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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

CARMENTILLA DAS CHAGAS MARTINS

PARA ALÉM, ATRAVÉS, DA FRONTEIRA E DO ACORDO: INTERAÇÕES SOCIAIS


NO OIAPOQUE

BELÉM
2014
CARMENTILLA DAS CHAGAS MARTINS

PARA ALÉM, ATRAVÉS, DA FRONTEIRA E DO ACORDO: INTERAÇÕES SOCIAIS


NO OIAPOQUE

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Antropologia,
do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do
Pará, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutora em Ciências
Sociais.

Área de concentração: Sociologia.

Orientadora: Profa. Dra. Maria José da


Silva Aquino Teisserenc

Coorientador: Prof. Dr. Pierre Teisserenc

Belém
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M386pMartins, Carmentilla das Chagas, 1967-


Para Carmentilla
M386pMartins, além, através, das
da fronteira
Chagas e do acordo: interações sociais no
Oiapoque/Carmentilla das Chagas Martins – 2014.
179 f. Para além, através, da fronteira e do acordo: interações sociais
no Oiapoque. Carmentilla das Chagas Martins – Belém, 2014.
Orientadora: Profa. Dra. Maria José da Silva Aquino Teisserenc.
Coorientador:
xx f. Prof. Dr.Pierre Teisserenc

Tese (doutorado) – Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Antropologia.
Orientadora: Prof ª. Dra. Maria José da Silva Aquino
1. Interação social. 2. Oiapoque, Interação social. 3.
Teisserenc.
Transfronteiricidade. I. Teisserenc, Maria José da Silva Aquino. II
Teisserenc, Pierre. III. Título.
Co-Orientador: Profº Dr.Pierre Teisserenc
CDD 23. ed. 304.23098116

Elaborada pela Bibliotecária Edilene Quaresma Tobelém, CRB2/937


Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Área de
Sociologia, 2014.

2. Interação social. 2. Oiapoque, Interação social. 3.


Transfronteiricidade. I. Teisserenc, Maria José da Silva
Aquino (Orient.). II Teisserenc, Pierre (Co-Orient.). III. Título.
PARA ALÉM, ATRAVÉS, DA FRONTEIRA E DO ACORDO: INTERAÇÕES SOCIAIS
NO OIAPOQUE

Tese apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Sociologia e Antropologia
do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal do Pará
como exigência parcial para obtenção do
título de Doutora em Ciências Sociais.

Profa. Dra. Maria José da Silva Aquino Teisserenc (PPGSA-UFPA)

Prof. Dr. Pierre Teisserenc (Université Paris 13; PPGSA-UFPA)

Prof. Dr. Cristhian Téofilo da Silva (CEPPAC-UNB)

Prof. Dr. Mauro Cezar Coelho (PPGHS-UFPA)

Profa. Dra. Denise Machado Cardoso (PPGSA-UFPA)

Prof. Dr. Rodrigo Corrêa Diniz Peixoto (PPGSA-UFPA)

SUPLENTE 1: Profa. Dra. Tânia Guimarães Ribeiro (PPGSA-UFPA)

SUPLENTE 2: Profa. Dra. Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos (PPGSA-UFPA)
À minha mãe Luzamira e ao meu pai Mário, muito presente em minha memória.
A David, marido e companheiro de todas as lutas.
Aos meus filhos Deyverson, Kristylia, David Hian, Gabriel.
Aos meus netos Mariana, Murilo e Dante.
Aos meus irmãos Cydilena, Mário, Mônica e ao meu sobrinho Fernando.
À querida tia Carmen.
À amiga Eliana, em nome de quem dedico a todos os meus amigos e amigas.
Aos meus prezados professores que me ensinaram a cumprir esse ‘itinerário’ tão
cheio de obstáculos que é a carreira acadêmica. Aos meus estimados companheiros de
trabalho docente, bem como aos acadêmicos e acadêmicas do curso de História da
Universidade Federal do Amapá.
Aos brasileiros e brasileiras que vivem na cidade de Oiapoque e nas comunidades de
Ilha Bela e Vila Brasil. Enfim a todas as pessoas que nessa difícil trajetória estiveram comigo
partilhando: esperanças, angústias, frustrações, alegrias, problemas a serem resolvidos e
afirmações a serem consolidadas, dedico.
AGRADECIMENTOS

A DEUS.
A realização desta tese de doutorado não seria possível sem a ajuda de muitas
pessoas e instituições que colaboraram comigo nesta trajetória, são eles: o Colegiado de
História e a gestão da Universidade Federal do Amapá pela liberação para que eu pudesse
cursar o doutorado; as pessoas da cidade de Oiapoque e das comunidades de Ilha Bela e Vila
Brasil que me receberam e comigo compartilharam suas experiências de vida. Sou grata aos
meus orientadores Profa. Maria José da Silva Aquino Teisserenc e Prof. Pierre Teisserenc
pela acolhida e orientações para a elaboração deste trabalho. À Profa. Denise Machado
Cardoso, coordenadora do PPGSA pelo apoio durante a realização do curso de doutoramento.
À Eliana Paixão pela constante amizade fraternal. Ao amigo Gutemberg Silva que entre
outros auxílios me oportunizou a viagem a cidade de Caiena. À secretária Rosângela dos
Santos Borges sempre em atitude de colaboração e auxílio. A todos os meus professores – da
alfabetização ao doutorado – que no decorrer de minha formação escolar e acadêmica
compartilharam comigo seus aprendizados e, nesse sentido, muito obrigada!
O amor, a atenção, a parceria, a compreensão, o auxílio e amizade que recebi de
minha família foram a força e o vigor que me sustentaram e agradeço a essas pessoas por
fazerem parte de minha vida: aos meus pais Luzamira Martins e Mário Martins (in
memoriam) que começaram minha história, cada um me ensinando a seu jeito de como eu
poderia constituir minha subjetividade. Aos meus irmãos Cydilena e Mário que nos
momentos de muita tensão me lembravam dos tempos de nossa infância. À irmã caçula
Mônica e ao sobrinho Fernando sempre com palavras ‘não esquenta, vai melhorar’. Ao meu
marido David Góes, com quem descobri a construir a felicidade. Aos meus muito amados
filhos Deyverson, Kristylia e David Hian, que nunca desistiram de torcer por mim e quando
eu mesma pensei em desistir não deixaram. Ao meu filho Gabriel um agradecimento à parte,
pois foi meu interlocutor em muitos dos momentos de dúvidas, foi alguém com quem pude
contar na consecução de algumas tarefas; e nunca reclamou de minha constante ausência num
momento de sua vida em que também ele empreendia sua própria luta: ingressar em um curso
superior. Aos meus netos Mariana, Murilo e Dante, minhas certezas de continuidade. À minha
querida tia Carmen Eguchi, que tanto me ajudou em minhas estadias na cidade de Belém e
que sempre me traz a presença de meu pai, seu irmão.
“Porque essas fronteiras da natureza não servem
apenas para fechar. Todas as membranas
orgânicas são entidades vivas e permeáveis. São
fronteiras feitas para, ao mesmo tempo, delimitar
e negociar. O ‘dentro’ e o ‘fora’ trocam-se por
turnos.”
Mia Couto
RESUMO

As populações que habitam os territórios de Oiapoque e da Guiana Francesa mantêm um relacionamento


histórico, num contexto interativo possibilitado pelo rio Oiapoque que interliga as coletividades. Muitos grupos
sociais de Oiapoque dependem economicamente dessa integração: são comerciantes, catraieiros, carregadores,
moradores das comunidades situadas no alto da bacia do rio Oiapoque. Contudo, desde meados da década de
1990, com objetivo de controlar a migração de brasileiros para Guiana Francesa e eliminar os garimpos
clandestinos situados em seu território ultramarino, vem o governo da França empreendendo um rigoroso
controle sobre a mobilidade e o deslocamento de pessoas em e através da fronteira. Tal situação engendrou
diversos conflitos envolvendo brasileiros e policiais franceses. A prática de transcender a fronteira expressa a
forma como esses indivíduos interagem, motivo pelo qual se qualificam tais interações como transfronteiriças.
Entende-se haver uma condição de transfronteiricidade em Oiapoque referida à Guiana Francesa. Por interação
se compreende uma situação em que os indivíduos estabelecem nexos entre si com influências e efeitos
recíprocos. O objetivo da tese foi interpretar como se articulam as interações transfronteiriças em escala local e o
processo de cooperação fronteiriça franco-brasileira, institucionalizado desde 1996. Neste sentido, o foco da
investigação foi a relação entre sociedade local-política internacional, isto é, sobre os novos significados que
adquirem as interações entre atores locais no quadro das relações bilaterais franco-brasileiras. A pesquisa, com
abordagem qualitativa, foi desenvolvida por meio de levantamento bibliográfico, documental e de campo. Essa
última levada a cabo em Macapá (2011, 2013), Oiapoque (novembro de 2007, novembro de 2011, julho de
2013), Caiena (outubro de 2011), Ilha Bela e Vila Brasil (Oiapoque, julho de 2013). Nessas ocasiões foram
utilizadas como técnicas de coleta de dados: observação não participante, entrevistas não estruturadas ou
semiestruturadas, configurando-se como uma pesquisa descritiva e interpretativa. Afirma-se que para os atores
locais a transcendência da fronteira se liga às condições de luta pela sobrevivência, ou seja, em territórios
fronteiriços identificam-se territorialidades diversas que se desenrolam alheias à existência da fronteira como
limite divisor de soberanias territoriais. Por territorialidades se entendem os conteúdos que determinam os
comportamentos dos indivíduos em suas ações no espaço. As interações decorrentes da mobilidade e do
deslocamento de pessoas no rio Oiapoque constituem-se – para os grupos destacados na investigação – em meios
de alcançar inserção socioeconômica e isso não é apreendido nos quadros da cooperação fronteiriça franco-
brasileira. Espera-se que os conhecimentos produzidos nesta pesquisa possam contribuir com conceitos mais
adequados à existência prática desses indivíduos, fornecendo subsídios para a formulação de políticas
compensatórias destinadas aos grupos atingidos pela restrição à mobilidade e ao deslocamento.

Palavras chave: Sociedade. Política. Fronteira. Oiapoque. Interações Sociais. Transfronteiricidade.


ABSTRACT

Beyond, through, the border and the agreement: social interaction in Oyapock

Populations which live in the French Guiana and Oiapoque territories maintain a historical relationship, possible
by an interactive context with Oiapoque river, joining the collectives. Many social groups in Oiapoque are
economically dependent on this integration: traders, boat riders, stevedores, residents of communities located at
the top of the Oiapoque River basin. However, since the mid-1990s, in order to control the migration of
Brazilians to French Guiana, and eliminate illegal mines located in its overseas territory, the French government
has made a strict control on the mobility and traffic of people across the border. Such situation created many
conflicts involving Brazilian and French police. The practice of transcending the border expresses how these
individuals interact, which is the reason why such interactions are qualified as cross-border. It is understood
there is a cross-border condition in Oiapoque, related to French Guiana. By interaction we understand a situation
in which individuals establish connections with each other with reciprocal influence and effects. The aim of the
thesis was to interpret how such cross-border interactions articulate on a local scale and the process of Franco-
Brazilian border cooperation, institutionalized since 1996. Accordingly, the focus of the investigation was the
relationship between international and local-political society, on new meanings acquiring the interactions
between local actors in the framework of Franco-Brazilian bilateral relations. The research, a qualitative
approach was developed through a bibliographic, documental and field survey. This last carried out in Macapa
(2011, 2013), Oiapoque (November 2007, November 2011, July 2013), Cayenne (October 2011), Ilha Bela and
Vila Brasil (Oiapoque, July 2013). On these occasions, data collection techniques were used: non-participant
observation, unstructured or semi-structured interviews, configured as a descriptive and interpretive research.
We state that, for local actors the border transcendence binds the conditions of struggle for survival, i.e., in
border territories several territorialities can be identified, taking place outside the presence of the boundary as the
dividing boundary territorial sovereignty. Territorialities can be understood by as the contents that determine the
behavior of individuals in their actions in space. Interactions arising from mobility and displacement of people in
Oiapoque constitute - for the highlighted groups in research - means of achieving socioeconomic conditions, and
this is not evidenced in the figures of the Franco-Brazilian border cooperation. It is hoped that the knowledge
produced in this research can contribute with more suitable concepts for practical existence of these individuals,
supporting the formulation of compensatory policies for groups affected by the restriction of mobility and
displacement

Key words: Society; Politics; Border; Oiapoque; Social Interactions; Cross-border relation.
RÉSUMÉ

Pour au-delà à travers, la frontière et de l’accord: les interactions sociales dans l’Oyapock
Leurs populations qui hatitents les territoires d’Oiapoque et de la Guyenne Francese maintiennent une relation
historique, dans un contexte interactif offert par le fleuve Oiapoque que rejoindre les collectifs. Des nombreux
groupes sociaux d’Oiapoque dépendente économiquement de cette intégration: sont commerçants, passeurs,
chargeurs résidents des communautés situées au dessus du bassin du fleuve Oiapoque. Cependant, depuis le
milieu des années 1990, avec l’objectif de contrôler la migration de brésiliens pour la Guyanne Francese et
éliminer l’orpaillage illégales situés dans son territoire d’autre-mer, vient le gouvernement Français entreprend
un rigoureux contrôle surla mobilité et la déplacement de personnes dans et à travers de la frontière. Une telle
situation causés de nombreux conflits impliquant le police francese et les brésiliens. La pratique de dépasser le
frontirère exprime la façon dont ces individus interagissent, pourquoi de telles qualifier ces interations comme
transfrontalière. Signifie qu’il existe un était transfrontalière en Oiapoque en relation à la Guyanne Francese. Par
interaction Il comprend une situation dans lequel les individus établessent des annexes entre eux avec des
influinces et des effets réciproques. L’objectif de la thèse a été interprétée comment articuler les interactions
transfrontalière en échelle locale et le processus de coopération transfrontalière Franco-brésilien,
institutionnalisée depuis 1996. En ce sens, l’objectif de recherches a été la relation entre la société et local-
politique international, c’est à dire de nouvelles significations qui acquièrent les interactions entre les acteurs
locaux dans les relations bilatéral franco-bresiliennes. La recherche, avec appreche qualitative, a été dévelopé par
une littérature bibliographique, documentaire et sur le terre, ce dernière effectué dans Macapá (2011, 2013),
Oiapoque (novembre 2007, novembre 2011, juin 2013), Cayenne (octobre 2011), Ilha Bela - Ilê Belle et Vila
Brasil - Vilage Brésil (Oyapock, juillet 2013), ces occasions ont été utilisés comme techniques la collecte de
données: observation non participant, interviews non structuré, ou semi-structurées, configuré comme une
recherche descriptive et interprétative. Stipulen que pour les acteurs locaux la transcedance de la frontière lie les
condictions de la lutte pour la survie, c’est à dire, dans la région transfrontalière identifie plusieurs territorialités
que déploiement autres l’existence de la frontière comme limite diviseur de la souveraineté territorial. Par
territorialités être compris par le contenu qui déterminent le comportement des personnes dans leurs actions dans
l’espace. Les interactions découlant de la mobilité et de déplacements de populations dans le fleuve Oiapoque
constituer - pour les groues en surbrillance dans la recherche – dans les moyens de réaliser insertion
socioéconomique et c’et n’est pas appréhendé dans le trames de la coopération frontière franco-brésilienne. Il est
à espèrer que la connaissances produites dans cette recherche peut contribuer avec les concepts les plus
appropriés l’existence concrète de ces individus, l’octroi de subventions d’élaborer des politiques
compensatoires destinés aux groupes concernés par restriction à la mobilité et le déplacement.

Mots clées: Societé. Politique. Frontière. Oiapoque. Interations Sociales. Transfrontalière.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 Mapa do Território Contestado Franco-Brasileiro 43


FIGURA 2 Quadro de Atos Bilaterais Brasil-França 54
FIGURA 3 Posto de fiscalização da Fronteira em Oiapoque 63
FIGURA 4 Posto de fiscalização da fronteira em Saint-Georges 63
FIGURA 5 Mapa de localização da cidade de Oiapoque e das vilas de Saint-Georges, 85
Camopi e Vila Brasil
FIGURA 6 Carregamento das catraias no porto de Oiapoque 92
FIGURA 7 Chegada da catraia na Grand Roche e desembarque de carga 93
FIGURA 8 Carregadores atravessando a carga de um lado para outro na Grand Roche 93
FIGURA 9 Novo embarque de carga em outra catraia maior que prosseguirá viagem às 94
comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil
FIGURA 10 Trilha alternativa para o transbordo quando a Gendarmerie está Grand 94
Roche
FIGURA 11 Ilha Bela 97
FIGURA 12 Vila Brasil 97
FIGURA 13 Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Posto avançado da Legião 99
Estrangeira e margem direita do rio Camopi
FIGURA 14 Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Vila de Camopi onde está a 99
Gendarmerie Nationale e margem esquerda do rio Camopi
FIGURA 15 Catraias cortadas localizadas no posto avançado da Gendarmerie em 117
Camopi, Guiana Francesa
FIGURA 16 Placa PARE do lado brasileiro da ponte Binacional 130
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1.1 Limites, fronteiras e territórios fronteiriços................................................................ 13
1.2 A cooperação fronteiriça França-Brasil ...................................................................... 16
1.3 Interações sociais Oiapoque-Guiana Francesa: conceituação e adjetivação.............. 21
1.4 As contribuições dos estudos sobre a fronteira Amapá-Guiana Francesa ................. 26
1.5 Aspectos metodológicos e estrutura da tese................................................................. 31
2 COOPERAÇÃO BRASIL E FRANÇA: NOTAS HISTÓRICAS E SOCIAIS DE UM
PROCESSO DIPLOMÁTICO .......................................................................................... 39
2.1 Considerações iniciais .................................................................................................. 39
2.2 A história das relações bilaterais Brasil-França no território fronteiriço Amapá-
Guiana Francesa ................................................................................................................ 42
2.3 Aspectos processuais da cooperação fronteiriça franco-brasileira ............................ 51
2.4 A integração sul-americana e a Política Nacional de Desenvolvimento Regional em
seus nexos com a cooperação fronteiriça franco-brasileira .............................................. 66
3 MOBILIDADE E DESLOCAMENTO NO TERRITÓRIO OIAPOQUE-GUIANA
FRANCESA ....................................................................................................................... 81
3.1 Considerações iniciais .................................................................................................. 81
3.2 Oiapoque: fronteira, cidade e rio ................................................................................. 82
3.2.1 Tipificação da mobilidade e dos deslocamentos além e através da fronteira .......... 86
3.3 Atores em movimento: comerciantes, catraieiros carregadores e moradores de Ilha
Bela e Vila Brasil ................................................................................................................ 88
3.4 Fronteira “porta” e fronteira “ponte”: transcendência no Oiapoque...................... 100
4 A COOPERAÇÃO: SENTIDO LOCAL ...................................................................... 121
4.1 Considerações iniciais ................................................................................................ 121
4.2Os ‘dizeres locais’ sobre a cooperação fronteiriça França-Brasil ............................. 123
4.3 Protestos e mobilizações além e através da fronteira e do acordo ............................ 138
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 156
6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 165
1 INTRODUÇÃO

Em termos históricos, apesar das disputas diplomáticas entre os governos do Brasil e


da França no século XIX relativas à demarcação da fronteira entre Brasil e Guiana Francesa o
relacionamento entre os habitantes dessa área fronteiriça pode ser classificado como tranquilo.
Podendo ser constatado no intenso e estável movimento de pessoas entre as duas margens do
rio Oiapoque, o qual cabe ressalvar representa quase 50% (aproximadamente 360 km) da
extensão total da mencionada fronteira (em torno de 730 km). Contudo, de 1995 em diante
essa situação começou a se modificar, isso decorreu do início de um adensamento no controle
institucional francês à entrada de brasileiros na Guiana Francesa. 1 O processo se intensificou
na década seguinte, em especial com as operações militares – Anaconda de 2005 e Harpie de
2008 – de combate à garimpagem ilegal realizada em seu território (FERNANDES, 2012), as
quais degeneraram em fiscalizações mais severas que acabaram por alcançar inclusive a
mobilidade de pessoas no rio Oiapoque. Outro acontecimento, em 1996, também indicava que
a fronteira Oiapoque-Guiana Francesa atravessava um período de mudanças, desta feita por
conta da celebração do Acordo Quadro de Cooperação Brasil-França que instituiu a
cooperação fronteiriça, até então inédita no nível dos Estados.
O estranhamento que motivou a investigação e resultou na produção desta tese
adveio da incoerência entre os dois fatos, ou seja: de um lado Brasil e França se propunham a
empreender ações conjuntas destinadas a promover a integração e melhorias nas condições de
vida nas coletividades situadas em ambos os lados da fronteira, de outro se ampliava o
controle institucional francês à entrada de brasileiros em seu território. A contradição tornou-
se cada vez mais evidente após a viagem a Oiapoque em novembro de 2007; quando foi
possível verificar que a inserção socioeconômica de muitos atores locais residentes na cidade
vinculava-se às interações com a Guiana Francesa e dessa ligação emerge um contexto
interativo mediado pelo trânsito de catraias entre as duas margens do rio Oiapoque. Os fatos
empíricos referentes a esses eventos permitiram delinear a existência de um processo que
apresenta duas tendências contraditórias: de um lado a cooperação entre Estados vizinhos com
vistas à integração entre territórios; de outro a emergência das interações sociais
1
A Guiana Francesa se encontra integrada fisicamente à América do Sul, mas em termos geopolíticos é território
francês e está integrada à União Europeia. No âmbito da União Europeia, a Guiana Francesa é uma
ultraperiferia, cuja definição ocorre em função de seu distanciamento geográfico do centro decisório; da
desvantagem em termos de atração de investimentos e quanto ao aumento de custos para intercâmbios de bens e
serviços (UNIÃO EUROPEIA, 2013). Devido a essa condição o seu desenvolvimento não pode ignorar a
utilidade de promover a sua integração na América do Sul, circunstância que reforça a importância da
cooperação transfronteiriça com o Amapá para a Guiana Francesa (D’ HAUTEFEUILLE, 2009; GRANGER,
2011).
12

para além e através da fronteira como questão indesejável. Isso merecia ser explorado.
Mostrava-se importante descobrir as causas para essa ambivalência no contexto territorial
fronteiriço, historicamente delineado pela situação de vizinhança e, portanto, pela convivência
entre os moradores de Oiapoque e Guiana Francesa. Esse conhecimento levaria a entender de
um lado se essa modalidade de cooperação atende somente aos interesses políticos e
econômicos dos Estados envolvidos ou, de outro lado, se ela objetivamente estava
comprometida com as demandas dos atores locais, cujas condições de vida são assinaladas
por muitas dificuldades.
Também justificava o desenvolvimento do trabalho colaborar com o conjunto de
estudos que tem se dedicado a refletir sobre as inovações no significado atribuído às fronteiras
internacionais, mas com uma proposta diferenciada, pois uma parcela dessas reflexões tem
privilegiado demonstrar que as fronteiras perderam parte de seu conteúdo como elemento
disjuntor em favor de ampliação de possibilidades econômico-financeiras tendo em vista as
configurações do capitalismo globalizado (COELHO, 1992; COURLET, 1996; MARTINS,
2008; COSTA, 2009; SILVA, Gutemberg, 2013; SILVA, Ana Regina, 2011); outros autores
concentraram seus esforços investigativos na análise do aspecto seletivo que a abertura das
fronteiras apresenta, em especial quando se trata da migração internacional nesses espaços,
esses últimos destacam que a globalização é largamente teorizada em termos de fluxos
transfronteiriços, mas essa abordagem não contempla seus desenvolvimentos em termos de
contenção e fechamento (SHAMIR, 2005; SALES, 1992; MÉLO, 2004; BRAGA, 2011;
HAESBAERT, 1998, 2013).
O interesse pelo tema ganhou mais consistência quando em Oiapoque se teve a
oportunidade de constatar que para seus moradores havia muita expectativa que a cooperação
fronteiriça franco-brasileira traria efetivas melhoras em termos de infraestrutura urbana,
educação, saúde, trabalho e renda. As estratégias retóricas de atores dos poderes executivo e
legislativo do Estado do Amapá propagandeadas em rádio, televisão, jornais impressos e
internet, acabavam por corroborar e alimentar as esperanças. De modo que se tornou
imperativo verificar se havia coerência entre o idealizado e o efetivado. A tese é produto da
análise da relação entre territórios fronteiriços e formas de interação com conteúdos distintos,
quais sejam: a relação entre Estados, estruturadas na esfera pública e na econômica; e as
interações entre indivíduos, ancoradas no substrato socioeconômico. Enquanto para os atores
locais as interações entre Oiapoque-Guiana Francesa têm contornos históricos, a cooperação
Brasil-França é contemporânea às configurações políticas e econômicas do mundo
globalizado.
13

Somente ocorre uma mudança sociológica onde houver algo para mudar, assim
sendo, identifica-se a mudança na atribuição de um novo papel às fronteiras externas no
quadro das relações internacionais sob o imperativo da globalização e do capitalismo
transnacional; porém, para os atores locais esse entendimento não exclusivamente nacional da
fronteira não representou uma mudança. Tem-se em conta que a interpretação do antes e do
depois na institucionalização da cooperação fronteiriça franco-brasileira permite apreender
seus significados possíveis para as interações sociais autênticas, tanto do que se nega, quanto
daquilo que se procura afirmar sobre continuidades e rupturas nas experiências sociais dos
atores locais. A tese tem como desafio epistemológico explicar como processos interestatais
de valorização dos territórios de fronteiras internacionais articulam-se às condições de vida
das populações fronteiriças.
Afirma-se que entre Oiapoque-Guiana Francesa existe uma condição de
transfronteiricidade, que é constituída em vivências intersticiais, dito de modo mais claro, os
atores locais incorporam a seu dia-a-dia: práticas, valores, normas que somente são possíveis
de acontecer numa situação de vizinhança, na qual o estar próximo favorece uma convivência
que é reforçada pelo compartilhamento entre os grupos sociais – mesmo ocupando posições
em lados opostos da fronteira internacional – das propriedades oferecidas pelo espaço, como é
o caso do rio Oiapoque ou ainda as jazidas de minério de ouro. Porém, para acessar esses
atributos é preciso transcender a fronteira; que conforme a territorialidade estatal tem um
sentido correspondente a situações de enfretamento e beligerância, e nesse encontro e
desencontro de territorialidades desenrolam-se interações transfronteiriças. A investigação
responde às seguintes perguntas: como se articulam a cooperação transfronteiriça franco-
brasileira e as experiências de vida dos atores locais de Oiapoque? Quais são os aspectos
históricos e processuais que caracterizam a cooperação transfronteiriça franco-brasileira?
Quais são os atributos que qualificam as formas de interações entre os indivíduos no território
fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa? Qual percepção tem os atores locais de Oiapoque
sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira?

1.1 Limites, fronteiras e territórios fronteiriços

A configuração da faixa de fronteira brasileira tem uma evolução histórica bem


heterogênea, assinalada por questões relativas a conflitos na demarcação dos limites e aos
processos de ocupação. Da perspectiva estatal, a fronteira tem a finalidade de definir o que
está sob seu domínio e o que está fora dele. Por isso, é um termo que se vincula à concepção
14

de controle; a fronteira possibilita ao Estado discernir: seu território, quem nele habita e como
esses dois elementos serão governados em favor de sua continuidade. Nesse ínterim, as
fronteiras tinham seu sentido definido pela função que exerciam como elemento de divisão
entre soberanias territoriais. Mas isso se modificou na contemporaneidade, pois é cada vez
mais frequente a valorização da contiguidade territorial propiciada pela fronteira comum entre
dois Estados, na medida em que favorece o estabelecimento de um padrão reticular de
organização dos espaços geográficos por onde circulam capitais, mercadorias, informações,
fatores produtivos e tecnologias.
Um primeiro esclarecimento concerne à distinção conceitual entre limites, fronteiras
e territórios fronteiriços. Mesmo que frequentemente sejam utilizados como sinônimos, esses
termos carregam conteúdos de classificação que explicitam diferentes processos de
apropriação dos espaços geográficos. Contemporaneamente, vários são os fenômenos que
geram mudanças nos processos de composição, decomposição e recomposição dos territórios.
Por território entende-se o produto da ação do homem sobre o espaço, ou seja, os atores se
apropriam dos espaços conforme seus interesses e disso resulta o território (RAFFESTIN,
2009). No território se encontram diversas territorialidades, por territorialidades se
compreendem os propósitos, os desejos, as necessidades que condicionam as ações humanas
no espaço (SAQUET, 2010; MELCHIOR, 2010).
Para Elias (2006) as figurações sociais têm variadas conformações, podem ser
grandes como o Estado, ou menores, caso da família, de uma vila, de uma cidade, e, se
poderia acrescentar, de uma coletividade fronteiriça, caso de Oiapoque. As referidas
subjetividades compõem o substrato sociocultural da figuração a que pertence o agente, bem
como definem a posição que ele ocupa em determinado lugar. No território fronteiriço
Oiapoque-Guiana Francesa entende-se que há duas ordens de valores que intervêm na
localização do agente: os políticos ligados à soberania estatal que atuam para exclusão do
indivíduo em relação ao limite fronteiriço; os sociais e econômicos gerados pela proximidade
espacial e que operam em favor das interações transfronteiriças entre atores locais (SIMMEL,
2013).
Neste texto fronteira e limite são operacionalizados conforme definição de Giddens
(2008), para esse teórico o limite significa um tipo específico de divisão entre dois ou mais
Estados. Em relação à fronteira, afirma que ela tanto integra, quanto separa, de modo que é
um lugar de situação sociopolítica extremamente complexa, nessa direção define fronteira
como:
15

Uma linha conhecida e geograficamente desenhada que separa e une dois ou mais
Estados. Enquanto existir, e frequentemente existe, uma “mistura” social e
peculiaridades políticas exibidas por grupos que vivem em áreas limites, esses
grupos estarão sujeitos ao domínio de um Estado ou de outro. (GIDDENS, 2008, p.
76).

Semelhante a esse autor, Machado utiliza a imagem de linha para referenciar o limite
e diferenciá-lo da fronteira, porém ela destaca uma distinção de perspectiva entre o limite, que
está orientado para dentro e a fronteira que se orienta para fora, ou seja,

a fronteira pode ser fator de integração, na medida em que for uma zona de
interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociopolíticas e
culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas
soberanas e permanece como obstáculo fixo, não importando a presença de certos
fatores comuns, físico-geográficos ou culturais. (MACHADO, 1998, p. 42).

Por último, a expressão território fronteiriço é aqui tomada como proposição que
adjetiva adequadamente o contexto interativo observado em Oiapoque-Guiana Francesa. Em
outras palavras, ao abordar sociedade local-política internacional em arranjos territoriais é
necessário enfatizar a perspectiva processual e relacional, portanto entende-se que território
fronteiriço tem uma unidade constituída por meio das relações que mantém com outras partes,
que na presente reflexão está além das fronteiras; a proposta de tese é fornecer um quadro
sociológico que desvele o significado interativo que se deseja descrever e interpretar em
Oiapoque-Guiana Francesa.
Em síntese, se institucionalmente as fronteiras internacionais brasileiras são
classificadas espacialmente em uma unidade distinta no âmbito do território nacional – que é
denominada faixa de fronteira e que tem extensão de 150 km (somente Bolívia e Peru também
possuem uma definição de um perímetro de terras contornando suas fronteiras, em ambos é de
50 km) – e que esse tipo de medida administrativa adotada pelo governo do Brasil demonstra
que nessas áreas incidem regras diferenciadas quanto: ao uso do solo; a recepção de subsídios
e vantagens fiscais e de segurança; por conseguinte, se deduz que a fronteira provoca uma
série de efeitos sobre o espaço imediato.
Mas, para além dessa especificação institucional e administrativa, entende-se que a
fronteira é resultante de interações, seja entre os governos dos países vizinhos, seja entre seus
habitantes, e de que tais processos afetam o perfil das sociedades locais. Nesse sentido
enuncia-se que as terras, no entorno da fronteira entre Oiapoque e Guiana Francesa,
configuram um território fronteiriço, um “pedaço de chão” ao qual são solidárias as
figurações sociais nele fixadas (SIMMEL, 2013, p.77), a partir dessas são determinados os
16

conteúdos presentes nos processos interativos que envolvem atores institucionais operando
em favor dos interesses estatais; atores locais atuando na luta pela existência, bem como entre
essas duas categorias de atores. Dessa multiplicidade de interações resulta um contexto
territorial assinalado pela interpenetração de comportamentos que conjugam impulsos,
interesses, desejos, significações e dessa conjunção derivam comportamentos mutuamente
referenciados. Nessas circunstâncias, desenrolam-se múltiplas formas de complementaridade
e conflitualidade, cujas resultantes ainda não foram devidamente analisadas e somente quando
isso for consumado é que será possível tornar visíveis aspirações locais.

1.2 A cooperação fronteiriça França-Brasil

Entende-se que na conjuntura atual do sistema internacional, os Estados são


desafiados e constrangidos pela dialética da globalização, ao mesmo tempo em que os
avanços da democracia ampliaram canais de participação dos cidadãos na organização do
poder, seja em escala mundial, seja em escala nacional. Para acompanhar tais movimentos os
Estados fortaleceram seu relacionamento por meio da cooperação internacional, compondo
um sistema de alianças reflexivamente monitorado (GIDDENS, 2008), que ampliou a
capacidade individual dessas unidades políticas em se sustentar como lócus de poder.
Contudo, nesse processo – que data das três últimas décadas do século XX – emerge
antagonismos, pois mudanças dessa ordem provocam descompassos entre estruturas sociais e
estruturas de personalidade (ELIAS, 2006); nos territórios fronteiriços no geral, e na América
do Sul em particular, onde se encontram nacionalidades e territorialidades em conjunção isso
se acentua sobremaneira (OLIVEIRA, 1997; BRAGA, 2011).
Para tratar essa condição em áreas de fronteiras internacionais, os Estados implantam
a cooperação fronteiriça com países contíguos, de um lado estabelecem a coesão entre os
territórios fronteiriços com ganhos em termos econômicos, e de outro aumentam a presença
de instituições estatais para manter com isso o monopólio da mobilidade em seu território
(REIS, 2007). Em áreas de fronteiras internacionais, a coesão territorial implicará
simultaneamente no aumento de pressões – como o domínio dos fluxos populacionais e do
estabelecimento de ilegalidades – e de novas oportunidades econômicas (MACHADO, 2007;
LOURENÇO, 2012). A internalização desse processo pelos indivíduos singulares e coletivos
que vivem nesses territórios se manifesta em conflitos sociais que na fronteira Oiapoque-
Guiana Francesa está relacionado com a questão da mobilidade e deslocamento de brasileiros
no rio Oiapoque.
17

Como a cooperação transfronteiriça se desenvolveu pioneiramente na Europa, a


definição operacionalizada neste texto foi constituída a partir da leitura e interpretação das
formulações de autores que lhe abordaram no âmbito do processo de unificação político-
econômico europeu (OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA,
2004; MEDEIROS, 2009; LOURENÇO, 2012). No entanto, por entender que a cooperação
entre Brasil e França na fronteira Amapá-Guiana Francesa ainda não implica em ações de
transcendência efetiva da fronteira, fez-se opção por retirar o prefixo ‘trans’ de modo que se
adota cooperação fronteiriça franco-brasileira. Os sentidos atribuídos à cooperação fronteiriça
franco-brasileira fazem referência: 1) à existência de uma fronteira internacional comum
como critério utilizado em sua conceituação, pois, privilegia a coesão entre territórios que são
reconhecidos por não terem sido devidamente incorporados em seus respectivos circuitos
políticos e econômicos nacionais e que padecem de problemáticas surgidas dessa condição
periférica; 2) à união de esforços com vistas à institucionalização de ações que atendem aos
mesmos desígnios com reciprocidade de efeitos; 3) a solução de problemas derivados do
fracionamento da região Amapá-Guiana Francesa e potencializar vantagens, tornando essa
região fronteiriça lugar de criatividade e oportunidade; 4) a participação da cooperação
fronteiriça franco-brasileira atores subnacionais, públicos, privados, desde que sob legislações
dos Estados partícipes. Cumpre salientar, que diversidade e assimetria são denominadores
comuns aos processos de cooperação transfronteiriça (mesmo na Europa), e na fronteira
Amapá-Guiana Francesa isso não é diferente, aliás, devendo, inclusive, a questão ser alargada,
pois não são apenas diferenças de identidade territorial e nacionalidades que se mantêm como
princípios de descontinuidade e desigualdade entre os Estados, mas, sobretudo,
constrangimentos jurídicos, políticos, administrativos, econômicos e ideológicos.
Trata-sede uma área de fronteira dinâmica e de alta interação em função das cidades-
gêmeas de Oiapoque e Saint-Georges, e nessa condição a questão da diversidade e assimetria
socioeconômica ao invés de ser benéfica para a cooperação fronteiriça, na medida em que
poderia gerar maior complementaridade, funciona como fator de constrangimento, ou mesmo
obstáculo aos seus avanços. Diante desse quadro, acredita-se ser necessário pensar as
experiências dos atores locais, conhecer e interpretar suas manifestações ou, em contrário, a
ausência dessas ou a existência de contestações. O ponto de partida é o pressuposto empírico
de que a dimensão socioeconômica em escala local não atravessou uma transformação que
acompanhasse a inovação na função da fronteira internacional. Em outros termos, para os
atores locais a fronteira sempre foi fluida e considerada somente como um dispositivo de
18

separação de nacionalidades, não percebida como obstáculo à realização de suas atividades


cotidianas.
Para alguns autores as fronteiras se caracterizam como lugar de passagem, zonas de
contato, bem como de convivência com a alteridade (SOARES, 1995; OLIVEIRA, 1997;
BUSTAMANTE, 1989; SOUCHAUD, CARMO, 2006; BRAGA, 2011); mas nesses espaços
também se explicitam as diferenças subsumidas em totalidades como os Estados nacionais
(ALBUQUERQUE, 2010) e, por conseguinte, o estudo dessas interações interestatais em seus
desdobramentos nas coletividades fronteiriças também é importante para verificar como os
atores locais são inseridos ou não nas ações políticas nacionais. As condições de vida em
coletividades fronteiriças se caracterizam pelo distanciamento em relação aos centros de
poder; pela ausência de infraestrutura, saúde, educação, trabalho; e pela vulnerabilidade aos
atos ilegais em ilícitos (FARRET, 1997; LAHORGUE, 1997; MACHADO, 2007; CASTRO,
2012; HAESBAERT, 2013). Diante dessa situação, os atores locais estruturam experiências
sociais que lhes permitem enfrentar essas problemáticas. Em relação a isso, Haesbaert afirma
que “para a população muito pobre, a continuidade espacial ainda é um dado fundamental em
suas estratégias cotidianas de sobrevivência [...] os pobres sobrevivem em redes tênues de
solidariedade cuja escala muitas vezes não extrapola a de sua vizinhança mais imediata (2013,
p. 7)”. Destarte, os atores locais, em seu cotidiano, acionam práticas que são formadas por
feixes de relações que transcendem as fronteiras, pois a contiguidade territorial gera a
vizinhança e se torna um atributo na composição dos esquemas operativos que funcionam
como estratégias de sobrevivência.
Como anteriormente informado, desde fins de 1990 agrava-se o controle francês à
entrada de brasileiros na Guiana Francesa. Em escala local isso decorreu da existência das
atividades ilegais e/ou ilícitas praticadas por brasileiros em território guianense (SOARES,
1995; SILVA, 2013). Mas também se relaciona a adoção da parte do governo francês de uma
“política de ‘imigração zero’ que pretendia não apenas fechar a entrada de novos imigrantes,
como também retirar da França os imigrantes já estabelecidos. [...] de fato a França foi o
único país europeu do pós-guerra que tentou estabelecer uma política maciça de repatriamento
forçado (REIS, 2007, p. 123)”. A consistência desse movimento anti-imigração provocou
restrição à presença de estrangeiros na França e em seus territórios de ultramar, manifestando-
se, portanto, na fronteira entre Brasil-Guiana Francesa. A relação que esse fato tem com a
proposta de tese é que um efeito dessa política anti-imigração foi o aumento no controle à
mobilidade de brasileiros no rio Oiapoque, ou seja, brasileiros em deslocamentos passaram a
ser percebidos como migrantes em potencial e, desde então, acontecem inúmeros conflitos
19

envolvendo gendarmes e brasileiros. Para Reis (2007) na França a ênfase da política


migratória questiona principalmente as fronteiras entre cidadãos e estrangeiros, e entre
estrangeiros legais e ilegais; segundo a autora com o passar do tempo isso conduzirá ao
surgimento na sociedade francesa do movimento dos sans papiers (sem papéis), indivíduos
estrangeiros lutando pelo direito de ter direitos, pois sua “única reivindicação nesse momento
era o reconhecimento da existência legal da existência de indivíduos, a maior parte lançados
na ilegalidade por mudanças na política de imigração francesa (REIS, 2007, p. 154)”.
No esforço de alcançar generalizações, tomando-se por objeto de análise as
interações na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa, a presente tese afirma que as interações
entre os indivíduos se fazem pela transcendência da fronteira internacional, que em termos
objetivos ocorre na navegação pelo rio Oiapoque. Argumenta-se que em Oiapoque atravessar
a fronteira representa oportunidade de inserção socioeconômica. Ao dedicar-se em estudar as
migrações entre territórios de fronteiras no MERCOSUL (Brasil, Argentina, Paraguai,
Uruguai), Braga (2011) afirma que nesses lugares formam-se redes transfronteiriças as quais
garantem a manutenção da mobilidade de pessoas, uma manifestação do que ele denomina de
transfronteirismo, um construto teórico com o qual o autor afirma ser possível capturar a
historicidade desses deslocamentos “na medida em que ocorrem desde o período colonial,
mas atualmente se expandem com as novas formas de conexão engendradas pela globalização
(BRAGA, 2011, p. 51)”.
A proposta desta tese se estende um pouco mais além, pois, argumenta-se que no
território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa encontram-se atributos relativos à vizinhança
entre as coletividades situadas em suas margens, os quais condicionam interações e práticas
sociais desses agentes. Esses atributos definem Oiapoque como lugar de transfronteiricidade,
uma proposição desta tese que pretende qualificar em termos socioeconômicos, históricos,
simbólicos, espaciais o território Oiapoque-Guiana Francesa, demonstrando que a
contiguidade espacial gera um formato territorial que se desenvolveu alheio à qualificação
política definida pelos Estados, a qual se encontra relacionada a valores de domínio e poder
sobre os indivíduos, bem como sobre as capacidades desses agentes em posicionar-se e
movimentar-se no espaço físico. O deslocar-se no rio Oiapoque toma um tempo mais curto e
com menor dispêndio, desde que estejam os atores com possibilidades em acessar meios de
transporte fluvial e os canais de passagem nas cachoeiras, o que assegura a mobilidade na e
através da fronteira.
Contudo, como a cooperação fronteiriça franco-brasileira se desenrola como política
entre Estados, ela não alcança níveis mais estruturais de manutenção e reprodução das
20

vivências coletivas, a exemplo das restrições institucionais francesas ao movimento de


brasileiros no rio Oiapoque, ainda que, cumpre ressalvar, isso seja feito como parte de uma
política de combate a problemáticas de interesse comum ao Brasil e à França: migração
clandestina e garimpagem ilegal de ouro. A presente tese tenta inserir-se no quadro mais geral
das ciências humanas participando com novos elementos para o debate sobre as implicações
socioeconômicas dessa modalidade de cooperação internacional, já que as populações
fronteiriças – mesmo sob fortes sistemas centralizadores – extravasam a fronteira
(BUSTAMANTE, 1989; OLIVEIRA, 1997; ALBUQUERQUE, 2010; BRAGA, 2011;
HAESBAERT, 2013).
As reflexões apresentadas decorrem de uma pesquisa realizada nos anos de 2007,
2011e 2013, nos municípios de Macapá, Oiapoque, e nas comunidades de Ilha Bela e Vila
Brasil (Estado do Amapá); como também na cidade de Caiena (Guiana Francesa). Trata-se de
um estudo sociológico com abordagem qualitativa que pretende construir um quadro
conceitual sobre as condições típicas em que ocorrem as interações transfronteiriças
Oiapoque-Guiana Francesa tendo em consideração o Acordo Quadro de Cooperação Brasil-
França (BRASIL/MRE, 1996). Almeja-se pensar como os atores locais em suas existências
são afetados pelos novos sentidos atribuídos a essa fronteira expressos no artigo 6º do referido
tratado. O acordo entrou em vigência com sua aprovação pelo Congresso Nacional por meio
do Decreto nº 2.200/1997.
Os sociólogos clássicos buscaram analisar os fenômenos que pudessem sustentar o
desenvolvimento da sociedade, porém contemporaneamente a sociologia é provocada em face
de problemáticas como a que suscitou este trabalho. O desenvolvimento institucional da
sociologia ocorreu no século XIX por meio da delimitação de objetos, conceitos e
metodologias com os quais fosse possível pensar as sociedades humanas. Essas abordagens
sociológicas trouxeram interpretações e explicações sobre as sociedades, ou seja, um
conhecimento sobre a relação entre identidades e relações sociais, bem como sobre a
definição de regulação das vivências coletivas (WAGNER, 1995). De acordo com esse autor,
as transformações aceleradas que vêm caracterizando as sociedades contemporâneas tornaram
imperativo pensar os limites epistemológicos desses conceitos, na medida em que se
reestruturam as formas de interação social; se alteram, sintetizam ou destroem-se identidades
sociais, num movimento que estabelece insegurança e incerteza por provocar fissuras em
padrões sócio-históricos de coexistência.
Na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa ocorrem interações fugazes, mas recorrentes
devido à proximidade territorial gerada pelo rio Oiapoque. Muitas pessoas que atravessam o
21

rio Oiapoque em direção à Guiana Francesa acreditam que irão encontrar oportunidades de
alcançar prosperidade: seja pelo euro, mais valorizado que o real; seja pelo ouro; ou um caso
interessante, muitas mulheres sonham em unir-se com um francês, que para elas representa
igualmente uma “melhora de vida”. Esse imaginário de que do outro lado existe uma vida
melhor regeu e ainda rege a migração de brasileiros para além da fronteira. Contudo, há
outros interesses para transitar além e através da fronteira, podendo ser um passeio turístico,
fazer vendas ou compras, realizar um trabalho ou acessar um serviço; ir para as ou vir das
comunidades ribeirinhas; em síntese, a mobilidade e o deslocamento pelo rio fazem parte das
práticas cotidianas dessa população. É importante destacar que as interações transfronteiriças
não implicam comprometimentos para as identidades culturais dos atores. Para caminhar com
segurança e clareza na construção de um quadro conceitual que explique as formas como se
desenrolam as interações Oiapoque-Guiana Francesa apresenta-se a seguir sua conceituação
conforme Weber (1999, 2003), mais especificamente Simmel (2006) e Elias (2006). A
pretensão é apresentar a orientação sociológica com a qual se interpretou os dados obtidos na
pesquisa de campo.

1.3 Interações Sociais Oiapoque-Guiana Francesa: conceituação e adjetivação

A adjetivação é admissível na perspectiva sociológica de Simmel, pois como bem


destaca Nery (2007) – ao estabelecer similaridades deste pensador com Ernst Cassirer – o
sociólogo reconhecia o aspecto mediado do conhecimento humano, em todas as suas formas,
inclusive a científica. Para ele o conhecimento científico não reproduz a realidade, fornece
sínteses intelectuais criadas para atender a determinadas finalidades. Portanto, para reunir os
atributos que explicitarão a condição de transfronteiricidade observada entre Oiapoque-
Guiana Francesa, é importante adjetivar as interações entre os atores territoriais – ou seja,
aqueles que mantêm uma identidade com o lugar de suas existências – como transfronteiriças,
entende-se que tal qualificação é estratégica para explicar que a transcendência da fronteira
insere-se nos conteúdos da vida prática desses atores locais.
Weber (2003), Simmel (2006) e Elias (2006) têm perspectivas sociológicas que, em
linhas gerais, se justapõem. São pensadores em busca da compreensão da existência da
sociedade a partir dos vínculos que os seres humanos estabelecem entre si. A sociedade é
desse ponto de vista uma tessitura de ações recíprocas em suas influências e implicações, as
quais devidamente transmitidas às e internalizadas pelas gerações sucedâneas se tornaram
independentes dos agentes que lhes constituíram.
22

Para Weber (1999), a sociologia é a ciência que se propõe a compreender


interpretativamente a ação social de um agente imerso em suas referências culturais que
tipificam a ação, essas subjetividades podem ser de ordem racional com relação aos fins;
racional com relação a valores; tradicional; afetiva; mas sempre é uma ação referida ao
comportamento de outros. Nessa perspectiva sociológica, a relação entre indivíduos em dada
formação social é concebida como ações reciprocamente referidas quanto ao seu sentido
visado. Sentidos são as individualidades manifestadas nas finalidades da ação e somente
podem ser abstraídos no acontecer da relação entre indivíduos, pois não estão dadas
objetivamente na vida social (WEBER, 1999). A construção intelectual do caráter social da
ação humana se revela na interdependência dos sentidos reunidos por meio das analogias
sociológicas. Para alcançar esse nível de apreensão, o método sociológico deve se estender até
a inclusão de sequências históricas e regularidades típicas que revelem estruturas sociais tanto
em transformação, quanto em continuidades (WEBER, 2003); esse procedimento possibilita
tornar inteligíveis às ações sociais o seu caráter propriamente de ato, de invenção e criação
coletivas.
Quanto ao exercício da imaginação sociológica, Weber (2003) propõe a construção de
tipos ideais: que não são hipóteses, nem um sistema de proposições teóricas e sim
instrumentos metodológicos que admitem ponderar a realidade, classificando-a desde que haja
correspondência entre o tipo e o real. O tipo ideal representa um ou vários pontos de vista, em
outras palavras, não há uma interpretação única, mas interpretações possíveis da realidade. É
interessante como Weber (2003) afirma ser o tipo ideal uma utopia, já que não encontra
correspondência na experiência, sua construção consiste em circunscrever fatos difusos para
reuni-los em um quadro ideal não contraditório para a investigação. Nesse ponto, demarca-se
um ponto de distanciamento entre os teóricos, pois o tipo de Weber (2003) é puro e sua
pureza permitirá ao sociólogo apreender a realidade social em sua complexidade e
contradições, uma vez que o real é uma trama de elementos de diferentes tipos. Em Simmel
não se encontra uma tipologia ideal que contemple a realidade em todas as suas
ambiguidades, por isso sua tipologia é composta de formas meio puras, já que as formas das
interações entre indivíduos estão em constante construção, o fluxo da vida social é incessante,
nele encontramos uma constelação de “efeitos mútuos imediatos, vividos a cada hora e por
toda uma existência, de indivíduo a indivíduo (2006, p. 17)”. Por último, Elias (2006) que
critica tais tipificações, pois para ele as figurações formadas pelos seres humanos em
interações são tão concretas que não podem ser ponderadas sem as estruturas sociais em que
estão referenciadas, ou seja, estruturas e interações sociais são inseparáveis.
23

Para Simmel (2006) 2, desvendar a sociedade é uma tarefa intelectual que se inicia
com o conceito de interação. Os indivíduos estão sempre interagindo e nessa ação mútua
criam outra ordem de realidade, que tanto sofre influência deles como também exerce sobre
eles influência. A matéria dessas interações deve ser buscada nos conteúdos subjetivos aos
indivíduos, são os desejos, impulsos, interesses, finalidades. Na interação com outro, para
outros e contra outros, os indivíduos realizam essa matéria em formatos específicos. Assim
sendo, conteúdos e formas de interações constituem uma unidade; a partir da qual a interação
entre indivíduos ocorre e que lhe é própria. Ou seja, para esse pensador não interessa como os
indivíduos formam uma unidade, mas como em virtude da reciprocidade de efeitos –
manifesta na forma da interação –, passam a ser determinados em seus comportamentos, os
quais estão imersos no fluxo inesgotável da vida. Em decorrência dessa formulação, o
desenho da sociedade deve ser feito com a operacionalização de dois conceitos: “conteúdo e
forma”. O conteúdo está presente nos indivíduos que são uma “composição de qualidades,
destinos, forças e desdobramentos históricos (SIMMEL, 2006, p. 13)”. Esses materiais
condicionam as proposições e significações do indivíduo numa relação de coexistência. Tais
subjetividades em si e para si não podem ser classificadas como sociais, mas se convertem em
fatores de sociação 3 quando se objetivam nas formas adotadas pelos atores que “em razão de
seus interesses [...] se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual
esses interesses se realizam (SIMMEL, 2006, p. 60)”.
Conforme essa premissa, as interações sociais expressam uma reciprocidade de
efeitos entre comportamentos singulares, atuações que somente podem ser interpretadas à luz
das significações culturais que revelam seus sentidos para os indivíduos em interação. São
fenômenos produzidos em dois sentidos, primeiro na contiguidade dos indivíduos em suas
ações recíprocas, segundo na sucessão de gerações de indivíduos. Seja em uma mesma
geração, seja em gerações sucedâneas: o que existe são relações de “convívio, de atuação com
referência ao outro, com o outro e contra o outro, em um estado de correlação com os outros
(SIMMEL, 2006, p.60)”. Desse modo, cada aspecto da vida social – econômico, espiritual,
político, jurídico, religioso, artístico, etc. – é produzido na relação recíproca entre seres
humanos e por esse motivo não podem ser reduzidos a um indivíduo observado em si mesmo.

2
Fundou com Weber e outros a Sociedade Alemã de Sociologia. Ainda que o formalismo sociológico tenha
obscurecido sua obra em parte por ter consagrado a tríade Marx, Weber e Durkheim como “pais fundadores” da
sociologia. Suas contribuições são de inestimável valor e podem ser identificadas em Norbert Elias e Pierre
Bourdieu (Nery, 2007).
3
O uso do conceito, de pouco uso na língua portuguesa, foi justificado pelos tradutores Rainer Domschke e
Fraya Frehse como necessário ao sentido processual conferido por Simmel na edição de 1903, ficando o
entendimento de sociação como “engendrar a sociedade”.
24

A arquitetura conceitual simmeliana concebe a especificidade do ser humano em


construir “pontes e portas”, ou seja, em estabelecer ligações e separações (SIMMEL, 1996) e
constituir a partir desses vínculos unidades, ainda que sejam transitórias e parciais. Essa
qualificação das interações advém de seu argumento de que os laços de associação são feitos e
desfeitos, para serem novamente refeitos no fluxo da vida e são dependentes da atitude do
agente em relação a impulsos ou finalidades subjetivamente definidos. Para Simmel (2006), a
sociedade não se limita às interações duradouras; há outra quantidade de interações de menor
intensidade 4 que constituem de fato a sociedade: “Que os seres humanos troquem olhares e
que sejam ciumentos, que se correspondam por cartas ou que almocem juntos, que pareçam
simpáticos ou antipáticos uns aos outros, para além de qualquer interesse aparente (2006,
17)”. Nessas interações – digamos menos visíveis em decorrência de sua aparente irrelevância
ou mesmo discrição – encontramos a reciprocidade entre elementos que carregam em si todas
as propriedades que reunidas evidenciam o que se denomina sociedade. Seu método
sociológico consiste em abstrair das experiências concretas os elementos passíveis de inter-
relação e abarcá-los numa unidade, encontrando nas microações do cotidiano, o regular, o
padrão, o recorrente. A unidade seria somente uma visão conjunta dessas existências materiais
específicas, cujos impulsos e formas de sociação recebidos (gerações anteriores) e partilhados
(contiguidade de indivíduos) teriam permanecido em cada uma de suas partes. No dia a dia de
alguns grupos de atores residentes em Oiapoque, as interações com o território vizinho não
são intensas, não estão enquadradas nas tradicionais unidades de análise sociológica como
família, Estado, igreja, associações, etc.; mas é justamente a continuidade diária dessas
interações fugazes que define um padrão de relações e práticas sociais entre Oiapoque e
Guiana Francesa que se desenvolve na mobilidade e deslocamentos de pessoas no e através do
rio Oiapoque.
As formas de interação são tipificadas por Simmel (2006) conforme sua relação aos
conteúdos da vida, de modo que há quatro tipos de interações: 1) interações elementares
ligadas aos conteúdos da vida prática; 2) institucionalizadas, tais como interações familiares,
de classe, de sindicatos, de organizações burocráticas ou militares; 3) lúdicas observadas em
jogos, paquera, esportes, essas não possuem conteúdos práticos; 4) genéricas próprias da
sociedade. Qualquer conteúdo da vida, definido por Simmel (2006) como proposições e
significações, pode ser construído como elemento de qualquer unidade, entendida como forma
possível de organização das experiências, que tem caráter funcional, não de substância. Esse

4
Ressalvando-se que Simmel (2006) alerta que algumas interações são tão breves que não se estabelece uma
sociação, é o caso de pessoas que se acotovelam numa fila de bilheteria ou numa troca fugaz de olhares.
25

pensador fornece o eixo epistemológico desta tese. Seus postulados são utilizados para
entender as formas das interações entre atores territoriais de Oiapoque com a Guiana
Francesa. A luz dos pressupostos de Simmel (2006, 2013) formula-se que as interações
identificadas entre os atores no território Oiapoque-Guiana Francesa ganham inteligibilidade,
pois a curta temporalidade aceita pelo teórico em sua sociologia possibilita compreender um
tipo de interação social que se desenrola a partir de diferentes subjetividades e referenciada
por temporalidades e espacialidades igualmente distintas. Ou seja, o tempo experimentado se
situa no cotidiano vivido e o lugar onde acontece a interação é variável conforme a
localização do agente. Em outras palavras, a subjetividade que se deseja demonstrar encontra-
se referenciada na configuração dada ao território por indivíduos singulares e coletivos em
suas vivências práticas. Portanto, são interações que se desenvolvem sob condições típicas e
para dar destaque a essa qualidade considerou-se pertinente e coerente lhes adjetivar como
transfronteiriças. A transcendência assinalada nessa fronteira vincula-se à mobilidade de
pessoas em trânsito no rio Oiapoque; dinâmica populacional diretamente relacionada à
inserção econômica de muitos atores locais residentes na cidade de Oiapoque.
Elias (2006) entende a sociedade como uma tessitura de relações no devir histórico.
As ações individuais se interpenetram no curso do tempo e são motivadas por planejamentos
racionais ou emocionais, tanto em cooperação como em conflito. O entrelaçamento de ações
individuais é encontrado na estrutura social, onde as finalidades subjetivas são tecidas. Desse
ponto de vista, não existe sociedade sem indivíduo e não existe indivíduo fora da sociedade.
Simmel e Elias aproximam-se na adoção da perspectiva relacional de sociedade. Sendo na
estrutura social que se realizam as experiências da vida que devem ser consoantes às
interdependências (ELIAS, 2006) ou às diferenciações (SIMMEL, 2006) que existem.
A perspectiva processual de Elias (2006) favorece desenvolver uma compreensão do
processo de integração – entre unidades territoriais e populacionais– como promotor da
ampliação do tecido social nas unidades em integração. Postula-se que com isso as interações
entre os indivíduos se modificam e as individualidades podem se conformar ou não a essas
novas configurações de relacionamento entre Estados, as quais se rebatem nas vivências
cotidianas. Para esse teórico, o homem é motivado pela busca da satisfação pessoal e pela
negação do sofrimento, contudo para o homem existir ele necessita interagir com outros e em
função disso tem que deslocar suas aspirações e desejos para outro nível de realização, qual
seja: o social (ELIAS, 2006). Dessa formulação se entende que os habitantes de Oiapoque
buscam na vizinha Guiana Francesa melhorar seu status por meio de acesso a bens, valores e
serviços que não encontram no Brasil. Em perspectiva histórica o sentido já foi inverso, ou
26

seja, no período colonial e em parte do século XX os guianenses buscavam em Oiapoque


aquilo que não encontravam na Guiana Francesa. Essa concepção não pode ser alcançada sem
adotar a diacronia recomendada por Elias (2006), pois a coexistência desses atores não ocorre
por acaso, o que se percebe e avalia hoje ao estudar as interações entre as coletividades das
duas margens do rio Oiapoque é a objetivação de relações e práticas sociais passadas.
As formulações de Elias e Simmel expressam nas noções de processo e fluxo as
trajetórias de indivíduos que em suas interações alcançam realização individual no mundo
social e de acordo com ele. Ambos admitem tensões e assimetrias de poder nesse caminho, o
que torna a subordinação e o conflito atributos invariantes nas diferentes interações. As
formas em Simmel (2006) ou as figurações em Elias (2000, 2006) se tornam autônomas
relativas aos indivíduos, pois se distanciaram tanto da crença que lhes originou, quanto de sua
finalidade. Se em um processo social não houver êxito na autonomização dos conteúdos da
vida prática a opressão se torna consciente entre os indivíduos, isso gera desestruturação nos
substratos onde se desenvolvem as individualidades, ou seja, um processo social mal-
sucedido é aquele que não apreende a estrutura do sujeito, estabelecendo-se um descompasso
entre estruturas sociais e estruturas de personalidades (ELIAS, 2006). As obras de Simmel e
Elias se constituem numa tentativa de superar a dicotomia indivíduo–sociedade, enriquecendo
o campo da discussão sociológica.

1.4 As contribuições dos estudos sobre a fronteira Amapá-Guiana Francesa

Desde fins da década de 1980 o Estado brasileiro está engajado em implantar


programas de cooperação bi ou multilateral com os países vizinhos com objetivo de criar por
um lado eixos de integração infraestrutural, tais como gasodutos, hidrelétricas, rodovias,
pontes, ferrovias, redes de fibra ótica, etc.; e de outro conjugar ações com a finalidade de
desenvolver parcerias para prevenções diversas (saúde, maior ambiente, defesa civil, etc.),
provisão de bens e serviços que carecem de maior escala para sua viabilidade ou até questões
referentes a acesso à informação e promoção de cidadania para os moradores fronteiriços.
Assim sendo, as cidades-gêmeas localizadas na faixa de fronteira brasileira – ao todo vinte e
nove – ganharam mais visibilidade pela oportunidade que o governo do Brasil tem de
fortalecer e catalisar os processos de desenvolvimento regional e/ou local a partir da
cooperação internacional, fundamentais para a competitividade nacional. As cidades-gêmeas
são aglomerações populacionais separadas pelo limite fronteiriço cujo significado político se
dissolve em meio às interações entre suas populações.
27

As pesquisas que abordam temas relativos à fronteira entre o Amapá e a Guiana


Francesa se inserem no conjunto de estudos que colocam em destaque essas novas dinâmicas
territoriais observadas em regiões de fronteiras internacionais na América do Sul. Em outros
termos, são reflexões que colocam em debate o processo de transfronteirização desses espaços
tendo como interfaces a globalização e a regionalização (RÜCKERT, 2010, prefácio). Os
trabalhos focam não somente a passagem do sentido de fronteira separação para o sentido de
fronteira cooperação/integração, como também são contribuições que configuram um
arcabouço de hipóteses empíricas que busca tornar inteligíveis os processos de interações
fronteiriças que acompanham tanto projetos como a Iniciativa de Integração da Infraestrutura
Regional Sul-Americana (IIRSA), 5 como também a formação de blocos econômicos e/ou
comunidades políticas, tais como Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a União das
Nações da América do Sul (UNASUL).
Selecionaram-se cinco autores que abordam a fronteira entre o Amapá e a Guiana
Francesa de diferentes perspectivas. Nesses trabalhos os autores consideram a cooperação
transfronteiriça franco-brasileira como um processo político e descortinam um campo de
possibilidades analíticas, pois cada autor constrói um conjunto de relações distintas referentes
à fronteira Amapá-Guiana Francesa. Martins (2008) encontra nexos entre globalização,
reforma do Estado no Brasil e institucionalização da cooperação transfronteiriça franco-
brasileira. Silva (2010, 2013) destaca o uso político que as fronteiras apresentam na
contemporaneidade, sua argumentação se estrutura em torno dos conceitos de interações
espaciais e escalas geográficas. Superti (2013) entende que a cooperação fronteiriça entre
Brasil e França se insere nas políticas públicas de integração regional na América do Sul,
preocupa-se em delinear as limitações desses projetos em termos sociais. Granger (2011)
oferece uma reflexão sobre a cooperação com destaque ao seu papel na integração da Guiana
Francesa entre países sul-americanos; também faz projeções sobre o futuro da Guiana
Francesa no conjunto desse continente. Police (2010) em Discours, Emergence et
Deconstruction d’Oyapock-Oiapoque comme systeme global aborda a fronteira Amapá-
Guiana Francesa da perspectiva de uma unidade simbólica, numa proposta bem próxima a
desta tese, na medida em que esse autor entende existir um continuum Homem-Oiapoque
entre as duas margens do rio Oiapoque. Para o autor a cidade de Oiapoque (Brasil) e a vila de
Saint-Georges (Guiana Francesa) formam o sistema Oyapock que se organiza e funciona no
que ele denomina de mundo do rio Oiapoque.

5
Decreto de 17/09/2001 que criou a Comissão Interministerial para a Integração da Infraestrutura Regional da
América do Sul. Acesso de informações sobre a IIRSA: www.iirsa.org; www.iirsa.org/proyectos.
28

Martins (2008) realiza uma reflexão sobre a modificação na percepção do Estado


brasileiro quanto ao papel da fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa. Utilizando-se da
pesquisa histórica e documental demonstra que a celebração da cooperação fronteiriça franco-
brasileira favorece entender os desdobramentos da globalização e das ideias neoliberais na
reforma do campo estatal no Brasil na década de 1990. Em sua argumentação utiliza dados
obtidos nos planejamentos plurianuais para demonstrar a alocação de recursos orçamentários
para o desenvolvimento de projetos de integração na América do Sul, nos quais a autora
insere a cooperação transfronteiriça franco-brasileira.

Nos PPA’s de 1996 a 2003, foi possível identificar o foco do Estado brasileiro na
questão do desenvolvimento sustentável; e a reorganização territorial a partir de uma
geografia econômica. Em ambas, a fronteira do Amapá ganha destaque na
elaboração dos programas de governo; na primeira, o fato de que se encontra situada
entre duas unidades de conservação ambiental: Parque Nacional do Cabo Orange e o
Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; quanto à segunda, sob a lógica da
integração, os espaços são selecionados segundo suas potencialidades de
investimentos ou comercialização, sendo este último o critério que classifica a
fronteira Amapá-Guiana Francesa como estratégica. (MARTINS, 2008, p. 105).

Em seu trabalho de campo, a autora verifica que em virtude de Oiapoque ser um


município fronteiriço, as expectativas dos atores locais, quanto a políticas públicas, expressam
carências consoantes com as particulares e difíceis condições de vida. Por esse motivo as
precárias iniciativas do poder público (municipal, estadual e federal) fizeram com que a
cooperação transfronteiriça se anunciasse como alternativa de desenvolvimento
socioeconômico. Entretanto, após a celebração da cooperação fronteiriça Brasil-França, as
relações entre os atores fronteiriços, em vez de evoluírem, deterioram-se e a promessa do
desenvolvimento socioeconômico contida nessa cooperação não se concretizou (MARTINS,
2008).
Silva (2010, 2013) identifica na cooperação transfronteiriça franco-brasileira
interações espaciais que traduzem os novos usos políticos dos territórios fronteiriços. Esses
passam contemporaneamente por um processo de invenção que concebe as fronteiras
internacionais como áreas de transição, interface e/ou comutadora entre países vizinhos. O
autor operacionaliza o conceito de fronteira-rede inspirado em Arbaret-Schulz et al. (2004)
para destacar que as cidades localizadas nesses espaços funcionam como os nós de uma rede
de interações relativas a diferentes escalas espaciais. As interações espaciais manifestam-se na
movimentação de pessoas, mercadorias, capitais e informação; desse modo, delas é possível
abstrair os diversos interesses que se cruzam na configuração dos territórios fronteiriços.
29

As escalas geográficas relacionam-se aos atores e indicam o campo de referência no


qual existe a pertinência de um fenômeno. Com base nesse pressuposto, Silva (2010, 2013)
diagnostica na cooperação fronteiriça franco-brasileira três tipos de escalas: internacional,
nacional e local. Mesmo que os efeitos da cooperação fronteiriça franco-brasileira não sejam
sentidos – em termos de melhorias nas condições de vida – pelos atores em Oiapoque “No
tocante à cooperação, diferentes atores ganham destaque e vêm influenciando as políticas
territoriais franco-brasileiras, resultando numa série de interações espaciais e de
possibilidades a partir da cooperação transfronteiriça (2010, p. 88)”.
Ao destacar o novo papel das fronteiras internacionais no cenário de crescimento
econômico do país, Superti (2013) afirma que a região amazônica passa por outro processo de
modernização – que se materializa nos eixos nacionais de integração e desenvolvimento
(ENID) – no qual seus contornos políticos e econômicos são definidos pelo Estado. Isso não
derivou em um declínio de ações geopolíticas, ao contrário a política de defesa nacional
tornou a região prioritária, com a inclusão de políticas públicas de defesa, segurança e
desenvolvimento. Essa reorganização do espaço amazônico por meio dos eixos de integração
e desenvolvimento (cuja conclusão integrará 8.272 km de fronteiras internacionais)
conformará um padrão reticular de modernização da infraestrutura econômica. A autora
entende que esses processos têm como viés estruturante a circulação de mercadorias, ou seja,
a atividade comercial, isso demonstra por um lado sua limitação à dimensão do mercado, por
outro seu alheamento em relação à sociedade.

O desenvolvimento proposto tem o comércio como elemento central, via aumento


dos fluxos de riquezas produzidos e consumidos na América do Sul. Não se projeta
a integração na área social e a discussão sobre imigração, mesmo nas cidades-
gêmeas das regiões de fronteira, ou a gestão ampliada do meio ambiente, ainda que
projetos de grande impacto afetem zonas de importante biodiversidade da Amazônia
continental. (SUPERTI, 2013, p. 104).

Granger (2011) aborda o processo de integração da Guiana Francesa à América do


Sul por meio de sua ligação física com o Estado do Amapá. Essa proximidade propiciada pela
fronteira comum engendrou a cooperação transfronteiriça França-Brasil. Inicialmente destaca
a condição típica desse território incrustado na América do Sul, mas vinculado política e
economicamente à França e ao continente europeu. Para o autor a Guiana Francesa atravessou
um conjunto de mudanças em seu estatuto político e institucional, iniciando como colônia da
França, passando por uma departamentalização em 1946, chegando recentemente a sua
continentalização, que conforme o autor revela sua integração na América do Sul. A posição
30

estratégica da Guiana Francesa para o Brasil é pontuada pelo autor em sua assertiva de que
para o mercado brasileiro ela seria “a porta de entrada pela qual o Brasil está querendo
introduzir exportações amazônicas (2011, p. 84)” para o Caribe e União Europeia. Granger
(2011) entende que o processo de continentalização sul-americana da Guiana Francesa está
incompleto e não há perspectiva de se concluir, pois, ainda que integrada aos projetos de
integração regional na América do Sul,

sua fraqueza tanto institucional como demográfica e econômica, sua dependência até
desejada pelos próprios guianenses, impedirão por muito tempo uma verdadeira
integração dentro de um continente pelo qual o interesse principal deste território
ainda reside na sua situação francesa e europeia. (GRANGER, 2011, p. 89).

Discursos sobre a integração entre Amapá e Guiana Francesa, em particular sobre os


ganhos simbólicos que a cooperação nessa fronteira pode trazer para o Amapá, são o objeto
da reflexão de Gérard Police (2010). Ele propõe alcançar outro nível de organização dos
territórios que margeiam o rio Oiapoque: a cidade de Oiapoque (BR) e a vila Saint-Georges
de l’ Oyapock (FR). Essa formulação do autor aproxima-se da proposta desta tese, pois
também entende que esses elementos devem ser tomados em sua estrutura original, já que eles
compõem uma totalidade dotada de suas próprias características e leis. Para o autor qualquer
discussão em relação à integração l’Oyapock-Oiapoque se sustenta na relação Homem-
Oyapock e deste pressuposto faz emergir o sistema Oyapock, o qual não pode mais ser
reduzido em cada componente.
Em suas ponderações sobre os discursos brasileiros – que fazem alusão à Guiana
Francesa – , identificou neles a enunciação de que a cooperação fronteiriça é estratégica para
o desenvolvimento da sociedade amapaense, pois a cidade de Oiapoque coloca o Brasil e,
consequentemente, o Amapá fronteiriço à França e à Europa. No entanto, os problemas
relativos ao tráfego de pessoas no rio provocam divergências entre representantes brasileiros e
franceses no que concerne a essa dinâmica populacional. Police (2010) assegura que a
promoção da livre circulação de pessoas e mercadorias é o melhor caminho para promover o
desenvolvimento na cidade de Oiapoque e com isso aliviar a pressão exercida sobre a Guiana
Francesa. Porém, contrariamente, o que sucedeu foi o acirramento do controle dos gendarmes
franceses engendrando fissuras no modo de vida e de comunicação históricos no rio
Oiapoque. Sua concepção é de que no projeto integracionista em destaque as pessoas são
apenas instrumentos a serviço de interesses alheios. A dimensão humana, a empatia e a
esperança – que presidiram as perspectivas da cooperação – tornam-se insignificantes em
31

comparação com os instrumentos econômicos e geopolíticos. Oyapock é a ponte simbólica,


cheia de significados; no entanto, quando a verdadeira ponte for inaugurada poderá provocar
interstícios nesse mundo rio Oiapoque, ambiente no qual funciona o sistema Oyapock.
As contribuições desses estudos permitem ao leitor entender a disposição adotada
neste texto: que é dedicar-se à reflexão sobre as configurações sociais em escala local em
encontro e desencontro com processos políticos e econômicos em escala internacional, os
quais têm por princípio organizar contextos interativos sob regulação estatal. Considera-se
muito importante fornecer um conhecimento que amplie os pontos de vistas e descortine
inteligibilidades ainda obscuras pela novidade do tema, que se insere em um tempo em que as
transformações são tão aceleradas que atropelam os sentidos de percepção dos homens.
Espera-se que os argumentos desenvolvidos neste trabalho auxiliem os atores territoriais a
entender “o que está acontecendo” e “como proceder”; assim sucedendo não se afasta o
presente texto do compromisso de orientação existencial que caracterizou a evolução do
campo científico.

1.5 Aspectos metodológicos e estrutura da tese

A presente tese de doutoramento tem em conta que o estudo de coletividades


apresenta peculiaridades que devem ser observadas em profundidade, pois o devir social se
apresenta ao investigador como um fluxo de possibilidades, ou seja, na vida social estão
dispersos aleatoriamente vários aspectos que, à primeira vista, não mantêm entre si nenhuma
relação. Capturar tais exterioridades e articulá-las de modo a fazer aparecer o fenômeno em
sua totalidade é um desafio para a sociologia. É como afirma Simmel “o que ‘existe’ são as
moléculas cromáticas, as letras e as gotas d’água; e assim a pintura, o livro e o rio são sínteses
que existem como unidade somente em uma consciência na qual os elementos se encontram
(2006, p. 12, grifo do tradutor)”. Nenhum fenômeno social existe concretamente, é por meio
do pensamento abstrato e relacional que os atributos podem ser reunidos num quadro
conceitual.
Através da inferência indutiva na realidade se almeja chegar à consideração de que o
verdadeiro para certos atores (singulares ou coletivos), em determinadas épocas e lugares,
possa ser recorrente em outras épocas e em outros lugares desde que em circunstâncias
similares (WEBER, 2003). O método empírico-indutivo, aqui adotado, autoriza interrogar o
real particular tomando por fundamento seu sentido para a totalidade existencial de modo a
alcançar uma generalidade. Nesta perspectiva metodológica importa conhecer o particular, o
32

específico; no qual sempre o investigador deve alcançar o legítimo na sociedade, fugindo do


superficial e aparente (WEBER, 2003).
O quadro conceitual proposto nesta tese inspira-se na sociologia de Simmel (1996,
2006, 2013): 1º) entende-se que a realidade somente pode ser capturada do cotidiano agido,
sentido, vivido pelos indivíduos; 2º) mesmo reconhecendo a orientação de Weber (2003), de
que os fenômenos sociais existentes têm derivação na repetição conjunta ou coordenada de
certas condições exteriores e de certos motivos subjetivos das ações, o caráter duradouro que
confere às interações não corresponde às relações intersticiais observadas no objeto de estudo,
pois essas não se desenrolam dentro de uma unidade social; 3º) identificou-se empiricamente
que a distância entre Oiapoque e Guiana Francesa é superada numa travessia pelo rio
Oiapoque; de modo que essa situação de vizinhança gera uma mobilidade e deslocamentos de
brasileiros com sentido à Guiana Francesa, os quais tomados em correlação a fatores
históricos, socioeconômicos e simbólicos e se convertem em causa positiva das interações.
Tais orientações conceituais favoreceram identificar que as interações envolvendo
atores locais localizados em lados diferentes da fronteira não são nem tão superficiais, nem
tão duradouras, ou seja, são elementares; e nesse sentido refletem os conteúdos da vida
prática, que no caso correspondem a impulsos e significações econômicas, os quais se
realizam na transcendência. Dito de modo mais objetivo: o território fronteiriço Oiapoque-
Guiana Francesa exprime territorialidades, de modo que oferece uma forma para que os
conteúdos práticos da vida de seus moradores se efetivem, nessa direção coloca Simmel “os
conteúdos dessas formas experienciam a particularidade de seus destinos apenas através de
outros conteúdos (2013, p. 75)”. O trabalho analítico prossegue desse ponto com a verificação
de como essas interações se articulam no quadro da cooperação fronteiriça entre os governos
do Brasil e da França.
O estudo adotou três tipos de pesquisas: bibliográfica, documental e de campo. A
pesquisa bibliográfica, além do referencial teórico já explicitado, buscou abarcar trabalhos de
estudiosos que se concentraram em pensar a reterritorialização das fronteiras internacionais.
Em virtude da abrangência dessa ordem de fenômenos, privilegiaram-se trabalhos cujo recorte
espacial é a América do Sul; no entanto para definir conceitualmente cooperação fronteiriça
foi preciso recorrer a autores europeus, em especial portugueses e espanhóis
(OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA, 2004; MEDEIROS,
2009; LOURENÇO, 2012), os quais apresentam reflexões sobre a cooperação fronteiriça
entre Portugal e Espanha. Nesta introdução foram apresentadas as abordagens de autores que
também se dedicaram à fronteira Brasil-Guiana Francesa com a finalidade de demarcar o
33

lugar que o presente estudo pretende ocupar nesse campo de produção de conhecimento. Para
caracterizar o processo de ocupação do território fronteiriço de Oiapoque se recorreu à
historiografia, utilizando textos históricos diletantes e outros de reconhecimento acadêmico, o
diálogo entre esses textos propiciou acessar bons resultados. Para abordar a problemática dos
Estados nacionais nas configurações da globalização do capitalismo transnacional adotou-se a
perspectiva de Giddens (1998, 2008) e seus conceitos de reflexividade e desencaixe. Na
apreensão do sentido local da cooperação fronteiriça se obteve dados que revelaram haver em
Oiapoque um “nós-ideal”, construto teórico de Elias (2006) que possibilitou identificar a
existência de um comportamento coletivo em Oiapoque que é fundado em pequenas coisas da
vida cotidiana. Esse conceito foi fundamental para conceber as mobilizações dos atores locais
na luta pelo acesso à mobilidade no rio Oiapoque não somente como uma luta de grupos de
pressão, mas como resultante de uma opinião pública nascida do “nós-ideal” oiapoquense.
Na pesquisa documental, os registros aproveitados foram os acordos entre as nações,
as atas dos encontros da Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil e relatórios e
processos legislativos que remetem ao desenvolvimento da cooperação, como também
discursos e pronunciamentos de deputados e senadores amapaenses; esse material serviu de
referência para reconstituir o processo de sua institucionalização, para identificar suas
proposições e ações nesses dezoito anos de vigência. Em segundo plano, estiveram outros
documentos produzidos pela mídia amapaense. Durante a pesquisa de campo se obteve na
delegacia de polícia civil de Oiapoque alguns boletins de ocorrência sobre a quebra e queima
de embarcações e motores que foram lavrados por catraieiros contra policiais franceses;
também se conseguiu na ocasião um relatório elaborado no âmbito da Comissão de Relações
Exteriores da Assembleia Legislativa do Amapá (AMAPÁ/ASSEMBLEIA LEGISLATIVA,
2017) versando sobre a visita dos membros da comissão à cidade com o fito de verificar a
validade das denúncias contra a Gendarmerie. Grosso modo, essa documentação representa
um material informativo sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira e favorece ter acesso
às retóricas dos atores em seus modos de pensar e agir, bem como revela como ocorre a
interação entre os atores especialistas e os atores locais e como esse processo se manifesta ou
não no ambiente a que se destina.
Para demonstrar a percepção do governo brasileiro em relação às fronteiras
internacionais, dois outros documentos foram consultados: a Proposta de Reestruturação do
Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (BRASIL/MIN, 2005), relatório
elaborado pelo Grupo de Pesquisa RETIS, sob coordenação de Lia Osório Machado (UFRJ) e
Rogério Haesbaert (UFF) sob contrato com o Ministério da Integração Nacional/Secretaria de
34

Política Regional; o qual devido seu refinamento teórico e metodológico tornou-se importante
referência para pesquisadores interessados na Faixa de Fronteira Internacional do Brasil, cabe
ressalvar que desse documento foram retiradas as bases conceituais que estruturam o
Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira Nacional (BRASIL/MIN,
2009), documento também de referência neste trabalho.
Além da pesquisa bibliográfica e documental e em atenção à orientação weberiana,
os argumentos desta tese de doutoramento foram construídos com observação, descrição e
interpretação de dados obtidos na pesquisa de campo levada a cabo em três etapas: novembro
de 2007, outubro e novembro de 2011, julho de 2013. A fronteira entre o Brasil e a Guiana
Francesa é uma área de baixa densidade populacional, porém desde meados da década de
1960 tem no movimento migratório de brasileiros para Guiana Francesa um de seus mais
destacados predicados (SOARES, 1995; PINTO, 2008). No lado brasileiro existe o município
de Oiapoque com uma população estimada em 20.426 habitantes (BRASIL/IBGE, 2010).
Além da sede do município que é a cidade de Oiapoque, há três comunidades situadas em sua
circunscrição administrativa, quais sejam: Clevelândia do Norte (vila que abriga a III
Companhia de Fuzileiros de Selva); Vila Velha; Vila Brasil e Ilha Bela, o acesso a esses
últimos lugares somente pode ser feito em viagem pelo rio Oiapoque (aproximadamente cinco
horas e trinta minutos de viagem no período do verão). Do lado francês existe a vila de Saint-
Georges com uma população de um pouco mais que quatro mil habitantes (FRANÇA/INSEE,
2013) e, na subida do rio Oiapoque, a vila de Camopi (bem em frente à Vila Brasil) onde
habitam diversos indígenas e alguns franceses civis, numa população estimada em 600
habitantes; mas que também é sede de postos avançados da Gendarmerie e da Legião
Estrangeira, instituições responsáveis pela fiscalização da fronteira do lado francês (Ref.
Diário de Campo, Vila Brasil, 2013).
O ponto de partida metodológico do trabalho de campo foi uma viagem realizada em
novembro de 2007 à cidade de Oiapoque para realizar um primeiro contato com sua
sociodinâmica. Essa primeira experiência foi complementada com duas outras viagens, uma
em outubro e novembro de 2011 (que se estendeu à cidade de Caiena onde foi possível entrar
em contato com alguns imigrantes brasileiros) e outra em julho de 2013. Nas duas primeiras
ocasiões foram utilizadas conversas informais e mais especialmente a observação não-
participante, esses procedimentos propiciam ao pesquisador acessar a realidade em estudo
sem integrar-se a ela, de maneira que “Presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa
envolver pelas situações; faz mais o papel de espectador. Isso, porém, não quer dizer que a
observação não seja consciente, dirigida, ordenada para um fim determinado (LAKATOS;
35

MARCONI, 2010, p. 176)”. Esse tipo de coleta de dados é sucedido por um processo de
análise e interpretação, o que lhe confere a sistematização e o controle requeridos nos
procedimentos científicos.
No trabalho de campo de julho de 2013 buscou-se alcançar uma visão geral acerca
do pensamento da população oiapoquense sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira e
nessa direção foram efetuadas as entrevistas semiestruturadas, momento em que também se
esteve nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. Os depoimentos foram tomados sem uma
definição anterior, ou seja, somente uma apresentação de questionamentos abertos referentes
ao tema, os quais possibilitaram maior liberdade no desenvolvimento de situações
consideradas adequadas à sua ampla exploração (GIL, 2006). A escolha da técnica entrevista
foi pautada pela orientação de que os depoimentos devem ser buscados por “focalizar
determinado comportamento ou determinada opinião, isto é, que se deve colher visando o
problema formulado anteriormente (QUEIROZ, 2008)”. Com esse conjunto inicial de dados,
se compôs um quadro com dois grupos de atores: um menor, aqueles que disseram não saber
nada sobre a cooperação transfronteiriça; outro maior, no qual os entrevistados afirmaram que
não havia nenhum benefício na cidade que fosse resultado da cooperação, talvez a ponte
Binacional pudesse vir a ser considerada como tal se não fossem os problemas relativos à
demora em sua inauguração e a sua futura operacionalização. Para esse grupo a cooperação
fronteiriça teria afastado os franceses da cidade, tornando a relação com a Guiana Francesa
muito complicada, em especial devido às operações militares francesas que passaram a
controlar o tráfego no rio Oiapoque com objetivo de restringir os deslocamentos de
garimpeiros. Essas informações representavam uma versão diferente daquela apresentada
pelos atores governamentais e políticos do Estado do Amapá e frequentemente divulgada nos
meios midiáticos, a qual garantia o sucesso da cooperação transfronteiriça entre o Amapá e a
Guiana Francesa.
O controle e a repressão franceses ao movimento de pessoas no rio Oiapoque
mostraram outra perspectiva importante: aquela que concerne ao papel que esse rio ocupa no
cotidiano dos atores locais, sem esquecer que nele ocorre a transcendência da fronteira. Desde
os tempos pré-socráticos, os filósofos se servem do rio como imagem de movimento ou
mudança, as formulações de Heráclito são as mais lembradas nesse sentido e na Amazônia os
rios formam uma rede de caminhos através dos quais se movimenta a vida social. Na fronteira
mais setentrional do Brasil isso não é diferente, o rio Oiapoque no passado foi e continua
sendo determinante na formação e permanência das comunidades locais, em particular dos
grupos que dele dependem em termos socioeconômicos.
36

O próximo passo foi selecionar os sujeitos da pesquisa, e se identificou os grupos que


mantinham cotidianamente atividades transcendentes à fronteira, quais sejam: comerciantes,
catraieiros, carregadores, moradores das comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil (localizadas
no alto do rio Oiapoque). Os catraieiros e carregadores dependem mais diretamente dessa
interação com a Guiana Francesa, qualquer interferência no tráfego de pessoas no rio
compromete seus meios de sustento. Com os comerciantes, o segundo grupo, processou-se
uma subdivisão, fornecedores e transportadores; os primeiros estabelecidos na cidade, os
outros são os donos das catraias, o qual garante o transporte das mercadorias e passageiros às
comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. E ainda havia as pessoas que moravam nessas
comunidades e frequentemente desciam a Oiapoque para adquirir os mais variados tipos de
produtos (gêneros alimentícios, medicamentos, combustíveis), fazer tratamento de saúde,
buscar serviços da justiça, providenciar documentos, ou mesmo rever parentes e amigos, etc.
Cumpre ressalvar, que os informantes foram àqueles considerados representativos
pelos próprios grupos selecionados na pesquisa (critério definido ainda durante os primeiros
contatos), assim procedeu-se devido à familiaridade com o objeto de estudo e a realidade
pesquisada. Isso favoreceu formular questões para os atores, de modo a compor um acervo de
depoimentos (QUEIROZ, 2008). Outros atores vinculados à prefeitura da cidade também
foram tomados na investigação, essa inserção foi devido sua significativa participação em
defesa dos interesses locais. Quanto aos carregadores, ao garimpeiro legalizado, uma pessoa
anônima que trabalha em um garimpo clandestino na Guiana Francesa, e alguns moradores de
Ilha Bela e Vila Brasil suas entrevistas foram registradas na forma de anotações no diário de
campo. Por questões éticas os informantes foram codificados da seguinte forma: E1/assessor
de comunicação na prefeitura de Oiapoque; E2/técnico em informática e assessor do
executivo municipal; E3/comerciante do setor de construção civil; E4/imigrante retornada e
comerciante do setor de hotelaria; E5/professor e assessor do executivo municipal;
E6/catraieira; E7/juiz de direito; E8/jornalista; E9/comerciante do setor de transporte fluvial;
E10/catraieiro; E12/vereador e presidente da Associação de Moradores de Vila Brasil;
E17/imigrante retornado; E18/pessoa anônima. Quanto ao garimpeiro legalizado, ainda que
sem gravação de áudio, em virtude da relevância de suas informações, foi lhe dada
denominação E19/garimpeiro legalizado. Ao todo foram 13 entrevistas gravadas com 13
indivíduos. O garimpeiro legalizado e um grupo de seis carregadores foram entrevistados, no
entanto o registro foi feito em anotações no diário de campo. Considerou-se para o tratamento
desses dados, a orientação de que valores e opiniões têm base coletiva, na medida em que são
formados pela interação entre os indivíduos, ou seja, “entre suas qualidades individuais e o
37

ambiente em que vive (QUEIROZ, 2008, p. 81)”. Em síntese os dados empíricos foram
obtidos com entrevistas, gravadas e/ou registradas no diário de campo; esse material foi
articulado com outras informações advindas da observação direta, da historiografia, da mídia
amapaense e de documentos oficiais.
Para apreender a complexidade social de Oiapoque se procedeu a um levantamento
historiográfico. O estudo histórico desvelou como os indivíduos singulares e coletivos foram
constituindo no curso do tempo os padrões sobre os quais se assentam suas atividades
cotidianas e a partir das quais se efetivam suas interações sociais. Dessa perspectiva, a
realidade social se manifesta não como reconstituição do passado, mas como atualização do
passado no presente: constituir e interpretar os sentidos das experiências dos homens no
passado e criar com isso um ponto de ancoragem para compreender o presente e ter
expectativas quanto ao futuro (WEBER, 2003).
De certo, no desenvolvimento da pesquisa empírica se teve em conta que além de
exibir e interpretar o material coletado é importante descrever as circunstâncias em que foi
conseguido (QUEIROZ, 2008). Assim sendo, é pertinente indicar que as dificuldades
enfrentadas para chegar e permanecer na cidade de Oiapoque e nas comunidades ribeirinhas
de Ilha Bela e Vila Brasil propiciaram experimentar uma condição de isolamento e certo
abandono decorrente da constatação de que nesse “pedaço” do Brasil, o Estado brasileiro é
muito ausente. Ainda assim, as pessoas que nesses lugares vivem verbalizam que são
brasileiros, a exemplo das reuniões organizadas em Vila Brasil em dias de jogos da seleção
brasileira, para as quais são convidados os vizinhos de Camopi (em especial se o adversário
for a seleção da França). Essa observação suscitou uma indagação: de onde nasce esse
sentimento de pertencimento? E ao tentar responder, veio da memória uma formulação de
Octavio Ianni (1988) ao refletir sobre a questão nacional na América Latina, “A Nação não
surge pronta, acabada. Forma-se e conforma-se ao longo da história. Nasce e renasce, segundo
os movimentos do seu povo, forças sociais, formas de trabalho e vida, controvérsias e lutas,
façanhas e utopias. Resgata ou esquece tradições reais ou imaginárias (1988, p. 31)”. Esse
contato com emoções e racionalidades, favoreceu capturar como essas pessoas avaliam não
somente sua existência concreta, mas também como essa existência está sendo alterada por
decisões tomadas a milhares de quilômetros de distância.
A tese está organizada em introdução, três capítulos argumentativos e considerações
finais. O segundo capítulo apresenta os aspectos que caracterizam a formação e
desenvolvimento da cooperação fronteiriça franco-brasileira, é um capítulo que apresenta
como as relações bilaterais franco-brasileiras relativas à fronteira Amapá-Guiana Francesa
38

foram se delineando em termos históricos e processuais. O terceiro capítulo descreve as


interações transfronteiriças por meio da análise da mobilidade e dos deslocamentos de pessoas
no e através do rio Oiapoque, fenômenos que são alvo das operações de fiscalização e
repressão das autoridades policiais francesas; a ênfase do capítulo reside em estabelecer as
conexões causais entre aspectos espaciais e socioeconômicos da perspectiva dos atores locais.
No quarto capítulo se apresenta e se analisa como os atores locais pensam a cooperação
franco-brasileira e quais suas atuais perspectivas.
O foco da análise converge para a compreensão dos sentidos e significados, bem
como das formas que assumem as interações num território fronteiriço no qual se desenrolam
diferentes arranjos territoriais. As interações transfronteiriças foram objeto de análise a fim de
se compreender processos nos quais se intercambiam questões históricas, sociais, políticas,
espaciais, econômicas, simbólicas. Parte-se da concepção de que os interesses e impulsos nas
interações engendram a transcendência da fronteira. Também se tem como pressuposto de que
tais relações proporcionam aos atores atribuírem diferentes significados à fronteira.
2 COOPERAÇÃO BRASIL E FRANÇA: NOTAS HISTÓRICAS E SOCIAIS DE UM
PROCESSO DIPLOMÁTICO

2.1 Considerações iniciais

Para além dessas dimensões mais conhecidas, compartilhamos também uma


fronteira comum: a que nos separa e aproxima da Guiana Francesa. Brasil e França
têm, hoje, a consciência do interesse comum de trabalharem para promover uma
efetiva cooperação fronteiriça com benefícios concretos para as comunidades locais,
para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável da região.
[...]. Todos os que são parte desse trabalho conjunto – governos, sociedade civil,
empresários, profissionais, artistas e intelectuais – têm um desafio comum: o de
mobilizar as inesgotáveis energias da amizade franco-brasileira para transformar um
horizonte de possibilidades em um percurso de realizações ainda mais brilhantes do
que as que já foram alcançadas no passado. (AMARAL, 2003, p. 10).

O embaixador Sergio Amaral ao citar as “dimensões mais conhecidas” no


relacionamento entre os dois países refere-se ao domínio social e cultural, mas, em sequência,
ele faz uma alusão à fronteira entre o Estado brasileiro do Amapá e Guiana Francesa
induzindo a percepção de que essa fronteira comum, mesmo com mais de cem anos de
vigência, somente foi descoberta recentemente; isso se explica pelo histórico do contencioso
de demarcação da fronteira entre Amapá e Guiana Francesa. Mas ainda assim, de fato, como
lembra Eduardo Portella, durante o século XIX a presença francesa no Brasil “nos forneceu,
em momento dos mais transitivos de nossa história, valores, referências, modos de
convivência, vincados em promessas solidárias, ainda hoje persistentes (1996, p. 1)”. A
formulação alude, por exemplo: 1) a influência das ideias libertárias da Revolução Francesa
nas Inconfidências Baiana e Mineira ao final do século XVIII; 2) a vinda da Missão Artística
Francesa em 1816, sob incentivo de d. João VI, que fundou na cidade do Rio de Janeiro a
Escola de Ciências, Artes e Ofícios; 3)ao francesismo prevalecente entre as elites brasileiras
que não copiavam somente a moda parisiense, mas o modo de vida rural francês “que
aparecia como um paradigma de civilidade para a sociedade tropical e escravagista dos
campos do Império (ALENCASTRO, 1997, p. 43)”.6 Tais premissas poderiam conduzir ao
entendimento de que um acordo de cooperação internacional entre França e Brasil seria uma
consequência natural desses vínculos.

6
Para Alencastro (1997) foram três correntes de pensamento e de prática social vindos da França a modelarem o
cotidiano imperial: o positivismo, o kardecismo e a homeopatia. O positivismo por dar relevância à cultura latina
possibilita aos círculos ilustrados brasileiros possuir uma imagem mais positiva do país no concerto das nações;
o kardecismo surge como possibilidade de uma religião de brancos com elementos catárticos, liberadores
oriundos das religiões de raízes africanas; por último a homeopatia favoreceu aos médicos a incorporação em
suas práticas de componentes medicinais dos indígenas e africanos.
40

Não foi bem assim, apesar dos laços firmados nos oitocentos (ressalvando-se o litígio
relativo à demarcação da fronteira) em boa parte do século XX as duas nações mantiveram
entre si um clima de indiferença e incompreensão, a esse período Lessa (2000) denominou de
parceria bloqueada: “o desafio contemporâneo da França e do Brasil se resume à construção
de condições que impeçam a repetição da infeliz história do seu desencontro (LESSA, 2000,
pp. 254-255)”. O fato de o Brasil ter conseguido consolidar sua democracia, abrir e liberalizar
seu mercado, promover a estabilidade econômica, e iniciar o projeto regional de integração
com seus vizinhos na tríplice fronteira do sul; 7 e, de outro lado, o arrefecimento da relutância
da França em comprometer-se com uma proposta de cunho descentralizador como a
cooperação fronteiriça com países vizinhos foram fatores que provocaram uma modificação
nas relações franco-brasileiras. Em 1996 as duas nações reaproximaram-se:

Convencidos de que a participação ativa do Brasil e da França nas relações políticas


e econômicas internacionais, bem como sua contribuição ao diálogo das culturas,
favorecem o estabelecimento de uma ordem mundial mais aberta e mais equânime;
Animados pelo desejo de instituir uma nova parceria e de reforçar suas tradicionais
relações de amizade pela criação de um mecanismo de consultas bilaterais regulares
e pelo aprofundamento do diálogo político;
Ciosos de promover a cooperação nos campos econômico, cultural, científico e
técnico, bem como em novos setores de interesse comum;
Desejosos de desenvolver suas relações de boa vizinhança na zona fronteiriça
situada de um lado e de outro de sua fronteira comum;
Tendo em vista ser o Brasil membro do Mercosul e a França, da União Europeia, e
conscientes da importância do diálogo cada vez mais estreito que se desenvolve
entre esses dois grupos regionais. (BRASIL/MRE, 1996).

Nessas circunstâncias, e em concordância com o objetivo geral desta tese de


doutorado que é analisar como se articulam a cooperação fronteiriça Brasil-França e as
práticas cotidianas dos atores territoriais de Oiapoque que têm como referência a Guiana
Francesa, o presente capítulo pretende explicar a criação e desenvolvimento da cooperação
fronteiriça franco-brasileira, destacando seus elementos processuais. Antes, contudo, é feita
uma breve narrativa histórica com a finalidade de demonstrar como foi se constituindo o
território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa e assinalar quando ele tornou-se estratégico
nas relações bilaterais franco-brasileiras.
Em seguida, delineiam-se as principais características no processo de cooperação
fronteiriça franco-brasileira. Quando se define a cooperação fronteiriça franco-brasileira como
processo tem-se por intento privilegiar sua dimensão constitutiva e não somente suas
finalidades (ELIAS, 2006). Isso não implica em desconsiderar que ela foi institucionalizada

7
Resultou na formação do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL.
41

para atender, realizar e produzir efeitos, em especial melhorias nas condições de vida das
populações fronteiriças. Contudo, ela não se reduz a seus fins, pois isso procedendo, para seu
êxito bastaria aplicar modelos de gestão que contemplassem mecanismos de coordenação e
articulação entre Brasil e França. Acredita-se que dessa forma desapareceriam as questões
sociais e mesmo os aspectos políticos se tornariam simples rascunhos; já que suas proposições
e os esforços na consecução de seus objetivos ofuscariam a percepção e consideração dos
meios. Desse modo, a reflexão mantém-se fiel a proposta metodológica de Elias (2006): os
processos devem ser abordados diacronicamente, para que seja possível identificar as
rupturas, ou como ele mesmo afirma: somente ocorrem mudanças no curso de um processo
quando acontecem deslocamentos de poder, o que somente pode ser identificado no devir
histórico. Nessa perspectiva, identifica-se que a cooperação fronteiriça franco-brasileira tem a
desvelar como os Estados organizam contemporaneamente seu regime de poder e, mais
importante: como isso se rebate na sociedade. Essas manifestações qualitativas demonstram
que processos políticos e sociais são dinâmicos e como tal são inconclusos, que é como se
considera tanto a cooperação fronteiriça franco-brasileira, quanto o processo de sua
internalização da parte dos atores territoriais.
Primeiramente, o texto destaca que essa cooperação é um ponto de inflexão no
relacionamento franco-brasileiro na fronteira comum, com esse direcionamento realiza-se um
breve relato histórico sobre a configuração do território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa
do ponto de vista das relações bilaterais França-Brasil. Em linhas gerais há três momentos que
merecem destaque: no período colonial quando se inicia o contencioso relativo às investidas
francesas em ampliar o território de sua colônia Guiana Francesa até a foz do rio Amazonas
(em território colonial português); posteriormente, durante a monarquia brasileira, persistindo
a indefinição em demarcar a fronteira, ocorre um confronto em torno da extração de ouro
envolvendo populações locais, situação que acabou por motivar Brasil e França a recorrerem
à arbitragem internacional para solucionar o contencioso secular; por último o período da
indiferença que durou aproximadamente oitenta anos no curso do século XX até a celebração
do Acordo Quadro.
Em seguida, é necessário assinalar seus aspectos processuais, aqueles que se referem
a conceitos normativos e procedimentos de operação. Esse arcabouço institucional define as
ações políticas a serem desenvolvidas, ao mesmo tempo em que interagem com elas, tendo
em perspectiva o caráter dinâmico do processo da cooperação fronteiriça franco-brasileira.
Com esse conhecimento inicial finaliza-se evidenciar sua dimensão como estratégia dos
42

Estados de atuação nos territórios, bem como suas possibilidades reais ou virtuais em termos
de efeitos nas coletividades fronteiriças.
O capítulo finaliza com a reflexão sobre os fenômenos políticos e sociais em escala
global, continental e nacional que se vinculam a inserção da cooperação fronteiriça franco-
brasileira no campo estatal brasileiro. A integração entre territórios fronteiriços revela um
processo no qual se observa o surgimento de um novo nível de poder, que Pecequilo
denomina de “interméstico”, no qual se conjugam política nacional e internacional e o qual
deverá acomodar novos e velhos conflitos sociais, étnicos, políticos, econômicos, estratégicos
e religiosos (2009, p. 48) nascidos da relativa decepção diante da fluidez das promessas de
prosperidade e de igualdade que acompanharam a transição para o novo milênio.

2.2 A história das relações bilaterais Brasil-França no território fronteiriço do Amapá-Guiana


Francesa

De acordo com Reis (1982) o litígio entre Brasil e França na demarcação da fronteira
Brasil-Guiana Francesa derivou da interpretação francesa do artigo VIII do tratado de Utrecht
(1713); para os franceses, o rio Oiapoque localizava-se mais a sudeste da Guiana Francesa.
De modo que a localização desse rio foi sucessivamente fixada em outros rios: Calçoene
(tratado de Paris em 1797), Araguari (tratado de Badajós em 1801), Carapanatuba (tratado de
Madri em 1801), novamente Araguari (tratado de Amiens em 1802). Segundo análise de Rosa
Acevedo Marin (1999), a questão da posse das terras contestadas por franceses e brasileiros
ligava-se ao curso d'águas, já que a cartografia vigente apresentava vários equívocos quanto
ao nome e percurso dos rios, deixando dúvidas sobre a localização exata da fronteira.

A questão da posse do ‘Contestado’ havia de ser uma matéria ligada aos cursos
d’água, pois a cartografia da ocupação havia mantido reiterados equívocos,
apontados ora pela França, ora por Portugal, sobre o nome (s), percurso dos rios e,
desse modo, os divisores das terras em disputa. (MARIN, 1999, p. 36, grifo da
autora).

Houve duas neutralizações de soberania no território (Figura 1) entre o Amapá e a


Guiana Francesa: uma de 1700 a 1713 quando foi assinado o tratado de Utrecht que definiu o
rio Oyapock ou Vicente Pinzón como fronteira natural entre as colônias francesa e
portuguesa; uma segunda em 1841, após fracassarem as negociações empreendidas por
diplomatas brasileiros e franceses na cidade de Paris (DORATIOTO, 2003). Nas memórias
apresentadas pelo Barão do Rio Branco ao árbitro suíço em defesa dos interesses brasileiros
43

há referências que afirmam ser o motivo do litígio entre Brasil e França “um território
marítimo e uma faixa de terras no interior que ladearia as Guianas Holandesa e Inglesa” (RIO
BRANCO, 2008, p. 39). De acordo com Rio Branco, a superfície do território contestado
(marítimo e terrestre) seria de 102.260 km².

Figura 1 – Mapa do Território Contestado Franco-Brasileiro

Fonte: MARTINS, C. (2008, p. 26).

O documento a seguir demonstra a preocupação do governo brasileiro em não criar


uma nova vila no território contestado, cujos limites não haviam sido definidos, e com isso
abrir precedentes ao governo francês para exercer jurisdição de igual modo. Tanto que o
ministro dos Negócios Estrangeiros recomenda cautela em atos administrativos dessa ordem,
quanto a isso se observe o teor do Aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros enviado ao
Presidente da Província do Pará em 12 de março de 1889.

VExª sabe sem dúvida que os governos do Brasil e de França, quando convieram a
neutralização do dado território, não lhe marcarão os limites. Nós entendemos
sempre que elle se estendia do Oyapoch para o sul ate ao Amapá, o qual nelle ficava
comprehendido. Veio porem depois a negociação de Pariz, que não teve resultado, e
nella fez o plenipotenciário Francez para a pasta de transação que traria os Francezes
à margem esquerda do Araguary. Desde então tem o Governo da República [da
44

França] entendido que o território litigioso chega a esse rio, e ultimamente por um
pretendido accordo tácito, cuja existência negamos; julgou-se autorisado a exercer
jurisdicção até ao Calçoene, dizendo que a não ser assim, deve ficar neutralisado
todo o território até o Araguary. Isto não nos convém, e pois o governo Imperial tem
evitado discussão que obrigue a definir as cousas.
Nestas circunstancias VExª comprehende que seria imprudente por acto novo qual a
creação da freguesia dos Anajás declarar praticamente exercicio de jurisdicção ao
norte do Araguary.
Muito (estimacce) que VExª possa diser-me com brevidade o que está feito ou se
tenciona fazer. (BELÉM/APEP, 1889).

O Barão do Rio Branco em defesa dos interesses brasileiros recorreu a informações


da cartografia dos rios e da população residente nos territórios contestados, com vistas a
consubstanciar a legalidade e legitimidade da reivindicação brasileira. Assim sendo, afirmou
que a população estimada era de 8 a 10 mil brasileiros estabelecidos; também informa que as
proximidades do rio Calçoene, numa região aurífera, havia numerosa população flutuante,
composta de aventureiros estrangeiros (RIO BRANCO, 2008). O argumento de Rio Branco
quanto à presença brasileira pautava-se no princípio do uti possidetis, de que o dono da terra é
aquele que a ocupa e nela produz, portanto quanto maior o número de brasileiros, mais sólida
a justificativa dos direitos do Brasil sobre o território em contestação. Quanto à presença de
franceses afirma que a área de extração de ouro acima referida

É a única parte do território contestado onde se encontram franceses. No restante, a


população é composta quase que exclusivamente de brasileiros de nascimento ou de
origem e os poucos residentes estrangeiros encontrados são portugueses. No
Calçoene, existem brasileiros sobretudo no curso inferior do rio onde os
estrangeiros, cuja maioria se ocupa do comercio dos transportes, estão estabelecidos
desde 1894. Vê-se grande quantidade de negros da Guiana Holandesa, franceses,
ingleses e alguns norte-americanos. (RIO BRANCO, 2008, p. 46).

Desde o período colonial, as terras da Capitania do Cabo Norte (atual Estado do


Amapá) sempre foram palco de intensa mobilidade de pessoas e essa movimentação
dificultava ainda mais as negociações no sentido de solucionar o litígio quanto à demarcação
da fronteira. Eram escravos, indígenas, colonos, soldados desertores, missionários. À época
em que foi produzido o documento, ao final do século XIX, acrescentem-se seringueiros,
mercadores, militares, garimpeiros, filósofos naturalistas e expedições de captura de escravos
(QUEIROZ; GOMES, 2002).
Conforme argumento de Sérgio Buarque de Holanda na obra Caminhos e Fronteiras
(1994), à semelhança do que ocorrera no interior paulista nos seiscentos, sociedades
constituídas nesses espaços tinham como vocação o caminho. Como afirmam Queiroz e
Gomes (2002), as fronteiras econômicas, coloniais e geopolíticas foram demarcadas e
45

remarcadas por meio de uma “geografia das ações sociais” de protagonistas do


empreendimento da conquista, dessa maneira surgiam a par de fortins militares e feitorias
para trocas comerciais, pequenas e mesmo pequeníssimas sociedades em constante
movimento e compostas de indígenas, escravos em fuga, soldados desertando. Esses
indivíduos “reinterpretaram os sentidos da colonização. Com suas próprias ações
reinventaram significados e construíram visões sobre escravidão, liberdade, ocupação, posse,
fronteiras e domínios coloniais (QUEIROZ; GOMES, 2002, p. 26)”.
Outro acontecimento ligado ao Contestado iria despertar novas negociações entre o
Brasil e a França: a descoberta de ouro na área litigiosa. Arthur Cezar Ferreira Reis (1949)
ressalta que até o ano de 1883 não havia nenhum fundamento econômico impressionante para
atrair o homem, mas afirma que “Naquele ano verificou-se, porém, alguma coisa que ia
modificar inteiramente a paisagem econômica e a paisagem humana. Dois velhos moradores
da zona contestada, de nome Germano Ribeiro Pinheiro, paraense de Curuçá, e Firmino
descobriram ouro no Amapá (1949, p. 97)”. No Contestado Franco-Brasileiro foi constituído
um governo dual, com um representante brasileiro e outro francês, os quais prestavam contas
do que sucedia na região à Belém e Caiena. As jazidas auríferas precipitaram uma corrida de
garimpeiros de várias nações em busca de riquezas. Conforme Carvalho:

estrangeiros passaram (principalmente os franceses de Caiena) a dominar a região


como verdadeiros senhores; perseguindo índios, escravizando mulheres,
desmoralizando a rede populacional dos garimpos e acampamentos, trazendo como
consequência à proliferação da desordem e o descontrole geral na área. (1998, p.
186).

Diante dos acontecimentos, os moradores da vila brasileira teriam criado uma junta
governativa, um triunvirato composto pelo Cônego Domingos Maltês, Desidério Antonio
Coelho e Francisco Xavier da Veiga Cabral - Cabralzinho. Conforme informações do referido
autor, a constituição de um poder autônomo no Contestado fez com que Mr. Charvein,
governador da Guiana Francesa, organizasse uma expedição militar para tentar tomar de
assalto a vila do Amapá. O saldo do confronto foram trinta e oito mortos e muita destruição.

Diante disso, o momento tornou-se propício à arbitragem internacional, ou seja, veio


servir para que fosse resolvida definitivamente a questão fronteiriça entre o Amapá e
a Guiana Francesa, vencida pela diplomacia defendida pelo Barão do Rio Branco,
cuja vitória deu-se em 01 de dezembro de 1900. (CARVALHO, 1998, p. 187).

Ao analisar esses conflitos, se percebem heterogeneidades decorrentes de diferentes


graus de autonomia diante das centralizações políticas e administrativas, bem como níveis
46

diversos de relações das populações com os governos de seus respectivos países. À medida
que os processos de territorialização se desenrolavam, aumentava a instabilidade em termos
de controle e pacificação, exacerbando pressões externas, ao mesmo tempo em que favorecia
aos sujeitos agregar novos e velhos espaços segundo as contingências, tudo isso agravado pela
pujança da extração de ouro. Com o Laudo Suíço, chegou ao fim o litígio entre Brasil e
França na questão de fixação dos limites entre o Amapá e a Guiana Francesa. Desse momento
até a década de 1980 a fronteira Amapá-Guiana Francesa não mais foi objeto de preocupação
dos dois países, apesar de ser a maior fronteira da França. Na década de 1980 ela foi alvo de
atenção dos governos do Brasil e da França em virtude da migração de brasileiros sem
documentos para a Guiana Francesa, em especial aqueles com destino aos garimpos ilegais.
Inclusive, por conta dessa conjuntura, os governos empreenderam esforços para a fixação dos
marcos de fronteira, que até então não tinham sido totalmente dispostos, trabalho concluído
em 1984 (LESSA, 2000).
Para Coelho (1992), ao final da década de 1980 prevalecia no campo estatal
brasileiro um entendimento – equivocado – de que as regiões de fronteira não eram áreas
prioritárias e, por conta disso, seus habitantes padeciam de certo abandono. Em síntese, o que
acontecia nesses lugares não era importante à vida no resto do país, concepção que se
consolidava ainda mais ao tratar-se das fronteiras na Amazônia. No intento de desfazer tal
engano, o autor escreveu o texto Fronteiras na Amazônia: um espaço integrado, no qual
procura demonstrar com exemplos tirados da Europa, América do Norte e África, que as
fronteiras são recursos em perspectiva nacional e regional. Ao tratar das potencialidades e
constrangimentos relativos à cooperação fronteiriça no norte do Brasil o autor cita que a
atividade de garimpagem ilegal de ouro e a condição colonial da Guiana Francesa seriam no
período de sua reflexão, fatores restritivos ao desenvolvimento de programas de cooperação
franco-brasileiros favoráveis a melhoras na situação socioeconômica de Oiapoque e Saint-
Georges.
Durante quase oitenta anos a fronteira Amapá-Guiana Francesa ficou esquecida no
relacionamento bilateral franco-brasileiro, somente no último quartel do século passado ela
gradativamente vai se tornando relevante e em maio de 1996, Fernando Henrique Cardoso e
Jacques Chirac assinam o Acordo Quadro de Cooperação Brasil-França.

As Partes Contratantes realizarão a cada ano consultas visando ao favorecimento da


cooperação transfronteiriça em todos os domínios de interesse comum e ao exame
dos projetos desenvolvidos pelas coletividades locais dos dois países, no quadro das
legislações nacionais. Representantes dessas coletividades locais poderão estar
47

associados a esses trabalhos. Esse grupo de consulta reunir-se-á alternadamente no


Brasil e na França. (BRASIL/MRE, 1996).

Percebe-se que a fronteira Amapá-Guiana Francesa, que durante praticamente dois


séculos foi motivo de litigância, ficando depois disso relegada ao ocaso, tornou-se fronteira de
localização estratégica no cenário político e econômico do mundo globalizado devido
aproximar MERCOSUL e União Europeia, o Brasil da França. Nesse aspecto concorda-se
com a tese desenvolvida por Silva (2013), trata-se de um território estratégico recomposto por
meio dos novos usos políticos e econômicos que lhe foram atribuídos. Não obstante, a
reconstrução da citada fronteira, dessa nova perspectiva, não representa que outras forças não
atuem em sua significação, e essas outras em nada se relacionam com a flexibilidade de seu
efeito restritivo ou ao arrefecimento da soberania dos Estados diante das pressões advindas do
cenário mundial.
Do ponto de vista estatal afirma-se que ampliar o monitoramento e controle na
fronteira Amapá-Guiana apresenta-se como motivação significativa para cooperação
fronteiriça franco-brasileira. A referida fronteira tem características que merecem ser
assinaladas para corroborar essa percepção: uma considerável extensão; uma localização em
ambiente natural de densas florestas e de rios encachoeirados; os problemas relativos às
carências em termos humanos, financeiros e tecnológicos para uma fiscalização eficiente;
uma população que historicamente desenvolveu padrões de sobrevivência por meio da
exploração dos recursos naturais, particularmente reservas auríferas, sem considerar se esses
recursos estão em território do Brasil ou da França, essas ações se expressam nos
deslocamentos populacionais entre as duas margens do rio Oiapoque, eixo que integra
Oiapoque à Guiana Francesa.
Os pressupostos de Jones citados por Giddens (2008) assinalam que o processo de
conversão de um limite internacional em fronteira segue por quatro estágios: alocação,
delimitação, demarcação e administração. O primeiro é aquele que corresponde a uma decisão
colaborativa tomada entre os Estados relativa à repartição dos territórios; o segundo ocorre
quando se identifica a localização específica da fronteira; a demarcação procede com a
fixação dos marcos e seu traçado em um ambiente físico; por último a administração
corresponde ao nível de vigilância mantido ao longo da fronteira. Com fundamento nos dados
históricos e à luz dessa premissa se entende que o litígio fronteiriço entre os governos do
Brasil e da França derivava da preocupação desses Estados em estabelecer um consenso
relativo aos dois primeiros estágios no período que se estendeu do primeiro Tratado
Provisional em 1700 ao Laudo Suíço em 1900; tanto que o trabalho de fixação dos marcos
48

dessa fronteira somente foi finalizado em 1984 (LESSA, 2000). Quanto ao nível de controle
administrativo argumenta-se que ele se consolidou com a cooperação fronteiriça, que ampliou
o controle das populações. Os fatos empíricos relativos aos conflitos envolvendo
Gendarmerie e brasileiros no rio Oiapoque assim o denotam, de onde se induz que se
completa o processo de construção da fronteira com a institucionalização da cooperação
fronteiriça franco-brasileira.
Isso pode ser identificado nas entrevistas realizadas em Oiapoque quando alguns dos
depoentes fizeram referências em seus relatos a operações do Exército brasileiro, 8 as quais
tinham objetivo de combater ilícitos transfronteiriços e ambientais na fronteira brasileira com
a Guiana Francesa e com o Suriname (que é balizada pela calha do rio Oiapoque). Nessas
operações foram realizadas abordagens e revistas de veículos, embarcações, atracadouros
clandestinos, patrulhas fluviais e terrestres. A complicação adveio quando os militares
brasileiros começaram a monitorar o trânsito dos brasileiros que se destinavam à Ilha Bela e
Vila Brasil, pois conforme as informações dos entrevistados houve todo tipo de exagero
nessas abordagens devido estar o Exército considerando que os transeuntes estavam se
dirigindo para os garimpos clandestinos da Guiana Francesa. A indignação maior residia na
percepção de que essas operações eram solidárias ao governo da França e contra os
brasileiros. Isso acabou por desencadear diversas críticas e pode ser verificado nos trechos a
seguir:

Bom, eu sou [...], sou presidente da associação de moradores da Vila Brasil e sou
vereador do município de Oiapoque, eu moro na Vila Brasil há vinte e oito anos,
tenho lá uma história e uma esperança e confiança no Brasil e nos brasileiros que
têm poder de decidir. Como somos muito gratos ao juiz que tomou conhecimento da
causa e começou a andar para o lado bom, para o povo do distrito de Vila Brasil. [...]
Através do garimpo, do lado francês criaram a barreira do Exército brasileiro aí
aonde surgiram as piores humilhações que os brasileiros puderam passar. Eu me
envergonho até hoje no dia em que eu ia na canoa e que ia uma profissional de saúde
do posto de Vila Brasil e os soldados reviraram até os absorventes dela. Tá lá o
comerciante na Vila Brasil que o Exército prendeu dois quilos de carne dele porque
não levava nota fiscal, tá lá o canoeiro que levava duas galinhas que o Exército
prendeu também. O Exército brasileiro! Eu estava na canoa que ia dezoito índios
francês e só eu de brasileiro e o canoeiro e o Exército lá mandou, o tenente [...]
mandou nós saltar e revistar nossas coisas e os índios não foram revistados, e nós
sabemos que a cultura dos índios é diferente, lá noventa por cento dos índios da
comunidade jovem indígena usa drogas e com isso eles não estavam preocupados.
[...] Hoje eles corrigiram através da liminar do doutor [juiz federal] e o Exército saiu
da barreira, hoje eles tão caladinho, tão tudo bonzinho, mas eu chamei eles de
empregadinhos do governo francês e eles viviam naquela época servindo de
empregados do governo francês. Eles estavam lá pra defender a França e humilhar

8
Maiores informações sobre essas operações na faixa de fronteira brasileira estão disponíveis na homepage do
Exército brasileiro www.eb.mil.br.
49

os brasileiros que viviam lá. (E12/ VEREADOR E PRESIDENTE DA


ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013).

Meu nome é [...], conhecido por [...], todos me conhece por [...], tenho uma empresa
de transporte, faço linha via Oiapoque, Ilha Bela e Vila Brasil e nós temos uma
churrascaria aqui na cidade também né. Já temos onze anos que residimos aqui no
Oiapoque e a gente teve muito constrangimento com o Exército brasileiro, eles
fizeram uma barreira pra fiscalizar, botaram essas pessoas inexperientes, esses
soldados que estão servindo o Exército com seis meses pra fiscalizar bolsa, só de
shortzinho, deixando muitas mulheres constrangidas. Pegava até absorvente, sacudia
a bolsa e jogava tudo fora e a gente era mal tratado. Ficava no sol quente. Inclusive
eu sofri muita perseguição. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE
FLUVIAL, 2013).

Porque teve uma época, eles cortaram aí, fecharam aí [a passagem para Saint-
Georges], era a maior luta pra gente passar aí, o Exército mesmo brasileiro. Ele
[vereador] lutou pra conseguir, ele mexeu e nós pagamos advogado e foi como
conseguimos trabalhar de novo. [...] Porque tanto que o juiz federal falou assim:
olha, vocês ganham é para guarnecer o solo brasileiro e não o solo francês. O juiz
federal que falou que eles ganhavam para guarnecer o solo brasileiro e não o
francês! (E6/CATRAIEIRA, 2013).

Os subsídios até aqui apresentados e refletidos buscam explicitar que migração


clandestina de brasileiros e a extração de recursos minerais na Guiana Francesa conferiram
maior visibilidade à fronteira com Oiapoque em meados da década de 1990, resultando em
sua inserção como temática a ser contemplada nas relações bilaterais Brasil-França. Porém,
no desenrolar da cooperação fronteiriça franco-brasileira essas questões são consideradas
problemáticas, pois restringem seus avanços: tanto que desde o início dos encontros (1997 em
Brasília) da Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça Brasil-França estão presentes na
pauta de debates; para os moradores de Oiapoque garimpagem e migração são “bem vindas”,
pois, dinamizam a economia local.
Setores do comércio de máquinas e equipamentos, hospedagem, alimentação,
transportes (Macapá – Oiapoque – Saint-Georges– Caiena) são beneficiados. Há uma rede que
envolve atores e organizações locais que funciona para atender as demandas criadas pelos
garimpos e pela população flutuante. Por exemplo, uma carteira de cigarros custa no garimpo
€ 60,00, um fardo de 25 kg de arroz é € 130,00, para adquirir um tambor de 200 litros de
combustível o garimpeiro paga 120 gramas de ouro (E19/GARIMPEIRO LEGALIZADO,
2013). Conforme informações concedidas pelos carregadores essa inflação de preços decorre
de dois fatores: primeiro sairia mais caro se os entrepostos do Suriname passassem a fazer o
abastecimento, segundo as mercadorias da margem do rio Oiapoque até onde estão os
garimpos são levadas pelos carregadores nas costas, alguns percursos duram dias caminhando
pelas matas guianenses (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Também aquecem a
50

economia de Oiapoque os indivíduos em deslocamentos às comunidades ribeirinhas, os


migrantes que chegam à cidade e ficam esperando o momento para iniciar o seu percurso
migratório para a Guiana Francesa.
Na perspectiva histórico-sociológica, assim se configurou o território fronteiriço
Amapá-Guiana Francesa, que é palco atualmente da cooperação fronteiriça franco-brasileira.
Rios, homens e ouro, parecem ser esses elementos centrais na história de formação da
fronteira Amapá-Guiana Francesa e atualmente pode parecer que essa história se repete em
sua ressignificação devido à cooperação fronteiriça franco-brasileira. Mas, atenção à
recomendação de Marx: a história se repete a primeira vez como tragédia, a segunda como
farsa (2014, p. 6); no caso em foco, ainda que outros cenários, a trama parece não ser nova.
Para Elias (2006) integração e desintegração são pares conceituais para interpretar
transformações nas figurações sociais e nas interdependências entre os indivíduos, já que
processos não mudam de direção sem alterações nas posições que ocupam os atores – sejam
Estados, sejam atores sociais – , engendrando tensões que precisaram ser equilibradas.
A partir e em diálogo com Massey e Keynes – que se propuseram como problemática
elaborar um pensamento sobre espaço/espacialidade nas ciências sociais – , afirma-se que
contemporaneamente no mundo globalizado os processos de reterritorialização e
desterritorialização constroem, reconstroem e fragmentam territórios; de tal modo que é
imperativo abstrair as territorialidades, as quais revelam que há mais de uma história se
passando no mundo e que essas histórias têm uma relativa autonomia.

Em contraste com a visão fragmentada de espaço, há uma imaginação do espaço e


dos lugares, e da identidade dos lugares, regiões, nações..., em parte, precisamente,
como um produto de interações. Além disso, este argumento é colocado tanto como
princípio (como um modo útil de conceitualizar o espaço) quanto como uma questão
de entendimento histórico. Isto é, trata-se tanto de uma proposição teórica de como
podemos imaginar melhor lugares e regiões [...] quanto um argumento de que as
coisas sempre foram desta forma. (MASSEY; KEYNES, 2009, p.16).

Essas histórias expõem as trajetórias de indivíduos que no curso do tempo foram


entrelaçando sensações, pensamentos, e ações, desse entrelaçamento surgiram configurações
de convivência social, que não foram planejadas ou previstas, contudo esses processos são
constantes, pois nenhum ser humano é um começo, ou seja, as ações individuais ou coletivas
não brotam de um vazio sócio-histórico (ELIAS, 2006). A luz dos pressupostos eliasianos
entende-se que contemporaneamente, os processos de integração de territórios historicamente
divididos pelas fronteiras assinalam um ponto de inflexão na base territorial dos Estados, que
implica modificações em formas de associação humanas cuja constituição data do século XV
51

e como os processos sociais são bipolares, a integração de territórios pode ser acompanhada
por uma desintegração, seguida de uma reintegração em outras bases.
Pensar política e sociedade na contemporaneidade requer identificar conexões que
estão por toda parte, não somente em nível intranacional. É preciso atenção aos padrões
cambiantes dessas relações quando se trata de indivíduos singulares e coletivos; para eles, o
importante são as condições com as quais produzem socialmente suas existências, ou seja, os
padrões endógenos da vida social. Oiapoque e Saint-Georges compõem um lugar de
interações, nas quais se identificam antagonismos e complementaridades, conflitos e
cooperações, indiferenças e solidariedades. Dessas vivências temporalmente marcadas se
formam valores, crenças, tradições, códigos e padrões que são mobilizados cotidianamente
pelos atores fronteiriços para interpretar sua realidade, para compreender as ações de seus
pares e para orientar suas próprias ações. Essas são as outras histórias...
Fica-se com o entendimento, de que a cooperação fronteiriça franco-brasileira tem
como objetivo criar um espaço comum por meio da integração dos territórios e a interação
entre sociedades, mas como nos lembra Lins Ribeiro (2000), os processos de integração não
são nem homogêneos, nem pacíficos, pois apresentam níveis distintos de inclusão e seus
significados podem não ser positivos. Por exemplo, a fronteira de Oiapoque com a Guiana
Francesa foi historicamente significada por Brasil e França como linha que separava não
somente territórios, mas aparatos legais, institucionais e administrativos; histórias nacionais;
valores sociais; níveis de bem-estar social; padrão cultural. Com o acontecer dessa integração
territorial poderá advir “a exclusão ou a perda relativa de poder de diferentes segmentos
sociais. [...]. Integração é, de fato, uma metáfora sobre a crescente quantidade de território e
pessoas englobada por sistemas socioculturais, políticos e econômicos (RIBEIRO, 2000, p.
97)”.

2.3 Aspectos processuais da cooperação fronteiriça franco-brasileira

Desde o final dos oitocentos os estudiosos das relações internacionais afirmam ser
pressuposto básico para a cooperação internacional o respeito pela existência dos Estados
como entidades soberanas. A despeito disso, a cooperação internacional tornou-se uma ideia
um tanto vaga no curso do século XX, particularmente em sua primeira metade, assinalada
por tantos conflitos. No entanto, após a II Guerra Mundial a cooperação internacional
ressurgiu e, desta feita, com a esperança de uma ordem mundial mais pacífica. Nessas
circunstâncias, a cooperação internacional ganhou um novo desenho e não somente
52

instituições foram criadas com vistas a concretizar uma rede de cooperação entre os Estados,
mas como afirma Celso Amorim: “pela primeira vez os temas econômicos assumem um papel
importante no esboço institucional (1994, p.152)”. De acordo com o autor, a inserção desses
temas na pauta de negociações se deveu à associação entre desenvolvimento econômico e paz
mundial, tratava-se de evitar a configuração de contextos econômicos similares aos anteriores
às duas grandes guerras.
A mais emblemática e bem-sucedida cooperação internacional com vistas a
promover desenvolvimento e, por conseguinte, a paz ocorreu na Europa. A União Europeia
resultou de uma concertação entre países que se desenvolveu no campo econômico, de onde
surgiram as iniciativas integracionistas com direção à união política (CRUZ, 1995). Em 1951
se instituiu a Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), que representou a adoção de
orientações comuns em termos de políticas econômicas e, nesse caso, tinha como eixo
estruturador a criação de um mercado comum do carvão e do aço. De início, na política
comunitária europeia ficou estabelecido que os problemas existentes nas regiões situadas de
um lado ou de outro das fronteiras seria competência interna de políticas regionais de cunho
nacional, tanto que nem na CECA, nem na Comunidade dos Estados Europeus (CEE) criada
pelo tratado de Roma em 1957, mencionam explicitamente as regiões fronteiriças (COELHO,
1992). Contudo, a política de coesão comunitária que tinha por diretriz o desenvolvimento
harmonioso e equilibrado do território europeu tornou necessária a superação do parcelamento
territorial, econômico e social provocado pelas fronteiras nacionais. Nas décadas de 1960 e
1970 surgem iniciativas de cooperação bilateral e trilateral em áreas de fronteiras o “Acordo
Quadro para a Cooperação Transfronteiriça foi aprovado pela Assembleia Parlamentar do
Conselho da Europa em 1979 e aberto à assinatura em maior de 1980 (COELHO, 1992, p.
37)” e entrou em vigência no ano de 1983.
O caso da fronteira franco-genebrina é particularmente interessante, por ser a
primeira região europeia a estabelecer por meio de convenção governamental bilateral uma
comissão bipartite encarregada de coordenar e ordenar a cooperação fronteiriça; a convenção
regulamentou que Genebra devolvesse às comunas francesas parte importante dos impostos
recebidos dos trabalhadores fronteiriços, fato que explicita a flexibilização da soberania
estatal referente à cobrança de tributos (COELHO, 1992; COULERT, 1996). A cooperação
fronteiriça faz parte da política de regionalização na Europa, a qual reconhece a importância
de criação de espaços comunitários com envolvimento de territórios contíguos e a integração
de pessoas (CRUZ, 1995; OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO
TRANSFRONTEIRIÇA, 2004; MEDEIROS, 2009); mas no caso da integração Oiapoque-
53

Guiana Francesa isso não tem correspondência, pois há muitas questões pendentes em
especial aquelas relativas à interação entre pessoas.

No sentido dessa cooperação entre Saint-Georges e Oiapoque, por exemplo, pelo


menos nesse eixo, hoje não temos ainda nem uma política definida. Porque que hoje
essa ponte ainda não foi inaugurada? O problema é só a estrada, a BR-156. Não, não
é só a BR-156! É porque os acordos não foram fechados ainda. Eles querem adentrar
aqui, chegar até o porto de Santana, escoar o produto deles e ir embora. Mas eles
querem que quando o mesmo seja feito com o Brasil, chegue aqui na aduana, do
lado de Saint Georges, troque o motorista, um motorista francês assuma a condução
e vá até lá e eles querem que aqui eles tenham essa liberdade. (E5/PROFESSOR E
ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

No Brasil, qualquer ato internacional necessita, para a sua conclusão, da colaboração


dos Poderes Executivo e Legislativo. Segundo a vigente Constituição brasileira, celebrar
tratados, convenções e atos internacionais é competência privativa do Presidente da República
(art. 84, inciso VIII), embora estejam sujeitos ao referendo do Congresso Nacional, a quem
cabe, ademais, resolver definitivamente sobre tratados, acordos e atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (art. 49, inciso I).
Abaixo, um quadro sintetizando os atos bilaterais celebrados entre França e Brasil que
concernem à fronteira Amapá-Guiana Francesa. Chama-se atenção que entre os campos
selecionados para a cooperação fronteiriça prevalecem aqueles que remetem à questão da
segurança, seja: epidemiológica, ambiental, criminal.
Entre os atos bilaterais França-Brasil, considera-se que o mais favorável ao próprio
sucesso da cooperação fronteiriça é o acordo de cooperação descentralizada, o qual se
encontra em tramitação no Congresso Nacional. Na França essa modalidade de cooperação
internacional encontra-se regulamentada, o que não procede no Brasil. Sua mais importante
vantagem reside na descentralização de ações e na possibilidade que cria de reunir uma
diversidade de atores, o que nos remete à citação feita à preleção do embaixador Amaral
(2003) de que o sucesso da parceria Brasil-França depende de um trabalho conjunto entre
governos e sociedades, para que não fique apenas como um horizonte de possibilidades. De
certo que a falta de um marco regulatório dificulta avanços nesse domínio, contudo, mesmo
com tais obstáculos legais, a cooperação descentralizada entre municípios da França e do
Brasil vem sendo desenvolvida de modo informal; e isso funciona para acelerar os esforços
para criação de um quadro legal que legalize as ações internacionais entre coletividades.
54

Figura 2 – Atos Bilaterais Brasil-França que contemplam o Território Fronteiriço Amapá-


Guiana Francesa
Título do Acordo Celebração Entrada Situação
em Vigor
Memorando de Entendimento entre o Governo da 15/02/2012 15/02/2012 Vigente
República Federativa do Brasil e o Governo da
República Francesa em Matéria de Saúde na Zona
Transfronteiriça Brasil-Guiana Francesa.
Protocolo Adicional ao Acordo de Parceria e 07/09/2009 Em
Cooperação entre o Governo da República tramitação
Federativa do Brasil e o Governo da República
Francesa com Vistas à Criação de um Centro de
Cooperação Policial
Protocolo Adicional ao Acordo de Cooperação 23/12/2008 23/12/2008 Vigente
Técnica e Científica entre o Brasil e a França para
a Criação do Centro Franco-Brasileiro da
Biodiversidade Amazônica.
Protocolo de Cooperação entre o Brasil e a França 23/12/2008 Vigente
para o Desenvolvimento Sustentável do Bioma
Amazônico, tanto do Lado Brasileiro, quanto do
Lado Francês.
Acordo entre a República Federativa do Brasil e a 23/12/2008 12/12/2013 Ratificado
República Francesa na Área da Luta contra a
Exploração Ilegal do Ouro em Zonas Protegidas
ou de Interesse Patrimonial.
Protocolo Adicional ao Acordo Quadro de 12/02/2008 Em
Cooperação sobre Cooperação Descentralizada tramitação
Acordo Quadro de Cooperação entre o Governo 28/05/1996 28/05/1996 Vigente
da República Federativa do Brasil e o Governo da
República Francesa.
Fonte: BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Divisão de Atos Internacionais (2013). Adaptação:
Carmentilla Martins.

Cumpre lembrar que no quadro não constam os atos bilaterais relativos à construção
da ponte, porque não estão mais em vigência já que a obra foi concluída em junho de 2011.
Para operacionalizar a cooperação fronteiriça ficou estabelecido que anualmente houvesse
reuniões, com representantes das partes contratantes, com vista a consultas recíprocas que
funcionassem para fortalecer o processo de institucionalização, nesse intento foi criada a
Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça Franco-Brasileira com reuniões de
periodicidade bianual. Cabe ressalvar, no Acordo Quadro ficou convencionado que
representantes das coletividades de Oiapoque e Saint-Georges poderiam participar desde que
em conformidade aos quadros das legislações nacionais, ou seja, sua participação ficou
condicionada ao marco regulatório de cada governo. O resultado imediato disso é que a
55

população de Oiapoque se sente alijada nesse processo e se ressente de não estar nem
informada e muito menos ter participação efetiva nas reuniões da Comissão Mista de
Cooperação Brasil-França.

Porque na verdade as informações que passam aqui no Oiapoque para nós, tudo é
atrasada. Na verdade, como eu estava lhe explicando, as nossas informações nunca
passam aqui, engraçado que nós somos vizinhos aqui, nós poderíamos estar
informados, mas nós nunca estamos informados como deveria ser. As informações
que saem da Guiana, por exemplo, vai diretamente pra Macapá ou pra Brasília,
nunca passa aqui com a gente. Quando a gente sabe, é tudo na última hora, a gente
nunca tá informado do jeito que nós tínhamos que estar informado.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTEDO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).

Ao todo já ocorreram oito encontros: Brasília (1997), Caiena (1999), Macapá (2002),
Caiena (2008), Macapá (2009), Caiena (2010), Macapá (2011) e o último Caiena (2013),
como é possível observar entre os encontros de 2002 e 2009 houve um período de
desinteresse em manter a regularidade das reuniões. Acredita-se, que em virtude do primeiro
impulso na direção da cooperação ter sido dado pelo então governador do Amapá João
Alberto Capiberibe em 1995, o qual acabou por convertê-la em ponto relevante da plataforma
política de seu governo (MARTINS, 2008); o governo sucessor adotou certo marasmo no
relacionamento cooperativo. Tanto que o projeto de construir uma hidrelétrica na cachoeira
Cafezoca é um projeto antigo da cooperação e traria benefícios para os moradores do
município de Oiapoque que dependem de energia termoelétrica, mas foi engavetado após a
saída do governador Capiberibe. O projeto foi retomado a partir da eleição de Camilo
Capiberibe, sendo posto novamente na pauta de discussão pela

partie brésilienne a souligné le caractère crucial de la question énergétique pour la


communauté d’Oiapoque. Le gouvernement de l’Amapá a informe des projets de
production et de distribution d’énergie dans l’état, em particulier sur le projet de
construction d’une centrale hydroéletrique au niveau de la chute de Cafezoca, sur le
fleuve Oyapock, ainsi que sur la liaison de l’état d’Amapá au réseau de Tucuruí à
partir de 2013.(FRANCE/COMMISSION MIXTE TRANSFRONTALIÈRE BRÉSIL-
FRANCE, 2011, p. 2).

Porém, a construção de uma hidrelétrica no rio Oiapoque à altura da cachoeira


Cafezoca ainda é uma expectativa, não havendo, até este momento um cenário promissor em
relação a sua construção, principalmente no que se refere à fonte de financiamento.
John Ruggie (1998, p. 55 apud COUTINHO, HOFFMANN, KFURI, 2007, p. 14)
esclarece que nas relações internacionais a institucionalização implica a passagem progressiva
por três estágios: 1) comunidades epistêmicas, que se mantêm em nível cognitivo; 2) regimes
56

internacionais, conjuntos de regras concertadas, regulamentos e planos de acordo, nos quais


energias organizacionais e compromissos financeiros são alocados; 3) organizações
internacionais formais. Ao ter em conta essa premissa, afirma-se que a cooperação fronteiriça
Brasil-França se encontra em estágio inicial, pois, ainda é uma comunidade epistêmica, na
qual se privilegia o diálogo com a finalidade de ampliar o conhecimento que servirá de
referencial para as ações. A mais importante proposição da cooperação transfronteiriça
franco-brasileira foi promover a integração territorial entre o Amapá e a Guiana Francesa de
modo a estimular o desenvolvimento socioeconômico sustentável nas coletividades de
Oiapoque e Saint-Georges. Essas cidades são classificadas como cidades-gêmeas, tipificação
que corresponde a

adensamentos populacionais cortados pela linha de fronteira (seja esta seca ou


fluvial, articulada, ou não, por obra de infraestrutura) apresentam grande potencial
de integração econômica e cultural, assim como manifestações condensadas dos
problemas característicos da fronteira, que aí adquirem maior densidade, com efeitos
diretos sobre o desenvolvimento regional e a cidadania. (BRASIL/MIN, 2009, p.
28).

Nas cidades-gêmeas se intensificam as oportunidades tanto de entrada de produtos


ilícitos de diversa natureza, bem como de saída de recursos naturais, explorados sem controle
e ilegalmente (MACHADO, 2007). É o caso de Oiapoque, onde se observam vulnerabilidades
relativas ao tráfico de entorpecentes, armas, pessoas, e também o uso indiscriminado de
recursos naturais, fala-se da garimpagem de ouro realizada por brasileiros na Guiana Francesa
(MARTINS, 2008). Abaixo, se apresenta uma lista dos problemas enfrentados pela população
de Oiapoque – elaborada a partir dos dados obtidos nos trabalhos de campo realizados na
cidade – a qual corrobora o argumento de que nenhuma política de integração fronteiriça pode
ser efetivada sem a participação dos atores locais e de ações dos Estados direcionadas às
demandas apresentadas por esses indivíduos.
 A localização periférica devida ao distanciamento dos centros decisórios, tanto estadual,
quanto federal. A BR-156, rodovia federal, que sendo concluída vai integrar por terra
Oiapoque a Macapá não está pronta; faltam aproximadamente 160 km de pavimentação
asfáltica e como a estrada é extremamente íngreme esse trecho ainda sustenta
parcialmente o estado de isolamento de que padece a população de Oiapoque.
 O baixo potencial demográfico e econômico em comparação às suas sociedades nacionais
torna a cidade sem atrativos aos investimentos externos, essa situação poderá se modificar
quando iniciar a exploração de petróleo nos poços adquiridos pela empresa E&P Brasil,
57

consórcio entre a TOTAL francesa (40%), a Petrobras brasileira (30%) e a BP britânica


(30%). Os ativos para exploração estão localizados no litoral do Amapá bem próximos a
Guiana Francesa (LUNA; VETTORAZZO, 2013).
 A ausência de infraestrutura (energia, transporte, comunicações). Na cidade é recorrente
falta prolongada de energia elétrica; ausência de pavimentação asfáltica nas principais
ruas e avenidas, de saneamento básico e de internet.
 A vulnerabilidade diante de atos ilegais: tráfico de drogas, armas e pessoas; exploração
sexual de crianças e adolescentes; contrabando de ouro e pescado; degradação do
patrimônio natural.
 A precariedade dos canais de comunicação para que a população possa encaminhar suas
demandas ao processo decisório.
 A carência de políticas públicas destinadas a promover melhorias na educação, saúde,
infraestrutura urbana; combate a prostituição de crianças e adolescentes e ao narcotráfico
e de assistência aos egressos de tais situações.
Oiapoque e Saint-Georges têm diferenças quanto a políticas públicas e subsídios de
seus governos; conforme Silva (2010) a coletividade brasileira não recebe do poder central a
mesma atenção que sua vizinha recebe da França e em face disso se indaga: “O interesse
brasileiro em Oiapoque é o mesmo ou pelo menos similar ao francês para Saint-Georges?
(2010, p. 87)”, para esses autores a resposta é não. Ao analisar a posição ocupada pelas
coletividades fronteiriças no âmbito do MERCOSUL, Lahorgue (1997) afirma que esses
espaços mantêm sua condição periférica, pois como se trata de um processo de integração
preponderantemente comercial as negociações na área social progridem lentamente devido
haver pouca receptividade da parte dos governos centrais a políticas de compensação ou de
subsídios. Para a autora não haverá cooperação fronteiriça sem que essas regiões recebam
uma atenção privilegiada do poder público, bem como é preciso favorecer a troca de
experiências e os debates sobre problemas comuns, de modo a gerar uma conscientização em
nível local sobre as vantagens dessa cooperação.
Lourenço (2012) indica que são as peculiaridades observadas nas zonas de fronteira
– debilidade infraestrutural; baixo desempenho econômico; novas dinâmicas territoriais em
função da intensificação dos fluxos de pessoas, capitais e bens – que subsidiam a proposição
de cooperação transfronteiriça na União Europeia. Esse autor defende que os processos
decisórios devem ocorrer em escala local, ou seja, que as decisões devem se processar nas
regiões fronteiriças, de modo que o seu desenvolvimento se efetive a partir da realidade local.
58

Lourenço (2012) afirma que na União Europeia a proposta é promover o desenvolvimento


territorial do espaço comunitário e, consequentemente, constitui prioridade os esforços de
integração e redução da fragmentação econômica e social provocada pelas fronteiras
nacionais; nesse contexto e com essa proposição a idealização é de que mais importante que
unir Estados é unir pessoas.
Porém, isso não é constatado na institucionalização da cooperação fronteiriça franco-
brasileira e há pelo menos três argumentos significativos nessa direção: a não ratificação do
acordo de cooperação descentralizada, a construção da ponte Binacional sobre o rio Oiapoque
e a ratificação do acordo de combate à exploração ilegal de ouro. Esse último acordo,
celebrado em 2008, ratificado em 12 de dezembro de 2013 (coincidentemente por ocasião da
viagem de François Hollande ao Brasil), legaliza ações militares coordenadas entre forças
policiais brasileiras e francesas no estabelecimento de repressão à garimpagem ilegal de ouro
em

a) “zonas protegidas ou interesse patrimonial”: os territórios classificados como


parque nacional e os territórios de fronteiras entre a Guiana Francesa e o Estado do
Amapá, situados na faixa de 150 km de ambos os lados da fronteira, que são objetos
de medidas de identificação, proteção ou conservação dos ecossistemas e dos
habitats naturais;
b) “atividades de pesquisa e extração de ouro”: toda atividade que consiste na
extração de ouro do meio natural, por qualquer meio;
c) “título para pesquisa e lavra auríferas”: autorização administrativa que confere a
seu titular direitos exclusivos dentro de um determinado perímetro do território.
(BRASIL/MRE, 2008).

O acordo é considerado ultrajante à soberania brasileira do ponto de vista dos


políticos e juristas amapaenses e para destacar seu nó górdio recorre-se a argumentação do
deputado Sebastião Bala Rocha que constituiu voto em separado no âmbito da Comissão de
Relações Exteriores e Defesa Nacional (BRASIL/CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013),
posicionando-se pela rejeição a aprovação do Projeto de Decreto Lei nº 1.055/2013 referente
ao acordo. Assim se pronuncia o deputado:

Cumpre ainda salientar que a negociação (que contou com a participação de vários
ministérios e órgãos do Governo Federal, conforme mencionado na exposição de
motivos) e a firma do acordo em apreço, pelos Governos da França e do Brasil,
ocorreram à revelia do governo do Amapá e seu povo, sem que houvesse prévia
consulta ou participação da sociedade e das lideranças do Estado e do município do
Oiapoque, que não tiveram oportunidade de manifestar seus reais interesses,
opiniões e preocupações a respeito das questões que o Acordo firmado pretende
tutelar, num verdadeiro processo de exclusão dos representantes do povo
amapaense. [...] Quanto aos aspectos econômicos, há de se ressaltar que o aumento
da repressão sobre comerciantes e navegantes do Rio Oiapoque, provocará o
agravamento do desemprego no município e expõe a comunidade a um aumento do
59

risco da ocorrência das práticas de violência, uso de drogas e prostituição infantil.


Há ainda uma questão a examinar: Mais de 90% dos que exploram garimpos na
Guiana Francesa não são amapaenses. Por que, então, os comerciantes, os
pescadores, os catraieiros, os navegantes do Rio Oiapoque, as crianças, os jovens e
as famílias de Oiapoque devem ser penalizadas por esse excludente acordo.
(BRASIL/CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2013, p.20).

A questão colocada pelo deputado é demonstrativa da ausência de participação da


população de Oiapoque sobre a normalização do combate a exploração ilegal de ouro num
perímetro de 150 km do território brasileiro, área que contempla o município de Oiapoque em
sua totalidade e parte do município de Calçoene. Não se trata de uma defesa a práticas ilegais,
mas como argumenta Bala Rocha, não houve preocupação em reconhecer a existência de
garimpos e garimpeiros em território brasileiro. Caso as operações de combate sejam exitosas
haverá um fluxo de aproximadamente quinze mil garimpeiros retornando ao Brasil e
obviamente sua chegada se dará em Oiapoque. Ainda que não se estabeleçam na cidade, esse
contingente vai provocar toda uma série de desarranjos no cotidiano da cidade. De outro lado,
a área de competência do acordo poderá afetar seriamente vários brasileiros que atuam
legalmente na atividade mineradora, caso do garimpo do Lourenço no município de Calçoene.

Nós não temos problema de garimpo no Brasil. Quando eles querem fazer um
acordo com relação ao garimpo clandestino, o problema é deles dos franceses! Nós
não temos problema do lado francês com garimpo clandestino, se você for observar,
a área de garimpo que nós temos é em Lourenço, mas ela é legalizada, no nosso
lado, se pode sobrevoar a área de Oiapoque, às margens do rio Oiapoque até Vila
Brasil, Cabo Orange, Vila Velha do Cassiporé que são as ribeirinhas que nós temos.
Nós não temos conflito, nós não temos problema com o garimpo clandestino. Então
eles têm que cuidar da área deles, nós achamos dessa forma, eles têm que guardar a
área deles, impedindo que garimpeiros clandestinos entrem. (E3/COMERCIANTE
SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013).

O adensamento do controle às atividades ligadas a esta atividade também implicará


monitoramento no trânsito de pessoas e mercadorias no rio Oiapoque, podendo acarretar
maiores restrições a essa mobilidade e com consequências à inserção econômica dos atores
locais que dela dependem. Bala Rocha chama atenção: primeiro para o fato de que a
população de Oiapoque não foi ouvida, o que poderia ter sido feito em audiências públicas;
segundo para a importância de políticas compensatórias, pois de contrário serão muitos os
conflitos sociais, para os quais, ressalte-se a organização administrativa e judiciária da cidade
não está preparada.
Outro ponto que corrobora a afirmação da ausência de participação dos atores
territoriais na cooperação fronteiriça vem do fato de que em dezoito de vigência a cooperação
só tem uma ação concreta que é a ponte Binacional sobre o rio Oiapoque, pronta desde junho
60

de 2011, ainda não foi inaugurada. Conforme Silva (2013) a integração física propiciada pela
ponte Binacional é interessante à França pela ligação que estabelecerá com o porto de
Santana, que tem 11 metros de calado contra 3,7 do porto Dégrad-des-Cannes, o mais
importante da Guiana Francesa (SILVA, 2013). De acordo com esse autor, toda infraestrutura
portuária da Guiana Francesa atrela-se a esse “porto de comércio principal situado a alguns
quilômetros de Cayenne, por onde transita quase toda a sua pauta de exportação-importação
[...]. Além deste porto, a Guiana Francesa também possui portos anexos, mas de pouca
expressividade, como os de Kourou e Saint-Laurent-du-Maroni (2013, p. 165)”. Em termos de
modo de transporte marítimo para importações e exportações, a ligação de Caiena ao Porto de
Santana representará reduzir custos, inovar com nova rota para a circulação de produtos e
mercadorias, criar alternativas para consolidar o desenvolvimento da Guiana Francesa com
consequente superação de sua condição de enclave territorial (D’HAUTEFEUILLE, 2009).
O atraso na inauguração da ponte demonstra que a amizade histórica entre o Brasil e
a França não é suficiente para suplantar diferenças. Por exemplo, o governo brasileiro foi o
país gestor da construção da ponte, mas não cumpriu sua parte no que tange a área de
operação da ponte. Para melhor entendimento considera-se pertinente retomar alguns pontos
do processo que resultou na ponte entre Oiapoque–Saint-Georges. O projeto de construção da
ponte desenrolou-se em dois acordos bilaterais, celebrados respectivamente nos anos de 2001,
2005. No acordo de 2005, que complementa e/ou confirma os anteriores, além de decidir a
divisão de custos e a quem caberia o papel de país gestor (que no caso foi o governo
brasileiro), estabeleceu-se que Brasil e França deveriam arcar com despesas relativas à
construção da infraestrutura necessária a operacionalização de uso da ponte; definindo-se por
área de operação a ponte e todos os investimentos públicos necessários ao seu uso: 1) a ponte
e seus equipamentos de segurança e sinalização; 2) as duas vias de acesso entre Oiapoque e
Saint-Georges e seus equipamentos de sinalização e segurança; 3) os postos de fiscalização
fronteiriça e respectivas instalações (BRASIL/MRE, 2005). Ao pronunciar-se no Senado
Federal sobre os resultados alcançados pelo governo do Amapá na VIII Reunião da Comissão
Mista de Cooperação Transfronteiriça (Caiena, 2013), o senador João Alberto Capiberibe
assegura que:

Como resultado dessa última reunião, posso destacar alguns pontos. Por exemplo, a
inauguração da ponte Binacional sobre o rio Oiapoque. A ponte está pronta, é
resultado daquele encontro do Presidente Jacques Chirac e do Presidente Fernando
Henrique. Essa ponte foi construída no governo do Presidente Lula e concluída em
2011. No entanto, a estrutura aduaneira e de fiscalização ainda não está concluída. O
lado francês está totalmente concluído. Toda a estrutura necessária para atender o
61

fluxo de transporte e de passageiros e de pessoas na ponte, no lado francês, está


pronta, no nosso lado restam os prédios para colocar a Polícia Federal, a Receita
Federal, a ANVISA, enfim, as instituições que vão cuidar da fiscalização naquela
fronteira. Mas nós temos absoluta convicção de que essa questão será solucionada
em breve, até porque há um grande interesse em abrir essa ponte para o fluxo de
veículos e pessoas. (BRASIL/SENADO FEDERAL, 2013, pp. 1-2).

É frequente atribuir o atraso na inauguração da ponte a falta de cumprimento do


governo do Brasil em implantar a sua área de operação, que do lado francês está pronta.
Todavia, além do atraso na construção da aduana definitiva (está em construção desde o
segundo semestre de 2013 uma aduana temporária) do lado brasileiro, outro ponto que está
atrelado à prorrogação de sua entrada em funcionamento concerne à estruturação de um
marco jurídico para regular a circulação de pessoas e mercadorias. Isso é uma preocupação
recorrente no diálogo cooperativo entre representantes brasileiros e franceses "Les parties se
sont engagées à elaborer la structure juridique nécessaire à la circulation transfrontalière de
personnes et marchandises, pour préparer l'inauguration du pont sur le fleuve
Oyapock.(FRANCE/COMMISSION MIXTE TRANSFRONTALIÉRE BRÉSIL-FRANCE, 2011,
p. 1)”.
A ponte Binacional sobre o rio Oiapoque custou mais de 61 milhões de reais; a
alocação desse recurso expressa o financiamento de um programa intergovernamental com
prioridade atribuída à infraestrutura econômica que tem a finalidade de favorecer a
convergência da ação pública no território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa. A visão da
ponte causa desconforto a um observador mais atento, pois enquanto a população de
Oiapoque padece devido à falta de investimentos em educação, saúde, infraestrutura urbana,
saneamento, lá está a ponte, construída segundo modernos padrões de engenharia civil e
arquitetura, mas que por enquanto não serve a nada, nem a ninguém, ou seja, como afirma
d’Hautefeuille: “Essa ponte não tem origem local (2009, p. 9)”. Para os atores locais a ligação
entre melhorias em suas condições de vida e a ponte sobre rio Oiapoque não é tão evidente.

Isso reflete a desconexão completa deste projeto do contexto local. Um elemento


simples apoia esta observação: nenhum estudo prévio a essa decisão nunca foi feito
para identificar as oportunidades socioeconômicas para a Guiana ou mesmo para o
Amapá [...]. Estes tipos de estudos foram realizados apenas uma vez o anúncio ter
sido feito, só porque a lei francesa exige a elaboração de estudos de impacto prévios
à implementação de infraestruturas. Estes estudos, aliás, se baseiam somente na
escala microlocal e transfronteiriça. Eles, portanto, fazem caso da decisão
presidencial sem justificar a necessidade ou a oportunidade de construir uma ponte
sobre o rio Oiapoque. (D’HAUTEFEUILLE, 2009, p. 10).

No acordo de 2005 a Comissão Bilateral Franco-Brasileira – instituída desde o


acordo de 2001 – passou a denominar-se Comissão Intergovernamental. Ao examinar a
62

composição e competências dessa comissão é possível verificar a falta de representatividade


da população de Oiapoque no projeto e processo de construção da ponte Binacional. A essa
comissão coube: 1) reunir dados e fornecer os estudos complementares necessários e relativos
aos aspectos técnicos, ambientais, econômicos e financeiros da obra; 2) organizar os dados
obtidos na etapa anterior para indicação do local e das modalidades técnicas, administrativas e
financeiras para a realização e operação da obra; 3) propor, a pedido das Partes, os termos de
contrato internacional de obra pública contendo a definição da obra, a forma de
gerenciamento e as modalidades de financiamento e operação da obra; 4) propor, a pedido das
Partes, os termos de um edital de licitação internacional de obra pública contendo a definição
das obras a serem executadas e o processo de escolha das empresas executantes
(BRASIL/MRE, 2001). Observe-se a composição das delegações:

Delegação brasileira: Ministério das Relações Exteriores; Casa Civil da Presidência


da República; Ministério da Justiça; Ministério dos Transportes; Ministério da
Fazenda; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministério do Meio
Ambiente; Ministério da Defesa; Ministério do Turismo; Ministério da Agricultura,
Pecuária e Abastecimento; Ministério da Saúde; e Governo do Estado do Amapá.
Delegação francesa: Ministério dos Negócios Estrangeiros; Ministério da Economia,
Finanças e Indústria; Ministério dos Transportes, do Equipamento, do Turismo e do
Mar; Ministério da Saúde; Ministério da Agricultura e da Pesca; Ministério da
Ecologia e do Desenvolvimento Sustentável; Ministério de Ultra-Mar; Prefeitura da
Guiana; Região da Guiana; Conselho Geral da Guiana; Prefeitura de Saint-Georges
do Oiapoque; e Serviço de Gendarmerie e de Polícia. (BRASIL/MRE, 2005).

Portanto, as representatividades do Amapá e da Guiana Francesa não são


equivalentes, o Amapá se fez representar por suas instituições governamentais, não consta em
nenhuma parte referência a uma representação de Oiapoque, nem do governo municipal, nem
da população local; enquanto que a Guiana Francesa foi representada por três níveis
institucionais: Prefeitura da Guiana, Região da Guiana, Conselho Geral da Guiana; e Saint-
Georges esteve representado por sua prefeitura. Abaixo, as imagens (Figuras 3 e 4) das
aduanas localizadas em cada lado da ponte. Do lado francês está o centro de operações pronto
aproximadamente há dois anos, enquanto que, no último semestre de 2013 é que se iniciaram
as obras para construção de um centro provisório de fronteira do lado brasileiro. A previsão é
de que ao final de 2014 esteja pronta a aduana definitiva.

O maior benefício que nós recebemos aqui foi por ocasião da construção da ponte
Binacional, que foi uma cooperação. O Brasil entregou uma parte, a França entregou
outra. A ponte tá pronta, inclusive ela foi concluída no prazo mesmo. Então tá aí um
dos fatores de benefício. Isso aí: só a ponte. Mas a gente sabe que vai beneficiar eles
mesmos [franceses]. Ainda não foi inaugurada, tá pronta há dois anos. Inclusive a
parte deles [aduana do lado da Guiana Francesa] já tá toda pronta, toda asfaltada.
63

Vai começa agora também, recentemente, por uma empresa lá de Santa Catarina vai
fazer a parte do terminal aduaneiro aqui na cabeceira da ponte [construção da aduana
do lado brasileiro da ponte]. (E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA
PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).

Observa-se que há uma estreita associação entre a cooperação fronteiriça franco-


brasileira e a ponte Binacional, isso decorre da crença local que a ponte vai trazer novas
oportunidades em termos de desenvolvimento socioeconômico; mas há uma ciência entre os
atores quanto a quem de fato a ponte irá beneficiar.

Figura 3 – Posto de fiscalização da fronteira em Oiapoque.

Fonte: Acervo pessoal de Gutemberg Silva, março de 2014.

Figura 4 – Posto de fiscalização da fronteira em Saint-Georges.

Fonte: Acervo pessoal de Carla Ferreira. Assessoria de Comunicação do senador Randolfe Rodrigues.
08/09/2011.
64

Por último, se faz referência ao acordo de cooperação descentralizada celebrado em


Oiapoque em dezembro de 2008, mesmo não sendo específico para o relacionamento
fronteiriço, sua proposta em estreitar vínculos entre unidades subnacionais seria pontual para
o desenvolvimento de parcerias entre coletividades locais, caso de Oiapoque–Saint-Georges.
Mesmo reconhecendo a importância e o protagonismo dos governos centrais na cooperação
fronteiriça, a descentralização funcionaria como força impulsionadora em nível local, na
medida em que ampliaria entendimentos fronteiriços em escala local (MEDEIROS, 2009).
Descentralizar é multiplicar atores e interesses trazendo de esteira a possibilidade de superar
obstáculos sociais, econômicos, culturais; o que tornaria mais operacional a cooperação
fronteiriça. Na França desde 1982 existe um quadro legal que regula relações internacionais
de coletividades; o mesmo não ocorreu no Brasil que ainda não dispõe de lei que regulamente
a cooperação descentralizada. No entanto, mesmo que a cooperação descentralizada tenha
avançado em encontros não oficiais, o acordo que lhe normatizará está em trâmite no
Congresso Nacional; caso seja ratificado vai propiciar avanços significativos para as
coletividades fronteiriças de Oiapoque e outras da Guiana Francesa, pois os governos do
Brasil e da França buscam reforçar seu relacionamento bilateral “Conscientes da crescente
importância que assumem as ações de cooperação promovidas e realizadas por regiões,
departamentos, agrupamentos e municípios franceses em parceria com os entes federativos –
estados e municípios brasileiros (BRASIL/MRE, 2008)”.
Observa-se que os obstáculos relativos à institucionalização da cooperação
fronteiriça é justamente a falta de envolvimento dos atores locais e de recursos de
financiamento de ações voltadas para a realidade dessas populações; e não se considera
participação a presença de alguns atores fronteiriços nas reuniões da Comissão Mista
Transfronteiriça. Para que a cooperação fronteiriça não fique somente nas retóricas dos atores
e em ações mais alegóricas que concretas se faz necessário ampliar os canais de comunicação,
e isso não pode ocorrer sem o envolvimento “conceitual” de toda a comunidade como uma
coletividade informada, entende-se que o compartilhamento de uma linguagem comum e a
historicidade simbólica é a forma mais completa de alcançar essa unidade (BERGER,
LUCKMANN, 1985). Abaixo, a informante E4, uma imigrante retornada que atualmente tem
uma pousada na cidade de Oiapoque, critica que a cooperação fronteiriça se desenrola sem
que cheguem até Oiapoque informações sobre suas deliberações, de modo que

passam as informações em cima da nossa cabeça. Então o povo do Oiapoque,


mesmo aqui, é discriminado praticamente, sabia? Eu sempre falo isso pra outras
pessoas, nós brasileiros, aqui nós no Oiapoque nós somos mesmo, passado tudo em
65

cima da nossa cabeça não temo essas informações como a gente precisa ter.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).

O estudo das Atas das Reuniões das Comissões Mistas de Cooperação


Transfronteiriça Brasil-França possibilitou abstrair da documentação alguns dos benefícios
que delineiam o horizonte da cooperação fronteiriça franco-brasileira. Mas também favoreceu
verificar que falta: 1) sinergia entre atores envolvidos na institucionalização da cooperação
transfronteiriças; 2) realizar ajustes de modo a compatibilizar as diferenças constitucionais em
favor de interesses comuns; 3) atrair recursos de financiamento.
Nesse nível de reflexão, se propõe que para reduzir as desigualdades sociais e
territoriais com desenvolvimento socioeconômico sustentável e inclusivo, a ênfase deve
residir na atribuição de critérios qualitativos nos programas propostos pela cooperação
fronteiriça Brasil-França, e nesse ponto se perfila com Sachs: “O desenvolvimento includente
requer, acima de tudo, a garantia do exercício dos direitos civis, cívicos e políticos (SACHS,
2004, p.39)”. Outro ponto apresentado pelo autor como critério qualitativo para o
desenvolvimento includente é o acesso da população aos serviços públicos, tais como
educação, serviços de saúde e moradia, o que se entende não poderá ser alcançado sem
políticas compensatórias e de subsídio que atendam as demandas, indicadas em parágrafos
anteriores.
A cooperação fronteiriça franco-brasileira é uma estratégia de gestão política em
escala internacional, no entanto não se mostra consistente devido seus mecanismos
institucionais de funcionamento não serem articulados às demandas sociais manifestadas
pelos atores territoriais. Argumenta-se que a principal inconsistência reside na limitada
participação desses agentes e na débil articulação entre os diferentes níveis de decisão e
implementação da finalidade social da cooperação fronteiriça. Para este fim, se devem criar
espaços de exercício da democracia direta, na forma de foros locais que evoluam na direção
de formar conselhos consultivos e deliberativos, de forma a empoderar as coletividades para
que elas assumam um papel ativo e criativo no desenho do seu futuro (SACHS, 2004). Para o
catraieiro presidente da Cooperativa de Transporte Fluvial e Terrestre de Oiapoque
(COMFCOI),

Quando foi feito o projeto da ponte, eles não englobaram a classe catraieira,
esqueceram a classe catraieira, não fizeram uma audiência pública para discutir
quais as condições, o que poderia ocorrer com o impacto econômico, com o impacto
social, com o impacto ambiental. Esqueceram do município, se fizeram, não chegou
ao conhecimento da classe catraieira. Então depois que começaram a construir a
66

ponte, nós nos manifestamos, nos mobilizamos, toda a classe e procuramos correr
atrás de recursos, mas de forma política, aonde a compensação financeira em
espécie, nós não conseguimos. (E10/CATRAIEIRO, 2013).

Os avanços da cooperação transfronteiriça franco-brasileira são tímidos, mas foram


identificados em troca de informações para o combate a doenças transmissíveis; nos
intercâmbios na área educacional, cultural, esportiva e de segurança e defesa social. As
parcerias com algum resultado mais efetivo são as seguintes: a construção da ponte
Binacional (concluída); a extensão da fibra ótica da Guiana Francesa até Macapá, que irá
melhorar significativamente a internet banda larga no estado do Amapá (em março de 2014
entrou na fase de conclusão); o intercâmbio em pesquisa científica a ser desenvolvido no
Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica-CFBBA (a prefeitura cedeu o terreno,
mas as obras ainda não se iniciaram). Em síntese, há um longo e difícil trajeto a ser cumprido
para concretizar as seguintes proposições:
 Potencializar afinidades entre as localidades de Oiapoque e Saint-Georges localizadas nas
zonas de fronteira.
 Promover a articulação entre atores públicos e privados com vistas à coesão institucional
 Identificar situação ou assunto problemático com objetivo de intervir ao nível das políticas
públicas.
 Valorizar o patrimônio natural e cultural.
 Mobilizar recursos políticos e econômicos (sejam federais, estaduais ou municipais) para
financiamento e criação de infraestrutura para uso comum.
 Promover intercâmbios para formação de recursos humanos, nos mais variados domínios:
ciência e tecnologia, gestão pública e ambiental, turismo.
 Melhorar as condições sociais e econômicas das populações fronteiriças.
Como demonstrado encerra-se essa parte do capítulo com a expectativa de que a cooperação
fronteiriça franco-brasileira não se torne mais um elemento a sofrer reversões devido a uma
lamentável tradição político-burocrática brasileira, qual seja: as boas intenções que não se
afirmam; as leis que não pegam; as reformas que não vingam; isso em virtude de serem
esquecidos detalhes conceituais, processuais, culturais e outros, necessários à sua efetivação.

2.4 A integração sul-americana e a Política Nacional de Desenvolvimento Regional em seus


nexos com a cooperação fronteiriça franco-brasileira
67

A mudança na percepção do Estado em relação às fronteiras nacionais e,


consequentemente, a atribuição de importante papel no ordenamento territorial brasileiro
indica que as ideias que lhe atribuíam significado modificaram-se nas três últimas décadas.
Há duas chaves de entendimento para essa modificação: a primeira é o projeto de inserção
soberana e competitiva do Brasil no processo de globalização econômica que resultou na
iniciativa brasileira em institucionalizar a cooperação com outras nações, especialmente na
América do Sul; a segunda se refere à Política Nacional de Desenvolvimento Regional,
institucionalizada em 2007, a qual representou uma revisão do modelo de desenvolvimento
nacional vigente até então.
Primeiramente, indica-se que a retomada das relações bilaterais franco-brasileiras
acompanhou as tendências que se estabeleceram nas últimas décadas do século XX, quando
houve uma significativa mudança no campo das relações internacionais devido: “O colapso
do socialismo do tipo soviético, o fim da distribuição bipolar do poder mundial, a formação
dos sistemas globais de informação, o aparente triunfo do capitalismo; os problemas
ecológicos (SZTOMPKA, 2005, pp. 13-14)”; a esse conjunto de transformações em escala
planetária convencionou-se denominar globalização numa alusão ao globo terrestre. O termo
globalização generalizou-se nos textos acadêmicos, nos debates políticos, nos meios
econômico-financeiros e midiáticos e conforme conceituação de Giddens: “a globalização
pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por
eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice versa (1991, p. 69)”, depreende-se que
os processos da globalização promovem a integração entre diversas formas particulares de
organização das sociedades: Estados-nação, organizações transnacionais e supranacionais
com comunidades locais, tribos locais, culturas regionais.
No bojo dessa dinâmica, emergiram questionamentos relativos à autonomia dos
Estados em manterem-se como lócus de poder, pois muitas questões estão acima da
capacidade de controle dos Estados, por exemplo: meio ambiente e mudanças climáticas;
segurança e terrorismo; liberalização das trocas comerciais; reterritorialização das indústrias;
ampliação dos modos de interdependência; migrações internacionais. Nessas circunstâncias,
se reconhece que os Estados nacionais se deparam com constrangimentos derivados de
envolvimentos surgidos além de suas fronteiras. De outro lado, as tecnologias da informação e
da comunicação modificaram o substrato cultural e o formato das relações sociais
(GIDDENS, 1991; RESENDE, 1997; REIS, 2007).
68

Não apenas a regulamentação da vida econômica, como da vida social, política e


cultural escapa, de modo crescente, ao controle exclusivo das políticas nacionais.
Defrontamo-nos então com a inadequação das fronteiras convencionais diante da
realidade atual, o que amplia celeremente os horizontes do conhecimento, da
informação, da comunicação, da criatividade e da contravenção. (RESENDE, 1997,
p. 30).

A esse conjunto de fenômenos muitos creditam a crise de legitimidade e eficácia que


estaria corroendo as bases do poder dos Estados; de modo que essas unidades políticas
estariam enfrentando duas tendências que lhe são antagônicas, mesmo que sigam em direções
inversas, quais sejam: problemas em escala global que exigem respostas igualmente globais;
pequenas questões em escala local surgidas nas ações de homens e mulheres que ancorados
em configurações próprias de suas existências reais são tensionados pela dialética do global.
Para enfrentar a primeira tendência, uma proposta dos Estados foi buscar a cooperação com
seus pares,

para melhorar a capacidade individual de lidar com problemas que, isoladamente,


não conseguiriam ou enfrentariam maiores dificuldades. A cooperação possibilita o
estabelecimento de objetivos comuns entre os Estados, considerando tanto as
pressões nacionais quanto as internacionais sobre eles, e permite a constituição de
normas e estruturas no seio das quais os acordos podem ser concretizados.
(MARIANO; MARIANO, 2002, p. 50).

Para os autores, a integração na América do Sul é composta de quatro dimensões


básicas: 1) a amplitude geográfica, ou seja, seu alcance físico; 2) a hierarquia dos temas
dentro da agenda de negociação e de coordenação de políticas; 3) os tipos de instituições que
realizam a tomada de decisão, a implementação e o fortalecimento do processo; 4) o
direcionamento e a grandeza dos ajustes políticos realizados nacionalmente em consequência
da integração. Nesse último ponto os autores acentuam a relevância em conjugar política
externa e doméstica, pois no mundo contemporâneo essas dimensões deixaram de ser
pensadas como compartimentos rigidamente separados.
No contexto regional da América do Sul, o Brasil está envolvido em três
significativos projetos de cooperação internacional que se desenvolveram com
aproveitamento de territórios fronteiriços e que se relacionam à fronteira Oiapoque-Guiana
Francesa: MERCOSUL, UNASUL e a IIRSA. Ao refletir sobre a arquitetura das relações
entre nações sul-americanas, Costa (2009) demonstra que todo empenho em institucionalizar
a cooperação/integração na América do Sul atende tanto ao anseio em impulsionar o
desenvolvimento nacional de seus membros, como para elevar o continente à categoria de
entidade política supranacional. Isso expressa à superação de ações restritas a dimensão
69

econômica e comercial, significando avançar para constituir a integração econômica com


concertação política, social e institucional, e nesse sentido muito próxima do projeto que
estabeleceu e consolidou a União Europeia. Para o autor tal organização de relações
intrarregionais na América do Sul processa-se em cinco distintas conjugações, quais sejam:
setentrionais (Brasil, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana
Francesa); ocidentais (Brasil, Peru, Bolívia); orientais (Brasil, Argentina, Paraguai, Chile);
orientais meridionais (Brasil, Uruguai, Argentina); eixo norte-sul (Brasil).
As articulações indicadas pelo autor expressam a definição das regiões a partir dos
fluxos. Chama a atenção o papel desempenhado pelo Brasil nesse desenho, pois a exceção do
Chile e Equador, todos os demais países e a Guiana Francesa são contíguos, ou seja, a faixa
de fronteira brasileira é o eixo a partir do qual se estabelecem os fluxos e a formação das
regiões. Isso é indicativo de que as novas dinâmicas territoriais emergentes no contexto da
globalização sublinham os novos significados em termos de interações políticas, econômicas,
culturais, territoriais e sociais para as fronteiras no quadro geral das relações internacionais.
Por exemplo, com a generalização da economia de mercado em escala global, houve
uma intensificação da competitividade entre os Estados nacionais, aqueles não incluídos,
lançaram-se a alcançar uma “inserção soberana”. Nessa busca, é possível perceber certo
continuísmo no que tange a tendência dos países periféricos em tornar factível o
desenvolvimento em suas sociedades nacionais (especialmente o econômico).O sonho de um
país emancipado, autônomo, independente e moderno não deixou de existir e numa análise
histórico-sociológica se percebe que ele permanece como tema de grande relevância na
agenda política dos Estados (em desenvolvimento ou não desenvolvidos) da África, Ásia e
Américas (à exceção dos Estados Unidos e do Canadá).Em virtude das dificuldades desses
países, à margem do centro dinâmico do capitalismo, em vencer os desafios da globalização, a
parceria se mostra estratégica para aumentar a capacidade competitiva sob a máxima de que a
união faz a força. Um exemplo disso foi a criação (por iniciativa brasileira) do G-209 e dos

9
O G-20 é um fórum informal que promove debate aberto e construtivo entre países industrializados e
emergentes sobre assuntos-chave relacionados à estabilidade econômica global. O G-20 apoia o crescimento e o
desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da arquitetura financeira internacional e via oportunidades
de diálogo sobre políticas nacionais, cooperação internacional e instituições econômico-financeiras
internacionais. Criado em resposta às crises financeiras do final dos anos 90, o G-20 reflete mais adequadamente
a diversidade de interesses das economias industrializadas e emergentes, possuindo assim maior
representatividade e legitimidade. O Grupo conta com a participação de Chefes de Estado, Ministros de Finanças
e Presidentes de Bancos Centrais. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?G20. Acesso em 22 Ago 2013.
70

BRICS, 10 grupos que reúnem Estados que buscam com esses agrupamentos melhorar seu
desempenho em decisões importantes no sistema econômico-financeiro internacional.
Portanto, se houve acréscimo de camadas econômicas, políticas, jurídicas autônomas
em relação ao Estado, elas devem ser consideradas como complementares, não substitutivas,
pois os Estados “são ‘atores’ ciosos de seus direitos territoriais, preocupados com a promoção
de culturas nacionais, e tendo envolvimentos geopolíticos estratégicos com outros Estados ou
aliança de Estados (GIDDENS, 1991, p. 77, grifos do autor)”.

As autoridades do Estado não mantêm largas áreas de poder soberano restritas à


crescente rede de conexões internacionais e de modos de interdependência. Ao
contrário, o desenvolvimento da soberania do Estado moderno, desde seu início,
depende de um conjunto de relações reflexivamente monitoradas entre os Estados.
[...] As “relações internacionais” não são conexões realizadas entre Estados
preestabelecidos, que poderiam manter seu poder soberano sem elas: elas são a base
sobre a qual o Estado-nação existe como um todo. (GIDDENS, 2008, p. 279).

Depreende-se que nas relações internacionais se constitui a existência do Estado-


nação, ou seja, sua soberania advém das conexões que estabelece com outras unidades
políticas e territoriais que lhe reconhecem como igual. Observa-se uma identidade
reflexivamente desenvolvida, ou seja, os Estados não nascem uns dos outros, mas, não
existem, nem operam separados ou independentes entre si. Dessa perspectiva, quanto melhor
a densidade institucional no sistema de relações cooperativas entre Estados, maior será o
reconhecimento recíproco da autenticidade da soberania, bem como se ampliam as
possibilidades de coordenação para elaboração de agendas referentes a temas comuns que
gerem bem-estar aos seus cidadãos, se cita como exemplo os temas econômicos e ambientais.
Mas, cumpre sublinhar, também se ampliam os canais institucionais para o controle de suas
populações.
Nessas circunstâncias, Brasil e França instituíram a cooperação na fronteira entre o
Amapá e a Guiana Francesa. Jacques Chirac – presidente francês na época – sabedor dos
temores que rondavam o círculo empresarial e burocrático brasileiros utilizou uma retórica
estratégica de que a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), projeto capitaneado

10
BRICS é o termo utilizado para denominar o agrupamento de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Esses países articularam-se com vistas a atuar coletivamente no cenário internacional, contudo seu principal
aspecto é a informalidade, pois o BRICS não tem um documento constitutivo, não funciona com um secretariado
fixo nem tem fundos destinados a financiar qualquer de suas atividades. Ainda assim, o BRICS apresenta certo
grau de institucionalização à medida que se intensifica a interação política entre os países. A formulação desse
agrupamento permitiu a esses países maior participação em temas da agenda global, em particular os econômico-
financeiros, e justamente nesse âmbito o BRICS vem tendo melhor desempenho. Disponível:
http://www.itamaraty.gov.br/temas/mecanismos-inter-regionais/agrupamento-brics. Acesso 22 ago 2013.
71

pelos Estados Unidos, não era interessante à América Latina, inclusive afirmando que a
Europa liderada pela França tinha a oferecer uma via alternativa às sufocantes relações dos
países latino-americanos com os Estados Unidos, argumentação que ganhou de pronto a
simpatia brasileira (LESSA, 2000). A cooperação fronteiriça franco-brasileira aproximou
MERCOSUL e União Europeia e favoreceu a França firmar-se geopoliticamente no
continente sul-americano. Além das motivações ligadas às configurações do cenário
internacional, a cooperação fronteiriça também surge do reconhecimento da existência das
coletividades localizadas nos territórios dos dois lados da fronteira. Esse incremento à política
internacional revela uma mudança na percepção sobre o papel e o peso dos atores sociais e
seus interesses nesse campo, que tradicionalmente se constituiu como de exclusiva atuação
dos Estados. Com a globalização não se tornou mais possível ignorar que processos sociais
internos e processos políticos externos se imbricam. Sociedade e política internacional
deixaram de ser consideradas como linhas paralelas que seguem seu curso sem nunca se
cruzarem. Sem a referida inflexão, a própria legitimidade dos Estados estaria fadada ao
desaparecimento num mundo onde a diversidade de atores integra e a integração de Estados
fragmenta.
De acordo com Medeiros (2009), a cooperação fronteiriça na Europa trouxe a
possibilidade de uma coesão comunitária favorável à integração e à emergência da Europa das
Regiões, posteriormente denominada de Europa dos Cidadãos, pela valorização dada nesse
processo integrativo à participação de diversos atores como prerrogativa do sucesso da união
política. Do ponto de vista do autor, o intercâmbio entre países vizinhos pode viabilizar não
somente a solução de problemas crônicos encontrados nesses espaços, como também
promover o desenvolvimento socioeconômico; porém ações dessa ordem precisam de atenção
diferenciada no que tange a políticas públicas e subsídios, numa clara apelação ao princípio de
subsidiariedade.
Essa complexidade presente em territórios fronteiriços é reconhecida em outros
contextos territoriais, é o caso do estudo de Bustamante (1989) sobre as interações entre
estadunidenses e mexicanos que resultam do extravasamento da fronteira. A reflexão do autor
se aplica tanto ao nível local, como as interações entre os governos do México e dos Estados
Unidos, em ambos os níveis assevera que essas relações têm como denominador comum: a
assimetria de poder. Ainda assim, ele as classifica como harmônicas quando o estadunidense
for o cliente, o patrão e o mexicano o trabalhador, o vendedor, “Es posible que en la región
fronteriza de ambos países no abunden las interacciones sociales justas, pero no hay duda
deque abundan las interacciones sociales armoniosas (1989, p. 12)”. Porém, ressalva, que há
72

ocasiões em que isso não procede, ou seja, quando a assimetria de poder for muito grande,
uma das partes não reagirá e isso tornará inviável a interação; “La asimetria em tal
experiencia bilateral como estadunidenses e mexicanos es de tal magnitud, que la acción de
los primeros corresponde a uma naturaleza diferente a la reacción de los segundos (1989, pp.
13-14)”, ou seja, o autor afirma que a unilateralidade do poder estadunidense provoca
ausência de reação no mexicano tornando com isso a interação inviável. Em face dessas
circunstâncias típicas na fronteira norte do México, Bustamante (1989) defende tratamento
especial no que tange à distribuição dos recursos públicos.
Do ponto de vista brasileiro, a cooperação fronteiriça Amapá-Guiana Francesa faz
parte de um projeto de desenvolvimento cujas estratégias de ação denotam uma modificação
na própria concepção de desenvolvimento à medida que esse termo passou a vir acompanhado
de adjetivos como sustentável e inclusivo. Novas ideias-forças passaram a edificar o
desenvolvimento brasileiro com geração de bem-estar social, de modo a ir além da
formulação de que o crescimento econômico traz como derivados incontestes o progresso, a
bonança e a prosperidade. Nesse processo, destacou-se a questão regional, na medida em que
as especificidades regionais colocavam problemáticas que reivindicavam políticas
especialmente concebidas para redução das desigualdades regionais. Nessa direção, foi
formulada a Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR (SENRA, 2010).
A cooperação fronteiriça apresenta aspectos mais localizados e sua concepção
finaliza a solução colaborativa de problemas comuns em coletividades que se situam em um
eixo territorial gerado pela existência da fronteira (COELHO, 1992; LAHORGUE, 1997;
OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA, 2004). Segundo
dados do Programa Integração Sul-Americana (BRASIL/MIN, 2013), a cooperação e/ou
integração com envolvimento de territórios fronteiriços que contemple os aspectos político,
econômico, social, ambiental e de infraestrutura é considerada vetor estratégico para o
governo brasileiro construir um quadro institucional de parcerias (multilateral ou bilateral)
que descortinam

perspectivas para explorar uma série de vantagens e oportunidades para os países,


não apenas na área econômica e comercial, pela harmonização regulatória e pelos
ganhos de escala, mas também pelo setor social. Por outro lado, o processo
integracionista encontra fatores limitadores e obstáculos, para cuja superação os
esforços do Governo brasileiro, em conjunto com os demais países, devem se
concentrar, por meio de formulação de estratégias e implementação de políticas
públicas. (BRASIL/MIN, 2013).
73

Ao se ter em conta que a integração entre territórios fronteiriços se insere no


processo de regionalização, mostra-se pertinente destacar que “a regionalização adquire um
caráter normativo: não se trata de reconhecer um fato (a existência da região), mas de indicar
a forma com que a região deve ser construída tendo em vista um determinado ordenamento
requisitado para o território (HAESBAERT, 2013, p. 2)”. Ao refletir sobre esses processos em
curso na América do Sul ligados a globalização, faz uma revisão do conceito de região que no
pensamento geográfico é “tratada como uma forma de organização do espaço ‘zonal’ ou em
área, uma superfície contínua com características relativamente uniformes (2013, p. 1, grifo
do autor)”, essa conceituação não tem em conta a singularidade e a particularidade que
assinalam o espaço considerado como região. Outro ponto discutido pelo autor é o equívoco
provocado pelo entendimento de que os recentes processos de regionalização têm como
produto o surgimento de uma região; conforme sua explicação, isso não procede, pois a
regionalização não é um processo no sentido de ser constitutivo, na verdade é “um método
operacional, instrumento e técnica de recorte do espaço geográfico (HAESBAERT, 2013, p.
2)”. Por conseguinte, região como termo operacional se presta a análises pragmáticas, seja de
um pesquisador, seja de um planejador.
No caso das fronteiras brasileiras, sua inserção positiva nos processos de integração
regional depende em grande parte, senão de forma total, de ações do governo central, pois os
territórios fronteiriços do Brasil, em especial da Amazônia, que estão envolvidos nesses
arranjos integracionistas na América do Sul, são tensionados de dois modos:
 Internamente, por seu baixo desempenho econômico e pelas desigualdades de rendas em
relação a outras partes do território nacional. Cabe ressalvar, que as disparidades não se
limitam a diferenças econômicas, mas também aquelas relativas ao acesso a serviços públicos,
tecnologias, infraestrutura e oportunidades de inserção no mercado de trabalho. Por exemplo,
em Oiapoque 9,8 % da população vive entre a linha da indigência e pobreza, e 24,1% abaixo
na linha de indigência, o que dá um total de 33,9% oiapoquenses pobres e indigentes
(BRASIL/PORTALODM, 2013, p. 2). 11
 Externamente, a assimetria de poder e desenvolvimento econômico entre os países. Nesse
ponto, Costa (2009) destaca a distância entre a integração europeia e a sul-americana; na
primeira – além de tratar-se de uma construção institucional que vem se desenrolando ao
longo de quase sessenta anos e em conjunturas políticas e econômicas mais favoráveis – , a

11
O cálculo é feito por meio da soma da renda de todas as pessoas do domicílio, e o total dividido pelo número
de moradores, sendo considerado abaixo da linha da pobreza os que possuem renda per capita até R$ 140,00. No
caso da indigência, este valor será inferior a R$ 70,00 (BRASIL/PORTALODM, 2013).
74

existência de economias nacionais fortalecidas patrocinou a composição de fundos estruturais


para operacionalizar os programas e projetos entre os países combatendo disparidades de toda
ordem entre as regiões sob a lógica da coesão territorial. Na fronteira do Amapá com a Guiana
Francesa, segundo dados apresentados em estudo comparativo do CEROM - Contas
Econômicas Rápidas para os Departamentos do Ultramar 12 , o produto interno bruto por
habitante é de R$ 35.199, 12 (€ 13.372), enquanto no Amapá o mesmo índice é de R$ 3.854;
o que, aliás, imprime maior pressão econômica dos brasileiros em direção à Guiana Francesa
(GRENIER, 2011).
Ainda que a Guiana Francesa não seja um país, 13 e sim um departamento de ultramar
da França, a cooperação fronteiriça franco-brasileira deve ser concebida nesse contexto
continental, mesmo que como caso particular. É preciso ter em conta que as orientações do
governo brasileiro seguem as mesmas diretrizes, inclusive porque a ligação rodoviária entre
Oiapoque – Saint-Georges significa uma ligação entre Buenos Aires e Caracas passando pelo
território francês da Guiana Francesa (LESSA, 2000), ou seja, uma interligação física que
assegurará a infraestrutura desejável aos movimentos comerciais entre as nações da América
do Sul. Várias ações de planejamento e gestão foram estruturadas pelo governo brasileiro,
tendo por foco a dinamização das regiões e a melhor distribuição das atividades produtivas
nos territórios, sendo elaborados mecanismos de planejamento, financiamento e coordenação
interinstitucionais favoráveis à convergência da ação pública para obtenção de sinergias e de
complementaridades com impacto significativo (SENRA, 2010).
O diferencial, portanto, residia no ordenamento e desenvolvimento econômico
territorial. Em termos institucionais, a PNDR ficou sob a competência da Secretaria de
Desenvolvimento Regional que deve, dentre outros objetivos, “promover, em apoio à ação do
Ministério da Integração Nacional, iniciativas no campo da cooperação internacional em
políticas regionais e de ordenamento territorial” (BRASIL/MIN, 2013). No decreto de
institucionalização da PNDR foram definidas as áreas para tratamento prioritário: o
Semiárido, as Regiões Integradas de Desenvolvimento (RIDEs) e a Faixa de Fronteira, essa
última composta pelos territórios compreendidos em até 150 km de largura, ao longo das
fronteiras terrestres (BRASIL/MIN, 2009). O Programa de Promoção do Desenvolvimento da
Faixa de Fronteira (PDFF) foi reformulado e desmembrado em dois outros programas, quais

12
Estudo em parceria com a AFD, o IEDOM e o INSEE e tem como principal objetivo a promoção da análise
econômica das coletividades Ultramarinas da República da França.
13
No contexto sul-americano, a Guiana Francesa era considerada uma lembrança constante do colonialismo
francês, condição frequentemente denunciada pelo Brasil em fóruns multilaterais regionais (LESSA, 2000;
GRANGER, 2011).
75

sejam: Desenvolvimento Regional, Territorial Sustentável e Economia Solidária e a


Integração Sul-Americana (BRASIL/MIN, 2013). Na convergência desses programas
governamentais se encontra a valorização dos territórios e populações fronteiriças.

Apesar de ser estratégica para a integração sul-americana, uma vez que faz fronteira
com dez países, de corresponder a 27% do território nacional (11 estados e 588
municípios) e reunir cerca de 10 milhões de habitantes, a Faixa de Fronteira
configura-se como uma região pouco desenvolvida economicamente, historicamente
abandonada pelo Estado, marcada pela dificuldade de acesso a bens e serviços
públicos, pela falta de coesão social, pela inobservância de cidadania e por
problemas peculiares às regiões fronteiriças. (BRASIL/MIN, 2009, p. 5).

A Política Nacional de Desenvolvimento Regional (BRASIL/MIN, 2009) faz parte


desse movimento e apresenta enunciados em favor de rupturas com a tradição anterior auto-
centrada no processo de formação do Estado nacional, em especial por que isso se fez em
detrimento das identidades e práticas regionais e locais. Não obstante, o projeto de integrar
fisicamente os territórios com objetivo de promover o desenvolvimento socioeconômico em
Oiapoque e Saint-Georges não encontra respaldo em outros estudos que se dedicaram a
analisar a questão da perspectiva local, pois nesse projeto de integração a estratégia territorial
é um componente importante para os governos centrais com finalidade de intensificar a
fluidez do território (CASTRO, PORTO, 2007; D’HAUTEFEUILLE, 2009;CASTRO,
2012;SUPERTI, 2013).
Perfila-se com o argumento da teoria do desenvolvimento apresentado por Becker
(2001) ao discutir essa nova fase da modernização na Amazônia: o transporte não é fator de
desenvolvimento; o qual está em verdade localizado nos pontos terminais dos eixos físicos de
integração (BECKER, 2006), esse argumento da autora é partilhado por Superti (2013) e
Castro (2012). Na sociedade brasileira, o caráter conservador assumido pelo processo de
modernização, em especial na Amazônia – em decorrência do qual a mudança social tem se
efetivado – , deixa em descoberto a reprodução de desigualdades sociais, econômicas e
políticas por manter intactos ou somente redefinidos em outros patamares problemas
seculares, situação que se acentua ao se tratar da realidade amazônica.
As estratégias de desenvolvimento pautadas nessa lógica foram inauguradas desde
1996 quando houve a retomada do planejamento econômico e territorial no Brasil no plano
plurianual Brasil em Ação (1996-1999). O plano plurianual Avança Brasil (2000-2003)
consolidou o postulado de organização do território em redes de infraestrutura tecidas por
meio dos eixos de integração e desenvolvimento (MARTINS, 2008). Para o governo
brasileiro, a integração com a Guiana Francesa, possibilita as exportações nacionais chegarem
76

ao Suriname, República da Guiana e Venezuela, 14 , como também alcançar o mercado do


Caribe e ter um acesso ao oceano Atlântico (BECKER, 2006) o que significará diminuir
distâncias em relação aos Estados Unidos e à Europa. De acordo com a autora, essa proposta

É extremamente seletiva, pautada numa logística complexa de áreas prioritárias,


incluindo, além das redes de circulação e comunicação, as de energia e seus pontos
de suporte, sistemas multimodais de transportes e comunicações, visando somente o
aumento da sua velocidade e eficiência. (BECKER, 2006, p. 132).

A cooperação fronteiriça dinamiza a fronteira, no entanto, em concordância com


Póvoa Neto (2007) a atribuição de anacronismo à representação das fronteiras como
sobrevivência de um momento histórico ultrapassado liga-se a crítica à rigidez de mercados,
instituições e ideias, isso se manifesta, por exemplo, na manutenção da fronteira como
dispositivo de separação ao se tratar da mobilidade e deslocamento de pessoas, a exemplo da
fronteira do México com Estados Unidos. Para o autor isso se materializa nas inúmeras
barreiras físicas erguidas em diversos lugares de fronteiras internacionais. Esses obstáculos
concretos

tornam-se especialmente visíveis em lugares nos quais terrenos são cercados,


objetos são contados e examinados, pessoas são classificadas, detidas e por vezes
mortas nas suas tentativas de travessia ilegal. As barreiras, materializações evidentes
das fronteiras, devem ser entendidas como produtos práticos dos Estados-nação, a
reforçar seus ideais de coerência interna e de distinção frente aos estrangeiros e aos
outros territórios. (PÓVOA NETO, 2007, p.6).

De tal modo, mesmo que os governos dos países sul-americanos empenhem-se em


direção à interação fronteiriça isso não ocorrerá sem o enfrentamento dos conflitos relativos à
historicidade da mobilidade e deslocamentos de população, que nesses processos
integracionistas tornou-se mais visível. A alegação pode ser constatada em notícias da mídia
nacional e em trabalhos de pesquisadores dedicados ao assunto, por exemplo: os problemas
fundiários na fronteira do Brasil com o Paraguai envolvendo os brasiguaios (RIBEIRO, 2000;
SPRANDEL, 2006; ALBUQUERQUE, 2008); o ataque aos brasileiros na cidade de Albina,
na fronteira com o Suriname (área de garimpo ilegal) que deixou quatorze feridos; 15 ou ainda
os acontecimentos envolvendo disputa de terras entre brasileiros e bolivianos na região
fronteiriça entre Rondônia e Bolívia, local de constantes controvérsias entre madeireiros e

14
Que em 30 de julho de 2012 ingressou no Mercosul.
15
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,MUL1426880-5602,00-
ATAQUE+CONTRA+BRASILEIROS+NO+SURINAME+DEIXA+FERIDOS+SETE+EM+ESTADO+GRAV
E.html>. Acesso em 08 set. 2012.
77

agricultores. 16 Em relação a isso, insere-se a argumentação de Mélo (2004) quanto aos novos
significados da fronteira Brasil-Uruguai – tendo como horizonte de reflexão o contexto da
globalização e a integração regional na América do Sul – ao demonstrar a variedade das
manifestações discursivas dos atores sociais, bem como a distância existente entre medidas
implementadas em nível macro pelos acordos do Mercosul e o cotidiano vivenciado pela
população fronteiriça. Assim se expressa o autor:

A análise das relações no espaço fronteiriço Livramento-Rivera aponta para a


existência de aspectos conflituais. Apesar de parte das manifestações discursivas
afirmarem o contrário, foi possível constatar que aspectos ligados à crise econômica,
ao desemprego e às práticas criminalizadas como o abigeato e o contrabando são a
demonstração de elementos de tensão no cotidiano da fronteira. Há outros
elementos, tais como as lutas agrárias. (MÉLO, 2004, p.135).

Esse é o ponto crítico na regionalização em curso na América do Sul: as interações


fronteiriças entre Estados estão descoladas de suas similares em escala localizada, ou seja,
aquelas que transcorrem no cotidiano das coletividades fronteiriças. A afirmação encontra
semelhanças em outras pesquisas, as quais demonstram que em termos econômicos o
processo de integração entre nações fronteiriças apresenta avanços e sucessos, o mesmo não
procedendo na dimensão dos direitos políticos e civis e nas relações socioculturais na escala
local. Sendo, portanto, um tanto precipitado falar em integração na fronteira quando se trata
de dinâmica populacional, sejam migrações internacionais, ou simplesmente o trânsito de
pessoas de um lado a outro da fronteira, esses fenômenos sempre se mostram como problema
aos governos dos países (RIBEIRO, 2000; MÉLO, 2004; PÓVOA NETO, 2007.
HAESBAERT, SANTA BÁRBARA, 2001; ALBUQUERQUE, 2010; MOREIRA, VACA,
2010). Desse ponto de vista, interesses dos Estados integram, e as aspirações dos atores locais
separam, ou seja, mesmo em contexto assinalado pelos processos de interação interestatal
mantém-se a coerção como monopólio do Estado, portanto emerge um contexto interativo
regulado (GIDDENS, 2008).
Em relação à população em movimento, as fronteiras tornam-se cada vez mais
densas, a manutenção do sentido de exclusão do estrangeiro permanece como destacado por
Póvoa Neto (2007). Das informações, depreende-se que a tentativa para promover uma
integração fronteiriça com vistas a fomentar o desenvolvimento socioeconômico de

16
Disponível em:<http://www.rondoniadinamica.com/arquivo/mpf-ro-ve-possibilidade-de-conflito-armado-entre-
brasileiros-e-bolivianos-na-fronteira,34462.shtml>. Acesso em 08 set. 2012.
78

coletividades fronteiriças deverá contemplar um arcabouço conceitual que incorpore as


experiências práticas da população local.

Vinha o pessoal de Macapá, vinha o pessoal de Brasília e passava por cima de todo
mundo aqui [Oiapoque]. Justamente, até as autoridades locais não eram ouvidas,
então vinha lá de cima e nós que moramos no município se sentíamos prejudicados
por isso, então as decisões eram tomadas por fora, Brasília e até por Macapá, no
caso pelo governo. Então nós ficávamos prejudicados aqui, porque quem mora aqui
somos nós, é nós que sabemos as problemáticas, é nós que sabemos as deficiências.
[...] E esse é um exemplo; tem os catraieiros, tem a questão dos garimpeiros, tem a
questão dos pescadores, aí nós até fizemos sátira porque é uma coisa muito... É...
Como se diz assim, como é que nós vamos saber que o peixe é brasileiro ou o peixe
é francês, aí nós até satirizamos, porque do lado da costa francesa nós vamos pintar
de azul e vermelho e do brasileiro de verde e amarelo pra poder definir, porque não
tem como nós dizer: esse peixe é da minha região. Não tem como! O peixe não é de
ninguém, o peixe tá no oceano né. Mas existem as milhas, né. Porque não tem como
você definir de quem é o peixe, o peixe tá ali, os cardumes estão soltos no oceano,
como é que você vai saber se ele é francês ou é brasileiro. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Das informações apreende-se que a configuração socioeconômica de coletividades


fronteiriças engendra a estruturação entre os indivíduos de uma contextura de solidariedades,
tratam-se de criações coletivas, em defesa de si mesmos e de sua sobrevivência tendo em
conta as conjunturas contingentes. Os atuais arranjos políticos entre Estados que contemplam
os territórios fronteiriços não suprimem, nem suprimirão – sem o estabelecimento de conflitos
– a historicidade das interações sociais transfronteiriças. Essas interações são como laços que
são feitos, desfeitos para serem refeitos novamente, não são relações duradouras, mas são
regulares e essa regularidade conduziu no caso da fronteira Oiapoque-Guiana Francesa a
constituição de uma unidade mantida pelos atores locais, que é anterior a cooperação
fronteiriça franco-brasileira, mas, que, contudo implica na transcendência da fronteira
internacional.
A ação do homem é sempre determinada por seus significados, é intencional e com
efeitos mútuos (SIMMEL, 2006); para certos grupos de atores em Oiapoque, interagir com
território da Guiana Francesa constitui um modo de viver. Não haverá cooperação fronteiriça
sem ter em conta esses aspectos, que reunidos revelam a transfronteiricidade que caracteriza e
particulariza as condições existenciais em territórios fronteiriços. Os comportamentos dos
atores, nessas circunstâncias, revelam que nesses lugares o grau de homogeneidade e
integração nacionais é mais tênue e isso está relacionado a fatores históricos, espaciais,
econômicos, sociais. A cooperação fronteiriça franco-brasileira entre Oiapoque-Guiana
Francesa rompe com tal estabilidade e isso pode ser objetivamente verificado nos confrontos
que vêm se desenrolando desde o início de 2000 relativos ao trânsito de brasileiros no rio
79

Oiapoque, que não se pode esquecer: no eixo territorial Oiapoque-Guiana Francesa é a


fronteira física. Deste modo, não se observa que a cooperação fronteiriça franco-brasileira
tenha avançado em sua institucionalização, mesmo com o empenho dos atores envolvidos, em
especial do estado do Amapá e da Guiana Francesa.

Eu vejo uma situação aqui que é fato, a gente sempre pensou assim: a gente faz
reunião aqui em Saint-Georges, em Caiena, faz aqui, o prefeito, hoje o prefeito [...]
tem uma boa relação com os políticos lá de Saint-Georges, com a prefeita aqui de
Saint-Georges, mas é aquilo que nós sempre discute: [i.e. que sempre discutimos]
entre Saint-Georges – Macapá, Amapá e Guiana; mas a ordem que eles [da Guiana
Francesa e de Saint-Georges] e que nós recebemos aqui vem de cima, vem da França
pra lá e de Brasília pra cá. Olha, por exemplo, foi feito aqui em dois mil e onze um
acordo de que o brasileiro poderia adentrar em Saint-Georges, fazer compras etc. e
tal, acertado entre os políticos! Veio a ordem de Brasília, mandaram a Gendarmerie,
com ordem de expulsar, então não adiantou de nada aquela discussão, inclusive a
prefeita retornou aqui em Oiapoque, na gestão do outro prefeito, pra rever essa
situação, porque tinha sido feito um acordo, não foi cumprido o acordo porque foi
feito um acordo só local, esse acordo teria que ter sido feito somente entre Brasília e
Paris e ter resultado! Foi feito entre Saint-Georges e Macapá, Guiana e Macapá, mas
o acordo não foi pra frente porque dias depois trocou aqui a chefia da polícia federal
nossa aqui, lá. Trocou e já deram logo a ordem, expulsar tudo, então sempre teve
esse problema. Existe boa vontade dos políticos de Saint-Georges e Guiana, porque
eles entendem que é importante a relação, assim como há essa boa vontade dos
políticos de Oiapoque com Macapá, só que é um acordo local, não vem de cima para
baixo e vem de baixo para cima. (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO
EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Dos projetos estruturantes inseridos na agenda, desde 1997, tais como a construção
da hidrelétrica no salto Cafezoca ou o desenvolvimento do turismo para geração de emprego e
renda, ainda hoje se encontram como expectativas. Nem mesmo o asfaltamento da BR-156
está concluído, falta um trecho de aproximadamente 160 km, e como dito anteriormente a
ponte Binacional não foi inaugurada. Argumenta-se que além da questão de não haver um
fundo que disponibilize os recursos necessários ao desenvolvimento dos projetos, outra
questão funciona como força restritiva à institucionalização da cooperação: a mobilidade e o
deslocamento de brasileiros para a Guiana Francesa.
As interações transfronteiriças podem valorizar as diferenciações entre atores
territoriais, mas também podem engendrar tensões e conflitos. A cooperação fronteiriça
franco-brasileira deveria conduzir a criação de espaços mais favoráveis ao atendimento das
carências das populações que vivem nesses espaços. Muito se fala da globalização que
derruba fronteiras, mas é necessário reconhecer que ela também levanta outras, há um mundo
globalizado que se abre aos fluxos de capitais, mercadorias, informações; mas há igualmente
um mundo globalizado que se fecha ao movimento de pessoas (SHAMIR, 2005). Portanto, a
partir das informações apresentadas se tem o entendimento de que valorização da fronteira do
80

Oiapoque com a Guiana Francesa representa não somente a desfuncionalização das fronteiras
quanto aos seus usos no território nacional, como também tem implicações nas coletividades
situadas nesses lugares, dessa dialética emerge a fronteira entre o global e o local, expondo
uma revalorização do território, e nesse processo os atores locais não podem estar ausentes,
pois são eles em suas vivências cotidianas que de fato “abrem” e “fecham” as fronteiras.
O reordenamento do território, em sincronia com o diagnóstico de condições
territoriais específicas, acaba se constituindo em um dos procedimentos para o fortalecimento
da cooperação fronteiriça franco-brasileira. Tal proposição poderá não resistir às controvérsias
surgidas em torno das questões relativas à mobilidade e ao deslocamento de brasileiros na e
através da fronteira. Particularmente, esse talvez seja o maior desafio aos governos do Brasil e
da França no que tange a fronteira Oiapoque-Guiana Francesa, pois a solução dessas questões
requer não somente um quadro político-administrativo-institucional, mas a superação de
critérios ideológicos, étnico-raciais, moralistas. No capítulo a seguir se desenvolve a reflexão
sobre as propriedades que caracterizam as interações transfronteiriças Oiapoque-Guiana
Francesa, as quais implicam na transcendência da fronteira internacional. Para alcançar esse
objetivo se procederá a uma descrição de como se desenrolam os fenômenos de mobilidade e
deslocamentos na e através da fronteira Oiapoque, pois se atribui a esses fatos o acontecer das
interações.
3 MOBILIDADE E DESLOCAMENTO NO TERRITÓRIO OIAPOQUE-GUIANA
FRANCESA

3.1 Considerações iniciais

No capítulo anterior buscou-se chamar atenção para a ressignificação no papel


atribuído à fronteira entre o Amapá e a Guiana Francesa no âmbito das relações diplomáticas
França-Brasil. Reconstituir esse processo diplomático serviu para demarcar seus movimentos
em termos de rupturas e continuidades da perspectiva dos países. A abordagem levou em
conta a dimensão temporal como recurso analítico para revelar as condições em que surge a
cooperação fronteiriça franco-brasileira e a determinação de suas possibilidades em termos de
colaboração recíproca para a produção de um contexto territorial interativo. O Acordo Quadro
que, entre outras modalidades, institucionalizou a cooperação fronteiriça franco-brasileira
assinalou a valorização da contiguidade territorial entre Amapá e Guiana Francesa como
estratégica na edificação de relações em escala sul-americana tendo em conta o ambiente de
crescente competição internacional. Cumpre ressalvar, que a despeito da coesão territorial
proposta se mantém a configuração formal dos territórios sob o efeito da fronteira
internacional conforme o regime de controle definido pelas respectivas autoridades públicas.
A cidade de Oiapoque forma um aglomerado populacional com a vila de Saint-
Georges e apresenta uma sociodinâmica caracterizada pelas interações sociais com a Guiana
Francesa e isso se corrobora com a observação do intenso movimento de pessoas entre as duas
margens do rio, de modo que o ato de atravessar a fronteira faz parte do cotidiano de seus
moradores. Nesse ponto, destaca-se que o rio Oiapoque é um eixo de integração entre
Oiapoque e Guiana Francesa, mas também ele é a principal via de acesso às comunidades que
estão localizadas em suas margens. Dessa perspectiva, entende-se que o transporte fluvial
permite o desenvolvimento social e econômico de centenas de pessoas que dele dependem
para subsistir em um ambiente ainda preponderantemente dominado pela natureza.Assim
sendo, o presente capítulo intenciona compreender os conteúdos que impulsionam as
interações sociais na e através da fronteira de Oiapoque, e para tanto se realizará uma
descrição de como se sucedem a mobilidade e deslocamento no rio Oiapoque, pois são esses
fenômenos que colocam os agentes em interação. Cumpre ressalvar, que essas experiências de
vida cotidiana engendram controvérsias e confrontos envolvendo agentes institucionais
franceses e brasileiros itinerantes e/ou migrantes que desqualificam a fronteira como elemento
político, considerando que mais importante que uma divisão imaginária é o direito de ir e vir.
82

Para alcançar a reflexão proposta organizou-se o texto em três partes: a primeira realiza uma
descrição de como se desenvolve a viagem pelos circuitos no rio Oiapoque, apresentando em
especial o itinerário até as comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil; em seguida são
apresentados os atores em seus movimentos além e através da fronteira; por último aborda-se
a emergência das limitações e restrições como esforços oficiais para regular a mobilidade e
deslocamentos na fronteira de Oiapoque com a Guiana Francesa, as quais se contrapõem às
ações dos participantes nessas práticas.

3.2 Oiapoque: fronteira, cidade, rio

Desde as primeiras expedições colonizadoras ao iniciar do século XX o vale do rio


Oiapoque contava com uma população composta de indígenas, brasileiros, franceses e outros
estrangeiros em menor número. A diversidade de etnias e nacionalidades nessa população é
demonstrativa de que o espaço onde se encontra a bacia do rio Oiapoque foi sendo assimilado
à medida que os indivíduos moviam-se no espaço, disso decorreu que os territórios que foram
surgindo não possuíam contornos exatamente delimitados, mesmo depois do Laudo Suíço que
colocou um fim na litigância entre Brasil e França. Esse contexto de instabilidade engendrou
medidas administrativas do governo brasileiro para criação de duas circunscrições: Amapá e
Calçoene, pois na primeira constavam hegemonicamente os brasileiros, enquanto na segunda
predominavam crioulos, franceses e ingleses. A preocupação governamental era salvaguardar
o rio Oiapoque, fronteira física do Brasil com a Guiana Francesa, já que reconheciam às
autoridades brasileiras a preponderância francesa na região, inclusive com práticas comerciais
e de extração de minério de ouro. Chegavam ao governo do Pará (à época as terras do Amapá
eram incorporadas ao estado Pará) e da União, informações sobre o ouro extraído pelos
franceses na região, “com algarismos estonteantes, de 25 a 30 milhões de francos (ALICINO,
1971, p. 73)”.
A origem da cidade de Oiapoque vincula-se a existência do povoado Martinica, para
onde afluíam indivíduos em busca de alguma diversão. Em 1926, durante uma visita ao
lugarejo, o general Cândido Rondon questionou o tom francês do nome Martinica e mudou-
lhe para Vila do Espírito Santo e com um novo surto aurífero entre 1932 e 1935 a população
começou a crescer (ALICINO, 1971). A criação oficial do município de Oiapoque aconteceu
em 1945 quando de seu desmembramento do município do Amapá pelo Decreto nº 7.578 e
sua cidade-sede recebeu novo nome, desta feita Oiapoque. Esse evento ganha inteligibilidade
quando referido a política de divisão administrativa baseada na criação de municípios
83

implantada pelo governo do Brasil entre 1940 a 1991 a qual foi acompanhada por fluxos
migratórios, voluntários ou incentivados (VICENTINI, 2004).
Atualmente a cidade de Oiapoque ainda apresenta traços herdeiros desse processo em
sua dinâmica socioeconômica, que é caracterizada pelo predomínio das atividades comerciais
ligadas ao movimento migratório e à garimpagem de ouro, os quais são extensivos à Guiana
Francesa. Na cidade existem três níveis administrativos: as instituições do governo federal,
ligadas às atividades de vigilância e fiscalização, por tratar-se de área de fronteira (Polícia
Rodoviária Federal, Polícia Federal, Receita Federal, ANVISA, FUNASA, Instituto Chico
Mendes, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis); o governo estadual
atende às áreas de policiamento e defesa social (policias civil e militar, bombeiros), educação
e saúde; o governo municipal com funções mais voltadas para a administração da cidade
ainda que precariamente, tais como energia, transporte, limpeza pública, saneamento, mas que
também presta serviços de menor escala nas áreas de educação e saúde.
Em virtude da importância que o rio Oiapoque tem para seus moradores, nota-se uma
continuidade entre a cidade e o rio, isso revela as interpenetrações com as quais foi tecida a
vida social nesse território fronteiriço; assim como em outros territórios ribeirinhos na
Amazônia parece desaparecer a distinção entre paisagem física e paisagem cultural. 17
Também cumpre destacar que no município de Oiapoque existem áreas de proteção ambiental
(Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Parque Nacional do Cabo Orange, ambas de
proteção integral) e terras indígenas já demarcadas, bem como assentamentos agrícolas ao
longo da BR-156.
A priori, uma visão unitária entre cidade e rio na Amazônia não seria exatamente
uma novidade, se não fosse o fato de ser o rio Oiapoque uma fronteira internacional, que
separa e aproxima o Brasil e a França: divide, sendo limite natural entre soberanias
territoriais; mas também aproxima por conta da contiguidade que gera entre as coletividades

17
Distinção estabelecida, em especial entre os idealistas e românticos na Alemanha que nos oitocentos forçaram
um distanciamento entre Natur (mundo da natureza) e Kultur (mundo humano). O conceito de homem é um
construto do século XVIII, contudo ele só passa a ser enfocado pelas ciências no século XIX. A consideração do
homem como objeto cognoscível ocorreu, de um lado pela crescente credibilidade do conhecimento científico e
de outro pela emergência de uma série de problemas resultantes da modernização do capitalismo, dos cenários de
modernidade que se constituíram em várias cidades da Europa e das Américas e pela expansão europeia no
mundo. Esse processo acabou por engendrar um grande desenvolvimento nas ciências sociais. Portanto, o século
XIX foi por excelência um período caracterizado pelo evolucionismo de Spencer, tese surgida nas chamadas
ciências naturais que passou a influenciar as jovens ciências da sociedade. A manifestação dessa influência
cristalizou-se na ordenação das sociedades humanas num gradiente, cujo substrato residia no argumento de que
natureza e cultura são campos absolutamente apartados, na medida em que a primeira é o domínio do
determinismo, que retira ao homem seu mais precioso apanágio: da livre escolha; enquanto a segunda é o
domínio da liberdade, das escolhas racionais (SILVA, 1997).
84

localizadas em suas margens. Isso, portanto, representa que o deslocamento e a mobilidade de


pessoas identificados no curso do rio têm um significado transgressor, pois se trata de um
transitar de pessoas entre duas nações. A constatação conduz à reflexão de Braga (2011) sobre
as migrações em zonas de fronteiras, para esse autor esses espaços “reúnem territorialidades
nas quais os fluxos populacionais, trocas econômicas, interações e mediações culturais se dão
no contato entre dois ou mais países, criando uma forma social peculiar, marcada pela
interação entre culturas (2011, p. 52)” que propiciam a formação de redes transfronteiriças
que garantem a manutenção do movimento de pessoas entre os territórios.
Argumenta-se que o território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa apresenta
aspectos que operam sobre as interações sociais que se efetivam com o deslocamento e
mobilidade de pessoas no e através do rio-fronteira Oiapoque. Compete salientar, que, a
despeito da impressão de harmonia que a expressão interação transmite, toda forma de
interação social carrega em estado de latência a tensão e o conflito, podendo esses
sentimentos se desenvolver ou não (SIMMEL, 2006; ELIAS, 2006). Uma reflexão sobre
mobilidade e deslocamento nesse território favorece entender como tais fatos condicionam ou
são condicionados pelas diferentes interações sociais que transcendem a fronteira entre
Oiapoque e Guiana Francesa. Se para o conhecimento histórico a inteligibilidade sobre a
movimentação ou a estabilidade da população liga-se à formatação do espaço; para a
sociologia é indispensável compreender quais conteúdos, quais “energias reais” podem se
revelar com o exame dos territórios por onde transitam itinerantes e/ou migrantes, ou ainda
fixam-se residentes; essas ações no espaço têm a revelar as formas de interações sociais e suas
constelações sociológicas (SIMMEL, 2013). Ao deslocarem-se pelo rio, os agentes
constituem circuitos de mobilidade, desse processo resulta o contorno que assume o território
para esses atores e nesse formato territorial a fronteira se vincula a subjetividades inclusivas
que são distintas das qualidades que lhe são atribuídas pelos Estados.
A inclusão referida é identificada no itinerário da viagem a Ilha Bela e Vila Brasil,
no qual há a incorporação dos elementos naturais presentes no rio, fala-se dos canais,
conforme eles sejam adequados aos interesses dos agentes, pois o tamanho da embarcação,
sua capacidade de tonelagem, o motor que lhe movimenta fazem com que alguns trechos
somente possam ser ultrapassados em locais específicos, que comportem tais características.
Contudo, a localização desses pontos pode ser do lado brasileiro ou do lado francês da
fronteira. Desse modo, os agentes em seus deslocamentos pelo rio em algum momento do
percurso realizam o ato de transcender a fronteira; de maneira temporária ou permanente a
depender do tipo de impulso, desejo ou propósito que motiva os agentes ao deslocamento; ou
85

da contenção e/ou interdição a que possam ser submetidos nesse movimento. O nó górdio da
questão está em dois trechos onde somente há um lugar com profundidade suficiente para
comportar a travessia da embarcação, trata-se das cachoeiras Grand Roche e Caxiri (essa
última somente assume essa peculiaridade no período de verão); sendo que a primeira está em
território francês e a segunda em solo brasileiro. Além do circuito referido Oiapoque-Ilha
Bela-Vila Brasil, existem mais dois que merecem destaque: um que leva a Saint-Georges,
podendo se estender até Caiena; e aquele que conduz aos garimpos clandestinos na Guiana
Francesa, cabe chamar atenção que esse último inicia-se em Ilha Bela, comunidade que está
localizada bem próxima da entrada do rio Sikini, o qual dá acesso às áreas dos garimpos
clandestinos. No mapa abaixo (Figura 5) é possível visualizar a situação de vizinhança entre
as coletividades fronteiriças, como também o papel integrador que rio Oiapoque desempenha
nesse contexto, como a comunidade de Ilha Bela não foi ainda registrada pela cartografia não
foi possível inserir sua localização, no entanto numa métrica temporal ela fica situada a três
horas e meia de Oiapoque e a duas horas de Vila Brasil.

Figura 5 – Mapa de localização da cidade de Oiapoque e das vilas de Saint-Georges, Camopi


e Vila Brasil

Disponível em: de http://www.ap.gov.br/amapa/site/paginas/sobre/municipios.jsp.


Acesso em: 07 de out de 2013. Edição: Carmentilla Martins.
86

Argumenta-se que a proximidade gera uma situação de vizinhança, na qual se


desenvolve uma convivência e um compartilhamento das propriedades que o rio Oiapoque
oferece. Essa vizinhança produz a condição de transfronteiricidade, aqui entendida como
modo de viver a impulsionar os atores na efetivação de práticas socioeconômicas
transcendentais à fronteira. Não se trata, portanto, de refletir sobre um recorte particular do
espaço em si e por si, mas procurar suas características fundamentais, as quais preenchem
uma das configurações da coletividade que nele se constituiu, pois “Nos diversos modos da
interação dos indivíduos, a sociação gerou outras possibilidades de se estar junto – no sentido
espiritual. Contudo, algumas dessas possibilidades de se estar junto se realizam de um modo
tal que a forma espacial na qual isso ocorre, como em geral em todos os casos, justifica uma
ênfase especial, para nossos fins epistêmicos (SIMMEL, 2013, p. 76)”. A produção da vida
social se revela no viver, sentir e agir de indivíduos condicionados pela armadura da fronteira
internacional que os distancia; mas que, ao mesmo tempo, se afrouxa e se modifica nas
interações sociais transfronteiriças.

3.2.1 A tipificação da mobilidade e deslocamentos além e através da fronteira

A priori se poderia optar pelos advérbios de circularidade e/ou pendularidade no


esforço de realizar a classificação da mobilidade e deslocamento observados em Oiapoque,
contudo considera-se que esses termos não contemplariam sua complexidade. Em linhas
gerais, a circularidade e a pendularidade se definem pelo tempo de afastamento do indivíduo
de sua residência: sendo circular quando o afastamento dura trinta dias; pendular quando
ocorre diariamente (OLIVEIRA, 2011). Porém, argumenta-se que no caso de Oiapoque, não é
exatamente isso que acontece:
 não há circularidade em virtude dos migrantes que vêm de outros estados brasileiros
(principalmente do Pará e do Maranhão) ficarem em situação de espera em Oiapoque
aguardando a conveniência de seguir para a Guiana Francesa (em especial para trabalhar
nos garimpos), de modo que para tipificar essa mobilidade como circular haveria de se
estabelecer um período de permanência que qualificasse a cidade como domicílio-base
antes de iniciar-se o deslocamento para a Guiana Francesa(Ref. Diário de Campo,
Oiapoque, 2007; 2013);
 por outro lado, também é muito limitado considerar pendular a mobilidade no rio
Oiapoque ao se ter em conta que implica em períodos maiores ou menores que um dia e
envolve práticas dos atores referentes a percursos entre o domicílio e o lugar de trabalho,
87

mas também outros trajetos relativos às condições de acesso a saúde, a educação, a lazer e
outros bens e serviços dentre muitos aspectos da vida cotidiana. Em síntese, os percursos
podem desenrolar-se em distintos tempos, por exemplo, a travessia para Saint-Georges
dura em média vinte minutos, mas não é possível chegar a Vila Brasil em menos de cinco
horas, de maneira que os afastamentos em relação a Oiapoque podem durar alguns
minutos, horas, dias, ou um mês (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007, 2013).
Mas os deslocamentos para Guiana Francesa podem implicar em mudança de
domicílio por um tempo mais prolongado ou mesmo permanente, trata-se de brasileiros
documentados que residem na Guiana Francesa. Esses migrantes são em sua grande maioria
pedreiros, carpinteiros, mestres de obras, armadores, pintores, faxineiras, babás, lavadeiras,
cozinheiras e têm como destino final de sua prática migratória a cidade de Caiena, onde já
contam com alguma rede de solidariedade (parentes e/ou amigos) que lhe presta assistência
até um estabelecimento definitivo (Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011). Outros, migrantes
sem documentos, chegam a permanecer um tempo prolongado na Guiana Francesa, mas em
função das frequentes fiscalizações seu retorno pode acontecer a qualquer momento (Ref.
Diário de Campo, Caiena, 2011). Nesse grupo se encontram os garimpeiros, que se alojam em
acampamentos nos garimpos clandestinos, sua residência se caracteriza pelo improviso e
imprevisto, pois a vida de um garimpeiro é relativamente nômade, em virtude das seguintes
possibilidades: 1) haver o esgotamento da jazida, o que motiva os garimpeiros a deslocarem-
se em busca de outras; 2) a ocorrência de uma milícia se apropriar da jazida e os garimpeiros
que não se ajustam a essa situação são expulsos, ou às vezes mortos; 3) ao intenso combate
dos agentes institucionais franceses na desarticulação e destruição dos acampamentos e
garimpos ilegais (E19/GARIMPEIRO LEGALIZADO, 2013).
Assim sendo, homens, rios e ouro continuam a compor uma tríade da qual nascem as
interações transfronteiriças, assinaladas por consensos e conflitos na fronteira Oiapoque-
Guiana Francesa: atores em movimento pelo rio atrás do ouro; agentes que buscam restringir
ou cercear essa movimentação para resguardar o ouro; atores que dependem do ouro e do rio
para garantir sua existência; a esses trocadilhos com as formulações de Marin (1999) se deve
acrescentar: atores em movimento em busca do euro, fala-se da migração de brasileiros para
Caiena. Para a perspectiva sociológica, os conteúdos que modelam o espaço advêm de
motivações subjetivas e desse horizonte teórico se compreende que na diversidade dos
formatos dos territórios se desvelam as funções que lhe foram atribuídas historicamente pelos
indivíduos, em outros termos, o homem ao viver a espacialidade associa estímulos sensoriais
heterogêneos e dispersos compondo um construto com o qual subjuga esse mesmo espaço
88

(SIMMEL, 2013). O pressuposto orientou a interpretação do processo de assimilação das


propriedades do espaço físico que teve como produto o território fronteiriço Oiapoque-Guiana
Francesa, o qual não se caracteriza pela exclusão recíproca entre os agentes, ao contrário, seu
mais importante predicado é a inclusão propiciada pelas interações sociais que se efetivam
com a mobilidade e o deslocamento de pessoas que transcendem a fronteira.
De qualquer modo, a despeito da direção da mobilidade e do deslocamento e dos
conteúdos que motivam os atores; em Oiapoque sempre tem gente chegando, esperando,
partindo; esses fenômenos denotam a historicidade da dinâmica populacional de Oiapoque
com sentido à Guiana Francesa. Assim se estrutura a tônica e o vigor do fluxo de vida social
em Oiapoque, que nos últimos dezoito anos vêm sendo confrontados por mudanças, dentre as
quais o novo formato que o território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa assume após a
celebração do Acordo Quadro de Cooperação Brasil-França, que é entendido como um
dispositivo de política internacional que tem entre outras competências a de regulamentar as
interações transfronteiriças, seja entre governos, seja entre atores locais.

3.3 Atores em movimento: comerciantes, catraieiros, carregadores e moradores de Ilha Bela e


Vila Brasil

Conforme refletido em parágrafos anteriores, a dinâmica social de Oiapoque se


assinala pela intensa mobilidade de pessoas: os verbos chegar, esperar, partir expressam a
transitividade presente no cotidiano dessa coletividade. O perfil dessa mobilidade é variável
tanto quanto são variáveis os objetivos dos indivíduos em trânsito. São pessoas em viagem
para Saint-Georges, Caiena, Camopi, Vila Vitória, Vila Velha, Ilha Bela, Vila Brasil e/ou para
os garimpos clandestinos espalhados pela Guiana Francesa. Comerciantes, catraieiros,
carregadores e moradores nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil são os atores que mais
dependem do sistema de transporte fluvial no rio Oiapoque. A economia da cidade se
estrutura em função das interações que mantêm com o território vizinho; em particular com a
atividade de garimpeiros brasileiros que agem ilegalmente na extração de ouro 18 na Guiana
Francesa.
A logística do sistema de transporte fluvial começa na cidade de Oiapoque e se
estende pelos lugares indicados no parágrafo anterior. São comerciantes que vendem as

18
Informação fornecida por morador de Ilha Bela referente aos garimpos na Guiana Francesa, quais sejam: Sikini
(fechado), Capinzal (fechado), Quatá (fechado), Ocreia (fechado), Ipo 100, Rhataia, Tosti, Gabarri, D21, Sofia,
Dorlin, Piti-Sul (todos em atividade). Ilha Bela-Oiapoque/AP, em 18 de julho de 2013.
89

mercadorias (principalmente alimentos, bebidas, combustível, máquinas e equipamentos,


cigarros, artigos de higiene.); os catraieiros 19 que realizam o transporte através do rio
Oiapoque, são carregadores fazem embarque, desembarque e transbordo na cachoeira Grand
Roche. Assim sendo, é importante bem identificar esses agentes em deslocamento e situar
essa mobilidade no circuito mais polêmico que é Oiapoque-Ilha Bela-Vila Brasil.
Catraieiro é a denominação dada na cidade de Oiapoque para os profissionais que
conduzem as pequenas embarcações motorizadas rio abaixo, rio acima. Existem em Oiapoque
três organizações que cuidam dos interesses desses profissionais, a Cooperativa de Transporte
Fluvial e Terrestre de Oiapoque (COMFCOI), a Associação de Pilotos Fluviais de Vila
Vitória e a Associação de Canoeiros e Cantineiros do Alto do Rio Oiapoque. A
profissionalização do catraieiro ocorre empiricamente, ou seja, para se tornar um catraieiro o
aspirante deve iniciar seu aprendizado bem jovem, acompanhando catraieiros em suas
viagens. Os pilotos em atividade ensinam aos mais jovens os caminhos líquidos do rio
Oiapoque, o que significa ensinar a localização dos canais de passagem, sendo, desse modo,
um saber da experiência, transmitido por treinamento.
Na cidade de Oiapoque os catraieiros compõem um grupo respeitado, pois são eles
que asseguram o funcionamento de todo o sistema de transporte fluvial. Existem homens e
mulheres no exercício da profissão, mas há predominância masculina; o rendimento médio
mensal é em torno de R$ 5 mil podendo chegar a R$ 7 mil. Esse foi o grupo mais afetado
pelas medidas institucionais francesas de controle ao trânsito pelo rio Oiapoque; de apreensão
de catraias e queima de motores; bem como pelos embargos ao desembarque de brasileiros
em Saint-Georges. Além disso, com a perspectiva de inauguração da ponte Binacional, o
grupo sente-se ameaçado e por conta disso iniciaram uma mobilização em busca de
compensações, na medida em que entendem estar sua atividade passiva de desaparecer. Essa
situação suscitou uma polêmica em torno da inauguração da ponte; primeiro muitos grupos
afirmam que a ponte somente vai servir para os franceses; segundo, quando a ponte inaugurar
vai deixar mais de duas centenas de catraieiros sem trabalho e renda. O grupo de catraieiros é
bastante convicto da importância que tem em Oiapoque e isso é compartilhado por outros
grupos, como os comerciantes e agentes institucionais da prefeitura da cidade, que se

19
Cabe ressalvar que catraieiros e canoeiros executam a mesma tarefa que é pilotar as embarcações que fazem o
transporte de passageiros de Oiapoque a Saint-Georges e a outras comunidades ribeirinhas. A denominação
diferenciada refere-se ao tamanho das embarcações, menores catraias, maiores canoas. Nesse sentido, como a
intenção é colocar em evidência os profissionais e para evitar muitas designações que pudessem provocar
confusões adotou-se a denominação genérica de catraieiro.
90

associam em defesa deles. Isso pode ser verificado nos trechos retirados das entrevistas de um
catraieiro e dois assessores do executivo municipal.

Em relação à ponte [...]. Essa situação nossa, nós catraieiros, nós entramos na justiça
contra a união, é direito nosso procurar o direito nosso mesmo, nós catraieiro, nós
temos investido no rio mais de R$ 3 milhões, mais de R$ 3 milhões investidos. Em
motor, canoas e acessórios, temos investido mais de R$ 3 milhões. Nós temos um
consumo de combustível, mais de R$ 5 milhões por ano, mais de R$ 5 milhões por
ano. Entendeu? Nós contribuímos com todos os encargos sociais exigidos pelo
cooperativismo, pelo município, pelo Estado, pelo governo federal. A nossa
cooperativa, as cooperativas e a associação cumprem com os seus deveres, porque
pra gente cobrar, a gente tem que tá com a nossa sustentabilidade interna pra cobrar,
é o que nós fizemos, nós temos que tá todo tempo em dias, pra gente poder cobrar,
essa é a situação. Então, nós contribuímos com o município, contribuímos com o
Estado e contribuímos com a união e além de tudo: o desenvolvimento econômico
do nosso município, da nossa fronteira Oiapoque, mas de 40% do desenvolvimento
econômico é transportado pela classe catraieira, hoje nós catraieiros, nós somos a
ponte do desenvolvimento econômico, mais de 40%. Nós somos a ponte do
desenvolvimento econômico pra nossa fronteira Oiapoque-Brasil, que aqui começa o
Brasil. Então eu acho que o Brasil tem que ver... A nossa fronteira Oiapoque tem
que ser vista de uma melhor forma, hoje nós catraieiros, nós somos a ponte humana,
amanhã é uma ponte de concreto. Entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013).

Desde que nós começamos realmente a debater essas questões da costa, do pessoal
do garimpo, então já caminhou. Tanto é que a respeito dos catraieiros, que eles
queriam tirar todos, não pode tirar! Vai pagar como essas pessoas? Se é o meio de
vida delas. Então o que foi criado... Foi criado dois portos lá [em Saint-Georges],
então houve um avanço, né? Querendo ou não, nesse pouco espaço de tempo nós
conseguimos alguma coisa. Porque é aquele impasse, o lado brasileiro quer uma
coisa, o lado francês quer outra, só que nós também temos que nos impor, é por isso
que existe o Conselho [do Rio], porque antes era tomado tudo por fora, ninguém
sabia de nada, passavam por cima de todo mundo. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Nós temos a associação dos catraieiros, que os catraieiros movimentam o comércio


aqui, levando e trazendo turistas, tanto brasileiros pra lá, quanto francês pra cá.
Porque com a ponte inaugurada, funcionando, se pensa o que vai fazer com os
catraieiros. Então os catraieiros precisam tá envolvidos nisso pra essa discussão.
(E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Os comerciantes compõem o outro grupo que tem significativa participação nas


mobilizações locais contra as restrições francesas ao tráfego no rio e a interdição à entrada de
brasileiros em Saint-Georges. O comércio de Oiapoque está organizado nos seguintes setores:
bares e restaurantes; hospedagem; alimentos e bebidas; vestuário e calçados; medicamentos;
suplementos para informática; máquinas e equipamentos para exploração de minérios,
transporte fluvial e terrestre; combustíveis e lubrificantes. Esses comerciantes são filiados à
Associação Comercial de Oiapoque (ACOI), organização que está engajada nos diálogos
estabelecidos localmente com representantes de Saint-Georges na busca por encontrar
91

soluções para as situações de conflitos estabelecidas entre as duas coletividades que provocam
prejuízos mútuos. Para os comerciantes, qualquer interferência na circulação das catraias no
rio Oiapoque tem impactos sobre o comércio da cidade e, nesse sentido, a parceria com os
catraieiros é estratégica.
Os comerciantes são enfáticos quando o assunto é a garimpagem ilegal de ouro na
Guiana Francesa: “nós não temos problema de garimpo no Brasil (E3/COMERCIANTE
SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013)”; atente-se que ele afirma não haver problemas
de garimpo no Brasil, o que é uma estratégia discursiva para expressar que aqui a garimpagem
de ouro não é ilegal; sendo, portanto, dessa perspectiva um problema da França e não do
Brasil a existência de garimpos na Guiana Francesa. Inclusive no município de Calçoene,
vizinho a Oiapoque existe um garimpo com mais de cem anos de atividade, fala-se do
garimpo do Lourenço. Nessa direção, esses atores se posicionam contra o acordo de combate
à garimpagem de ouro celebrado entre Brasil e França em 2008, alegando que esse acordo
determina a proibição dessa prática numa área de 150 km de cada lado da fronteira, o que irá
afetar os negócios ligados aos garimpos brasileiros e, por conseguinte, aos seus próprios
negócios. O que defendem é que a cooperação fronteiriça franco-brasileira ao invés de proibir
deve encontrar meios para equacionar diferentes interesses relativos à garimpagem.

Eu acho que eles [franceses] deveriam legalizar o garimpo deles com uma empresa
francesa e que eles poderiam usar a nossa mão de obra. Legalizando o garimpeiro
brasileiro, que entre documentado, que ele possa trabalhar, vim livremente visitar
suas famílias e voltar. Eu acho que isso é uma alternativa [...]. O ouro ficaria lá [e]
com certeza, eles [franceses] teriam perdas bem menores, porque são empresas
francesas no caso, ou se fosse brasileira, mas eles vão colocar as regras deles, que o
ouro seria vendido lá e aí teria a preservação do meio ambiente. Que esta é a questão
da coisa, eles reivindicam muito a questão do mercúrio que o garimpeiro usa, que
coloca na água, que vai pros rios e traz dano pro meio ambiente, então isso é uma
das coisas, que eu acho, que seja legalizado, o garimpo deles, com empresas
legalizadas seria uma alternativa. [...] Oiapoque surpreende a gente. Devido ser uma
cidade de tráfego, de repente você vende bem um dia, é o pessoal do outro lado:
chega garimpeiro, chega os pessoal agricultores da BR [assentamentos agrícolas na
rodovia BR-156], os indígena chega com os barco cheio de farinha, aí eles vendem a
farinha e já tão no comércio, nos mercantis comprando seus produtos. Então,o
Oiapoque, o tempo que eu tenho aqui, ele surpreende a gente, é movimentado, acho
que devido ser uma fronteira. (E3/COMERCIANTE SETOR DA CONSTRUÇÃO
CIVIL, 2013).

Os carregadores formam o terceiro grupo afetado pelo controle à mobilidade e ao


deslocamento pelo rio Oiapoque, esses trabalhadores têm origem de diversos estados, mais
predominantemente do Pará e do Maranhão. São pessoas que possuem pouca escolaridade e
não têm uma profissão especializada, tal como pedreiro, carpinteiro, marceneiro, as quais
poderiam assegurar uma renda mensal acima do valor do salário mínimo. Grande parte deles
92

era garimpeiro antes de ser carregador, e, conforme seus depoimentos, devido às dificuldades
de viver e trabalhar em um garimpo, em especial o clandestino, decidiram largar a
garimpagem e acabaram se fixando na cidade de Oiapoque, muitos por conta de ter
estabelecido um relacionamento conjugal. A escolha de tornar-se carregador deveu-se a ser
um ofício que não exige “nem profissão, nem estudo” como eles falam, mas garante um
ganho mensal próximo a R$ 4 mil. O grupo está organizado na Associação dos Carregadores
Autônomos de Oiapoque (ASCAO), o lema dessa associação é interessante: “O vigor dos
braços e a sabedoria transportando o progresso”. São esses trabalhadores que fazem o
embarque e desembarque nos portos de Oiapoque e Saint-Georges, como também cuidam do
transbordo das mercadorias na Grand Roche, onde atravessam a carga de um lado para o outro
da grande pedra. Na hierarquia dos grupos, observou-se que os carregadores ocupam a
posição mais inferior, e talvez em virtude disso negaram-se em gravar suas entrevistas. Entre
eles existem controvérsias envolvendo o número de viagens realizadas por dia, pois seus
maiores rendimentos estão no itinerário para Ilha Bela e Vila Brasil, mas especialmente no
momento do transbordo na Grand Roche, onde ganham entre R$ 10 e R$ 20 por volume
carregado, de tal modo, eles afirmam que alguns carregadores querem realizar mais viagens, o
que acaba por deixar alguns carregadores sem atividade e sem rendimento. As figuras de 6 a 9
apresentam o cotidiano de trabalho desses carregadores.

Figura 6 – Carregamento das catraias no porto de Oiapoque

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.


93

Figura 7 – Chegada da catraia na Grand Roche e desembarque da carga.

Fonte: Acervo pessoal Carmentilla Martins, julho de 2013.

Figura 8 – Carregadores atravessando a carga de um lado para o outro na Grand Roche

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Quando ocorre o transbordo na Grand Roche o clima fica muito tenso, pois é nesse
momento que pode haver abordagens da Gendarmerie, nas quais são feitas as apreensões de
mercadorias (que são queimadas) e pessoas (levadas para serem deportadas depois). Nessa
ocasião os policiais franceses cortam canoas e queimam motores; os catraieiros argumentam
que isso corresponde a um prejuízo de R$ 40 mil. Quando a Gendarmerie está vigiando a
Grand Roche o transbordo das mercadorias e pessoas tem de ser feito por uma trilha em terra
do lado brasileiro às margens das corredeiras do rio Oiapoque (figura 10). Essa trilha tem um
94

percurso um pouco maior que mil metros, sendo muito estreita, íngreme e perigosa; em se
tratando de pessoa não habituada é praticamente impossível continuar a viagem.

Figura 9 – Novo embarque de carga em outra catraia maior que prosseguirá a viagem às
comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Figura 10 – Trilha alternativa para o transbordo quando a Gendarmerie está na Grand Roche

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013


95

Pelas canoas seguem até mesmo veículos de vários tamanhos, inclusive máquinas
pesadas. O proprietário de uma pousada em Vila Brasil relatou que para construir a pista de
pouso e decolagens em Camopi os franceses trouxeram máquinas e tratores nas canoas que
eram inclusive conduzidas por brasileiros, conforme seu relato “eles juntam com amarrações
duas, três, quatro canoas, colocam em cima delas um tablado de madeira onde acomodam
veículos de qualquer porte e eles não conseguem realizar a viagem sem os catraieiros,
portanto, os gendarmes não deveriam implicar tanto com eles (ref. Diário de Campo, Vila
Brasil, 2013)”.
É interessante que em muitas falas dos informantes, se apreende a mesma concepção
de que os agentes institucionais franceses criam obstáculos ao trânsito de catraias pelo rio
Oiapoque; no entanto, eles mesmos dependem dessa mobilidade e dos profissionais
brasileiros – conforme sua própria linguagem – , os quais são denominados de “considerados”
devido ao conhecimento que têm acerca dos locais adequados de passagem. Essa assertiva
lembra a referência de Bustamante (1989) sobre relações sociais através da fronteira México-
Estados Unidos como harmoniosas, desde que o mexicano seja o empregado, o vendedor; e o
estadunidense seja o patrão, o cliente; ou seja, que exista uma relação de dominação-
subordinação, de modo que mesmo harmoniosas, implicam assimetrias de poder
socioeconômico. As interações sociais entre brasileiros e franceses na fronteira Oiapoque-
Guiana Francesa se desenrolam igualmente, a convergência de sentidos advém de seus
conteúdos, os quais são retirados da vida cotidiana, por isso se considera a tipologia
simmeliana de interações sociais elementares, pois estão ligadas aos conteúdos da vida
prática.
O último grupo afetado pelo controle da mobilidade e deslocamento pelo rio
Oiapoque são os moradores das comunidades ribeirinhas de Ilha Bela e Vila Brasil. Sendo a
primeira a denominação para um pequeno arquipélago de três ilhas ao qual se chega antes de
Vila Brasil, ambas são tipicamente ribeirinhas e estão situadas nos limites do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque. Ilha Bela – diferentemente de Vila Brasil cuja existência é
anterior à criação do Parque – teve sua ocupação depois da criação do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque em 2002; não há registros oficiais de sua localização, nem
dados censitários de sua população residente, mas estima-se que seus habitantes cheguem a
um número entre 200 e 250 pessoas. Desde a institucionalização do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque em 2002, seus moradores enfrentam uma série de dificuldades
relativas às ações de agentes institucionais brasileiros (Instituto Chico Mendes e Exército) e
franceses (Gendarmerie e Legião Estrangeira).
96

Conforme Soares e Chelala (2009), a comunidade de Vila Brasil teria surgido na


década de 1980, mesmo que desde 1930 funcionasse no lugar um posto de Serviço de
Proteção Indígena; mas sua ocupação teria acontecido quando “a partir de 1986 a Vila
começou a se organizar, com a vinda de mais moradores e pela relação comercial que
passaram a manter com a Comunidade de Camopi, alternativa encontrada, já que a atividade
de garimpo entrava em declive (SOARES; CHELALA, 2009, p.8)”. Segundo depoimento de
um dos mais antigos moradores, no início Vila Brasil servia de ponto de apoio aos garimpos
situados no rio Sikini, no entanto com as operações de combate a essa prática, os garimpos
foram sendo fechados e o comércio com Camopi mostrou-se uma alternativa de rendimentos.
Mas o entrevistado chama atenção de que os garimpos na Guiana Francesa existem devido à
“corrupção dos próprios franceses, na época, o comandante da Legião Estrangeira lá em Vila
Brasil, pegou oitocentos gramas de ouro dos garimpeiros para abrir o espaço pros garimpeiros
entrar para o Sikini, rio que dá acesso ao garimpo (E12/VEREADOR E PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2003)”.
Os moradores de Ilha Bela e Vila Brasil organizaram-se em duas associações de
moradores, esses grupos atuam em conjunto em favor de seus interesses, quais sejam: pela
institucionalização do distrito de Vila Brasil que englobaria Ilha Bela, o que foi alcançado em
2011 após a realização de um plebiscito, mas ainda não totalmente efetivado por conta de
estarem localizadas no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; pela liberalização do
trânsito pelo rio Oiapoque e pelo fim das interdições e apreensões realizadas pelos agentes
institucionais, tanto brasileiros, quanto franceses. Para ter uma ideia do número de pessoas
conviventes nas duas comunidades, se procedeu ao cruzamento de dados: aqueles obtidos na
ata lavrada por ocasião da realização do plebiscito em 2011 que acusa 407 votos; o censo de
2010 (BRASIL/IBGE, 2010), que aponta uma população de 168 moradores em Vila Brasil, e
as informações coletadas durante a visita a essas comunidades. De modo que se estimou um
número entre quatrocentos e quinhentos moradores nas duas vilas, a preocupação com esse
quantitativo reside em destacar que os agentes institucionais franceses alegam que a carga de
mercadorias e combustíveis transportada pelas catraias é superior à projeção de consumo
dessas comunidades. Entende-se, incompleta tal justificativa dos agentes institucionais
franceses, porque como mensurar valores de consumo definidos em culturas diferentes? Além
disso, cumpre ressalvar, que uma parte dos residentes tem casa em Oiapoque e devido a isso
muitas casas em Vila Brasil ficam fechadas em determinados períodos do ano, o que revela
uma população flutuante nessas comunidades. Como Ilha Bela (Figura 11) teve sua ocupação
posterior à criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as dificuldades
97

enfrentadas por seus moradores são maiores que em Vila Brasil (Figura 12), em parte porque
é vigente a crença entre os agentes institucionais franceses que Ilha Bela é entreposto de apoio
aos garimpos clandestinos.

Figura 11 – Ilha Bela

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Figura 12 – Vila Brasil

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

As restrições impostas à mobilidade e deslocamentos no rio nos remetem à assertiva


de Shamir (2005) ao referir-se que a globalização constituiu processos sistêmicos de
fechamento e de contenção. Nessa direção, afirma que surgiu um regime de mobilidade
global, no qual se observa que os Estados procuram ativamente conter em suas sociedades o
movimento de pessoas tanto dentro como através das fronteiras, e a justificativa para esse
regime de mobilidade de acordo com sua concepção se encontra no “paradigma da suspeita”,
que autoriza colocar em estado de suspeição qualquer indivíduo que possa a vir representar
uma ameaça, mesmo que virtual. Essa condição é experienciada pelos moradores de Ilha Bela
e Vila Brasil, em especial a primeira, pois seus moradores são suspeitos de atuarem pela
manutenção dos garimpos clandestinos. Indica-se nesse ponto a ambivalência da cooperação
98

fronteiriça franco-brasileira, pois se de um lado propõe a integração entre os territórios para o


desenvolvimento local socioeconômico; de outro não consegue criar procedimentos ajustados
às práticas dos agentes locais. Essa afirmação se exprime nas restrições institucionais à
mobilidade e aos deslocamentos pelo rio Oiapoque, as quais se desdobram justamente numa
exclusão socioeconômica, retirando daqueles o meio pelo qual acessam subsídios às suas
necessidades existenciais.
A propósito de que a cooperação poderá beneficiar populações dos dois lados da
fronteira, está presente nos depoimentos de moradores de Vila Brasil, os quais afirmam que os
franceses são “muito humanos” e advertem que em termos de assistência à saúde coletiva e à
educação, eles se esforçam em ajudar os brasileiros, por exemplo, por iniciativa dos
administradores de Camopi vários artesãos de Vila Brasil foram convidados a participar de
oficinas e fazer uma exposição de seus artesanatos na vila francesa; também é interessante
que em Vila Brasil se tenha acesso à internet melhor que em Macapá, pois se trata de um
benefício concedido pelos franceses; outro aspecto destacado é de que “todos nós moradores
da Vila Brasil, temos uma ficha no hospital de lá [Camopi], quer dizer, nós temos um
atendimento (E12 /PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA
BRASIL)”.
Cabe chamar a atenção de que os moradores de Vila Brasil e Ilha Bela se ressentem
de serem esquecidos pelo poder público brasileiro, seja federal, seja estadual. Tanto que em
Vila Brasil o posto policial, o posto de saúde e a escola são obras idealizadas e construídas
pela própria comunidade, organizada na associação de moradores; ainda que, até julho de
2013, faltassem policiais e enfermeiros, médico é, conforme suas palavras, um sonho. Aliás,
se alegra a associação de ter conseguido uma parceria com a Secretaria de Educação do
Estado do Amapá para que os professores do ensino modular viajem à comunidade, a parceria
determina a divisão de custos entre governo do Estado e associação de moradores referente às
despesas de hospedagem, transporte e alimentação para os professores (serviços que têm
custos elevados). Nessa direção, é pertinente aludir a fala de uma moradora de Vila Brasil,
que afirmou que durante uma epidemia de malária, não chegou à comunidade nenhuma
assistência do governo brasileiro (aliás, ela afirmou que a única instituição do Brasil que
chega até Vila Brasil é o Exército) e que não fosse a assistência médico-hospitalar que
receberam dos franceses de Camopi (Figuras 13 e 14) ela acha que não teria sobrevivido
quase ninguém (Ref. Diário de Campo, Vila Brasil, 2013).Essa afirmação denota claramente
todas as possibilidades que a cooperação fronteiriça deixa de concretizar, assegura-se que
99

assimetrias políticas e administrativas entre os Estados brasileiro e francês relativas à eficácia


e à efetividade de ações públicas são centrais para essa situação.

Figura 13 – Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Posto avançado da Legião
Estrangeira e margem direita do rio Camopi

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Figura 14 – Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Vila de Camopi onde está a
Gendarmerie Nationale e margem esquerda do rio Camopi

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Ao realizar a viagem observa-se que mover-se no território fronteiriço Oiapoque-


Guiana Francesa não é tarefa fácil, são tantas as dificuldades e adversidades – seja do meio
geográfico, seja da fiscalização e controle do governo francês – que não se pode deixar de
perguntar: o que explica a sustentabilidade desses movimentos de pessoas subindo e descendo
o rio Oiapoque? Portes (2008) ao analisar o aspecto da sustentabilidade das migrações,
assevera que é importante detectar nas origens dos fluxos migratórios variáveis como história,
contato político e econômico. Dentre as causas para esse deslocamento se identificam as
carências – de trabalho, de saúde, de educação, de acesso ao consumo de bens e serviços –
que a população residente no território fronteiriço enfrenta. Nesse contexto, é possível
100

identificar a importância que as interações sociais apresentam na reprodução da vida social e


que se refletem na condição de ocupação territorial, social e econômica dessa população.20

3.4 Fronteira “porta” e fronteira “ponte”: transcendência no Oiapoque.

Ao se ter em conta a premissa de Simmel (1996) de que somente o homem dispõe da


capacidade de estabelecer associações e dissociações nas propriedades presentes no espaço
geográfico, entende-se que Oiapoque, deve ser concebida como uma conjugação entre suas
principais designações: fronteira, cidade e rio. A partir das manifestações obtidas junto aos
atores locais e à luz das ideias simmelianas acerca das pontes e das portas formulou-se a
premissa de que Oiapoque assume ora a função de “ponte”, ora a função de “porta”, a
depender das significações dos agentes. Deslocamento e mobilidade, ainda que conceitos
muitas vezes tomados como sinônimos exprimem vivências sociais, econômicas e simbólicas
singulares; e a força enunciativa desses termos está justamente na distinção que revelam, pois
deslocamento alude à possibilidade de mudança de lugar, enquanto a mobilidade refere-se ao
movimento de pessoas. Esses fatos podem ser observados no Oiapoque e sua ocorrência se
vincula tanto aos migrantes brasileiros que atravessam para a Guiana Francesa, quanto aos
itinerantes que viajam pelo rio traçando percursos.
Enquanto a presença de brasileiros na Guiana Francesa não representava um
problema para o governo da França, esse ato era uma transcendência da fronteira sem
comprometimentos legais e institucionais, e assim a mobilidade e os deslocamentos no rio
desenrolavam-se livremente. Porém, por conta do combate tanto à migração irregular de
brasileiros e à extração ilegal de ouro na Guiana Francesa, os agentes institucionais franceses
adensaram o controle em sua fronteira e isso gradativamente começou a ter implicações no
trânsito pelo rio Oiapoque. Inicialmente a problemática relativa à presença de brasileiros na
Guiana Francesa se manifestou na criação de maiores dificuldades para que os brasileiros
obtivessem o visto de entrada em seus passaportes, posteriormente começaram as operações
militares da Gendarmerie e da Legião Estrangeira de vigilância ao longo da fronteira, que
objetivamente aconteciam no rio Oiapoque; essas ações foram seguidas pela construção de
um posto da Police aux Frontiéres em setembro de 2007 na vila de Saint-Georges, que tinha a
finalidade de ampliar o controle ao ingresso de brasileiros.

20
Durante a estadia em Vila Brasil, se teve a oportunidade de acompanhar no dia 18/07/2013 a chegada de uma
aeronave francesa e constatou-se nessa ocasião que para pousar em Camopi na pista de aterrissagem construída
no acampamento da legião francesa a aeronave precisou realizar uma manobra circular na qual foi preciso
sobrevoar Vila Brasil, essa operação aérea também significou uma transgressão da fronteira internacional.
101

Nessas circunstâncias, se considera importante fazer algumas reflexões sobre a


migração de brasileiros para a Guiana Francesa, inclusive os garimpeiros, com vistas a
demonstrar que não é recente, ao contrário remonta ao século XIX. Conforme Romani (2010)
o processo de fixação dos homens ao longo do rio Oiapoque ocorreu como resultante de
práticas migratórias de indivíduos não absorvidos pelo sistema econômico do regime colonial
ou que estavam fugindo desse mesmo regime. O autor assevera que esses migrantes eram
recrutados por empresas mineradoras ou casas comerciais, as primeiras atuando nas
cabeceiras do rio Oiapoque, onde se localizavam jazidas auríferas; as segundas abastecendo
os acampamentos de garimpeiros. As casas comerciais contratavam pessoas para transportar
os gêneros através do rio Oiapoque, porém com o passar do tempo esses transportadores
tornaram-se autônomos à medida que os comerciantes iam se fixando com seus
estabelecimentos em diversos pontos nas margens do rio Oiapoque.
É comum fazer referência à associação entre migrações e modelos de
desenvolvimento econômico, pois de acordo com o modelo teórico push-pull, os movimentos
de migrações internacionais são compostos por indivíduos que se deslocam em busca de
reconhecimento e oportunidades que não encontraram nos lugares de onde partem, assim
sendo, a decisão em deslocar-se para outro país é antecedida pelo desejo por melhorias nas
condições econômicas (PORTES, 2008). Ainda que, segundo os autores, esse modelo teórico
não seja suficiente para explicar a sustentabilidade desse tipo de deslocamento populacional,
devendo ser complementado com a proposição de que a existência de redes construídas a
partir do movimento e contato de pessoas através do espaço são elementos que mantêm a
migração internacional por muito tempo; o modelo push-pull aplica-se para entender as
migrações de brasileiros para Guiana Francesa, que, em linhas gerais, se insere na política
francesa de atração de mão de obra estrangeira em vigência desde 1950 (REIS, 2007).
Conforme depoimento de um imigrante retornado que viveu no departamento francês dos 12
aos 21 anos de idade:

No período pós-guerra, a França passou por um período muito... Por uma fase muito
difícil na reconstrução e quem praticamente sustentava a Guiana Francesa eram os
brasileiros, eles levavam gado, mercadorias manufaturadas, como café, açúcar.
Então os brasileiros eram muito bem-vindos lá. O trânsito era praticamente livre,
eles [os brasileiros] iam daqui, passavam e encostavam no porto de Caiena e eram
muito bem recebidos e com o tempo e a chegada de muitos migrante na Guiana
Francesa também a situação dos brasileiros que não se organizaram como outros
povos como os chineses e javaneses que migraram para Guiana Francesa, mas se
organizaram em colônias e cooperativas; e os brasileiros não, o povo que ia daqui
era um povo de baixíssimo nível escolar: eram pedreiros, carpinteiros... As pessoas
iam com certidão de batismo... A polícia, a Gendarmerie,ia nas embarcações para
recrutar mão de obra, eles mesmos faziam, tiravam uma carta de imigração. Até hoje
102

eu ainda tenho uma carta de imigração feita por eles. (E17/IMIGRANTE


RETORNADO, 2013).

De acordo com Arocuk (2001) e Pinto (2011), o momento histórico de maior atração
de brasileiros para a Guiana Francesa foi durante a construção da base aéreo-espacial de
Kourou na década de 1960. Note-se no excerto abaixo as afirmações de Arouck (2001) sobre
a entrada do brasileiro na Guiana Francesa, quando

A cidade de Kourou, uma espécie de company town, foi construída às proximidades


de Caiena e vizinha à base de lançamentos, com o objetivo de abrigar infraestrutura
de serviços necessária à demanda de técnicos e cientistas que operacionalizavam o
projeto de montagem e lançamento de foguetes para fins civis.
Havia, contudo, uma carência muito grande de mão de obra não especializada, capaz
de realizar as atividades manuais necessárias à construção civil e aos serviços gerais.
Essa mão de obra foi então captada do vizinho Amapá, especialmente de Macapá.
As empreiteiras e subempreiteiras atraíam essa força de trabalho com a vantagem de
um salário que, quando convertido para o pouco valorizado Cruzeiro (moeda da
época no Brasil), representava um ganho substancial para os padrões salariais de um
operário brasileiro. (AROUCK, 2001, p. 341, grifos do autor).

Nessa época, o interesse em melhorar as condições de renda aparece como principal


motivação para o deslocamento de brasileiros para Guiana Francesa, isso pode ser confirmado
no trecho abaixo retirado da entrevista com o imigrante retornado:

Na época da construção de Kourou havia muito trabalho, e os brasileiros,


principalmente os operários, pedreiros carpinteiros, ferreiros, armadores, pintores
eram muito bem-vindos, né, por que faltava mão de obra na Guiana Francesa e para
vir da Europa era muito dificultoso... o clima também não colaborava, os franceses
de clima temperado vinham para clima tropical e não se acostumavam. Os
brasileiros praticamente construíram a cidade de Kourou não na parte técnica, mas a
infraestrutura da cidade foi construída praticamente por brasileiros.
(E17/IMIGRANTE RETORNADO, 2013).

Para Aragón (2009) além de trabalho e melhores salários, também são fatores de
atração de migrantes brasileiros para Guiana Francesa: benefícios sociais e previdenciários,
inclusive alguns vivem à custa do salário-desemprego. A precariedade a que se submetem os
brasileiros na Guiana Francesa conduz a reflexão sobre a manutenção de critérios definidores
do status social na sociedade nacional associados à propriedade e dinheiro, essa premissa
encontra guarida nas falas desses migrantes, que não deixam de acalentar o sonho de ficar
“um tempo e ganhar dinheiro” para então voltar ao Brasil e começar uma vida nova com mais
dignidade e cidadania (Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011). Pinto (2011) na pesquisa de
campo realizada em Caiena teve a oportunidade de entrevistar um imigrante brasileiro que
sobrevivia do salário-desemprego que recebia do governo francês:
103

Ele chegou à Guiana Francesa em 1993, e por isso já tinha acumulado muitas
experiências de trabalho. Atualmente, recebe uma espécie de seguro-desemprego do
governo francês (cerca de € 420 mensais), pois, antes de ficar desempregado,
trabalhava de forma legal numa empresa local, de acordo com as leis trabalhistas
francesas. No período da entrevista, estava fazendo um “bico” na área da construção
civil (ajudante de pedreiro), por este trabalho recebia uma diária de quase € 50.
Atualmente estava fazendo uma espécie de “ponte aérea” entre Caiena e Alenquer-
PA. Disse-me ainda que só estava na cidade para resolver uma “bronca”. A
“bronca”, na verdade, tratava-se de atualizar seu cadastro junto à Instituição que
controla e fiscaliza esses benefícios trabalhistas que são pagos; e saber se o mesmo
já encontrava-se empregado ou pelo menos procurando um novo emprego. (PINTO,
2011, p. 119).

Grosso modo, com a ampliação das restrições do governo da França à entrada dos
brasileiros, esses trabalhadores migrantes inserem-se no mercado de trabalho da Guiana
Francesa em condição de insegurança e vulnerabilidade, não recebem atenção dos Estados,
seja de onde saíram, seja onde pretendem entrar, sempre se captura nessas falas imagens que
lembram a metáfora de Simmel (1996) da porta. Mas, muitas vezes a fronteira porta não leva
a um lugar no qual de fato aconteça a tão desejada riqueza e mobilidade social. Verifique-se
isso nas referências feitas pela imigrante retornada quanto ao status social dos imigrantes
brasileiros em Caiena.

A minha história na verdade é que eu conheço a Guiana porque a minha vida inteira
praticamente foi lá, então assim, eu vejo assim, o que acontece na Guiana Francesa,
os brasileiro hoje são discriminado completamente, como discriminado? Porque lá
nós não temo nosso espaço na Guiana, o brasileiro lá, jamais você vai achar atrás de
um escritório, sempre é numa construção, sempre limpando o quintal dos outros,
trabalhando com faxineira, esses postos os brasileiro tem espaço lá na Guiana
Francesa, mas você vê um brasileiro que tá dentro de um escritório, dentro dum
órgão público... Você não vê isso, isso é coisa mais difícil do mundo, você vê um
brasileiro dizer que tem um posto de médico, sei lá, de advogado, ou outras coisa,
você não vê, você não vê isso, só as chances que às vezes acontece do pai ter muita
possibilidade de mandar o filho estudar na França e de lá esse jovem se forma de
outra forma, mas na Guiana Francesa você não vê isso, justamente como lhe falei já,
eu sou de lá, sei como é que é, nós somo muito discriminado. (E4/IMIGRANTE
RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE HOTELARIA, 2013).

Nas décadas seguintes, a taxa de emprego na Guiana Francesa entrou em rota


descendente, de modo que a obtenção da carta de séjour 21 foi ficando cada vez mais difícil,
mas foi feita uma exceção para garimpeiros, profissionais relacionados à atividade de
interesse no momento.

Devido à alta taxa de desemprego local (20%), a prefeitura só está aceitando pedidos
de carta de séjour para chercheurd’or, o nosso conhecido garimpeiro, trabalhador

21
O titre unique de séjour, que foi criado em 1984, tendo uma validade de dez anos, autorizando o imigrante à
estadia e ao trabalho, é considerado por Reis (2007) uma das mais importantes medidas do ponto de vista da
política migratória francesa.
104

que teoricamente vai exercer suas atividades nos rincões auríferos no meio da selva
guianense. Muitos brasileiros, entretanto, preferem permanecer na cidade de Caiena.
(AROUCK, 2001, p. 341, grifos do autor).

Ou seja, nem sempre os garimpeiros brasileiros foram considerados indesejáveis,


inclusive muitos são legalizados e recebem do governo francês autorização para garimpar. É o
caso de E19 garimpeiro legalizado, residente na Guiana Francesa desde dezembro de 1979.
Segundo suas informações os garimpos legais são protegidos pela Gendarmerie. Ao receber
uma concessão 22 para exploração de ouro, o garimpeiro tem de pagar impostos, por exemplo,
se ele retirar 100 kg de ouro, 50% será destinado ao pagamento de tributos; além disso, é
obrigado a comprometer-se contratualmente em reabilitar a área explorada, o que significa
colocar barro em cima do cascalho (rejeito) e realizar nesse perímetro uma cobertura vegetal
com mudas de plantas nativas doadas pelo governo francês (E19/GARIMPEIRO
LEGALIZADO, 2013). O informante relatou que é muito severa a fiscalização relativa ao uso
de mercúrio, substância definitivamente proibida, que deve ser substituída pela prancha
vibratória, que aglutina as partículas de ouro em um processo físico à semelhança do processo
químico de aglutinação proporcionado pelo mercúrio.
Destarte, com a recessão de 1970 o governo francês começou a implantar medidas
para restringir os fluxos de imigrantes à medida que crescia o reconhecimento do caráter
permanente dessas migrações. Conforme Reis (2007) em seu estudo comparativo entre a
política migratória adotada pelos Estados Unidos e aquela praticada na França, o ponto de
controvérsia na política de imigração francesa reside não em uma preocupação com o controle
de entrada, ao contrário concentram-se os esforços em definir os laços que ligam o imigrante
à França, o que remete a questionamentos sobre a nacionalidade de muitos franceses
descendentes de estrangeiros e de muitos franceses naturalizados. Com esse argumento, a
autora afirma ser a política francesa bastante distinta de outras, pois a eficiência de suas
práticas restritivas estaria não no controle de fronteiras externas, mas no discernimento de
fronteiras internas entre cidadãos e estrangeiros e entre estrangeiros legais e não legais.
No caso das migrações de brasileiros para a Guiana Francesa, as restrições se
aplicam principalmente à entrada dos brasileiros, e quanto maior a restrição, maior o número
de clandestinos, ou melhor, sem documentos. Para o Consulado brasileiro em Caiena, há
registros de 6.752 imigrantes brasileiros legalizados na Guiana Francesa, com a probabilidade

22
O processo de concessão reúne aproximadamente 1.200 páginas nas quais constam todos os direitos e deveres
do garimpeiro, desde construção das casas, instalações, manual de normas técnicas quanto à infraestrutura do
acampamento; que depois de estabelecido é frequentemente fiscalizado pelas autoridades francesas.
105

23
de existirem dois não legalizados para cada legal (informação verbal). Ainda que sem
confirmação oficial, teríamos, nesses termos, uma população de mais 10 mil brasileiros sem
documentos na Guiana Francesa. A esses, cujo registro oficial não é possível, justamente pela
invisibilidade que o imigrante sem documentos faz questão de sustentar (mesmo junto ao
Consulado brasileiro), poderíamos acrescentar aproximadamente mais 15 mil garimpeiros
(Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011; Macapá, 2013).
De acordo com Aragón (2009), a Guiana Francesa entre os anos de 1999 e 2006
apresentou a maior taxa de crescimento demográfico e isso foi decorrente dos fluxos
migratórios que recepcionou, de maneira que a pressão migratória na Guiana Francesa se
expressa nos aproximadamente 40% de estrangeiros contabilizados na população guianense
que é de 226.426 habitantes (FRANÇA/INSEE, 2012), e para controlar a entrada de
imigrantes o governo francês implantou um dispositivo excepcional, já que somente se aplica
na Guiana Francesa: trata-se do estabelecimento de barreiras no interior de seu
território.24 Deseja-se lembrar do estudo de Reis (2007) acerca de preocupar-se o governo
francês com as fronteiras internas entre cidadãos e não-cidadãos: entre aqueles que se sentem
parte da república e aqueles que não compartilham esse sentimento; no entanto, no
departamento guianense, devido a uma forte pressão migratória, os dispositivos de controle se
materializam em barreiras de fronteira. De acordo com informações da Police aux Frontiéres
(informação verbal) 25 dentre os imigrantes sem documentos expulsos em 2010, 55% eram
brasileiros.
Isso acabou por desdobrar-se em crescentes exigências para conseguir o visto,
documento que autoriza a entrada e a estada do migrante, a essa medida político-institucional
acrescentem-se as operações policiais do governo francês para combater a garimpagem
clandestina na Guiana Francesa. Com o adensamento desse domínio oficial, a situação
agravou-se até degenerar em confrontos abertos no rio Oiapoque envolvendo agentes
institucionais franceses e os brasileiros que partiam nas catraias de Oiapoque com destino à
Guiana Francesa.

23
ANA LÉLIA BENINCÁ BELTRAME. Informações sobre imigração e imigrantes brasileiros na Guiana
Francesa. Caiena, 22 de outubro de 2011. Palestra proferida no Club des Pacoussines em Rémire
Montjoly/Cayenne pela Cônsul Geral do Brasil na Guiana Francesa; anotações por Carmentilla Martins em
diário de campo.
24
Na viagem a Caiena em 2011 com objetivo de coletar dados, a pesquisadora identificou três barreiras de
fronteira, sendo a primeira em Saint-Georges e outras duas ao longo da estrada.
25
JEAN-MICHEL DUPUY. Informações sobre imigração e imigrantes brasileiros na Guiana Francesa.
Caiena, 25 de outubro de 2011. Palestra proferida pelo Commandant de Police, Etat-Major, Police aux
Frontiéres/DDPAF-Guyane no Rectorat (Reitoria de Educação) anotações por Carmentilla Martins em diário de
campo.
106

Até pouco tempo atrás não existia, devido à intensificação dos garimpos
clandestinos feito pelos policias franceses e alguns homicídios e algumas mortes que
ocorreram na área de garimpo, eles intensificaram essa fiscalização, então
impedindo que brasileiro pudesse é desembarcar em Saint-Georges, trabalhar
clandestinamente em Caiena, até na década de 80, década de 90, eles tinha um
acesso mais amplo, ou seja, a pessoa poderia trabalhar e depois de um ano já
automaticamente era documentada, pra pega uma séjour de trabalho, que são seis
meses, depois de um ano e depois de dez anos a séjour, onde, ou seja, brasileiro até
hoje estão lá! O presidente Nicolas Sarkozy implantou uma lei que as séjour não
seriam mais renovadas. Depois de dez anos, vencida automaticamente, ela perdia o
valor, a validade [e] o brasileiro tinham de retornar a seu país de origem, ou seja, o
Brasil. Impedido de voltar a trabalhar legal na Guiana Francesa. O presidente
François Hollande, agora o atual presidente da França, né, quer mudar, devido a esse
acordo do Brasil e da França, que é um acordo bilateral, acordo Binacional.
(E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE,
2013).

Soares (1995) afirma que em sua pesquisa de campo a Oiapoque, ainda quando
estava no ônibus que partiu de Macapá, teve a oportunidade de constatar que a grande maioria
dos passageiros era composta de pessoas que pretendiam chegar à Guiana Francesa. Essa
primeira impressão é pontuada pela autora ao referir-se a Oiapoque como um grande
acampamento, no qual os homens e as mulheres ficavam à espera por uma oportunidade de
entrar nos garimpos da Guiana Francesa (SOARES, 1995). Atualmente, durante o
levantamento de dados para esta tese observou-se que esse contexto pouco se modificou. A
constatação da mobilidade e do deslocamento remete ao entendimento de que Oiapoque é um
território que recepciona diversos indivíduos e em função disso a espera também faz parte de
seu cotidiano. Os indivíduos que aguardam para atravessar para a Guiana Francesa não têm
domicílio na cidade, mas a eles vinculam-se aqueles cuja fixidez no espaço é estreitamente
relacionada a essa espera e ao movimento que lhe é sucedâneo, os quais são percebidos como
estratégicos na sobrevivência, seja pela prestação de serviço (comerciantes), seja pela
manutenção de um sistema de transporte diário no e através do rio Oiapoque (catraieiros,
carregadores) – que existe em função desses grupos em espera para deslocar-se a Guiana
Francesa – que beneficia as comunidades que estão na subida do rio (moradores de Ilha Bela e
Vila Brasil), as quais sem esse sistema de transporte ficariam isoladas. Essa restrição à
mobilidade e ao deslocamento de pessoas no rio Oiapoque vincula-se de um lado ao ambiente
natural e de outro aos esforços dos agentes institucionais franceses e brasileiros para impedir
que garimpeiros, produtos, máquinas e equipamentos cheguem tanto aos garimpos
clandestinos na Guiana Francesa como ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque,
caso de serras elétricas. Como já relatado, as cachoeiras Grand Roche (lado francês) e Caxiri
(lado brasileiro) são pontos passagem e não existem outros. No caso da Grand Roche sua
configuração natural e localização, cria uma situação favorável ao controle e fiscalização dos
107

agentes institucionais franceses, mas para os brasileiros em movimento isso não deveria
acontecer. É interessante a concepção de fronteira que possuem os agentes em movimento, em
particular, quando se trata da travessia da Grand Roche, pois eles defendem que

tem uma pedra bem aqui chamado Rocha, que esse delegado da Federal bate muito
nessa tecla, que essa rocha fica no meio do rio então o rio é internacional, ela não é
nem do Brasil e nem da França. Ela é uma pedra no meio do rio, quero que vocês
batam foto lá. Lá tem uma rocha no meio do rio, coisa da natureza, tipo assim uma
ilha, uma rocha pelada, uma ‘pedrazona’,‘monstra’; que você caminha por cima,
passa pela França, carrega a canoa aqui e vai embora. Aí eu tenho os carregadores,
mais de quarenta homens trabalha tudo legalizado aqui, tem a associação. Tem hora
que você passa beirando aqui a ribanceira da França, tem hora que você passa
glosando aqui o lado do Brasil. Na Grand Roche, essa Grand Roche é porque já
aconteceram vários conflitos, lá o gendarme já pegaram [i.e. pegou] duas canoas
minhas e já cortaram. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE
FLUVIAL, 2013, grifo nosso).

Para o morador de Vila Brasil,

A cachoeira do Grand Roche, é a passagem de todo mundo, chega no pleno inverno


tudo bem. Mas, quando chega no verão, o único acesso do rio Oiapoque é a
cachoeira do Caxiri, e é brasileira, e esse ano nós vamos tomar ela, vamos ocupar
aquela cachoeira e só vai passar lá os brasileiros, francês não vai passar!,Passa se
eles derem documentos pra nós, liberando a cachoeira do Grand Roche.
(E12/VEREADOR E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE
VILA BRASIL, 2013).

Percebe-se na fala do comerciante, abaixo citada, que ele considera a interdição na


Grand Roche uma questão polêmica. Ao interpretar essa fala apreende-se um alheamento
quanto aos comprometimentos de penetrar em um território de outro Estado.

Por exemplo, nós temos uma questão muito polêmica, o trânsito no rio de Oiapoque,
porque nós temos diversas cachoeiras e tem perímetro que o canal fica do lado
francês e tem perímetro que o canal fica do lado brasileiro, então muitas vezes os
franceses, com a questão de proibir mercadoria, óleo diesel de entrar pro garimpo
deles – garimpo que eles dizem clandestino – e muitas vezes eles esperam no lado
que o canal pertence aos franceses e abordam nossas embarcações, tomam toda
mercadoria e com isso gera o conflito por que o brasileiro não aceita também.
Porque nós temos uma comunidade chamada de Vila Brasil, onde muitas vezes essas
catraias estão levando mantimentos, gêneros alimentícios pra aquela comunidade
que existem muitos comércios e isso nós defendemos, porque lá é uma área de
comércio, a associação comercial, ela defende o comércio dos empresários e há
necessidade, porque aquela comunidade de Vila Brasil, eu tenho assim como
guardiã daquela área, antiga. E hoje então com essa questão do garimpo do lado
francês, que os brasileiros vão pra lá que eles dizem que é o garimpo clandestino.
Muitas vezes eles [os gendarmes] apreendem todinha a mercadoria, aonde para
aquela comunidade vai merenda escolar, vão gêneros alimentícios, não só pros
comerciantes, mas pra comunidade, medicamento e enfim, tudo que aquela
comunidade precisa, vai através do rio, porque o rio Oiapoque não pode ser
proibido, ele tem que ser livre, é transito livre no rio, mas aqui é considerado que do
meio do rio pra lá e francês, do meio do rio pra cá é brasileiro, então sempre tem
108

esse conflito. (E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL,


2013).

De igual modo manifesta-se a catraieira ao indicar que

é uma dificuldade imensa pra passar ali no Grand Roche, que o nome lá é Grand
Roche, lá a gente chega e carrega a bagagem toda na costa, aí passa, mas a gente só
pode carregar quando a polícia francesa não tá, se a polícia francesa tiver a gente
não pode carregar, porque eles pegam a canoa, eles tocam fogo, tocam fogo na
mercadoria e eles ainda prende a pessoa, mesmo tendo nota fiscal, tudo, porque lá é
passagem, tanto pra eles lá, como pra nós daqui, pra eles lá eles não pede nota, não
pede nada, eles já vão pegando e queimando e algemando tudo. (E6/CATAIEIRA,
2013).

Ação oficial dos agentes institucionais franceses em definir o domínio estatal sobre o
deslocamento e a mobilidade dos brasileiros no rio Oiapoque expressa que se mantém na
fronteira Oiapoque-Guiana Francesa o sentido jurídico e político da fronteira, os brasileiros na
travessia da Grand Roche, ou os franceses na cachoeira do Caxiri são indivíduos que por um
tempo, que varia de alguns minutos a algumas horas ficam sob a jurisdição de um Estado do
qual não possuem nacionalidade, ou seja, “está aumentando o número de Estados que
possuem jurisdição sobre um número crescente de indivíduos que não são seus cidadãos
(REIS, 2007, p. 17)”. Mesmo em um intervalo de tempo relativamente pequeno, essa situação
revela um processo social internacional que envolve interações entre atores em seus
deslocamentos, os quais lutam para ter seu direito à mobilidade, assegurado. Pois, não
somente os brasileiros transcendem a fronteira, os franceses também. Por esse motivo, alega o
juiz de direito em Oiapoque que devem ser observadas as diferenças em termos de leis, pois
em caso contrário

Os franceses e guianenses virão para cá e os brasileiros não poderão fazer o mesmo


no deslocamento para a Guiana Francesa, somente podem com o visto. Então... A do
visto é interessante, existe um visto para nós brasileiros entrarmos na Guiana
Francesa, mas você não precisa de visto para entrar na Europa, na França. Aqui, tem
que ter o visto, eu tenho o visto de um ano tirado em Macapá. Em Saint-Georges, do
outro lado do rio, o visitante não pode ultrapassar o prédio da prefeitura. Existe um
acordo de cooperação judicial entre o Brasil e a França, e esse acordo, pelo que
tenho observado não entrou em vigência, há a questão desse projeto de lei que pode
entrar em vigor e vai autorizar os franceses a entrar no território brasileiro para fazer
apreensão de bens e coisa relacionados à atividade de garimpo. O que acontece
muito é reclamação de brasileiros que sofrem discriminação do outro lado, seja
alguém que vai lá visitar e a polícia abruptamente o prende, bem como os
garimpeiros, que às vezes são presos sem o devido processo legal, sem a devida
defesa, acontece muito isso, e quanto a isso há demandas para que o sistema de
justiça criminal se manifeste, oferecendo uma solução para isso. Porque todo
mundo, quase todos aqui residentes no Oiapoque sabem disso, o brasileiro na
Guiana Francesa, em sua maioria é tido como garimpeiro e mal visto, ou, ainda
como criminoso. Contudo, o guianense quando vem aqui, pode tudo, não precisa de
109

visto, pega o carro dele, entra na balsa e vem, sem problema. (E7/JUIZ DE
DIREITO, 2013).

A garimpagem clandestina é indicada pelos informantes como principal motivação


das ações institucionais francesas de controle à mobilidade e ao deslocamento no rio
Oiapoque, no entanto essa atividade, considerada ilegal para as instituições francesas é muito
importante para os moradores de Oiapoque, pois

se o garimpo acabar mesmo, acaba tudo aqui. Porque esses dias tem um garimpo que
tá fechado pra ali [região do rio Sikini no alto da bacia do rio Oiapoque]. O
gendarme tá lá, o pessoal não pode trabalhar, aqui a gente vai nos comércios e o
pessoal é tudo se reclamando por causa desse garimpo lá que o gendarme está, mas é
assim, esse garimpo que tá fechado é o que mais dá renda pra cidade.Olha, na
verdade é o garimpo ilegal, né... Que eles [agentes institucionais franceses] não
querem que leve pra lá [pessoas e mercadorias para os garimpos], é isso que eles
alegam, mas só que aqui no Oiapoque a gente não tem... Assim... A gente não tem
uma fábrica, uma indústria, a gente não tem nada aqui pra trabalhar. Aqui tem umas
pessoas aqui que ganham do governo, eles trabalham na prefeitura, eles trabalham
na justiça do trabalho, no correio, mas é assim: numa casa tem três, um trabalha na
prefeitura e os outros trabalha no garimpo, é todo mundo que depende do garimpo
no Oiapoque, a maioria depende. (E6/CATRAIEIRA, 2013).

A alegação de que o garimpo é importante para os moradores de Oiapoque sempre


está correlacionada às carências para conseguir trabalho e renda:

a gente tem essa dificuldade muito grande com essa relação do garimpo. Agora é
lógico que o garimpo aquece a economia do Oiapoque, hoje o Oiapoque, se fechar o
garimpo totalmente [...], eu digo que mais de 50% da economia vem do garimpeiro,
todo dia tá chegando garimpeiro com ouro, vendendo ouro e fazendo compra aqui
no município de Oiapoque, então o garimpo ainda é a salvação do Oiapoque, uma
das coisas que nós temos pregado muito na associação comercial, o Oiapoque
precisa do apoio do governo federal, governo estadual, melhorar essa cidade, precisa
de um banho de urbanização essa cidade, precisa melhorar a visão, esta cidade que
seja um atraente turístico, nós pensamos, a associação comercial, que a grande saída
do Oiapoque será o turismo, mas você sabe que o turismo, você precisa ter uma
cidade limpa, uma cidade organizada, com bons hotéis, calçamento, rede de esgoto.
(E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013).

Com efeito, o garimpo desempenha um papel fundamental na sociodinâmica de


Oiapoque, mas está localizado na Guiana Francesa e em virtude disso a cidade se torna um
ponto de rotação estável, em torno do qual se constituem relações e práticas sociais, instáveis,
transitórias, mas que no fluxo da vida cotidiana se caracterizam pela recorrência e desse modo
constituem um padrão (SIMMEL, 2006; 2013). Nesse processo, se estabelecem interações
sociais de conteúdos econômicos que transcendem a fronteira, ou melhor, o limite fronteiriço,
como destaca o entrevistado que do meio do rio pra lá é francês e do meio do rio pra cá é
brasileiro, em termos técnicos: o meio do rio é seu talvegue, que é o limite fronteiriço desde o
110

tratado de Utrecht em 1713. Essa conjuntura engendra interações entre policiais franceses e os
atores em movimento no rio Oiapoque; forma-se com isso uma configuração interativa
triangular: interagem brasileiros e brasileiros no e através do rio Oiapoque, como também
esse atores em movimento interagem com os agentes institucionais franceses, nessas últimas
interações entram em conflito as proposições e significações dos agentes: “Deus criou um
caminho para ser dividido por todos independente de quem é brasileiro quem é francês” (Ref.
Diário de Campo, Ilha Bela, 2013), nas palavras desse morador de Ilha Bela encontra-se a
objetivação de que os indivíduos agregam os territórios de modo inclusivo e no território
fronteiriço essas territorialidades vão descortinando os caminhos, alheias aos limites que
dividem soberanias e nacionalidades.
São essas circunstâncias que impõem a regulação ao trânsito no rio, as quais se
refletem na detenção de pessoas, na apreensão e queima de mercadorias, combustível,
medicamento, etc., na quebra de catraias e destruição de motores; e em atos que constrangem
as pessoas. O controle pretendido, que nem sempre se efetiva, sustenta-se em generalizações
do tipo “por que eles acham que toda a gente é garimpeiro, que tudo que vai é pro garimpo
(E3/COMERCIANTE SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013)”; portanto essas
interpenetrações não são nem sempre justas, nem sempre positivas, mas sempre mutuamente
vividas e sentidas. Mas nem somente de conflitos e confrontos são feitas as interações
transfronteiriças em Oiapoque, entre os diversos entrevistados, muitos sustentam uma
esperança que no âmbito da cooperação fronteiriça entre Brasil e França se resolva a
problemática do garimpo que afeta a mobilidade e o deslocamento de pessoas no rio. Para
muitos dos entrevistados, existe uma expectativa de que a cooperação pode conduzir o
governo da França a uma revisão em sua legislação e com isso as relações fronteiriças
novamente serão amistosas.

Primeiramente as leis francesas, né, que elas impedem que nós brasileiros, todos
morador de fronteira. A gente vê várias cidades como ali... Cidade aqui no Brasil
que é [fronteira] com Foz do Iguaçu, que é ali com o Paraguai. A gente vê essa
política totalmente diferente daqui, porque as leis lá do Paraguai é diferente da
França, então tá a maior problemática pra que não avance essa cooperação sobre a
área de fronteira, eles [os franceses] não querem ceder de jeito nenhum. Por isso,
como eu falei, já poderia ter no segundo encontro transfronteiriço, já poderia ter uma
definição, mas até agora não se avança nada. (E1/ASSESSOR DE
COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).

Em síntese, nota-se que enquanto a entrada de brasileiros na Guiana Francesa não era
considerada um problema para os atores institucionais franceses, as interações
transfronteiriças eram pacíficas, situação que se modificou na medida em que esses agentes
111

passaram a restringir a entrada e operação dos brasileiros em seu território, desde então o que
vem acontecendo é:

Um convívio difícil. São povos que já conviveram pacificamente durante muitos


anos, durante os anos sessenta, setenta, até mesmo no final dos anos oitenta uma
passividade completa, todo mundo ia e voltava, inclusive naquela época eles se
serviam muito mais dos nossos recursos do que nós dos recursos deles, e agora a
gente tá vivendo essa situação que não pode atravessar o rio, então é necessário que
se resolva essa situação. (E8/JORNALISTA, 2013).

A dinâmica dos atores em movimento se traduz no território, que assume uma


perspectiva interacional. Essas ações não são aleatórias, mas condicionadas e condicionantes
dos conteúdos da figuração social na qual o ator experienciou sua sociação, ou seja, cumpre-
se o postulado simmeliano de que as interações sociais tanto se efetivam entre indivíduos
contíguos, quanto entre gerações sucedâneas (SIMMEL, 2006). Em Oiapoque o estar e viver
na fronteira se exprime na capacidade dos indivíduos em pensar o eu e seu entorno sem sentir-
se premido pelo limite fronteiriço, ainda que parte da força simbólica dessa cidade de
fronteira esteja na consideração de ser ela uma guardiã da dominação estatal (ALICINO,
1971). Entretanto, em termos de cotidiano da vida social, a caracterização de Oiapoque está
na multiplicidade de posições que seus atores ocupam no território em relação às propriedades
que ele apresenta e a partir disso se afirma que um de seus mais destacados atributos está na
continuidade não somente espacial, mas socioeconômica que determina sua estreita ligação
com a Guiana Francesa (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007, 2011, 2013).

E outra, esse negócio de fechar o garimpo. O que vocês acharam? Nós tivemos uma
queda muito alta aqui, em termo de fechamento do garimpo. Porque são as pessoas
que vêm pra cá e fazem o comércio funcionar, quando eles some, aí pronto! Parece
que o município para, parece não, o que eu vejo é que parou completamente.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).

Atente-se que os “seres humanos não podem estar próximos ou distantes uns dos
outros sem que o espaço ofereça sua forma para tal (SIMMEL, 2013, p. 75)” e à luz desse
pressuposto se entende, por exemplo, o argumento do catraieiro de que “nós somos
fronteiriços com nacionalidade, com nome diferente, apenas o nome diferente, mas nós somos
amigos, nós somos irmãos e somos vizinhos, além de tudo, é o mesmo sangue humano, muda
apenas a nacionalidade, e nós nos respeitamos, nós fronteiriços Oiapoque–Saint-Georges, nós
nos respeitamos, entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013)”.
112

Ordenar o espaço fronteiriço segundo a lógica dos interesses econômicos, mas


manter sua acepção geopolítica em relação à circulação de pessoas pode gerar contradições
com a dinâmica das populações fronteiriças, pois, para os atores locais a fronteira sempre foi
um espaço de trânsito (BECKER, 2010; BRAGA, 2011; CASTRO, 2012; HAESBAERT,
2013). Com a flexibilização das fronteiras em favor de uma infraestrutura econômica, como
em parte é o caso de Oiapoque-Guiana Francesa (SILVA, 2013; D’HAUTEFEUILLE, 2009),
se impõe discutir se igualmente há uma sinergia em termos de legislação adequada a nível
transfronteiriço; à realidade local, que, compete ressalvar, é histórica, social, econômica e
cultural: a fronteira não é tomada como obstáculo, mas como uma zona ou área onde
acontecem interações entre indivíduos em suas vivências cotidianas. A premissa pode ser
verificada no trecho retirado da entrevista realizada com um técnico de informática que
também é assessor do executivo municipal, apreendido pela polícia francesa de fronteira na
vila de Saint-Georges.

Bom, já tem o quê... Uns dois anos, eu fui a serviço, né, que além de eu trabalhar
com informática, eu trabalho com outras áreas, eu trabalho com termo de
comunicação, instalação de parabólicas e também internet, e eu fui fazer um serviço
em Saint-Georges, né, geralmente eu vou lá quando alguém me convida pra fazer
um serviço e eu vou, eu fui fazer um serviço e nesse dia eu saí da casa da senhora
que tava fazendo o serviço, é na casa da filha dela, é como se fosse atravessar uma
quadra e na hora a PAF [Polícia de Fronteira Francesa] ia passando e mandou eu
encostar, perguntou se eu tinha papel, né, eu disse que não tinha papel, aí eles me
autuaram na hora, só que não me algemaram, nem nada, me trataram superbem, aí
mandaram eu entrar no carro e eu fui lá pra delegacia da PAF, tem uma na frente da
cidade, mas a que o pessoal fica preso é na outra, que é lá perto de quem vai pro...
Lá na estrada de quem vai pra Caiena, e chegando lá o pessoal fez toda aquela de
praxe de quando você vai preso, tira as suas digitais, tudinho...Faz todas aquelas
perguntas de onde você veio, seu nome e nesse dia tinha uma brasileira lá, que tem
que ter né, um brasileiro para traduzir e... É um constrangimento, né, você nunca foi
preso e você ser preso por uma coisa que você não tá roubando, não tá matando é
uma coisa muito... constrangedor... Eu fiquei preso das duas horas até as sete da
noite... Lá pelo menos tem um ar-condicionado, tem um ar-condicionado que já
melhora um pouco, já ajuda, né, eu fiquei numa cela sozinho, né, tinha vários
brasileiros presos, tinha até um rapaz da Center Kennedy que é da loja aqui do
Oiapoque, ele foi instalar uma central de ar e ficou preso lá, no dia que eu fui lá, ele
foi preso antes de mim, uma hora antes, ele foi instalar uma central de ar, quando ele
ia fazer, prenderam ele, ele tava com a farda da Center Kennedy e tudo, de serviço,
com as ferramentas e tudo e foi preso assim mesmo. (E2/TÉCNICO EM
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Como é possível depreender do relato, ir a Saint-Georges ou qualquer outro lugar do


outro lado da fronteira para fazer um trabalho é como ir a qualquer outro sítio dentro da
cidade de Oiapoque, tanto que o informante faz referência a outro trabalhador, que também
estava preso mesmo estando de uniforme e portando seus instrumentos de trabalho. A
fronteira ponte é percebida nesse ir e vir de brasileiros no e através de Oiapoque. Chama-se
113

atenção que, nesse caso, o rio não é uma ponte no sentido de ser uma estrutura sólida
produzida pelo homem, mas é concebido para aproximar, associar, ligar e unir não somente
parcelas do espaço, mas interesses, os quais acabam por vincular os atores em um processo
material e mental que revela a disposição desses agentes em definir o perímetro de sua
circulação; esse movimento não tem comprometimento com o destino a ser tomado, pois é de
pouca importância a qual lado se direciona (SIMMEL, 1996).
Atente-se para o fato de que a problemática relativa ao controle e fiscalização das
instituições francesas ao deslocamento e à mobilidade entre os dois lados da fronteira
corresponde objetivamente em limitações aos itinerantes que cumprem diariamente trajetos no
rio Oiapoque. Entre os atores institucionais franceses e os atores brasileiros em movimento se
desenrola uma interação que se traduz em ampliações-contrações, esses agentes relacionam-se
no e através do limite fronteiriço de modo distinto, mas sua interação configura uma unidade
entre defensiva e ofensiva, num estado de conflito que pode degenerar em confronto. Os
entrevistados afirmam não entender porque os franceses podem circular livremente no rio e na
cidade de Oiapoque, seguindo viagem inclusive para Macapá, sem passar por nenhum
constrangimento relativo a abordagens das autoridades brasileiras, e o brasileiro que atravessa
para o outro lado não recebe o mesmo tratamento.

Eles [franceses] vêm de lá, eles podem circular aqui, andar tudo e é tudo liberado,
mas se for um de nós assim, por exemplo, eu chegar lá, for fazer alguma coisa, se a
polícia tiver por lá, prende todos os brasileiros, fica lá, passa o dia todinho preso, só
sai de tarde. Aí no caso, eles podem andar aqui, mas a gente não pode andar lá e pra
gente tirar um papel pra andar lá é a maior dificuldade também, aí não pode tá
tirando. (E6/CATRAIEIRA, 2013).

A passagem de brasileiros pra Guiana Francesa, até agora não foi definido ainda
como vai ser feito essa nossa entrada na Guiana Francesa, e só o que existe hoje é
que os franceses têm o livre acesso ao território nacional só com um carimbo no
passaporte deles e já o brasileiro pra acessar o território francês, quando ele
consegue, ele tem que pagar sessenta euros e tem que se deslocar seiscentos
quilômetros até Macapá, que é muito constrangedor se eu quiser comprar um vinho,
um queijo aqui em Saint-Georges, eu tenho que primeiro ir em Macapá, pagar
sessenta euros e entrar na Guiana Francesa, então pra quem mora em Oiapoque
realmente é muito transtorno, constrangimento e algumas vezes a população de
Oiapoque passa constrangimentos ainda maiores, de ser até presa quando não tem
passaporte, não tem visto no passaporte, eles são detidos em Saint-Georges e passam
por até um dia inteiros. (E8/JORNALISTA, 2013).

Para esses indivíduos o que existe é a relação que mantêm com esse território, que é
visto como “seu chão”, o argumento se aproxima da concepção de Rosa Medeiros (2009) de
que o território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa foi produzido da ação inclusiva das
subjetividades. “A fronteira delimita o território, marca o espaço de sobrevivência, o espaço
114

de força. É este o espaço defendido, negociado, cobiçado, perdido, sonhado cuja força afetiva
e simbólica é forte (MEDEIROS, Rosa, 2009, p. 217)”. A circulação de itinerantes se impõe
recorrentemente nos encontros da Comissão Mista Transfronteiriça Brasil-França, primeiro na
retórica dos representantes franceses e brasileiros, os quais afirmam a necessidade de
regulamentar com instrumentos jurídicos à circulação transfronteiriça, considerada
indispensável ao desenvolvimento da própria cooperação na fronteira; segundo na dificuldade
em chegar a um consenso quanto às formas de mobilidade e o perímetro geográfico em que
será admitida. Ao ser suscitada a possibilidade de ampliar a circulação de pessoas no território
Oiapoque-Guiana Francesa – inclusive com o estabelecimento de repartições consulares tanto
do Brasil, quanto da França – em virtude da proximidade de inauguração da ponte Binacional,
a delegação francesa

lembrou que a isenção de vistos para a Guiana não é uma opção neste momento. O
lado francês ressalta também que restrições orçamentárias do governo francês não
permitem considerar a abertura de repartição consular em Oiapoque. A delegação
brasileira reiterou a importância desse consulado no sentido de facilitar a circulação
de pessoas entre Brasil e Guiana. (BRASIL/COMISSÃO MISTA
TRANSFRONTEIRIÇA BRASIL-FRANÇA, 2009, p.8).

É interessante capturar nas retóricas dos atores os conteúdos que configuram as


interações transfronteiriças, sejam entre governos, sejam entre atores locais. Mas, a despeito
da ampla gama de opiniões coletadas entre esses últimos, há um léxico comum de que se faz
necessário flexibilizar as barreiras que se impõem à mobilidade de pessoas entre os dois lados
da fronteira Oiapoque-Guiana Francesa. Ressentem-se os entrevistados de estarem sendo
penalizados por um problema com o qual não mantêm nenhuma relação: que é a migração
clandestina de brasileiros, a qual está associada a práticas de atos ilícitos e/ou criminosos, em
particular a garimpagem ilegal de ouro em território guianense. Há muita expectativa em
torno da criação no âmbito da cooperação de uma “uma carteira de circulação na fronteira,
essa carteira transfronteiriça, que nos permitisse ir até Saint-Georges, talvez ir até Caiena, até
pra nível de conhecimento, troca cultural de intercâmbio e tudo mais (E8/JORNALISTA,
2013)”.
As interações sociais transfronteiriças Oiapoque-Guiana Francesa são fatos sociais
que se caracterizam pela resiliência, abrangência e significação que apresentam, contudo, na
fala dos entrevistados; observa-se que as instituições francesas adotam há aproximadamente
quinze anos uma postura assinalada pelo sentimento de exclusão em relação aos brasileiros.
115

Os brasileiros cada vez mais eles foram, né, se deteriorando eles mesmos, praticando
esses delitos, estuprando mulheres, roubando as casas quando nós chegamos na
Guiana, minha família chegou é... Eles têm uma espécie de habitação que eles
chamam... É essas pequenas casas, pequenas fazendas, eles largavam tudo, os
brasileiros vão agora lá agora e roubam tudo, roubam, não furtam e tudo isso foi
criando esse sentimento de xenofobia contra o brasileiro, e agora... Hoje em dia
apesar de ter muito brasileiro eles não gostam de brasileiro mesmo, não gostam
mesmo porque eles acham que todo brasileiro que vai pra Guiana ou é ladrão ou é
mal feitor ou quando é mulher é prostituta. (E17/IMIGRANTE RETORNADO,
2013).

A generalização de que os brasileiros têm responsabilidade por subversões e desordens


públicas na Guiana Francesa está na discussão de Hidair (2008) na qual afirma haver na
Guiana Francesa discursos estigmatizantes contra certos imigrantes, dentre os quais os
brasileiros, sendo o viés estruturante desse discurso a atribuição de responsabilidade pelos
males que afligem a sociedade guianense. Isso procede particularmente nos garimpos, onde
acontecem em média, entre os próprios brasileiros, de um a dois homicídios por dia, além de
degradação ambiental, prostituição, tráfico de entorpecentes e de armas; para tentar controlar
essa situação a Gendarmerie coloca três helicópteros em constante fiscalização
(E19/GARIMPEIRO LEGALIZADO, 2013). Essas circunstâncias se manifestam nas
exigências crescentes de visto e documentação, na ameaça de detenção, nos exercícios
constantes da Gendarmerie, da Police aux Frontiéres e da Legião Estrangeira ao longo do rio
Oiapoque, tudo parecendo indicar uma política de segurança, a qual corresponde ao postulado
de que para os Estados o deslocamento e a mobilidade de pessoas são percebidos como
temáticas vinculadas a sua soberania (REIS, 2007).
Aliás, foi em uma das operações da Gendarmerie, realizada em sobrevoos nos
garimpos, que aconteceu o assassinato de dois policiais franceses, evento que ganhou
significativa repercussão na França, os militares mortos, faziam parte da operação Harpie,
contra o garimpo clandestino. Foi acusado pelo crime Manoel Moura Ferreira, conhecido
como Manoelzinho. Após ser preso em Macapá, na abordagem de uma viatura do Bope
(Batalhão de Operações Especiais), foi conduzido e interrogado na Polícia Federal e assim
descreveu o fato ocorrido no garimpo de Dorlin:

QUE no confronto com a polícia francesa, ocorrido em junho passado, atirou contra
os policiais franceses, e dois deles morreram; QUE três de seus amigos também
morreram naquela ocasião; QUE os disparos contra os policiais foram feitos com
fuzis AR-15; QUE “fui eu quem atirou no helicóptero”; QUE tem certeza que foi um
tiro seu que matou um dos policiais franceses; QUE tem certeza que o outro policial
morto foi atingido por um tiro do seu colega “BAXADA”; QUE os seus três
colegas, que agora não lembra os nomes, foram mortos em cima da montanha.
(BRASIL/MJ, 2012, grifos do autor).
116

Sem adentrar muito na polêmica questão da garimpagem clandestina se faz


necessário destacar seus efeitos, pois com o adensamento das restrições francesas e com o
acirramento dos conflitos entre atores institucionais franceses e moradores de Oiapoque, as
manifestações são de indignação, esses últimos não entendem porque não podem transitar de
um lado para o outro, se não estão roubando, matando, ou cometendo qualquer ato criminoso,
existe uma preocupação em expressar que nem todo mundo que atravessa para o outro lado é
garimpeiro, bem como de que nem toda mercadoria, combustível, ou quaisquer outros gêneros
que transportam têm como destino final o garimpo; além disso, os comerciantes que vendem,
e em especial os catraieiros que realizam o transporte pelo rio, afirmam que todas as
mercadorias são legais, pois têm notas fiscais, assim sendo não deveria a Gendarmerie
apreender seus produtos, queimar motores e quebrar as catraias.

Muitos problemas nós temos aqui, políticos entre os dois países, muitos acertos
foram feitos em Brasília, não foi discutido com a população, um dos problemas aqui
é que o brasileiro, ele não pode nem adentrar em Saint-Georges, ele tem parece-me
que cem metros pra poder circular, e isso ainda vai lá como se tivesse escondido,
enquanto que o francês vem aqui, adentra, pinta e borda, como se fala no popular, e
vários problemas já foram detectados com relação a isso. (E5/PROFESSOR E
ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

No dia 24 de outubro de 2006, foi realizada uma operação da Gendarmerie na Grand


Roche, na qual algumas catraias e canoas com seus respectivos motores foram destruídos. Os
proprietários fizeram boletins de ocorrência dos fatos no Departamento de Polícia do Interior
CIOSP-Oiapoque e depois anexaram essa documentação a um requerimento que foi entregue
a Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Assembleia do Estado do Amapá, sob
presidência do então deputado estadual Paulo José Ramos. Em função das denúncias, foi
organizada uma visita de deputados estaduais à Oiapoque no dia 17 de abril de 2007 com a
finalidade de “... apurar in loco acerca dos incidentes, envolvendo catraieiros brasileiros e
policiais franceses, ocorridos na fronteira do Brasil (Município de Oiapoque) com a Guiana
Francesa (AMAPÁ/COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DEFESA DO ESTADO,
2007, grifo do autor)”. Abaixo a fotografia de catraias cortadas (figura 15) que foram
apreendidas pela Gendarmerie e que se encontram recolhidas no posto dessa instituição
francesa localizado em Camopi.
117

Figura 15 – Catraias cortadas localizadas no posto avançado da Gendarmerie em Camopi,


Guiana Francesa.

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

“O que a gente vê aqui todo dia é o brilho de ouro nos olhos de um pessoal que não
são nem daqui”, essa frase foi pronunciada por um carregador no porto de embarque na orla
fluvial de Oiapoque por ocasião de uma conversa sobre o controle realizado pelas instituições
francesas ao tráfego das catraias e canoas (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007) e entende-
se que a intenção do informante era fazer referência ao fato de que os garimpeiros que
embarcam com destino aos garimpos na Guiana Francesa em sua grande maioria, não são de
Oiapoque, vêm esses indivíduos de outros lugares, são paraenses, maranhenses, piauienses e
uma pequena quantidade de amapaenses.
Isso reflete que a migração internacional de brasileiros para a Guiana Francesa é em
parte uma continuidade de migrações internas, são brasileiros excluídos dentro de seu país
que fecham essa porta para buscar em outro país uma inclusão econômica. Essa temática foi
abordada por Soares (1995) que identificou pequenos agricultores – expropriados de suas
terras – que se deslocaram do Maranhão para o Amapá e daqui para Guiana Francesa em
busca de alternativas de sobrevivência, que no caso da fronteira do Oiapoque significou a
atividade de extração de ouro. Essa ideia de que a existência do garimpo clandestino é devida
a falta de oportunidade no Brasil em se ter condições dignas de vida se expressa em retóricas
que buscam demonstrar que a vida no garimpo não é fácil, mas ainda assim é melhor, pela
chance de ganhar em média € 30 mil com a venda do ouro extraído em um mês de trabalho.
Desse ganho 30% para garimpeiros legalizados ou 50% para garimpeiros clandestinos é
destinado para as despesas com sustento, depreende-se, portanto, porque em Oiapoque existe
um senso comum da importância dos garimpos. O enunciado do carregador lembra o “sonho
118

do enriquecimento dourado” presente no imaginário de indivíduos que devido às agruras da


vida fazem dessa crença uma motivação para continuar lutando por uma melhora de vida
(E19/GARIMPEIRO LEGALIZADO, 2013).
Também é interessante como nas muitas entrevistas e conversas os atores além de
argumentarem que a maioria dos garimpeiros não é nem do Oiapoque, nem do Amapá e que
não é somente garimpeiro brasileiro que opera nos garimpos clandestinos da Guiana Francesa,
tem muitos crioulos da Guiana e do Suriname e da própria Guiana Francesa. Uma pessoa que
preferiu permanecer anônima – sem identificar-se por nome ou função, por temer ser
perseguida pela Gendarmerie ou pelo Exército brasileiro por conta de que trabalha num
garimpo clandestino – ao falar das interações sociais entre garimpeiros e agentes
institucionais franceses, que teriam resultado na morte de três brasileiros, afirma que isso

Tá virando uma guerra, só que a notícia das mortes não chega no resto do Brasil.
Agora imagina se fosse um gendarme e nós brasileiros tivéssemos ali no garimpo e
matasse três gendarme, dava uma guerra, porque é rapidola... Era avião, helicóptero,
era capaz de bombardear o pessoal que tem lá, mas nunca foi morto um gendarme
por brasileiro. Agora pergunta quantos brasileiros já foram mortos por gendarmes e
ninguém diz nada, é igual tá matando rato. (E18/PESSOA ANÔNIMA, 2013).

O reconhecimento de que garimpo/garimpeiro é temática que torna a convivência na


fronteira Oiapoque-Guiana Francesa cada vez mais conflituosa é recorrente. Observe-se nas
citações a seguir retiradas de entrevistas em Oiapoque e Vila Brasil:

Só que a pergunta é a seguinte: nós têm garimpo ilegal? Não! Nós não têm garimpo
ilegal. Quem tem garimpo ilegal é a Guiana, então esses acordos têm que ter essa
política pública, a gente tava conversando hoje de manhã pra rever essa situação,
porque cada país tem sua soberania, nunca vi isso de você ter direito de adentrar no
país dos outros e decidir alguma coisa. Então, assim, é ainda uma situação muito
longe de ser resolvida, é um problema sério que a gente tem... Pra gente que vive e
mora aqui! Sempre tá acontecendo de um brasileiro matar um francês, um francês
matar um brasileiro. Então são feridas aí de quatrocentos anos, desde a época dos
tratados, até hoje ainda tá... Ainda tem essa cicatriz aberta. (E5/PROFESSOR E
ASSESSOR DO EXCUTIVO MUNICIPAL, 2013).

É a questão do garimpo, inclusive recentemente houve um homicídio, uma morte


por parte dos policiais da Gendarmerie lá próximo de Vila Brasil, um brasileiro
tentou furar o bloqueio e aí foi alvejado por vários disparos, um atingiu a cabeça
dele e morreu na hora lá, eles queriam levar o corpo pra Caiena, mas aí houve muita
pressão por parte dos moradores de Vila Brasil e aí o corpo foi liberado pra que
fosse feito o traslado até Oiapoque e seguisse viagem. Houve também há dois anos
atrás, dois policiais franceses foram mortos, conflito de garimpo, então essa
retaliação que hoje os brasileiros sofrem na área de garimpo, é proveniente desse
crime que aconteceu desses dois policiais franceses que morreram. (E1/ASSESSOR
DE COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013)
119

Para aqueles que se deslocam para Guiana Francesa, garimpeiros ou não, com ou
sem documentos, Oiapoque não é fronteira ponte, é a fronteira porta, na qual o unir e o
separar aparecem mesclados, e tal mescla se revela no deslocamento de brasileiros que
atravessam para a Guiana Francesa com a intenção de lá se fixar, ou por lá permanecer um
tempo. Ou seja, na fronteira porta se desvela a intencionalidade do agente: de onde deseja sair
e para onde deseja entrar. O exemplo mais emblemático dessa afirmação se obteve nas
entrevistas com os carregadores, pois alguns eram garimpeiros que atuavam no departamento
francês na ilegalidade e desistiram do “sonho dourado” vindo trabalhar em Oiapoque como
carregador, pois segundo afirmaram: “cansei daquela vida, que não é vida de um filho de
Deus, lá [nos garimpos] a gente vê de tudo, é droga, é morte, é malária, é tudo que não presta,
tudo lá é ruim (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013)”.
26
Ao utilizar as metáforas da ponte e da porta construídas por Simmel (1996) se
torna possível apreender a vocação do agente em pensar a fronteira Oiapoque e dessa imagem
constituir a união ou divisão: “a ponte vai mostrar como o homem unifica a cisão de ser
puramente natural, e a porta, ao contrário, como deste ser natural ele cinde a uniformidade
contínua (SIMMEL, 1996, p. 14)”; dito de modo objetivo, o itinerante é aquele quem percorre
o rio como caminho, itinerário por onde se movimenta ligando lugares; já o migrante é aquele
que está saindo, fechando a porta para uma realidade e abrindo para outra, na qual acredita
encontrar uma melhor condição de vida, ainda que muitas vezes não seja necessariamente isso
que encontre na Guiana Francesa.
Ao considerar-se que quando um indivíduo penetra em determinado ambiente cuja
dinâmica própria é resultante de um complexo de fatores socioculturais, poder-se-á definir
que as ações daqueles que chegam a Oiapoque com destino à Guiana Francesa, bem como
daqueles itinerantes que se valem do sistema de transporte fluvial, são influenciadas por
imaginários sociais. Essas criações coletivas resultantes das formas como são percebidas as
condições existenciais de vida mediam as percepções da fronteira, de um modo diferente da
fronteira-símbolo convencionado por Brasil e França ao findar o século XIX. Assim sendo, na
primeira atribuição, os significados são mais polissêmicos não estando limitada ao referente,
que no caso seria o talvegue do rio Oiapoque. Tais imagens operam cotidianamente e são
relativas à prosperidade e a melhor qualidade de vida que emanam da Guiana Francesa e é
esse imaginário social que sustenta a mobilidade e os deslocamentos na e através da fronteira
no sentido Oiapoque-Guiana Francesa. Esses fenômenos relativos ao trânsito no rio Oiapoque

26
Ao analisar as formas estéticas com as quais o indivíduo confere visibilidade e durabilidade ao fluxo da vida –
composto tanto por interioridades como por exterioridades – pelo qual se cumpre sua realidade.
120

têm os seguintes desdobramentos: o primeiro remete a efetivação das interações sociais entre
os agentes localizados nos dois lados da fronteira e nesse caso a fronteira é dinâmica, pois seu
sentido de exclusão é eliminado pela intenção dos agentes em realizar suas motivações; o
segundo acontece quando a partir desse movimento ocorre a transgressão de seu sentido
jurídico e político, o qual simboliza o monopólio da legitimidade da mobilidade (REIS, 2007),
ou seja, como um controle sobre quem entra e quem sai do território nacional e do qual nasce
a conflitualidade entre agentes institucionais franceses e brasileiros.
Nessa direção, é pertinente retomar a afirmação de Póvoa Neto (2007) de que a
ênfase no território como espaço de controle mantém nexos bem estreitos com dimensões de
poder envolvidas que se cristalizam na imposição da disciplina sobre a mobilidade e no
controle aos deslocamentos. Até o momento de desenvolvimento do estudo o que de fato se
verifica é que a cooperação fronteiriça Brasil-França tem como efeito mais sensível conferir
maior visibilidade às dinâmicas populacionais na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa e que
isso se faz acompanhar pelo exercício de poder que reforça a exclusão dos agentes por meio
do disciplinamento da mobilidade e da interdição dos deslocamentos na e através da fronteira,
que em termos objetivos é o rio Oiapoque.
4 A COOPERAÇÃO: SENTIDO LOCAL.

4.1 Considerações iniciais

Como já oportunamente relatado, no território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa


desde meados da década de noventa vem se estabelecendo um conflito alusivo à mobilidade e
aos deslocamentos de brasileiros no rio Oiapoque, como também às interdições ao
desembarque de brasileiros na vila de Saint-Georges. A controvérsia é decorrente do
adensamento institucional francês no controle de sua fronteira na Guiana Francesa, sendo isso
reflexo da política anti-imigração em vigência na França a partir da década de 1970. A isso se
acrescente o combate à garimpagem de ouro realizada por migrantes brasileiros que entram
para os garimpos guianenses em situação ilegal. Ao longo dos anos 2000, se consolidaram tais
ações, que mesmo legais, do ponto de vista da soberania francesa, provocam confrontos com
ônus materiais, embaraços, existindo inclusive registros de perdas de vidas humanas.
Simultâneo ao adensamento do controle fronteiriço da Guiana Francesa para o Brasil,
outro processo principiava, fala-se da cooperação fronteiriça franco-brasileira,
institucionalizada com o Acordo Quadro de Cooperação (1996). Na literatura que versa sobre
as relações internacionais, esta modalidade de cooperação – surgida no âmbito da unificação
econômica e política europeia – vincula-se a implantação de um quadro institucional com
foco na fronteira comum, tendo como proposição tanto equacionar desequilíbrios entre
coletividades fronteiriças como promover seu respectivo desenvolvimento socioeconômico
(OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA, 2004).
No campo das relações internacionais os estudos que abordam tais processos de
integração regional na América do Sul (com valorização das fronteiras comuns) não têm
contemplado seus significados em escala local, devido serem privilegiadas as ações entre os
governos centrais (COUTINHO, HOFFMANN, KFURI, 2007; BORGES, 2009; COSTA,
2009). No entanto, essa ausência é compensada pelos trabalhos de cientistas sociais e
geógrafos que apontam que esses arranjos políticos, na maioria das vezes, não apresentam
resultados satisfatórios para os atores que vivem nas cidades localizadas nos territórios onde
se desenrola a política de integração. Boa parte desses estudos se concentra nas migrações
transfronteiriças, em especial com foco no MERCOSUL, pautam-se principalmente na
formulação de que o contato entre populações fronteiriças propicia a formação de um
contexto territorial onde entram em conjunção territorialidades e/ou identidades. Nessas
circunstâncias, surgem as redes transfronteiriças que facilitam e mantêm a
122

continuidade dos fluxos migratórios (HAESBAERT, SANTA, BÁRBARA, 2001;


RODRIGUES, 2006; SPRANDEL, 2006; ALBUQUERQUE, 2010; BRAGA, 2011).
Ao estabelecer os nexos entre a institucionalização da cooperação fronteiriça franco-
brasileira em 1996 e a entrada em vigor da política de controle na fronteira Oiapoque-Guiana
Francesa a partir do mesmo período, formulou-se o argumento de que a cooperação
fronteiriça também tem como uma de suas proposições o estabelecimento de um regime de
mobilidade no território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa. Pauta-se a afirmação em fatos
já devidamente indicados: a inclusão do tema migração como prioritário em todas as reuniões
da Comissão Mista Transfronteiriça Brasil-França (de 1997 a 2013); a falta de convergência
entre representantes brasileiros e franceses em chegar a um consenso relativo ao tema da
mobilidade transfronteiriça; a construção da ponte Binacional sobre o rio Oiapoque – Simmel
(1996) afirma que as pontes são erigidas pelos homens para coagular fluxos de pessoas,
veículos, mercadorias, etc. –; bem como o atraso em sua inauguração.
O relacionamento entre os governos do Brasil e da França na fronteira Amapá-
Guiana Francesa envolve diferentes agentes e escalas espaciais (internacional, nacional e
subnacional), e as reflexões que dissertam sobre esse tema manifestam maior preocupação
com os novos sentidos políticos atribuídos a essa fronteira, sem, contudo, explorar esse
processo na dimensão local (MARTINS, 2008; GRANGER, 2011; SILVA, 2013; POLICE,
2010; SUPERTI, 2013). Não foi somente o diagnóstico desta lacuna que conduziu a buscar os
atos de fala; a inquietude também adveio das experiências sensoriais vivenciadas durante os
períodos em que se esteve na cidade de Oiapoque e nas comunidades de Ilha Bela e Vila
Brasil (novembro de 2007, outubro de 2011, julho de 2013); quais sejam: visuais, decorrentes
da observação do intenso e constante movimento de pessoas e a agitação das atividades
concentradas em sua orla fluvial; auditiva por conta do burburinho das ruas manifestado
preponderantemente em português de variações prosódicas, mas também em francês. Tais
experiências suscitaram a seguinte constatação: Oiapoque não é somente um lugar de
fronteira, onde se localiza uma cidade e um rio homônimos, trata-se de uma coletividade
territorial para a qual as relações com a Guiana Francesa fazem parte de sua sociodinâmica.
Pelo exposto, a proposta do capítulo é interpretar “dizeres locais” – tomando, para
tanto, atores representativos das categorias selecionadas pela investigação – sobre a
cooperação fronteiriça franco-brasileira. Por meio das inferências sobre esses “dizeres”
espera-se atribuir um sentido local à cooperação fronteiriça, trata-se de estabelecer um diálogo
entre o particular e algo mais geral. Ou seja, diante de manifestações subjetivas, apreender
como são enunciados pelos agentes locais seus efeitos, ou a ausência deles, essa interpretação,
123

conduzirá ao fluxo incessante daquilo que é por eles vivido, sentido, agido (NEVES, 2011).
Também desvelará como eles se articulam para manter sua autonomia e singularidade, ainda
que sejam indivíduos heteronímicos em virtude de residirem no entorno da fronteira
internacional. Acredita-se que ao capturar tais manifestações torna-se possível extrair os
padrões sobre os quais se ergueu a vida social e se a cooperação é uma mudança que inclui ou
exclui. O texto apresenta inicialmente os “dizeres locais” sobre a cooperação fronteiriça
buscando com isso capturar nessas expressões idiomáticas – nascidas do cotidiano vivido – a
convergência de percepções que revela a existência de uma opinião pública oiapoquense. Em
seguida a discussão é desenvolvida com análise dos procedimentos adotados pelos agentes
para influenciar determinantemente as decisões políticas que são tomadas no âmbito da
cooperação fronteiriça e que afetam ou podem afetar sua cotidianidade e historicidade.
Ao tomar como premissa de que a cooperação fronteiriça franco-brasileira relaciona-
se aos movimentos da globalização, perfila-se com Giddens (2008) em sua observação sobre a
reflexividade entre o global e o local; nessa intersecção as coletividades são desencaixadas de
seus contextos mais imediatos, àqueles das práticas mais recursivas, no qual os reencaixes
individuais e coletivos se realizam, ainda que em temporalidades heterogêneas, podendo ser
mais rápidos ou mais lentos. Com a apresentação desse sentido local fecha-se o conjunto de
alegações quanto à existência de uma condição de transfronteiricidade em Oiapoque
(fronteira, cidade e rio). Na construção conceitual da condição de transfronteiricidade tomou-
se como objeto de estudo as interações sociais para além e através da fronteira de Oiapoque;
e, por conseguinte, as práticas que efetivam o contexto interativo, quais sejam: a mobilidade e
os deslocamentos no rio.

4.2 Os “dizeres locais” sobre a cooperação fronteiriça França-Brasil

Na primeira viagem a Oiapoque para coleta de dados em 2007, já estava vigente a


cooperação fronteiriça franco-brasileira há onze anos e, ainda assim, o que se constatou nessa
fase exploratória foi um predominante desconhecimento local em relação ao tema. À época,
nas conversas informais com diversos atores – estabelecidas no mercado da cidade, na orla do
rio e em algumas pousadas – , as referências feitas estavam relacionadas às crescentes
dificuldades para se obter o visto de entrada na Guiana Francesa, e às operações militares de
combate as atividades ilegais e /ou ilícitas realizadas por brasileiros nesse território,
principalmente a garimpagem de ouro e suas consequências no sistema de transporte fluvial
do rio Oiapoque. Circulavam informações sobre como nos garimpos clandestinos existiam
124

franceses, guianenses e indígenas, mas com eles “os gendarmes não faziam nada, o caso deles
é perseguir os brasileiros mesmo (Ref. Diário de Campo, Macapá, 2007)”. Isso remete a tese –
ainda que, com a ressalva, de se tratar aqui de deslocamentos temporários – que explica serem
os migrantes internacionais caracterizados como excedentes, indesejáveis, subversivos,
onerosos, em síntese uma ameaça à estabilidade social do país receptor.
Essas representações que estigmatizam os migrantes brasileiros foram pontuadas por
Hidair (2008) ao realizar uma revisão da história dos fluxos migratórios de brasileiros para a
Guiana Francesa e, por conseguinte, elucubrar sobre as razões da discriminação e da
imputação de estigmas aos brasileiros em sua incrustação socioeconômica. 27 Destarte, a
autora alega que “As razões pelas quais os brasileiros são estigmatizados são variadas e se
alteram ao longo do tempo, o que mantém a imagem negativa dessa imigração. Dentre os
temas decorrentes da discriminação, encontram-se o garimpo clandestino, a insegurança e a
prostituição (HIDAIR, 2008, p. 133)”. Os dados recolhidos nas entrevistas com imigrantes
retornados também expressam que na Guiana Francesa existem preconceitos e estigmas que
tipificam o brasileiro de modo pernicioso. Os brasileiros informados acerca desses
preconceitos acabam formulando um conceito sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira
que se afasta daquele anunciado pelas retóricas dos agentes estatais nos encontros da
Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil. Os excertos a seguir contrapõem essas duas
formas de compreensão:

As Partes confirmaram a disposição de estabelecer diálogo para a implementação de


políticas que objetivem facilitar a livre circulação de pessoas com fins idôneos,
respeitando legislação dos dois Estados em matéria de fixação de residência de
imigrantes dos dois lados do rio Oiapoque. Decidiram criar mecanismo bilateral para
desenvolver um diálogo direto e estruturado sobre as questões migratórias. A Parte
brasileira enfatizou a necessidade de nítida distinção entre o tratamento do tema
migratório e o do combate a atividades ilícitas. [...] Decidiu-se também criar uma
“linha direta” entre os dois países para tratar de questões urgentes de natureza
migratória. (BRASIL/COMISSÃO MISTA DE COOPERAÇÃO
TRANSFRONTEIRIÇA BRASIL-FRANÇA, 2008, grifo do autor).

Eles acham que o brasileiro vai tirar o emprego dos guianenses, né, e fazendo
serviço barato, por exemplo, tem a construção de uma casa o guianense pede o preço
da tabela deles, eles têm uma tabela, vai o brasileiro por trás e faz pelo terço desse

27
Os primeiros a empreenderem esforços para explicação sociológica das migrações foram os estudiosos da
Escola de Chicago. As ponderações giravam em torno das questões relativas à integração ou não dos migrantes
nas sociedades receptoras, bem como sua assimilação cultural e estrutural. O termo melting pot foi cunhado para
explicar que a sociedade estadunidense serviria como um crisol de culturas, depurando os imigrantes em termos
culturais, de modo que esses indivíduos seriam americanizados; contudo, isso não significaria um total abandono
de seus valores e modos de vida. Esse pressuposto não se concretizou, pois ao contrário do que preconizava o
melting pot, os grupos de imigrantes converteram-se em grupos étnicos afirmando sua diversidade (SASAKI;
ASSIS, 2000).
125

preço e aí há uma competição desleal, né, concorrência desleal e tudo isso faz com
que eles criem esse sentimento de repulsa, de raiva nos brasileiros, principalmente
agora que vai muita gente, vai muita gente, inclusive vai até de menor que eles vão
clandestino. [...] Eu acho que não existe essa cooperação sabe... É só um discurso,
um discurso falso, porque na realidade não existe, são países de lei totalmente
diferente, né. Lei totalmente diferente. Eles [franceses] colocam como se fosse o
garimpo, mas não é só o garimpo, acho que a principal dificuldade são os delitos
cometidos por brasileiros na Guiana Francesa, são muitos... É todo dia, todo dia,
roubo, furto, agora estupro, às vezes matam. É, então, a principal dificuldade é essa,
não tem perspectiva mesmo de haver uma cooperação que [i.e. como] eles chamam.
Como é que vai haver cooperação?(E17/IMIGRANTE RETORNADO, 2013).

Como citado por Hidair (2008), um dos motivos da estigmatização dos brasileiros é a
garimpagem ilegal de ouro. Para resolver essa problemática os governos do Brasil e da França
firmaram um acordo no ano seguinte (2008) com a finalidade de desestruturar esta atividade
em zonas protegidas ou de interesse patrimonial. O instrumento tem por escopo organizar
ações entre instituições dos dois países para eliminar esse tipo de atividade no território
fronteiriço da Guiana Francesa. Na mensagem encaminhada pelo Ministério das Relações
Exteriores ao Congresso Nacional, ao iniciar sua tramitação como projeto de lei, assim se
justifica sua relevância:

O presente instrumento visa reforçar o combate à atividade ilegal de extração do


ouro nos territórios classificados como parque nacional e nos territórios fronteiriços
entre a Guiana Francesa e o Estado do Amapá, situados na faixa de 150 km de
ambos os lados da fronteira.
Considerando que a extração ilegal do ouro ameaça a preservação do patrimônio
ambiental do Planalto das Guianas e compromete a saúde e a segurança das
populações que extraem os seus meios de subsistência da floresta, as Partes se
comprometeram a implementar um regime interno completo de regulamentação e
controle das atividades de pesquisa e lavra de ouro nas zonas protegidas ou de
interesse patrimonial.
O Acordo prevê a implementação de medidas necessárias para combater toda
atividade de extração ilegal e comércio de ouro não transformado, especialmente as
atividades de venda e revenda, e toda atividade de transporte, detenção, venda ou
cessão de mercúrio efetuada sem autorização. Prevê, ainda, o confisco e, em última
instância, a destruição dos bens, material e instrumentos utilizados para extrair o
ouro ilegalmente. (BRASIL/MRE, 2008).

Esse acordo desde sua assinatura e mesmo antes da sua aprovação (ocorrida em
dezembro de 2013) desencadeou maior rigor quanto à vigilância, reservas, apreensões e
embargos relativos à prática dos brasileiros de transcender a fronteira. Não se pode esquecer
que a sustentabilidade da migração e da extração de ouro – mesmo proscritas pelo governo
francês e implicando em restrições em sentido ampliado – acabou por se constituir em fator
impulsionador da economia oiapoquense “porque o garimpeiro quando vem, compra uma
camisa, usa a catraia, usa o hotel, usa o restaurante, usa o banco pra remeter o dinheiro pra
cidade dele (E10/CATRAIEIRO, 2013)”. Nessa direção, o argumento de Póvoa Neto (2007)
126

esclarece que as barreiras político-institucionais, cristalizam-se em políticas migratórias


proibitivas; em barreiras culturais e ideológicas, quando o migrante passa a ser representado
como inferior, indesejável ou ameaçador à segurança e ao bem-estar das sociedades
hospedeiras. Compartilha-se do argumento do autor e da opinião do imigrante retornado: não
é a garimpagem ilegal de ouro o cerne da questão, de fato acredita-se que o cerceamento ao
trânsito de brasileiros na Guiana Francesa está diretamente relacionado à política migratória
francesa de impedir a entrada de brasileiros (ou quaisquer outros migrantes) em seu território.
Reis (2007) afirma ser a preocupação da política migratória da França, em relação
aos estrangeiros em seu território, não exatamente o controle de limites que costumam ganhar
concretude nas barreiras fronteiriças; isso inclusive é contrastado pela autora em relação à
fronteira México-Estados Unidos, onde este último mobiliza tanto recursos humanos como
tecnológicos para impedir que mexicanos ultrapassem sua fronteira. Há na França uma
atenção para demarcar limites entre cidadãos e não cidadãos, entre imigrantes documentados e
imigrantes sem documentos. Esse procedimento nasceu da medida que instaurou

os controles de identidade preventivos nas ruas, com base em qualquer característica


que pudesse identificar a pessoa como estrangeira. A partir de então, a polícia estava
autorizada a exigir documentação de qualquer indivíduo que não parece francês, e
detê-lo para averiguação caso ele não apresentasse seus documentos de
identificação. [...] A medida não conseguiu unanimidade [...]. Mas a medida não foi
retirada do projeto, e foi aprovada apenas com pequenas modificações na linguagem,
que afirmava que a raça não poderia ser usada como critério de caracterização do
estrangeiro. (REIS, 2007, p. 150).

A esse dispositivo seguiu-se a lei de interdição ao acesso de imigrantes sem


documentos a serviços médicos. Esses dispositivos de acordo com Reis (2007) introduzem
um debate não somente sobre a distinção entre francês cidadão e imigrante não cidadão, como
também diferencia o imigrante legal do ilegal. Ainda conforme a autora isso não é de todo
estranho em termos de legalidade, a polêmica e a complexidade da questão residem no
estabelecimento de critérios definidores de quais “são os direitos inalienáveis do ser humano,
que não podem ser negados nem mesmo na situação de clandestinidade”; disso resultou um
grande distanciamento na França entre “políticas de imigração e nacionalidade de um lado e o
discurso dos direitos humanos de outro (REIS, 2007, p. 150-151)”. Para os brasileiros de
Oiapoque há claro entendimento de que

a França, hoje ela ainda tem uma lei, que é lei da França, por ser um departamento
francês aqui a Guiana Francesa, mas regido pelas leis francesas, então impede que
muitos brasileiros possam fazer suas compras lá na cidade de Saint-Georges devido
essa parte de documentação, eles querem uma documentação, querem uma séjour,
127

querem um passaporte [para] que eles possam permanecer lá. Só que toda cidade de
fronteira, todos os fronteiriços que moram em cidade de fronteira, eles têm livre
acesso de poder das sete horas da manhã até as dezoito horas permanecer na
fronteira, fazer suas compras e voltar, mas infelizmente não tá tendo isso, nós não
temos esse acesso até Saint-Georges. (E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA
PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).

Fica-se confiante de que isso remete a limites, não físicos, mas sociológicos, àqueles
que são estabelecidos nas interações. Verifica-se que definir critérios políticos para distinguir
categorias sociais e seus respectivos papéis numa determinada população que está localizada
em certo território, significa constituir uma hierarquia, na qual são constituídos limites para
separar indivíduos singulares e coletivos que estão em contiguidade espacial. Ao tratar de
limites lembra-se Simmel (2013) em seu postulado de que os limites operam sobre as
interações sociais, de sua perspectiva, o limite demarcado por uma figuração exerce duas
funções, tanto ele a separa e a singulariza em relação a outras unidades espaciais, quanto ele
pressiona seus membros à coesão ou à divisão.
O Estado territorial ao delimitar suas fronteiras externas – seja pela apropriação de
um elemento natural constante no espaço, tal como um rio ou uma cadeia de montanhas, seja
pela fixação de marcos – procede a impressão na totalidade espacial dos limites de sua
unidade interativa, na qual “a relação funcional de cada elemento com qualquer outro, ganha
sua expressão espacial no limite que a emoldura (SIMMEL, 2013, p. 79)”. Contudo, se o
limite físico convencionado pelos Estados tem uma existência ideal, no caso de limites
dispostos politicamente destinados a separar os imigrantes e/ou estrangeiros dos membros de
sua própria unidade nacional – como em particular a situação dos brasileiros na Guiana
Francesa, independente do tempo de sua permanência – , sua solidez se revela em
intervenções no cotidiano vivido pelos indivíduos.
Ao aplicar essa concepção para pensar as situações conflituosas envolvendo
brasileiros e gendarmes em torno da passagem através e além do limite fronteiriço que é o
talvegue do rio Oiapoque, como também o impedimento do desembarque de brasileiros na
vila de Saint-Georges; fica-se com o entendimento de que os agentes institucionais franceses
ao cumprir a “lei da França no departamento da Guiana Francesa (E1/ASSESSOR DE
COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013)” estabelecem limites entre
indivíduos que são conviventes justamente por estarem próximos espacialmente. Isso se
espelha na desarticulação de práticas sociais recorrentes que compõem o fluxo da vida desses
indivíduos, afetando, por conseguinte, aquilo que Domingues (2003) chama de “horizonte
128

menos móveis que somente a longo prazo tendem a mudar (DOMINGUES, 2003, p. 473)”.
Assim sendo, perfila-se com a concepção simmeliana de como o limite

envolve uma interação bem peculiar. Cada um dos dois elementos exerce efeitos
sobre o outro ao estabelecer-lhe o limite, mas o conteúdo desse efeito é justamente a
determinação de não querer ou não poder operar para além desse limite; ou seja,
sobre o outro. Se essa noção geral da limitação recíproca deriva do limite espacial, já
numa análise mais profunda esse último é apenas a cristalização ou espacialização
dos processos limitadores anímicos, os únicos de fato reais. Não são os países nem
os terrenos, nem o distrito urbano nem o rural que se delimitam reciprocamente; mas
os habitantes ou proprietários exercem o efeito recíproco que acabo de apontar.
(SIMMEL, 2013, p. 81, grifo do autor).

Além da migração e dos garimpos, outro assunto muito citado nos ‘dizeres locais’ é
relativo à criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e suas consequências
para as comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil localizadas em sua área. Queixam-se os
moradores dessas comunidades de estarem sendo “perseguidos”, inicialmente pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e depois com a divisão
institucional em 2007 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). De certo que o problema indicado sempre faz menção às fiscalizações efetuadas
por agentes institucionais franceses e/ou brasileiros e que além de afetar a mobilidade pelo rio
Oiapoque estavam acarretando muitos prejuízos e constrangimentos. Alegavam os indivíduos
que a cooperação não estava trazendo um bom resultado, pois eles entendiam que a parceria
entre instituições da França e do Brasil se manifestava em ações de controle e fiscalização ao
trânsito pelo rio Oiapoque, tanto que em suas falas aludiam de modo indignado ao fato do
Exército brasileiro estar “guarnecendo a fronteira da França e humilhando os brasileiros”
(Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007).

Em 2002 criaram o Parque no Tumucumaque através do decreto do ex-presidente


Fernando Henrique Cardoso. Nasceu aquela insegurança dos brasileiros que ali
viviam que escolheram aquele lugar pra morar, mas a gente foi a luta em defesa
daquele povo. [...] Porque hoje o município do Oiapoque tomou conhecimento que a
audiência que eles fizeram não foi uma audiência pública. Fizeram uma audiência no
público, apenas seis pessoas do município do Oiapoque assinaram a ata da criação
do Parque aqui no município do Oiapoque. (E12/VEREADOR E PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013).

Em 2011, uma parcela maior de pessoas já afirmava ser conhecedora da cooperação


fronteiriça, mas em todas as entrevistas esse conhecimento era referendado pela presença da
ponte Binacional cujas obras estavam concluídas, mas não inaugurada. Antes, no ano de 2007
a cooperação fronteiriça tinha seu conhecimento atrelado às abordagens institucionais para
129

controlar o trânsito de passageiros e mais especialmente de máquinas, equipamentos,


combustíveis e mercadorias que pudessem subsidiar tanto os garimpos ilegais na Guiana
Francesa, quanto a subsistência das comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil, cujos moradores
estavam sendo “convidados” a se retirar por conta do Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque.
Então, já com quinze anos de vigência, a cooperação se materializava ao olhar dos
moradores de Oiapoque na ponte Binacional, a qual cumpre destacar, era e é meio
contraditória se for colocada no contexto urbano da cidade, que é marcado pela precariedade
em termos de infraestrutura. Mas a ponte já provocava outros questionamentos acerca de sua
utilidade, a controvérsia girava em torno da atividade dos catraieiros, profissionais
responsáveis pelo transporte no rio Oiapoque que seriam significativamente afetados pela
inauguração da ponte. Também eram frequentes as alusões a quem de fato serviria a ponte,
pois alegavam os informantes que os franceses não queriam brasileiros na Guiana Francesa,
de modo que o sentido da ponte seria somente da Guiana Francesa para o Amapá (Ref. Diário
de Campo, Oiapoque, 2011). Observa-se uma permanência nas preocupações locais
concernentes à mobilidade e ao deslocamento de pessoas entre os dois lados da fronteira,
desta feita ampliada do rio para a ponte. É imperativo nas falas dos agentes locais que a ponte
Binacional é a única realização da cooperação para a população de Oiapoque, mas que isso
somente procede para o período de sua construção, já que após sua conclusão

o beneficio é para eles [franceses], são eles que vão lucrar, porque nós não podemos
ultrapassar, até pra nós ultrapassarmos, olha a diferença: é, por exemplo, se eu
comprar um carro hoje, eu tenho que pagar IPVA, imposto, tudinho, tem que ter um
seguro, não é? O que acontece? Mesmo eu pagando aqui, não vale lá! Vale pra nós
aqui, não vale lá! [...]. Porque lá se eu não me engano são noventa dias pra trocar os
pneus, todinha umas regras, então geralmente nem todos os brasileiros vão ter essa
possibilidade de chegar [e dizer]: eu vou passar pra Guiana, vou até Caiena, Não vai
conseguir, porque talvez o seu carro não consiga suprir as exigências deles, também
tem que ter, no caso, a carteira internacional. (E2/ TÉCNICO EM INFORMÁTICA
E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Na imagem (figura 16) nota-se a placa onde está escrito a palavra “PARE”, que
simbolicamente inscreve na percepção de seu leitor qual o sentido do fluxo que pela ponte irá
passar. Esses dados ao serem considerados em associação parecem corroborar o argumento de
que a cooperação fronteiriça tem para além das prerrogativas relativas a parcerias para
desenvolvimento de infraestrutura, pesquisa cientifica e tecnológica e de prevenção (saúde,
meio ambiente, defesa civil e criminal, etc.) uma dimensão disciplinadora e interventora com
foco no território Oiapoque-Guiana Francesa e seus habitantes.
130

Figura 16 – Placa PARE do lado brasileiro da ponte Binacional.

Fonte: Acervo pessoal de Carmentilla Martins, julho de 2013.

Como pode haver cooperação se existe um controle sobre a mobilidade e um


disciplinamento do espaço que pode ser indicado com a construção da ponte Binacional.
Quando inaugurada, essa ponte vai concentrar o movimento de pessoas e com isso romper
com a “mescla” que o rio Oiapoque promove, pois se o fato de sua largura favorecer a
situação de vizinhança entre as coletividades, de outro lado seu cumprimento dificulta o
controle dos agentes institucionais. Essa afirmação pautada nos “dizeres locais” serve para
que seja pensado o poder estatal e sua relação com o território e com os indivíduos que nesse
pedaço de chão se fixaram ou que por aí se deslocam. Ao verbalizar sua opinião sobre a
cooperação o imigrante retornado garante que

tá havendo cooperação pro lado daqui, né? Porque a gente deixa os franceses entrar
com carro, com tudo, mas vai daqui pra lá, você não entra de jeito nenhum! Não
entra! Toda quanta é espécie de dificuldade eles colocam. E aquela ponte dizer que
vai facilitar, não vai facilitar nada! Vai facilitar o quê? Pra exportação de produtos
agrícolas daqui pra lá ou então pra que eles venham também utilizar o cais daqui.
Porque o cais deles lá é muito oneroso pra Guiana Francesa, eles têm que todo
tempo fazer a dragagem, a dragagem, dragagem... Se você foi na Guiana Francesa
você viu, a frente de Caiena tá só um manguezal, até caranguejo tem lá na frente e
aquilo não era assim não, não era assim! Ela ficou assim com a dragagem do porto
Dégrad-des-Cannes que eles fizeram pra receber navios então aquela lama que eles
dragam lá o mar joga tudo pra cima de Caiena. Que ali eram praias lindíssimas.
(E17/IMIGRANTE RETORNADO, 2013).

Observa-se que a cooperação fronteiriça com seu mais emblemático símbolo – a


ponte Binacional – apresenta uma condição ambígua para o cotidiano na coletividade de
Oiapoque; trata-se de um estar junto e ao mesmo tempo estar separado, mas proximidade e
distância não são aqui somente palavras para referenciar a contiguidade e afastamento
131

espacial, há bem mais que isso nesse relacionamento de Oiapoque com a Guiana Francesa:
nele intercambiam-se experiências de poder, materiais e simbólicas que se projetam, em
maior ou menor intensidade, nas formas como esses atores se representam na vida coletiva, de
maneira que, na convivência,

cada um desses indivíduos tem seu comportamento conduzido por outro, cujo
desenvolvimento é de algum modo diferente, e provavelmente nenhum se comporta
exatamente como o outro; em nenhum indivíduo se encontram postos lado a lado, o
elemento que o iguala e o elemento que o separa dos demais; ambos os elementos
constroem a unidade indivisível da vida pessoal. (SIMMEL, 2006, p. 11).

Isso traduz a subjetividade sobre a qual se constrói o tipo de individualidade dos


agentes locais em Oiapoque, bem como torna visível o quadro de referências que constitui e é
constituído nessas interações sociais transfronteiriças – ainda que intersticial. Se a
proximidade preenche lacunas relativas ao acesso a inclusão socioeconômica e, então, nessas
ocasiões, o limite é estendido para o território da Guiana Francesa; esta desatenção com o
limite fronteiriço demarca outro limite, fala-se daquele que separa os brasileiros dos
franceses. Nesses momentos, se expõem diferenças e contrastes, compondo um contexto
territorial caracterizado pelo conflito e confrontos.
A complexidade não advém somente dessa imputação de sentidos, ela nasce também
das diversas situações em que se desenrolam as interações sociais para além e através da
fronteira Oiapoque, pois para os brasileiros em movimento no rio Oiapoque, o deslocamento
pela ou para a Guiana Francesa pode significar tanto uma situação de passagem, como ocorre
na cachoeira Grand Roche; ou uma oportunidade de alcançar um trabalho mais bem-
remunerado – mesmo que isso se processe em ilegalidade e clandestinidade –, ou ainda
realizar o “sonho dourado” que alimenta as esperanças daqueles que migram com destino aos
garimpos localizados em território guianês.
Na viagem em 2013, nas falas dos entrevistados, foi possível capturar a consolidação
da correspondência estabelecida localmente entre cooperação e ponte Binacional. Na reflexão
das verbalizações se apreende que são frequentes imagens dessa correlação referenciadas à
integração Oiapoque-Guiana Francesa, ainda assim, cumpre ressalvar que tais percepções são
acompanhadas da seguinte crítica: como se pode falar de integração em face das ações de
controle e embargo levadas a cabo pelas autoridades francesas contra os brasileiros, que em
determinados períodos foram inclusive impedidos de desembarcar em Saint-Georges (Ref.
Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Nesse contexto emergem categorias profissionais e
sociais reclamantes das restrições, são catraieiros, comerciantes, carregadores e moradores de
132

Ilha Bela e Vila Brasil, os quais têm se organizado em associações e sindicatos para
mobilizações locais em favor de suas demandas, em especial da liberação do direito de
deslocar-se pelo rio sem terem que enfrentar repressão.
Se para esses atores os efeitos são danosos, não são menores para outros grupos na
cidade de Oiapoque; por exemplo, os agentes institucionais da prefeitura da cidade passaram a
atuar como atores políticos junto a Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil
apresentando a esse comitê as demandas locais na esperança de que seja dado um tratamento
adequado aos temas polêmicos: migração e garimpagem ilegais (Ref. Diário de Campo,
Oiapoque, 2013). Argumentam estes agentes que o fracasso em resolver tais pendências
acarreta complicações sérias aos usuários do transporte fluvial pelo rio Oiapoque, que
defendem deve ser

de livre acesso, como se fosse uma via mesmo, sem restrição de nada, você pode
usar o rio, mas a partir do momento que a canoa brasileira aportasse no lado francês,
aí sim, eles iam ter o poder de pegar, prender e fazer devido às leis deles, não é? [...]
A ideia do rio se transformar numa zona internacional livre, porque aí a partir do
momento que a pessoa pisar do lado de lá, eles estão no direito de fazer todo o
processo, se for pra prender, porque aí é um direito deles. Mas o rio deveria ser livre
acesso pra todos, porque não tem como demarcar o rio todo, até porque se fosse
demarcar o rio todinho, eles não iam conseguir passar, porque no rio existem canais,
existem os canais pra isso: a canoa vem pesada e ela vai ficar presa no raso e tem o
canal, então tem horas que o canal é do lado francês e tem horas que o canal é do
lado brasileiro, então eles não podem fazer isso. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Impedir o ingresso de brasileiros na Guiana Francesa rebate-se no controle ao


trânsito pelo rio Oiapoque, isso por sua vez provoca o cerceamento da mobilidade e para os
moradores do território de Oiapoque mobilidade é um recurso tanto escasso, quanto muito
valorizado. Nessa direção, é pertinente o pensamento de Shamir (2005), que se afasta da
crença quase paradigmática sobre as fronteiras que a globalização derruba e dedica-se a
demonstrar aquelas que ela ergue. Ancorado no construto “paradigma da suspeita”, preconiza
que a implantação de dispositivos de regulação de mobilidade funde as ameaças percebidas de
crime, imigração e terrorismo e constituem com elas um filtro que opera sobre a percepção
das pessoas como perigosas e implica a organização de estratégias globais de gestão de
população, nessa direção os gendarmes “não respeitam é nada, eles presumem que a gente é
garimpeiro e isso é o suficiente (E18/PESSOA ANÔNIMA, 2013)”. Para o autor, “paradigma
de suspeita” é o princípio primário adotado para determinar a licença para passar, tanto
através das fronteiras como mesmo em espaços públicos no interior das fronteiras; tendo
133

relação com o grau de suspeita atribuído aos agentes de mobilidade como ameaças de crime,
de imigração indesejada e terrorismo (SHAMIR, 2005).
Mesmo que, de maneira geral, os embates entre gendarmes e brasileiros tenham
acontecido de modo esporádico, não se deve subestimá-los, pois criaram um clima de tensão
permanente na fronteira entre Oiapoque e Guiana Francesa, a qual em escala local sempre foi
caracterizada como pacífica, tanto que até o período citado prevalecia certo descuido na
fiscalização fronteiriça, sendo muito comum brasileiros e franceses atravessarem a fronteira e
circularem no território vizinho sem ter que apresentar outro documento senão o passaporte
(Ref. Diário de Campo, 2007). Em relação à vigilância nas fronteiras amazônicas, cumpre
chamar atenção, para o fato de que quando se trata de mobilidade transfronteiriça,
frequentemente se processa em operações institucionais pontuais; enquanto que no cotidiano,
os transeuntes na maioria das vezes precisam somente de um documento de identidade para
atravessar a fronteira. Todavia, não se tem por pretensão assegurar que essa flexibilidade
implique na ausência de problemas nessas áreas, ao contrário, nelas se estabelecem redes e
organizações criminosas e ilegais (MACHADO, 2007), bem como muitos são os tumultos
decorrentes dos deslocamentos motivados pela busca de recursos minerais, em particular o
ouro, a exemplo das fronteiras do Brasil com a Bolívia ou com a Venezuela ou com o
Suriname. Note-se que inspirados na União Europeia os países sul-americanos buscam
implantar acordos para tratamento da mobilidade de pessoas, mas isso vem se mostrando
pouco efetivo, e no caso da cooperação fronteiriça franco-brasileira não está sendo diferente,
pois nas reuniões da Comissão Mista o tema é apresentado e em torno dele se constituem
expectativas, mas até o momento de elaboração desta tese nenhuma proposição chegou a
concretizar-se.

Les parties ont salué la réalisations de la première réunion du groupe de travail


(GT) sur le statut frontalier, créé dans le cadre du groupe de travail Brésil-France
sur les questions migratoires, em septembre 2011. Elles ont souligné la nécessité
que le GT définisse um dispositif sur la circulation de personnes dans la zona
frontalier, em particular lês termes techniques du statut de frontalier, em vue de
l’inauguration Du pont sur le fleuve Oyapock. (FRANCE/COMMISSION MIXTE
TRANSFRONTALIÉRE BRÉSIL-FRANCE, 2011, p. 1.)

A cooperação fronteiriça franco-brasileira preconiza um ordenamento territorial com


vistas à integração, no entanto, aludindo aos conflitos entre gendarmes e brasileiros observa-
se que tal processo cooperativo não abrange vivências locais, mantendo-se a exclusão social,
identificada nos esforços institucionais para monitorar a mobilidade e os deslocamentos no rio
Oiapoque. Bastante ilustrativas são as respostas dadas por um catraieiro e um comerciante
134

sobre os possíveis benefícios coletivos que a cooperação teria trazido para Oiapoque, quanto
ao primeiro prevalecem sentimentos de decepção e indignação: “Ainda não, até agora ainda
não houve, nem a ponte! Até agora ainda não houve compensação, nem benefício, ainda não!
(E10/CATRAIEIRO, 2013)”; enquanto para o segundo a cooperação “Não trouxe nada até
agora, só atrapalha, porque os franceses não vêm mais pra cá por causa dos atritos que
acontece entre [i.e. com] os garimpeiros, entendeu? Aí não tão vindo mais pra cá, tão indo pro
Suriname (E10/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).”
A mobilidade observada na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa também requer que
se reflita sobre a decisão pelo deslocamento espacial, que se entende ser presidida pelo
cálculo custo/benefício; acredita-se, portanto, que a decisão pelo deslocamento é um
investimento econômico, na medida em que pode dinamizar objetivos individuais por
melhores condições de existência material. Cabe lembrar que isso tem vínculos com as
assimetrias socioeconômicas entre Brasil e França, e dessa forma, é plausível aceitar que as
diferenças de condições de vida entre brasileiros e franceses consolidam a decisão econômica
dos primeiros em transcender a fronteira. A localização desses agentes acaba por criar uma
estrutura objetiva de atividades, a qual delineia o contorno territorial de Oiapoque extensivo
para a Guiana Francesa (SIMMEL, 2013). Depreende-se que a escolha pelo deslocamento é
orientada por motivações que ultrapassam a fronteira; pois é certo que investimentos que
alteram a estrutura de determinados territórios passam a incidir na distribuição espacial de
estabelecimentos humanos e isso, em graus diferentes, pode ampliar ou reduzir as margens
para as práticas migratórias, como também interferir na sustentabilidade desses movimentos
(PORTES, 2008).
Todas as ideias inferidas trouxeram a compreensão de que o território Oiapoque-
Guiana Francesa é produto de territorialidades que delineiam seu contorno. Argumenta-se que
existem duas territorialidades que foram e são definitivas nesse desenho territorial, quais
sejam: a territorialidade do Estado; as territorialidades dos agentes locais. Nelas se identifica
relações entre indivíduos e destes com as propriedades no espaço (RAFFESTIN, 2009). No
primeiro caso, os agentes institucionais definem relações de poder com o território e, nesse
sentido, eles têm propriedades que são manipuladas para a exclusão, fato que se materializa
nos conflitos entre gendarmes e brasileiros ocorridos na cachoeira Grand Roche, bem como
no embargo ao desembarque em Saint-Georges, situações já devidamente indicadas
anteriormente.
Quanto às territorialidades dos agentes locais, elas estão na ordem do cotidiano e se
efetivam na mobilidade e deslocamentos para além e através da fronteira, se acredita que
135

essas práticas impulsionam as interações sociais transfronteiriças. Interpretação orientada


pelos postulados teóricos de Simmel (2013) quanto ao papel que o espaço vivido tem no
formato e nos conteúdos de interações sociais. Propõe-se que as interações em foco são
dinâmicas e nascem da condição de transfronteiricidade presente nas existências individuais e
coletivas no território de Oiapoque. A condição de transfronteiricidade referida é favorecida
pela agregação de elementos espaciais, pelo peso das memórias, pelos interesses econômicos.
Os indivíduos sentem que fazem parte deste “pedaço de chão”, esse sentir faz com que
percebam suas propriedades sem comprometimento com sua própria localização, ou seja, se
estão do lado daqui ou do lado de lá da fronteira. As interações sociais transfronteiriças são
mais que simples contatos, supõem ações recíprocas, nas quais os comportamentos dos
indivíduos são orientados mutuamente. Esse é o nó górdio da questão: a qualificação da
fronteira e as territorialidades que ela implica, são funções definidas a partir de significações
distintas, dito de modo mais adequado: em conformidade com as expectativas de seus
normativos, o Estado e a sociedade local.
Os normativos da sociedade de Oiapoque são constitutivos de um “nós-ideal” entre
seus habitantes. Esse construto teórico de Elias (2006) traduz os aspectos que a pesquisa
empírica registrou: o “nós-ideal” eliasiano “é algo que alguém [...] gostaria de ser ou não
gostaria de ser, de fazer ou não fazer; uma exigência que alguém coloca para si e para o outro
(2006, p. 119)”, de certo que nesta citação o outro mencionado pelo autor é um inglês ou um
francês, já que Elias (2006) reflete sobre traços fundamentais de nacionalidades e seus efeitos
na formação da opinião pública. Não obstante, isso não impede que se operacionalize esse
conceito do “nós-ideal” para referir uma figuração social pequena, mas peculiar devido às
interpenetrações que mantém – econômicas, sociais, simbólicas, espaciais – no devir histórico
com outra figuração social igualmente pequena e que faz parte de outra uniformidade
nacional. Dessa influência mútua com o outro surge o “nós-ideal” em Oiapoque, o qual
uniformiza valores e atitudes cotidianas em vivências reais; nas quais são criadas expectativas
e possibilidades.
Com a menção ao “nós-ideal” eliasiano se pretende explicar como os atores locais
reagem diante dos acontecimentos que alcançam seu desenvolvimento social, dito com outras
palavras, o “nós-ideal” indica nas palavras de Elias “essa imagem disso que se é e deve ser
(2006, p. 119)”, trata-se de características da existência dos indivíduos que tipificam um
comportamento coletivo, o qual passa a determinar como as pessoas percebem e, por
conseguinte, como agem em relação aos eventos de seu dia-a-dia. Essas formas de percepção
e atuação são influentes na formação de uma opinião pública, que se identificou existir em
136

Oiapoque. Primeiramente se supôs encontrar em Oiapoque grupos envolvidos em


mobilizações locais em favor de seus interesses; no entanto, durante a pesquisa de campo
deparou-se com algo mais amplo, “a opinião de um povo em relação a determinadas esferas
da vida, em primeiro lugar à política interna, em segundo, à política externa (ELIAS, 2006, p.
127)”. Lembra-se, que o “nós-ideal” é operacionalizado pelo sociólogo para abordar o caráter
nacional e seu alcance sobre a formação da opinião pública de um país.
Nessa perspectiva, aponta-se que o “nós-ideal” apresentou o refinamento teórico para
explicitar os traços que formam singularmente uma identidade fronteiriça e com isto geram
uma coerência entre opiniões pessoais que convergem para uma opinião pública entre os
oiapoquenses sobre o curso de sua própria história. Essa opinião pública local foi e é
importante não somente por revelar as singularidades de uma parcela da população brasileira
ofuscada pelos interesses nacionais, como também para demonstrar como os indivíduos
podem organizar-se em mobilizações locais e deste modo interferir nas decisões políticas que
lhes afetam.

Esse é um exemplo de que a opinião pública não é simplesmente uma sintonia da


opinião de muitos seres humanos sobre uma questão do dia, particular e
determinada, mas algo compreendido em contínua formação, um processo vivo que
oscila em movimentos pendulares e que, no decorrer desse balanço, influencia as
decisões que são tomadas. (ELIAS, 2006, p. 125).

Afirma-se que a opinião pública oiapoquense se faz presente naquilo que se


denomina “dizeres locais”. É intenção destacar pequenos atos de fala, capturados no cotidiano
e seus efeitos nas articulações políticas em nível doméstico, como também internacional; já
que se tem como horizonte de observação o território fronteiriço de Oiapoque em suas
correlações com a cooperação fronteiriça franco-brasileira, que se entende inserida na
globalização. Subjazem ao debate sobre a globalização as circunvoluções em torno das
ressignificações atribuídas às categorias de tempo e espaço. Esse argumento orienta a
interpretação de que o presente vivido em dado lugar deve ser conjugado às memórias do
passado e às expectativas do futuro, pois a globalização acelerou as vivências e isso tornou
difícil identificar as mudanças nas relações entre dimensões espaciais até bem recentemente
não diretamente articuladas em termos geográficos, históricos, políticos, econômicos,
administrativos, simbólicos; tais sejam: o local e o internacional.
O estudo da cooperação fronteiriça franco-brasileira em seus aspectos históricos e
diplomáticos e em seus desdobramentos nas interações Oiapoque-Guiana Francesa evidencia
que ela introduziu mudanças no cotidiano local; sem, contudo, atender as expectativas por
137

desenvolvimento socioeconômico. Como exemplo, cita-se uma de suas promessas: a


construção de uma hidrelétrica com recursos brasileiros e franceses (desde a reunião da
Comissão Mista França-Brasil em 1997), pois a energia que abastece a cidade é termoelétrica,
igualmente nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. No entanto, nestas, são os moradores
que compram os motores e o óleo diesel. Aliás, cumpre chamar atenção que uma das maiores
queixas das apreensões feitas pela Gendarmerie é justamente desse tipo de combustível, pois
como alegam os moradores daquelas comunidades “nem todo combustível que sobe o rio vai
para o garimpo (Ref. Diário de Campo, Vila Brasil, 2013)”. Em relação à proposta que a
cooperação tem quanto às demandas locais na fala do presidente da Associação de Moradores
de Vila Brasil se verifica que para eles

A cooperação foi feita com boas intenções, e é de grande necessidade e de grande


importância para nós que vivemos aqui. Agora no período do governo Waldez, ele
enterrou o projeto, do mesmo jeito que eles enterraram, eles e os senadores da época,
enterraram, sentaram em cima do projeto salto Cafezoca, porque era do Capiberibe e
não é do Capiberibe, é do povo de Oiapoque, a construção da hidroelétrica e a
cooperação. Eles não vivem aqui, o Sarney não mora aqui, o Gilvam não mora aqui,
então eles ajudaram a enterrar isso aí, e quer dizer quem tá precisando somos nós. Aí
tá fazendo dois anos que começou a divulgar essa nova cooperação, reativar e agora
na criação do Conselho do Rio nós colocamos em pauta para a primeira reunião se
discutir isso aí [construção da hidrelétrica no salto Cafezoca no rio Oiapoque], então
é de grande importância. Agora a cooperação existe no papel. (E12/VEREADOR E
PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013).

Os conteúdos econômicos que impulsionam os agentes de Oiapoque a interagir com


outros – localizados no território guianês – têm efeitos sobre os atores institucionais franceses,
que mantêm o sentido de exclusão imposto pela qualificação política da fronteira. Essa
atuação afeta todos os brasileiros que transitam pelo rio. A itinerância dos usuários do sistema
de transporte fluvial está sob o “paradigma da suspeita” (SHAMIR, 2005), sendo, então,
convertida em prática proscrita e objeto de ações disciplinares. Nos “dizeres locais” prevalece
a crença de que, antes da cooperação, franceses e brasileiros se movimentavam livremente na
e através da fronteira; porém, com a cooperação surgem dispositivos para impedir ou limitar
essa dinâmica populacional.
Isso também remete à afirmação de Makaremi (2009) de que a integração em lugares
de fronteiras expressa uma ambivalência, pois ao mesmo tempo em que ocorre a valorização
de sua transcendência em termos financeiros e econômicos se reforça o domínio e a coerção,
os quais excluem a população local; esses fenômenos são particularmente articuladores da
ambiguidade da fronteira, o que permite percebera coexistência de duas realidades: as ações
estatais progressistas de desterritorialização socioeconômicas e o reforço das fronteiras
138

expresso nas práticas de gestão local com a exclusão dos indivíduos. Dessa perspectiva, a
reconfiguração das fronteiras se desdobra tanto em suas funções como em sua materialidade,
e os indivíduos passam a ser influenciados, senão determinados, por aparelhos técnicos e
jurídicos de controle que acionam práticas de repressão, as quais sinalizam a expulsão e seus
efeitos de poder na rede de circulação.
O processo de construção da cooperação fronteiriça franco-brasileira mostra que
somente a constituição de um quadro institucional não é suficiente para que propostas
transformem-se em ações de resultados concretos. O que é preconizado pela cooperação tem
de adentrar no cotidiano dos atores locais, para dele capturar valores, penetrar no tecido das
interações e das práticas sociais gestadas em modos de viver sob o efeito da vizinhança, que
engendra ações com referência ao outro, com o outro e contra o outro (SIMMEL, 2006),
sendo que neste caso o outro pode ser um estrangeiro ou um brasileiro.
Ainda que façam parte da mesma realidade semântica, há diferença entre interação e
cooperação. Ao tratar de interação lhe reconhece sua maior abrangência já que sua realização
implica em reciprocidade e recorrência no fluxo incessante da vida (SIMMEL, 2006),
enquanto que a cooperação pode ser desenvolvida em diálogos e ações pontuais, sem que
obrigatoriamente chegue a constituir um contexto interativo. Os fundamentos psicológicos
dos agentes que vivem em um território fronteiriço são construídos num movimento regular
entre o nós e os outros, cujos processos de sociação são bastante distintos. Esse estar próximo
e estar distante opera na constituição de convivências que geram uma maior afirmação
identitária com o território, sendo de somenos importância se Brasil ou França, importando o
reconhecimento mútuo de que “nós somos fronteiriços! Antes não era assim.”; da exclamação
depreende-se de onde surge o sentimento de indignação entre os agentes locais quanto ao
comportamento dos agentes institucionais franceses (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013).

4.3 Protestos e mobilizações além e através da fronteira e do acordo.

Pelo exposto já se pode assegurar que o controle na fronteira imposto pelos agentes
institucionais franceses por afetar a mobilidade e os deslocamentos dos brasileiros no rio
Oiapoque transformaram a questão em problema público e esta demanda está na pauta das
reuniões da Comissão Mista Transfronteiriça, sem que haja qualquer solução. A Comissão
tem competência de organizar os encontros entre as delegações do Brasil e da França,
conformando com isto uma esfera dialógica e interativa na qual se dá a tematização das
questões pertinentes. Desde a primeira reunião em 1997, o tema relativo à mobilidade
139

transfronteiriça – na qual se incluem tanto os deslocamentos de itinerantes quanto de


migrantes – faz parte dos debates, sem, contudo haver consenso quanto a quais dispositivos
jurídicos poderiam ser firmados nessa direção, de modo que a questão permanece indefinida;
mesmo com a conclusão e possível inauguração da ponte Binacional. Outra questão de pauta
considerada candente é a garimpagem ilegal de ouro.
Os atores locais vêm buscando se ajustar às mudanças impostas pelo adensamento
institucional francês em sua fronteira na Guiana Francesa. Nessa direção, organizaram-se em
mobilizações com a finalidade de mudar essa situação, havendo duas formas adotadas para
pressionar os governos do Brasil e da França: protestos no rio Oiapoque e a criação de canais
de participação efetiva de grupos representantes do Oiapoque e de Saint-Georges. Quanto a
esta última reivindicação ela se concretizou com a criação do Conselho do Rio Oiapoque. O
Conselho do Rio começou a ser inserido na pauta das reuniões da Comissão Mista
Transfronteiriça desde 2010 quando

O lado francês submeteu à avaliação da parte brasileira a criação do Conselho do


Rio Oiapoque segundo o modelo do conselho criado pela França e pelo Suriname
para o Rio Maroni. Esse projeto se insere na estratégia franco-brasileira de
desenvolvimento conjunto das regiões do Amapá e da Guiana Francesa.
A parte francesa propôs, com a concordância do lado brasileiro, que o Conselho
desempenhasse papel de governança para as iniciativas de desenvolvimento regional
e integração transfronteiriça entre o Amapá e a Guiana Francesa, que são objeto de
programa federal brasileiro existente (Programa de Desenvolvimento da Faixa de
Fronteira – PDFF), voltado para o desenvolvimento de zonas fronteiriças do Brasil,
no âmbito do qual se insere um projeto-piloto de desenvolvimento regional e
integração transfronteiriça, tendo a região Guiana e Amapá como foco territorial.
(BRASIL/COMISSÃO MISTA DE COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA
BRASIL-FRANÇA, 2010).

Criado em 2013, o Conselho do Rio Oiapoque se compõe de trinta e dois membros


titulares, sendo dezesseis dos poderes públicos e dezesseis da sociedade civil da região da
fronteira do rio Oiapoque ou que exerçam funções na referida região, sendo consideradas as
localidades de Saint-Georges, Camopi e Ouanary (lado francês) e o município de Oiapoque
(lado brasileiro) (OIAPOQUE/CONSELHO DO RIO OIAPOQUE, 2013). No item quanto
suas competências os parágrafos do Artigo 2º denotam seu funcionamento:

§1º - Podem ser inseridos na pauta de reunião do Conselho quaisquer temas que
afetem a vida das pessoas que vivem na região do rio Oiapoque e que permitam
alcançar essas finalidades.
§ 2º - O Conselho pode submeter propostas à Comissão Mista de Cooperação
Transfronteiriça Brasil-França.
§3º - As propostas e deliberações serão aprovadas pelo conselho pela maioria dos
presentes. (OIAPOQUE/CONSELHO DO RIO OIAPOQUE, 2013).
140

Sem uma efetiva atuação até julho de 2013, o Conselho do Rio mostra-se importante
instrumento para a população de Oiapoque, pela possibilidade que ele descortina na
ampliação das oportunidades políticas, como também favorece aos seus membros identificar
possíveis aliados políticos e/ou institucionais; além disso, nas reuniões do Conselho
descortina-se a possibilidade de os “dizeres locais” serem apresentados como repertórios de
contestação e demandas por inclusão socioeconômica (DOMINGUES, 2003).

Em diversos encontros transfronteiriços discutindo a questão da cooperação


internacional entre os dois países, diversas coisas são discutidas, aí veio a questão de
criar o Conselho do Rio, e esse Conselho do Rio tem um objetivo: é uma Comissão
Mista com membros do Brasil e da França, onde as questões polêmicas nós vamos
estar discutindo.[...] A criação do Conselho do Rio foi um passo importante, porque
hoje nós temos uma comissão constituída já pra discutir os assuntos. No dia da
criação do Conselho do Rio já ficou decidido o próximo encontro pra primeira
quinzena de dezembro, onde nós vamos discutir as coisas que têm mais prioridade e
que têm mais problema: a questão do tráfego no rio Oiapoque, que eu acabei de
falar, a questão socioeconômica do município e a questão do garimpo, ficou esses
três itens, já na primeira reunião. Já isto já foi uma proposta na pauta dada pela
nossa delegação brasileira, pela nossa, pelo Conselho que compõe o Brasil, a nossa
comissão é que propôs essas três metas pra gente discutir em dezembro e foi
aprovado pelas duas comissões. Agora, só pra esclarece melhor, o Conselho do Rio
é uma Comissão Mista, mas nós temos uma comissão superior mista, que é a nível
de Paris e Brasília, o que nós estamos vendo aqui, nós estamos discutindo e havendo
um consenso entre o Conselho do Rio, entre as duas comissões, aí nós vamos
encaminhar pra comissão superior e vamos levar pros governos federais. São trinta e
dois [conselheiros], dezesseis do lado do Brasil e dezesseis do lado francês.
(E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONTRUÇÃO CIVIL, 2013).

A participação de atores representativos dos catraieiros, comerciantes e moradores


de Ilha Bela e Vila Brasil no Conselho do Rio demonstra como esses grupos conseguiram
criar uma esfera pública específica a partir dos conteúdos retirados de sua vida cotidiana
(DOMINGUES, 2003).

Então pra isso precisa essa negociação, hoje nós temos o Conselho do Rio. A nossa
cooperativa, da qual eu faço parte, sou um dos membros do Conselho do Rio,
representando a nossa classe catraieira, somos dezesseis brasileiros e são também
dezesseis guianenses. Temos uma reunião, vai haver uma reunião na primeira
semana de dezembro de 2013, já está em pauta o direito de ir e vir, uma das pautas
pra próxima reunião. O que for aprovado no Conselho do Rio, assinado pelos
conselheiros, que deve resolver na fronteira, vai ser cumprido! Agora, o que não der
pra resolver na fronteira, aí vamos passar pra Macapá, ou a Brasília, vamos passar
pra Caiena ou a Paris, assinado pelo Conselho, são dezesseis de cada fronteira, que
formam um Conselho só, o Conselho do Rio, pra discutir assim de interesse à
população fronteiriça, das duas fronteiras. Não é só pra beneficiar só Oiapoque ou
Saint-Georges, é pra discutir, dialogar e aprovar aquilo que for melhor pras duas
fronteiras, porque não é Brasília, não é Paris, não é Macapá, não é Caiena, que sabe
mais do que quem convive no Oiapoque–Saint- Georges. Quem sabe mais, quem
tem mais conhecimento na sua residência, é quem convive, é o dono, essa é a
diferença, quem tem mais conhecimento do que ocorre dentro do município, é que
141

convive dentro no município, essa é a situação da cooperação transfronteiriça.


(E10/CATRAIEIRO, 2013).

Nesses termos, verifica-se que um comitê formado com indivíduos de Oiapoque e


Guiana Francesa – reconhecidos como moradores da fronteira – indica uma inovação nas
formas mais conhecidas de mobilização social. Mesmo atualmente, quando a globalização de
temáticas consideradas relevantes para a humanidade tornou mais frequentes as articulações
mistas, para as quais concorre coordenar mecanismos de mercado (troca), de hierarquia
(comando), de redes sociais (colaboração recíproca) com vistas à formação de movimentos
destinados a transcender condições sociais imperfeitas em escala local por meio de
mobilizações em escala internacional (DOMINGUES, 2003).

Vai ser discutido aqui os interesses da sociedade que vive aqui em Oiapoque, para
que esse trânsito possa ser livre, o brasileiro ir lá e o francês possa vim aqui, por
exemplo, hoje o francês pega seu carro, põe na balsa, atravessa o carro e circula
aqui, já a recíproca não é verdadeira daqui pra lá, tem problemas de impostos, essas
coisa tem. Eu não quero entrar nesse mérito, mas assim, pelo menos o cidadão
brasileiro ir a Saint-Georges e comprar e ele ir lá e não ser preso, já é um alivio. Ah,
hoje eu fui em Saint-Georges e fui preso! Que não deveria, né, porque nós somos
países vizinhos, nós temos uma ponte que tá aí adormecida em cima do rio
Oiapoque, ligando os dois países através dos dois municípios, mas por enquanto
serventia nenhuma não tem! (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO EXECUTIVO
MUNICIPAL, 2013).

Ainda que a ideia do Conselho do Rio tenha sido apresentada pelos governos do
Brasil e da França, ela deriva da capacidade de ação dos agentes locais de Oiapoque, que
organizaram protestos contra as intervenções institucionais dos gendarmes à mobilidade e aos
deslocamentos no rio Oiapoque e, nessa atuação, contam com a discreta participação dos
moradores de Saint-Georges, que pode ser expressa numa formulação do tipo “eu não sou
contra os protestos”, sem que exatamente se posicionem publicamente a favor (Ref. Diário de
Campo, Oiapoque, 2013). Existem também em Saint-Georges categorias profissionais que
não se ressentem da indesejabilidade atribuída pelos gendarmes à presença dos brasileiros, a
exemplo de um motorista guianense de veículo que faz o transporte de Saint-Georges a
Caiena ao ser perguntado sobre como agia ao saber que tinha clandestino entre seus clientes,
ele respondeu: “nada, apenas informo que a passagem é mais cara e que não garanto ele não
ficar retido na barreira de fronteira (Ref. Diário de Campo, Saint-Georges, 2013)”.
Interesses em conservar as interações sociais transfronteiriças são iguais para
moradores dos dois lados da fronteira. Todavia, cabe ressalvar, que na Guiana Francesa
existem subsídios para manutenção das condições de vida de seus moradores, o mesmo não
142

ocorrendo do lado de Oiapoque, onde os agentes têm de lidar com toda ordem de carências e
problemas decorrentes de sua localização periférica e isolada; do desamparo em termos de
políticas públicas (saúde, educação e infraestrutura urbana); da falta de oportunidades de
trabalho e renda. Isso, não implica afirmar que as interações com a Guiana Francesa supram
de todo essas lacunas, mas se deve ter em conta que:
 a mobilidade no rio Oiapoque assegura a sustentação das comunidades de Ilha Bela e
Vila Brasil (ainda que também dos garimpos clandestinos da Guiana Francesa) e,
nesse contexto a passagem pela cachoeira Grand Roche é fundamental, em especial
pela redução de custos materiais e esforços humanos;
 os deslocamentos através da fronteira mantêm temporariamente na cidade de
Oiapoque um contingente de migrantes que compram produtos e serviços.
Entende-se, dessa perspectiva, o motivo pelo qual praticamente todos os informantes da
pesquisa na cidade de Oiapoque e nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil ao serem
indagados sobre os efeitos da cooperação fronteiriça franco-brasileira respondem: primeiro
não haver nenhuma realização; segundo reclamam que devem ser resolvidos os problemas
relativos às ações institucionais francesas no rio Oiapoque. Ainda assim, cabe chamar atenção
de que os agentes mantêm certo grau de liberdade e criatividade e lutam para ampliar as
chances de

uma representação significativa. Eu quero aqui parabenizar a doutora [...], que


esteve à frente, conduzindo os trabalhos do Conselho do Rio pelo lado brasileiro, e a
preocupação é que tivesse aqui, os membros aqui do Oiapoque, que moram aqui na
fronteira, conhecem a realidade do nosso município, porque muitas vezes, porque a
associação comercial ela está ativa e nós temos agido e defendendo, nós não
tínhamos voz e nós que moramos aqui conhecemos a realidade do nosso município,
eu tô aqui há vinte e quatro anos, no Oiapoque, portanto eu conheço bem a minha
comunidade, a nossa localidade, a dificuldade que nós temos. Então é lógico que eu
tenho muito mais condições de prestar informações e reivindicar pelo meu lugar,
que um técnico de Brasília, ele tem a questão técnica, mas ele não tem a prática, não
tem o conhecimento, que nós temos que moramos aqui, a dificuldade que nós
passamos todo dia. (E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL,
2003).

Destarte, no território de Oiapoque, as interações com a Guiana Francesa são


imperativas e subjazem na luta pela sobrevivência, quaisquer restrições que acarretem
cerceamento dessas interações, tal como o controle à mobilidade e aos deslocamentos no rio
Oiapoque, afeta sobremaneira essa dinâmica socioeconômica. Em relação à configuração
territorial Oiapoque-Guiana Francesa mostra-se pertinente as inferências de Domingues
(2003) quanto às possibilidades analíticas do modelo de esfera pública pós-nacional. Em sua
argumentação o autor faz referência à dificuldade de criar quadros culturais comuns por sobre
143

as fronteiras dos Estados nacionais e, por conta disso, considera haver obstáculos para se
pensar em mobilizações sociais globalizadas e globalizantes. Na busca de alternativas
conceituais traz para sua reflexão as discussões de Gilroy (2000 apud DOMINGUES, 2003)
em torno do Atlântico Negro

como um espaço de trocas culturais mediado inicialmente pelos navios e portos e,


depois pela mídia. [...] Essa abordagem do espaço-tempo conformado pelo Atlântico
Negro possibilita o deslocamento dos modelos nacionalistas de estudos culturais, em
favor de uma abordagem que destaca “a estrutura rizomórfica, fractal” dessa
formação internacional transcultural. (2000 apud DOMINGUES, 2003, p. 481, grifo
do autor).

No prefácio da edição brasileira de Atlântico negro, o sociólogo inglês Gilroy (2001)


demonstra a importância de sua análise no âmbito da sociedade brasileira num momento em
que os movimentos negros no Brasil realizam avanços e conquistas políticas (início da década
de 2000). Cita, em particular, a desconstrução do mito de que a cultura brasileira é um signo
único que antecipa um mundo sem raças. Neste livro põe em descoberto o racismo no Brasil.
O autor coloca que se deve estar preparado para perguntar ou rearticular as reivindicações
políticas que embasaram a própria noção de solidariedade negra extra-nacional, para que seja
possível avaliar o alcance e escopo das políticas negras em tempos de globalização.
Operacionalizando a ideia contemporânea de diáspora negra, o autor afirma que ao considerar
o seu caráter cultural e político chega-se a compreensão de que no oceano Atlântico
“microssistemas vivos, micropolíticos” eram colocados em movimento, por meio dos navios e
desembarcavam nos portos. Com o passar do tempo tais signos foram se agregando e
constituindo um arcabouço de experiências de vida de negros, o qual serve para conjugar na
contemporaneidade experiências das comunidades e interesses de negros em várias partes do
mundo. Gilroy (2001) apresenta em Atlântico negro uma reorientação conceitual – divergente
do culturalismo – que procura ir ao encontro das teorias da cultura e sua integridade territorial
e corporal; disso resulta a importância atribuída pelo autor às noções de regional, translocal,
extra-nacional, pois permitem um afastamento em relação ao nacional. E é esse o ponto
favorável ao presente estudo, pois se busca definir um sentimento de pertencimento com o
lugar, se destacando nessa direção o papel do rio Oiapoque para o movimento além e através
da fronteira. Trata-se de reunir atributos para delinear como se forma o “nós-ideal”. Para,
então, identificar como esse “nós-ideal” articula os moradores e seus interesses políticos,
sociais e econômicos na formação de uma opinião pública e suas estratégias para influenciar
as deliberações da cooperação fronteiriça franco-brasileira.
144

Considera-se, por analogia, que o rio Oiapoque e seu tráfego de catraias criam uma
estrutura territorial de formato rizomórfico 28 com sentido de Oiapoque à Guiana Francesa.
Pode-se argumentar com dados empíricos referentes à contradição no próprio controle
fronteiriço francês, pois se as catraias são fabricadas em Oiapoque os motores são franceses.
As interações sociais transfronteiriças não acontecem somente entre nacionalidades distintas,
mas também entre brasileiros que ocupam diferentes localizações e que estabelecem conexões
por sobre a fronteira. Observe-se a informação abaixo que funciona para demonstrar o
formato rizomórfico que se defende

É esse motor que trabalha aqui no rio Oiapoque, 95%é comprado na França, porque
é mais fácil pra gente comprar, que no Brasil. Lá é porque tá entranhado de
brasileiro com papel, morando dentro, aí você pode e ele ganha € 500. Aí você pede,
e ele já traz o motor pra ti, ele tem empresa também, aí eles tramam lá. Sei que o
acesso é livre. Minha própria filha que mora lá no Kourou, que abriu uma empresa
pra comprar as coisas pra mim, se, por exemplo, eu precisar de um frete francês, ela
tem como dar a fatura. Aí tudo isso pra gente aumentar o lucro, aí eu preciso do
motor e não tenho mais aquela dificuldade pra comprar, eu ligo pra minha filha, ela
traze ainda parcela de três vezes lá. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE
TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).

O “nós-ideal” de Elias (2006) permite afirmar que nas interações entre moradores
dos dois lados da fronteira se cristalizam solidariedades e complementaridades; oiapoquenses
e guianenses se entendem entre si. Não se está garantindo uma uniformização conforme
quadro cultural nacional, mas algumas uniformidades nascidas em intersecções nas quais se
desenvolvem as interações, que mesmo circunstanciais são cotidianas e por conta disso
conformam um padrão. É desse cotidiano vivido que retiram os agentes de Oiapoque os
recursos com os quais organizam mobilizações locais para garantir a liderança na condução de
sua própria história (DOMINGUES, 2003). A cooperação fronteiriça franco-brasileira não
deveria ser um acordo para regulação de relações entre conviventes, de intervenção em
práticas cotidianas que singularizam a luta desses atores por sua inserção socioeconômica, de
apreensão do produto dessa conquista, de interdição de sua acessibilidade. Em face desses
desencaixes, os atores locais promovem novos encaixes nas suas condições de vida e

o que pode acontecer é uma manifestação, se chegar a haver essa proibição [de
circular livremente na ponte Binacional], ainda corre o risco de haver uma
manifestação das duas fronteiras pra demolir a ponte, porque as duas fronteiras vão

28
Termo derivado de rizoma, denominação da biologia para um caule subterrâneo que produz ramos aéreos com
aspecto de raízes. O uso da palavra pretende acentuar que a sociedade de Oiapoque estende-se por sobre o rio
Oiapoque como que raízes alcançando o território da Guiana Francesa. E isso procede com a mobilidade e os
deslocamentos dos agentes, práticas cotidianas que efetivam as interações sociais transfronteiriças.
145

se sentir prejudicada. Se não abrir essa exceção pras duas fronteiras que é
Oiapoque–Saint-Georges! (E10/CATRAIEIRO, 2013).

A análise de Almeida (2004) sobre como os seringueiros se organizaram e


conseguiram se elevar em protesto em favor de suas reivindicações agrárias traz elementos
que permitem entender como os catraieiros, comerciantes, carregadores e moradores de Ilha
Bela e Vila Brasil vêm enfrentando de modo coletivo as operações francesas de limitação à
mobilidade e aos deslocamentos no rio Oiapoque. Pois, assim como “os líderes seringueiros
apropriaram-se de parte do discurso ambientalista/desenvolvimentista, não para parodiá-lo,
mas para, de fato, incorporá-lo em suas próprias concepções e práticas locais, atribuindo a
esse discurso novos significados (2004, p. 34)”, também os grupos mobilizados em Oiapoque
atuaram, assimilando às suas retóricas o sentido atribuído à fronteira pela cooperação
fronteiriça Brasil-França presente na adoção da expressão “nos quadros das legislações
nacionais” no Acordo Quadro: “porque o brasileiro não sai daqui, ele tá dentro do Brasil, tá
no rio Oiapoque, nós não podemos impedir do francês vim pra cá, comprar passagem no
ônibus, um guianense etc., do mesmo jeito um brasileiro não pode ser impedido de subir o rio
e ir pra Vila Brasil e Ilha Bela, que é um distrito criado de fato e de direito (E12/VEREADOR
E PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013)”.
Nessa configuração territorial, as instituições formais de Brasil e França não
desempenham relevante papel e é em contradição, ou mesmo para contorná-las que se
organizam os agentes locais. Recorrendo novamente às discussões de Domingues (2003),
existe uma “disputa pela ‘historicidade’, isto é, a direção do desenvolvimento da sociedade a
partir de um campo compartilhado por coletividades antagonistas (2003, p. 472)”. E isso se
revela nas maneiras como os atores locais apropriam-se do significado presente nos discursos
dos agentes institucionais em suas alusões ao papel disjuntor de uma fronteira internacional.
Verifique-se isso no trecho da entrevista com o comerciante do setor de transporte fluvial

Isso que nós batemos na tecla e questionamos até a questão, porque quem tem que se
envolver com a fronteira lá são os franceses, não os brasileiros. Os brasileiros [do
Exército] faziam era esperar a noite toda escondidos no mato esperando nós, que
nem um caçador espera uma caça e quando nós íamos passando eles voavam em
cima, aí puxava [a canoa] pro lado do Brasil. Aí de manha os gendarmes ainda vinha
bater foto das canoas cheia de óleo. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE
TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).

Igualmente presente no relato da catraieira quando indagada sobre os procedimentos


dos gendarmes com catraias carregadas de gêneros (mesmo documentados com nota fiscal)
que se dirigem para Ilha Bela e Vila Brasil e ela respondeu:
146

Eles procedem do mesmo jeito. E assim... Ali nós passamos [na Grand Roche], lá
eles alegam que é deles, mas só que o rio é assim... A viagem, né! Eu acho. Lá em
cima [na cachoeira Caxiri] tem um lado que é só do lado brasileiro e eles também
passam lá... No verão eles só podem passar se for lá. Lá não pertence nada a França
quer dizer eles têm direito de passar do nosso lado e nós não têm direito de passar lá.
Porque eu acho assim: que lá é passagem; não é assim do seu fulano. É a passagem,
tanto faz pra nós, que nem pra eles, só dá de passar se for lá! Aí a gente passa
quando eles não tão lá e a gente espera eles sai pra poder passar. (E6/CATRAIEIRA,
2013).

As interações sociais transfronteiriças estão na memória e imaginário coletivos em


Oiapoque-Guiana Francesa, esse diapasão de relacionamento para além e através da fronteira
foi surgindo à medida que as coletividades foram se fixando no espaço em um processo de
ocupação assinalado por muitas adversidades. Os impulsos e significações que concorreram
nesse processo foram compondo conteúdos dessas figurações sociais e simultaneamente
foram se tornando autônomos em relação ao contexto de seu surgimento. Para Elias (2006) as
figurações se constituíram no tempo, e a reflexão sobre essa processualidade torna possível
pensar a mudança social, mas cabe ressalvar que o sociólogo garante não ser esse o único
aspecto a caracterizar o desenvolvimento histórico das sociedades, cuja historicidade também
se manifesta na reprodução do existente. Decorre dessas circunstâncias, que os brasileiros
reclamem que os franceses não têm o direito de impedir seus deslocamentos pelo rio, nem
cercear sua mobilidade; não entendem, nem concordam com o tratamento que lhe é
dispensado em Saint-Georges, pois alegam que quando os franceses atravessam a fronteira
para Oiapoque são muito bem tratados, enquanto que para o brasileiro é sempre tudo bem
complicado. Por conta disso os atores também se mobilizam em protestos no rio Oiapoque.

O que houve até agora foi uma manifestação que nós catraieiros fizemos no dia nove
de janeiro de 2010. E o que ocorreu? Inclusive perdemos até um companheiro [...].
Por quê? Foram duas canoas no mesmo sentido, e uma adiantou mais do que outra e
chegou a colidir uma com a outra, um piloto caiu e chegou a óbito, aí nós
suspendemos a greve. (E10/CATRAIEIRO, 2013).

A forma de organização desses protestos merece destaque, as articulações começam


no grupo dos catraieiros e dos comerciantes são os que têm maior poder de mobilização, em
especial por disponibilizarem de maiores recursos materiais no caso dos comerciantes e
simbólicos quanto aos catraieiros. Nos dias de mobilização, os comerciantes providenciam
uma feijoada como um dos procedimentos de cooptação de maior número de participantes e
também colocam veículos para transportar pessoas de diversas partes da cidade até a orla do
rio onde ocorre a concentração. No geral as manifestações acontecem no rio mesmo, as
147

catraias saem de Oiapoque em comboio e se perfilam em frente a Saint-Georges, formando


uma barreira de modo a impedir que os franceses circulem pelo rio.
Além do Conselho do Rio e dos protestos, os catraieiros entraram na justiça federal
contra o governo brasileiro, sob justificativa de que a classe não foi ouvida, consultada, nem
orientada quando da elaboração e execução do projeto da ponte Binacional; e eles são cientes
do ônus financeiro que a inauguração da ponte acarretará para sua atividade profissional, pois

mesmo que você receba a sua compensação em espécie do governo federal, mesmo
na justiça, como nós entramos agora na justiça por danos morais, e quando inaugurar
a ponte, nós vamos entrar na justiça por danos materiais. Mesmo assim tem que
haver a capacitação, pra que ele [o catraieiro] passe pra uma nova estrutura, uma
nova atividade, e não jogue o dinheiro que receber fora, pra que ele saiba se
mobilizar e desenvolver uma nova vida. [...] Mas as pessoas dizem assim: [...] não
vai acabar o serviço do catraieiro. Sim, não tem problema, na realidade não vai
acabar. Mas vai reduzir 95% ou 90%. Qual a razão? Vem o francês, o brasileiro que
mora na Guiana também, ele vem pro Brasil, ele vem no carro próprio, vai abrir o
acesso pra que ele venha até Oiapoque, até Macapá, este passageiro não vai vim
mais de canoa, ele vai vim no carro dele. Mas eles [outros catraieiros nas
assembleias da cooperativa] diz: sim, mas nem todo mundo tem carro. Sim, nem
todo mundo tem carro, mas o carro que vai trazer o passageiro em Caiena, não vai
deixar ele na cabeceira da ponte, ele vai ter que atravessar com ele, ele vai ter que
atravessar com ele. Agora sim, se fosse permitido somente os carros particulares pra
atravessar na ponte e os outros alternativos que viessem de ônibus, micro-ônibus ou
navete como chama do lado francês e deixasse na cabeça da ponte, ou deixasse em
Saint-Georges, aí sim, ainda ia ter mais uma possibilidade pros catraieiro. Mas não
vai haver desse jeito, vai haver sim uma negociação das duas fronteiras pra que
exista o direito de ir e vim, entenderam? Então, o que vai ficar pro catraieiro? Se
vem num carro coletivo, vai deixar na cabeça da ponte pra atravessar a pés? Não!
Vai deixar na cabeça da ponte pra atravessar de canoa? Não! A população de Saint-
Georges, pra vim pro Oiapoque, ela vai vim por Vila Vitória, porque vai ter o ramal
de Vila Vitória, que vai ter o acesso mais próximo, vai haver ônibus coletivo, Vila
Vitória-Oiapoque com preços reduzidos, entendeu? E que a população de Saint-
Georges, muitos têm veículos e não vão deixar de vim nos seus veículos, comprar
aquilo que deseja, pra pagar uma catraia pra eles vim? Não! (E10/CATRAIEIRO,
2013).

Para os catraieros a cooperação somente trouxe contratempos e de fato representa


uma ameaça às suas atividades laborais. Os catraieros se mostram conscientes de que com a
inauguração da ponte eles perdem seu sustento de vida e por esse motivo afirmam não haver
cooperação. Mesmo que os comerciantes e atores institucionais da prefeitura de Oiapoque
afirmem ser a ponte Binacional o único benefício da cooperação franco-brasileira é coloquem
sua inauguração em um horizonte de expectativas de “bons negócios” e o retorno do euro ao
município; para os catraieros a ponte é ameaçadora e por conta disso a luta desse grupo é por
meio de duas frentes, uma junto a Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça França-
Brasil e outra junto ao governo brasileiro, onde buscam uma compensação em espécie, ou
seja, em recursos monetários; além disso querem linhas de financiamento e cursos de
148

capacitações para que possam buscar outras atividades como piscicultura e turismo. Muitos
catraieiros planejam ingressar no ramo do turismo,

mas pra que a gente desenvolva o turismo, precisa de novos investimentos em


capacitações, temos o Parque Montanhas do Tumucumaque, temos o Cabo Orange,
o Cabo Orange, o ICMBio, um grande parceiro nosso, o ICMBio. Inclusive fizemos
um passeio turístico [e isso] abriu as portas pra classe catraieira, tá? Acredito que o
Cabo Orange também vai abrir as portas [referiu-se ao Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e Recursos Renováveis], precisa apenas de investimentos e políticas
públicas. (E10/CATRAIEIRO, 2013).

É preciso tornar claro que apesar de haver uma mobilização inicial entre os grupos
afetados pelas fiscalizações e interdições no rio Oiapoque, não é somente essa a questão
considerada pública, há outras que, igualmente, têm abrangência em todo o território de
Oiapoque. Os compromissos assumidos pelos atores locais vinculam-se também a
reivindicações de outras ações públicas referentes às suas carências no domínio de
infraestrutura urbana, trabalho e emprego, saúde e educação.

No dia cinco agora de julho, teve uma grande manifestação, aqui no município de
Oiapoque, a exemplo de Macapá. O único problema que nós tivemos foi quebra-
quebra. Mas praticamente nós tivemos umas duas mil pessoas na rua e isso foi
inédito na história do Oiapoque, reivindicando realmente todas essas mazelas
causadas pela nossa política pública. (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO
EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).

Na cidade prevalecem carências no que tange a bens coletivos, por exemplo, a coleta
de lixo é feita pelos caminhões que são de propriedade do atual prefeito, que durante sua
campanha assumiu o compromisso de limpar a cidade. As obras para construção do hospital
não estão concluídas apesar das promessas do governo do Amapá e, desse modo, a população
de mais de vinte mil habitantes é atendida em um prédio alugado, onde antes funcionava uma
pequena clínica particular. Sendo que só há um médico e ele mesmo se denomina como
profissional de “mil e uma especialidades”, já que faz atendimentos de pediatria a legista da
polícia técnica quando é necessário fazer uma autópsia. Aliás, ele informou que não tem conta
das vezes que já foi chamado durante a madrugada para realizar um parto ou fazer um
atendimento de urgência (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Numa escala de
classificação, os problemas relacionados à saúde e à educação públicas são os que ganham
mais relevância, pois

têm muito processo, um, dois ou três sobre a questão da saúde no município. Sobre a
questão do hospital, se vai inaugurar ou não vai, só tem um médico na cidade.
Fizemos uma reunião, a audiência aqui no auditório com os funcionários da
149

Secretaria [Estadual de Saúde], os quais garantiram que ia ter pelo menos um


médico, com revezamento de algumas especialidades uma vez por semana, um
dermatologista, um pediatra, etc. O que não aconteceu até agora, temos problemas
sérios com a área da saúde. Educação pelo que tenho observado quanto à estrutura
física, que tem mais de vinte anos, não tem nenhuma melhora, nenhum acréscimo na
qualidade da educação. (E7/JUIZ DE DIREITO, 2013).

Retomando Elias (2006) confirma-se seu postulado de que toda pluralidade de


decisões está sujeita a uma base comum, que no caso de Oiapoque está na sua condição de
transfronteiricidade que lhe impulsiona a um contato bem próximo com a Guiana Francesa, de
onde emanam informações de prosperidade e benefícios, mas de outro lado lhe coloca em
situação insular em termos infraestruturais e invisíveis aos subsídios e políticas públicas de
seu próprio país. A condição de transfronteiricidade presente em Oiapoque fomenta na cidade
formas de convívio, modos de ser, de se relacionar e se entender que não se restringem ao
território desenhado pela territorialidade estatal.
Ainda assim, há muita expectativa de que com a cooperação fronteiriça Brasil e
França resolvam a problemática relativa à mobilidade e ao deslocamento de pessoas para além
e através da fronteira e que solucionada essa questão a cidade de Oiapoque entraria em uma
fase de desenvolvimento; “então, o meu sonho é que essa ponte se realize realmente e possa
trazer mais inovação pra dentro do nosso município, que possa trazer mais pessoas, que a
gente traga e também que gere emprego, porque aqui também a gente é precário de todas
essas situações (E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE
HOTELARIA, 2013)”. Tem-se um indicativo de que os oiapoquenses têm mais esperança de
uma prosperidade vinda das relações com a Guiana Francesa ou mais particularmente com a
França do que com o Brasil; “Por isso que eu digo que é muito complicado, e as coisas estão
avançando a passos lentos, acho que o governo francês tem que agir mais
(E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONTRUÇÃO CIVIL, 2013)”.
A cooperação fronteiriça construiu uma ponte de concreto em convergência com
interesses econômicos da França e do Brasil, mas a ponte simbólica já existia e nisso
concorda-se com Police (2010), a inauguração da ponte Binacional vai provocar rachaduras
profundas – não por sua materialidade, mas pelos impactos que vai provocar nas
territorialidades em movimento que se identificou no território Oiapoque-Guiana Francesa –
na ponte simbólica, constituída nas interações sociais transfronteiriças. A desestruturação da
condição de transfronteiricidade sobre a qual se organiza a vida social no território de
Oiapoque com sentido à Guiana Francesa pode vir a desencadear mais conflitos e confrontos,
mais prejuízos materiais e perdas de vidas humanas, pois existe uma opinião pública formada
150

em Oiapoque: “O Brasil se esqueceu de nós, a gente não foi consultado, nem ouvido (Ref.
Diário de Campo, Oiapoque, 2013)”.
Essa assertiva não é somente de alguns grupos, ela é recorrente entre os indivíduos
singulares e coletivos e pode ser ouvida em diversos lugares da cidade de Oiapoque, bem
como nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. O catraieiro, o comerciante, o usuário do
transporte fluvial não falam somente como membros de grupos de pressão, mas como atores
que se categorizam no convívio, na vizinhança com o outro. Nesse sentido se afirmam como
fronteiriços e falam em nome de outros fronteiriços: “Nós somos fronteiriços com
nacionalidade, com nome diferente, apenas o nome diferente, mas nós somos amigos, nós
somos irmãos e somos vizinhos, além de tudo, é o mesmo sangue humano, muda apenas a
nacionalidade, e nós nos respeitamos, nós fronteiriços Oiapoque–Saint-Georges, nós nos
respeitamos, entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013)”, ainda que essa frase já tenha sido citada
anteriormente é pertinente colocá-la novamente nesse ponto da discussão, pois o que ela
expressa é compreendido e compartilhado pela sociedade oiapoquense. Isso se coaduna com o
pensamento de Elias (2006) sobre como essas formas idiomáticas de expressão revelam um
ser e um deve ser, um “nós-ideal”, a despeito de que grupo de interesse se pertença. A
uniformização observada entre os grupos mobilizados em favor de suas demandas atua na
formação de uma opinião pública em Oiapoque, ainda que a opinião pública não se constitua
exatamente em um grupo de pressão, é fator potencial de influência nas decisões
governamentais (ELIAS, 2006).
A correlação das informações parece corroborar o argumento de que a cooperação
fronteiriça tem para além das prerrogativas relativas a parcerias para desenvolvimento de
infraestrutura, pesquisa cientifica e tecnológica e de prevenção uma dimensão disciplinadora e
interventora com foco no território Oiapoque-Guiana Francesa e seus habitantes.

Tem a cooperação policial, tá lá escrito duas bandeiras, lá do lado de Saint-Georges,


na Gendarmerie. Essa é a cooperação transfronteiriça. Se acontece um problema do
lado de lá, a polícia de lá passa pro daqui, e vice-versa, existe essa cooperação. Mas
pra população nada, se alguém me perguntar: eu digo me prove! Se alguém disser:
[...] tem cooperação assim, assim, assim... Eu digo me prove!Não fale! Me prove!
Porque eu digo: porque eu convivo na fronteira, todos os dias eu estou em Saint-
Georges e no Oiapoque, só não estou quando eu estou fora do nosso município.
(E10/CATRAIEIRO, 2013).

Entende-se, que nos atos de fala locais sobre a cooperação surge a dimensão
disciplinadora e interventora que se defende e, que, dessas manifestações, torna-se possível
extrair os padrões sobre os quais se ergueu a vida social em Oiapoque. A condição de
151

transfronteiricidade é a agregação e articulação de atributos sociais, econômicos, históricos,


espaciais e simbólicos que conformam um diapasão de modos de pensar, sentir e agir dos
atores locais na manutenção e reprodução da vida social; da condição de transfronteiricidade
nasce o “nós-ideal” (ELIAS, 2006). O compartilhamento desses significados está imerso no
cotidiano desses agentes, que articulam esses sentidos no desenvolvimento de manobras para
dilatar suas possibilidades nos quadros de vivências concretas.
A cristalização dessa condição de transfronteiricidade pode ser encontrada nas
interações sociais além e através da fronteira e do acordo. Mesmo que elas aconteçam sem
uma intencionalidade explícita, apresentam uma previsibilidade derivada da conjunção de
experiências e expectativas intercedidas pelo rio Oiapoque, de maneira análoga ao Atlântico
negro de Gilroy (2001). Na condição de transfronteiricidade se constitui o “nós-ideal” que
opera para formação de uma opinião pública num processo relacional definido pela “ligação
com a vida e com os temas cotidianos (DOMINGUES, 2003, p. 481)”. Na cotidianidade se
revelam múltiplos significados que foram vivenciados pelos agentes, os quais se articulam
para unir os fronteiriços na luta pela continuidade de sua territorialidade e experiência,
enraizadas em valores, costumes, códigos, regras, hábitos, etc.; instituições essas que
comportam impulsos, desejos, motivações, significações psicológicas e tornam possível a
sociedade e a sociação das gerações de indivíduos em um território que se qualifica pela
situação de vizinhança com a Guiana Francesa (ELIAS, 2006; SIMMEL, 1996, 2013).
A cooperação fronteiriça franco-brasileira no território Oiapoque e Guiana Francesa
exprime uma transformação nas ações estatais no que tange a sua função política e a sua
significação jurídica, propriedades com as quais essa fronteira em particular e todas de modo
geral se constituíram historicamente a partir da emergência dos Estados nacionais modernos;
não obstante, ela contenha uma dimensão disciplinadora e interventora. Sob a justificação de
que essa mudança se expressa em escala local nas ações institucionais do governo francês
para restringir o trânsito de catraias que sobem o rio Oiapoque em direção as comunidades de
Ilha Bela e Vila Brasil; nas interdições ao desembarque de brasileiros na vila de Saint-
Georges; nas deportações de brasileiros sem documentos da cidade de Caiena; nas operações
militares de combate e destruição dos garimpos clandestinos em atividade nesse território que
possuem uma população de aproximadamente quinze mil garimpeiros brasileiros. Pois para os
atores locais é imperativo que

os nossos parlamentares tinham [i.e. têm] que dar suporte aos brasileiros, aos
garimpeiros que estão fora, pra outro país, liberar certos garimpos, porque nós temos
muitos e muitos garimpos aqui, garimpos não, áreas de garimpo próximo à fronteira,
152

na nossa fronteira, mas não pode ser explorado, por causa das reservas. Por isso é
essa a situação, então nesse ponto aí, veio essa política diretamente só repressão,
porque até agora pra beneficiar o garimpeiro, eu não vi [nada], no caso, ele saía da
Guiana Francesa. Eles [franceses] legalizam para as empresas, mas o maior
desenvolvimento econômico da exploração do ouro não é das grandes empresas, são
dos pequenos, o que chega pra nós aqui não é das grandes empresas legalizadas, é
dos pequenos garimpeiros, o que traz o desenvolvimento econômico pra aqui não
são os grandes empresários garimpeiros, são os pequenos empresários, os grandes
empresários traz o mínimo. (E10/CATRAIEIRO, 2013).

Fica-se, então com perguntas que não querem calar: para onde irão esses
aproximadamente quinze mil deslocados compulsoriamente pela cooperação fronteiriça
franco-brasileira? Que políticas compensatórias, que subsídios o governo brasileiro irá
desenvolver para lhes dar assistência em seu retorno ao Brasil? Quais alternativas serão
colocadas em prática para a inclusão socioeconômica dos moradores do território de
Oiapoque a partir da desestruturação dos garimpos? Quais outras dimensões institucionais,
além das repressivas, podem vir a ter acesso os moradores do lado brasileiro da fronteira de
Oiapoque? Como atender a demandas históricas, por bens e serviços públicos, de uma
população que parece ter sido esquecida pelo Estado brasileiro e quando lembrada preferiria
ter sido esquecida?E, de todo modo, acredita que vale a pena lutar.
Neste capítulo buscou-se apresentar os atos de fala, concepção de fronteira, de
cooperação, de controle e as estratégias dos atores locais para reverter o quadro do controle
fronteiriço que afeta suas práticas cotidianas. Portanto conclui-se que:
O grupo dos catraieiros não identifica nenhum benefício trazido pela cooperação,
nem mesmo a ponte Binacional. Aliás, em se tratando da ponte Binacional afirmam que ela
irá tirar deles o seu meio de sustento, pois, quando for inaugurada, a travessia do rio Oiapoque
será realizada pela ponte e não mais pelo rio. Para esses trabalhadores, a fronteira não separa,
unifica; sendo o rio Oiapoque (onde está o limite fronteiriço) o “local de trabalho”e a “via de
acesso”, não conseguem perceber o significado da fronteira como elemento idealizado para
separar “nós que somos fronteiriços” (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Nessas
circunstâncias se identifica que para os catraieiros a fronteira está para aproximar brasileiros e
franceses, não para separar. Consequentemente, ao cotejar a integração territorial proposta
pela cooperação franco-brasileira com o controle fronteiriço verifica-se sua ambiguidade;
como também a contradição em suas promessas de promover o desenvolvimento
socioeconômico local, já que além de nada realizar vai retirar “o que temos e pelo que
pagamos para ter” (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013).
Para os comerciantes, o único benefício da cooperação é a ponte Binacional, contudo
não plenamente realizado, já que por ela não chegam os esperados e desejados clientes da
153

Guiana Francesa. Para os comerciantes, a fronteira é esperança de progresso e


desenvolvimento. Além disso, em virtude da problemática dos garimpos clandestinos na
Guiana Francesa, a cooperação não avança na definição de um instrumento jurídico entre os
governos do Brasil e da França para elaborar a carteira transfronteiriça, documento que
colocaria um ponto final na controversa questão relativa ao desembarque de brasileiros em
Saint-Georges e a passagem de brasileiros na cachoeira Grand Roche. Esse grupo insiste – e
nisso tem o apoio dos agentes institucionais da prefeitura de Oiapoque – que quando o
assunto é garimpo, não é problema brasileiro e sim da França; tema que consideram como
interesse do grupo e demandam ao governo brasileiro “é que não pode acabar com o garimpo,
pois tem garimpo do lado daqui da fronteira. Quando chega o garimpeiro, ele compra uma
camisa, uma refeição, hospeda-se em uma pousada, etc. Como é que vão acabar com o
garimpo? (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013)”. Não está explícita na fala deles, mas é
possível capturar, que também não se deve acabar com os garimpos na Guiana Francesa, mas
que sejam legalizados e, podem os franceses fazer a contratação de garimpeiros brasileiros.
Cumpre destacar, que os comerciantes acham que a França deve ser mais atuante e “ensinar”
para o Brasil como resolver problemas com políticas públicas, pois o que Oiapoque precisa é
de políticas públicas.
Os moradores de Ilha Bela e Vila Brasil vêm enfrentando diversos problemas com a
cooperação fronteiriça franco-brasileira. Esses problemas são relativos às abordagens
realizadas pelas instituições francesas e/ou brasileiras na fiscalização das catraias que
compõem a logística de transporte de passageiros e cargas de Oiapoque até essas
comunidades. Ressalte-se que para esse grupo não é somente a questão de estarem sob o
“paradigma da suspeita” (SHAMIR, 2005) e serem responsabilizados pela sustentabilidade
dos garimpos clandestinos, eles também têm que enfrentar a vigilância do Instituto Chico
Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), pois essas comunidades estão na área
institucional do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque. Além disso, eles padecem de
uma localização isolada, que torna o transporte fluvial a única alternativa de acessar serviços e
bens de consumo, por esse, motivo para eles, a mobilidade no rio Oiapoque é extremante
importante.
Esse grupo é bastante organizado e mesmo com todas as dificuldades procuram ser
reconhecidos pelo poder público brasileiro em suas demandas e alegam que se as
comunidades não são assistidas por políticas públicas, que então não sejam criados
procedimentos que dificultem suas condições de vida. É interessante que esse grupo pouco se
manifesta em relação à ponte Binacional, mas devido à solidariedade entre os grupos
154

atingidos pela restrição à mobilidade e aos deslocamentos, os moradores de Ilha Bela e Vila
Brasil frequentemente fazem alusão de que a ponte vai prejudicar os catraieiros. Quando o
assunto é garimpo clandestino, eles colocam a culpa na corrupção dos franceses e na própria
história do território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa; pois, o ouro brota onde tem que
brotar, ora do lado daqui, ora do lado de lá (Ref. Diário de Campo, Vila Brasil, 2013) e “o
cidadão não tirou licença em nenhuma instituição pra ir pro garimpo, ele foi aí por conta da
natureza. Como eles de primeiro trabalharam no Lourenço [Calçoene-Brasil]. Os rios daqui
do Oiapoque eu conheço todos, tudo é nome indígena, nome de crioulo, até hoje a gente prova
um monte de garrafa francesa e, etc. (E12/VEREADOR E PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013)”.
O grupo que tem a mais discreta manifestação é o dos carregadores. Argumenta-se
que eles têm sua atuação vinculada ao grupo dos catraieiros e comerciantes; em parte porque
se encontram em situação de dependência no que tange ao exercício de sua atividade; como
também por acreditarem que comerciantes e catraieiros detêm maiores recursos materiais e
simbólicos. É pertinente observar que foi nesse grupo onde se encontrou opiniões negativas
sobre os garimpos clandestinos, e isso procede do fato de que uma significativa parte desses
trabalhadores já foi garimpeiro na Guiana Francesa. Eles também informam que os gendarmes
não gostam é de brasileiro (Ref. Diário de campo, Oiapoque, 2013).
A fala dos imigrantes retornados foi inserida para destacar como vivem os brasileiros
na Guiana Francesa, o objetivo foi enfatizar a fronteira “porta”, quando brasileiros excluídos
de um exercício efetivo de cidadania entram em movimento e atravessam a fronteira em busca
de uma melhor condição de vida. Muitos querem voltar, mas voltar “por cima”, pois a
proximidade espacial que a fronteira proporciona, seja pelo contato físico, seja pelas redes de
informação, dificulta a ruptura dos laços com parentes e amigos em seus lugares de origem.
Nesse aspecto se destaca uma característica da migração de brasileiros para a Guiana
Francesa: são movimentos contínuos que se iniciaram em outros estados do Brasil, em
especial Pará e Maranhão.
O acesso que se teve a fala dos agentes institucionais franceses foi em parte
dificultado pela língua, mas se afirma que os agentes institucionais franceses operam regidos
pelos normativos do Estado francês e fazem valer na Guiana Francesa a legislação francesa,
ainda que oiapoquenses e guianenses se entendam. Os agentes públicos verbalizam que a
cooperação fronteiriça franco-brasileira vai trazer prosperidade para o Amapá e para
Oiapoque. Contudo, os agentes institucionais da prefeitura de Oiapoque partilham da opinião
pública local de que como países vizinhos não pode haver restrição a circulação entre as duas
155

fronteiras. Esses atores medeiam o relacionamento entre os agentes públicos diretamente


envolvidos na cooperação (aqueles que têm participação efetiva nas reuniões da Comissão
Mista de Cooperação Brasil-França) e os atores locais de Oiapoque. São os agentes
institucionais da prefeitura de Oiapoque que conjugam demandas locais e as articulam na
Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça Brasil-França.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O viés analítico adotado nesta tese é constituído pela concepção de que qualquer
forma de associação entre indivíduos singulares ou coletivos se desenvolve a partir de
interações surgidas de subjetividades que se realizam no social, ou seja, de impulsos
psicológicos que se intercambiam, se permutam, se trocam, se interpenetram (SIMMEL,
2006; ELIAS, 2006). Este estudo teve o objetivo de analisar a relação entre política
internacional e sociedade local na contemporaneidade, considerando que ambas as dimensões
se constituem a partir de interações; entre Estados no primeiro caso; entre atores locais no
segundo e entre uns e outros.
O lócus da pesquisa foi o território fronteiriço de Oiapoque. Primeiramente, ao ter
em conta que nas últimas três décadas do século XX a globalização colocou a mudança como
central nas sociedades contemporâneas, se tinha a pretensão de estudar os novos significados
atribuídos às fronteiras externas dos Estados. Desejava-se enfatizar as relações cooperativas
na fronteira entre o estado brasileiro do Amapá e o departamento francês da Guiana Francesa
e seus significados econômicos, políticos e simbólicos. No entanto, conforme a pesquisa foi
avançando, outras questões foram se impondo. Dentre essas, uma foi ganhando maior
consistência: as notícias acerca dos embates entre brasileiros e a Gendarmerie relativos aos
deslocamentos dos primeiros no rio Oiapoque que nessa mobilidade ultrapassavam o limite
fronteiriço entre Brasil e Guiana Francesa. Tornou-se inquietante ter conhecimento de que em
meio ao desenvolvimento de uma política intergovernamental de cooperação destinada à
integração territorial e ao desenvolvimento socioeconômico local estivesse se estabelecendo
um clima de conflitualidade entre atores fronteiriços e agentes institucionais.
Com essa inquietação, foi-se a Oiapoque, e a ida a campo acabou por dar novo rumo
ao trabalho investigativo, pois o contato com a sociodinâmica da cidade conduziu à percepção
de que não seria possível pensar a cooperação fronteiriça franco-brasileira privilegiando a
perspectiva estatal, na medida em que as ações governamentais estavam institucionalizando
um relacionamento fronteiriço que de fato já existia, sendo parte da vida dos moradores de
Oiapoque. Não foi preciso muito esforço para chegar a essa primeira suposição, bastou ficar
observando da orla fluvial o frequente ir e vir de catraias pelo rio. Aliás, a experiência de
permanecer nesse lugar, por si só já colocou em descoberto o traço que singulariza a vida
social: a travessia para a Guiana Francesa. No entanto, nessa ocasião já eram muito
recorrentes as reclamações sobre as fiscalizações da Gendarmerie para controlar esse
movimento.
157

Os dados coletados na bibliografia e nos documentos oficiais haviam apontado para


inovações no sentido atribuído à fronteira Amapá-Guiana Francesa pela possibilidade de
estreitar os vínculos do Brasil com a França e instituir novos fluxos comerciais entre
MERCOSUL e União Europeia. Além disso, a mencionada fronteira estava sendo considerada
pelo governo brasileiro como estratégica no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional do Ministério da Integração Nacional. Oiapoque também estava sob escrutínio
estatal devido estarem em sua circunscrição administrativa áreas indígenas e de proteção e/ou
preservação do patrimônio natural. Em termos históricos, tal visibilidade era recente, pois até
meados da década de 1990 a presença do Estado apresentava uma baixa densidade
institucional sendo isso decorrente em parte do clima amistoso entre brasileiros e franceses,
bem como não haver registros de a fronteira ser importante na cartografia do crime
organizado internacional.
As informações denotaram que Oiapoque (fronteira, cidade, rio) atravessava
mudanças na forma como o Estado e os formuladores das políticas públicas percebiam e
agiam em relação a esse território. Cumpre acrescentar que essa dinâmica territorial suscitou a
produção de um conjunto de trabalhos de vários estudiosos motivados em entender esse
processo, cujas tendências ainda não estavam inteiramente consolidadas, mas já em curso.
Para além das perguntas sobre quais os fatores que estavam a impulsionar as transformações
de ordem cognitiva, conceitual, política, econômica que a fronteira Oiapoque-Guiana
Francesa estava trazendo a baila; o presente estudo tomou como tarefa verificar como nesse
desenvolvimento se inseria as percepções, sensações e comportamentos dos atores locais.
Buscou-se alcançar entendimento sobre o que há de intransitivo na transitividade observada.
Teve-se como ponto de partida a premissa de que na vida social os desencaixes são seguidos
de reencaixes (GIDDENS, 2008; DOMINGUES, 2003); ou seja, diante de mudanças sociais,
os indivíduos singulares e coletivos começam a organizar estratégias para se ajustarem e
equilibrarem; e com isso atualizar concepções e organizar novo quadro de referências e
orientações de comportamentos em favor de manterem-se na direção de sua própria história.
Se no nível da política de Estados se desenrolavam todas aquelas mudanças
(pontuadas em parágrafo anterior) carregadas de otimistas projeções de desenvolvimento e
prosperidade; na escala local, ao iniciar-se a década de 2000, o ambiente que até então se
mantinha tranquilo e harmonioso começou a se alterar significativamente. A mudança
advinha da implantação do inédito controle fronteiriço na Guiana Francesa. Durante o mesmo
período igualmente se intensificaram as operações institucionais brasileiras para fiscalizar a
fronteira de Oiapoque. A ampliação da presença estatal nos dois lados da fronteira Oiapoque-
158

Guiana Francesa começou a provocar confrontos no relacionamento entre atores fronteiriços e


agentes institucionais.
Ao cotejar as projeções apresentadas pela cooperação fronteiriça franco-brasileira
com a realidade local de Oiapoque vieram à baila suas ambivalências e contradições, bem
como seus aspectos mais subliminares, como o disciplinamento e intervenção. Todavia, nesse
processo analítico alcançou-se, igualmente, a compreensão de como em pequenas figurações
sociais – subsumidas em totalidades nacionais ou em acordos internacionais – os sentimentos
de pertencimento com seu “pedaço de chão” são estratégicos para reunir e combinar interesses
subjetivos, gerando deste modo novos espaços para suas lutas políticas. Pretendeu-se mostrar
que nessas duas formas de interação – entre Estados e entre atores locais – existem conteúdos
distintos, os quais ao serem articulados se espelham não somente em processos sociais
abrangentes, muito presentes nas configurações do mundo globalizado; como também em
outros, mais específicos e relativos às práticas cotidianas e ao fluxo constante da vida
(SIMMEL, 2006).
Esta tese de doutoramento é a continuidade de um trabalho que foi desenvolvido da
graduação ao mestrado. Nos quinze anos dedicados a estudar a fronteira do Amapá com a
Guiana Francesa, privilegiou-se demonstrar primeiro um ponto de inflexão nas relações
fronteiriças franco-brasileiras; em seguida a inovação em sua qualificação, que foi deslocada
de aspectos geopolíticos para geoeconômicos. Mas, nessas reflexões, sempre se manteve o
foco na perspectiva estatal, sem averiguar como essas ações do âmbito da política
internacional no contexto da globalização se rebatiam nas vivências dos moradores de
Oiapoque. Ao escrutinar a realidade social local e cotejar dados empíricos com outros
historiográficos e oficiais chegou-se a algumas considerações finais sobre o objeto
investigado e analisado neste estudo, as quais são apresentadas a seguir.
 A cooperação fronteiriça franco-brasileira mantém liames com a convergência de
interesses econômicos e políticos de Brasil e França sob o imperativo da globalização.
Isso foi considerado relativo, em particular, ao Estado brasileiro que à época passava por
uma reformulação e reorganização de ordem política, administrativa e econômica.
 Com os conceitos de território, territorialização e territorialidade de Raffestin (2009), foi
possível compreender o processo diacrônico na relação homem-espaço, do qual resultam
os territórios. Sendo assim, se identificou na cooperação fronteiriça franco-brasileira um
reordenamento das terras em torno da fronteira internacional – demarcada em Utrecht
1713 e confirmada em 1º dezembro de 1900 pelo governo brasileiro e o governo francês.
O reordenamento a que se faz referência é na realidade uma reterritorialização que
159

transforma a fronteira internacional de elemento disjuntor em interface. Tal inovação


seguiu os parâmetros contemporâneos de percepção do espaço planetário: passou-se de
concepção de totalidade dividida em unidades políticas e sociais separadas por fronteiras
para uma totalidade na qual são relevantes as conexões que podem ser estabelecidas entre
os espaços.
 Identificou-se não haver somente esse tipo de territorialidade a conferir forma ao território
fronteiriço em questão, existem outras, àquelas que estão articuladas aos conteúdos
elementares da vida vivida, sentida e agida (SIMMEL, 2006, 2013); fala-se da relação de
apropriação entre agentes e as propriedades que o ambiente natural lhe dispõe. De acordo
com Raffestin, “o ator projeta no espaço um trabalho, isto é, energia e informação,
adaptando as condições dadas ás necessidades de uma comunidade ou de uma sociedade
(2009, p. 26)”.
 Apesar do contencioso diplomático em torno da demarcação da fronteira entre Brasil e
Guiana Francesa e do esquecimento a que foi relegada a região durante praticamente todo
século XX – sendo isso em parte responsável pelo descuido com o controle fronteiriço –,
as populações fronteiriças sempre mantiveram um relacionamento amigável, intersticial,
sustentado pela travessia em catraias entre as duas margens do rio fronteira. No território
fronteiriço de Oiapoque existem vilas, onde moram algumas centenas de habitantes, cuja
historicidade é assinalada por solidariedades e complementaridades com a Guiana
francesa, num contexto territorial em que a vizinhança é recurso estratégico na luta pela
sobrevivência.
 A migração de brasileiros para a Guiana Francesa e a garimpagem de ouro tem contornos
históricos no território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa, sendo executadas desde o
período colonial. Essas práticas mostram-se como alternativas para inserção
socioeconômica de muitos indivíduos sem trabalho e renda.
 Isso concerne em particular à cidade de Oiapoque e às comunidades de Ilha Bela e Vila
Brasil, cuja sociodinâmica foi configurada em torno de ouro, de homens e do rio; dito de
modo mais claro, a economia dessas coletividades depende da extração, compra e venda
do ouro e dos fluxos de migrantes que por elas passam constantemente, permanecendo um
tempo antes de conseguir entrar na Guiana Francesa; a isso se acrescente o papel
integrador exercido pelo rio Oiapoque, por onde circulam pessoas e todos os subsídios
necessários à sustentação e à reprodução da vida social.
160

 No entanto, como se nota, essas práticas são extensivas à Guiana Francesa e, por conta
disso, implicam no ato de transcender a fronteira internacional. Enquanto a fronteira
Oiapoque-Guiana Francesa não era alvo de ações pontuais de controle, as interações
transfronteiriças desenrolavam-se livremente. Aliás, cumpre ressalvar, até meados da
década de 1990, havia incentivos do governo da França para atrair trabalhadores
brasileiros, inclusive garimpeiros.
 Mas ao iniciar a década seguinte esse contexto começou a se modificar com os
dispositivos da política francesa anti-imigração, que acabou por ampliar a ilegalidade nas
migrações de brasileiros para o departamento francês. Concomitantemente, começaram as
operações da Gendarmerie para desarticular e eliminar a garimpagem ilegal de ouro em
seu território, para as quais contou com o apoio de instituições brasileiras, Exército e
Polícia Federal.
 Com a criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque começaram a acontecer
fiscalizações, primeiro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis
(IBAMA) e depois da divisão institucional em 2007 do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Essas ações institucionais estão vinculadas a
uma política ambiental que também opera na produção do território. Trata-se de uma
territorialidade que foi tocada levemente neste trabalho, mas que, pelo impacto que
provoca nas comunidades ribeirinhas de Vila Brasil e Ilha Bela, precisa ser avaliada em
outros estudos. Os moradores dessas comunidades se encontram duplamente sob o
“paradigma da suspeita” (SHAMIR, 2005), para os agentes institucionais franceses são
eles que garantem o fornecimento de subsídios para os garimpeiros que estão atuando
ilegalmente na Guiana Francesa; de outro lado para o ICMBio eles representam uma
ameaça à proteção do patrimônio natural do Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque.
 O maior rigor da parte dos agentes institucionais franceses para embargar o ingresso de
brasileiros na Guiana Francesa teve início com restrições de concessão do visa no
passaporte; posteriormente com interdições ao desembarque de brasileiros em Saint-
Georges, cidade-gêmea com Oiapoque; em seguida começaram as retenções de catraias,
seguidas pela apreensão e queima de mercadorias, combustíveis, máquinas e
equipamentos, bem como o corte das embarcações em circulação do lado francês do rio
Oiapoque; e, finalmente, teve início a detenção de brasileiros no rio ou em terra que não
estivessem portando documentos de identificação.
161

 Contudo, não somente migrantes atravessam a fronteira, uma especificidade do ambiente


natural provoca também uma situação de passagem dos brasileiros pelo território francês,
ou de franceses pelo território brasileiro (no período do verão) fala-se respectivamente das
cachoeiras Grand Roche e Caxiri. Nessas cachoeiras existem canais que no itinerário (para
as comunidades ribeirinhas de Ilha Bela e Vila Brasil; ou Camopi na Guiana Francesa) são
os únicos lugares com profundidade para comportar a passagem das catraias. Desse modo,
os brasileiros ou os franceses que se deslocam pelo rio Oiapoque para chegar às
comunidades localizadas no alto da bacia do rio Oiapoque realizam a transcendência da
fronteira.
 O nó górdio de toda essa situação está no fato de que para os brasileiros residentes no
município de Oiapoque as interações sociais para além e através da fronteira são
impulsionadas por conteúdos articulados na busca de oportunidades de trabalho e renda,
as quais entendem encontrar na ou depender da Guiana Francesa.
 Nessa perspectiva, surgiu, por exemplo, a certeza de que as assimetrias sociais,
econômicas, institucionais e administrativas entre Brasil e França não podem ser
superadas somente com iniciativas políticas. Cita-se, nessa direção, o atraso de
praticamente três anos na inauguração da ponte Binacional, que já começa a apresentar os
primeiros sinais de corrosão em suas estruturas metálicas. Como também a ineficiência da
cooperação fronteiriça em evitar os prejuízos materiais e óbitos devido às fiscalizações,
interdições e apreensões realizadas pela Gendarmerie no rio Oiapoque e/ou nos garimpos
clandestinos da Guiana Francesa.
 De fato o que se verificou com os conflitos e confrontos entre a Gendarmerie e os
brasileiros desvela o poder estatal em garantir seu persistente domínio por meio da
desestruturação de arranjos locais constituídos no devir histórico e social. Mas não são
somente esses embates que devem ser referidos, cabe chamar atenção à criação do Parque
Nacional Montanhas do Tumucumaque que representa uma intervenção e exercício desse
mesmo poder.
 Os comportamentos dos agentes locais são regidos por essas finalidades econômicas, mas
também pelas memórias e imagens coletivas relativas às condições de vida na Guiana
Francesa, as quais se inscrevem nas práticas mais repetitivas dos moradores de Oiapoque.
Na curta e na média temporalidades, as estratégias de adaptação movidas pela criatividade
individual e social são mais exitosas; enquanto que em se tratando de memórias e
162

imaginários essas atualizações somente ocorrem numa temporalidade longa


(DOMINGUES, 2003).
 As restrições impostas à mobilidade e aos deslocamentos de brasileiros pelo rio Oiapoque
induziu a compreensão de que o estabelecimento desse regime de mobilidade também
revela que a cooperação fronteiriça franco-brasileira tem uma dimensão disciplinadora e
interventora. Essa concepção foi refinada sob as premissas de Giddens (2008) referentes
às configurações que as relações internacionais assumem na contemporaneidade
globalizada e globalizante. As formulações do autor permitiram explicitar que a
institucionalização da cooperação fronteiriça franco-brasileira representa não somente um
relacionamento bilateral entre Estados que está comprometido com a integração entre
territórios e com a melhoria de bem-estar social e econômico de suas populações –
promessas que ainda se encontram em um horizonte de espera –, como também ela se
propõe concluir o processo de demarcação da fronteira por meio da extensão dos aparatos
administrativos dos Estados a esses lugares mais periféricos e suas sociedades insulares.
Desse conjunto de argumentos chegou-se ao construto conceitual que se denominou
de condição de transfronteiricidade. Entende-se que no território fronteiriço de Oiapoque
existe tal condição, que não é um fenômeno imediato, mas mediado por elementos de ordem
histórica, espacial, econômica, simbólica. Da condição de transfronteiricidade resultam as
interações sociais transcendentais e transgressoras à fronteira. As interações referidas se
efetivam por meio da mobilidade e dos deslocamentos de brasileiros para além e através do
rio Oiapoque, que é o limite físico que separa as soberanias territoriais de Brasil e França.
Mas também é o eixo que agrega os atributos que qualificam as práticas cotidianas dos
habitantes no território de Oiapoque. Dito em outras palavras, as práticas são os atos que
levam a efeito os impulsos, motivações, desejos ou significações que se encontram em
articulação no cotidiano experienciado pelos atores.
A tese refletiu sobre como se correlacionam distintas interações para além e através
da fronteira e do acordo internacional entre França e Brasil. E como nessas interações operam
conteúdos que se espelham na concepção e desenho do território fronteiriço Oiapoque-Guiana
Francesa. Também se demonstrou que isso influencia as formas de percepção, de atuação e de
sentimentos dos agentes locais em suas práticas cotidianas. Para esses, estar próximo da
Guiana Francesa significa ter a possibilidade de acessar melhores oportunidades de trabalho e
renda e, por conseguinte, de ascensão social e material. Isso procede do reconhecimento de
que do outro lado da fronteira o status social se assemelha àquele mantido na França
metropolitana – por ser esse departamento subsidiado pelos impostos pagos pelos franceses –,
163

enquanto que do lado brasileiro as dificuldades são materiais, administrativas, de saúde, de


educação, de diversão, etc. Grosso modo, se afirma que para os brasileiros de Oiapoque o ato
de olhar para o outro lado da fronteira é sempre orientado pelas percepções, imagens,
memórias de prosperidade e melhores condições de vida e isso desqualifica a fronteira como
elemento de divisão e separação. Nesse território fronteiriço de Oiapoque, na vida vivida por
seus moradores, se interpenetram experiências e esperanças, da qual nasce uma identidade
com o lugar em que vivem.
A esse “pedaço de chão” são solidários os conteúdos mais elementares da vida desses
atores e isso condiciona tanto a opinião pública de Oiapoque como os comportamentos
coletivos. Eles se sentem e se identificam como “fronteiriços” e com isso se distinguem, e em
defesa desse “nós-ideal” (ELIAS, 2006) eles empreendem uma luta para ter o direito de
manter a direção de sua própria história. Não se trata somente de conseguir o direito de
transcender a fronteira – que significaria ter esse “nós-ideal” reconhecido –, se trata
igualmente de expressar suas carências e elevar suas conquistas, pois como dizem: “nós aqui
somos os guardiões do Brasil, mas o Brasil se esqueceu da gente (Ref. Diário de Campo,
2013)”.
Os protestos dos brasileiros no rio Oiapoque contra as restrições francesas à sua
presença na Guiana Francesa não são somente para reclamar e readquirir um direito que
consideram estar sendo tirado deles. É mais que isso! São mobilizações de brasileiros
invisíveis e inaudíveis ao Estado nacional brasileiro. Poder-se-ia aqui encerrar falando sobre
os excessos praticados pelos agentes institucionais franceses, ou ainda sobre as fronteiras
excludentes que a globalização levanta, ou mesmo de xenofobia. Mas não é isso que compete
para encerrar este trabalho.
O que os brasileiros fronteiriços de Oiapoque tentam com suas mobilizações é
mostrar que eles, assim como qualquer um de nós, são mais que qualquer aparato jurídico,
administrativo, político do Estado; são mais que as insuficientes políticas públicas de
educação, de saúde, de segurança, de trabalho e de emprego destinadas às populações
fronteiriças; são mais que qualquer Programa de Desenvolvimento para a Faixa de Fronteira,
cujas ações se cristalizam no aumento das forças policiais repressivas presentes em Oiapoque.
Enfim, eles, os “fronteiriços”, são bem mais que um arranjo político internacional que divulga
uma cooperação que até o presente momento não passa de “um discurso falso”.
O tema tratado neste estudo não está de todo colocado a descoberto, muitos de seus
contornos ainda se encontram ocultos e nesse sentido carecem de novas investigações.
Acredita-se que seria competência da ciência política e da sociologia política dedicar-se à
164

reflexão sobre políticas migratórias elaboradas pelos Estados nacionais, mas cujo alcance
abrange indivíduos que não são cidadãos. Uma análise dessa ordem é bastante relevante para
os brasileiros que se encontram na Guiana Francesa em especial e no exterior de modo geral;
como também para os estrangeiros que chegam todos os dias ao Brasil. A análise política
poderia esclarecer caminhos virtuais para, em breve futuro, ser possível articular política de
nacionalidade e política imigratória nos quadros institucionais criados pela cooperação
internacional. Isso procede particularmente para o caso dos fluxos migratórios
transfronteiriços, que ganharam maior visibilidade com os processos de regionalização que
reterritorializaram o espaço planetário.
Também se mostra uma pesquisa promissora a questão relativa à validade pretendida
pelos direitos humanos na escala mundial e sua efetividade em recortes espaciais de menor
dimensão, como é o caso dos territórios fronteiriços, seja aqui Brasil-Guiana Francesa; seja
entre Brasil-Paraguai, ou no caso mais emblemático México-Estados Unidos. A situação de
passagem nas cachoeiras Grand Roche e Caxiri, igualmente merece maior atenção dos
pesquisadores, pois os moradores de Oiapoque alegam que o rio tem de ser internacional, que
não podem ser barrados em seus itinerários porque ficam alguns momentos em cima de uma
“pedrazona” que está em território francês.
Seria bastante agradável encerrar esta tese comentando os sucessos da cooperação
fronteiriça franco-brasileira, no entanto ela não é exitosa. E na extensão de seus insucessos se
evidencia o fracasso das políticas públicas brasileiras destinadas às coletividades fronteiriças,
as quais têm por escopo reduzir desigualdades sociais e econômicas presentes nesses lugares.
Fica-se então com a esperança de que os argumentos que estruturam este texto possam vir a
contribuir com as lutas por visibilidade e audibilidade dos comerciantes, catraieiros,
carregadores e moradores das comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil no território de
Oiapoque. Essa esperança nasce do fato de se acreditar que o conhecimento sociológico –
devido seu compromisso com a apresentação de múltiplas concepções sobre vivências
coletivas – ajuda a compor o arcabouço de sentidos compartilhado pelos indivíduos e, desse
modo, afeta as interações sociais e os processos de sociação.
165

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