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BELÉM
2014
CARMENTILLA DAS CHAGAS MARTINS
Belém
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
SUPLENTE 2: Profa. Dra. Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos (PPGSA-UFPA)
À minha mãe Luzamira e ao meu pai Mário, muito presente em minha memória.
A David, marido e companheiro de todas as lutas.
Aos meus filhos Deyverson, Kristylia, David Hian, Gabriel.
Aos meus netos Mariana, Murilo e Dante.
Aos meus irmãos Cydilena, Mário, Mônica e ao meu sobrinho Fernando.
À querida tia Carmen.
À amiga Eliana, em nome de quem dedico a todos os meus amigos e amigas.
Aos meus prezados professores que me ensinaram a cumprir esse ‘itinerário’ tão
cheio de obstáculos que é a carreira acadêmica. Aos meus estimados companheiros de
trabalho docente, bem como aos acadêmicos e acadêmicas do curso de História da
Universidade Federal do Amapá.
Aos brasileiros e brasileiras que vivem na cidade de Oiapoque e nas comunidades de
Ilha Bela e Vila Brasil. Enfim a todas as pessoas que nessa difícil trajetória estiveram comigo
partilhando: esperanças, angústias, frustrações, alegrias, problemas a serem resolvidos e
afirmações a serem consolidadas, dedico.
AGRADECIMENTOS
A DEUS.
A realização desta tese de doutorado não seria possível sem a ajuda de muitas
pessoas e instituições que colaboraram comigo nesta trajetória, são eles: o Colegiado de
História e a gestão da Universidade Federal do Amapá pela liberação para que eu pudesse
cursar o doutorado; as pessoas da cidade de Oiapoque e das comunidades de Ilha Bela e Vila
Brasil que me receberam e comigo compartilharam suas experiências de vida. Sou grata aos
meus orientadores Profa. Maria José da Silva Aquino Teisserenc e Prof. Pierre Teisserenc
pela acolhida e orientações para a elaboração deste trabalho. À Profa. Denise Machado
Cardoso, coordenadora do PPGSA pelo apoio durante a realização do curso de doutoramento.
À Eliana Paixão pela constante amizade fraternal. Ao amigo Gutemberg Silva que entre
outros auxílios me oportunizou a viagem a cidade de Caiena. À secretária Rosângela dos
Santos Borges sempre em atitude de colaboração e auxílio. A todos os meus professores – da
alfabetização ao doutorado – que no decorrer de minha formação escolar e acadêmica
compartilharam comigo seus aprendizados e, nesse sentido, muito obrigada!
O amor, a atenção, a parceria, a compreensão, o auxílio e amizade que recebi de
minha família foram a força e o vigor que me sustentaram e agradeço a essas pessoas por
fazerem parte de minha vida: aos meus pais Luzamira Martins e Mário Martins (in
memoriam) que começaram minha história, cada um me ensinando a seu jeito de como eu
poderia constituir minha subjetividade. Aos meus irmãos Cydilena e Mário que nos
momentos de muita tensão me lembravam dos tempos de nossa infância. À irmã caçula
Mônica e ao sobrinho Fernando sempre com palavras ‘não esquenta, vai melhorar’. Ao meu
marido David Góes, com quem descobri a construir a felicidade. Aos meus muito amados
filhos Deyverson, Kristylia e David Hian, que nunca desistiram de torcer por mim e quando
eu mesma pensei em desistir não deixaram. Ao meu filho Gabriel um agradecimento à parte,
pois foi meu interlocutor em muitos dos momentos de dúvidas, foi alguém com quem pude
contar na consecução de algumas tarefas; e nunca reclamou de minha constante ausência num
momento de sua vida em que também ele empreendia sua própria luta: ingressar em um curso
superior. Aos meus netos Mariana, Murilo e Dante, minhas certezas de continuidade. À minha
querida tia Carmen Eguchi, que tanto me ajudou em minhas estadias na cidade de Belém e
que sempre me traz a presença de meu pai, seu irmão.
“Porque essas fronteiras da natureza não servem
apenas para fechar. Todas as membranas
orgânicas são entidades vivas e permeáveis. São
fronteiras feitas para, ao mesmo tempo, delimitar
e negociar. O ‘dentro’ e o ‘fora’ trocam-se por
turnos.”
Mia Couto
RESUMO
Beyond, through, the border and the agreement: social interaction in Oyapock
Populations which live in the French Guiana and Oiapoque territories maintain a historical relationship, possible
by an interactive context with Oiapoque river, joining the collectives. Many social groups in Oiapoque are
economically dependent on this integration: traders, boat riders, stevedores, residents of communities located at
the top of the Oiapoque River basin. However, since the mid-1990s, in order to control the migration of
Brazilians to French Guiana, and eliminate illegal mines located in its overseas territory, the French government
has made a strict control on the mobility and traffic of people across the border. Such situation created many
conflicts involving Brazilian and French police. The practice of transcending the border expresses how these
individuals interact, which is the reason why such interactions are qualified as cross-border. It is understood
there is a cross-border condition in Oiapoque, related to French Guiana. By interaction we understand a situation
in which individuals establish connections with each other with reciprocal influence and effects. The aim of the
thesis was to interpret how such cross-border interactions articulate on a local scale and the process of Franco-
Brazilian border cooperation, institutionalized since 1996. Accordingly, the focus of the investigation was the
relationship between international and local-political society, on new meanings acquiring the interactions
between local actors in the framework of Franco-Brazilian bilateral relations. The research, a qualitative
approach was developed through a bibliographic, documental and field survey. This last carried out in Macapa
(2011, 2013), Oiapoque (November 2007, November 2011, July 2013), Cayenne (October 2011), Ilha Bela and
Vila Brasil (Oiapoque, July 2013). On these occasions, data collection techniques were used: non-participant
observation, unstructured or semi-structured interviews, configured as a descriptive and interpretive research.
We state that, for local actors the border transcendence binds the conditions of struggle for survival, i.e., in
border territories several territorialities can be identified, taking place outside the presence of the boundary as the
dividing boundary territorial sovereignty. Territorialities can be understood by as the contents that determine the
behavior of individuals in their actions in space. Interactions arising from mobility and displacement of people in
Oiapoque constitute - for the highlighted groups in research - means of achieving socioeconomic conditions, and
this is not evidenced in the figures of the Franco-Brazilian border cooperation. It is hoped that the knowledge
produced in this research can contribute with more suitable concepts for practical existence of these individuals,
supporting the formulation of compensatory policies for groups affected by the restriction of mobility and
displacement
Key words: Society; Politics; Border; Oiapoque; Social Interactions; Cross-border relation.
RÉSUMÉ
Pour au-delà à travers, la frontière et de l’accord: les interactions sociales dans l’Oyapock
Leurs populations qui hatitents les territoires d’Oiapoque et de la Guyenne Francese maintiennent une relation
historique, dans un contexte interactif offert par le fleuve Oiapoque que rejoindre les collectifs. Des nombreux
groupes sociaux d’Oiapoque dépendente économiquement de cette intégration: sont commerçants, passeurs,
chargeurs résidents des communautés situées au dessus du bassin du fleuve Oiapoque. Cependant, depuis le
milieu des années 1990, avec l’objectif de contrôler la migration de brésiliens pour la Guyanne Francese et
éliminer l’orpaillage illégales situés dans son territoire d’autre-mer, vient le gouvernement Français entreprend
un rigoureux contrôle surla mobilité et la déplacement de personnes dans et à travers de la frontière. Une telle
situation causés de nombreux conflits impliquant le police francese et les brésiliens. La pratique de dépasser le
frontirère exprime la façon dont ces individus interagissent, pourquoi de telles qualifier ces interations comme
transfrontalière. Signifie qu’il existe un était transfrontalière en Oiapoque en relation à la Guyanne Francese. Par
interaction Il comprend une situation dans lequel les individus établessent des annexes entre eux avec des
influinces et des effets réciproques. L’objectif de la thèse a été interprétée comment articuler les interactions
transfrontalière en échelle locale et le processus de coopération transfrontalière Franco-brésilien,
institutionnalisée depuis 1996. En ce sens, l’objectif de recherches a été la relation entre la société et local-
politique international, c’est à dire de nouvelles significations qui acquièrent les interactions entre les acteurs
locaux dans les relations bilatéral franco-bresiliennes. La recherche, avec appreche qualitative, a été dévelopé par
une littérature bibliographique, documentaire et sur le terre, ce dernière effectué dans Macapá (2011, 2013),
Oiapoque (novembre 2007, novembre 2011, juin 2013), Cayenne (octobre 2011), Ilha Bela - Ilê Belle et Vila
Brasil - Vilage Brésil (Oyapock, juillet 2013), ces occasions ont été utilisés comme techniques la collecte de
données: observation non participant, interviews non structuré, ou semi-structurées, configuré comme une
recherche descriptive et interprétative. Stipulen que pour les acteurs locaux la transcedance de la frontière lie les
condictions de la lutte pour la survie, c’est à dire, dans la région transfrontalière identifie plusieurs territorialités
que déploiement autres l’existence de la frontière comme limite diviseur de la souveraineté territorial. Par
territorialités être compris par le contenu qui déterminent le comportement des personnes dans leurs actions dans
l’espace. Les interactions découlant de la mobilité et de déplacements de populations dans le fleuve Oiapoque
constituer - pour les groues en surbrillance dans la recherche – dans les moyens de réaliser insertion
socioéconomique et c’et n’est pas appréhendé dans le trames de la coopération frontière franco-brésilienne. Il est
à espèrer que la connaissances produites dans cette recherche peut contribuer avec les concepts les plus
appropriés l’existence concrète de ces individus, l’octroi de subventions d’élaborer des politiques
compensatoires destinés aux groupes concernés par restriction à la mobilité et le déplacement.
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
1.1 Limites, fronteiras e territórios fronteiriços................................................................ 13
1.2 A cooperação fronteiriça França-Brasil ...................................................................... 16
1.3 Interações sociais Oiapoque-Guiana Francesa: conceituação e adjetivação.............. 21
1.4 As contribuições dos estudos sobre a fronteira Amapá-Guiana Francesa ................. 26
1.5 Aspectos metodológicos e estrutura da tese................................................................. 31
2 COOPERAÇÃO BRASIL E FRANÇA: NOTAS HISTÓRICAS E SOCIAIS DE UM
PROCESSO DIPLOMÁTICO .......................................................................................... 39
2.1 Considerações iniciais .................................................................................................. 39
2.2 A história das relações bilaterais Brasil-França no território fronteiriço Amapá-
Guiana Francesa ................................................................................................................ 42
2.3 Aspectos processuais da cooperação fronteiriça franco-brasileira ............................ 51
2.4 A integração sul-americana e a Política Nacional de Desenvolvimento Regional em
seus nexos com a cooperação fronteiriça franco-brasileira .............................................. 66
3 MOBILIDADE E DESLOCAMENTO NO TERRITÓRIO OIAPOQUE-GUIANA
FRANCESA ....................................................................................................................... 81
3.1 Considerações iniciais .................................................................................................. 81
3.2 Oiapoque: fronteira, cidade e rio ................................................................................. 82
3.2.1 Tipificação da mobilidade e dos deslocamentos além e através da fronteira .......... 86
3.3 Atores em movimento: comerciantes, catraieiros carregadores e moradores de Ilha
Bela e Vila Brasil ................................................................................................................ 88
3.4 Fronteira “porta” e fronteira “ponte”: transcendência no Oiapoque...................... 100
4 A COOPERAÇÃO: SENTIDO LOCAL ...................................................................... 121
4.1 Considerações iniciais ................................................................................................ 121
4.2Os ‘dizeres locais’ sobre a cooperação fronteiriça França-Brasil ............................. 123
4.3 Protestos e mobilizações além e através da fronteira e do acordo ............................ 138
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 156
6 REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 165
1 INTRODUÇÃO
para além e através da fronteira como questão indesejável. Isso merecia ser explorado.
Mostrava-se importante descobrir as causas para essa ambivalência no contexto territorial
fronteiriço, historicamente delineado pela situação de vizinhança e, portanto, pela convivência
entre os moradores de Oiapoque e Guiana Francesa. Esse conhecimento levaria a entender de
um lado se essa modalidade de cooperação atende somente aos interesses políticos e
econômicos dos Estados envolvidos ou, de outro lado, se ela objetivamente estava
comprometida com as demandas dos atores locais, cujas condições de vida são assinaladas
por muitas dificuldades.
Também justificava o desenvolvimento do trabalho colaborar com o conjunto de
estudos que tem se dedicado a refletir sobre as inovações no significado atribuído às fronteiras
internacionais, mas com uma proposta diferenciada, pois uma parcela dessas reflexões tem
privilegiado demonstrar que as fronteiras perderam parte de seu conteúdo como elemento
disjuntor em favor de ampliação de possibilidades econômico-financeiras tendo em vista as
configurações do capitalismo globalizado (COELHO, 1992; COURLET, 1996; MARTINS,
2008; COSTA, 2009; SILVA, Gutemberg, 2013; SILVA, Ana Regina, 2011); outros autores
concentraram seus esforços investigativos na análise do aspecto seletivo que a abertura das
fronteiras apresenta, em especial quando se trata da migração internacional nesses espaços,
esses últimos destacam que a globalização é largamente teorizada em termos de fluxos
transfronteiriços, mas essa abordagem não contempla seus desenvolvimentos em termos de
contenção e fechamento (SHAMIR, 2005; SALES, 1992; MÉLO, 2004; BRAGA, 2011;
HAESBAERT, 1998, 2013).
O interesse pelo tema ganhou mais consistência quando em Oiapoque se teve a
oportunidade de constatar que para seus moradores havia muita expectativa que a cooperação
fronteiriça franco-brasileira traria efetivas melhoras em termos de infraestrutura urbana,
educação, saúde, trabalho e renda. As estratégias retóricas de atores dos poderes executivo e
legislativo do Estado do Amapá propagandeadas em rádio, televisão, jornais impressos e
internet, acabavam por corroborar e alimentar as esperanças. De modo que se tornou
imperativo verificar se havia coerência entre o idealizado e o efetivado. A tese é produto da
análise da relação entre territórios fronteiriços e formas de interação com conteúdos distintos,
quais sejam: a relação entre Estados, estruturadas na esfera pública e na econômica; e as
interações entre indivíduos, ancoradas no substrato socioeconômico. Enquanto para os atores
locais as interações entre Oiapoque-Guiana Francesa têm contornos históricos, a cooperação
Brasil-França é contemporânea às configurações políticas e econômicas do mundo
globalizado.
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Somente ocorre uma mudança sociológica onde houver algo para mudar, assim
sendo, identifica-se a mudança na atribuição de um novo papel às fronteiras externas no
quadro das relações internacionais sob o imperativo da globalização e do capitalismo
transnacional; porém, para os atores locais esse entendimento não exclusivamente nacional da
fronteira não representou uma mudança. Tem-se em conta que a interpretação do antes e do
depois na institucionalização da cooperação fronteiriça franco-brasileira permite apreender
seus significados possíveis para as interações sociais autênticas, tanto do que se nega, quanto
daquilo que se procura afirmar sobre continuidades e rupturas nas experiências sociais dos
atores locais. A tese tem como desafio epistemológico explicar como processos interestatais
de valorização dos territórios de fronteiras internacionais articulam-se às condições de vida
das populações fronteiriças.
Afirma-se que entre Oiapoque-Guiana Francesa existe uma condição de
transfronteiricidade, que é constituída em vivências intersticiais, dito de modo mais claro, os
atores locais incorporam a seu dia-a-dia: práticas, valores, normas que somente são possíveis
de acontecer numa situação de vizinhança, na qual o estar próximo favorece uma convivência
que é reforçada pelo compartilhamento entre os grupos sociais – mesmo ocupando posições
em lados opostos da fronteira internacional – das propriedades oferecidas pelo espaço, como é
o caso do rio Oiapoque ou ainda as jazidas de minério de ouro. Porém, para acessar esses
atributos é preciso transcender a fronteira; que conforme a territorialidade estatal tem um
sentido correspondente a situações de enfretamento e beligerância, e nesse encontro e
desencontro de territorialidades desenrolam-se interações transfronteiriças. A investigação
responde às seguintes perguntas: como se articulam a cooperação transfronteiriça franco-
brasileira e as experiências de vida dos atores locais de Oiapoque? Quais são os aspectos
históricos e processuais que caracterizam a cooperação transfronteiriça franco-brasileira?
Quais são os atributos que qualificam as formas de interações entre os indivíduos no território
fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa? Qual percepção tem os atores locais de Oiapoque
sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira?
de controle; a fronteira possibilita ao Estado discernir: seu território, quem nele habita e como
esses dois elementos serão governados em favor de sua continuidade. Nesse ínterim, as
fronteiras tinham seu sentido definido pela função que exerciam como elemento de divisão
entre soberanias territoriais. Mas isso se modificou na contemporaneidade, pois é cada vez
mais frequente a valorização da contiguidade territorial propiciada pela fronteira comum entre
dois Estados, na medida em que favorece o estabelecimento de um padrão reticular de
organização dos espaços geográficos por onde circulam capitais, mercadorias, informações,
fatores produtivos e tecnologias.
Um primeiro esclarecimento concerne à distinção conceitual entre limites, fronteiras
e territórios fronteiriços. Mesmo que frequentemente sejam utilizados como sinônimos, esses
termos carregam conteúdos de classificação que explicitam diferentes processos de
apropriação dos espaços geográficos. Contemporaneamente, vários são os fenômenos que
geram mudanças nos processos de composição, decomposição e recomposição dos territórios.
Por território entende-se o produto da ação do homem sobre o espaço, ou seja, os atores se
apropriam dos espaços conforme seus interesses e disso resulta o território (RAFFESTIN,
2009). No território se encontram diversas territorialidades, por territorialidades se
compreendem os propósitos, os desejos, as necessidades que condicionam as ações humanas
no espaço (SAQUET, 2010; MELCHIOR, 2010).
Para Elias (2006) as figurações sociais têm variadas conformações, podem ser
grandes como o Estado, ou menores, caso da família, de uma vila, de uma cidade, e, se
poderia acrescentar, de uma coletividade fronteiriça, caso de Oiapoque. As referidas
subjetividades compõem o substrato sociocultural da figuração a que pertence o agente, bem
como definem a posição que ele ocupa em determinado lugar. No território fronteiriço
Oiapoque-Guiana Francesa entende-se que há duas ordens de valores que intervêm na
localização do agente: os políticos ligados à soberania estatal que atuam para exclusão do
indivíduo em relação ao limite fronteiriço; os sociais e econômicos gerados pela proximidade
espacial e que operam em favor das interações transfronteiriças entre atores locais (SIMMEL,
2013).
Neste texto fronteira e limite são operacionalizados conforme definição de Giddens
(2008), para esse teórico o limite significa um tipo específico de divisão entre dois ou mais
Estados. Em relação à fronteira, afirma que ela tanto integra, quanto separa, de modo que é
um lugar de situação sociopolítica extremamente complexa, nessa direção define fronteira
como:
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Uma linha conhecida e geograficamente desenhada que separa e une dois ou mais
Estados. Enquanto existir, e frequentemente existe, uma “mistura” social e
peculiaridades políticas exibidas por grupos que vivem em áreas limites, esses
grupos estarão sujeitos ao domínio de um Estado ou de outro. (GIDDENS, 2008, p.
76).
Semelhante a esse autor, Machado utiliza a imagem de linha para referenciar o limite
e diferenciá-lo da fronteira, porém ela destaca uma distinção de perspectiva entre o limite, que
está orientado para dentro e a fronteira que se orienta para fora, ou seja,
a fronteira pode ser fator de integração, na medida em que for uma zona de
interpenetração mútua e de constante manipulação de estruturas sociopolíticas e
culturais distintas, o limite é um fator de separação, pois separa unidades políticas
soberanas e permanece como obstáculo fixo, não importando a presença de certos
fatores comuns, físico-geográficos ou culturais. (MACHADO, 1998, p. 42).
Por último, a expressão território fronteiriço é aqui tomada como proposição que
adjetiva adequadamente o contexto interativo observado em Oiapoque-Guiana Francesa. Em
outras palavras, ao abordar sociedade local-política internacional em arranjos territoriais é
necessário enfatizar a perspectiva processual e relacional, portanto entende-se que território
fronteiriço tem uma unidade constituída por meio das relações que mantém com outras partes,
que na presente reflexão está além das fronteiras; a proposta de tese é fornecer um quadro
sociológico que desvele o significado interativo que se deseja descrever e interpretar em
Oiapoque-Guiana Francesa.
Em síntese, se institucionalmente as fronteiras internacionais brasileiras são
classificadas espacialmente em uma unidade distinta no âmbito do território nacional – que é
denominada faixa de fronteira e que tem extensão de 150 km (somente Bolívia e Peru também
possuem uma definição de um perímetro de terras contornando suas fronteiras, em ambos é de
50 km) – e que esse tipo de medida administrativa adotada pelo governo do Brasil demonstra
que nessas áreas incidem regras diferenciadas quanto: ao uso do solo; a recepção de subsídios
e vantagens fiscais e de segurança; por conseguinte, se deduz que a fronteira provoca uma
série de efeitos sobre o espaço imediato.
Mas, para além dessa especificação institucional e administrativa, entende-se que a
fronteira é resultante de interações, seja entre os governos dos países vizinhos, seja entre seus
habitantes, e de que tais processos afetam o perfil das sociedades locais. Nesse sentido
enuncia-se que as terras, no entorno da fronteira entre Oiapoque e Guiana Francesa,
configuram um território fronteiriço, um “pedaço de chão” ao qual são solidárias as
figurações sociais nele fixadas (SIMMEL, 2013, p.77), a partir dessas são determinados os
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conteúdos presentes nos processos interativos que envolvem atores institucionais operando
em favor dos interesses estatais; atores locais atuando na luta pela existência, bem como entre
essas duas categorias de atores. Dessa multiplicidade de interações resulta um contexto
territorial assinalado pela interpenetração de comportamentos que conjugam impulsos,
interesses, desejos, significações e dessa conjunção derivam comportamentos mutuamente
referenciados. Nessas circunstâncias, desenrolam-se múltiplas formas de complementaridade
e conflitualidade, cujas resultantes ainda não foram devidamente analisadas e somente quando
isso for consumado é que será possível tornar visíveis aspirações locais.
rio Oiapoque em direção à Guiana Francesa acreditam que irão encontrar oportunidades de
alcançar prosperidade: seja pelo euro, mais valorizado que o real; seja pelo ouro; ou um caso
interessante, muitas mulheres sonham em unir-se com um francês, que para elas representa
igualmente uma “melhora de vida”. Esse imaginário de que do outro lado existe uma vida
melhor regeu e ainda rege a migração de brasileiros para além da fronteira. Contudo, há
outros interesses para transitar além e através da fronteira, podendo ser um passeio turístico,
fazer vendas ou compras, realizar um trabalho ou acessar um serviço; ir para as ou vir das
comunidades ribeirinhas; em síntese, a mobilidade e o deslocamento pelo rio fazem parte das
práticas cotidianas dessa população. É importante destacar que as interações transfronteiriças
não implicam comprometimentos para as identidades culturais dos atores. Para caminhar com
segurança e clareza na construção de um quadro conceitual que explique as formas como se
desenrolam as interações Oiapoque-Guiana Francesa apresenta-se a seguir sua conceituação
conforme Weber (1999, 2003), mais especificamente Simmel (2006) e Elias (2006). A
pretensão é apresentar a orientação sociológica com a qual se interpretou os dados obtidos na
pesquisa de campo.
Para Simmel (2006) 2, desvendar a sociedade é uma tarefa intelectual que se inicia
com o conceito de interação. Os indivíduos estão sempre interagindo e nessa ação mútua
criam outra ordem de realidade, que tanto sofre influência deles como também exerce sobre
eles influência. A matéria dessas interações deve ser buscada nos conteúdos subjetivos aos
indivíduos, são os desejos, impulsos, interesses, finalidades. Na interação com outro, para
outros e contra outros, os indivíduos realizam essa matéria em formatos específicos. Assim
sendo, conteúdos e formas de interações constituem uma unidade; a partir da qual a interação
entre indivíduos ocorre e que lhe é própria. Ou seja, para esse pensador não interessa como os
indivíduos formam uma unidade, mas como em virtude da reciprocidade de efeitos –
manifesta na forma da interação –, passam a ser determinados em seus comportamentos, os
quais estão imersos no fluxo inesgotável da vida. Em decorrência dessa formulação, o
desenho da sociedade deve ser feito com a operacionalização de dois conceitos: “conteúdo e
forma”. O conteúdo está presente nos indivíduos que são uma “composição de qualidades,
destinos, forças e desdobramentos históricos (SIMMEL, 2006, p. 13)”. Esses materiais
condicionam as proposições e significações do indivíduo numa relação de coexistência. Tais
subjetividades em si e para si não podem ser classificadas como sociais, mas se convertem em
fatores de sociação 3 quando se objetivam nas formas adotadas pelos atores que “em razão de
seus interesses [...] se desenvolvem conjuntamente em direção a uma unidade no seio da qual
esses interesses se realizam (SIMMEL, 2006, p. 60)”.
Conforme essa premissa, as interações sociais expressam uma reciprocidade de
efeitos entre comportamentos singulares, atuações que somente podem ser interpretadas à luz
das significações culturais que revelam seus sentidos para os indivíduos em interação. São
fenômenos produzidos em dois sentidos, primeiro na contiguidade dos indivíduos em suas
ações recíprocas, segundo na sucessão de gerações de indivíduos. Seja em uma mesma
geração, seja em gerações sucedâneas: o que existe são relações de “convívio, de atuação com
referência ao outro, com o outro e contra o outro, em um estado de correlação com os outros
(SIMMEL, 2006, p.60)”. Desse modo, cada aspecto da vida social – econômico, espiritual,
político, jurídico, religioso, artístico, etc. – é produzido na relação recíproca entre seres
humanos e por esse motivo não podem ser reduzidos a um indivíduo observado em si mesmo.
2
Fundou com Weber e outros a Sociedade Alemã de Sociologia. Ainda que o formalismo sociológico tenha
obscurecido sua obra em parte por ter consagrado a tríade Marx, Weber e Durkheim como “pais fundadores” da
sociologia. Suas contribuições são de inestimável valor e podem ser identificadas em Norbert Elias e Pierre
Bourdieu (Nery, 2007).
3
O uso do conceito, de pouco uso na língua portuguesa, foi justificado pelos tradutores Rainer Domschke e
Fraya Frehse como necessário ao sentido processual conferido por Simmel na edição de 1903, ficando o
entendimento de sociação como “engendrar a sociedade”.
24
4
Ressalvando-se que Simmel (2006) alerta que algumas interações são tão breves que não se estabelece uma
sociação, é o caso de pessoas que se acotovelam numa fila de bilheteria ou numa troca fugaz de olhares.
25
pensador fornece o eixo epistemológico desta tese. Seus postulados são utilizados para
entender as formas das interações entre atores territoriais de Oiapoque com a Guiana
Francesa. A luz dos pressupostos de Simmel (2006, 2013) formula-se que as interações
identificadas entre os atores no território Oiapoque-Guiana Francesa ganham inteligibilidade,
pois a curta temporalidade aceita pelo teórico em sua sociologia possibilita compreender um
tipo de interação social que se desenrola a partir de diferentes subjetividades e referenciada
por temporalidades e espacialidades igualmente distintas. Ou seja, o tempo experimentado se
situa no cotidiano vivido e o lugar onde acontece a interação é variável conforme a
localização do agente. Em outras palavras, a subjetividade que se deseja demonstrar encontra-
se referenciada na configuração dada ao território por indivíduos singulares e coletivos em
suas vivências práticas. Portanto, são interações que se desenvolvem sob condições típicas e
para dar destaque a essa qualidade considerou-se pertinente e coerente lhes adjetivar como
transfronteiriças. A transcendência assinalada nessa fronteira vincula-se à mobilidade de
pessoas em trânsito no rio Oiapoque; dinâmica populacional diretamente relacionada à
inserção econômica de muitos atores locais residentes na cidade de Oiapoque.
Elias (2006) entende a sociedade como uma tessitura de relações no devir histórico.
As ações individuais se interpenetram no curso do tempo e são motivadas por planejamentos
racionais ou emocionais, tanto em cooperação como em conflito. O entrelaçamento de ações
individuais é encontrado na estrutura social, onde as finalidades subjetivas são tecidas. Desse
ponto de vista, não existe sociedade sem indivíduo e não existe indivíduo fora da sociedade.
Simmel e Elias aproximam-se na adoção da perspectiva relacional de sociedade. Sendo na
estrutura social que se realizam as experiências da vida que devem ser consoantes às
interdependências (ELIAS, 2006) ou às diferenciações (SIMMEL, 2006) que existem.
A perspectiva processual de Elias (2006) favorece desenvolver uma compreensão do
processo de integração – entre unidades territoriais e populacionais– como promotor da
ampliação do tecido social nas unidades em integração. Postula-se que com isso as interações
entre os indivíduos se modificam e as individualidades podem se conformar ou não a essas
novas configurações de relacionamento entre Estados, as quais se rebatem nas vivências
cotidianas. Para esse teórico, o homem é motivado pela busca da satisfação pessoal e pela
negação do sofrimento, contudo para o homem existir ele necessita interagir com outros e em
função disso tem que deslocar suas aspirações e desejos para outro nível de realização, qual
seja: o social (ELIAS, 2006). Dessa formulação se entende que os habitantes de Oiapoque
buscam na vizinha Guiana Francesa melhorar seu status por meio de acesso a bens, valores e
serviços que não encontram no Brasil. Em perspectiva histórica o sentido já foi inverso, ou
26
5
Decreto de 17/09/2001 que criou a Comissão Interministerial para a Integração da Infraestrutura Regional da
América do Sul. Acesso de informações sobre a IIRSA: www.iirsa.org; www.iirsa.org/proyectos.
28
Nos PPA’s de 1996 a 2003, foi possível identificar o foco do Estado brasileiro na
questão do desenvolvimento sustentável; e a reorganização territorial a partir de uma
geografia econômica. Em ambas, a fronteira do Amapá ganha destaque na
elaboração dos programas de governo; na primeira, o fato de que se encontra situada
entre duas unidades de conservação ambiental: Parque Nacional do Cabo Orange e o
Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque; quanto à segunda, sob a lógica da
integração, os espaços são selecionados segundo suas potencialidades de
investimentos ou comercialização, sendo este último o critério que classifica a
fronteira Amapá-Guiana Francesa como estratégica. (MARTINS, 2008, p. 105).
estratégica da Guiana Francesa para o Brasil é pontuada pelo autor em sua assertiva de que
para o mercado brasileiro ela seria “a porta de entrada pela qual o Brasil está querendo
introduzir exportações amazônicas (2011, p. 84)” para o Caribe e União Europeia. Granger
(2011) entende que o processo de continentalização sul-americana da Guiana Francesa está
incompleto e não há perspectiva de se concluir, pois, ainda que integrada aos projetos de
integração regional na América do Sul,
sua fraqueza tanto institucional como demográfica e econômica, sua dependência até
desejada pelos próprios guianenses, impedirão por muito tempo uma verdadeira
integração dentro de um continente pelo qual o interesse principal deste território
ainda reside na sua situação francesa e europeia. (GRANGER, 2011, p. 89).
lugar que o presente estudo pretende ocupar nesse campo de produção de conhecimento. Para
caracterizar o processo de ocupação do território fronteiriço de Oiapoque se recorreu à
historiografia, utilizando textos históricos diletantes e outros de reconhecimento acadêmico, o
diálogo entre esses textos propiciou acessar bons resultados. Para abordar a problemática dos
Estados nacionais nas configurações da globalização do capitalismo transnacional adotou-se a
perspectiva de Giddens (1998, 2008) e seus conceitos de reflexividade e desencaixe. Na
apreensão do sentido local da cooperação fronteiriça se obteve dados que revelaram haver em
Oiapoque um “nós-ideal”, construto teórico de Elias (2006) que possibilitou identificar a
existência de um comportamento coletivo em Oiapoque que é fundado em pequenas coisas da
vida cotidiana. Esse conceito foi fundamental para conceber as mobilizações dos atores locais
na luta pelo acesso à mobilidade no rio Oiapoque não somente como uma luta de grupos de
pressão, mas como resultante de uma opinião pública nascida do “nós-ideal” oiapoquense.
Na pesquisa documental, os registros aproveitados foram os acordos entre as nações,
as atas dos encontros da Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil e relatórios e
processos legislativos que remetem ao desenvolvimento da cooperação, como também
discursos e pronunciamentos de deputados e senadores amapaenses; esse material serviu de
referência para reconstituir o processo de sua institucionalização, para identificar suas
proposições e ações nesses dezoito anos de vigência. Em segundo plano, estiveram outros
documentos produzidos pela mídia amapaense. Durante a pesquisa de campo se obteve na
delegacia de polícia civil de Oiapoque alguns boletins de ocorrência sobre a quebra e queima
de embarcações e motores que foram lavrados por catraieiros contra policiais franceses;
também se conseguiu na ocasião um relatório elaborado no âmbito da Comissão de Relações
Exteriores da Assembleia Legislativa do Amapá (AMAPÁ/ASSEMBLEIA LEGISLATIVA,
2017) versando sobre a visita dos membros da comissão à cidade com o fito de verificar a
validade das denúncias contra a Gendarmerie. Grosso modo, essa documentação representa
um material informativo sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira e favorece ter acesso
às retóricas dos atores em seus modos de pensar e agir, bem como revela como ocorre a
interação entre os atores especialistas e os atores locais e como esse processo se manifesta ou
não no ambiente a que se destina.
Para demonstrar a percepção do governo brasileiro em relação às fronteiras
internacionais, dois outros documentos foram consultados: a Proposta de Reestruturação do
Programa de Desenvolvimento da Faixa de Fronteira (BRASIL/MIN, 2005), relatório
elaborado pelo Grupo de Pesquisa RETIS, sob coordenação de Lia Osório Machado (UFRJ) e
Rogério Haesbaert (UFF) sob contrato com o Ministério da Integração Nacional/Secretaria de
34
Política Regional; o qual devido seu refinamento teórico e metodológico tornou-se importante
referência para pesquisadores interessados na Faixa de Fronteira Internacional do Brasil, cabe
ressalvar que desse documento foram retiradas as bases conceituais que estruturam o
Programa de Promoção do Desenvolvimento da Faixa de Fronteira Nacional (BRASIL/MIN,
2009), documento também de referência neste trabalho.
Além da pesquisa bibliográfica e documental e em atenção à orientação weberiana,
os argumentos desta tese de doutoramento foram construídos com observação, descrição e
interpretação de dados obtidos na pesquisa de campo levada a cabo em três etapas: novembro
de 2007, outubro e novembro de 2011, julho de 2013. A fronteira entre o Brasil e a Guiana
Francesa é uma área de baixa densidade populacional, porém desde meados da década de
1960 tem no movimento migratório de brasileiros para Guiana Francesa um de seus mais
destacados predicados (SOARES, 1995; PINTO, 2008). No lado brasileiro existe o município
de Oiapoque com uma população estimada em 20.426 habitantes (BRASIL/IBGE, 2010).
Além da sede do município que é a cidade de Oiapoque, há três comunidades situadas em sua
circunscrição administrativa, quais sejam: Clevelândia do Norte (vila que abriga a III
Companhia de Fuzileiros de Selva); Vila Velha; Vila Brasil e Ilha Bela, o acesso a esses
últimos lugares somente pode ser feito em viagem pelo rio Oiapoque (aproximadamente cinco
horas e trinta minutos de viagem no período do verão). Do lado francês existe a vila de Saint-
Georges com uma população de um pouco mais que quatro mil habitantes (FRANÇA/INSEE,
2013) e, na subida do rio Oiapoque, a vila de Camopi (bem em frente à Vila Brasil) onde
habitam diversos indígenas e alguns franceses civis, numa população estimada em 600
habitantes; mas que também é sede de postos avançados da Gendarmerie e da Legião
Estrangeira, instituições responsáveis pela fiscalização da fronteira do lado francês (Ref.
Diário de Campo, Vila Brasil, 2013).
O ponto de partida metodológico do trabalho de campo foi uma viagem realizada em
novembro de 2007 à cidade de Oiapoque para realizar um primeiro contato com sua
sociodinâmica. Essa primeira experiência foi complementada com duas outras viagens, uma
em outubro e novembro de 2011 (que se estendeu à cidade de Caiena onde foi possível entrar
em contato com alguns imigrantes brasileiros) e outra em julho de 2013. Nas duas primeiras
ocasiões foram utilizadas conversas informais e mais especialmente a observação não-
participante, esses procedimentos propiciam ao pesquisador acessar a realidade em estudo
sem integrar-se a ela, de maneira que “Presencia o fato, mas não participa dele; não se deixa
envolver pelas situações; faz mais o papel de espectador. Isso, porém, não quer dizer que a
observação não seja consciente, dirigida, ordenada para um fim determinado (LAKATOS;
35
MARCONI, 2010, p. 176)”. Esse tipo de coleta de dados é sucedido por um processo de
análise e interpretação, o que lhe confere a sistematização e o controle requeridos nos
procedimentos científicos.
No trabalho de campo de julho de 2013 buscou-se alcançar uma visão geral acerca
do pensamento da população oiapoquense sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira e
nessa direção foram efetuadas as entrevistas semiestruturadas, momento em que também se
esteve nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. Os depoimentos foram tomados sem uma
definição anterior, ou seja, somente uma apresentação de questionamentos abertos referentes
ao tema, os quais possibilitaram maior liberdade no desenvolvimento de situações
consideradas adequadas à sua ampla exploração (GIL, 2006). A escolha da técnica entrevista
foi pautada pela orientação de que os depoimentos devem ser buscados por “focalizar
determinado comportamento ou determinada opinião, isto é, que se deve colher visando o
problema formulado anteriormente (QUEIROZ, 2008)”. Com esse conjunto inicial de dados,
se compôs um quadro com dois grupos de atores: um menor, aqueles que disseram não saber
nada sobre a cooperação transfronteiriça; outro maior, no qual os entrevistados afirmaram que
não havia nenhum benefício na cidade que fosse resultado da cooperação, talvez a ponte
Binacional pudesse vir a ser considerada como tal se não fossem os problemas relativos à
demora em sua inauguração e a sua futura operacionalização. Para esse grupo a cooperação
fronteiriça teria afastado os franceses da cidade, tornando a relação com a Guiana Francesa
muito complicada, em especial devido às operações militares francesas que passaram a
controlar o tráfego no rio Oiapoque com objetivo de restringir os deslocamentos de
garimpeiros. Essas informações representavam uma versão diferente daquela apresentada
pelos atores governamentais e políticos do Estado do Amapá e frequentemente divulgada nos
meios midiáticos, a qual garantia o sucesso da cooperação transfronteiriça entre o Amapá e a
Guiana Francesa.
O controle e a repressão franceses ao movimento de pessoas no rio Oiapoque
mostraram outra perspectiva importante: aquela que concerne ao papel que esse rio ocupa no
cotidiano dos atores locais, sem esquecer que nele ocorre a transcendência da fronteira. Desde
os tempos pré-socráticos, os filósofos se servem do rio como imagem de movimento ou
mudança, as formulações de Heráclito são as mais lembradas nesse sentido e na Amazônia os
rios formam uma rede de caminhos através dos quais se movimenta a vida social. Na fronteira
mais setentrional do Brasil isso não é diferente, o rio Oiapoque no passado foi e continua
sendo determinante na formação e permanência das comunidades locais, em particular dos
grupos que dele dependem em termos socioeconômicos.
36
ambiente em que vive (QUEIROZ, 2008, p. 81)”. Em síntese os dados empíricos foram
obtidos com entrevistas, gravadas e/ou registradas no diário de campo; esse material foi
articulado com outras informações advindas da observação direta, da historiografia, da mídia
amapaense e de documentos oficiais.
Para apreender a complexidade social de Oiapoque se procedeu a um levantamento
historiográfico. O estudo histórico desvelou como os indivíduos singulares e coletivos foram
constituindo no curso do tempo os padrões sobre os quais se assentam suas atividades
cotidianas e a partir das quais se efetivam suas interações sociais. Dessa perspectiva, a
realidade social se manifesta não como reconstituição do passado, mas como atualização do
passado no presente: constituir e interpretar os sentidos das experiências dos homens no
passado e criar com isso um ponto de ancoragem para compreender o presente e ter
expectativas quanto ao futuro (WEBER, 2003).
De certo, no desenvolvimento da pesquisa empírica se teve em conta que além de
exibir e interpretar o material coletado é importante descrever as circunstâncias em que foi
conseguido (QUEIROZ, 2008). Assim sendo, é pertinente indicar que as dificuldades
enfrentadas para chegar e permanecer na cidade de Oiapoque e nas comunidades ribeirinhas
de Ilha Bela e Vila Brasil propiciaram experimentar uma condição de isolamento e certo
abandono decorrente da constatação de que nesse “pedaço” do Brasil, o Estado brasileiro é
muito ausente. Ainda assim, as pessoas que nesses lugares vivem verbalizam que são
brasileiros, a exemplo das reuniões organizadas em Vila Brasil em dias de jogos da seleção
brasileira, para as quais são convidados os vizinhos de Camopi (em especial se o adversário
for a seleção da França). Essa observação suscitou uma indagação: de onde nasce esse
sentimento de pertencimento? E ao tentar responder, veio da memória uma formulação de
Octavio Ianni (1988) ao refletir sobre a questão nacional na América Latina, “A Nação não
surge pronta, acabada. Forma-se e conforma-se ao longo da história. Nasce e renasce, segundo
os movimentos do seu povo, forças sociais, formas de trabalho e vida, controvérsias e lutas,
façanhas e utopias. Resgata ou esquece tradições reais ou imaginárias (1988, p. 31)”. Esse
contato com emoções e racionalidades, favoreceu capturar como essas pessoas avaliam não
somente sua existência concreta, mas também como essa existência está sendo alterada por
decisões tomadas a milhares de quilômetros de distância.
A tese está organizada em introdução, três capítulos argumentativos e considerações
finais. O segundo capítulo apresenta os aspectos que caracterizam a formação e
desenvolvimento da cooperação fronteiriça franco-brasileira, é um capítulo que apresenta
como as relações bilaterais franco-brasileiras relativas à fronteira Amapá-Guiana Francesa
38
6
Para Alencastro (1997) foram três correntes de pensamento e de prática social vindos da França a modelarem o
cotidiano imperial: o positivismo, o kardecismo e a homeopatia. O positivismo por dar relevância à cultura latina
possibilita aos círculos ilustrados brasileiros possuir uma imagem mais positiva do país no concerto das nações;
o kardecismo surge como possibilidade de uma religião de brancos com elementos catárticos, liberadores
oriundos das religiões de raízes africanas; por último a homeopatia favoreceu aos médicos a incorporação em
suas práticas de componentes medicinais dos indígenas e africanos.
40
Não foi bem assim, apesar dos laços firmados nos oitocentos (ressalvando-se o litígio
relativo à demarcação da fronteira) em boa parte do século XX as duas nações mantiveram
entre si um clima de indiferença e incompreensão, a esse período Lessa (2000) denominou de
parceria bloqueada: “o desafio contemporâneo da França e do Brasil se resume à construção
de condições que impeçam a repetição da infeliz história do seu desencontro (LESSA, 2000,
pp. 254-255)”. O fato de o Brasil ter conseguido consolidar sua democracia, abrir e liberalizar
seu mercado, promover a estabilidade econômica, e iniciar o projeto regional de integração
com seus vizinhos na tríplice fronteira do sul; 7 e, de outro lado, o arrefecimento da relutância
da França em comprometer-se com uma proposta de cunho descentralizador como a
cooperação fronteiriça com países vizinhos foram fatores que provocaram uma modificação
nas relações franco-brasileiras. Em 1996 as duas nações reaproximaram-se:
7
Resultou na formação do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL.
41
para atender, realizar e produzir efeitos, em especial melhorias nas condições de vida das
populações fronteiriças. Contudo, ela não se reduz a seus fins, pois isso procedendo, para seu
êxito bastaria aplicar modelos de gestão que contemplassem mecanismos de coordenação e
articulação entre Brasil e França. Acredita-se que dessa forma desapareceriam as questões
sociais e mesmo os aspectos políticos se tornariam simples rascunhos; já que suas proposições
e os esforços na consecução de seus objetivos ofuscariam a percepção e consideração dos
meios. Desse modo, a reflexão mantém-se fiel a proposta metodológica de Elias (2006): os
processos devem ser abordados diacronicamente, para que seja possível identificar as
rupturas, ou como ele mesmo afirma: somente ocorrem mudanças no curso de um processo
quando acontecem deslocamentos de poder, o que somente pode ser identificado no devir
histórico. Nessa perspectiva, identifica-se que a cooperação fronteiriça franco-brasileira tem a
desvelar como os Estados organizam contemporaneamente seu regime de poder e, mais
importante: como isso se rebate na sociedade. Essas manifestações qualitativas demonstram
que processos políticos e sociais são dinâmicos e como tal são inconclusos, que é como se
considera tanto a cooperação fronteiriça franco-brasileira, quanto o processo de sua
internalização da parte dos atores territoriais.
Primeiramente, o texto destaca que essa cooperação é um ponto de inflexão no
relacionamento franco-brasileiro na fronteira comum, com esse direcionamento realiza-se um
breve relato histórico sobre a configuração do território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa
do ponto de vista das relações bilaterais França-Brasil. Em linhas gerais há três momentos que
merecem destaque: no período colonial quando se inicia o contencioso relativo às investidas
francesas em ampliar o território de sua colônia Guiana Francesa até a foz do rio Amazonas
(em território colonial português); posteriormente, durante a monarquia brasileira, persistindo
a indefinição em demarcar a fronteira, ocorre um confronto em torno da extração de ouro
envolvendo populações locais, situação que acabou por motivar Brasil e França a recorrerem
à arbitragem internacional para solucionar o contencioso secular; por último o período da
indiferença que durou aproximadamente oitenta anos no curso do século XX até a celebração
do Acordo Quadro.
Em seguida, é necessário assinalar seus aspectos processuais, aqueles que se referem
a conceitos normativos e procedimentos de operação. Esse arcabouço institucional define as
ações políticas a serem desenvolvidas, ao mesmo tempo em que interagem com elas, tendo
em perspectiva o caráter dinâmico do processo da cooperação fronteiriça franco-brasileira.
Com esse conhecimento inicial finaliza-se evidenciar sua dimensão como estratégia dos
42
Estados de atuação nos territórios, bem como suas possibilidades reais ou virtuais em termos
de efeitos nas coletividades fronteiriças.
O capítulo finaliza com a reflexão sobre os fenômenos políticos e sociais em escala
global, continental e nacional que se vinculam a inserção da cooperação fronteiriça franco-
brasileira no campo estatal brasileiro. A integração entre territórios fronteiriços revela um
processo no qual se observa o surgimento de um novo nível de poder, que Pecequilo
denomina de “interméstico”, no qual se conjugam política nacional e internacional e o qual
deverá acomodar novos e velhos conflitos sociais, étnicos, políticos, econômicos, estratégicos
e religiosos (2009, p. 48) nascidos da relativa decepção diante da fluidez das promessas de
prosperidade e de igualdade que acompanharam a transição para o novo milênio.
De acordo com Reis (1982) o litígio entre Brasil e França na demarcação da fronteira
Brasil-Guiana Francesa derivou da interpretação francesa do artigo VIII do tratado de Utrecht
(1713); para os franceses, o rio Oiapoque localizava-se mais a sudeste da Guiana Francesa.
De modo que a localização desse rio foi sucessivamente fixada em outros rios: Calçoene
(tratado de Paris em 1797), Araguari (tratado de Badajós em 1801), Carapanatuba (tratado de
Madri em 1801), novamente Araguari (tratado de Amiens em 1802). Segundo análise de Rosa
Acevedo Marin (1999), a questão da posse das terras contestadas por franceses e brasileiros
ligava-se ao curso d'águas, já que a cartografia vigente apresentava vários equívocos quanto
ao nome e percurso dos rios, deixando dúvidas sobre a localização exata da fronteira.
A questão da posse do ‘Contestado’ havia de ser uma matéria ligada aos cursos
d’água, pois a cartografia da ocupação havia mantido reiterados equívocos,
apontados ora pela França, ora por Portugal, sobre o nome (s), percurso dos rios e,
desse modo, os divisores das terras em disputa. (MARIN, 1999, p. 36, grifo da
autora).
há referências que afirmam ser o motivo do litígio entre Brasil e França “um território
marítimo e uma faixa de terras no interior que ladearia as Guianas Holandesa e Inglesa” (RIO
BRANCO, 2008, p. 39). De acordo com Rio Branco, a superfície do território contestado
(marítimo e terrestre) seria de 102.260 km².
VExª sabe sem dúvida que os governos do Brasil e de França, quando convieram a
neutralização do dado território, não lhe marcarão os limites. Nós entendemos
sempre que elle se estendia do Oyapoch para o sul ate ao Amapá, o qual nelle ficava
comprehendido. Veio porem depois a negociação de Pariz, que não teve resultado, e
nella fez o plenipotenciário Francez para a pasta de transação que traria os Francezes
à margem esquerda do Araguary. Desde então tem o Governo da República [da
44
França] entendido que o território litigioso chega a esse rio, e ultimamente por um
pretendido accordo tácito, cuja existência negamos; julgou-se autorisado a exercer
jurisdicção até ao Calçoene, dizendo que a não ser assim, deve ficar neutralisado
todo o território até o Araguary. Isto não nos convém, e pois o governo Imperial tem
evitado discussão que obrigue a definir as cousas.
Nestas circunstancias VExª comprehende que seria imprudente por acto novo qual a
creação da freguesia dos Anajás declarar praticamente exercicio de jurisdicção ao
norte do Araguary.
Muito (estimacce) que VExª possa diser-me com brevidade o que está feito ou se
tenciona fazer. (BELÉM/APEP, 1889).
Diante dos acontecimentos, os moradores da vila brasileira teriam criado uma junta
governativa, um triunvirato composto pelo Cônego Domingos Maltês, Desidério Antonio
Coelho e Francisco Xavier da Veiga Cabral - Cabralzinho. Conforme informações do referido
autor, a constituição de um poder autônomo no Contestado fez com que Mr. Charvein,
governador da Guiana Francesa, organizasse uma expedição militar para tentar tomar de
assalto a vila do Amapá. O saldo do confronto foram trinta e oito mortos e muita destruição.
diversos de relações das populações com os governos de seus respectivos países. À medida
que os processos de territorialização se desenrolavam, aumentava a instabilidade em termos
de controle e pacificação, exacerbando pressões externas, ao mesmo tempo em que favorecia
aos sujeitos agregar novos e velhos espaços segundo as contingências, tudo isso agravado pela
pujança da extração de ouro. Com o Laudo Suíço, chegou ao fim o litígio entre Brasil e
França na questão de fixação dos limites entre o Amapá e a Guiana Francesa. Desse momento
até a década de 1980 a fronteira Amapá-Guiana Francesa não mais foi objeto de preocupação
dos dois países, apesar de ser a maior fronteira da França. Na década de 1980 ela foi alvo de
atenção dos governos do Brasil e da França em virtude da migração de brasileiros sem
documentos para a Guiana Francesa, em especial aqueles com destino aos garimpos ilegais.
Inclusive, por conta dessa conjuntura, os governos empreenderam esforços para a fixação dos
marcos de fronteira, que até então não tinham sido totalmente dispostos, trabalho concluído
em 1984 (LESSA, 2000).
Para Coelho (1992), ao final da década de 1980 prevalecia no campo estatal
brasileiro um entendimento – equivocado – de que as regiões de fronteira não eram áreas
prioritárias e, por conta disso, seus habitantes padeciam de certo abandono. Em síntese, o que
acontecia nesses lugares não era importante à vida no resto do país, concepção que se
consolidava ainda mais ao tratar-se das fronteiras na Amazônia. No intento de desfazer tal
engano, o autor escreveu o texto Fronteiras na Amazônia: um espaço integrado, no qual
procura demonstrar com exemplos tirados da Europa, América do Norte e África, que as
fronteiras são recursos em perspectiva nacional e regional. Ao tratar das potencialidades e
constrangimentos relativos à cooperação fronteiriça no norte do Brasil o autor cita que a
atividade de garimpagem ilegal de ouro e a condição colonial da Guiana Francesa seriam no
período de sua reflexão, fatores restritivos ao desenvolvimento de programas de cooperação
franco-brasileiros favoráveis a melhoras na situação socioeconômica de Oiapoque e Saint-
Georges.
Durante quase oitenta anos a fronteira Amapá-Guiana Francesa ficou esquecida no
relacionamento bilateral franco-brasileiro, somente no último quartel do século passado ela
gradativamente vai se tornando relevante e em maio de 1996, Fernando Henrique Cardoso e
Jacques Chirac assinam o Acordo Quadro de Cooperação Brasil-França.
dessa fronteira somente foi finalizado em 1984 (LESSA, 2000). Quanto ao nível de controle
administrativo argumenta-se que ele se consolidou com a cooperação fronteiriça, que ampliou
o controle das populações. Os fatos empíricos relativos aos conflitos envolvendo
Gendarmerie e brasileiros no rio Oiapoque assim o denotam, de onde se induz que se
completa o processo de construção da fronteira com a institucionalização da cooperação
fronteiriça franco-brasileira.
Isso pode ser identificado nas entrevistas realizadas em Oiapoque quando alguns dos
depoentes fizeram referências em seus relatos a operações do Exército brasileiro, 8 as quais
tinham objetivo de combater ilícitos transfronteiriços e ambientais na fronteira brasileira com
a Guiana Francesa e com o Suriname (que é balizada pela calha do rio Oiapoque). Nessas
operações foram realizadas abordagens e revistas de veículos, embarcações, atracadouros
clandestinos, patrulhas fluviais e terrestres. A complicação adveio quando os militares
brasileiros começaram a monitorar o trânsito dos brasileiros que se destinavam à Ilha Bela e
Vila Brasil, pois conforme as informações dos entrevistados houve todo tipo de exagero
nessas abordagens devido estar o Exército considerando que os transeuntes estavam se
dirigindo para os garimpos clandestinos da Guiana Francesa. A indignação maior residia na
percepção de que essas operações eram solidárias ao governo da França e contra os
brasileiros. Isso acabou por desencadear diversas críticas e pode ser verificado nos trechos a
seguir:
Bom, eu sou [...], sou presidente da associação de moradores da Vila Brasil e sou
vereador do município de Oiapoque, eu moro na Vila Brasil há vinte e oito anos,
tenho lá uma história e uma esperança e confiança no Brasil e nos brasileiros que
têm poder de decidir. Como somos muito gratos ao juiz que tomou conhecimento da
causa e começou a andar para o lado bom, para o povo do distrito de Vila Brasil. [...]
Através do garimpo, do lado francês criaram a barreira do Exército brasileiro aí
aonde surgiram as piores humilhações que os brasileiros puderam passar. Eu me
envergonho até hoje no dia em que eu ia na canoa e que ia uma profissional de saúde
do posto de Vila Brasil e os soldados reviraram até os absorventes dela. Tá lá o
comerciante na Vila Brasil que o Exército prendeu dois quilos de carne dele porque
não levava nota fiscal, tá lá o canoeiro que levava duas galinhas que o Exército
prendeu também. O Exército brasileiro! Eu estava na canoa que ia dezoito índios
francês e só eu de brasileiro e o canoeiro e o Exército lá mandou, o tenente [...]
mandou nós saltar e revistar nossas coisas e os índios não foram revistados, e nós
sabemos que a cultura dos índios é diferente, lá noventa por cento dos índios da
comunidade jovem indígena usa drogas e com isso eles não estavam preocupados.
[...] Hoje eles corrigiram através da liminar do doutor [juiz federal] e o Exército saiu
da barreira, hoje eles tão caladinho, tão tudo bonzinho, mas eu chamei eles de
empregadinhos do governo francês e eles viviam naquela época servindo de
empregados do governo francês. Eles estavam lá pra defender a França e humilhar
8
Maiores informações sobre essas operações na faixa de fronteira brasileira estão disponíveis na homepage do
Exército brasileiro www.eb.mil.br.
49
Meu nome é [...], conhecido por [...], todos me conhece por [...], tenho uma empresa
de transporte, faço linha via Oiapoque, Ilha Bela e Vila Brasil e nós temos uma
churrascaria aqui na cidade também né. Já temos onze anos que residimos aqui no
Oiapoque e a gente teve muito constrangimento com o Exército brasileiro, eles
fizeram uma barreira pra fiscalizar, botaram essas pessoas inexperientes, esses
soldados que estão servindo o Exército com seis meses pra fiscalizar bolsa, só de
shortzinho, deixando muitas mulheres constrangidas. Pegava até absorvente, sacudia
a bolsa e jogava tudo fora e a gente era mal tratado. Ficava no sol quente. Inclusive
eu sofri muita perseguição. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE
FLUVIAL, 2013).
Porque teve uma época, eles cortaram aí, fecharam aí [a passagem para Saint-
Georges], era a maior luta pra gente passar aí, o Exército mesmo brasileiro. Ele
[vereador] lutou pra conseguir, ele mexeu e nós pagamos advogado e foi como
conseguimos trabalhar de novo. [...] Porque tanto que o juiz federal falou assim:
olha, vocês ganham é para guarnecer o solo brasileiro e não o solo francês. O juiz
federal que falou que eles ganhavam para guarnecer o solo brasileiro e não o
francês! (E6/CATRAIEIRA, 2013).
e como os processos sociais são bipolares, a integração de territórios pode ser acompanhada
por uma desintegração, seguida de uma reintegração em outras bases.
Pensar política e sociedade na contemporaneidade requer identificar conexões que
estão por toda parte, não somente em nível intranacional. É preciso atenção aos padrões
cambiantes dessas relações quando se trata de indivíduos singulares e coletivos; para eles, o
importante são as condições com as quais produzem socialmente suas existências, ou seja, os
padrões endógenos da vida social. Oiapoque e Saint-Georges compõem um lugar de
interações, nas quais se identificam antagonismos e complementaridades, conflitos e
cooperações, indiferenças e solidariedades. Dessas vivências temporalmente marcadas se
formam valores, crenças, tradições, códigos e padrões que são mobilizados cotidianamente
pelos atores fronteiriços para interpretar sua realidade, para compreender as ações de seus
pares e para orientar suas próprias ações. Essas são as outras histórias...
Fica-se com o entendimento, de que a cooperação fronteiriça franco-brasileira tem
como objetivo criar um espaço comum por meio da integração dos territórios e a interação
entre sociedades, mas como nos lembra Lins Ribeiro (2000), os processos de integração não
são nem homogêneos, nem pacíficos, pois apresentam níveis distintos de inclusão e seus
significados podem não ser positivos. Por exemplo, a fronteira de Oiapoque com a Guiana
Francesa foi historicamente significada por Brasil e França como linha que separava não
somente territórios, mas aparatos legais, institucionais e administrativos; histórias nacionais;
valores sociais; níveis de bem-estar social; padrão cultural. Com o acontecer dessa integração
territorial poderá advir “a exclusão ou a perda relativa de poder de diferentes segmentos
sociais. [...]. Integração é, de fato, uma metáfora sobre a crescente quantidade de território e
pessoas englobada por sistemas socioculturais, políticos e econômicos (RIBEIRO, 2000, p.
97)”.
Desde o final dos oitocentos os estudiosos das relações internacionais afirmam ser
pressuposto básico para a cooperação internacional o respeito pela existência dos Estados
como entidades soberanas. A despeito disso, a cooperação internacional tornou-se uma ideia
um tanto vaga no curso do século XX, particularmente em sua primeira metade, assinalada
por tantos conflitos. No entanto, após a II Guerra Mundial a cooperação internacional
ressurgiu e, desta feita, com a esperança de uma ordem mundial mais pacífica. Nessas
circunstâncias, a cooperação internacional ganhou um novo desenho e não somente
52
instituições foram criadas com vistas a concretizar uma rede de cooperação entre os Estados,
mas como afirma Celso Amorim: “pela primeira vez os temas econômicos assumem um papel
importante no esboço institucional (1994, p.152)”. De acordo com o autor, a inserção desses
temas na pauta de negociações se deveu à associação entre desenvolvimento econômico e paz
mundial, tratava-se de evitar a configuração de contextos econômicos similares aos anteriores
às duas grandes guerras.
A mais emblemática e bem-sucedida cooperação internacional com vistas a
promover desenvolvimento e, por conseguinte, a paz ocorreu na Europa. A União Europeia
resultou de uma concertação entre países que se desenvolveu no campo econômico, de onde
surgiram as iniciativas integracionistas com direção à união política (CRUZ, 1995). Em 1951
se instituiu a Comunidade do Carvão e do Aço (CECA), que representou a adoção de
orientações comuns em termos de políticas econômicas e, nesse caso, tinha como eixo
estruturador a criação de um mercado comum do carvão e do aço. De início, na política
comunitária europeia ficou estabelecido que os problemas existentes nas regiões situadas de
um lado ou de outro das fronteiras seria competência interna de políticas regionais de cunho
nacional, tanto que nem na CECA, nem na Comunidade dos Estados Europeus (CEE) criada
pelo tratado de Roma em 1957, mencionam explicitamente as regiões fronteiriças (COELHO,
1992). Contudo, a política de coesão comunitária que tinha por diretriz o desenvolvimento
harmonioso e equilibrado do território europeu tornou necessária a superação do parcelamento
territorial, econômico e social provocado pelas fronteiras nacionais. Nas décadas de 1960 e
1970 surgem iniciativas de cooperação bilateral e trilateral em áreas de fronteiras o “Acordo
Quadro para a Cooperação Transfronteiriça foi aprovado pela Assembleia Parlamentar do
Conselho da Europa em 1979 e aberto à assinatura em maior de 1980 (COELHO, 1992, p.
37)” e entrou em vigência no ano de 1983.
O caso da fronteira franco-genebrina é particularmente interessante, por ser a
primeira região europeia a estabelecer por meio de convenção governamental bilateral uma
comissão bipartite encarregada de coordenar e ordenar a cooperação fronteiriça; a convenção
regulamentou que Genebra devolvesse às comunas francesas parte importante dos impostos
recebidos dos trabalhadores fronteiriços, fato que explicita a flexibilização da soberania
estatal referente à cobrança de tributos (COELHO, 1992; COULERT, 1996). A cooperação
fronteiriça faz parte da política de regionalização na Europa, a qual reconhece a importância
de criação de espaços comunitários com envolvimento de territórios contíguos e a integração
de pessoas (CRUZ, 1995; OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO
TRANSFRONTEIRIÇA, 2004; MEDEIROS, 2009); mas no caso da integração Oiapoque-
53
Guiana Francesa isso não tem correspondência, pois há muitas questões pendentes em
especial aquelas relativas à interação entre pessoas.
Cumpre lembrar que no quadro não constam os atos bilaterais relativos à construção
da ponte, porque não estão mais em vigência já que a obra foi concluída em junho de 2011.
Para operacionalizar a cooperação fronteiriça ficou estabelecido que anualmente houvesse
reuniões, com representantes das partes contratantes, com vista a consultas recíprocas que
funcionassem para fortalecer o processo de institucionalização, nesse intento foi criada a
Comissão Mista de Cooperação Transfronteiriça Franco-Brasileira com reuniões de
periodicidade bianual. Cabe ressalvar, no Acordo Quadro ficou convencionado que
representantes das coletividades de Oiapoque e Saint-Georges poderiam participar desde que
em conformidade aos quadros das legislações nacionais, ou seja, sua participação ficou
condicionada ao marco regulatório de cada governo. O resultado imediato disso é que a
55
população de Oiapoque se sente alijada nesse processo e se ressente de não estar nem
informada e muito menos ter participação efetiva nas reuniões da Comissão Mista de
Cooperação Brasil-França.
Porque na verdade as informações que passam aqui no Oiapoque para nós, tudo é
atrasada. Na verdade, como eu estava lhe explicando, as nossas informações nunca
passam aqui, engraçado que nós somos vizinhos aqui, nós poderíamos estar
informados, mas nós nunca estamos informados como deveria ser. As informações
que saem da Guiana, por exemplo, vai diretamente pra Macapá ou pra Brasília,
nunca passa aqui com a gente. Quando a gente sabe, é tudo na última hora, a gente
nunca tá informado do jeito que nós tínhamos que estar informado.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTEDO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).
Ao todo já ocorreram oito encontros: Brasília (1997), Caiena (1999), Macapá (2002),
Caiena (2008), Macapá (2009), Caiena (2010), Macapá (2011) e o último Caiena (2013),
como é possível observar entre os encontros de 2002 e 2009 houve um período de
desinteresse em manter a regularidade das reuniões. Acredita-se, que em virtude do primeiro
impulso na direção da cooperação ter sido dado pelo então governador do Amapá João
Alberto Capiberibe em 1995, o qual acabou por convertê-la em ponto relevante da plataforma
política de seu governo (MARTINS, 2008); o governo sucessor adotou certo marasmo no
relacionamento cooperativo. Tanto que o projeto de construir uma hidrelétrica na cachoeira
Cafezoca é um projeto antigo da cooperação e traria benefícios para os moradores do
município de Oiapoque que dependem de energia termoelétrica, mas foi engavetado após a
saída do governador Capiberibe. O projeto foi retomado a partir da eleição de Camilo
Capiberibe, sendo posto novamente na pauta de discussão pela
Cumpre ainda salientar que a negociação (que contou com a participação de vários
ministérios e órgãos do Governo Federal, conforme mencionado na exposição de
motivos) e a firma do acordo em apreço, pelos Governos da França e do Brasil,
ocorreram à revelia do governo do Amapá e seu povo, sem que houvesse prévia
consulta ou participação da sociedade e das lideranças do Estado e do município do
Oiapoque, que não tiveram oportunidade de manifestar seus reais interesses,
opiniões e preocupações a respeito das questões que o Acordo firmado pretende
tutelar, num verdadeiro processo de exclusão dos representantes do povo
amapaense. [...] Quanto aos aspectos econômicos, há de se ressaltar que o aumento
da repressão sobre comerciantes e navegantes do Rio Oiapoque, provocará o
agravamento do desemprego no município e expõe a comunidade a um aumento do
59
Nós não temos problema de garimpo no Brasil. Quando eles querem fazer um
acordo com relação ao garimpo clandestino, o problema é deles dos franceses! Nós
não temos problema do lado francês com garimpo clandestino, se você for observar,
a área de garimpo que nós temos é em Lourenço, mas ela é legalizada, no nosso
lado, se pode sobrevoar a área de Oiapoque, às margens do rio Oiapoque até Vila
Brasil, Cabo Orange, Vila Velha do Cassiporé que são as ribeirinhas que nós temos.
Nós não temos conflito, nós não temos problema com o garimpo clandestino. Então
eles têm que cuidar da área deles, nós achamos dessa forma, eles têm que guardar a
área deles, impedindo que garimpeiros clandestinos entrem. (E3/COMERCIANTE
SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013).
de 2011, ainda não foi inaugurada. Conforme Silva (2013) a integração física propiciada pela
ponte Binacional é interessante à França pela ligação que estabelecerá com o porto de
Santana, que tem 11 metros de calado contra 3,7 do porto Dégrad-des-Cannes, o mais
importante da Guiana Francesa (SILVA, 2013). De acordo com esse autor, toda infraestrutura
portuária da Guiana Francesa atrela-se a esse “porto de comércio principal situado a alguns
quilômetros de Cayenne, por onde transita quase toda a sua pauta de exportação-importação
[...]. Além deste porto, a Guiana Francesa também possui portos anexos, mas de pouca
expressividade, como os de Kourou e Saint-Laurent-du-Maroni (2013, p. 165)”. Em termos de
modo de transporte marítimo para importações e exportações, a ligação de Caiena ao Porto de
Santana representará reduzir custos, inovar com nova rota para a circulação de produtos e
mercadorias, criar alternativas para consolidar o desenvolvimento da Guiana Francesa com
consequente superação de sua condição de enclave territorial (D’HAUTEFEUILLE, 2009).
O atraso na inauguração da ponte demonstra que a amizade histórica entre o Brasil e
a França não é suficiente para suplantar diferenças. Por exemplo, o governo brasileiro foi o
país gestor da construção da ponte, mas não cumpriu sua parte no que tange a área de
operação da ponte. Para melhor entendimento considera-se pertinente retomar alguns pontos
do processo que resultou na ponte entre Oiapoque–Saint-Georges. O projeto de construção da
ponte desenrolou-se em dois acordos bilaterais, celebrados respectivamente nos anos de 2001,
2005. No acordo de 2005, que complementa e/ou confirma os anteriores, além de decidir a
divisão de custos e a quem caberia o papel de país gestor (que no caso foi o governo
brasileiro), estabeleceu-se que Brasil e França deveriam arcar com despesas relativas à
construção da infraestrutura necessária a operacionalização de uso da ponte; definindo-se por
área de operação a ponte e todos os investimentos públicos necessários ao seu uso: 1) a ponte
e seus equipamentos de segurança e sinalização; 2) as duas vias de acesso entre Oiapoque e
Saint-Georges e seus equipamentos de sinalização e segurança; 3) os postos de fiscalização
fronteiriça e respectivas instalações (BRASIL/MRE, 2005). Ao pronunciar-se no Senado
Federal sobre os resultados alcançados pelo governo do Amapá na VIII Reunião da Comissão
Mista de Cooperação Transfronteiriça (Caiena, 2013), o senador João Alberto Capiberibe
assegura que:
Como resultado dessa última reunião, posso destacar alguns pontos. Por exemplo, a
inauguração da ponte Binacional sobre o rio Oiapoque. A ponte está pronta, é
resultado daquele encontro do Presidente Jacques Chirac e do Presidente Fernando
Henrique. Essa ponte foi construída no governo do Presidente Lula e concluída em
2011. No entanto, a estrutura aduaneira e de fiscalização ainda não está concluída. O
lado francês está totalmente concluído. Toda a estrutura necessária para atender o
61
O maior benefício que nós recebemos aqui foi por ocasião da construção da ponte
Binacional, que foi uma cooperação. O Brasil entregou uma parte, a França entregou
outra. A ponte tá pronta, inclusive ela foi concluída no prazo mesmo. Então tá aí um
dos fatores de benefício. Isso aí: só a ponte. Mas a gente sabe que vai beneficiar eles
mesmos [franceses]. Ainda não foi inaugurada, tá pronta há dois anos. Inclusive a
parte deles [aduana do lado da Guiana Francesa] já tá toda pronta, toda asfaltada.
63
Vai começa agora também, recentemente, por uma empresa lá de Santa Catarina vai
fazer a parte do terminal aduaneiro aqui na cabeceira da ponte [construção da aduana
do lado brasileiro da ponte]. (E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA
PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).
Fonte: Acervo pessoal de Carla Ferreira. Assessoria de Comunicação do senador Randolfe Rodrigues.
08/09/2011.
64
cima da nossa cabeça não temo essas informações como a gente precisa ter.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).
Quando foi feito o projeto da ponte, eles não englobaram a classe catraieira,
esqueceram a classe catraieira, não fizeram uma audiência pública para discutir
quais as condições, o que poderia ocorrer com o impacto econômico, com o impacto
social, com o impacto ambiental. Esqueceram do município, se fizeram, não chegou
ao conhecimento da classe catraieira. Então depois que começaram a construir a
66
ponte, nós nos manifestamos, nos mobilizamos, toda a classe e procuramos correr
atrás de recursos, mas de forma política, aonde a compensação financeira em
espécie, nós não conseguimos. (E10/CATRAIEIRO, 2013).
9
O G-20 é um fórum informal que promove debate aberto e construtivo entre países industrializados e
emergentes sobre assuntos-chave relacionados à estabilidade econômica global. O G-20 apoia o crescimento e o
desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da arquitetura financeira internacional e via oportunidades
de diálogo sobre políticas nacionais, cooperação internacional e instituições econômico-financeiras
internacionais. Criado em resposta às crises financeiras do final dos anos 90, o G-20 reflete mais adequadamente
a diversidade de interesses das economias industrializadas e emergentes, possuindo assim maior
representatividade e legitimidade. O Grupo conta com a participação de Chefes de Estado, Ministros de Finanças
e Presidentes de Bancos Centrais. Disponível em http://www.bcb.gov.br/?G20. Acesso em 22 Ago 2013.
70
BRICS, 10 grupos que reúnem Estados que buscam com esses agrupamentos melhorar seu
desempenho em decisões importantes no sistema econômico-financeiro internacional.
Portanto, se houve acréscimo de camadas econômicas, políticas, jurídicas autônomas
em relação ao Estado, elas devem ser consideradas como complementares, não substitutivas,
pois os Estados “são ‘atores’ ciosos de seus direitos territoriais, preocupados com a promoção
de culturas nacionais, e tendo envolvimentos geopolíticos estratégicos com outros Estados ou
aliança de Estados (GIDDENS, 1991, p. 77, grifos do autor)”.
10
BRICS é o termo utilizado para denominar o agrupamento de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Esses países articularam-se com vistas a atuar coletivamente no cenário internacional, contudo seu principal
aspecto é a informalidade, pois o BRICS não tem um documento constitutivo, não funciona com um secretariado
fixo nem tem fundos destinados a financiar qualquer de suas atividades. Ainda assim, o BRICS apresenta certo
grau de institucionalização à medida que se intensifica a interação política entre os países. A formulação desse
agrupamento permitiu a esses países maior participação em temas da agenda global, em particular os econômico-
financeiros, e justamente nesse âmbito o BRICS vem tendo melhor desempenho. Disponível:
http://www.itamaraty.gov.br/temas/mecanismos-inter-regionais/agrupamento-brics. Acesso 22 ago 2013.
71
pelos Estados Unidos, não era interessante à América Latina, inclusive afirmando que a
Europa liderada pela França tinha a oferecer uma via alternativa às sufocantes relações dos
países latino-americanos com os Estados Unidos, argumentação que ganhou de pronto a
simpatia brasileira (LESSA, 2000). A cooperação fronteiriça franco-brasileira aproximou
MERCOSUL e União Europeia e favoreceu a França firmar-se geopoliticamente no
continente sul-americano. Além das motivações ligadas às configurações do cenário
internacional, a cooperação fronteiriça também surge do reconhecimento da existência das
coletividades localizadas nos territórios dos dois lados da fronteira. Esse incremento à política
internacional revela uma mudança na percepção sobre o papel e o peso dos atores sociais e
seus interesses nesse campo, que tradicionalmente se constituiu como de exclusiva atuação
dos Estados. Com a globalização não se tornou mais possível ignorar que processos sociais
internos e processos políticos externos se imbricam. Sociedade e política internacional
deixaram de ser consideradas como linhas paralelas que seguem seu curso sem nunca se
cruzarem. Sem a referida inflexão, a própria legitimidade dos Estados estaria fadada ao
desaparecimento num mundo onde a diversidade de atores integra e a integração de Estados
fragmenta.
De acordo com Medeiros (2009), a cooperação fronteiriça na Europa trouxe a
possibilidade de uma coesão comunitária favorável à integração e à emergência da Europa das
Regiões, posteriormente denominada de Europa dos Cidadãos, pela valorização dada nesse
processo integrativo à participação de diversos atores como prerrogativa do sucesso da união
política. Do ponto de vista do autor, o intercâmbio entre países vizinhos pode viabilizar não
somente a solução de problemas crônicos encontrados nesses espaços, como também
promover o desenvolvimento socioeconômico; porém ações dessa ordem precisam de atenção
diferenciada no que tange a políticas públicas e subsídios, numa clara apelação ao princípio de
subsidiariedade.
Essa complexidade presente em territórios fronteiriços é reconhecida em outros
contextos territoriais, é o caso do estudo de Bustamante (1989) sobre as interações entre
estadunidenses e mexicanos que resultam do extravasamento da fronteira. A reflexão do autor
se aplica tanto ao nível local, como as interações entre os governos do México e dos Estados
Unidos, em ambos os níveis assevera que essas relações têm como denominador comum: a
assimetria de poder. Ainda assim, ele as classifica como harmônicas quando o estadunidense
for o cliente, o patrão e o mexicano o trabalhador, o vendedor, “Es posible que en la región
fronteriza de ambos países no abunden las interacciones sociales justas, pero no hay duda
deque abundan las interacciones sociales armoniosas (1989, p. 12)”. Porém, ressalva, que há
72
ocasiões em que isso não procede, ou seja, quando a assimetria de poder for muito grande,
uma das partes não reagirá e isso tornará inviável a interação; “La asimetria em tal
experiencia bilateral como estadunidenses e mexicanos es de tal magnitud, que la acción de
los primeros corresponde a uma naturaleza diferente a la reacción de los segundos (1989, pp.
13-14)”, ou seja, o autor afirma que a unilateralidade do poder estadunidense provoca
ausência de reação no mexicano tornando com isso a interação inviável. Em face dessas
circunstâncias típicas na fronteira norte do México, Bustamante (1989) defende tratamento
especial no que tange à distribuição dos recursos públicos.
Do ponto de vista brasileiro, a cooperação fronteiriça Amapá-Guiana Francesa faz
parte de um projeto de desenvolvimento cujas estratégias de ação denotam uma modificação
na própria concepção de desenvolvimento à medida que esse termo passou a vir acompanhado
de adjetivos como sustentável e inclusivo. Novas ideias-forças passaram a edificar o
desenvolvimento brasileiro com geração de bem-estar social, de modo a ir além da
formulação de que o crescimento econômico traz como derivados incontestes o progresso, a
bonança e a prosperidade. Nesse processo, destacou-se a questão regional, na medida em que
as especificidades regionais colocavam problemáticas que reivindicavam políticas
especialmente concebidas para redução das desigualdades regionais. Nessa direção, foi
formulada a Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR (SENRA, 2010).
A cooperação fronteiriça apresenta aspectos mais localizados e sua concepção
finaliza a solução colaborativa de problemas comuns em coletividades que se situam em um
eixo territorial gerado pela existência da fronteira (COELHO, 1992; LAHORGUE, 1997;
OBSERVATÓRIO PARA A COOPERAÇÃO TRANSFRONTEIRIÇA, 2004). Segundo
dados do Programa Integração Sul-Americana (BRASIL/MIN, 2013), a cooperação e/ou
integração com envolvimento de territórios fronteiriços que contemple os aspectos político,
econômico, social, ambiental e de infraestrutura é considerada vetor estratégico para o
governo brasileiro construir um quadro institucional de parcerias (multilateral ou bilateral)
que descortinam
11
O cálculo é feito por meio da soma da renda de todas as pessoas do domicílio, e o total dividido pelo número
de moradores, sendo considerado abaixo da linha da pobreza os que possuem renda per capita até R$ 140,00. No
caso da indigência, este valor será inferior a R$ 70,00 (BRASIL/PORTALODM, 2013).
74
12
Estudo em parceria com a AFD, o IEDOM e o INSEE e tem como principal objetivo a promoção da análise
econômica das coletividades Ultramarinas da República da França.
13
No contexto sul-americano, a Guiana Francesa era considerada uma lembrança constante do colonialismo
francês, condição frequentemente denunciada pelo Brasil em fóruns multilaterais regionais (LESSA, 2000;
GRANGER, 2011).
75
Apesar de ser estratégica para a integração sul-americana, uma vez que faz fronteira
com dez países, de corresponder a 27% do território nacional (11 estados e 588
municípios) e reunir cerca de 10 milhões de habitantes, a Faixa de Fronteira
configura-se como uma região pouco desenvolvida economicamente, historicamente
abandonada pelo Estado, marcada pela dificuldade de acesso a bens e serviços
públicos, pela falta de coesão social, pela inobservância de cidadania e por
problemas peculiares às regiões fronteiriças. (BRASIL/MIN, 2009, p. 5).
14
Que em 30 de julho de 2012 ingressou no Mercosul.
15
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,MUL1426880-5602,00-
ATAQUE+CONTRA+BRASILEIROS+NO+SURINAME+DEIXA+FERIDOS+SETE+EM+ESTADO+GRAV
E.html>. Acesso em 08 set. 2012.
77
agricultores. 16 Em relação a isso, insere-se a argumentação de Mélo (2004) quanto aos novos
significados da fronteira Brasil-Uruguai – tendo como horizonte de reflexão o contexto da
globalização e a integração regional na América do Sul – ao demonstrar a variedade das
manifestações discursivas dos atores sociais, bem como a distância existente entre medidas
implementadas em nível macro pelos acordos do Mercosul e o cotidiano vivenciado pela
população fronteiriça. Assim se expressa o autor:
16
Disponível em:<http://www.rondoniadinamica.com/arquivo/mpf-ro-ve-possibilidade-de-conflito-armado-entre-
brasileiros-e-bolivianos-na-fronteira,34462.shtml>. Acesso em 08 set. 2012.
78
Vinha o pessoal de Macapá, vinha o pessoal de Brasília e passava por cima de todo
mundo aqui [Oiapoque]. Justamente, até as autoridades locais não eram ouvidas,
então vinha lá de cima e nós que moramos no município se sentíamos prejudicados
por isso, então as decisões eram tomadas por fora, Brasília e até por Macapá, no
caso pelo governo. Então nós ficávamos prejudicados aqui, porque quem mora aqui
somos nós, é nós que sabemos as problemáticas, é nós que sabemos as deficiências.
[...] E esse é um exemplo; tem os catraieiros, tem a questão dos garimpeiros, tem a
questão dos pescadores, aí nós até fizemos sátira porque é uma coisa muito... É...
Como se diz assim, como é que nós vamos saber que o peixe é brasileiro ou o peixe
é francês, aí nós até satirizamos, porque do lado da costa francesa nós vamos pintar
de azul e vermelho e do brasileiro de verde e amarelo pra poder definir, porque não
tem como nós dizer: esse peixe é da minha região. Não tem como! O peixe não é de
ninguém, o peixe tá no oceano né. Mas existem as milhas, né. Porque não tem como
você definir de quem é o peixe, o peixe tá ali, os cardumes estão soltos no oceano,
como é que você vai saber se ele é francês ou é brasileiro. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
Eu vejo uma situação aqui que é fato, a gente sempre pensou assim: a gente faz
reunião aqui em Saint-Georges, em Caiena, faz aqui, o prefeito, hoje o prefeito [...]
tem uma boa relação com os políticos lá de Saint-Georges, com a prefeita aqui de
Saint-Georges, mas é aquilo que nós sempre discute: [i.e. que sempre discutimos]
entre Saint-Georges – Macapá, Amapá e Guiana; mas a ordem que eles [da Guiana
Francesa e de Saint-Georges] e que nós recebemos aqui vem de cima, vem da França
pra lá e de Brasília pra cá. Olha, por exemplo, foi feito aqui em dois mil e onze um
acordo de que o brasileiro poderia adentrar em Saint-Georges, fazer compras etc. e
tal, acertado entre os políticos! Veio a ordem de Brasília, mandaram a Gendarmerie,
com ordem de expulsar, então não adiantou de nada aquela discussão, inclusive a
prefeita retornou aqui em Oiapoque, na gestão do outro prefeito, pra rever essa
situação, porque tinha sido feito um acordo, não foi cumprido o acordo porque foi
feito um acordo só local, esse acordo teria que ter sido feito somente entre Brasília e
Paris e ter resultado! Foi feito entre Saint-Georges e Macapá, Guiana e Macapá, mas
o acordo não foi pra frente porque dias depois trocou aqui a chefia da polícia federal
nossa aqui, lá. Trocou e já deram logo a ordem, expulsar tudo, então sempre teve
esse problema. Existe boa vontade dos políticos de Saint-Georges e Guiana, porque
eles entendem que é importante a relação, assim como há essa boa vontade dos
políticos de Oiapoque com Macapá, só que é um acordo local, não vem de cima para
baixo e vem de baixo para cima. (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO
EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
Dos projetos estruturantes inseridos na agenda, desde 1997, tais como a construção
da hidrelétrica no salto Cafezoca ou o desenvolvimento do turismo para geração de emprego e
renda, ainda hoje se encontram como expectativas. Nem mesmo o asfaltamento da BR-156
está concluído, falta um trecho de aproximadamente 160 km, e como dito anteriormente a
ponte Binacional não foi inaugurada. Argumenta-se que além da questão de não haver um
fundo que disponibilize os recursos necessários ao desenvolvimento dos projetos, outra
questão funciona como força restritiva à institucionalização da cooperação: a mobilidade e o
deslocamento de brasileiros para a Guiana Francesa.
As interações transfronteiriças podem valorizar as diferenciações entre atores
territoriais, mas também podem engendrar tensões e conflitos. A cooperação fronteiriça
franco-brasileira deveria conduzir a criação de espaços mais favoráveis ao atendimento das
carências das populações que vivem nesses espaços. Muito se fala da globalização que
derruba fronteiras, mas é necessário reconhecer que ela também levanta outras, há um mundo
globalizado que se abre aos fluxos de capitais, mercadorias, informações; mas há igualmente
um mundo globalizado que se fecha ao movimento de pessoas (SHAMIR, 2005). Portanto, a
partir das informações apresentadas se tem o entendimento de que valorização da fronteira do
80
Oiapoque com a Guiana Francesa representa não somente a desfuncionalização das fronteiras
quanto aos seus usos no território nacional, como também tem implicações nas coletividades
situadas nesses lugares, dessa dialética emerge a fronteira entre o global e o local, expondo
uma revalorização do território, e nesse processo os atores locais não podem estar ausentes,
pois são eles em suas vivências cotidianas que de fato “abrem” e “fecham” as fronteiras.
O reordenamento do território, em sincronia com o diagnóstico de condições
territoriais específicas, acaba se constituindo em um dos procedimentos para o fortalecimento
da cooperação fronteiriça franco-brasileira. Tal proposição poderá não resistir às controvérsias
surgidas em torno das questões relativas à mobilidade e ao deslocamento de brasileiros na e
através da fronteira. Particularmente, esse talvez seja o maior desafio aos governos do Brasil e
da França no que tange a fronteira Oiapoque-Guiana Francesa, pois a solução dessas questões
requer não somente um quadro político-administrativo-institucional, mas a superação de
critérios ideológicos, étnico-raciais, moralistas. No capítulo a seguir se desenvolve a reflexão
sobre as propriedades que caracterizam as interações transfronteiriças Oiapoque-Guiana
Francesa, as quais implicam na transcendência da fronteira internacional. Para alcançar esse
objetivo se procederá a uma descrição de como se desenrolam os fenômenos de mobilidade e
deslocamentos na e através da fronteira Oiapoque, pois se atribui a esses fatos o acontecer das
interações.
3 MOBILIDADE E DESLOCAMENTO NO TERRITÓRIO OIAPOQUE-GUIANA
FRANCESA
Para alcançar a reflexão proposta organizou-se o texto em três partes: a primeira realiza uma
descrição de como se desenvolve a viagem pelos circuitos no rio Oiapoque, apresentando em
especial o itinerário até as comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil; em seguida são
apresentados os atores em seus movimentos além e através da fronteira; por último aborda-se
a emergência das limitações e restrições como esforços oficiais para regular a mobilidade e
deslocamentos na fronteira de Oiapoque com a Guiana Francesa, as quais se contrapõem às
ações dos participantes nessas práticas.
implantada pelo governo do Brasil entre 1940 a 1991 a qual foi acompanhada por fluxos
migratórios, voluntários ou incentivados (VICENTINI, 2004).
Atualmente a cidade de Oiapoque ainda apresenta traços herdeiros desse processo em
sua dinâmica socioeconômica, que é caracterizada pelo predomínio das atividades comerciais
ligadas ao movimento migratório e à garimpagem de ouro, os quais são extensivos à Guiana
Francesa. Na cidade existem três níveis administrativos: as instituições do governo federal,
ligadas às atividades de vigilância e fiscalização, por tratar-se de área de fronteira (Polícia
Rodoviária Federal, Polícia Federal, Receita Federal, ANVISA, FUNASA, Instituto Chico
Mendes, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis); o governo estadual
atende às áreas de policiamento e defesa social (policias civil e militar, bombeiros), educação
e saúde; o governo municipal com funções mais voltadas para a administração da cidade
ainda que precariamente, tais como energia, transporte, limpeza pública, saneamento, mas que
também presta serviços de menor escala nas áreas de educação e saúde.
Em virtude da importância que o rio Oiapoque tem para seus moradores, nota-se uma
continuidade entre a cidade e o rio, isso revela as interpenetrações com as quais foi tecida a
vida social nesse território fronteiriço; assim como em outros territórios ribeirinhos na
Amazônia parece desaparecer a distinção entre paisagem física e paisagem cultural. 17
Também cumpre destacar que no município de Oiapoque existem áreas de proteção ambiental
(Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e Parque Nacional do Cabo Orange, ambas de
proteção integral) e terras indígenas já demarcadas, bem como assentamentos agrícolas ao
longo da BR-156.
A priori, uma visão unitária entre cidade e rio na Amazônia não seria exatamente
uma novidade, se não fosse o fato de ser o rio Oiapoque uma fronteira internacional, que
separa e aproxima o Brasil e a França: divide, sendo limite natural entre soberanias
territoriais; mas também aproxima por conta da contiguidade que gera entre as coletividades
17
Distinção estabelecida, em especial entre os idealistas e românticos na Alemanha que nos oitocentos forçaram
um distanciamento entre Natur (mundo da natureza) e Kultur (mundo humano). O conceito de homem é um
construto do século XVIII, contudo ele só passa a ser enfocado pelas ciências no século XIX. A consideração do
homem como objeto cognoscível ocorreu, de um lado pela crescente credibilidade do conhecimento científico e
de outro pela emergência de uma série de problemas resultantes da modernização do capitalismo, dos cenários de
modernidade que se constituíram em várias cidades da Europa e das Américas e pela expansão europeia no
mundo. Esse processo acabou por engendrar um grande desenvolvimento nas ciências sociais. Portanto, o século
XIX foi por excelência um período caracterizado pelo evolucionismo de Spencer, tese surgida nas chamadas
ciências naturais que passou a influenciar as jovens ciências da sociedade. A manifestação dessa influência
cristalizou-se na ordenação das sociedades humanas num gradiente, cujo substrato residia no argumento de que
natureza e cultura são campos absolutamente apartados, na medida em que a primeira é o domínio do
determinismo, que retira ao homem seu mais precioso apanágio: da livre escolha; enquanto a segunda é o
domínio da liberdade, das escolhas racionais (SILVA, 1997).
84
da contenção e/ou interdição a que possam ser submetidos nesse movimento. O nó górdio da
questão está em dois trechos onde somente há um lugar com profundidade suficiente para
comportar a travessia da embarcação, trata-se das cachoeiras Grand Roche e Caxiri (essa
última somente assume essa peculiaridade no período de verão); sendo que a primeira está em
território francês e a segunda em solo brasileiro. Além do circuito referido Oiapoque-Ilha
Bela-Vila Brasil, existem mais dois que merecem destaque: um que leva a Saint-Georges,
podendo se estender até Caiena; e aquele que conduz aos garimpos clandestinos na Guiana
Francesa, cabe chamar atenção que esse último inicia-se em Ilha Bela, comunidade que está
localizada bem próxima da entrada do rio Sikini, o qual dá acesso às áreas dos garimpos
clandestinos. No mapa abaixo (Figura 5) é possível visualizar a situação de vizinhança entre
as coletividades fronteiriças, como também o papel integrador que rio Oiapoque desempenha
nesse contexto, como a comunidade de Ilha Bela não foi ainda registrada pela cartografia não
foi possível inserir sua localização, no entanto numa métrica temporal ela fica situada a três
horas e meia de Oiapoque e a duas horas de Vila Brasil.
mas também outros trajetos relativos às condições de acesso a saúde, a educação, a lazer e
outros bens e serviços dentre muitos aspectos da vida cotidiana. Em síntese, os percursos
podem desenrolar-se em distintos tempos, por exemplo, a travessia para Saint-Georges
dura em média vinte minutos, mas não é possível chegar a Vila Brasil em menos de cinco
horas, de maneira que os afastamentos em relação a Oiapoque podem durar alguns
minutos, horas, dias, ou um mês (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007, 2013).
Mas os deslocamentos para Guiana Francesa podem implicar em mudança de
domicílio por um tempo mais prolongado ou mesmo permanente, trata-se de brasileiros
documentados que residem na Guiana Francesa. Esses migrantes são em sua grande maioria
pedreiros, carpinteiros, mestres de obras, armadores, pintores, faxineiras, babás, lavadeiras,
cozinheiras e têm como destino final de sua prática migratória a cidade de Caiena, onde já
contam com alguma rede de solidariedade (parentes e/ou amigos) que lhe presta assistência
até um estabelecimento definitivo (Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011). Outros, migrantes
sem documentos, chegam a permanecer um tempo prolongado na Guiana Francesa, mas em
função das frequentes fiscalizações seu retorno pode acontecer a qualquer momento (Ref.
Diário de Campo, Caiena, 2011). Nesse grupo se encontram os garimpeiros, que se alojam em
acampamentos nos garimpos clandestinos, sua residência se caracteriza pelo improviso e
imprevisto, pois a vida de um garimpeiro é relativamente nômade, em virtude das seguintes
possibilidades: 1) haver o esgotamento da jazida, o que motiva os garimpeiros a deslocarem-
se em busca de outras; 2) a ocorrência de uma milícia se apropriar da jazida e os garimpeiros
que não se ajustam a essa situação são expulsos, ou às vezes mortos; 3) ao intenso combate
dos agentes institucionais franceses na desarticulação e destruição dos acampamentos e
garimpos ilegais (E19/GARIMPEIRO LEGALIZADO, 2013).
Assim sendo, homens, rios e ouro continuam a compor uma tríade da qual nascem as
interações transfronteiriças, assinaladas por consensos e conflitos na fronteira Oiapoque-
Guiana Francesa: atores em movimento pelo rio atrás do ouro; agentes que buscam restringir
ou cercear essa movimentação para resguardar o ouro; atores que dependem do ouro e do rio
para garantir sua existência; a esses trocadilhos com as formulações de Marin (1999) se deve
acrescentar: atores em movimento em busca do euro, fala-se da migração de brasileiros para
Caiena. Para a perspectiva sociológica, os conteúdos que modelam o espaço advêm de
motivações subjetivas e desse horizonte teórico se compreende que na diversidade dos
formatos dos territórios se desvelam as funções que lhe foram atribuídas historicamente pelos
indivíduos, em outros termos, o homem ao viver a espacialidade associa estímulos sensoriais
heterogêneos e dispersos compondo um construto com o qual subjuga esse mesmo espaço
88
18
Informação fornecida por morador de Ilha Bela referente aos garimpos na Guiana Francesa, quais sejam: Sikini
(fechado), Capinzal (fechado), Quatá (fechado), Ocreia (fechado), Ipo 100, Rhataia, Tosti, Gabarri, D21, Sofia,
Dorlin, Piti-Sul (todos em atividade). Ilha Bela-Oiapoque/AP, em 18 de julho de 2013.
89
19
Cabe ressalvar que catraieiros e canoeiros executam a mesma tarefa que é pilotar as embarcações que fazem o
transporte de passageiros de Oiapoque a Saint-Georges e a outras comunidades ribeirinhas. A denominação
diferenciada refere-se ao tamanho das embarcações, menores catraias, maiores canoas. Nesse sentido, como a
intenção é colocar em evidência os profissionais e para evitar muitas designações que pudessem provocar
confusões adotou-se a denominação genérica de catraieiro.
90
associam em defesa deles. Isso pode ser verificado nos trechos retirados das entrevistas de um
catraieiro e dois assessores do executivo municipal.
Em relação à ponte [...]. Essa situação nossa, nós catraieiros, nós entramos na justiça
contra a união, é direito nosso procurar o direito nosso mesmo, nós catraieiro, nós
temos investido no rio mais de R$ 3 milhões, mais de R$ 3 milhões investidos. Em
motor, canoas e acessórios, temos investido mais de R$ 3 milhões. Nós temos um
consumo de combustível, mais de R$ 5 milhões por ano, mais de R$ 5 milhões por
ano. Entendeu? Nós contribuímos com todos os encargos sociais exigidos pelo
cooperativismo, pelo município, pelo Estado, pelo governo federal. A nossa
cooperativa, as cooperativas e a associação cumprem com os seus deveres, porque
pra gente cobrar, a gente tem que tá com a nossa sustentabilidade interna pra cobrar,
é o que nós fizemos, nós temos que tá todo tempo em dias, pra gente poder cobrar,
essa é a situação. Então, nós contribuímos com o município, contribuímos com o
Estado e contribuímos com a união e além de tudo: o desenvolvimento econômico
do nosso município, da nossa fronteira Oiapoque, mas de 40% do desenvolvimento
econômico é transportado pela classe catraieira, hoje nós catraieiros, nós somos a
ponte do desenvolvimento econômico, mais de 40%. Nós somos a ponte do
desenvolvimento econômico pra nossa fronteira Oiapoque-Brasil, que aqui começa o
Brasil. Então eu acho que o Brasil tem que ver... A nossa fronteira Oiapoque tem
que ser vista de uma melhor forma, hoje nós catraieiros, nós somos a ponte humana,
amanhã é uma ponte de concreto. Entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013).
Desde que nós começamos realmente a debater essas questões da costa, do pessoal
do garimpo, então já caminhou. Tanto é que a respeito dos catraieiros, que eles
queriam tirar todos, não pode tirar! Vai pagar como essas pessoas? Se é o meio de
vida delas. Então o que foi criado... Foi criado dois portos lá [em Saint-Georges],
então houve um avanço, né? Querendo ou não, nesse pouco espaço de tempo nós
conseguimos alguma coisa. Porque é aquele impasse, o lado brasileiro quer uma
coisa, o lado francês quer outra, só que nós também temos que nos impor, é por isso
que existe o Conselho [do Rio], porque antes era tomado tudo por fora, ninguém
sabia de nada, passavam por cima de todo mundo. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
soluções para as situações de conflitos estabelecidas entre as duas coletividades que provocam
prejuízos mútuos. Para os comerciantes, qualquer interferência na circulação das catraias no
rio Oiapoque tem impactos sobre o comércio da cidade e, nesse sentido, a parceria com os
catraieiros é estratégica.
Os comerciantes são enfáticos quando o assunto é a garimpagem ilegal de ouro na
Guiana Francesa: “nós não temos problema de garimpo no Brasil (E3/COMERCIANTE
SETOR DA CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013)”; atente-se que ele afirma não haver problemas
de garimpo no Brasil, o que é uma estratégia discursiva para expressar que aqui a garimpagem
de ouro não é ilegal; sendo, portanto, dessa perspectiva um problema da França e não do
Brasil a existência de garimpos na Guiana Francesa. Inclusive no município de Calçoene,
vizinho a Oiapoque existe um garimpo com mais de cem anos de atividade, fala-se do
garimpo do Lourenço. Nessa direção, esses atores se posicionam contra o acordo de combate
à garimpagem de ouro celebrado entre Brasil e França em 2008, alegando que esse acordo
determina a proibição dessa prática numa área de 150 km de cada lado da fronteira, o que irá
afetar os negócios ligados aos garimpos brasileiros e, por conseguinte, aos seus próprios
negócios. O que defendem é que a cooperação fronteiriça franco-brasileira ao invés de proibir
deve encontrar meios para equacionar diferentes interesses relativos à garimpagem.
Eu acho que eles [franceses] deveriam legalizar o garimpo deles com uma empresa
francesa e que eles poderiam usar a nossa mão de obra. Legalizando o garimpeiro
brasileiro, que entre documentado, que ele possa trabalhar, vim livremente visitar
suas famílias e voltar. Eu acho que isso é uma alternativa [...]. O ouro ficaria lá [e]
com certeza, eles [franceses] teriam perdas bem menores, porque são empresas
francesas no caso, ou se fosse brasileira, mas eles vão colocar as regras deles, que o
ouro seria vendido lá e aí teria a preservação do meio ambiente. Que esta é a questão
da coisa, eles reivindicam muito a questão do mercúrio que o garimpeiro usa, que
coloca na água, que vai pros rios e traz dano pro meio ambiente, então isso é uma
das coisas, que eu acho, que seja legalizado, o garimpo deles, com empresas
legalizadas seria uma alternativa. [...] Oiapoque surpreende a gente. Devido ser uma
cidade de tráfego, de repente você vende bem um dia, é o pessoal do outro lado:
chega garimpeiro, chega os pessoal agricultores da BR [assentamentos agrícolas na
rodovia BR-156], os indígena chega com os barco cheio de farinha, aí eles vendem a
farinha e já tão no comércio, nos mercantis comprando seus produtos. Então,o
Oiapoque, o tempo que eu tenho aqui, ele surpreende a gente, é movimentado, acho
que devido ser uma fronteira. (E3/COMERCIANTE SETOR DA CONSTRUÇÃO
CIVIL, 2013).
era garimpeiro antes de ser carregador, e, conforme seus depoimentos, devido às dificuldades
de viver e trabalhar em um garimpo, em especial o clandestino, decidiram largar a
garimpagem e acabaram se fixando na cidade de Oiapoque, muitos por conta de ter
estabelecido um relacionamento conjugal. A escolha de tornar-se carregador deveu-se a ser
um ofício que não exige “nem profissão, nem estudo” como eles falam, mas garante um
ganho mensal próximo a R$ 4 mil. O grupo está organizado na Associação dos Carregadores
Autônomos de Oiapoque (ASCAO), o lema dessa associação é interessante: “O vigor dos
braços e a sabedoria transportando o progresso”. São esses trabalhadores que fazem o
embarque e desembarque nos portos de Oiapoque e Saint-Georges, como também cuidam do
transbordo das mercadorias na Grand Roche, onde atravessam a carga de um lado para o outro
da grande pedra. Na hierarquia dos grupos, observou-se que os carregadores ocupam a
posição mais inferior, e talvez em virtude disso negaram-se em gravar suas entrevistas. Entre
eles existem controvérsias envolvendo o número de viagens realizadas por dia, pois seus
maiores rendimentos estão no itinerário para Ilha Bela e Vila Brasil, mas especialmente no
momento do transbordo na Grand Roche, onde ganham entre R$ 10 e R$ 20 por volume
carregado, de tal modo, eles afirmam que alguns carregadores querem realizar mais viagens, o
que acaba por deixar alguns carregadores sem atividade e sem rendimento. As figuras de 6 a 9
apresentam o cotidiano de trabalho desses carregadores.
Quando ocorre o transbordo na Grand Roche o clima fica muito tenso, pois é nesse
momento que pode haver abordagens da Gendarmerie, nas quais são feitas as apreensões de
mercadorias (que são queimadas) e pessoas (levadas para serem deportadas depois). Nessa
ocasião os policiais franceses cortam canoas e queimam motores; os catraieiros argumentam
que isso corresponde a um prejuízo de R$ 40 mil. Quando a Gendarmerie está vigiando a
Grand Roche o transbordo das mercadorias e pessoas tem de ser feito por uma trilha em terra
do lado brasileiro às margens das corredeiras do rio Oiapoque (figura 10). Essa trilha tem um
94
percurso um pouco maior que mil metros, sendo muito estreita, íngreme e perigosa; em se
tratando de pessoa não habituada é praticamente impossível continuar a viagem.
Figura 9 – Novo embarque de carga em outra catraia maior que prosseguirá a viagem às
comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil
Figura 10 – Trilha alternativa para o transbordo quando a Gendarmerie está na Grand Roche
Pelas canoas seguem até mesmo veículos de vários tamanhos, inclusive máquinas
pesadas. O proprietário de uma pousada em Vila Brasil relatou que para construir a pista de
pouso e decolagens em Camopi os franceses trouxeram máquinas e tratores nas canoas que
eram inclusive conduzidas por brasileiros, conforme seu relato “eles juntam com amarrações
duas, três, quatro canoas, colocam em cima delas um tablado de madeira onde acomodam
veículos de qualquer porte e eles não conseguem realizar a viagem sem os catraieiros,
portanto, os gendarmes não deveriam implicar tanto com eles (ref. Diário de Campo, Vila
Brasil, 2013)”.
É interessante que em muitas falas dos informantes, se apreende a mesma concepção
de que os agentes institucionais franceses criam obstáculos ao trânsito de catraias pelo rio
Oiapoque; no entanto, eles mesmos dependem dessa mobilidade e dos profissionais
brasileiros – conforme sua própria linguagem – , os quais são denominados de “considerados”
devido ao conhecimento que têm acerca dos locais adequados de passagem. Essa assertiva
lembra a referência de Bustamante (1989) sobre relações sociais através da fronteira México-
Estados Unidos como harmoniosas, desde que o mexicano seja o empregado, o vendedor; e o
estadunidense seja o patrão, o cliente; ou seja, que exista uma relação de dominação-
subordinação, de modo que mesmo harmoniosas, implicam assimetrias de poder
socioeconômico. As interações sociais entre brasileiros e franceses na fronteira Oiapoque-
Guiana Francesa se desenrolam igualmente, a convergência de sentidos advém de seus
conteúdos, os quais são retirados da vida cotidiana, por isso se considera a tipologia
simmeliana de interações sociais elementares, pois estão ligadas aos conteúdos da vida
prática.
O último grupo afetado pelo controle da mobilidade e deslocamento pelo rio
Oiapoque são os moradores das comunidades ribeirinhas de Ilha Bela e Vila Brasil. Sendo a
primeira a denominação para um pequeno arquipélago de três ilhas ao qual se chega antes de
Vila Brasil, ambas são tipicamente ribeirinhas e estão situadas nos limites do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque. Ilha Bela – diferentemente de Vila Brasil cuja existência é
anterior à criação do Parque – teve sua ocupação depois da criação do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque em 2002; não há registros oficiais de sua localização, nem
dados censitários de sua população residente, mas estima-se que seus habitantes cheguem a
um número entre 200 e 250 pessoas. Desde a institucionalização do Parque Nacional
Montanhas do Tumucumaque em 2002, seus moradores enfrentam uma série de dificuldades
relativas às ações de agentes institucionais brasileiros (Instituto Chico Mendes e Exército) e
franceses (Gendarmerie e Legião Estrangeira).
96
enfrentadas por seus moradores são maiores que em Vila Brasil (Figura 12), em parte porque
é vigente a crença entre os agentes institucionais franceses que Ilha Bela é entreposto de apoio
aos garimpos clandestinos.
Figura 13 – Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Posto avançado da Legião
Estrangeira e margem direita do rio Camopi
Figura 14 – Tendo como ponto de visualização Vila Brasil. Vila de Camopi onde está a
Gendarmerie Nationale e margem esquerda do rio Camopi
20
Durante a estadia em Vila Brasil, se teve a oportunidade de acompanhar no dia 18/07/2013 a chegada de uma
aeronave francesa e constatou-se nessa ocasião que para pousar em Camopi na pista de aterrissagem construída
no acampamento da legião francesa a aeronave precisou realizar uma manobra circular na qual foi preciso
sobrevoar Vila Brasil, essa operação aérea também significou uma transgressão da fronteira internacional.
101
No período pós-guerra, a França passou por um período muito... Por uma fase muito
difícil na reconstrução e quem praticamente sustentava a Guiana Francesa eram os
brasileiros, eles levavam gado, mercadorias manufaturadas, como café, açúcar.
Então os brasileiros eram muito bem-vindos lá. O trânsito era praticamente livre,
eles [os brasileiros] iam daqui, passavam e encostavam no porto de Caiena e eram
muito bem recebidos e com o tempo e a chegada de muitos migrante na Guiana
Francesa também a situação dos brasileiros que não se organizaram como outros
povos como os chineses e javaneses que migraram para Guiana Francesa, mas se
organizaram em colônias e cooperativas; e os brasileiros não, o povo que ia daqui
era um povo de baixíssimo nível escolar: eram pedreiros, carpinteiros... As pessoas
iam com certidão de batismo... A polícia, a Gendarmerie,ia nas embarcações para
recrutar mão de obra, eles mesmos faziam, tiravam uma carta de imigração. Até hoje
102
De acordo com Arocuk (2001) e Pinto (2011), o momento histórico de maior atração
de brasileiros para a Guiana Francesa foi durante a construção da base aéreo-espacial de
Kourou na década de 1960. Note-se no excerto abaixo as afirmações de Arouck (2001) sobre
a entrada do brasileiro na Guiana Francesa, quando
Para Aragón (2009) além de trabalho e melhores salários, também são fatores de
atração de migrantes brasileiros para Guiana Francesa: benefícios sociais e previdenciários,
inclusive alguns vivem à custa do salário-desemprego. A precariedade a que se submetem os
brasileiros na Guiana Francesa conduz a reflexão sobre a manutenção de critérios definidores
do status social na sociedade nacional associados à propriedade e dinheiro, essa premissa
encontra guarida nas falas desses migrantes, que não deixam de acalentar o sonho de ficar
“um tempo e ganhar dinheiro” para então voltar ao Brasil e começar uma vida nova com mais
dignidade e cidadania (Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011). Pinto (2011) na pesquisa de
campo realizada em Caiena teve a oportunidade de entrevistar um imigrante brasileiro que
sobrevivia do salário-desemprego que recebia do governo francês:
103
Ele chegou à Guiana Francesa em 1993, e por isso já tinha acumulado muitas
experiências de trabalho. Atualmente, recebe uma espécie de seguro-desemprego do
governo francês (cerca de € 420 mensais), pois, antes de ficar desempregado,
trabalhava de forma legal numa empresa local, de acordo com as leis trabalhistas
francesas. No período da entrevista, estava fazendo um “bico” na área da construção
civil (ajudante de pedreiro), por este trabalho recebia uma diária de quase € 50.
Atualmente estava fazendo uma espécie de “ponte aérea” entre Caiena e Alenquer-
PA. Disse-me ainda que só estava na cidade para resolver uma “bronca”. A
“bronca”, na verdade, tratava-se de atualizar seu cadastro junto à Instituição que
controla e fiscaliza esses benefícios trabalhistas que são pagos; e saber se o mesmo
já encontrava-se empregado ou pelo menos procurando um novo emprego. (PINTO,
2011, p. 119).
Grosso modo, com a ampliação das restrições do governo da França à entrada dos
brasileiros, esses trabalhadores migrantes inserem-se no mercado de trabalho da Guiana
Francesa em condição de insegurança e vulnerabilidade, não recebem atenção dos Estados,
seja de onde saíram, seja onde pretendem entrar, sempre se captura nessas falas imagens que
lembram a metáfora de Simmel (1996) da porta. Mas, muitas vezes a fronteira porta não leva
a um lugar no qual de fato aconteça a tão desejada riqueza e mobilidade social. Verifique-se
isso nas referências feitas pela imigrante retornada quanto ao status social dos imigrantes
brasileiros em Caiena.
A minha história na verdade é que eu conheço a Guiana porque a minha vida inteira
praticamente foi lá, então assim, eu vejo assim, o que acontece na Guiana Francesa,
os brasileiro hoje são discriminado completamente, como discriminado? Porque lá
nós não temo nosso espaço na Guiana, o brasileiro lá, jamais você vai achar atrás de
um escritório, sempre é numa construção, sempre limpando o quintal dos outros,
trabalhando com faxineira, esses postos os brasileiro tem espaço lá na Guiana
Francesa, mas você vê um brasileiro que tá dentro de um escritório, dentro dum
órgão público... Você não vê isso, isso é coisa mais difícil do mundo, você vê um
brasileiro dizer que tem um posto de médico, sei lá, de advogado, ou outras coisa,
você não vê, você não vê isso, só as chances que às vezes acontece do pai ter muita
possibilidade de mandar o filho estudar na França e de lá esse jovem se forma de
outra forma, mas na Guiana Francesa você não vê isso, justamente como lhe falei já,
eu sou de lá, sei como é que é, nós somo muito discriminado. (E4/IMIGRANTE
RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE HOTELARIA, 2013).
Devido à alta taxa de desemprego local (20%), a prefeitura só está aceitando pedidos
de carta de séjour para chercheurd’or, o nosso conhecido garimpeiro, trabalhador
21
O titre unique de séjour, que foi criado em 1984, tendo uma validade de dez anos, autorizando o imigrante à
estadia e ao trabalho, é considerado por Reis (2007) uma das mais importantes medidas do ponto de vista da
política migratória francesa.
104
que teoricamente vai exercer suas atividades nos rincões auríferos no meio da selva
guianense. Muitos brasileiros, entretanto, preferem permanecer na cidade de Caiena.
(AROUCK, 2001, p. 341, grifos do autor).
22
O processo de concessão reúne aproximadamente 1.200 páginas nas quais constam todos os direitos e deveres
do garimpeiro, desde construção das casas, instalações, manual de normas técnicas quanto à infraestrutura do
acampamento; que depois de estabelecido é frequentemente fiscalizado pelas autoridades francesas.
105
23
de existirem dois não legalizados para cada legal (informação verbal). Ainda que sem
confirmação oficial, teríamos, nesses termos, uma população de mais 10 mil brasileiros sem
documentos na Guiana Francesa. A esses, cujo registro oficial não é possível, justamente pela
invisibilidade que o imigrante sem documentos faz questão de sustentar (mesmo junto ao
Consulado brasileiro), poderíamos acrescentar aproximadamente mais 15 mil garimpeiros
(Ref. Diário de Campo, Caiena, 2011; Macapá, 2013).
De acordo com Aragón (2009), a Guiana Francesa entre os anos de 1999 e 2006
apresentou a maior taxa de crescimento demográfico e isso foi decorrente dos fluxos
migratórios que recepcionou, de maneira que a pressão migratória na Guiana Francesa se
expressa nos aproximadamente 40% de estrangeiros contabilizados na população guianense
que é de 226.426 habitantes (FRANÇA/INSEE, 2012), e para controlar a entrada de
imigrantes o governo francês implantou um dispositivo excepcional, já que somente se aplica
na Guiana Francesa: trata-se do estabelecimento de barreiras no interior de seu
território.24 Deseja-se lembrar do estudo de Reis (2007) acerca de preocupar-se o governo
francês com as fronteiras internas entre cidadãos e não-cidadãos: entre aqueles que se sentem
parte da república e aqueles que não compartilham esse sentimento; no entanto, no
departamento guianense, devido a uma forte pressão migratória, os dispositivos de controle se
materializam em barreiras de fronteira. De acordo com informações da Police aux Frontiéres
(informação verbal) 25 dentre os imigrantes sem documentos expulsos em 2010, 55% eram
brasileiros.
Isso acabou por desdobrar-se em crescentes exigências para conseguir o visto,
documento que autoriza a entrada e a estada do migrante, a essa medida político-institucional
acrescentem-se as operações policiais do governo francês para combater a garimpagem
clandestina na Guiana Francesa. Com o adensamento desse domínio oficial, a situação
agravou-se até degenerar em confrontos abertos no rio Oiapoque envolvendo agentes
institucionais franceses e os brasileiros que partiam nas catraias de Oiapoque com destino à
Guiana Francesa.
23
ANA LÉLIA BENINCÁ BELTRAME. Informações sobre imigração e imigrantes brasileiros na Guiana
Francesa. Caiena, 22 de outubro de 2011. Palestra proferida no Club des Pacoussines em Rémire
Montjoly/Cayenne pela Cônsul Geral do Brasil na Guiana Francesa; anotações por Carmentilla Martins em
diário de campo.
24
Na viagem a Caiena em 2011 com objetivo de coletar dados, a pesquisadora identificou três barreiras de
fronteira, sendo a primeira em Saint-Georges e outras duas ao longo da estrada.
25
JEAN-MICHEL DUPUY. Informações sobre imigração e imigrantes brasileiros na Guiana Francesa.
Caiena, 25 de outubro de 2011. Palestra proferida pelo Commandant de Police, Etat-Major, Police aux
Frontiéres/DDPAF-Guyane no Rectorat (Reitoria de Educação) anotações por Carmentilla Martins em diário de
campo.
106
Até pouco tempo atrás não existia, devido à intensificação dos garimpos
clandestinos feito pelos policias franceses e alguns homicídios e algumas mortes que
ocorreram na área de garimpo, eles intensificaram essa fiscalização, então
impedindo que brasileiro pudesse é desembarcar em Saint-Georges, trabalhar
clandestinamente em Caiena, até na década de 80, década de 90, eles tinha um
acesso mais amplo, ou seja, a pessoa poderia trabalhar e depois de um ano já
automaticamente era documentada, pra pega uma séjour de trabalho, que são seis
meses, depois de um ano e depois de dez anos a séjour, onde, ou seja, brasileiro até
hoje estão lá! O presidente Nicolas Sarkozy implantou uma lei que as séjour não
seriam mais renovadas. Depois de dez anos, vencida automaticamente, ela perdia o
valor, a validade [e] o brasileiro tinham de retornar a seu país de origem, ou seja, o
Brasil. Impedido de voltar a trabalhar legal na Guiana Francesa. O presidente
François Hollande, agora o atual presidente da França, né, quer mudar, devido a esse
acordo do Brasil e da França, que é um acordo bilateral, acordo Binacional.
(E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE,
2013).
Soares (1995) afirma que em sua pesquisa de campo a Oiapoque, ainda quando
estava no ônibus que partiu de Macapá, teve a oportunidade de constatar que a grande maioria
dos passageiros era composta de pessoas que pretendiam chegar à Guiana Francesa. Essa
primeira impressão é pontuada pela autora ao referir-se a Oiapoque como um grande
acampamento, no qual os homens e as mulheres ficavam à espera por uma oportunidade de
entrar nos garimpos da Guiana Francesa (SOARES, 1995). Atualmente, durante o
levantamento de dados para esta tese observou-se que esse contexto pouco se modificou. A
constatação da mobilidade e do deslocamento remete ao entendimento de que Oiapoque é um
território que recepciona diversos indivíduos e em função disso a espera também faz parte de
seu cotidiano. Os indivíduos que aguardam para atravessar para a Guiana Francesa não têm
domicílio na cidade, mas a eles vinculam-se aqueles cuja fixidez no espaço é estreitamente
relacionada a essa espera e ao movimento que lhe é sucedâneo, os quais são percebidos como
estratégicos na sobrevivência, seja pela prestação de serviço (comerciantes), seja pela
manutenção de um sistema de transporte diário no e através do rio Oiapoque (catraieiros,
carregadores) – que existe em função desses grupos em espera para deslocar-se a Guiana
Francesa – que beneficia as comunidades que estão na subida do rio (moradores de Ilha Bela e
Vila Brasil), as quais sem esse sistema de transporte ficariam isoladas. Essa restrição à
mobilidade e ao deslocamento de pessoas no rio Oiapoque vincula-se de um lado ao ambiente
natural e de outro aos esforços dos agentes institucionais franceses e brasileiros para impedir
que garimpeiros, produtos, máquinas e equipamentos cheguem tanto aos garimpos
clandestinos na Guiana Francesa como ao Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque,
caso de serras elétricas. Como já relatado, as cachoeiras Grand Roche (lado francês) e Caxiri
(lado brasileiro) são pontos passagem e não existem outros. No caso da Grand Roche sua
configuração natural e localização, cria uma situação favorável ao controle e fiscalização dos
107
agentes institucionais franceses, mas para os brasileiros em movimento isso não deveria
acontecer. É interessante a concepção de fronteira que possuem os agentes em movimento, em
particular, quando se trata da travessia da Grand Roche, pois eles defendem que
tem uma pedra bem aqui chamado Rocha, que esse delegado da Federal bate muito
nessa tecla, que essa rocha fica no meio do rio então o rio é internacional, ela não é
nem do Brasil e nem da França. Ela é uma pedra no meio do rio, quero que vocês
batam foto lá. Lá tem uma rocha no meio do rio, coisa da natureza, tipo assim uma
ilha, uma rocha pelada, uma ‘pedrazona’,‘monstra’; que você caminha por cima,
passa pela França, carrega a canoa aqui e vai embora. Aí eu tenho os carregadores,
mais de quarenta homens trabalha tudo legalizado aqui, tem a associação. Tem hora
que você passa beirando aqui a ribanceira da França, tem hora que você passa
glosando aqui o lado do Brasil. Na Grand Roche, essa Grand Roche é porque já
aconteceram vários conflitos, lá o gendarme já pegaram [i.e. pegou] duas canoas
minhas e já cortaram. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE
FLUVIAL, 2013, grifo nosso).
Por exemplo, nós temos uma questão muito polêmica, o trânsito no rio de Oiapoque,
porque nós temos diversas cachoeiras e tem perímetro que o canal fica do lado
francês e tem perímetro que o canal fica do lado brasileiro, então muitas vezes os
franceses, com a questão de proibir mercadoria, óleo diesel de entrar pro garimpo
deles – garimpo que eles dizem clandestino – e muitas vezes eles esperam no lado
que o canal pertence aos franceses e abordam nossas embarcações, tomam toda
mercadoria e com isso gera o conflito por que o brasileiro não aceita também.
Porque nós temos uma comunidade chamada de Vila Brasil, onde muitas vezes essas
catraias estão levando mantimentos, gêneros alimentícios pra aquela comunidade
que existem muitos comércios e isso nós defendemos, porque lá é uma área de
comércio, a associação comercial, ela defende o comércio dos empresários e há
necessidade, porque aquela comunidade de Vila Brasil, eu tenho assim como
guardiã daquela área, antiga. E hoje então com essa questão do garimpo do lado
francês, que os brasileiros vão pra lá que eles dizem que é o garimpo clandestino.
Muitas vezes eles [os gendarmes] apreendem todinha a mercadoria, aonde para
aquela comunidade vai merenda escolar, vão gêneros alimentícios, não só pros
comerciantes, mas pra comunidade, medicamento e enfim, tudo que aquela
comunidade precisa, vai através do rio, porque o rio Oiapoque não pode ser
proibido, ele tem que ser livre, é transito livre no rio, mas aqui é considerado que do
meio do rio pra lá e francês, do meio do rio pra cá é brasileiro, então sempre tem
108
é uma dificuldade imensa pra passar ali no Grand Roche, que o nome lá é Grand
Roche, lá a gente chega e carrega a bagagem toda na costa, aí passa, mas a gente só
pode carregar quando a polícia francesa não tá, se a polícia francesa tiver a gente
não pode carregar, porque eles pegam a canoa, eles tocam fogo, tocam fogo na
mercadoria e eles ainda prende a pessoa, mesmo tendo nota fiscal, tudo, porque lá é
passagem, tanto pra eles lá, como pra nós daqui, pra eles lá eles não pede nota, não
pede nada, eles já vão pegando e queimando e algemando tudo. (E6/CATAIEIRA,
2013).
Ação oficial dos agentes institucionais franceses em definir o domínio estatal sobre o
deslocamento e a mobilidade dos brasileiros no rio Oiapoque expressa que se mantém na
fronteira Oiapoque-Guiana Francesa o sentido jurídico e político da fronteira, os brasileiros na
travessia da Grand Roche, ou os franceses na cachoeira do Caxiri são indivíduos que por um
tempo, que varia de alguns minutos a algumas horas ficam sob a jurisdição de um Estado do
qual não possuem nacionalidade, ou seja, “está aumentando o número de Estados que
possuem jurisdição sobre um número crescente de indivíduos que não são seus cidadãos
(REIS, 2007, p. 17)”. Mesmo em um intervalo de tempo relativamente pequeno, essa situação
revela um processo social internacional que envolve interações entre atores em seus
deslocamentos, os quais lutam para ter seu direito à mobilidade, assegurado. Pois, não
somente os brasileiros transcendem a fronteira, os franceses também. Por esse motivo, alega o
juiz de direito em Oiapoque que devem ser observadas as diferenças em termos de leis, pois
em caso contrário
visto, pega o carro dele, entra na balsa e vem, sem problema. (E7/JUIZ DE
DIREITO, 2013).
se o garimpo acabar mesmo, acaba tudo aqui. Porque esses dias tem um garimpo que
tá fechado pra ali [região do rio Sikini no alto da bacia do rio Oiapoque]. O
gendarme tá lá, o pessoal não pode trabalhar, aqui a gente vai nos comércios e o
pessoal é tudo se reclamando por causa desse garimpo lá que o gendarme está, mas é
assim, esse garimpo que tá fechado é o que mais dá renda pra cidade.Olha, na
verdade é o garimpo ilegal, né... Que eles [agentes institucionais franceses] não
querem que leve pra lá [pessoas e mercadorias para os garimpos], é isso que eles
alegam, mas só que aqui no Oiapoque a gente não tem... Assim... A gente não tem
uma fábrica, uma indústria, a gente não tem nada aqui pra trabalhar. Aqui tem umas
pessoas aqui que ganham do governo, eles trabalham na prefeitura, eles trabalham
na justiça do trabalho, no correio, mas é assim: numa casa tem três, um trabalha na
prefeitura e os outros trabalha no garimpo, é todo mundo que depende do garimpo
no Oiapoque, a maioria depende. (E6/CATRAIEIRA, 2013).
a gente tem essa dificuldade muito grande com essa relação do garimpo. Agora é
lógico que o garimpo aquece a economia do Oiapoque, hoje o Oiapoque, se fechar o
garimpo totalmente [...], eu digo que mais de 50% da economia vem do garimpeiro,
todo dia tá chegando garimpeiro com ouro, vendendo ouro e fazendo compra aqui
no município de Oiapoque, então o garimpo ainda é a salvação do Oiapoque, uma
das coisas que nós temos pregado muito na associação comercial, o Oiapoque
precisa do apoio do governo federal, governo estadual, melhorar essa cidade, precisa
de um banho de urbanização essa cidade, precisa melhorar a visão, esta cidade que
seja um atraente turístico, nós pensamos, a associação comercial, que a grande saída
do Oiapoque será o turismo, mas você sabe que o turismo, você precisa ter uma
cidade limpa, uma cidade organizada, com bons hotéis, calçamento, rede de esgoto.
(E3/COMERCIANTE DO SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013).
tratado de Utrecht em 1713. Essa conjuntura engendra interações entre policiais franceses e os
atores em movimento no rio Oiapoque; forma-se com isso uma configuração interativa
triangular: interagem brasileiros e brasileiros no e através do rio Oiapoque, como também
esse atores em movimento interagem com os agentes institucionais franceses, nessas últimas
interações entram em conflito as proposições e significações dos agentes: “Deus criou um
caminho para ser dividido por todos independente de quem é brasileiro quem é francês” (Ref.
Diário de Campo, Ilha Bela, 2013), nas palavras desse morador de Ilha Bela encontra-se a
objetivação de que os indivíduos agregam os territórios de modo inclusivo e no território
fronteiriço essas territorialidades vão descortinando os caminhos, alheias aos limites que
dividem soberanias e nacionalidades.
São essas circunstâncias que impõem a regulação ao trânsito no rio, as quais se
refletem na detenção de pessoas, na apreensão e queima de mercadorias, combustível,
medicamento, etc., na quebra de catraias e destruição de motores; e em atos que constrangem
as pessoas. O controle pretendido, que nem sempre se efetiva, sustenta-se em generalizações
do tipo “por que eles acham que toda a gente é garimpeiro, que tudo que vai é pro garimpo
(E3/COMERCIANTE SETOR DE CONSTRUÇÃO CIVIL, 2013)”; portanto essas
interpenetrações não são nem sempre justas, nem sempre positivas, mas sempre mutuamente
vividas e sentidas. Mas nem somente de conflitos e confrontos são feitas as interações
transfronteiriças em Oiapoque, entre os diversos entrevistados, muitos sustentam uma
esperança que no âmbito da cooperação fronteiriça entre Brasil e França se resolva a
problemática do garimpo que afeta a mobilidade e o deslocamento de pessoas no rio. Para
muitos dos entrevistados, existe uma expectativa de que a cooperação pode conduzir o
governo da França a uma revisão em sua legislação e com isso as relações fronteiriças
novamente serão amistosas.
Primeiramente as leis francesas, né, que elas impedem que nós brasileiros, todos
morador de fronteira. A gente vê várias cidades como ali... Cidade aqui no Brasil
que é [fronteira] com Foz do Iguaçu, que é ali com o Paraguai. A gente vê essa
política totalmente diferente daqui, porque as leis lá do Paraguai é diferente da
França, então tá a maior problemática pra que não avance essa cooperação sobre a
área de fronteira, eles [os franceses] não querem ceder de jeito nenhum. Por isso,
como eu falei, já poderia ter no segundo encontro transfronteiriço, já poderia ter uma
definição, mas até agora não se avança nada. (E1/ASSESSOR DE
COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).
Em síntese, nota-se que enquanto a entrada de brasileiros na Guiana Francesa não era
considerada um problema para os atores institucionais franceses, as interações
transfronteiriças eram pacíficas, situação que se modificou na medida em que esses agentes
111
passaram a restringir a entrada e operação dos brasileiros em seu território, desde então o que
vem acontecendo é:
E outra, esse negócio de fechar o garimpo. O que vocês acharam? Nós tivemos uma
queda muito alta aqui, em termo de fechamento do garimpo. Porque são as pessoas
que vêm pra cá e fazem o comércio funcionar, quando eles some, aí pronto! Parece
que o município para, parece não, o que eu vejo é que parou completamente.
(E4/IMIGRANTE RETORNADA E COMERCIANTE DO SETOR DE
HOTELARIA, 2013).
Atente-se que os “seres humanos não podem estar próximos ou distantes uns dos
outros sem que o espaço ofereça sua forma para tal (SIMMEL, 2013, p. 75)” e à luz desse
pressuposto se entende, por exemplo, o argumento do catraieiro de que “nós somos
fronteiriços com nacionalidade, com nome diferente, apenas o nome diferente, mas nós somos
amigos, nós somos irmãos e somos vizinhos, além de tudo, é o mesmo sangue humano, muda
apenas a nacionalidade, e nós nos respeitamos, nós fronteiriços Oiapoque–Saint-Georges, nós
nos respeitamos, entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013)”.
112
Bom, já tem o quê... Uns dois anos, eu fui a serviço, né, que além de eu trabalhar
com informática, eu trabalho com outras áreas, eu trabalho com termo de
comunicação, instalação de parabólicas e também internet, e eu fui fazer um serviço
em Saint-Georges, né, geralmente eu vou lá quando alguém me convida pra fazer
um serviço e eu vou, eu fui fazer um serviço e nesse dia eu saí da casa da senhora
que tava fazendo o serviço, é na casa da filha dela, é como se fosse atravessar uma
quadra e na hora a PAF [Polícia de Fronteira Francesa] ia passando e mandou eu
encostar, perguntou se eu tinha papel, né, eu disse que não tinha papel, aí eles me
autuaram na hora, só que não me algemaram, nem nada, me trataram superbem, aí
mandaram eu entrar no carro e eu fui lá pra delegacia da PAF, tem uma na frente da
cidade, mas a que o pessoal fica preso é na outra, que é lá perto de quem vai pro...
Lá na estrada de quem vai pra Caiena, e chegando lá o pessoal fez toda aquela de
praxe de quando você vai preso, tira as suas digitais, tudinho...Faz todas aquelas
perguntas de onde você veio, seu nome e nesse dia tinha uma brasileira lá, que tem
que ter né, um brasileiro para traduzir e... É um constrangimento, né, você nunca foi
preso e você ser preso por uma coisa que você não tá roubando, não tá matando é
uma coisa muito... constrangedor... Eu fiquei preso das duas horas até as sete da
noite... Lá pelo menos tem um ar-condicionado, tem um ar-condicionado que já
melhora um pouco, já ajuda, né, eu fiquei numa cela sozinho, né, tinha vários
brasileiros presos, tinha até um rapaz da Center Kennedy que é da loja aqui do
Oiapoque, ele foi instalar uma central de ar e ficou preso lá, no dia que eu fui lá, ele
foi preso antes de mim, uma hora antes, ele foi instalar uma central de ar, quando ele
ia fazer, prenderam ele, ele tava com a farda da Center Kennedy e tudo, de serviço,
com as ferramentas e tudo e foi preso assim mesmo. (E2/TÉCNICO EM
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
atenção que, nesse caso, o rio não é uma ponte no sentido de ser uma estrutura sólida
produzida pelo homem, mas é concebido para aproximar, associar, ligar e unir não somente
parcelas do espaço, mas interesses, os quais acabam por vincular os atores em um processo
material e mental que revela a disposição desses agentes em definir o perímetro de sua
circulação; esse movimento não tem comprometimento com o destino a ser tomado, pois é de
pouca importância a qual lado se direciona (SIMMEL, 1996).
Atente-se para o fato de que a problemática relativa ao controle e fiscalização das
instituições francesas ao deslocamento e à mobilidade entre os dois lados da fronteira
corresponde objetivamente em limitações aos itinerantes que cumprem diariamente trajetos no
rio Oiapoque. Entre os atores institucionais franceses e os atores brasileiros em movimento se
desenrola uma interação que se traduz em ampliações-contrações, esses agentes relacionam-se
no e através do limite fronteiriço de modo distinto, mas sua interação configura uma unidade
entre defensiva e ofensiva, num estado de conflito que pode degenerar em confronto. Os
entrevistados afirmam não entender porque os franceses podem circular livremente no rio e na
cidade de Oiapoque, seguindo viagem inclusive para Macapá, sem passar por nenhum
constrangimento relativo a abordagens das autoridades brasileiras, e o brasileiro que atravessa
para o outro lado não recebe o mesmo tratamento.
Eles [franceses] vêm de lá, eles podem circular aqui, andar tudo e é tudo liberado,
mas se for um de nós assim, por exemplo, eu chegar lá, for fazer alguma coisa, se a
polícia tiver por lá, prende todos os brasileiros, fica lá, passa o dia todinho preso, só
sai de tarde. Aí no caso, eles podem andar aqui, mas a gente não pode andar lá e pra
gente tirar um papel pra andar lá é a maior dificuldade também, aí não pode tá
tirando. (E6/CATRAIEIRA, 2013).
A passagem de brasileiros pra Guiana Francesa, até agora não foi definido ainda
como vai ser feito essa nossa entrada na Guiana Francesa, e só o que existe hoje é
que os franceses têm o livre acesso ao território nacional só com um carimbo no
passaporte deles e já o brasileiro pra acessar o território francês, quando ele
consegue, ele tem que pagar sessenta euros e tem que se deslocar seiscentos
quilômetros até Macapá, que é muito constrangedor se eu quiser comprar um vinho,
um queijo aqui em Saint-Georges, eu tenho que primeiro ir em Macapá, pagar
sessenta euros e entrar na Guiana Francesa, então pra quem mora em Oiapoque
realmente é muito transtorno, constrangimento e algumas vezes a população de
Oiapoque passa constrangimentos ainda maiores, de ser até presa quando não tem
passaporte, não tem visto no passaporte, eles são detidos em Saint-Georges e passam
por até um dia inteiros. (E8/JORNALISTA, 2013).
Para esses indivíduos o que existe é a relação que mantêm com esse território, que é
visto como “seu chão”, o argumento se aproxima da concepção de Rosa Medeiros (2009) de
que o território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa foi produzido da ação inclusiva das
subjetividades. “A fronteira delimita o território, marca o espaço de sobrevivência, o espaço
114
de força. É este o espaço defendido, negociado, cobiçado, perdido, sonhado cuja força afetiva
e simbólica é forte (MEDEIROS, Rosa, 2009, p. 217)”. A circulação de itinerantes se impõe
recorrentemente nos encontros da Comissão Mista Transfronteiriça Brasil-França, primeiro na
retórica dos representantes franceses e brasileiros, os quais afirmam a necessidade de
regulamentar com instrumentos jurídicos à circulação transfronteiriça, considerada
indispensável ao desenvolvimento da própria cooperação na fronteira; segundo na dificuldade
em chegar a um consenso quanto às formas de mobilidade e o perímetro geográfico em que
será admitida. Ao ser suscitada a possibilidade de ampliar a circulação de pessoas no território
Oiapoque-Guiana Francesa – inclusive com o estabelecimento de repartições consulares tanto
do Brasil, quanto da França – em virtude da proximidade de inauguração da ponte Binacional,
a delegação francesa
lembrou que a isenção de vistos para a Guiana não é uma opção neste momento. O
lado francês ressalta também que restrições orçamentárias do governo francês não
permitem considerar a abertura de repartição consular em Oiapoque. A delegação
brasileira reiterou a importância desse consulado no sentido de facilitar a circulação
de pessoas entre Brasil e Guiana. (BRASIL/COMISSÃO MISTA
TRANSFRONTEIRIÇA BRASIL-FRANÇA, 2009, p.8).
Os brasileiros cada vez mais eles foram, né, se deteriorando eles mesmos, praticando
esses delitos, estuprando mulheres, roubando as casas quando nós chegamos na
Guiana, minha família chegou é... Eles têm uma espécie de habitação que eles
chamam... É essas pequenas casas, pequenas fazendas, eles largavam tudo, os
brasileiros vão agora lá agora e roubam tudo, roubam, não furtam e tudo isso foi
criando esse sentimento de xenofobia contra o brasileiro, e agora... Hoje em dia
apesar de ter muito brasileiro eles não gostam de brasileiro mesmo, não gostam
mesmo porque eles acham que todo brasileiro que vai pra Guiana ou é ladrão ou é
mal feitor ou quando é mulher é prostituta. (E17/IMIGRANTE RETORNADO,
2013).
QUE no confronto com a polícia francesa, ocorrido em junho passado, atirou contra
os policiais franceses, e dois deles morreram; QUE três de seus amigos também
morreram naquela ocasião; QUE os disparos contra os policiais foram feitos com
fuzis AR-15; QUE “fui eu quem atirou no helicóptero”; QUE tem certeza que foi um
tiro seu que matou um dos policiais franceses; QUE tem certeza que o outro policial
morto foi atingido por um tiro do seu colega “BAXADA”; QUE os seus três
colegas, que agora não lembra os nomes, foram mortos em cima da montanha.
(BRASIL/MJ, 2012, grifos do autor).
116
Muitos problemas nós temos aqui, políticos entre os dois países, muitos acertos
foram feitos em Brasília, não foi discutido com a população, um dos problemas aqui
é que o brasileiro, ele não pode nem adentrar em Saint-Georges, ele tem parece-me
que cem metros pra poder circular, e isso ainda vai lá como se tivesse escondido,
enquanto que o francês vem aqui, adentra, pinta e borda, como se fala no popular, e
vários problemas já foram detectados com relação a isso. (E5/PROFESSOR E
ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
“O que a gente vê aqui todo dia é o brilho de ouro nos olhos de um pessoal que não
são nem daqui”, essa frase foi pronunciada por um carregador no porto de embarque na orla
fluvial de Oiapoque por ocasião de uma conversa sobre o controle realizado pelas instituições
francesas ao tráfego das catraias e canoas (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007) e entende-
se que a intenção do informante era fazer referência ao fato de que os garimpeiros que
embarcam com destino aos garimpos na Guiana Francesa em sua grande maioria, não são de
Oiapoque, vêm esses indivíduos de outros lugares, são paraenses, maranhenses, piauienses e
uma pequena quantidade de amapaenses.
Isso reflete que a migração internacional de brasileiros para a Guiana Francesa é em
parte uma continuidade de migrações internas, são brasileiros excluídos dentro de seu país
que fecham essa porta para buscar em outro país uma inclusão econômica. Essa temática foi
abordada por Soares (1995) que identificou pequenos agricultores – expropriados de suas
terras – que se deslocaram do Maranhão para o Amapá e daqui para Guiana Francesa em
busca de alternativas de sobrevivência, que no caso da fronteira do Oiapoque significou a
atividade de extração de ouro. Essa ideia de que a existência do garimpo clandestino é devida
a falta de oportunidade no Brasil em se ter condições dignas de vida se expressa em retóricas
que buscam demonstrar que a vida no garimpo não é fácil, mas ainda assim é melhor, pela
chance de ganhar em média € 30 mil com a venda do ouro extraído em um mês de trabalho.
Desse ganho 30% para garimpeiros legalizados ou 50% para garimpeiros clandestinos é
destinado para as despesas com sustento, depreende-se, portanto, porque em Oiapoque existe
um senso comum da importância dos garimpos. O enunciado do carregador lembra o “sonho
118
Tá virando uma guerra, só que a notícia das mortes não chega no resto do Brasil.
Agora imagina se fosse um gendarme e nós brasileiros tivéssemos ali no garimpo e
matasse três gendarme, dava uma guerra, porque é rapidola... Era avião, helicóptero,
era capaz de bombardear o pessoal que tem lá, mas nunca foi morto um gendarme
por brasileiro. Agora pergunta quantos brasileiros já foram mortos por gendarmes e
ninguém diz nada, é igual tá matando rato. (E18/PESSOA ANÔNIMA, 2013).
Só que a pergunta é a seguinte: nós têm garimpo ilegal? Não! Nós não têm garimpo
ilegal. Quem tem garimpo ilegal é a Guiana, então esses acordos têm que ter essa
política pública, a gente tava conversando hoje de manhã pra rever essa situação,
porque cada país tem sua soberania, nunca vi isso de você ter direito de adentrar no
país dos outros e decidir alguma coisa. Então, assim, é ainda uma situação muito
longe de ser resolvida, é um problema sério que a gente tem... Pra gente que vive e
mora aqui! Sempre tá acontecendo de um brasileiro matar um francês, um francês
matar um brasileiro. Então são feridas aí de quatrocentos anos, desde a época dos
tratados, até hoje ainda tá... Ainda tem essa cicatriz aberta. (E5/PROFESSOR E
ASSESSOR DO EXCUTIVO MUNICIPAL, 2013).
Para aqueles que se deslocam para Guiana Francesa, garimpeiros ou não, com ou
sem documentos, Oiapoque não é fronteira ponte, é a fronteira porta, na qual o unir e o
separar aparecem mesclados, e tal mescla se revela no deslocamento de brasileiros que
atravessam para a Guiana Francesa com a intenção de lá se fixar, ou por lá permanecer um
tempo. Ou seja, na fronteira porta se desvela a intencionalidade do agente: de onde deseja sair
e para onde deseja entrar. O exemplo mais emblemático dessa afirmação se obteve nas
entrevistas com os carregadores, pois alguns eram garimpeiros que atuavam no departamento
francês na ilegalidade e desistiram do “sonho dourado” vindo trabalhar em Oiapoque como
carregador, pois segundo afirmaram: “cansei daquela vida, que não é vida de um filho de
Deus, lá [nos garimpos] a gente vê de tudo, é droga, é morte, é malária, é tudo que não presta,
tudo lá é ruim (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013)”.
26
Ao utilizar as metáforas da ponte e da porta construídas por Simmel (1996) se
torna possível apreender a vocação do agente em pensar a fronteira Oiapoque e dessa imagem
constituir a união ou divisão: “a ponte vai mostrar como o homem unifica a cisão de ser
puramente natural, e a porta, ao contrário, como deste ser natural ele cinde a uniformidade
contínua (SIMMEL, 1996, p. 14)”; dito de modo objetivo, o itinerante é aquele quem percorre
o rio como caminho, itinerário por onde se movimenta ligando lugares; já o migrante é aquele
que está saindo, fechando a porta para uma realidade e abrindo para outra, na qual acredita
encontrar uma melhor condição de vida, ainda que muitas vezes não seja necessariamente isso
que encontre na Guiana Francesa.
Ao considerar-se que quando um indivíduo penetra em determinado ambiente cuja
dinâmica própria é resultante de um complexo de fatores socioculturais, poder-se-á definir
que as ações daqueles que chegam a Oiapoque com destino à Guiana Francesa, bem como
daqueles itinerantes que se valem do sistema de transporte fluvial, são influenciadas por
imaginários sociais. Essas criações coletivas resultantes das formas como são percebidas as
condições existenciais de vida mediam as percepções da fronteira, de um modo diferente da
fronteira-símbolo convencionado por Brasil e França ao findar o século XIX. Assim sendo, na
primeira atribuição, os significados são mais polissêmicos não estando limitada ao referente,
que no caso seria o talvegue do rio Oiapoque. Tais imagens operam cotidianamente e são
relativas à prosperidade e a melhor qualidade de vida que emanam da Guiana Francesa e é
esse imaginário social que sustenta a mobilidade e os deslocamentos na e através da fronteira
no sentido Oiapoque-Guiana Francesa. Esses fenômenos relativos ao trânsito no rio Oiapoque
26
Ao analisar as formas estéticas com as quais o indivíduo confere visibilidade e durabilidade ao fluxo da vida –
composto tanto por interioridades como por exterioridades – pelo qual se cumpre sua realidade.
120
têm os seguintes desdobramentos: o primeiro remete a efetivação das interações sociais entre
os agentes localizados nos dois lados da fronteira e nesse caso a fronteira é dinâmica, pois seu
sentido de exclusão é eliminado pela intenção dos agentes em realizar suas motivações; o
segundo acontece quando a partir desse movimento ocorre a transgressão de seu sentido
jurídico e político, o qual simboliza o monopólio da legitimidade da mobilidade (REIS, 2007),
ou seja, como um controle sobre quem entra e quem sai do território nacional e do qual nasce
a conflitualidade entre agentes institucionais franceses e brasileiros.
Nessa direção, é pertinente retomar a afirmação de Póvoa Neto (2007) de que a
ênfase no território como espaço de controle mantém nexos bem estreitos com dimensões de
poder envolvidas que se cristalizam na imposição da disciplina sobre a mobilidade e no
controle aos deslocamentos. Até o momento de desenvolvimento do estudo o que de fato se
verifica é que a cooperação fronteiriça Brasil-França tem como efeito mais sensível conferir
maior visibilidade às dinâmicas populacionais na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa e que
isso se faz acompanhar pelo exercício de poder que reforça a exclusão dos agentes por meio
do disciplinamento da mobilidade e da interdição dos deslocamentos na e através da fronteira,
que em termos objetivos é o rio Oiapoque.
4 A COOPERAÇÃO: SENTIDO LOCAL.
conduzirá ao fluxo incessante daquilo que é por eles vivido, sentido, agido (NEVES, 2011).
Também desvelará como eles se articulam para manter sua autonomia e singularidade, ainda
que sejam indivíduos heteronímicos em virtude de residirem no entorno da fronteira
internacional. Acredita-se que ao capturar tais manifestações torna-se possível extrair os
padrões sobre os quais se ergueu a vida social e se a cooperação é uma mudança que inclui ou
exclui. O texto apresenta inicialmente os “dizeres locais” sobre a cooperação fronteiriça
buscando com isso capturar nessas expressões idiomáticas – nascidas do cotidiano vivido – a
convergência de percepções que revela a existência de uma opinião pública oiapoquense. Em
seguida a discussão é desenvolvida com análise dos procedimentos adotados pelos agentes
para influenciar determinantemente as decisões políticas que são tomadas no âmbito da
cooperação fronteiriça e que afetam ou podem afetar sua cotidianidade e historicidade.
Ao tomar como premissa de que a cooperação fronteiriça franco-brasileira relaciona-
se aos movimentos da globalização, perfila-se com Giddens (2008) em sua observação sobre a
reflexividade entre o global e o local; nessa intersecção as coletividades são desencaixadas de
seus contextos mais imediatos, àqueles das práticas mais recursivas, no qual os reencaixes
individuais e coletivos se realizam, ainda que em temporalidades heterogêneas, podendo ser
mais rápidos ou mais lentos. Com a apresentação desse sentido local fecha-se o conjunto de
alegações quanto à existência de uma condição de transfronteiricidade em Oiapoque
(fronteira, cidade e rio). Na construção conceitual da condição de transfronteiricidade tomou-
se como objeto de estudo as interações sociais para além e através da fronteira de Oiapoque;
e, por conseguinte, as práticas que efetivam o contexto interativo, quais sejam: a mobilidade e
os deslocamentos no rio.
franceses, guianenses e indígenas, mas com eles “os gendarmes não faziam nada, o caso deles
é perseguir os brasileiros mesmo (Ref. Diário de Campo, Macapá, 2007)”. Isso remete a tese –
ainda que, com a ressalva, de se tratar aqui de deslocamentos temporários – que explica serem
os migrantes internacionais caracterizados como excedentes, indesejáveis, subversivos,
onerosos, em síntese uma ameaça à estabilidade social do país receptor.
Essas representações que estigmatizam os migrantes brasileiros foram pontuadas por
Hidair (2008) ao realizar uma revisão da história dos fluxos migratórios de brasileiros para a
Guiana Francesa e, por conseguinte, elucubrar sobre as razões da discriminação e da
imputação de estigmas aos brasileiros em sua incrustação socioeconômica. 27 Destarte, a
autora alega que “As razões pelas quais os brasileiros são estigmatizados são variadas e se
alteram ao longo do tempo, o que mantém a imagem negativa dessa imigração. Dentre os
temas decorrentes da discriminação, encontram-se o garimpo clandestino, a insegurança e a
prostituição (HIDAIR, 2008, p. 133)”. Os dados recolhidos nas entrevistas com imigrantes
retornados também expressam que na Guiana Francesa existem preconceitos e estigmas que
tipificam o brasileiro de modo pernicioso. Os brasileiros informados acerca desses
preconceitos acabam formulando um conceito sobre a cooperação fronteiriça franco-brasileira
que se afasta daquele anunciado pelas retóricas dos agentes estatais nos encontros da
Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil. Os excertos a seguir contrapõem essas duas
formas de compreensão:
Eles acham que o brasileiro vai tirar o emprego dos guianenses, né, e fazendo
serviço barato, por exemplo, tem a construção de uma casa o guianense pede o preço
da tabela deles, eles têm uma tabela, vai o brasileiro por trás e faz pelo terço desse
27
Os primeiros a empreenderem esforços para explicação sociológica das migrações foram os estudiosos da
Escola de Chicago. As ponderações giravam em torno das questões relativas à integração ou não dos migrantes
nas sociedades receptoras, bem como sua assimilação cultural e estrutural. O termo melting pot foi cunhado para
explicar que a sociedade estadunidense serviria como um crisol de culturas, depurando os imigrantes em termos
culturais, de modo que esses indivíduos seriam americanizados; contudo, isso não significaria um total abandono
de seus valores e modos de vida. Esse pressuposto não se concretizou, pois ao contrário do que preconizava o
melting pot, os grupos de imigrantes converteram-se em grupos étnicos afirmando sua diversidade (SASAKI;
ASSIS, 2000).
125
preço e aí há uma competição desleal, né, concorrência desleal e tudo isso faz com
que eles criem esse sentimento de repulsa, de raiva nos brasileiros, principalmente
agora que vai muita gente, vai muita gente, inclusive vai até de menor que eles vão
clandestino. [...] Eu acho que não existe essa cooperação sabe... É só um discurso,
um discurso falso, porque na realidade não existe, são países de lei totalmente
diferente, né. Lei totalmente diferente. Eles [franceses] colocam como se fosse o
garimpo, mas não é só o garimpo, acho que a principal dificuldade são os delitos
cometidos por brasileiros na Guiana Francesa, são muitos... É todo dia, todo dia,
roubo, furto, agora estupro, às vezes matam. É, então, a principal dificuldade é essa,
não tem perspectiva mesmo de haver uma cooperação que [i.e. como] eles chamam.
Como é que vai haver cooperação?(E17/IMIGRANTE RETORNADO, 2013).
Como citado por Hidair (2008), um dos motivos da estigmatização dos brasileiros é a
garimpagem ilegal de ouro. Para resolver essa problemática os governos do Brasil e da França
firmaram um acordo no ano seguinte (2008) com a finalidade de desestruturar esta atividade
em zonas protegidas ou de interesse patrimonial. O instrumento tem por escopo organizar
ações entre instituições dos dois países para eliminar esse tipo de atividade no território
fronteiriço da Guiana Francesa. Na mensagem encaminhada pelo Ministério das Relações
Exteriores ao Congresso Nacional, ao iniciar sua tramitação como projeto de lei, assim se
justifica sua relevância:
Esse acordo desde sua assinatura e mesmo antes da sua aprovação (ocorrida em
dezembro de 2013) desencadeou maior rigor quanto à vigilância, reservas, apreensões e
embargos relativos à prática dos brasileiros de transcender a fronteira. Não se pode esquecer
que a sustentabilidade da migração e da extração de ouro – mesmo proscritas pelo governo
francês e implicando em restrições em sentido ampliado – acabou por se constituir em fator
impulsionador da economia oiapoquense “porque o garimpeiro quando vem, compra uma
camisa, usa a catraia, usa o hotel, usa o restaurante, usa o banco pra remeter o dinheiro pra
cidade dele (E10/CATRAIEIRO, 2013)”. Nessa direção, o argumento de Póvoa Neto (2007)
126
a França, hoje ela ainda tem uma lei, que é lei da França, por ser um departamento
francês aqui a Guiana Francesa, mas regido pelas leis francesas, então impede que
muitos brasileiros possam fazer suas compras lá na cidade de Saint-Georges devido
essa parte de documentação, eles querem uma documentação, querem uma séjour,
127
querem um passaporte [para] que eles possam permanecer lá. Só que toda cidade de
fronteira, todos os fronteiriços que moram em cidade de fronteira, eles têm livre
acesso de poder das sete horas da manhã até as dezoito horas permanecer na
fronteira, fazer suas compras e voltar, mas infelizmente não tá tendo isso, nós não
temos esse acesso até Saint-Georges. (E1/ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DA
PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013).
Fica-se confiante de que isso remete a limites, não físicos, mas sociológicos, àqueles
que são estabelecidos nas interações. Verifica-se que definir critérios políticos para distinguir
categorias sociais e seus respectivos papéis numa determinada população que está localizada
em certo território, significa constituir uma hierarquia, na qual são constituídos limites para
separar indivíduos singulares e coletivos que estão em contiguidade espacial. Ao tratar de
limites lembra-se Simmel (2013) em seu postulado de que os limites operam sobre as
interações sociais, de sua perspectiva, o limite demarcado por uma figuração exerce duas
funções, tanto ele a separa e a singulariza em relação a outras unidades espaciais, quanto ele
pressiona seus membros à coesão ou à divisão.
O Estado territorial ao delimitar suas fronteiras externas – seja pela apropriação de
um elemento natural constante no espaço, tal como um rio ou uma cadeia de montanhas, seja
pela fixação de marcos – procede a impressão na totalidade espacial dos limites de sua
unidade interativa, na qual “a relação funcional de cada elemento com qualquer outro, ganha
sua expressão espacial no limite que a emoldura (SIMMEL, 2013, p. 79)”. Contudo, se o
limite físico convencionado pelos Estados tem uma existência ideal, no caso de limites
dispostos politicamente destinados a separar os imigrantes e/ou estrangeiros dos membros de
sua própria unidade nacional – como em particular a situação dos brasileiros na Guiana
Francesa, independente do tempo de sua permanência – , sua solidez se revela em
intervenções no cotidiano vivido pelos indivíduos.
Ao aplicar essa concepção para pensar as situações conflituosas envolvendo
brasileiros e gendarmes em torno da passagem através e além do limite fronteiriço que é o
talvegue do rio Oiapoque, como também o impedimento do desembarque de brasileiros na
vila de Saint-Georges; fica-se com o entendimento de que os agentes institucionais franceses
ao cumprir a “lei da França no departamento da Guiana Francesa (E1/ASSESSOR DE
COMUNICAÇÃO DA PREFEITURA DE OIAPOQUE, 2013)” estabelecem limites entre
indivíduos que são conviventes justamente por estarem próximos espacialmente. Isso se
espelha na desarticulação de práticas sociais recorrentes que compõem o fluxo da vida desses
indivíduos, afetando, por conseguinte, aquilo que Domingues (2003) chama de “horizonte
128
menos móveis que somente a longo prazo tendem a mudar (DOMINGUES, 2003, p. 473)”.
Assim sendo, perfila-se com a concepção simmeliana de como o limite
envolve uma interação bem peculiar. Cada um dos dois elementos exerce efeitos
sobre o outro ao estabelecer-lhe o limite, mas o conteúdo desse efeito é justamente a
determinação de não querer ou não poder operar para além desse limite; ou seja,
sobre o outro. Se essa noção geral da limitação recíproca deriva do limite espacial, já
numa análise mais profunda esse último é apenas a cristalização ou espacialização
dos processos limitadores anímicos, os únicos de fato reais. Não são os países nem
os terrenos, nem o distrito urbano nem o rural que se delimitam reciprocamente; mas
os habitantes ou proprietários exercem o efeito recíproco que acabo de apontar.
(SIMMEL, 2013, p. 81, grifo do autor).
Além da migração e dos garimpos, outro assunto muito citado nos ‘dizeres locais’ é
relativo à criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque e suas consequências
para as comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil localizadas em sua área. Queixam-se os
moradores dessas comunidades de estarem sendo “perseguidos”, inicialmente pelo Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (IBAMA) e depois com a divisão
institucional em 2007 pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
(ICMBio). De certo que o problema indicado sempre faz menção às fiscalizações efetuadas
por agentes institucionais franceses e/ou brasileiros e que além de afetar a mobilidade pelo rio
Oiapoque estavam acarretando muitos prejuízos e constrangimentos. Alegavam os indivíduos
que a cooperação não estava trazendo um bom resultado, pois eles entendiam que a parceria
entre instituições da França e do Brasil se manifestava em ações de controle e fiscalização ao
trânsito pelo rio Oiapoque, tanto que em suas falas aludiam de modo indignado ao fato do
Exército brasileiro estar “guarnecendo a fronteira da França e humilhando os brasileiros”
(Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2007).
o beneficio é para eles [franceses], são eles que vão lucrar, porque nós não podemos
ultrapassar, até pra nós ultrapassarmos, olha a diferença: é, por exemplo, se eu
comprar um carro hoje, eu tenho que pagar IPVA, imposto, tudinho, tem que ter um
seguro, não é? O que acontece? Mesmo eu pagando aqui, não vale lá! Vale pra nós
aqui, não vale lá! [...]. Porque lá se eu não me engano são noventa dias pra trocar os
pneus, todinha umas regras, então geralmente nem todos os brasileiros vão ter essa
possibilidade de chegar [e dizer]: eu vou passar pra Guiana, vou até Caiena, Não vai
conseguir, porque talvez o seu carro não consiga suprir as exigências deles, também
tem que ter, no caso, a carteira internacional. (E2/ TÉCNICO EM INFORMÁTICA
E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
Na imagem (figura 16) nota-se a placa onde está escrito a palavra “PARE”, que
simbolicamente inscreve na percepção de seu leitor qual o sentido do fluxo que pela ponte irá
passar. Esses dados ao serem considerados em associação parecem corroborar o argumento de
que a cooperação fronteiriça tem para além das prerrogativas relativas a parcerias para
desenvolvimento de infraestrutura, pesquisa cientifica e tecnológica e de prevenção (saúde,
meio ambiente, defesa civil e criminal, etc.) uma dimensão disciplinadora e interventora com
foco no território Oiapoque-Guiana Francesa e seus habitantes.
130
tá havendo cooperação pro lado daqui, né? Porque a gente deixa os franceses entrar
com carro, com tudo, mas vai daqui pra lá, você não entra de jeito nenhum! Não
entra! Toda quanta é espécie de dificuldade eles colocam. E aquela ponte dizer que
vai facilitar, não vai facilitar nada! Vai facilitar o quê? Pra exportação de produtos
agrícolas daqui pra lá ou então pra que eles venham também utilizar o cais daqui.
Porque o cais deles lá é muito oneroso pra Guiana Francesa, eles têm que todo
tempo fazer a dragagem, a dragagem, dragagem... Se você foi na Guiana Francesa
você viu, a frente de Caiena tá só um manguezal, até caranguejo tem lá na frente e
aquilo não era assim não, não era assim! Ela ficou assim com a dragagem do porto
Dégrad-des-Cannes que eles fizeram pra receber navios então aquela lama que eles
dragam lá o mar joga tudo pra cima de Caiena. Que ali eram praias lindíssimas.
(E17/IMIGRANTE RETORNADO, 2013).
espacial, há bem mais que isso nesse relacionamento de Oiapoque com a Guiana Francesa:
nele intercambiam-se experiências de poder, materiais e simbólicas que se projetam, em
maior ou menor intensidade, nas formas como esses atores se representam na vida coletiva, de
maneira que, na convivência,
cada um desses indivíduos tem seu comportamento conduzido por outro, cujo
desenvolvimento é de algum modo diferente, e provavelmente nenhum se comporta
exatamente como o outro; em nenhum indivíduo se encontram postos lado a lado, o
elemento que o iguala e o elemento que o separa dos demais; ambos os elementos
constroem a unidade indivisível da vida pessoal. (SIMMEL, 2006, p. 11).
Ilha Bela e Vila Brasil, os quais têm se organizado em associações e sindicatos para
mobilizações locais em favor de suas demandas, em especial da liberação do direito de
deslocar-se pelo rio sem terem que enfrentar repressão.
Se para esses atores os efeitos são danosos, não são menores para outros grupos na
cidade de Oiapoque; por exemplo, os agentes institucionais da prefeitura da cidade passaram a
atuar como atores políticos junto a Comissão Mista Transfronteiriça França-Brasil
apresentando a esse comitê as demandas locais na esperança de que seja dado um tratamento
adequado aos temas polêmicos: migração e garimpagem ilegais (Ref. Diário de Campo,
Oiapoque, 2013). Argumentam estes agentes que o fracasso em resolver tais pendências
acarreta complicações sérias aos usuários do transporte fluvial pelo rio Oiapoque, que
defendem deve ser
de livre acesso, como se fosse uma via mesmo, sem restrição de nada, você pode
usar o rio, mas a partir do momento que a canoa brasileira aportasse no lado francês,
aí sim, eles iam ter o poder de pegar, prender e fazer devido às leis deles, não é? [...]
A ideia do rio se transformar numa zona internacional livre, porque aí a partir do
momento que a pessoa pisar do lado de lá, eles estão no direito de fazer todo o
processo, se for pra prender, porque aí é um direito deles. Mas o rio deveria ser livre
acesso pra todos, porque não tem como demarcar o rio todo, até porque se fosse
demarcar o rio todinho, eles não iam conseguir passar, porque no rio existem canais,
existem os canais pra isso: a canoa vem pesada e ela vai ficar presa no raso e tem o
canal, então tem horas que o canal é do lado francês e tem horas que o canal é do
lado brasileiro, então eles não podem fazer isso. (E2/TÉCNICO DE
INFORMÁTICA E ASSESSOR DO EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
relação com o grau de suspeita atribuído aos agentes de mobilidade como ameaças de crime,
de imigração indesejada e terrorismo (SHAMIR, 2005).
Mesmo que, de maneira geral, os embates entre gendarmes e brasileiros tenham
acontecido de modo esporádico, não se deve subestimá-los, pois criaram um clima de tensão
permanente na fronteira entre Oiapoque e Guiana Francesa, a qual em escala local sempre foi
caracterizada como pacífica, tanto que até o período citado prevalecia certo descuido na
fiscalização fronteiriça, sendo muito comum brasileiros e franceses atravessarem a fronteira e
circularem no território vizinho sem ter que apresentar outro documento senão o passaporte
(Ref. Diário de Campo, 2007). Em relação à vigilância nas fronteiras amazônicas, cumpre
chamar atenção, para o fato de que quando se trata de mobilidade transfronteiriça,
frequentemente se processa em operações institucionais pontuais; enquanto que no cotidiano,
os transeuntes na maioria das vezes precisam somente de um documento de identidade para
atravessar a fronteira. Todavia, não se tem por pretensão assegurar que essa flexibilidade
implique na ausência de problemas nessas áreas, ao contrário, nelas se estabelecem redes e
organizações criminosas e ilegais (MACHADO, 2007), bem como muitos são os tumultos
decorrentes dos deslocamentos motivados pela busca de recursos minerais, em particular o
ouro, a exemplo das fronteiras do Brasil com a Bolívia ou com a Venezuela ou com o
Suriname. Note-se que inspirados na União Europeia os países sul-americanos buscam
implantar acordos para tratamento da mobilidade de pessoas, mas isso vem se mostrando
pouco efetivo, e no caso da cooperação fronteiriça franco-brasileira não está sendo diferente,
pois nas reuniões da Comissão Mista o tema é apresentado e em torno dele se constituem
expectativas, mas até o momento de elaboração desta tese nenhuma proposição chegou a
concretizar-se.
sobre os possíveis benefícios coletivos que a cooperação teria trazido para Oiapoque, quanto
ao primeiro prevalecem sentimentos de decepção e indignação: “Ainda não, até agora ainda
não houve, nem a ponte! Até agora ainda não houve compensação, nem benefício, ainda não!
(E10/CATRAIEIRO, 2013)”; enquanto para o segundo a cooperação “Não trouxe nada até
agora, só atrapalha, porque os franceses não vêm mais pra cá por causa dos atritos que
acontece entre [i.e. com] os garimpeiros, entendeu? Aí não tão vindo mais pra cá, tão indo pro
Suriname (E10/COMERCIANTE DO SETOR DE TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).”
A mobilidade observada na fronteira Oiapoque-Guiana Francesa também requer que
se reflita sobre a decisão pelo deslocamento espacial, que se entende ser presidida pelo
cálculo custo/benefício; acredita-se, portanto, que a decisão pelo deslocamento é um
investimento econômico, na medida em que pode dinamizar objetivos individuais por
melhores condições de existência material. Cabe lembrar que isso tem vínculos com as
assimetrias socioeconômicas entre Brasil e França, e dessa forma, é plausível aceitar que as
diferenças de condições de vida entre brasileiros e franceses consolidam a decisão econômica
dos primeiros em transcender a fronteira. A localização desses agentes acaba por criar uma
estrutura objetiva de atividades, a qual delineia o contorno territorial de Oiapoque extensivo
para a Guiana Francesa (SIMMEL, 2013). Depreende-se que a escolha pelo deslocamento é
orientada por motivações que ultrapassam a fronteira; pois é certo que investimentos que
alteram a estrutura de determinados territórios passam a incidir na distribuição espacial de
estabelecimentos humanos e isso, em graus diferentes, pode ampliar ou reduzir as margens
para as práticas migratórias, como também interferir na sustentabilidade desses movimentos
(PORTES, 2008).
Todas as ideias inferidas trouxeram a compreensão de que o território Oiapoque-
Guiana Francesa é produto de territorialidades que delineiam seu contorno. Argumenta-se que
existem duas territorialidades que foram e são definitivas nesse desenho territorial, quais
sejam: a territorialidade do Estado; as territorialidades dos agentes locais. Nelas se identifica
relações entre indivíduos e destes com as propriedades no espaço (RAFFESTIN, 2009). No
primeiro caso, os agentes institucionais definem relações de poder com o território e, nesse
sentido, eles têm propriedades que são manipuladas para a exclusão, fato que se materializa
nos conflitos entre gendarmes e brasileiros ocorridos na cachoeira Grand Roche, bem como
no embargo ao desembarque em Saint-Georges, situações já devidamente indicadas
anteriormente.
Quanto às territorialidades dos agentes locais, elas estão na ordem do cotidiano e se
efetivam na mobilidade e deslocamentos para além e através da fronteira, se acredita que
135
expresso nas práticas de gestão local com a exclusão dos indivíduos. Dessa perspectiva, a
reconfiguração das fronteiras se desdobra tanto em suas funções como em sua materialidade,
e os indivíduos passam a ser influenciados, senão determinados, por aparelhos técnicos e
jurídicos de controle que acionam práticas de repressão, as quais sinalizam a expulsão e seus
efeitos de poder na rede de circulação.
O processo de construção da cooperação fronteiriça franco-brasileira mostra que
somente a constituição de um quadro institucional não é suficiente para que propostas
transformem-se em ações de resultados concretos. O que é preconizado pela cooperação tem
de adentrar no cotidiano dos atores locais, para dele capturar valores, penetrar no tecido das
interações e das práticas sociais gestadas em modos de viver sob o efeito da vizinhança, que
engendra ações com referência ao outro, com o outro e contra o outro (SIMMEL, 2006),
sendo que neste caso o outro pode ser um estrangeiro ou um brasileiro.
Ainda que façam parte da mesma realidade semântica, há diferença entre interação e
cooperação. Ao tratar de interação lhe reconhece sua maior abrangência já que sua realização
implica em reciprocidade e recorrência no fluxo incessante da vida (SIMMEL, 2006),
enquanto que a cooperação pode ser desenvolvida em diálogos e ações pontuais, sem que
obrigatoriamente chegue a constituir um contexto interativo. Os fundamentos psicológicos
dos agentes que vivem em um território fronteiriço são construídos num movimento regular
entre o nós e os outros, cujos processos de sociação são bastante distintos. Esse estar próximo
e estar distante opera na constituição de convivências que geram uma maior afirmação
identitária com o território, sendo de somenos importância se Brasil ou França, importando o
reconhecimento mútuo de que “nós somos fronteiriços! Antes não era assim.”; da exclamação
depreende-se de onde surge o sentimento de indignação entre os agentes locais quanto ao
comportamento dos agentes institucionais franceses (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013).
Pelo exposto já se pode assegurar que o controle na fronteira imposto pelos agentes
institucionais franceses por afetar a mobilidade e os deslocamentos dos brasileiros no rio
Oiapoque transformaram a questão em problema público e esta demanda está na pauta das
reuniões da Comissão Mista Transfronteiriça, sem que haja qualquer solução. A Comissão
tem competência de organizar os encontros entre as delegações do Brasil e da França,
conformando com isto uma esfera dialógica e interativa na qual se dá a tematização das
questões pertinentes. Desde a primeira reunião em 1997, o tema relativo à mobilidade
139
§1º - Podem ser inseridos na pauta de reunião do Conselho quaisquer temas que
afetem a vida das pessoas que vivem na região do rio Oiapoque e que permitam
alcançar essas finalidades.
§ 2º - O Conselho pode submeter propostas à Comissão Mista de Cooperação
Transfronteiriça Brasil-França.
§3º - As propostas e deliberações serão aprovadas pelo conselho pela maioria dos
presentes. (OIAPOQUE/CONSELHO DO RIO OIAPOQUE, 2013).
140
Sem uma efetiva atuação até julho de 2013, o Conselho do Rio mostra-se importante
instrumento para a população de Oiapoque, pela possibilidade que ele descortina na
ampliação das oportunidades políticas, como também favorece aos seus membros identificar
possíveis aliados políticos e/ou institucionais; além disso, nas reuniões do Conselho
descortina-se a possibilidade de os “dizeres locais” serem apresentados como repertórios de
contestação e demandas por inclusão socioeconômica (DOMINGUES, 2003).
Então pra isso precisa essa negociação, hoje nós temos o Conselho do Rio. A nossa
cooperativa, da qual eu faço parte, sou um dos membros do Conselho do Rio,
representando a nossa classe catraieira, somos dezesseis brasileiros e são também
dezesseis guianenses. Temos uma reunião, vai haver uma reunião na primeira
semana de dezembro de 2013, já está em pauta o direito de ir e vir, uma das pautas
pra próxima reunião. O que for aprovado no Conselho do Rio, assinado pelos
conselheiros, que deve resolver na fronteira, vai ser cumprido! Agora, o que não der
pra resolver na fronteira, aí vamos passar pra Macapá, ou a Brasília, vamos passar
pra Caiena ou a Paris, assinado pelo Conselho, são dezesseis de cada fronteira, que
formam um Conselho só, o Conselho do Rio, pra discutir assim de interesse à
população fronteiriça, das duas fronteiras. Não é só pra beneficiar só Oiapoque ou
Saint-Georges, é pra discutir, dialogar e aprovar aquilo que for melhor pras duas
fronteiras, porque não é Brasília, não é Paris, não é Macapá, não é Caiena, que sabe
mais do que quem convive no Oiapoque–Saint- Georges. Quem sabe mais, quem
tem mais conhecimento na sua residência, é quem convive, é o dono, essa é a
diferença, quem tem mais conhecimento do que ocorre dentro do município, é que
141
Vai ser discutido aqui os interesses da sociedade que vive aqui em Oiapoque, para
que esse trânsito possa ser livre, o brasileiro ir lá e o francês possa vim aqui, por
exemplo, hoje o francês pega seu carro, põe na balsa, atravessa o carro e circula
aqui, já a recíproca não é verdadeira daqui pra lá, tem problemas de impostos, essas
coisa tem. Eu não quero entrar nesse mérito, mas assim, pelo menos o cidadão
brasileiro ir a Saint-Georges e comprar e ele ir lá e não ser preso, já é um alivio. Ah,
hoje eu fui em Saint-Georges e fui preso! Que não deveria, né, porque nós somos
países vizinhos, nós temos uma ponte que tá aí adormecida em cima do rio
Oiapoque, ligando os dois países através dos dois municípios, mas por enquanto
serventia nenhuma não tem! (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO EXECUTIVO
MUNICIPAL, 2013).
Ainda que a ideia do Conselho do Rio tenha sido apresentada pelos governos do
Brasil e da França, ela deriva da capacidade de ação dos agentes locais de Oiapoque, que
organizaram protestos contra as intervenções institucionais dos gendarmes à mobilidade e aos
deslocamentos no rio Oiapoque e, nessa atuação, contam com a discreta participação dos
moradores de Saint-Georges, que pode ser expressa numa formulação do tipo “eu não sou
contra os protestos”, sem que exatamente se posicionem publicamente a favor (Ref. Diário de
Campo, Oiapoque, 2013). Existem também em Saint-Georges categorias profissionais que
não se ressentem da indesejabilidade atribuída pelos gendarmes à presença dos brasileiros, a
exemplo de um motorista guianense de veículo que faz o transporte de Saint-Georges a
Caiena ao ser perguntado sobre como agia ao saber que tinha clandestino entre seus clientes,
ele respondeu: “nada, apenas informo que a passagem é mais cara e que não garanto ele não
ficar retido na barreira de fronteira (Ref. Diário de Campo, Saint-Georges, 2013)”.
Interesses em conservar as interações sociais transfronteiriças são iguais para
moradores dos dois lados da fronteira. Todavia, cabe ressalvar, que na Guiana Francesa
existem subsídios para manutenção das condições de vida de seus moradores, o mesmo não
142
ocorrendo do lado de Oiapoque, onde os agentes têm de lidar com toda ordem de carências e
problemas decorrentes de sua localização periférica e isolada; do desamparo em termos de
políticas públicas (saúde, educação e infraestrutura urbana); da falta de oportunidades de
trabalho e renda. Isso, não implica afirmar que as interações com a Guiana Francesa supram
de todo essas lacunas, mas se deve ter em conta que:
a mobilidade no rio Oiapoque assegura a sustentação das comunidades de Ilha Bela e
Vila Brasil (ainda que também dos garimpos clandestinos da Guiana Francesa) e,
nesse contexto a passagem pela cachoeira Grand Roche é fundamental, em especial
pela redução de custos materiais e esforços humanos;
os deslocamentos através da fronteira mantêm temporariamente na cidade de
Oiapoque um contingente de migrantes que compram produtos e serviços.
Entende-se, dessa perspectiva, o motivo pelo qual praticamente todos os informantes da
pesquisa na cidade de Oiapoque e nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil ao serem
indagados sobre os efeitos da cooperação fronteiriça franco-brasileira respondem: primeiro
não haver nenhuma realização; segundo reclamam que devem ser resolvidos os problemas
relativos às ações institucionais francesas no rio Oiapoque. Ainda assim, cabe chamar atenção
de que os agentes mantêm certo grau de liberdade e criatividade e lutam para ampliar as
chances de
as fronteiras dos Estados nacionais e, por conta disso, considera haver obstáculos para se
pensar em mobilizações sociais globalizadas e globalizantes. Na busca de alternativas
conceituais traz para sua reflexão as discussões de Gilroy (2000 apud DOMINGUES, 2003)
em torno do Atlântico Negro
Considera-se, por analogia, que o rio Oiapoque e seu tráfego de catraias criam uma
estrutura territorial de formato rizomórfico 28 com sentido de Oiapoque à Guiana Francesa.
Pode-se argumentar com dados empíricos referentes à contradição no próprio controle
fronteiriço francês, pois se as catraias são fabricadas em Oiapoque os motores são franceses.
As interações sociais transfronteiriças não acontecem somente entre nacionalidades distintas,
mas também entre brasileiros que ocupam diferentes localizações e que estabelecem conexões
por sobre a fronteira. Observe-se a informação abaixo que funciona para demonstrar o
formato rizomórfico que se defende
É esse motor que trabalha aqui no rio Oiapoque, 95%é comprado na França, porque
é mais fácil pra gente comprar, que no Brasil. Lá é porque tá entranhado de
brasileiro com papel, morando dentro, aí você pode e ele ganha € 500. Aí você pede,
e ele já traz o motor pra ti, ele tem empresa também, aí eles tramam lá. Sei que o
acesso é livre. Minha própria filha que mora lá no Kourou, que abriu uma empresa
pra comprar as coisas pra mim, se, por exemplo, eu precisar de um frete francês, ela
tem como dar a fatura. Aí tudo isso pra gente aumentar o lucro, aí eu preciso do
motor e não tenho mais aquela dificuldade pra comprar, eu ligo pra minha filha, ela
traze ainda parcela de três vezes lá. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE
TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).
O “nós-ideal” de Elias (2006) permite afirmar que nas interações entre moradores
dos dois lados da fronteira se cristalizam solidariedades e complementaridades; oiapoquenses
e guianenses se entendem entre si. Não se está garantindo uma uniformização conforme
quadro cultural nacional, mas algumas uniformidades nascidas em intersecções nas quais se
desenvolvem as interações, que mesmo circunstanciais são cotidianas e por conta disso
conformam um padrão. É desse cotidiano vivido que retiram os agentes de Oiapoque os
recursos com os quais organizam mobilizações locais para garantir a liderança na condução de
sua própria história (DOMINGUES, 2003). A cooperação fronteiriça franco-brasileira não
deveria ser um acordo para regulação de relações entre conviventes, de intervenção em
práticas cotidianas que singularizam a luta desses atores por sua inserção socioeconômica, de
apreensão do produto dessa conquista, de interdição de sua acessibilidade. Em face desses
desencaixes, os atores locais promovem novos encaixes nas suas condições de vida e
o que pode acontecer é uma manifestação, se chegar a haver essa proibição [de
circular livremente na ponte Binacional], ainda corre o risco de haver uma
manifestação das duas fronteiras pra demolir a ponte, porque as duas fronteiras vão
28
Termo derivado de rizoma, denominação da biologia para um caule subterrâneo que produz ramos aéreos com
aspecto de raízes. O uso da palavra pretende acentuar que a sociedade de Oiapoque estende-se por sobre o rio
Oiapoque como que raízes alcançando o território da Guiana Francesa. E isso procede com a mobilidade e os
deslocamentos dos agentes, práticas cotidianas que efetivam as interações sociais transfronteiriças.
145
se sentir prejudicada. Se não abrir essa exceção pras duas fronteiras que é
Oiapoque–Saint-Georges! (E10/CATRAIEIRO, 2013).
Isso que nós batemos na tecla e questionamos até a questão, porque quem tem que se
envolver com a fronteira lá são os franceses, não os brasileiros. Os brasileiros [do
Exército] faziam era esperar a noite toda escondidos no mato esperando nós, que
nem um caçador espera uma caça e quando nós íamos passando eles voavam em
cima, aí puxava [a canoa] pro lado do Brasil. Aí de manha os gendarmes ainda vinha
bater foto das canoas cheia de óleo. (E9/COMERCIANTE DO SETOR DE
TRANSPORTE FLUVIAL, 2013).
Eles procedem do mesmo jeito. E assim... Ali nós passamos [na Grand Roche], lá
eles alegam que é deles, mas só que o rio é assim... A viagem, né! Eu acho. Lá em
cima [na cachoeira Caxiri] tem um lado que é só do lado brasileiro e eles também
passam lá... No verão eles só podem passar se for lá. Lá não pertence nada a França
quer dizer eles têm direito de passar do nosso lado e nós não têm direito de passar lá.
Porque eu acho assim: que lá é passagem; não é assim do seu fulano. É a passagem,
tanto faz pra nós, que nem pra eles, só dá de passar se for lá! Aí a gente passa
quando eles não tão lá e a gente espera eles sai pra poder passar. (E6/CATRAIEIRA,
2013).
O que houve até agora foi uma manifestação que nós catraieiros fizemos no dia nove
de janeiro de 2010. E o que ocorreu? Inclusive perdemos até um companheiro [...].
Por quê? Foram duas canoas no mesmo sentido, e uma adiantou mais do que outra e
chegou a colidir uma com a outra, um piloto caiu e chegou a óbito, aí nós
suspendemos a greve. (E10/CATRAIEIRO, 2013).
mesmo que você receba a sua compensação em espécie do governo federal, mesmo
na justiça, como nós entramos agora na justiça por danos morais, e quando inaugurar
a ponte, nós vamos entrar na justiça por danos materiais. Mesmo assim tem que
haver a capacitação, pra que ele [o catraieiro] passe pra uma nova estrutura, uma
nova atividade, e não jogue o dinheiro que receber fora, pra que ele saiba se
mobilizar e desenvolver uma nova vida. [...] Mas as pessoas dizem assim: [...] não
vai acabar o serviço do catraieiro. Sim, não tem problema, na realidade não vai
acabar. Mas vai reduzir 95% ou 90%. Qual a razão? Vem o francês, o brasileiro que
mora na Guiana também, ele vem pro Brasil, ele vem no carro próprio, vai abrir o
acesso pra que ele venha até Oiapoque, até Macapá, este passageiro não vai vim
mais de canoa, ele vai vim no carro dele. Mas eles [outros catraieiros nas
assembleias da cooperativa] diz: sim, mas nem todo mundo tem carro. Sim, nem
todo mundo tem carro, mas o carro que vai trazer o passageiro em Caiena, não vai
deixar ele na cabeceira da ponte, ele vai ter que atravessar com ele, ele vai ter que
atravessar com ele. Agora sim, se fosse permitido somente os carros particulares pra
atravessar na ponte e os outros alternativos que viessem de ônibus, micro-ônibus ou
navete como chama do lado francês e deixasse na cabeça da ponte, ou deixasse em
Saint-Georges, aí sim, ainda ia ter mais uma possibilidade pros catraieiro. Mas não
vai haver desse jeito, vai haver sim uma negociação das duas fronteiras pra que
exista o direito de ir e vim, entenderam? Então, o que vai ficar pro catraieiro? Se
vem num carro coletivo, vai deixar na cabeça da ponte pra atravessar a pés? Não!
Vai deixar na cabeça da ponte pra atravessar de canoa? Não! A população de Saint-
Georges, pra vim pro Oiapoque, ela vai vim por Vila Vitória, porque vai ter o ramal
de Vila Vitória, que vai ter o acesso mais próximo, vai haver ônibus coletivo, Vila
Vitória-Oiapoque com preços reduzidos, entendeu? E que a população de Saint-
Georges, muitos têm veículos e não vão deixar de vim nos seus veículos, comprar
aquilo que deseja, pra pagar uma catraia pra eles vim? Não! (E10/CATRAIEIRO,
2013).
capacitações para que possam buscar outras atividades como piscicultura e turismo. Muitos
catraieiros planejam ingressar no ramo do turismo,
É preciso tornar claro que apesar de haver uma mobilização inicial entre os grupos
afetados pelas fiscalizações e interdições no rio Oiapoque, não é somente essa a questão
considerada pública, há outras que, igualmente, têm abrangência em todo o território de
Oiapoque. Os compromissos assumidos pelos atores locais vinculam-se também a
reivindicações de outras ações públicas referentes às suas carências no domínio de
infraestrutura urbana, trabalho e emprego, saúde e educação.
No dia cinco agora de julho, teve uma grande manifestação, aqui no município de
Oiapoque, a exemplo de Macapá. O único problema que nós tivemos foi quebra-
quebra. Mas praticamente nós tivemos umas duas mil pessoas na rua e isso foi
inédito na história do Oiapoque, reivindicando realmente todas essas mazelas
causadas pela nossa política pública. (E5/PROFESSOR E ASSESSOR DO
EXECUTIVO MUNICIPAL, 2013).
Na cidade prevalecem carências no que tange a bens coletivos, por exemplo, a coleta
de lixo é feita pelos caminhões que são de propriedade do atual prefeito, que durante sua
campanha assumiu o compromisso de limpar a cidade. As obras para construção do hospital
não estão concluídas apesar das promessas do governo do Amapá e, desse modo, a população
de mais de vinte mil habitantes é atendida em um prédio alugado, onde antes funcionava uma
pequena clínica particular. Sendo que só há um médico e ele mesmo se denomina como
profissional de “mil e uma especialidades”, já que faz atendimentos de pediatria a legista da
polícia técnica quando é necessário fazer uma autópsia. Aliás, ele informou que não tem conta
das vezes que já foi chamado durante a madrugada para realizar um parto ou fazer um
atendimento de urgência (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Numa escala de
classificação, os problemas relacionados à saúde e à educação públicas são os que ganham
mais relevância, pois
têm muito processo, um, dois ou três sobre a questão da saúde no município. Sobre a
questão do hospital, se vai inaugurar ou não vai, só tem um médico na cidade.
Fizemos uma reunião, a audiência aqui no auditório com os funcionários da
149
em Oiapoque: “O Brasil se esqueceu de nós, a gente não foi consultado, nem ouvido (Ref.
Diário de Campo, Oiapoque, 2013)”.
Essa assertiva não é somente de alguns grupos, ela é recorrente entre os indivíduos
singulares e coletivos e pode ser ouvida em diversos lugares da cidade de Oiapoque, bem
como nas comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil. O catraieiro, o comerciante, o usuário do
transporte fluvial não falam somente como membros de grupos de pressão, mas como atores
que se categorizam no convívio, na vizinhança com o outro. Nesse sentido se afirmam como
fronteiriços e falam em nome de outros fronteiriços: “Nós somos fronteiriços com
nacionalidade, com nome diferente, apenas o nome diferente, mas nós somos amigos, nós
somos irmãos e somos vizinhos, além de tudo, é o mesmo sangue humano, muda apenas a
nacionalidade, e nós nos respeitamos, nós fronteiriços Oiapoque–Saint-Georges, nós nos
respeitamos, entendeu? (E10/CATRAIEIRO, 2013)”, ainda que essa frase já tenha sido citada
anteriormente é pertinente colocá-la novamente nesse ponto da discussão, pois o que ela
expressa é compreendido e compartilhado pela sociedade oiapoquense. Isso se coaduna com o
pensamento de Elias (2006) sobre como essas formas idiomáticas de expressão revelam um
ser e um deve ser, um “nós-ideal”, a despeito de que grupo de interesse se pertença. A
uniformização observada entre os grupos mobilizados em favor de suas demandas atua na
formação de uma opinião pública em Oiapoque, ainda que a opinião pública não se constitua
exatamente em um grupo de pressão, é fator potencial de influência nas decisões
governamentais (ELIAS, 2006).
A correlação das informações parece corroborar o argumento de que a cooperação
fronteiriça tem para além das prerrogativas relativas a parcerias para desenvolvimento de
infraestrutura, pesquisa cientifica e tecnológica e de prevenção uma dimensão disciplinadora e
interventora com foco no território Oiapoque-Guiana Francesa e seus habitantes.
Entende-se, que nos atos de fala locais sobre a cooperação surge a dimensão
disciplinadora e interventora que se defende e, que, dessas manifestações, torna-se possível
extrair os padrões sobre os quais se ergueu a vida social em Oiapoque. A condição de
151
os nossos parlamentares tinham [i.e. têm] que dar suporte aos brasileiros, aos
garimpeiros que estão fora, pra outro país, liberar certos garimpos, porque nós temos
muitos e muitos garimpos aqui, garimpos não, áreas de garimpo próximo à fronteira,
152
na nossa fronteira, mas não pode ser explorado, por causa das reservas. Por isso é
essa a situação, então nesse ponto aí, veio essa política diretamente só repressão,
porque até agora pra beneficiar o garimpeiro, eu não vi [nada], no caso, ele saía da
Guiana Francesa. Eles [franceses] legalizam para as empresas, mas o maior
desenvolvimento econômico da exploração do ouro não é das grandes empresas, são
dos pequenos, o que chega pra nós aqui não é das grandes empresas legalizadas, é
dos pequenos garimpeiros, o que traz o desenvolvimento econômico pra aqui não
são os grandes empresários garimpeiros, são os pequenos empresários, os grandes
empresários traz o mínimo. (E10/CATRAIEIRO, 2013).
Fica-se, então com perguntas que não querem calar: para onde irão esses
aproximadamente quinze mil deslocados compulsoriamente pela cooperação fronteiriça
franco-brasileira? Que políticas compensatórias, que subsídios o governo brasileiro irá
desenvolver para lhes dar assistência em seu retorno ao Brasil? Quais alternativas serão
colocadas em prática para a inclusão socioeconômica dos moradores do território de
Oiapoque a partir da desestruturação dos garimpos? Quais outras dimensões institucionais,
além das repressivas, podem vir a ter acesso os moradores do lado brasileiro da fronteira de
Oiapoque? Como atender a demandas históricas, por bens e serviços públicos, de uma
população que parece ter sido esquecida pelo Estado brasileiro e quando lembrada preferiria
ter sido esquecida?E, de todo modo, acredita que vale a pena lutar.
Neste capítulo buscou-se apresentar os atos de fala, concepção de fronteira, de
cooperação, de controle e as estratégias dos atores locais para reverter o quadro do controle
fronteiriço que afeta suas práticas cotidianas. Portanto conclui-se que:
O grupo dos catraieiros não identifica nenhum benefício trazido pela cooperação,
nem mesmo a ponte Binacional. Aliás, em se tratando da ponte Binacional afirmam que ela
irá tirar deles o seu meio de sustento, pois, quando for inaugurada, a travessia do rio Oiapoque
será realizada pela ponte e não mais pelo rio. Para esses trabalhadores, a fronteira não separa,
unifica; sendo o rio Oiapoque (onde está o limite fronteiriço) o “local de trabalho”e a “via de
acesso”, não conseguem perceber o significado da fronteira como elemento idealizado para
separar “nós que somos fronteiriços” (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013). Nessas
circunstâncias se identifica que para os catraieiros a fronteira está para aproximar brasileiros e
franceses, não para separar. Consequentemente, ao cotejar a integração territorial proposta
pela cooperação franco-brasileira com o controle fronteiriço verifica-se sua ambiguidade;
como também a contradição em suas promessas de promover o desenvolvimento
socioeconômico local, já que além de nada realizar vai retirar “o que temos e pelo que
pagamos para ter” (Ref. Diário de Campo, Oiapoque, 2013).
Para os comerciantes, o único benefício da cooperação é a ponte Binacional, contudo
não plenamente realizado, já que por ela não chegam os esperados e desejados clientes da
153
atingidos pela restrição à mobilidade e aos deslocamentos, os moradores de Ilha Bela e Vila
Brasil frequentemente fazem alusão de que a ponte vai prejudicar os catraieiros. Quando o
assunto é garimpo clandestino, eles colocam a culpa na corrupção dos franceses e na própria
história do território fronteiriço Oiapoque-Guiana Francesa; pois, o ouro brota onde tem que
brotar, ora do lado daqui, ora do lado de lá (Ref. Diário de Campo, Vila Brasil, 2013) e “o
cidadão não tirou licença em nenhuma instituição pra ir pro garimpo, ele foi aí por conta da
natureza. Como eles de primeiro trabalharam no Lourenço [Calçoene-Brasil]. Os rios daqui
do Oiapoque eu conheço todos, tudo é nome indígena, nome de crioulo, até hoje a gente prova
um monte de garrafa francesa e, etc. (E12/VEREADOR E PRESIDENTE DA
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DE VILA BRASIL, 2013)”.
O grupo que tem a mais discreta manifestação é o dos carregadores. Argumenta-se
que eles têm sua atuação vinculada ao grupo dos catraieiros e comerciantes; em parte porque
se encontram em situação de dependência no que tange ao exercício de sua atividade; como
também por acreditarem que comerciantes e catraieiros detêm maiores recursos materiais e
simbólicos. É pertinente observar que foi nesse grupo onde se encontrou opiniões negativas
sobre os garimpos clandestinos, e isso procede do fato de que uma significativa parte desses
trabalhadores já foi garimpeiro na Guiana Francesa. Eles também informam que os gendarmes
não gostam é de brasileiro (Ref. Diário de campo, Oiapoque, 2013).
A fala dos imigrantes retornados foi inserida para destacar como vivem os brasileiros
na Guiana Francesa, o objetivo foi enfatizar a fronteira “porta”, quando brasileiros excluídos
de um exercício efetivo de cidadania entram em movimento e atravessam a fronteira em busca
de uma melhor condição de vida. Muitos querem voltar, mas voltar “por cima”, pois a
proximidade espacial que a fronteira proporciona, seja pelo contato físico, seja pelas redes de
informação, dificulta a ruptura dos laços com parentes e amigos em seus lugares de origem.
Nesse aspecto se destaca uma característica da migração de brasileiros para a Guiana
Francesa: são movimentos contínuos que se iniciaram em outros estados do Brasil, em
especial Pará e Maranhão.
O acesso que se teve a fala dos agentes institucionais franceses foi em parte
dificultado pela língua, mas se afirma que os agentes institucionais franceses operam regidos
pelos normativos do Estado francês e fazem valer na Guiana Francesa a legislação francesa,
ainda que oiapoquenses e guianenses se entendam. Os agentes públicos verbalizam que a
cooperação fronteiriça franco-brasileira vai trazer prosperidade para o Amapá e para
Oiapoque. Contudo, os agentes institucionais da prefeitura de Oiapoque partilham da opinião
pública local de que como países vizinhos não pode haver restrição a circulação entre as duas
155
O viés analítico adotado nesta tese é constituído pela concepção de que qualquer
forma de associação entre indivíduos singulares ou coletivos se desenvolve a partir de
interações surgidas de subjetividades que se realizam no social, ou seja, de impulsos
psicológicos que se intercambiam, se permutam, se trocam, se interpenetram (SIMMEL,
2006; ELIAS, 2006). Este estudo teve o objetivo de analisar a relação entre política
internacional e sociedade local na contemporaneidade, considerando que ambas as dimensões
se constituem a partir de interações; entre Estados no primeiro caso; entre atores locais no
segundo e entre uns e outros.
O lócus da pesquisa foi o território fronteiriço de Oiapoque. Primeiramente, ao ter
em conta que nas últimas três décadas do século XX a globalização colocou a mudança como
central nas sociedades contemporâneas, se tinha a pretensão de estudar os novos significados
atribuídos às fronteiras externas dos Estados. Desejava-se enfatizar as relações cooperativas
na fronteira entre o estado brasileiro do Amapá e o departamento francês da Guiana Francesa
e seus significados econômicos, políticos e simbólicos. No entanto, conforme a pesquisa foi
avançando, outras questões foram se impondo. Dentre essas, uma foi ganhando maior
consistência: as notícias acerca dos embates entre brasileiros e a Gendarmerie relativos aos
deslocamentos dos primeiros no rio Oiapoque que nessa mobilidade ultrapassavam o limite
fronteiriço entre Brasil e Guiana Francesa. Tornou-se inquietante ter conhecimento de que em
meio ao desenvolvimento de uma política intergovernamental de cooperação destinada à
integração territorial e ao desenvolvimento socioeconômico local estivesse se estabelecendo
um clima de conflitualidade entre atores fronteiriços e agentes institucionais.
Com essa inquietação, foi-se a Oiapoque, e a ida a campo acabou por dar novo rumo
ao trabalho investigativo, pois o contato com a sociodinâmica da cidade conduziu à percepção
de que não seria possível pensar a cooperação fronteiriça franco-brasileira privilegiando a
perspectiva estatal, na medida em que as ações governamentais estavam institucionalizando
um relacionamento fronteiriço que de fato já existia, sendo parte da vida dos moradores de
Oiapoque. Não foi preciso muito esforço para chegar a essa primeira suposição, bastou ficar
observando da orla fluvial o frequente ir e vir de catraias pelo rio. Aliás, a experiência de
permanecer nesse lugar, por si só já colocou em descoberto o traço que singulariza a vida
social: a travessia para a Guiana Francesa. No entanto, nessa ocasião já eram muito
recorrentes as reclamações sobre as fiscalizações da Gendarmerie para controlar esse
movimento.
157
No entanto, como se nota, essas práticas são extensivas à Guiana Francesa e, por conta
disso, implicam no ato de transcender a fronteira internacional. Enquanto a fronteira
Oiapoque-Guiana Francesa não era alvo de ações pontuais de controle, as interações
transfronteiriças desenrolavam-se livremente. Aliás, cumpre ressalvar, até meados da
década de 1990, havia incentivos do governo da França para atrair trabalhadores
brasileiros, inclusive garimpeiros.
Mas ao iniciar a década seguinte esse contexto começou a se modificar com os
dispositivos da política francesa anti-imigração, que acabou por ampliar a ilegalidade nas
migrações de brasileiros para o departamento francês. Concomitantemente, começaram as
operações da Gendarmerie para desarticular e eliminar a garimpagem ilegal de ouro em
seu território, para as quais contou com o apoio de instituições brasileiras, Exército e
Polícia Federal.
Com a criação do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque começaram a acontecer
fiscalizações, primeiro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis
(IBAMA) e depois da divisão institucional em 2007 do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Essas ações institucionais estão vinculadas a
uma política ambiental que também opera na produção do território. Trata-se de uma
territorialidade que foi tocada levemente neste trabalho, mas que, pelo impacto que
provoca nas comunidades ribeirinhas de Vila Brasil e Ilha Bela, precisa ser avaliada em
outros estudos. Os moradores dessas comunidades se encontram duplamente sob o
“paradigma da suspeita” (SHAMIR, 2005), para os agentes institucionais franceses são
eles que garantem o fornecimento de subsídios para os garimpeiros que estão atuando
ilegalmente na Guiana Francesa; de outro lado para o ICMBio eles representam uma
ameaça à proteção do patrimônio natural do Parque Nacional Montanhas do
Tumucumaque.
O maior rigor da parte dos agentes institucionais franceses para embargar o ingresso de
brasileiros na Guiana Francesa teve início com restrições de concessão do visa no
passaporte; posteriormente com interdições ao desembarque de brasileiros em Saint-
Georges, cidade-gêmea com Oiapoque; em seguida começaram as retenções de catraias,
seguidas pela apreensão e queima de mercadorias, combustíveis, máquinas e
equipamentos, bem como o corte das embarcações em circulação do lado francês do rio
Oiapoque; e, finalmente, teve início a detenção de brasileiros no rio ou em terra que não
estivessem portando documentos de identificação.
161
reflexão sobre políticas migratórias elaboradas pelos Estados nacionais, mas cujo alcance
abrange indivíduos que não são cidadãos. Uma análise dessa ordem é bastante relevante para
os brasileiros que se encontram na Guiana Francesa em especial e no exterior de modo geral;
como também para os estrangeiros que chegam todos os dias ao Brasil. A análise política
poderia esclarecer caminhos virtuais para, em breve futuro, ser possível articular política de
nacionalidade e política imigratória nos quadros institucionais criados pela cooperação
internacional. Isso procede particularmente para o caso dos fluxos migratórios
transfronteiriços, que ganharam maior visibilidade com os processos de regionalização que
reterritorializaram o espaço planetário.
Também se mostra uma pesquisa promissora a questão relativa à validade pretendida
pelos direitos humanos na escala mundial e sua efetividade em recortes espaciais de menor
dimensão, como é o caso dos territórios fronteiriços, seja aqui Brasil-Guiana Francesa; seja
entre Brasil-Paraguai, ou no caso mais emblemático México-Estados Unidos. A situação de
passagem nas cachoeiras Grand Roche e Caxiri, igualmente merece maior atenção dos
pesquisadores, pois os moradores de Oiapoque alegam que o rio tem de ser internacional, que
não podem ser barrados em seus itinerários porque ficam alguns momentos em cima de uma
“pedrazona” que está em território francês.
Seria bastante agradável encerrar esta tese comentando os sucessos da cooperação
fronteiriça franco-brasileira, no entanto ela não é exitosa. E na extensão de seus insucessos se
evidencia o fracasso das políticas públicas brasileiras destinadas às coletividades fronteiriças,
as quais têm por escopo reduzir desigualdades sociais e econômicas presentes nesses lugares.
Fica-se então com a esperança de que os argumentos que estruturam este texto possam vir a
contribuir com as lutas por visibilidade e audibilidade dos comerciantes, catraieiros,
carregadores e moradores das comunidades de Ilha Bela e Vila Brasil no território de
Oiapoque. Essa esperança nasce do fato de se acreditar que o conhecimento sociológico –
devido seu compromisso com a apresentação de múltiplas concepções sobre vivências
coletivas – ajuda a compor o arcabouço de sentidos compartilhado pelos indivíduos e, desse
modo, afeta as interações sociais e os processos de sociação.
165
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