ao falar sobre seu nome, dado pelo seu povo,
que não foi aceito no momento do registro no cartório, devido não reconhecerem como nome
54

indígena. “Então, eu já nasci com o racismo institucional sendo implantado desde o início da
minha vida e essas são experiências certamente compartilhadas por nós, populações indígenas
e negras ao longo desses mais de anos de Brasil”. (VIEIRA, 2018, p. 162).
Ainda, Dinamam (2016), irá refletir quanto os acessos ás políticas públicas em terras
que não são demarcadas pelo Estado. Aponta que 70% das terras das regiões do Nordeste,
Centro-oeste e Sul não são demarcadas, portanto, não possuem acesso às políticas públicas
diferenciadas, e salienta que:

No contexto de uma política repleta de pautas anti-indígenas, há uma bancada


ultra conservadora, reacionária, que é a bancada ruralista, que hoje domina o
congresso, tentando criar empecilhos para a demarcação das terras dos
indígenas. Esses entraves geram genocídio, racismo e suicídio, que difunde a
cultura do ódio contra essas populações. É o Estado agindo contra os
indígenas, com o aval do judiciário.
O Estado atua com estratégias de genocídio quando os impede de viver em
suas terras, quando fecha os olhos para as demandas, [...]. Os deixam morrer
porque índios sem seus territórios demarcados é sinônimo de morte, seja ela
cultural, tradicional ou física. (VIEIRA, 2018, p. 164).

É imprescindível destacar também que a depender das disputas, da conjuntura política


e também dos agentes que “representam” o povo brasileiro em espaços de decisão e de poder,
desencadeiam em reflexos devastadores, causando maior violação de direitos e retrocessos,
como por exemplo, a tese do “Marco Temporal”. Este movimento não garante os acessos
mesmo em terras indígenas demarcadas, causando violência e extermínio da população,
Justamente por haver “estratégias de genocídio” permanente é que Dimanam (2016) aponta
que os povos indígenas estão em luta continuadamente.
De acordo com Verdum (2019), que analisa a atualização da APIB (Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil), os indígenas infectados até o dia 21 de setembro pela COVID-19
é de 32.615, totalizando 818 óbitos. O autor aponta que o alto índice de infecção não pode ser
limitado apenas ao debate de que os povos possuem menor imunidade biológica e nos apresenta
que “o impacto de uma doença infecciosa nesta parcela da população brasileira está associada
também com outras particularidades e contingências: socioculturais, políticas, históricas,
alimentares, nutricionais, epidemiológicas, emocionais, econômicas, territoriais e ambientais”.
Além disso, ressalta que:

Eleito em 2018, o presidente Jair Messias Bolsonaro também teve em 2019


seu primeiro ano de mandato. A ação e as práticas desse novo governo
estiveram orientadas pelo sentido de questionar, rever e até desmontar várias
55

políticas de direitos (sociais, políticos e econômicos). (VERDUM, 2019, p.


36).

O autor apresenta uma série de desmontes e retrocessos advindos governo federal


(gestão a partir de 2018), que possui uma base autoritária e neoliberal, com ações diretamente
ligadas ao ataque aos povos originários:

Tivemos, por exemplo, a paralização do processo de demarcação e


regularização dos territórios indígenas e a fragilização das ações de proteção
aos povos indígenas em isolamento voluntário. Forem feitas tentativas de
municipalização da atenção básica à saúde da população indígena e houve o
cancelamento da realização da 6ª Conferência Nacional da Saúde Indígena
(CNSI). A precarização ainda maior do sistema específico de educação
escolar indígena é uma realidade, ao mesmo tempo em que o governo
promovia consultas e audiências públicas para elaborar um Plano Nacional de
Educação Escolar Indígena (Pneei). Houve, ainda, a extinção de conselhos de
participação social indígena, como é o caso do Conselho Nacional de Política
Indigenista (CNPI). (VERDUM, 2019, p. 36).

Mesmo que atualmente o ataque tenha sido intensificado, não podemos nos limitar
apenas ao governo atual; pois, conforme dito, há um processo histórico e hierarquizado na
relação de opressão. Em governos anteriores, infelizmente, também não pudemos presenciar
avanços significativos no que se refere a garantia do território indígena. No caso da comunidade
da Paranapuã, por exemplo, o Estado de São Paulo que busca a retirada dos Guarani Mbyá,
portanto, existe uma articulação enraizada no que se refere as estratégias de espoliação de
terras.

Vive-se portanto um grande retrocesso com a reprodução do mesmo


darwinismo social do século 19 que entende que algumas sociedades são mais
evoluídas e têm o direito de explorar os bens naturais que não são
“aproveitados” pelas sociedades que elas consideram menos evoluídas. Os
governantes brasileiros, “nacionalistas” em especial, absorvem esse
complexo de inferioridade ao defender a abertura do país para os EUA e
tremular a bandeira com as estrelas trocadas. (NACIF, 2020. p. 40).

Portanto, historicamente o grande capital internacional, com respaldo do governo


brasileiro, através das legislações as espoliações das terras, reflete em comunidades de diversos
povos, inclusive dos Guarani Mbyá e Tupi Guarani da Tekoá Paranapuã. Importante ressaltar
que a expropriação das terras é o principal meio de não acesso as políticas públicas e sociais
indigenistas. As limitações do Nhandereko acarreta em consequências cotidianas na vida dos
sujeitos que vivem em terras indígenas demarcadas ou não. Há uma estrutura enraizada já em
56

andamento desde o período da colonização e escravização que é continuo, os direitos indígenas


e de povos tradicionais somente serão cobertos em sua completude no momento em que a
disputa pelo território se estancar, a medida em que os povos possam ter autonomia em viverem
o Nhandereko em seus territórios, sem a interferência das decisões da classe opressora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho foi construído a partir da hipótese de que as políticas sociais não
contemplam o modo de vida guarani, sendo, esta hipótese confirmada, porém, com algumas
ressalvas.
A primeira ressalva se refere quanto a necessidade de maior aprofundamento a partir
de relatos dos indígenas da Tekoá Paranapuã direcionadas às políticas sociais existentes, a
partir disso, os retornos serão mais próximos da realidade dos Guarani Mbyá e Tupi Guarani,
pois, a confirmação da hipótese, é a partir da construção e percepção que pude ter ao longo
deste processo de pesquisa e extensão, em conjunto com as tomadas de consciência nas ações
com a comunidade.
No entanto, é explícito a ausência quanto a efetivação das políticas no território,
sobretudo a respeito das tradições. Tanto nas políticas de assistência, que são relações
tecnicistas devido ao não acompanhamento efetivo com a população em serviços ofertados em
conjunto com o modo de vida Guarani Mbyá. Já no âmbito da saúde, a espiritualidade dos
Guarani Mbyá e Tupi Guarani, por exemplo, não é considerada no que se refere aos
atendimentos realizados pela SESAI. No que se refere a educação, devido os professores serem
os indígenas esta relação se aproxima da visão de mundo da população, porém, somente no
ensino fundamental, uma vez que o ensino médio não é realizado na aldeia, motivo pelo qual
há um afastamento dos jovens, pois as relações do ensino formal e convencional é carregado
de preconceito e não contempla o modo de vida indígena.
Foi possível notar que para as construções das políticas sociais quase não há presença
indígena, e do mesmo modo, não há uma relação direta com a cosmologia de cada povo
existente, visto que são diversos povos no Brasil. Além disso, apesar de estarem previstas nas
legislações, contraditoriamente, o Estado possui estratégias de não efetivação dos direitos
existentes, apesar de apresentar deveres perante os povos originários.
A segunda ressalva é quanto as políticas sociais são mitigadoras frente as opressões no
modo de produção capitalista para os povos indígenas, uma vez que a origem da acumulação
de capital é a expropriação de terras. Apesar dos direitos indígenas serem fundamentais neste
57

modo de produção para garantia de permanência, reitero que sua efetivação não é eficaz, uma
vez que há explicitamente estratégias e projetos para manutenção da grande burguesia.
Neste sentido, o Nhandereko significa a resistência ao modo de produção capitalista,
portanto, mesmo que os indígenas estejam no mesmo modo de produção, seu modo de vida
não condiz com a organização societária atual, por isso, sua resistência se dá frente à
acumulação originária de capital, que se define como:

A relação capitalista pressupõe a separação entre os trabalhadores e a


propriedade das condições da realização do trabalho. Tão logo a produção
capitalista esteja de pé, ela não apenas conserva essa separação, mas a
reproduz em escala cada vez maior. O processo que cria a relação capitalista
não pode ser senão o processo de separação entre o trabalhador e a
propriedade das condições de realização de seu trabalho, processo que, por
um lado, transforma em capital os meios sociais de subsistência e de produção
e, por outro, converte os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A
assim chamada acumulação primitiva não é, por conseguinte, mais do que o
processo histórico de separação entre produtor e meio de produção. Ela
aparece como “primitiva” porque constitui a pré-história do capital e do modo
de produção que lhe corresponde. (MARX, 2017, p. 786).

Assim, observa-se que o capitalismo tem uma tendência para sua acumulação na
expropriação de terra, em que separa os produtores de sua terra e os tornam trabalhadores
assalariados para a reprodução do capital. Com isso, percebemos que a população indígena a
mais de 500 anos está em resistência à acumulação originaria de capital na América Latina.
É essencial para o modo de produção capitalista expropriar as terras destes povos, com
a legitimação do Estado, que busca impor aos indígenas a separação de suas terras através de
limitações territoriais, criando uma dependência que não permita a possibilidade de serem
produtores de seus meios de subsistência a partir de seu modo de vida, por isso, o Nhandereko
é também a resistência a este processo de exploração que é incorporado pelos Juruá Kuery e
materializado através das opressões e negação dos direitos previstos advindos da luta dos povos
indígenas.
A espiritualidade que é a própria consciência da visão de mundo dos indígenas, e está
relacionada na sua relação com a terra não é considerada pelo Estado nestes processos de
construções e participação dos povos, por outro lado, percebe-se que ainda hoje, apesar de
vivermos um Estado teoricamente laico, o cristianismo está presente nas participações sendo
representados pelos agentes da bancada evangélica, por exemplo. Em instituições públicas, é
“comum” nos depararmos com imagens que remetem o cristianismo, pois historicamente, há
58

uma relação de dominação em que as religiões de matriz africana ou não cristãs, e aqui
especificamente, as crenças dos povos originários são marginalizados.
O educador popular Paulo Freire (1979), nos apresenta a categoria de conscientização,
como um processo de afastamento e entendimento da realidade que envolve a práxis (ação-
reflexão-ação), nos aponta também que a utopia é “a dialetização dos atos de denunciar e
anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante”,
portanto, ela é um “compromisso histórico”. Neste sentido, a conscientização:

[...] está evidentemente ligada à utopia, implica em utopia. Quanto mais


conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser
anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que
assumimos. Mas esta posição deve ser permanente: a partir do momento em
que denunciamos uma estrutura desumanizante sem nos comprometermos
com a realidade, a partir do momento em que chegamos à conscientização do
projeto, se deixarmos de ser utópicos nos burocratizamos; é o perigo das
revoluções quando deixam de ser permanentes. Uma das respostas geniais é
a da renovação cultural, esta dialetização que, propriamente falando, não é de
ontem, nem de hoje, nem de amanhã, mas uma tarefa permanente de
transformação. (FREIRE, 1979, p.16).

Denunciar as opressões através de um processo de conscientização, é tarefa e


contribuição diante o processo histórico que vivemos. Ainda, buscar o entendimento do nosso
papel social quanto a denunciadores, exige o entendimento das denúncia, para assim, buscar
contribuir com a transformação para a humanização, especialmente dos povos originários, em
que possam viver conforme o Nhanderekó, sem a opressão dos Juruá Kuery.
As opressões do Estado para delimitação das terras originárias, ausência na participação
das construções das políticas públicas e sociais, expropriações e tentativas de apagamento da
cultura Guarani contribuem para o genocídio da população que resistem em seus territórios
através de muitas lutas diante aos diversos ataques contra os povos indígenas.
A categoria profissional de assistentes sociais possui um compromisso ético político
com a classe trabalhadora, desde o chamado “Congresso da Virada”, do ano de 1979. Para além
disso, é necessário incorporar o debate aos agentes profissionais dos serviços, prioritariamente
que atendem populações tradicional, para cumprimento das políticas, pois, como projeto
profissional, buscar a emancipação por meio da compreensão da cosmologia do povo originário
é um dever profissional. Portanto, o que seria o apoio a resistência dos povos indígenas, senão
a própria emancipação humana defendida pela categoria profissional?
59

Romper com as dominações exige um processo de conscientização e utopia, e para além


disso, um processo de luta coletiva, pois é na luta e na resistência em que compreendemos a
realidade, e através da realidade que conseguimos trilhar caminhos para a transformação.
Abordamos nesta pesquisa diversas estratégias utilizadas pelo Estado, como a ausência
de participação dos indígenas para construção de políticas públicas e sociais, expropriações de
terras, tentativa de apagamento da cultura, acarretando no etnocídio e genocídio destes povos.
Considerando que a população da Tekoá Paranapuã luta pelo direito à permanência do
território, ou seja, não há ainda o processo de demarcação em andamento, os acessos às
políticas são delimitadas, e ainda, é de grande luta a efetivação de direitos fundamentais, assim
como a autonomia de viver o Nhandereko neste território é afetada. Além disso, cotidianamente
estão presentes os agentes representativos do Estado (Fundação Florestal), que “fiscalizam”, o
modo de ser e viver Guarani, partindo da perspectiva apenas de uso do território como Unidade
de Conservação desconsiderando a presença humana, como por exemplo, a proibição do
plantio dentro da comunidade.
Por fim, ao considerar o processo de exploração e expropriação das terras, lutar pela
permanência da comunidade em uma das primeiras cidades “colonizadas” do Brasil, é um
compromisso, tanto na perspectiva ambiental para proteção desta área, quanto para a
comunidade que ali vive e que possa viver o modo de vida tradicional. E também considerar
que temos uma dívida histórica a partir da construção sócio histórica brasileira.
Mesmo que não há uma forma materializada de romper com as opressões, partimos do
pressuposto de que este formato atual não é emancipatório tanto para os povos indígenas,
quanto para os Juruá Kuery, portanto, essa busca dos povos em que criam estratégias para o
enfrentamento e resistência é essencial para superação das opressões e a busca de um novo
projeto societário.
60

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Serviço Público Federal
Ministério da Educação
Universidade Federal de São Paulo
Campus Baixada Santista
Departamento Pró Reitoria de Extensão e Cultura

DECLARAÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Título do Projeto de Pesquisa: Território e Políticas Sociais na Tekoá Paranapuã.
Pesquisador Responsável: Raiane Patrícia Severino Assumpção.
Campus UNIFESP/ Departamento: Baixada Santista/ Pró Reitoria de Extensão e Cultura.
Objetivo acadêmico: Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso.
Nome do aluno: Patrícia Schnek Guerra.
Equipe de Pesquisa: Raiane Patrícia Severino Assumpção e Patrícia Schnek Guerra.
Local onde será realizada a pesquisa: Campus Baixada Santista.
E-mail para contato: schnekpatricia@gmail.com e/ou raianeps@uol.com.br

Eu, Raiane Patrícia Severino Assumpção, pesquisador responsável pelo projeto acima especificado, declaro
que:

1. O projeto de pesquisa não incluirá participantes de pesquisa, nem utilizará materiais obtidos diretamente
de seres humanos (por exemplo células, sangue periférico, tecidos, entre outros), nem utilizará
imagem/som/questionários/entrevistas/grupo focal que permitam sua identificação individual, dados de
prontuários de assistência do paciente, fichas de cadastros pessoais e/ou fichas escolares;
2. O projeto de pesquisa não utilizará animais vertebrados não humanos nem materiais obtidos diretamente
de animais vertebrados não humanos (por exemplo células, sangue periférico, tecidos, entre outros);
3. Estou ciente de que se nesta pesquisa houver manipulação genética (organismos geneticamente
modificados), será necessário obter carta de aprovação da Comissão Interna de Biossegurança da Unifesp
(CIBio), e que é minha responsabilidade obtê-la antes do início da pesquisa (Lei nº 11.105/2005
http://www2.unifesp.br/reitoria/orgaos/comissoes/cibio/index.php?cod=apresenta);
4. Estou ciente de que caso a pesquisa envolva acesso a patrimônio genético brasileiro e/ou conhecimento
tradicional, o projeto deverá ser cadastrado no sistema auto declaratório SisGen, conforme Lei nº
13.123/2015, antes da sua publicação e/ou comercialização do produto, sendo de minha responsabilidade
realizar e manter este cadastro atualizado (https://sisgen.gov.br/);
5. Estou ciente de que caso os dados utilizados nesta pesquisa não forem de acesso público e/ou se a
pesquisa não for realizada em local público, será necessário obter o documento de autorização emitido pela
instituição em que será realizada a pesquisa e/ou detentora dos dados a serem utilizados, onde deverá
conter as atividades que serão desenvolvidas e assinatura do dirigente institucional ou pessoa por ele
delegada, com identificação de cargo/função e respectiva assinatura, antes do início da pesquisa (Lei no
12.527/2011);
6. Estou ciente de que se houver coleta de exemplares biológicos e/ou se a pesquisa for realizada em
unidades de conservação federais ou em cavidade natural subterrânea, será necessário obter documento de
autorização do Ministério do Meio Ambiente, conforme Instrução Normativa nº 03/2014 do Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade, e é de minha responsabilidade obter este documento antes do
início da pesquisa (https://www.icmbio.gov.br/sisbio/);
7. Estou ciente de que se o projeto tiver a possibilidade de gerar conhecimento passível de proteção
intelectual (patentes, direito autoral, novos tratamentos, marcas, softwares, cultivares, segredo industrial), é
minha responsabilidade entrar em contato com a Agência de Inovação Tecnológica e Social (Agits);
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Campus Baixada Santista/ Pró Reitoria de Extensão e Cultura (?)
Exemplo: Rua Silva Jardim, 136, Vila Matias– Santos/São Paulo
Telefone: (13) 3229-0100– site: https://www.unifesp.br/campus/san7
Serviço Público Federal
Ministério da Educação
Universidade Federal de São Paulo
Campus Baixada Santista
Departamento Pró Reitoria de Extensão e Cultura

8. Estou ciente de que se houver uso do Hospital São Paulo ou algum de seus ambulatórios ou setores será
necessário anexar autorização expedida pelo Comitê de Ensino, Pesquisa e Extensão do Hospital São Paulo
(CoEPE/HSP), e é minha responsabilidade obter este ofício antes do início da pesquisa (email:
coep@huhsp.org.br);
9. Estou ciente de que se houver o uso de agentes radioativos, será necessário obter documento de
autorização do Núcleo de Proteção Radiológica (NPR) e é minha responsabilidade obter este documento
antes do início da pesquisa (para maiores informações sobre o NRP, contato: npr@unifesp.br; VOIP:2882);
10. O referido projeto cumpre as normas legais vigentes relacionadas à proteção intelectual, boas práticas e
ética em pesquisa e que será minha responsabilidade zelar pela correta condução do projeto de pesquisa;
11. Comprometo-me a manter a confidencialidade dos dados coletados e gerados pela pesquisa bem como
manter a privacidade de seus conteúdos. Também é minha a responsabilidade não repassar os dados
coletados ou o banco de dados em sua íntegra, ou parte dele, a pessoas não envolvidas na equipe da
pesquisa;
12. Declaro a precisão de todas as informações acima fornecidas e comprometendo-me a informar todos os
demais pesquisadores envolvidos no projeto sobre elas.

Santos, 05 de Março de 2021

________________________________
Pesquisador Responsável
Raiane Patrícia Severino Assumpção

Assinatura do orientando
Patrícia Schnek Guerra

De acordo,

________________________________
Soraya Soubhi Smaili
Reitora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

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Campus Baixada Santista/ Pró Reitoria de Extensão e Cultura (?)
Exemplo: Rua Silva Jardim, 136, Vila Matias– Santos/São Paulo
Telefone: (13) 3229-0100– site: https://www.unifesp.br/campus/san7

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