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©2019 by Jéssica Macedo



Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a
reprodução de qualquer parte desta obra – física ou eletrônica -, sem
autorização prévia do autor. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código
Penal.

Projeto Gráfico de Capa e Miolo
Jéssica Macedo
Preparação de Texto
Aline Damasceno
Revisão
Gabriel Marquezini

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais fez
parte do intuito de ambientar e dar veracidade a história.
Sumário
Livros anteriores da série

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Epílogo
Recomendo que leia antes...

Rosslyn é uma dama forte e decidida. A magia está em seu sangue e


deu-lhe uma ligação muito forte com os animais. No século XIV, ela
não tem as pretensões das demais jovens de sua idade: ir a bailes, usar
vestidos caros ou mesmo conseguir um bom casamento. Única filha
de um marquês, prefere viver como uma plebeia com a mãe numa
cabana na floresta longe dos holofotes e do luxo da nobreza.
O destino está prestes a fazer Hian cruzar seu caminho. Segundo filho
do rei de Marshland, sem pretensões ao trono, é um jovem religioso,
romântico e que tem o amor de seu povo, bem diferente do irmão mais
velho e do pai, mulherengos e arrogantes.
Após um grave acidente o príncipe cuidará de Rosslyn e a jovem
misteriosa despertará nele sentimentos que nunca sentiu. Aproximar-
se do coração dela não será tão simples quanto das mulheres que se
atiram em seus pés, mas a convencerá de que seus sentimentos são
verdadeiros.
O mesmo destino que os uniu lhes será cruel. No momento em que
Hian pretendia anunciar Rosslyn como sua futura esposa, ele
descobrirá que seu pai assumiu um compromisso que ele jamais quis,
um noivado com a princesa de outro reino, um casamento com uma
mulher mais velha e arrogante, mas que fará dele rei.
O casamento arranjado será apenas um dos muitos obstáculos que o
destino reserva para o casal. Uma união que parecerá cada vez mais
impossível.
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*** Spin off de A misteriosa Lady Rosslyn ***

William era um homem apaixonado. Desde o primeiro momento em


que colocou os olhos em Rosslyn, soube que a amaria para sempre.
Ela era seu grande amor, porém teve que lidar com o amargor de vê-la
escolher outro homem, um mortal.
Mas ele era paciente, diante disso, William fez uma promessa,
esperaria por Rosslyn, não importava quanto tempo precisasse. E
William esperou...
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Thessa é filha bastarda do duque de Ardles. Antes de morrer, sua mãe
deixou uma carta à rainha pedindo que acolhesse Thessa. Levada por
Rosslyn a corte de Marshland, a dama cresceu como uma verdadeira
princesa.
Com a promessa do pai de poder escolher um noivo e se casar por
amor, ela almeja conhecer o nobre dos seus sonhos, aquele que fará
seu coração bater mais forte. Cercada de pretendentes e prestes a
completar dezoito anos, ela pensa que o homem certo nunca chegará.
A bela voz daquela que possui a magia no sangue atrairá um jovem
conde que estava apenas de passagem. Libertino, prepotente e
devasso, Anthony se verá obstinado a tornar a lady mais uma de suas
conquistas. Porém, logo ele perceberá que existe muito mais do que
apenas atração entre os dois.
Levada a um casamento indesejado pela preocupação do pai com sua
honra, ela irá descobrir que o amor sempre esteve diante dos seus
olhos, e que Anthony é tudo o que sempre quis.
Mas sua madrasta, a esposa traída e amargurada, está disposta a fazer
de tudo para que Thessa não tenha o seu feliz para sempre.
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*** Spin off de Uma canção para Lady Thessa ***

Angeline é uma dama experiente e decidida, que sabe mais sobre o
mundo do que qualquer mortal. Ela foi enviada por Rosslyn para
orientar e ensinar Thessa com seus poderes, mas acabou nutrindo um
sentimento inesperado pelo irmão mais velho de sua aprendiz. Nessa
mágica noite de ano novo, ela e o futuro duque de Ardles revelarão
seus sentimentos um ao outro e ao mundo.
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Bonnie é a irmã caçula do conde de Belmont. Uma lady de boa
linhagem e nome, mas que nasceu para ser mais do que uma esposa.
Ao contrário das demais damas do reino, ela não foi criada para
agradar e servir, foi criada para ser uma líder, uma alfa.

Às vésperas do seu aniversário de dezoito anos, seu destino está


prestes a se concretizar. Contudo há algo que ela deseja tanto quanto
se tornar uma alfa: ter a mente e o coração do homem que sempre
amou.
Alec, o marquês de Darlan, nunca se permitiu ver em Bonnie algo
além da impetuosa irmãzinha de seu melhor amigo, apesar disso a
jovem está disposta a provar que cresceu ou enlouquecê-lo na
tentativa.
Levado a participar de um ritual que não podia recusar, Alec terá que
confrontar a ideia de que Bonnie se tornou uma bela mulher e aceitar
a ligação que sempre existiu entre eles. Porém tê-la não será tão fácil
tê-la quando o barão de Miller se tornar um rival determinado a
derrotá-lo.
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Marsland, verão de 1421

—I

çar velas! Levantar âncora! — bradou o capitão do convés, escorado no mastro
central, antes de caminhar até o leme.
Os tripulantes assentiram e prepararam o navio para zarpar. O capitão Peter
Hoperper assumiu seu posto no navio cargueiro em direção a ilha da Islândia.
— Estamos prontos para zarpar, milorde. — O contramestre, Thom, se
colocou ao lado do capitão.
— Então vamos logo, quero estar em alto mar antes que os raios da aurora
toquem o oceano.
— Como desejar. — O contramestre fez uma breve vênia antes de seguir
até os marinheiros.
Peter segurou o leme com firmeza, enquanto o navio começava a se mover.
O Triskelion era um enorme navio cargueiro que levava a produção de vinho do
condado de Belmont para várias partes da Europa e até mesmo para à África. O
vinho que era a tradição do condado, era muito saboroso e apreciado, e fizera a
fortuna que tirara os Hoperper da lama onde o nono conde e pai de Peter havia
os deixado.
Peter era um parceiro do irmão mais velho, Anthony, nos negócios da
família. Porém, ao contrário do atual conde, que preferia ficar no condado
cuidando dos vassalos e da família, Peter tinha um espírito aventureiro e gostava
de ele mesmo garantir que as remessas fossem entregues nas mãos certas.
Filho do meio, Peter era o único que não havia nascido destinado a algo:
Anthony herdara o condado e o título; e Bonnie tinha o seu direito de nascença
de ser maior do que todos eles, de construir a sua própria alcateia. Peter sempre
se sentiu um tanto apagado entre seus irmãos. Era só mais um lorde que
carregava o sangue Hoperper, mas não fora o primogênito para herdar o título;
era apenas mais um lobisomem que seguia as ordens de sua alfa. No entanto, a
bordo do Triskelion ele era o capitão.
Entregou o leme para um dos marujos e caminhou até o centro do convés,
observando a lua cheia que abençoava a sua viagem. Sorriu e uivou para ela.
Como um lobisomem, Peter deveria se incomodar por passar tanto tempo longe
da terra, porém, ele descobrira uma ligação especial com o mar. Talvez fosse
influência de sua cunhada, uma sereia.
Viu um relâmpago cruzar o horizonte revelando o mar. O capitão torceu
para não se depararem com uma tempestade, pois essa tornaria a viagem muito
mais difícil.
— Thom! — Acenou para o contramestre que se aproximou. — Ordene aos
homens que recolham as velas caso o vento se intensifique, porque a força pode
quebrar os mastros.
— Sim, milorde.
— Obrigado. Vou para a minha cabine, caso precise de mim pode me
chamar.
O contramestre apenas assentiu com um movimento de cabeça, antes que o
capitão desse as costas para ele e descesse por uma escada até a sua cabine.
Peter estava tão ansioso com a viagem que nem tivera uma boa refeição
antes de deixar Belmonte e seguir para o porto. Mas agradeceu por sua atenciosa
mãe ter preparado uma cesta com seus quitutes, afinal, seria quase dois meses se
alimentando da estranha mistura que Donald fazia. Não importava o quanto
tentasse, Peter não encontrava um marinheiro que fosse tão bom quanto as
cozinheiras do solar e lamentava não poder trazer uma delas a bordo.
Fechou a porta da cabine e escorou-se nela enquanto tirava o chapéu e o
jogava sobre a rede perto da janela. A cesta estava sobre a mesa e Peter se sentou
atrás dela para comer um pouco. Pegou uma faca de prata e se pôs a cortar um
pedaço do pernil assado e riu ao pensar que aquela pequena ferramenta era capaz
de lhe causar mais mal do que uma espada, apenas pelo material em que era
produzida.
Jogou um pedaço de carne na boca e mastigou um pouco e estava prestes a
fazer o mesmo com o segundo, quando esse escapou de sua mão com o balançar
do navio e caiu no chão. Agachou-se para pegar o alimento quando a cabine
chacoalhou de novo.
Peter bufou, havia algumas horas que deixaram a costa de Marshland. Será
que a tempestade não poderia esperar nem alguns dias?
Quando a cabine balançou outra vez, Peter desistiu da refeição, voltou a
colocar o chapéu e saiu de sua cabine, regressando ao convés. A chuva molhou
suas vestes no primeiro passo que deu para fora da cobertura de madeira e o
vento frio fez voar seu chapéu. O capitão o segurou antes que fosse levado para
longe e colocou mais uma vez na cabeça.
O brilho dos raios revelava os marujos correndo de um lado para o outro.
— Thom!
— Sim, capitão!
— Por que as velas ainda estão içadas?
— As cordas estão presas senhor.
— Então deem um jeito de desprendê-las!
— Estamos tentando, senhor, mas parece que estão emboladas no mastro
principal. Estão rodando com o vento e nos tirando do curso.
Thom se segurou no capitão por puro impulso quando o navio tombou para
o lado ao ser atingido por uma forte onda que engoliu o convés, molhando a
todos. Se Peter não fosse o que era, certamente estaria batendo os queixos de
tanto frio. Suas roupas ensopadas grudavam no corpo e dificultavam seus
movimentos. O gosto salgado da água do mar trazido pela onda ficara em sua
boca, bem como o ardor.
Peter ouviu um estrondo. Talvez para ele tenha soado como um estrondo,
pois os demais tripulantes do navio mal notaram.
— O mastro principal vai ceder com a pressão do vento — constatou Peter
enquanto encarava a faca em sua mão. Nem a deixara para trás quando o navio
começou a balançar.
Certamente aquela não era a melhor arma, contudo, Peter pensou pouco
nisso diante de toda a ameaça ao seu navio e a tripulação caso o mastro central
do navio cedesse à pressão que as velas faziam nele.
— Temos cordas reservas, Thom?
— Sim, capitão, mas por qual motivo quer mais cordas? — O homem
franziu o cenho sem compreender as pretensões de Peter.
— Vou cortar as cordas.
— Capitão isso é loucura! Em uma tempestade dessas a maioria dos raios
cai no mastro principal...
O Triskelion foi engolido por uma outra onda e antes que o contramestre se
recuperasse da água que havia engolido, ele viu o irresponsável capitão ignorar
suas advertências e correr até o mastro central que já pendia para o lado.
Peter sentia seu corpo ser arrastado pelo vento e pelas ondas. Era como se
tivessem sido engolidos por um furacão. Os ventos eram intensos e as ondas
maiores ainda. Ou o capitão agia de forma heroica e quase suicida ou todo o
navio iria afundar.
Peter libertou suas garras de lobo e as usou para escalar o mastro. A faca de
prata escorregou de suas mãos, porque ela começou a queimar a parte
transformada que a tocava, e ele a agarrou com os dentes. Só poderia ser um
estúpido por carregar consigo algo que poderia matá-lo.
O coração dele estava aflito e saltitava no peito. Não tinha apego a muitas
coisas além daquele navio.
Outra onda atingiu o Triskelion e Peter precisou abraçar o mastro, porém se
manteve firme, mais alguns metros e chegaria ao local onde as cordas prendiam
as grandes velas ao mastro principal.
Thom apenas balançava a cabeça em negativa. Se fosse um homem comum
já teria morrido, pensou o contramestre enquanto mal podia encarar o que estava
acontecendo com o seu capitão.
Peter rosnou antes de passar as garras pelas cordas e fazer com que as velas
caíssem sobre o convés. Os marujos abriram espaço para não serem acertados
por elas. Sem toda a pressão no mastro central o navio ficou bem mais estável,
mesmo com as ondas o atingindo de ambos os lados.
— Agora desça daí, capitão! — gritou Thom.
— Estou descendo. — Peter olhou para baixo e sentiu um pouco de
vertigem. Não esperava que estivesse tão alto.
Respirou fundo antes de fazer o primeiro movimento para baixo. Porém,
antes de voltar a se mover ele viu um grande clarão e todo o seu corpo se
paralisou antes de uma onda atingir o Triskelion com tanta força que o
arremessou ao mar.
Thom e os outros tripulantes ficaram boquiabertos, sem fôlego e sem
palavras. Não podiam acreditar que o capitão havia sido atingido por um raio e
caído ao mar.
Peter ouvia o grito dos seus homens, todo o desespero deles, mas era
incapaz de responder. Seu corpo estava paralisado. Não bastava o raio, a maldita
faca que carregara com ele, também havia caído no mesmo instante e provocara
um pequeno corte em sua perna por onde o sangue fluía para o mar.
Ele estava se esvaindo aos poucos e se unindo ao oceano. Seus músculos
estavam paralisados e seus olhos se tornaram escuros. Não sabia se os tinha os
fechado ou se estava na parte do mar onde a luz da lua não tocava. Aquela
certamente não era a forma que Peter esperava morrer...
O dete deixou sua taça de vinho cair e o vidro se estilhaçou ao tocar o chão de
pedra com um som grave e estridente.
Antes que Anthony tivesse o impulso de correr até a mãe para saber o que
estava acontecendo com ela, seus próprios olhos ficaram sem foco e ele foi
tomado por uma das sensações mais angustiantes e desagradáveis que já sentira
na vida.
— O que aconteceu com eles? — Thessa largou os talheres e correu até o
marido.
— Mamãe! — Bonnie segurou as mãos de Odete.
— Alguém da alcateia de Odete está em meio à alguma ameaça. — Alec
respondeu ao olhar confuso e desesperado da condessa, antes de ir até sua antiga
alfa. — Quem está em perigo, milady?
— Peter... — O marquês de Darlan nunca vira aquela mulher sempre forte
tremer tanto. — Peter está morrendo.
— Não pode ser, mamãe. — Bonnie balançou a cabeça em negativa. —
Peter deve estar no solar em algum canto. Talvez deitando-se como uma das
criadas. Tenho certeza que meu irmão está bem.
— Ele não está aqui. — Anthony se ajeitou na cadeira, tentando retomar o
fôlego. — Ele está num navio para a Islândia.
— Levando vinho — concluiu Alec.
Antony apenas fez que sim com um movimento de cabeça.
— Meu filho. — Odete levou as mãos ao rosto para esconder as lágrimas.
— Ele está ferido, mãe. Mas vai ficar bem. — Anthony tentava consolá-la,
mas não tinha certeza das próprias palavras.
Da mesa de jantar, Bonnie olhava para cada sombra na grande sala, inquieta
e aflita, talvez não ter a ligação de lobo com o irmão a deixava ainda mais
desesperada, porque não conseguia senti-lo.
— Ele não me responde. — Odete apertou a mão da filha. — Não me ouve.
É como se estivesse ignorando a ligação ou desacordado.
— Se podemos senti-lo é porque ele ainda está vivo. — Anthony tentou
acalmar a mãe, sabia que todo aquele desespero em nada poderia ajudar o seu
irmão.
— Mas onde?


Selene sentia a areia molhada sob seus pés enquanto o vento e a chuva
bagunçavam seus cabelos. Gostava de caminhar às margens do mar em plena
tempestade e de sentir a água em sua violência e força.
Observou a lua enquanto seus cabelos eram soprados para trás. Estava tão
redonda e linda, brilhando no céu e tocando o mar. Avançou alguns passos para o
oceano, sentindo as ondas quebrarem nos seus pés, depois em suas canelas e por
fim em seus joelhos, arrastando a barra de seu fino vestido de tecido leve.
Abriu os braços se conectando com o mar e com a energia que fluía dele
para ela. Entregando-se a potência dessa conexão. Estava inebriada, em estado
de transe, até que o mar jogou algo em sua direção.
Pelos deuses! Era um corpo.
Pegou-o pelas vestes e arrastou até a praia. Um homem... O que um homem
morto faria na ilha de Akan? Aquele não era um lugar onde costumavam se
deparar com qualquer criatura do sexo masculino. Só poderia ser um náufrago,
logo chegou a essa conclusão pelas roupas que ele vestia, também nada comuns
naquela ilha.
Pobre homem, deveria ter caído do navio e sido atacado por águas-vivas.
Era a única justificativa para todas as queimaduras intensas que Selene via no
corpo dele. Virou-o de frente e tocou seu pescoço...
Um raio brilhou no céu revelando a palidez que tomou conta do rosto do
jovem. Ele estava vivo... com a pulsação fraca, baixa, quase imperceptível e com
as extremidades geladas, mas estava vivo. Isso era por si só um milagre.
Ninguém sobreviveria àquelas condições, a não ser que ele não fosse uma
criatura comum.
Não... Selene balançou a cabeça espantando aqueles pensamentos. Se ele
fosse o que ela cogitou, não estaria ferido, o mar teria o curado.
Selene olhou para aquele homem desvanecendo com um aperto no peito.
Não deveria ajudá-lo, sequer deveria tê-lo puxado para a areia. Essas eram as
regras e a rainha fazia questão de que fossem cumpridas à risca. Porém, era
incapaz de deixar aquele sujeito morrer. Havia algo nele, algo indescritível que a
impulsionava a cuidar do estranho.
Molhou as mãos no mar, extraindo da água toda a força que conseguia para
então puxar o homem pelos ombros e sair arrastando-o pela praia. O náufrago
poderia até morrer, mas não seria por Selene ter se recusado a prestar ajuda.

O sol entrava com receio pelas frestas dos bambus que formavam a sua
humilde cabana improvisada. Selene levantou a cabeça e olhou para o homem
descansando em sua cama. Era mesmo um milagre vê-lo respirando. O náufrago
parecia visivelmente melhor do que quando o retirara da praia, mas ainda estava
muito fraco.
Ela pegou um pouco de leite em um pequeno cantil e verteu nos lábios do
homem. Ele precisava se nutrir. Mas o leite parava na boca e escoava aos poucos
para o interior, porque o sujeito não fazia o movimento de deglutir.
— Alimente-se ou em nada adiantará ter sobrevivido até aqui. — Selene
empurrou um pouco mais de leite.
Assim que ela acreditou que ele havia sorvido o suficiente, trocou o lenço
na testa dele por um quente e limpo. Acariciou-o no rosto. Era um homem
bonito, com traços jovens. Deveria estar na casa dos seus vinte anos. Tinha os
músculos bem definidos e uma pele morena. Corou ao voltar sua atenção para o
único tecido que cobria suas partes. Ele estava despido. Fora Selene quem o
despira, mas ela não tinha outra escolha, as roupas dele estavam queimadas e
como cuidaria dos ferimentos com elas pregadas a ele?
Não tivera escolha. Dissera a si mesma pela centésima vez enquanto seus
olhos se perdiam no físico do desconhecido. Talvez ele fosse um deus e estava
testando seus os limites.
— Selene!
Tomou um grande susto quando uma intrusa adentrou sua cabana sem
qualquer aviso. Levou as mãos ao coração trepidante e encarou a porta.
Uma garotinha surgiu, com as mãos na cintura, e curvou o corpo para
encarar Selene.
— O que quer aqui, Frey? — Selene esticou o corpo para tentar impedir
que a garota visse o homem deitado em sua cama.
— A rainha solicita a sua presença.
— Mas o que a rainha quer comigo? — Selene engoliu em seco já
esperando pelo pior. E se a soberana da ilha soubesse que ela havia dado abrigo a
um mortal humano?
— O que está tentando esconder? — Frey esticou o pescoço e empurrou
Selene para o lado.
— Sagrados sejam os mares! Mãe lua! Isso... Isso é um homem? — Frey
ficou boquiaberta.
— Sim, é um homem. — Selene suspirou, não havia motivos para mentir.
— Sabe que homens não são permitidos nessa ilha. Lembra-se, quando
bebês homens nascem eles são dados em oferenda para o mar. Se a rainha
descobrir...
— Ela não vai! — Selene interrompeu a menina dirigindo a ela um ar
ameaçador que fez Frey recuar. — Não se não contar... — A voz dela esmaeceu
no meio da frase.
— Ela irá me punir por confabular com isso.
— Ela não pode lhe punir se não souber.
— Não, Selene! Essa é uma péssima ideia. — A menina balançava a cabeça
em negativa.
— Vamos lá, Frey, por favor...
— Tudo bem. — Assentiu a menina após alguns minutos encarando os
olhos suplicantes da mais velha. — Mas se a rainha perguntar eu juro com as
sete vidas de um gato que eu não sabia se de nada.
Selene riu.
— Tudo bem! Tem minha palavra que não a incriminarei.
— Certo. — Frey se esgueirou para dentro da cabana com um sorriso nos
lábios e os olhos brilhando de curiosidade. — Então assim que é um homem? —
Parou ao lado do sujeito adormecido.
Selene apenas assentiu com um movimento de cabeça.
— Parece interessante. — A menina o observava e cogitou levantar o tecido
para espiá-lo, porém, chegou à conclusão que não era o melhor a ser feito. Se
Selene havia coberto aquela parte era por um bom motivo. — Qual o nome dele?
— Eu não sei. Quando o encontrei na praia ele já estava desacordado.
— Vá encontrar a rainha. Eu posso cuidar dele.
— Não! Ele pode ficar sozinho. Venha comigo, pois acho que ficar aqui
pode levantar suspeitas.
— A escolha é sua. — Frey deu de ombros.
Selene olhou para o náufrago com canto de olho, antes de puxar a menina
para fora da cabana com ela.
— Sabe por qual motivo os homens não são aceitos aqui na ilha? — Frey
encarou Selene com os pequenos olhos brilhando de curiosidade.
— É assim desde que eu me lembro. Acho que muito antes disso. —
Selene cruzou os braços e continuou andando lado a lado com a menina.
— Já tinha visto um homem antes?
— Algumas vezes, nos navios. Quando começamos a cantar eles se atiram e
nadam até nós. Seria mais divertido se eles não morressem antes de sequer nos
tocar.
— Espero um dia sair com as adultas e afundar os navios também. — Frey
riu, empolgada, como se aquilo fosse a coisa mais divertida que se poderia fazer
ali.
Selene apenas balançou a cabeça em negativa e continuou andando por um
caminho de pedras ladeado por hibiscos vermelhos.
— Acha que ele estava em um navio que afundou? — insistiu Frey.
— É provável.
— Espero que ele acorde e possa nos contar.
Selene também esperava que ele acordasse logo. Não para que ele a
contasse coisas, mas sim que pudesse deixar a ilha em segurança rumo a outras
terras.
— Chega desse assunto.
Frey fez que sim enquanto Selene subia a pequena escada esculpida na
própria pedra da montanha e chegou a um lago natural suspenso. Uma mulher
nadou até a borda assim que a viu surgir. Ela apoiou as duas mãos na borda e sua
cauda azulada cintilou dentro da água termal e cristalina. Ela tinha longos
cabelos acobreados que se espalhavam como um véu sobre a água e olhos azuis
cristalinos, quase transparentes. Além disso, sua aparência não lhe passava mais
do que vinte e poucos anos, e dependendo do ângulo talvez uns dezoito.
— Para que me chamou aqui, mãe? — Selene esticou os braços ao redor do
corpo e estufou o peito em uma postura rígida.
— Achei que esse momento de ser áspera comigo houvesse acabado.
Imagino que às vezes nem se lembra de que somos família. Deve ter puxado
todo esse gênio rebelde do seu pai. — A rainha gargalhou.
— Como pode dizer isso se sequer conheceu o meu pai. — Selene revirou
os olhos.
— Era apenas mais um marinheiro que se atirou no mar por minha causa,
quem se importa? — A rainha deu de ombros. — Não foi para isso que eu a
chamei aqui.
— Então para o que foi?
— Na próxima lua cheia é o solstício de inverno. A chamei aqui para que
cuidasse dos preparativos para o evento. Quero todas nós reunidas em uma
grande comemoração.
— Tudo bem. É só isso?
— Sim, querida.
— Então vou me concentrar nas festividades.
— Obrigada, minha princesa.
— Por nada, mãe. — Selene fez uma breve reverência antes de dar as costas
e se afastar.
— Posso ajudar! — Frey seguiu Selene saltitando.
— Pode sim.
— Obrigada!

—M

amãe, está bem? — Bonnie entrou no quarto ao empurrar a porta com cautela.
— Não. É óbvio que não estou. — Odete se debruçou sobre a penteadeira e
escondeu o rosto entre os braços. — Achei que agora que tem os trigêmeos
entendesse.
— Entendo que está preocupada com Peter. — Bonnie se sentou na cama, o
mais perto possível da mãe sem invadir o espaço dela.
— Não estou apenas preocupada. — Odete encarou a filha ao limpar as
lágrimas dos olhos com as costas das mãos. — Eu mal posso sentir seu irmão e
às vezes eu fico me questionando se ele ainda está vivo. Quando o seu pai
morreu eu estava preparada para isso, ele era um mortal e isso aconteceria
inevitavelmente. Mas você e seus irmãos são lobisomens, deveriam ficar comigo
pela eternidade.
— Nós vamos ficar, mamãe. — Bonnie se levantou e a abraçou. — Vamos
mandar as duas alcateias atrás do Peter. Em algum momento nós iremos
encontrá-lo.
— Ele está em alto mar, querida. Pode estar à deriva. Nenhum lobo por
mais poderoso que seja irá conseguir encontrá-lo.
— Thessa, ela é uma sereia. Ela pode tentar encontrá-lo.
— Não sei se seu irmão permitiria que ela saísse nesse tipo de busca, nem
sequer é seguro.
Odete sempre fora uma mulher madura e equilibrada, porém diante da
perda de um dos seus filhos ela estava devastada e uma pilha de nervos. Queria
sair em uma busca atrás dele, mas sabia que ia ser inútil. Culpava a si mesma por
tê-lo deixado partir naquele navio. O lugar de um lobisomem era em terra firme
bem junto de sua alcateia. Juntos se protegiam e eram mais fortes.
Deveria ter sido uma mãe mais chata. Tê-lo feito se casar com uma dama de
bom nome e construir uma família. Queria que ele fizesse a ligação como os
irmãos, que encontrasse a sua outra metade. Contudo, Odete sabia bem quantos
séculos essa ligação poderia demorar. Ela mesma demorara centenas de anos e o
perdera num piscar de olhos. Seu falecido marido não era o melhor homem do
mundo, longe disso, porém o amava de todo o coração e queria que seus filhos
tivessem a oportunidade de sentir o mesmo em algum momento de suas vidas.
— Vamos encontrá-lo e trazê-lo de volta para casa, mamãe.
— Que os deuses a ouçam, minha pequena alfa... Que os deuses a ouçam.


Fazia alguns dias desde que os Hoperper sentiram que o destino de Peter
estava por um fio e desde então não houve mais paz no solar. Estavam todos
aflitos demais para conseguir respirar com tranquilidade.
Desde o sumiço de Peter, Bonnie e os trigêmeos não retornaram para
Darlan ainda que os bebês fossem muito jovens. Nem o marquês ousou deixar o
lado da esposa, dos filhos e do melhor amigo. Alec poderia não fazer mais parte
da matilha de Odete e não sentir como se houvesse sumido uma parte dele como
acreditava que todos estivessem se sentindo naquele momento, porém os
Hoperper ainda eram sua família das mais diversas formas.
Anthony estava sentado na varanda, diante do solar quando viu um homem
apontar no horizonte montado a cavalo. Sentiu o coração parar e ficou de pé na
esperança que fosse seu irmão mais jovem, porém logo a sua visão aguçada de
lobo revelou outros contornos. À medida que o homem em seu cavalo avançava,
a esperança no peito de Anthony ia morrendo aos poucos, principalmente
quando há metros do casarão reconheceu quem vinha.
Thom apeou do cavalo e terminou de se aproximar da entrada do solar com
passos hesitantes. Assim que seus olhos, que já não funcionavam como
antigamente, avistaram o conde parado para recepcioná-lo em pessoa, o
contramestre engoliu em seco. Será que ele já sabia?
— Milorde. — Curvou-se até quase dobrar toda a coluna.
— Onde está o meu irmão? — Anthony não perdeu tempo com
animosidades.
— Milorde, eu trago comigo uma notícia terrível... Duas na verdade. —
Thom engoliu em seco ao encontrar por uma fração de segundos o olhar furioso
do conde.
Anthony caminhou de um lado para o outro da varanda antes de parar
diante do homem outra vez.
— Fomos pegos em uma tempestade. — Thom tomou fôlego para
prosseguir. — O navio sofreu muitas avarias e está no porto da corte aguardando
reparos. Achamos mais seguro parar no primeiro porto. Mas a mercadoria está
intacta e poderá seguir até o destino o quão breve for possível.
— Que se dane a mercadoria, homem! Onde está meu irmão? — Anthony
rosnou como o animal furioso que era.
A esperança de que as preocupações do conde se resumissem aos bens e as
eventuais perdas financeiras caíram por terra quando o homem sentiu o ar ao seu
redor reverberar com o rosnado. Teria que dizer a verdade, se continuasse com
rodeios, tinha a sensação de que sua cabeça não seria poupada em um próxima
questionamento.
— Thom, irei perguntar-lhe apenas mais uma vez. Onde está o meu irmão?
— Morto, milorde — confessou e se encolheu como uma tartaruga em seu
casco, amedrontado com o castigo que pudesse receber.
Thom sabia que não tinha culpa pelo fatídico destino de lorde Peter. Era o
homem seu superior e capitão daquele navio, as ordens dele eram sempre
superiores às suas, porém ainda assim, sentia-se culpado pelo que havia
acontecido com o jovem lorde. Se fosse um conselheiro melhor talvez ele ainda
estivesse vivo.
— O que aconteceu? — Anthony deu um passo cambaleante para trás e
deixou que seu corpo pesado caísse sobre uma cadeira de balanço que Thessa
havia pedido para deixar ali, para que ela pudesse observar a estrada e o pôr do
sol nas montanhas, enquanto amamentava os filhos que tinha com o conde.
— Fomos pegos em uma tempestade e as velas ficaram presas no mastro, se
não fosse pelo capitão o mastro teria rompido e todos estaríamos mortos agora.
Seu irmão foi um verdadeiro herói.
— Ele foi um verdadeiro estúpido. — Anthony bufou. — O mastro quebrou
em cima dele?
— Não. Ele foi atingido por um raio e depois lançado ao mar por uma onda.
Ao menos sua morte não foi dolorosa. Porque quando se é atingido por um raio,
ninguém respira o próximo segundo. Eu sinto muito por seu irmão, milorde. —
Thom baixou a cabeça em sinal de respeito, ele realmente lamentava.
— Papai — Trish apareceu na porta do solar e encarou o sujeito que
conversava com Anthony e viu a cara de desolação que tomava conta do rosto de
seu pai. — O que está acontecendo?
— Não é nada, minha princesa. — O conde se virou para a primogênita e
tentou sorrir ao encarar o par de olhos azuis que ela havia herdado da mãe. —
Volte para dentro.
— Estão todos tão estranhos, mas ninguém me diz o que está acontecendo.
Foi algo com o tio Peter?
Anthony respirou fundo. Ainda que a natureza sobrenatural de Trish ainda
fosse uma incógnita para todos, como parte daquela família, ela também sentia
algumas coisas.
— Obrigada por me informar, Thom. Agora preciso ficar com a minha
família.
— Sim, milorde. Meus mais sinceros sentimentos.
Anthony se levantou e estendeu a mão para a filha que entrelaçou seus
pequenos dedos nos dele.
— Vamos entrar. Preciso conversar uma coisa com a vovó.
Trish assentiu e caminhou com ele para o interior do solar.

À medida que os dias iam avançando, a recuperação do estranho náufrago
surpreendeu Selene. As queimaduras antes horrendas e graves iam aos poucos se
tornando manchas vermelhas na pele, ao contraste com o pequeno corte na pele
que não sarava nunca. A princesa estava começando a ficar preocupada com a
possibilidade do tecido da região acabasse gangrenando. Usara todos os seus
conhecimentos no trabalho com algas, mas não parecia adiantar nada.
Selene contornou a face do homem com a ponta dos dedos. Ele era tão
bonito para morrer daquela forma. Ficou se perguntando qual seria a cor dos
olhos do náufrago e se teria a oportunidade de vê-los algum dia.
— Como ele está?
Selene deu um pulo de susto e quase deixou o pote com pomada cair ao
chão.
— Sua...
— Não ouse me xingar. — Frey se segurou na porta enquanto balançava o
corpo de um lado para o outro.
— Sabe que odeio quando me assusta dessa forma. — Selene colocou a
pomada no chão e se virou para encarar a menina.
— Mas não deixa de ser divertido. — Ela deu de ombros, debochada.
A princesa torceu os lábios e se conteve para não amaldiçoar a criança,
porém respirou fundo e abriu um meio sorriso.
— Ele está bem, vai ficar bem... Eu acho. Mas não posso dizer o mesmo da
perna dele. O ferimento está ficando cada vez mais feio.
— Acha que teremos que amputar. — Frey sorriu de uma forma sombria.
— É muito jovem para ser tão cruel, menina.
— Aprendi com a melhor. — Ela deu de ombros e Selene soube que estava
se referindo a rainha.
Selene não tinha orgulho da mãe. Ametista nunca fora uma mulher gentil ou
amável, a sede por poder e domínio, sempre ficou clara em cada um dos seus
atos e não esperava que ela melhorasse tantos anos depois.
— O solstício é hoje. Já está tudo pronto?
— Pelos deuses. — Selene soltou a pomada e passou as mãos pelos
cabelos. — Quase me esqueci. Preciso montar algumas piras e fazer o altar de
oferendas para a deusa. Ainda bem que está aqui e pode me ajudar.
— Não mesmo. Essa é uma tarefa sua.
— Frey, por favor. — Selene arregalou os olhos, piscando repetidas vezes
na esperança de convencê-la, porém Frey apenas riu.
— Se quer que eu comece a gargahlar, está quase conseguindo.
— É uma menina muito má, Frey.
— Eu sou terrível. — A Garotinha gargalhou.
— Vem, vamos logo me ajudar. — Selene a puxou pelo braço e saiu a
arrastando para fora da cabana.



Peter acordou com o som da música, mas não conseguiu abrir os olhos no
primeiro instante. Toda a sua cabeça estava doendo como se tocassem o tambor
dentro dela, porém as vozes, a música melodiosa, saída de uma garganta
feminina quase angelical, o impulsionava a querer se levantar e saber de onde
vinha. Precisava chegar mais perto...
O Lorde reconhecia aquele tipo de música, não era um tolo, morava com
uma sereia e sabia que apenas aquela voz era capaz de levar mil homens ao mar.
Deveria estar ficando louco, pois ouvia dezenas de vozes ou será que o seu navio
estava cercado?
Abriu os olhos. A dor em cada ponto do seu corpo despertou-o no mesmo
instante. Só se lembrava de ter sentido algo similar aquilo na noite de sua
primeira transformação. Cada parte do seu ser ardia e estava prestes a rasgar de
dentro para fora. Ainda podia sentir a prata em seu sangue, o que dificultava a
sua cicatrização. Maldita faca! Fora mesmo um estúpido ao se atrever a carregar
consigo um objeto que poderia significar a sua própria morte.
Estava escuro, mas ao seu redor pôde perceber a estrutura de palha e
bambu, bem como a cama improvisada onde repousava. Era como se tudo
houvesse sido feito às pressas, porém com o maior cuidado para lhe prover o
mínimo de conforto.
Sentiu o cheiro de ervas e especiarias em seu corpo. Alguém estava
cuidando de seus ferimentos. Seria algum de seus marujos? O lorde se lembrava
muito vagamente do que havia acontecido na noite em que caíra no mar. Depois
do clarão do raio, tudo se resumia a faca caindo com ele e cortando a sua perna.
Tentou se mover para enxergar o ferimento, mas foi inútil, só sentiu mais dor e o
cheiro de algo podre se intensificou. Iria morrer com aquilo se não se
transformasse logo. Apenas na forma de lobo, o seu corpo seria capaz de
expulsar os fragmentos de prata que estavam lhe fazendo tão mal, envenenando-
o de dentro para fora. Mas como? Mal conseguia se mover.
Impulsionou o corpo para frente, todavia não foi atendido. Virou para o
lado e rolou para fora da cama, caindo no chão ao lado do amontoado de palha
onde estava deitado. Urrou de dor quando seu braço ainda queimado bateu no
chão áspero e cheio de pedregulhos.
Vamos, Peter! Tentava se auto motivar. Precisa da forma de lobo para se
curar mais rápido. Ainda era lua cheia, Peter podia senti-la, não deveria ser tão
difícil concretizar a transformação, mas estava sendo.
Rosnou, sentindo suas entranhas revirarem. Era um lobo ferido e faminto.
Precisou de toda a força que ainda havia em seu interior para concretizar a
transformação. Acabou desmaiando, uma, talvez duas vezes. A dor era tão forte
que não importava o quanto fosse resistente, era quase impossível suportá-la.
Peter tinha certeza de que se não fosse um lobisomem já estaria morto.
Nenhum corpo humano suportaria as mazelas pelas quais os seu passou.
Sentiu seus dedos se tornarem garras e cravou-as no chão enquanto seus
ossos se partiam e se remodelavam. A dor ainda era intensa, mas aos poucos ia
amenizando, à medida que a transformação avançava. Quando Peter assumiu sua
forma de lobo, um enorme lobo caramelo, ele não sentia mais as queimaduras do
raio, apenas a prata que ardia por todo o seu sangue.
Ergueu o corpo e uivou.


Selene estava dançando com uma vela em cada mão e parou diante da
rainha, assim que ouviu o uivo. As demais sereias que dançavam pararam logo
atrás dela.
— O que foi isso? — Ametista se moveu em seu trono.
— Um uivo, majestade — disse uma das dançarinas.
— Disso eu sei. — A rainha mostrou os dentes. — Mas não existem lobos
nessa ilha.
— Devem ser um sinal dos deuses, mãe — Selene disse a primeira desculpa
que passou pela sua cabeça. Não queria que começassem uma caçada pela ilha e
encontrassem a cabana e o homem ferido.
— Deuses? — A rainha franziu o cenho. Tal afirmativa não fazia o menor
sentido para ela. Porém, um lobo naquela ilha também não. — Continuem. —
Fez um gesto com as mãos e a música voltou a ser tocada nos tambores.


Assim que Selene conseguiu escapar das festividades, ela correu até a
cabana para saber como o sujeito estava. Ofegando, apoiou na entrada e
impulsionou o corpo para dentro. Esperava vê-lo deitado na cama, mas o que
encontrou a tomou com um susto quase indescritível. Sem palavras, recuou em
alguns passos trôpegos.
Ao lado da cama estava um enorme lobo que a encarava. Pelos deuses! De
onde havia surgido tal criatura?, questionou-se em pensamentos.
Encarou o lobo e ele a encarou de volta. Seus olhos procuraram o homem
que deveria estar deitado na cama, mas não o encontrou. Imaginou o pior.
Aquela criatura deveria tê-lo devorado, apesar de não existir nenhuma mancha
de sangue pela cabana.
O lobo recuou, demonstrando que mancava com sua pata traseira. Ele
estava machucado, ferido na mesma perna que o humano.
O lobo permaneceu encarando a mulher, sem saber que ela era a sua
salvadora. Os olhos translúcidos e arroxeados como ametistas o hipnotizaram.
Nunca contaram a Peter como a ligação acontecia. Ele pensou que em um belo
dia iria acordar com um impulso no peito de sair atrás de uma desconhecida e
torná-la sua. Ele não sabia que para a ligação acontecer ele apenas precisava
estar diante da mulher certa.
Ele não sabia quem a estranha era, onde estavam e qual era o seu nome.
Mas Peter tinha certeza de uma coisa: era ela...
Selene se agachou e pegou um toco de madeira.
— Sua fera sanguinária, não sei como chegou aqui, mas saiba que eu não
tenho medo e posso acabar com você. — Ameaçou com o pedaço de pau.
Peter recuou, mas acabou batendo a cauda na estrutura de bambu e palha da
estranha cabana. Não havia como fugir. Ela estava entre ele e sua única saída.
Selene se aproximou com o pau e Peter rosnou a fazendo recuar.
O lobo abaixou a cabeça e colocou as patas na frente do rosto, enquanto
ficava estático. Selene não sabia o que fazer, então apenas observou, e para sua
total surpresa e espanto, o lobo foi se tornando um homem do qual ela
reconheceu cada traço, pois havia cuidado dele por dias a fio.
— Pelos deuses! — Soltou o pau que usaria como arma e cobriu a boca
com as mãos.
— Não se assuste. — Peter ergueu as mãos em sinal de rendição. — Eu não
irei machucá-la.
Não foi disso que Selene sentiu medo. Assim que encarou o homem à sua
frente ela experimentou a sensação de ser atingida em cheio por uma grande
onda, que a fazia afundar e que não deixava se lembrar de que precisava respirar.
Ele estava completamente nu, isso não era uma novidade, pois a própria Selene
quem removera as roupas queimadas do homem. Porém, vê-lo acordado, a
encarando, tornou as coisas completamente diferentes.
Durante o tempo em que velara o sono dele, Selene havia se perguntado
qual era a cor dos olhos do homem e se chegaria a vê-los. Agora podia olhar
diretamente para eles, intensos e castanhos como duas amêndoas. Mas não foi
aquele olhar que mais lhe prendeu. Ao admirar o corpo esguio, seu coração
acelerou e ela engoliu em seco. Ao admirar a pele morena do peito e escorregar
o olhar até logo abaixo da cintura, Selene corou. O membro dele que se erguia de
um amontoado de pelos negros não parecia tão grande durante o tempo que ficou
adormecido.
Peter ouviu as batidas do coração dela e viu as bochechas corarem. Deveria
ter imaginado que sua nudez a incomodaria. Puxou um tecido que estava no chão
e se cobriu.
— Desculpe-me, milady. Não deveria ter me visto dessa forma. Onde
ficaram os meus modos? Mas eu acordei e não encontrei nenhuma das minhas
roupas.
— Elas estavam queimadas demais para serem usadas novamente, lamento.
— Tudo bem. — Ele amarrou o tecido envolta da cintura. — Onde eu
estou? — Voltou a encará-la. — Eu me lembro de pouca coisa. Só que caí do
navio, após ser atingido por um raio.
— Está na ilha de Akan. Eu o encontrei na praia enquanto caminhava
durante a tempestade. Estou surpresa por não estar morto. Apenas os deuses
podem explicar a sua façanha.
— Acho que viu a sua resposta há pouco, milady.
— O que é...
— Eu sou um lobisomem. Parece insano, eu sei... Mas...
— Eu acredito em você. — Selene sorriu colocando uma mecha do cabelo
acobreado atrás da orelha. — Eu sou uma sereia.
Sereia? Peter ficou contente ao constatar que estava diante de outra imortal.
Pela natureza de sua cunhada, conhecia as sereias o suficiente para não encher a
gentil dama com muitas perguntas.
Foi a vez dele reparar nela. Com a pele levemente bronzeada, os olhos cor
de ametistas e o cabelo acobreado, podia jurar que era a mulher mais bela que já
havia visto em algum momento de sua vida. Ela usava um vestido solto, sem
mangas sobre os ombros e preso por um cinto à cintura. Uma peça simples, mas
que não poderia ser mais perfeita, pois revelava várias partes do corpo. Peter
umedeceu os lábios ao ver a marca dos mamilos rosados que pressionavam à
peça.
— A quem devo a minha vida? — Ele fez uma breve reverência, tentando
não se deixar levar pelo desejo que sentiu por aquela desconhecida.
Ela levou longos segundos para se dar conta de que o náufrago estava
perguntando o seu nome. Se perdeu no hipnotizante olhar dele.
— Selene... meu nome é Selene.
— Obrigada por ter salvado a minha vida, Selene. Meu nome é Peter.
— Não agradeça ainda. — Ela passou os braços ao redor do corpo e a única
coisa que Peter conseguiu pensar era em como a pressão ressaltava o volume dos
seios.
Peter piscou os olhos repetidas vezes. Ele não costumava ser um homem
devasso. Tivera sua cota de casos e noites com prostitutas, mas o sexo nunca
fora a principal sensação que nutria em sua vida. Ficava meses no mar sem tocar
uma mulher e nunca teve grandes problemas com isso. Contudo, diante dela, não
conseguia parar de se comportar como uma hiena faminta.
— Por que não? — Deu um passo na direção de sua salvadora.
— Se a minha mãe descobrir que resgatei um homem na praia e estou
cuidando dele às escondidas, ambos estaremos mortos antes do nascer do sol.
— Entendo. Uma mãe faz de tudo para defender a honra de uma donzela.
Eu não ousarei tocá-la ... — desde que você não queira, completou em
pensamentos. — Tem a minha palavra.
— Essa não é questão. Homens não são permitidos nessa ilha. Estou
quebrando uma dezena de leis por mantê-lo aqui.
— Precisa que eu vá embora? — Peter nunca fez uma pergunta carregada
com tanto pesar.
— Sinto muito. Mas a sua perna ainda não parece boa. — Ela apontou para
o ferimento.
— Eu me cortei com uma faca de prata, vai levar o tempo de uma ferida
mortal para curar. Mas posso partir agora mesmo para não lhe causar problemas.
— Por dentro Peter se questionava sobre o fato de não fazer ideia de como sair
dali, não tinha mapas nem qualquer instrumento de navegação, sequer tinha um
barco para navegar de volta para Marshland.
— Precisa se curar. Depois pensaremos em um jeito de você deixar a ilha.
— Obrigada, lady Selene. Lamento poder agradecê-la apenas com minhas
palavras.
— Elas são o bastante. — Selene sorriu ao encará-lo.
Peter estava contente ao pensar que ganharia mais alguns dias na
companhia dela, porque em seu íntimo sentia uma força dizendo-o para nunca
sair do lado daquela estranha. Mas como contar para uma mulher que mal o
conhecia que ela havia sido destinada a ele?
— Eu preciso ir. Se ficar muito tempo longe da festividade, minha mãe irá
notar a minha falta. Não uive de novo, por favor, ou acabarão vindo até aqui.
— Tudo bem, milady.
— Pode me chamar apenas de Selene.
— Como desejar.
Ela deu as costas e saiu da cabana. Peter se sentou na cama e ficou
observando-a se afastar. Pelos deuses! Como ela era linda!


— Onde estava, minha criança? — Ametista perguntou a filha assim que
essa surgiu em seu campo de visão. — Procurei-a em cada canto, mas não a
encontrei.
— Eu estava apenas respirando a brisa do mar e observando a lua.
Saudando aos deuses por mais esse solstício antes que o sol se ponha por
completo.
— Faz bem. — Ametista a acariciou no ombro. — Venha comigo, tenho
algo para lhe dar.
— O que seria? — Selene a encarou, curiosa.
— Não se revelam presentes, criança.
— Certo. — Selene deixou sua taça de vinho sobre uma das mesas de
madeira e seguiu a mãe.
Aproximara-se do trono feito com corais e conchas e Ametista pegou um
baú que estava atrás dele.
— Encontrei isso no fundo do mar, nas ruínas de um navio que naufragou,
imagino que será de seu agrado.
Selene abriu o baú e encontrou dentro dele um belo colar de águas marinhas
e brilhantes.
— É lindo, mãe. Mas ele não faz mais jus a uma rainha?
— Também será uma um dia. Mesmo se não for, uma bela princesa merece
joias.
— Obrigada, mãe. — Selene manteve o sorriso enquanto colocava a joia ao
redor do pescoço.
Ela se virou para observar as sereias que ainda dançavam ao redor da
fogueira, que refletia sua luz vermelha em cada rosto, enquanto o sol ia descendo
no horizonte e entrava por completo dentro do mar.
— Ainda estou curiosa com aquele uivo. — A rainha continuou ao lado da
filha.
Selene engoliu em seco.
— Eu já lhe disse, mãe. Deve ser um sinal dos deuses, por qual outro
motivo ouviríamos lobos nessa ilha?
— Tem razão, minha criança. Vamos dançar. — Ofereceu a mão enquanto a
puxava para perto da fogueira.

P eter estava deitado na cama improvisada, olhando para o teto e para lugar
nenhum, quando ouviu uma voz suplicante, quase um choro em sua mente. Sua
mãe, a alcateia... deveriam estar todos muito preocupados.
Jurava ser capaz de ouvir o choro de sua mãe, sua alfa, no fundo de sua
mente como um penoso lamento.
Mãe... tentou chamar por ela, mas a distância não ajudava. Mãe...
Meu filho... pôde ouvir a voz dela distante, como um longínquo sussurro.
Mãe...
Peter, ainda está vivo?
Ele franziu o cenho e arqueou as sobrancelhas, surpreso com a pergunta.
Apesar disso, logo se recordou de tudo o que havia passado e entendeu todo o
desespero de sua mãe. Ela e a matilha devem tê-lo sentido partir.
Eu estou.
Precisa voltar.
Quanto mais tentava manter a comunicação, mais fraco ele ia se sentindo. A
ligação e os fios psíquicos que os entrelaçavam não eram feitos para funcionar a
distância, por isso um lobo nunca deveria se afastar demais de sua alcateia. Peter
acabou perdendo os sentidos e caindo num sono profundo. Ainda estava muito
exausto.


— Preciso ver como ela está. — Bonnie ajeitou um dos trigêmeos em seu
braço antes de abrir a porta para o quarto de sua mãe.
— Ela está abatida. — Thessa mordeu os lábios com pesar ao encarar a
cunhada. — Eu a entendo, fico me perguntando se fosse um dos meus filhos.
Bonnie abriu a porta e encontrou a mãe desacordada sobre uma das cadeiras
e correu até ela. Entregou o filho para Thessa e segurou Odete. Só conseguiu
esboçar alívio quando percebeu que sua mãe respirava sem dificuldade.
— Ela deve estar exausta. — Thessa ninava o bebê em seu colo.
— Sim, está. — Bonnie pegou a mãe em seu colo e a colocou na cama. —
Espero que ela consiga dormir...
Assim que terminou a frase, seu filho começou a chorar e estendeu as
mãozinhas em sua direção.
— Assim vai acordar a vovó, pequeno. — Bonnie o pegou de volta e o
aninhou em seu peito, fazendo-o parar de chorar quase no mesmo instante.
Bonnie balançou a cabeça em negativa e Thessa riu.
— Que culpa ele tem por querer ficar perto da mãe?
— Nenhuma. — Bonnie beijou o filho no alto da cabeça e se apressou em
voltar para sala de visitas informal onde seus outros dois filhos estavam com o
pai.
Ela ainda não podia acreditar que seu irmão estava morto. Sentia uma
enorme falta dele e acima de tudo, entendia a dor de sua mãe. Jamais poderia
viver sem aquelas criaturinhas que haviam saído de dentro dela.
P eter viu Selene entrar na cabana com o sol brilhando em seus cabelos e em
seu sorriso. Sentiu que poderia passar a eternidade apenas a observá-la.
Ela percebeu que era observada e sentiu suas bochechas corarem. Já vira
homens, já afundara embarcações, já tocara neles, mas nunca havia sentido o que
Peter despertara nela. Queria ficar perto dele, perto o bastante para poder tocá-lo
de novo, contudo sem o esmero de tentar mantê-lo vivo.
— Como está se sentindo? — Desviou o olhar.
— Bem melhor, graças ao seu cuidado.
— Trouxe algo para se alimentar.
— Obrigado, estou mesmo faminto. — Peter se levantou e caminhou até
ela.
Selene tentou disfarçar seu olhar que acompanhava o tecido preso à cintura
dele. Subiu o olhar, mas o abdômen do homem também a atraía. Tentava
justificar toda a atração por Peter com o fato de não haver homens na ilha.
— Trouxe algo para que vista. Não é a roupa de um lorde, mas é mais
confortável do que esse tecido.
— Fico grato.
Selene o viu segurar o tecido prestes a tirá-lo e virou de costas para não vê-
lo completamente nu outra vez. O pior era que quanto mais a vergonha a
consumia, mais Selene tinha vontade de se virar e olhá-lo. Acabou movendo a
cabeça brevemente e viu o tecido cair ao chão. Depois voltou a olhar para frente.
— Pronto, estou vestido.
Ela se virou e encontrou um sorriso gentil nos lábios do homem.
— Está com fome?
Peter fez que sim.
Ela abriu a toalha onde havia enrolado a comida e ofereceu a ele. Havia
algumas broas de aveia e frutas. Peter pegou uma uva e levou a boca, comendo
com gosto. Seu corpo reverberou com a necessidade por mais, deixando claro
que não fora bem alimentado nos outros dias. Mesmo com o esforço de Selene,
Peter era incapaz de comer qualquer coisa estando desacordado.
— Não está com fome? — Estendeu a pera para ela.
— Eu trouxe para você. — Deu de ombros.
— Mas podemos comer juntos. — Peter bateu a mão sobre a cama,
convidando-a a sentar ali.
Selene sorriu e acatou o convite, realmente havia trazido mais do que o
necessário para os dois. Ela pegou uma oliva e mastigou.
— Sua perna já parece bem melhor. — Ela observou com atenção. Não
havia mais sinais da gangrena, apenas a cicatrização natural da pele. Em breve
não haveria mais ferimento algum naquele local.
— Sim, minha transformação expulsou a prata que corria dentro das minhas
veias e já estou bem melhor.
— Deveria ter se transformado desde o início.
— Para isso eu precisava estar acordado.
Selene abriu um sorriso sem graça, ele estava certo. Percebeu a besteira que
havia dito. Para ela se transformar em sereia uma ordem tinha que sair dos seus
pensamentos para o restante do corpo, desacordada não conseguiria.
— Desculpe-me.
— Não a nada o que se desculpar, Selene. — A encarou de maneira
desafiadora, como se fosse capaz de mergulhar na profundeza dos olhos dela. —
Salvou a minha vida. Eu lhe serei eternamente grato.
Ela apenas desviou o olhar e estendeu a mão para uma broa no mesmo
instante em que Peter. Selene sentiu um calafrio que varreu todo o seu corpo e a
deixou arrepiada quando sua pele tocou a de Peter. Havia um calor ali que ela
não sabia dizer a origem. O toque fez seu coração disparar e sua boca ficar seca.
Peter a viu paralisada e sentiu o coração descompassado da lady. Talvez ele
devesse conter os próprios impulsos, não queria assustá-la, porém sempre houve
um pouco de imprudência naquele jovem lorde. E se nunca mais tivesse outra
oportunidade?
Lidaria com a consequência de seus atos depois... Puxou a mão de Selene e
a colocou sobre seu ombro, fazendo-a arregalar os olhos ainda mais. Enlaçou
pela cintura e puxou-a para mais perto. Foi atrevido, imprudente, mas não receou
em tomar os lábios dela. Talvez agora entendesse o motivo dos irmãos de beijar
tanto em público, mesmo contra o decoro.
Era impossível resistir...
Selene foi arrematada pelo susto. Recuou no primeiro segundo, porém em
seguida qualquer resistência se derreteu diante do calor dos lábios dele. Apertou
o ombro onde ele havia colocado a sua mão e cedeu ao beijo.
Peter pressionou a língua contra os lábios aveludados no instante em que
escorregava as mãos pelas costas dela e a pressionava ainda mais contra o seu
corpo. Selene cedeu passagem entreabrindo os lábios. Ela não pensou muito, não
quis pensar. O fato de estar beijando um homem não era contra a lei. Levara
muitos para o fundo do oceano com seus beijos. Mas seu corpo reagia de forma
diferente e totalmente inesperada às carícias e ao beijo de Peter. A forma como o
seu corpo delicado se moldou ao dele, inflamou nela um desejo avassalador.
Peter a puxou para o seu colo, enquanto segurava firme a cintura com uma
mão e com a outra segurava os cabelos dela pela nuca. Provar de Selene, atiçou
o fogo em suas entranhas e talvez esse tivesse sido o seu maior erro, porque não
estava disposto a se afastar. Ele se deixou levar pelo prazer daquele beijo até que
seu corpo ansiou por mais. Quando sentiu suas mãos subirem até os seios de
Selene, cujos mamilos marcavam o tecido do fino vestido e clamavam por seus
lábios, ele se afastou e a colocou sentada ao seu lado outra vez.
Selene soltou gritinhos de protesto. Num segundo estava perdida na
maravilhosa sensação de ser beijada com tamanho fulgor, e no momento
seguinte tudo havia acabado de uma maneira tão brusca que ela sequer poderia
acreditar ser real.
— Eu não deveria ter feito isso. — Peter balançou a cabeça em negativa,
mas em seu interior não estava nem um pouco arrependido. — Peço o seu
perdão.
— Não há o que perdoar. — Selene passou a língua pelos lábios arroxeados
de tanto beijar.
Ela era confortada com uma calorosa sensação em seu peito.
Peter abriu um sorriso. Não tinha dúvidas de que tais palavras eram tudo o
que ele desejava ouvir. Estava prestes a puxá-la para si novamente quando
Selene se levantou.
— Preciso voltar para junto da rainha.
— Imagino que seja o mais adequado. — Ele ajeitou a túnica tentando
esconder o comprometedor volume do seu desejo.
— Até mais tarde, Peter. — Ela se esgueirou para fora da cabana.
— Até, Selene... — Quando ele sussurrou a sereia já estava longe demais
para ouvir.
A princesa saiu com o coração palpitando. Queria mais dos beijos e dos
toques dele, queria mais... Porém, não sabia se insistir para que ele continuasse
era o mais prudente a se fazer. Não convivera com homens e não sabia como
deveria se portar diante de um. E suas sensações e sentimentos desequilibrados
também não a ajudavam muito.
Caminhou cantarolando para o sol, tocando nos arbustos pelo caminho que
levava até o palácio de sua mãe, uma construção feita de pedras e corais. Por
mais que estivesse na terra, todo o lugar tinha cheiro de mar.
Selene subiu os degraus saltitando e seguiu por um corredor lateral até um
quarto. O seu quarto. Assim que entrou, deparou-se com Frey deitada em sua
cama de barriga para baixo e balançando os pés no ar.
— Como está o mortal?
Ele não é um mortal!, Selene comentou apenas em pensamentos, saber que
ele era um lobisomem não era uma informação relevante para a pequena Frey.
— Ele está bem. — Selene deu de ombros sem se delongar.
— Por que você está corada?
— Não estou corada. — Ela se aproximou de um espelho para ter certeza.
— Está sim.
— Deve ser o sol. — A princesa massageou as bochechas avermelhadas.
— O sol nunca a deixou assim antes.
— Qual a importância de minhas bochechas estarem ou não avermelhadas?
— Selene se virou para a menina, apoiando as costas na penteadeira e cruzou os
braços.
Frey rolou na cama e encarou a princesa de cabeça para baixo.
— Só queria saber se foi por causa do homem...
— Frey! — Selene cerrou os dentes e rosnou. — Qual a parte do que
conversamos sobre ser um segredo esqueceu-se?
— Nenhuma. — A menina girou na cama outra vez.
— Segredo? — Ametista surgiu na porta, apoiando as duas mãos na cintura.
— Qual segredo?
— Sobre eu nadar até mar aberto com a Frey. Ela me pediu muito. —
Selene desconversou.
— Traidora. — Frey fechou a cara entrando na mentira. — Sabe que não
iriam deixar. Esse era o nosso segredo.
— Ainda é muito jovem para isso, Frey. Precisa do total controle dos seus
poderes.
— Viu! — Ela sentou na cama com um pulo e cruzou os braços. —
Ninguém me deixa participar dos momentos divertidos.
— Tudo ao seu tempo, criança. — Ametista abriu um meio sorriso. — As
leis existem para garantir a nossa sobrevivência.
— Somos imortais! Para que temos que nos preocupar com a nossa
sobrevivência?
— Para que não aconteça conosco o que aconteceu com a sua mãe.
— Ela só precisava ter sido mais esperta para não ser capturada pela rede de
um navio. — Frey deu de ombros. A menina já havia sofrido muito com o que
acontecera com a sua mãe, com o passar do tempo já nem se preocupava mais.
— Não queremos que o mesmo aconteça com nenhuma outra.
— Eu só queria nadar até o mar aberto. — Balançava a cabeça.
— No seu devido tempo — prometeu a rainha.
— Que escolha eu tenho...
— Selene? — A rainha se voltou para a filha, que parecia muito mais
dispersa do que o comum.
— Sim, mãe.
— Preciso de sua ajuda para resolver um impasse entre Galada e Marien.
Pode vir comigo.
— Como desejar. — Selene soltou a penteadeira e caminhou até a mãe.

—E le ainda está vivo! — Odete surgiu na sala onde todos se reuniam e
pegou os filhos de susto.
— Quem está vivo, vovô? — Trish parou de brincar com sua boneca e
caminhou até a matriarca da família.
— Seu tio Peter, querida. Ele está vivo.
Anthony olhou para o chão por alguns segundos antes de suspirar e virar-se
para a mãe sem se levantar de sua poltrona.
— Mamãe, lembra-se do que eu disse? O contramestre veio até aqui e me
contou que Peter foi atingido por um raio e caiu no mar. Mesmo sendo um
lobisomem, caso ele tenha sobrevivido ao raio, é bem provável que tenha se
afogado nas ondas da tempestade.
— Até parece que não quer seu irmão de volta. — Odete cruzou os braços e
fez um bico.
— Ninguém disse isso, sogra. — Thessa se aproximou dela e colocou a
mão sobre o ombro da mulher. — Todos nós estamos muito tristes com a perda
do Peter.
— Tio Peter me ensinou a andar a cavalo — comentou Lion sentado ao
lado da irmã.
— Onde está a Bonnie?
— Ela e Alec precisaram voltar para Darlan. Com a guerra ainda em
andamento, as fronteiras de Darlan precisam de proteção constantes —
comentou Anthony. — Mas ela virá para o enterro simbólico do Peter amanhã.
— Não ouviu o que eu disse! — Odete rosnou como a loba feroz que era.
— Não haverá enterro. Seu irmão está vivo.
— Como pode ter tanta certeza? — O conde massageou os joelhos com as
mãos. Já havia perdido totalmente as esperanças quanto a encontrar o paradeiro
do irmão.
— Eu o ouvi. Consegui estabelecer uma conexão com ele. Muito fraca pela
distância, mas o suficiente para ter certeza de que ele está vivo.
— Onde Peter está? — Os olhos de Anthony brilharam com o vislumbre de
esperança.
— Eu não sei. — Odete abaixou o rosto. Desapontada consigo mesma.
— Tudo bem, mamãe. Se ele está vivo nós iremos encontrá-lo.


Peter estava sentado sobre uma pedra, sentindo o sol pesar sobre os seus
ombros e o vento soprar seus cabelos que eram da altura do queixo. Do alto, ele
poderia observar todo o caminho até a cabana e o mar que tocava a areia na praia
muitos metros à frente. Era uma visão estonteante, talvez uma das mais incríveis
que já vira. Aquela ilha era deslumbrante, apesar de pequena.
Dali ele também era capaz de enxergar as construções das sereias. Elas
pareciam fazer parte do próprio mar, como se esse tivesse secado na região onde
estavam, pois eram feitas de pedras, conchas e corais.
Viu Selene se aproximar da cabana e desceu de onde estava para caminhar
até ela. Encontrou-a com as mãos na cabeça e com uma expressão de desespero
no rosto.
— Olá!
Selene pulou de susto.
— Onde estava?
— Lá em cima, observando a vista. — Peter deu de ombros como se
estivesse falando sobre a coisa mais simples possível.
— Fiquei preocupada. — Ela passou as costas da mão pela testa que
brilhava com um suor frio.
— Eu estou bem. Nenhuma rainha assassina de homens ousou tocar em
mim. — Ele riu.
— Isso não tem graça. — Ela apertou os lábios e os olhos, encarando Peter
com expressão de ferocidade. — Não deve sair da cabana, se alguém o ver...
— Não se preocupe... — Ele a envolveu pela cintura e puxou para junto do
seu peito. — Eu sou um lobisomem, posso cuidar de mim mesmo.
— Diz isso para o homem que eu encontrei praticamente morto na praia. —
Ela fez um bico que Peter não resistiu. Puxou-a para si e Selene não o afastou, ao
contrário disso, envolveu o pescoço dele com os braços.
O calor do beijo foi despejado pelo corpo da sereia quando ela abriu a boca
cedendo passagem a voraz língua do lobo. Ela nunca sentiu seu sangue fluir de
maneira tão quente e selvagem por suas veias. Daquela vez estava determinada a
não o afastar ou permitir que ele se afastasse. As mãos fortes e firmes subiram da
cintura até a base dos seios, apertando-os com pressão moderada. Selene gemeu
contra os lábios que pressionavam os seus. Ela arfou com a potência do desejo
que a dominava. Talvez fosse por isso que sua mãe tanto insistia contra a
presença dos homens?
Parou de pensar quando Peter escorregou os lábios até a base do seu
pescoço e a beijou ali, incendiando de vez a sereia. Ela jogou a cabeça para trás e
se deixou ser arrebatada pela intensa e prazerosa onda de sensações que cada
toque, cada mordida, cada roçar da língua e beijo despertava em Selene.
Peter segurou o decote do vestido dela por dentro e puxou as alças para o
lado, abrindo o vestido e deixando-a nua da cintura para cima. Os atraentes seios
com bicos rosados eram ainda mais irresistíveis ao alcance dos seus lábios. O
lorde sabia que no momento em que os tocasse dificilmente pararia, porém se ela
não havia o detido, não caberia a ele se afastar.
Apertou-a na cintura no instante em que abocanhava um dos seios,
sorvendo do seu sabor. Deliciou-se com o gemido suave que ela deixou escapar.
Enquanto a tateava com as palmas das mãos abertas, explorando cada pedaço.
Peter pouco se importou aonde estavam ou quais eram suas chances de voltar
para casa. A única coisa que conseguia enxergar era que a sua quase morte havia
servido para encontrar a mulher que nascera para ele.
Seu corpo ansiava por tomá-la, fazê-la sua daquela vez e para sempre.
Encarou-a nos olhos e não precisou que Selene dissesse mais nada para tomar
conhecimento da verdade. As pupilas tingindo o arroxeado de preto, os lábios
semiabertos, a necessidade ofegante... Selene o queria tanto quanto Peter a
desejava.
Peter a pegou no colo e a trouxe para dentro da cabana. Deitou-a sobre a
cama e ela não emitiu protesto alguns, seus olhos apenas brilhavam com a
ansiedade. Emaranhou seus dedos no cabelo dele e o deixou guiá-la pela força
do desejo. Queria navegar com ele por aquele oceano tão pouco explorado.
A pressão do corpo grande e firme sobre o seu a deixou febril. Selene
arqueou o corpo contra o dele, quando Peter voltou a saborear seus os seios com
o tato da língua. Ele mordiscou um mamilo e ela revirou os olhos, puxando os
cabelos dele com a pontada prazerosa de dor. Peter a percorria de cima abaixo,
cada curva ou dobra do tecido com as mãos afoitas e curiosas. Queria gravar em
sua memória cada parte da mulher dos seus sonhos. Nada garantia que aquilo
pudesse vir a acontecer outra vez, então ele precisava certificar que nunca
esqueceria.
Voltou a beijá-la, mordeu o lábio inferior e vibrou com o gemido que ela
emitiu. O animal voraz dentro dele havia assumido o controle e Peter não
conseguia pensar em mais nada que não fosse consumar o ato.
Ele escorregou o restante do vestido pelas coxas macias e o removeu por
completo, deixando Selene nua. A observou por inteira antes de voltar a beijá-la.
Era linda, linda demais. Nenhuma outra mulher havia provocado tanto os seus
sentidos e despertado nele tanto desejo. Talvez pudesse entender a necessidade
de seus irmãos de copularem como selvagens, porque era impossível resistir e
quem disse que ele queria?
Livrou-se da túnica, jogando-a no chão e prendeu seus olhos aos de Selene.
Ela se retorceu sentindo o membro esfregar em sua abertura já tão molhada para
ele, porém manteve o olhar firme, deixando explicito a sua convicção. Peter
pressionou a entrada e uniu seus corpos. Apesar da pouca experiência, Selene
não era virgem, porém o lorde não se incomodou nem um pouco com isso. Na
verdade, ficou contente, porque queria que fosse muito bom para ambos.
Beijou-a no pescoço enquanto começava a se mover. Ela acompanhava seu
ritmo, movendo seus quadris contra os dele e o incentivando a entrar cada vez
mais fundo. Ele desistiu de qualquer nobre intenção de ir devagar, de prová-la
aos poucos e desfrutar o máximo possível do ato. A necessidade por ela tomou
conta de tudo e Peter se viu refém do próprio anseio.
Ele a segurou pela cintura e a girou, deixando Selene por cima. Ela sorriu
ao colocar as mãos sobre o peito do lorde e começar a ditar os movimentos, ora
rebolando e ora subindo e descendo. A visão dos seios balançando e as
expressões de prazer que tomavam o rosto da princesa era um deleite à parte
para o lorde. Para ele, o mundo poderia congelar naquele instante.
Quando ela atingiu o clímax, levada ao estupor de prazer, Peter a segurou
pelas nádegas e deu estocadas mais profundas, juntando-se a ela antes que
Selene desmoronasse exausta sobre seu peito. Com a respiração frenética e as
pernas, bambas, ela agradeceu por poder ficar deitada por alguns minutos até
recuperar o controle de si mesma.
Peter a beijou na testa enquanto acariciava seu rosto.
— Selene, eu não quero ir embora. Quero ficar bem aqui, tendo-a em meus
braços.
— Não diga besteira. — Ela deu um risinho. — Só está falando isso porque
está influenciado pelas sensações que compartilhamos. Pelas roupas que usava
eu posso apostar que era um homem rico.
— De nada me vale uma moeda se não puder tê-la comigo.
— Isso foi incrível, intenso e fantástico... — Ela ergueu a cabeça para que
pudesse encarar os olhos castanhos dele. — Mas não acha que está sendo um
tanto exagerado? Só nos conhecemos há alguns dias.
— Selene — Ele continuou a acariciá-la. — Para criaturas como eu, os
lobos... Existe uma coisa que chamamos de ligação. Nascemos destinados a uma
pessoa e com toda a certeza do meu coração eu sei que estou olhando para a
minha metade.
Selene ruborizou e ficou sem palavras por alguns minutos. Não esperava
receber esse tipo de declaração de um homem que ainda conhecia tão pouco.
— Como pode ter certeza de algo assim? É uma afirmação muito séria,
Peter.
— Nós sentimos, apenas sentimos. É algo difícil de se explicar, mas
acredite em mim quando digo que tenho certeza.
Selene engoliu em seco. Ainda estava absorvendo a informação que não
fazia muito sentido para ela. Porém não podia negar que também sentia algo de
especial e intenso entre eles.


Anthony se moveu na cama e se aproximou de Thessa para tirar uma mecha
de cabelo que estava sobre os olhos da esposa.
— Tomara que seu irmão volte para casa. — Ela o acariciou ao lhe dar um
breve beijo.
— Que ele volte logo, pois tenho medo que minha mãe saia nadando mar
aberto atrás dele. E infelizmente eu não sei o que fazer para ajudar. — Ele
baixou o rosto e suspirou triste. — Também quero meu irmão de volta.
— Talvez alguém saiba o que fazer. — Thessa se levantou e caminhou até a
janela.
Anthony franziu o cenho sem entender o que a esposa pretendia e se
encolheu com o vento gelado que entrou uivando.
Thessa ignorou o marido e assobiou. Minutos depois um pássaro pousou na
janela.
O conde observava tudo de longe, sem entender coisa alguma do que estava
acontecendo.
— Como um pássaro pode ajudar?
Thessa balançou a cabeça e riu.
— Ele não, tolinho.
— Vá até a Rosslyn. Diga a ela que eu preciso de ajuda.
— Rosslyn?
— Sim, ela é uma bruxa. Pode ter algum feitiço ou encantamento que nos
ajude a encontrar o Peter.
— Meu amor, isso é genial. — Ele abriu um largo sorriso.
— Não comemore ainda. — Thessa fechou a janela e caminhou de volta
para a cama.
— Não acha que ela virá? — O sorriso do conde se desvaneceu.
— Ela virá. Rosslyn nunca me negou ajuda. Mas não tenho certeza se ela
poderá encontrar o seu irmão.
— Ao menos com uma bruxa teremos mais chances. — Ele aninhou a
esposa em seus braços.

—O nde está a Selene? — Ametista questionou uma mulher próxima a ela.
— Não sei, majestade. — A serva se encolheu diante do olhar ameaçador.
— Tenho visto a princesa poucas vezes. Não sabe se está no quarto dela?
— Não, ela não está lá. — Ametista mordeu os lábios, pensativa.
— Deve estar caminhando pela ilha. Ela tem esse costume.
— Sim, é provável... — A voz de Ametista se perdeu em seus pensamentos.
— Quer que eu a encontre, majestade? — perguntou uma das sereias,
Harlin.
— Sim. Peça que ela venha ficar ao meu lado onde é o seu lugar.
O que sua filha via de tão interessante em ficar sempre caminhando pela
praia? Ametista sabia o quanto o mar chamava por uma sereia, mas achava o
comportamento de Selene um tanto exagerado.


Peter observou a brisa que vinha do mar e assoprava o cabelo de Selene,
fazendo com que voasse como um véu em suas costas.
Caminhavam lado a lado às margens do mar, sentindo as ondas quebrarem
sobre seus pés descalços. Poucas vezes o lorde se sentira tão feliz. Ela era uma
parte que precisava desesperadamente, mas ainda não havia se dado conta.
O ferimento de sua perna já estava quase curado e ele não andava mais
mancando. Todo cuidado havia valido a pena, Peter estava vivo e bem.
— Obrigado por tudo o que fez por mim. — Parou diante dela e segurou as
mãos finas e frias entre as suas.
— Teria feito isso por qualquer um. — Selene deu de ombros em tom de
deboche.
— Tem certeza?
— Sim. Eu nem o conhecia.
— É, tem razão — Peter lamentou. — Mas podemos corrigir isso com um
pouco mais de tempo. Somos imortais, temos a eternidade inteira.
Selene apenas sorriu, não deixou que qualquer possível impedimento ou
pensamento ruim perturbasse sua mente e atrapalhasse a sua momentânea
felicidade. Queria desfrutar dele por quanto tempo pudesse e isso bastava.
Peter mordeu os lábios enquanto pensava. Um questionamento tomava sua
mente.
— Desculpe a minha pergunta. Não quero lhe ofender, mas como perdeu
sua virgindade se não há homens nessa ilha?
Selene arregalou os olhos ao ser pega de surpresa e puxou suas mãos,
desvencilhando-se das dele. Peter amaldiçoou a si mesmo por não ter mantido a
língua dentro da boca. A verdade era que pouco importava o passado de Selene,
desde que o futuro fosse ao seu lado.
Selene sorriu ao perceber que a expressão dele havia se tornado um misto
de confusão e arrependimento. Afinal, era uma pergunta que havia soado um
tanto inocente e despretensiosa.
— Afundamos navios, levamos homens à loucura e eles se perdem no
oceano.
— Então devo me considerar um homem de sorte por tê-la tomado e ainda
estar vivo e ter a chance de tê-la de novo. — Ele passou as pontas dos dedos pelo
contorno do rosto de Selene e ela fechou os olhos, entregando-se ao calor do
contato.
Peter a puxou para si, segurando em sua cintura e não teve modos ou
cerimônia antes de intimar os lábios da sereia em um beijo. Selene se retorceu ao
sentir o calor do hálito do lobo invadir a sua boca. Ela deslizou as mãos dos
cotovelos aos ombros de Peter, sentido o seu braço antes de embrenhar os dedos
no cabelo do lorde.
Ele até chegou a se questionar se seria adequado deitá-la na areia da praia,
mas qualquer nobre preocupação com o decoro evaporou quando ela escorregou
as unhas pelo seu pescoço e o fez estremecer.
Selene sentia cada vibração do desejo dele e a compartilhava em cada gota.
Ela escorregou os lábios até a base do pescoço de Peter e deu uma mordida,
fazendo-o soltar um gemido.
Peter segurou a barra do vestido da princesa e puxou para cima em um
único tranco, removendo-o e a deixando nua. Tirou sua túnica e jogou ambas as
vestes no chão, deixando-as serem levadas pelo vento.
Agarrou-a pelos cabelos e voltou a beijá-la. Selene jogou a cabeça para trás
e fechou os olhos, entregue às sensações despertadas por cada carícia. Seu
coração disparava no peito a cada vez que a língua do lorde contornava uma
parte de seu corpo. Mordeu os lábios à medida que ele ia se abaixando. A língua,
os lábios e os dentes traçaram caminho pelo seu ventre até o meio de suas
pernas. Ela o agarrou pelos cabelos diante das pretensões do homem.
Peter soprou um ar quente contra a região já tão excitada, antes de prová-la
com a língua. Fez movimentos circulares sobre o tão inchado clitóris. Selene se
retorcia e revirava os olhos. Ele a segurava pelas coxas, deixando a marca de
seus dedos na pele macia. Quando ela sentiu que se aproximava do ápice,
empurrou Peter pelos ombros e o fez cair sentado na areia.
Selene subiu em cima dele e uniu os corpos, gemeram juntos quando ela
começou a se mover. Peter a agarrou pelas nádegas e ajudou a guiar os
movimentos. Os cabelos acobreados de Selene balançavam de um lado para o
outro, selvagens. Aquele era um mar no qual ele queria navegar para sempre.
Abocanhou um dos seios que se moviam na sua frente e contornou o mamilo
com a língua antes de começar a sorvê-lo. Ela era o paraíso e o inferno em uma
mulher só. Com ela, Peter se perdia e se encontrava na mesma proporção.
Passou as unhas pelas costas de Selene e a fez gemer e mover-se com mais
afinco. Os músculos internos dela, tão molhados e escorregadios, o envolviam e
exprimiam, intensificando ainda mais o prazer do lorde.
Selene o puxou pelos cabelos, forçando-o a encará-la e mordeu o lábio
inferior. Gemeram juntos e continuaram se movendo com o único objetivo,
encontrar o prazer da forma mais sublime.
Chegaram ao ápice juntos e beberam do êxtase. Exausta, Selene parou de
se mover e apoiou a cabeça na testa dele.
— Posso me acostumar com isso.
— E é bom que se acostume, porque não pretendo parar tão breve. — Peter
a puxou pela nuca e voltou a beijá-la.


Harlin observou a cena boquiaberta. Antes de se aproximar de sua princesa
a viu copular ferozmente com um homem na praia. Escondeu-se atrás de uma
pedra para que não fosse vista enquanto os esperava terminar.
Estava sem palavras. A presença de um homem na ilha justificava o súbito
sumiço de Selene. Ela estava se deliciando com um mortal e descumprindo uma
das regras mais rigorosas do lugar em que viviam.
Ainda estupefata, Harlin recuou, deixando seus passos cambaleantes na
areia e foi correndo contar para a rainha o que havia acabado de presenciar.

T hessa estava sentada ao lado de Angeline. Bonnie, Odete e uma outra mulher,
desconhecida para a condessa, estavam em cadeiras na sala de visitas formal do
solar de Belmont.
Ela estava inquieta, batia suas unhas contra os braços da cadeira e olhava de
um lado para o outro. Esperava que a reunião das mulheres surtisse mais efeito
do que a dos homens, que estavam traçando uma estratégia de busca na sala ao
lado.
Via a luz da lua entrar pela janela e se confundir com a amarelada das velas
nos castiçais e tentava prender a sua atenção. Não podia dizer que tinha uma
ligação muito forte com Peter, no entanto, sentia toda a dor e a angústia de seu
marido e dos outros membros da família.
Um portal surgiu no meio da sala e a condessa arregalou os olhos no
momento em que uma mulher de longos cabelos negros e um vestido num tom
verde pastel passou por ele.
— Rosslyn! — Thessa foi correndo até a mulher que por muitas vezes fora
como uma mãe para ela e a abraçou com força. — Obrigada por ter vindo. Estou
muito contente em vê-la.
— Eu também. — Rosslyn retribuiu o abraço antes de se afastar. — Mas
temo que não tenha me chamado aqui para uma visita amigável para matarmos
saudades uma da outra.
— Infelizmente não. — Thessa abaixou o rosto e afastou-se.
— Então o que aconteceu, minha criança? — Rosslyn a encarou com seus
profundos olhos dourados.
— O irmão do Anthony está perdido no mar. Não sabemos como encontrá-
lo. Porém imaginei que sendo uma bruxa tivesse mais recursos. Desculpe-me por
afastá-la de Julian.
— Não se preocupe, ele já é quase um homem. — Rosslyn sorriu. — Em
breve começará os seus treinamentos de bruxo.
— Obrigada. Não quis chamar Yasla, ela anda muito preocupada com a
guerra que nos assombra.
— Estou aqui para ajudar. — Rosslyn a afagou nos ombros.
— Obrigada! — Thessa respirou aliviada.
— Ageline. — Rosslyn se virou para a amiga. — É muito bom vê-la,
mesmo nessas circunstâncias. — Aisha... — A bruxa ficou boquiaberta. — O
que faz aqui?
— Se conhecem? — Angelina arregalou os olhos em surpresa.
— Sim. — Foi Aisha quem respondeu com um terno sorriso. — Majestade.
— Ela fez uma breve reverência.
— Não precisa mais dessa formalidade, ambas não somos mais rainhas.
Bonnie finalmente prestou atenção na mulher que havia chegado com
Angeline. Ela tinha aparência jovem, o que não dizia muito sobre os imortais.
Profundos olhos verdes e cabelos loiros. Usava um fino vestido verde e um colar
de esmeraldas quase cristalinas.
— Podem me dizer quem ela é? — Bonnie verbalizou o questionamento
que corroía a mente de todas.
— Durante um tempo eu fui Cassandra, a rainha de Turim — Aisha
respondeu.
— Acho que o único período em que Marshland e Turim viveram em paz.
— Rosslyn riu.
— Foi Cassandra? — Thessa franziu o cenho. — Não compreendi.
— Quando o rei de Turim morreu e a verdadeira princesa Cassandra
desapareceu, imaginamos que ela tinha morrido com o surto de peste. Eu era a
amante de um dos conselheiros na época e me imbuíram a assumir o trono
deixado a esmo.
— E não se importaram com o fato de estar se passando por outra pessoa?
— questionou Thessa.
— A maioria dos plebeus nunca a tinham visto e os nobres não se
importaram. Cassandra era intragável, suspeito que eu tenha conseguido ser uma
rainha melhor.
— Adoro momentos de conversa e nostalgia — Odete se levantou. –, mas
estamos aqui pelo meu filho.
— Tem razão. — Rosslyn deu um meio sorriso para a alfa. — Há algum
objeto que tenha pertencido apenas a ele? Uma peça de roupa, um chapéu ou
alguma joia?
— Irei buscar. — Bonnie se levantou.
Rosslyn fechou os olhos e um mapa surgiu em suas mãos. Todas ficaram
estupefatas com o milagre.
— Aqui está! — Bonnie retornou chacoalhando um chapéu que pertencia
ao irmão.
— Obrigada. — Rosslyn colocou o mapa no chão e segurou o chapéu. —
Pode me dar um pouco do seu sangue? — Ela encarou Odete. — Sua ligação
com Peter é forte, além de alfa, é a mãe dele. o sangue será combustível mágico
para...
Antes que Rosslyn terminasse de falar, Odete estendeu o braço.
— Faça o que for preciso.
Rosslyn passou a unha afiada pelo pulso de Odete e o sangue da alfa
escorreu para o mapa. Após a bruxa murmurar algumas palavras o ferimento se
fechou instantaneamente.
Ela se sentou diante do mapa e segurou o chapéu acima dele. Fechou os
olhos e começou a pronunciar um encantamento e as demais mulheres na sala
não conseguiram compreendê-lo. O sangue começou a se mover sobre o mapa,
caminhando para fora da área que delimitava Marshland e avançando para o mar
até parar praticamente no meio do oceano.
— Não pode ser. — Odete arqueou as sobrancelhas. — Não existe nada aí.
— Na verdade existe. — Angeline se aproximou. — Há uma ilha que eu
duvido muito que seja mapeada algum dia.
— O que tem nessa ilha? — perguntou, Thessa, receosa com a resposta que
poderia receber.
— Sereias, uma ilha cheia delas. Estou surpresa por Peter estar vivo, porque
não é um lugar que lida bem com a presença de homens.
— Como sabe tanto? — Bonnie a encarou.
— Eu já fui a rainha.

P
eter acordou com um barulho e abriu os olhos.
— Selene? — Balbuciou o nome dela enquanto suas pupilas se dilatavam
para enxergar melhor o ambiente escuro que o cercava.
Ele se levantou no instante em que uma mulher entrou na cabana. Ela tinha
a mesma cor de cabelo e dos olhos que Selene, apenas algumas diferenças no
contorno da face, seria alguma irmã?
— Quando me contaram eu não quis acreditar, mas aqui está o homem.
— O que fazem aqui? Onde está a Selene? — Peter esticou os braços e
estufou o peito ao assumir uma postura mais defensiva.
— Ela receberá a devida punição.
Peter viu a mulher cruzar os braços e reparou bem nela. A postura altiva, o
ar de quem tinha o mundo sob seus pés. Aquela não era uma irmã de Selene, era
a mãe, a rainha.
— Peguem ele! — Ametista ordenou às suas seguidoras.
Assim que as mulheres se aproximaram de Peter, ele rosnou e mostrou as
presas. Não queria machucar nenhuma delas, no entanto, caso se sentisse
ameaçado, não iria se importar em rasgar pescoços com suas presas.
— Fiquem longe de mim — rosnou.
Elas abriram um sorriso no instante em que começaram a cantar. Peter caiu
de joelhos, levando as mãos à cabeça ao sentir uma forte tontura. Sua cabeça
parecia prestes a explodir com tamanha dor.
Sem conseguir evitar, foi tomado pelos ombros e arrastado para fora da
cabana. Uma parte distante de sua mente, uma que ainda não havia sido abalada
pelo canto das sereias, viu a rainha pegar uma tocha e jogá-la sobre a cabana,
fazendo-a pegar fogo.
— Selene! — chamou por ela, mas não sabia onde encontrá-la.


— O que estamos fazendo aqui? — Selene parou com as mãos na cintura e
olhou pra Frey de forma furiosa. — Estamos andando há quase uma hora para
não chegar a lugar nenhum. Que brincadeira é essa menina?
— Eu não sei... — Ela se encolheu diante do olhar feroz.
— Como assim não sabe? — Selene se curvou na direção dela e mostrou os
dentes.
— A rainha me ordenou que a levasse para o mais longe possível. Estou
apenas cumprindo ordens.
— Frey! Deveria ter me contado desde o início.
— Desculpa. — A menina engoliu em seco.
Selene ergueu a cabeça e viu uma corrente de fumaça subir ao céu partindo
de um lugar onde tremulava fogo. A cabana... Peter... Saiu correndo estabanada,
tropeçando na maioria dos obstáculos pelo caminho: cipós, rameiras, pedras e
até num pequeno roedor. Precisava chegar na cabana logo antes que fosse tarde
demais.
Antes que pudesse se aproximar, o telhado ruiu e uma pilha de faíscas subiu
ao céu.
— Peter! — Ela caiu em um choro de profundo desespero.


O lorde foi arremessado pelas sereias no fundo de uma jaula que os
marinheiros usavam para prender animais e caiu com o ombro no chão. Sentiu
dor ao tentar se levantar, sua perna ainda não estava completamente curada.
Observou suas carcereiras e imaginou que elas estavam prestes a matá-lo,
ou ao menos tentar, já que enquanto não usassem armas de prata contra ele tudo
ficaria bem. Esperava que nenhuma delas houvesse convivido com um
lobisomem para saber o que fazer.
— Ficará aqui até sabermos o que a rainha fará.
Peter apenas se encolheu num canto da jaula em completo silêncio.
Esperava que Selene aparecesse logo e o retirasse dali o quanto antes.


Selene estava de joelhos cobrindo o choro quando Frey se aproximou e
colocou a mão sobre o ombro da princesa.
— Elas o mataram. — Ergueu a cabeça e com os olhos vermelhos de tanto
chorar, ela encarou a pequena menina.
— Tenho certeza que não o mataram. — A afirmação de Frey fez com que
Selene arregalasse os olhos.
— Como pode dizer isso? — Ela espremeu os olhos antes de voltar a pensar
ele.
— Ele sobreviveu a um choque e a queda brusca do navio. Ele não iria
morrer em um simples incêndio.
Selene franziu o cenho. Frey tinha razão, mas se Peter não estava no
interior da cabana em chamas, onde ele estaria? Selene sabia que só restava uma
pessoa para questionar.

—S e era a rainha não pode ir até lá e trazer meu filho de volta? — Odete
pediu a Angeline com súplica.
— Não é tão simples. — Angeline torceu os lábios com um ar pensativo.
— Por que não? — Questionou Bonnie.
— Eu deixei aquela ilha há uns cinquenta anos, talvez mais. Não sei como
as coisas estão por lá agora e a minha partida não aconteceu da forma mais
amistosa.
— Por quê? — Bonnie chegou mais perto, instigando a duquesa a
continuar.
— Havia uma sereia que não concordava comigo nem com a forma como
eu regia ao lugar. Ela me desafiou e venceu. Eu estaria morta se não tivesse
caído no mar... — Angeline engoliu em seco.
— Acha que ela é a rainha agora? — Bonnie insistia em suas perguntas.
— É provável, se ela não foi desafiada, ainda é a rainha. Nós não
costumamos morrer de causas naturais.
— Se o encontrou é por que ele ainda está vivo, não é? — Odete segurou as
mãos de Rosslyn, encarando-a com os olhos brilhantes e lamuriosos.
— Sim, ele está vivo.
— Não pode abrir um portal até essa ilha e nos levar até lá? — pediu
Thessa.
Rosslyn observou as sombras que a condessa fazia na parede pela luz das
velas que vinham nas duas direções antes de encará-la.
— Não. infelizmente eu não posso. É muito arriscado abrir um portal para
um lugar que eu nunca fui, sequer sei como é. Podemos acabar no meio do
oceano ou em algum lugar pior.
Thessa apenas se encolheu ao constatar que Rosslyn tinha razão. Era muito
arriscado, precisavam de outro plano para resgatar o cunhado.
— De navio podemos levar dias até chegar lá. Não sei se meu irmão tem
todo esse tempo. — Bonnie massageou as têmporas ao respirar fundo.
Precisavam de um plano, mas ela não conseguia pensar em nada.
— Eu vou até lá. Uma sereia nada muito mais rápido do que um navio
consegue se mover. — Thessa curvou o corpo para frente.
— Não pode ir lá sozinha. — Angeline balançou a cabeça em negativa. —
Aquelas sereias não são nem um pouco amistosas.
— Mas eu também sou uma sereia. Podem ser gentis comigo. — Thessa
abriu um sorriso singelo.
— Por que não vai com ela enquanto tentamos chegar de navio? — Odete
encarou Angeline. Era mais um pedido do que uma pergunta.
Angeline olhou para as rugas em suas mãos e engoliu em seco. O tempo já
havia deixado suas marcas no corpo dela. Ele e Mathews pareciam ter a mesma
idade, na casa dos quase quarenta anos. Se ela tocasse o mar, tudo seria
revertido.
— Ela não pode ir, Odete. — Foi Thessa quem respondeu. — Ela quer
envelhecer com o meu irmão e se tocar o mar ficará jovem de novo.
— Angeline, salvaria o Mathews se pudesse ou quer mesmo que ele morra?
A sereia arregalou os olhos com a pergunta de Bonnie. Era a coisa mais
absurda que já ouviu e ficou irritada no primeiro momento, porém depois que a
raiva passou, ela abriu a mente e enxergou a frase de Bonnie com mais clareza.
— O que está sugerindo? — a sereia questionou a jovem alfa.
— Mathews está tão imerso nesse mundo como qualquer um de nós. Ele
não precisa envelhecer, nem morrer.
— Bonnie... — Odete olhou torto para a filha.
— Mãe, é a minha alcateia. Posso tornar membro quem eu quiser. Tenho
aldeões entre os meus lobos, por que não um duque influente e irmão do rei?
— Tem razão querida. — Odete abriu um sorriso, orgulhosa da alfa que sua
filha havia se tornado.
— Faria isso por mim? — Os olhos de Angeline se encheram de lágrimas e
brilharam com a esperança. Nem ela, nem os dois filhos que tinha com Mathews
precisariam perdê-lo.
— Se estiver disposta a ir atrás do meu irmão. Nada mais justo do que eu
salvar alguém que lhe é importante.
— Obrigada, Bonnie... — Angeline nem terminou a fala antes de sair
correndo.
A duquesa irrompeu as portas da sala onde os homens estavam reunidos
sem ter a menor preocupação em incomodá-los. Duvidava que houvessem
avançado mais do que elas quanto ao paradeiro do lorde Peter.
Os homens desviaram o olhar do mapa sobre a mesa, onde estava traçando
o curso do navio de Peter e olharam para a mulher quase histérica.
— A Rosslyn encontrou o Peter.
Todos arregalaram os olhos.
— Onde ele está? — Antony deu alguns passos na direção de Angeline.
— Em uma ilha que não está no mapa. — Anthony estava prestes a fazer
mais perguntas, mas Angeline não permitiu. — Converse com ela, conde. Eu
posso ter alguns minutos a sós com o meu marido?
— O que foi? — Mathews saiu do lado de Alec e caminhou até a sua
duquesa. Angeline costumava ser uma mulher centrada e séria, nunca imaginou
vê-la se comportando daquele jeito, com tamanha euforia. Imaginou que tal
atitude não se devia ao fato de terem encontrado o paradeiro de Peter, uma vez
que ela não estava com muita paciência para responder às perguntas do conde.
— Venha comigo. — Angeline deu a mão para o marido e fez com que ele
a seguisse até um dos jardins externos do solar de Belmont de onde podiam ver o
mar.
Mathews sentiu a brisa fresca tocar seu rosto e respirou fundo, enquanto
não parava de encarar o rosto da esposa que estava imerso nas sombras da noite.
— O que foi?
— O Peter está em uma ilha de sereias e o mais seguro é que eu vá buscá-
lo.
— Isso não é arriscado? — O duque colocou as mãos ao redor da cintura
dela e Angeline estremeceu com o simples toque.
— Não muito. Mas o fato é que quando eu tocar a água, cada sinal do meu
envelhecimento irá desaparecer. Serei jovem assim como no dia em que me
conheceu.
— Bom... — Ele engoliu em seco. — É um sacrifício. Mas posso conviver
com isso. — Ele riu. — Quem não gostaria de ter uma jovem e bela esposa ao
seu lado.
Angeline mordeu os lábios e quase engasgou com a pergunta que estava
entalada em sua garganta.
— Quer permanecer jovem também? Quer ficar ao meu lado para sempre?
Mathews olhou para o mar ao balançar a cabeça. Foi tomado de surpresa
por um questionamento que jamais imaginou que ouviria.
— Que pergunta é essa?
— Se houver uma chance, iria pegá-la e ser um imortal como eu? Na
verdade, mais como o Anthony e o Alec.
— Espera, o marquês de Darlan também é? Eu deveria ter imaginado, já
que ele também não envelhece.
— Então... — Angeline imaginou que seu coração sairia pela boca
enquanto ela aguardava pela resposta.
— Sim... — Mathews ainda estava em choque. — É óbvio que eu quero
estar ao seu lado para sempre.
Angeline abriu um sorriso estonteante.
Mathews massageou as têmporas enquanto tentava raciocinar com clareza.
— Espera, a Rosslyn a quem se referiu é a minha tia avó? A rainha
Rosslyn? Não me lembro de conhecer outra mulher com o mesmo nome.
— Sim. — Angeline gargalhou. — Foi ela quem me trouxe pra ficar ao
lado da sua irmã.
— O que eu ainda não sei?
— Não se preocupe. — A duquesa acariciou o rosto do marido. — Terei
séculos para lhe contar tudo.
Ela memorizou o rosto de Mathews, os trinta e quatro anos que ele teria
eternamente.


— Bonnie, querida! — Odete puxou a filha para um canto. — Não pensou
em uma possibilidade: Mathews se tornará um lobo, e se a ligação dele não for
com a Angeline?
— Não se preocupe, mamãe. — Bonnie sorriu. — Às vezes nós sabemos
sem que a ligação deixe claro.
— Que os deuses a ouçam. Por que do contrário pode criar uma grande
confusão.

P eter segurou com toda a força as barras da jaula onde estava preso, mas elas
eram de ferro maciço, feitas para segurar criaturas tão fortes quanto ele. Uivou e
rosnou, mas parecia que ninguém estava disposto a ouvi-lo.
— Poupe seu fôlego, mortal. — Ametista chutou uma pedra na direção da
grade e ela assustou Peter ao se chocar contra o metal e reverberar dentro da
jaula.
— Eu não sou um mortal! — Peter rosnou com seu nariz se transformando
em um focinho e seus dentes em grandes presas. — Quando eu sair daqui eu
prometo que vou rasgá-la ao meio.
— Parece ameaçador. — Ametista riu. — Pena que não poderá. Não vai
conseguir sair. — Ela caminhou até mais perto e o encarou, observando com
precisão cada traço que compunha o corpo do lobisomem. — Entendo porque a
minha filha ficou tão interessada, realmente é um belo espécime. — Ela passou a
língua pelos lábios.
A rainha cogitou colocar a mão dentro da jaula e tocar o rosto de Peter, mas
pensou duas vezes e não o fez. Tal ousadia poderia lhe custar um membro.
— Peter! — Selene veio correndo e se jogou sobre a jaula. — Está bem?
Elas o machucaram?
— Estou bem. — Ele estendeu a mão para tocá-la e abriu um breve sorriso.
— Tire-o daqui! — Ela se virou e encarou a mãe com os olhos cheios de
lágrimas.
— Ele deveria estar grato por ainda estar vivo. — Ametista gargalhou. —
Sabe das regras criança. Divirta-se com eles, mas os leve até o fundo do mar.
— Por que temos que matar todos?
— Porque os homens têm a estranha necessidade de se sobreporem sobre
nós, nos submeter e nos controlar. Não devemos permitir que eles ousem nos dar
ordens.
— Está mentindo! — Selene balançou a cabeça em negativa.
— Estou, Peter? — Ametista encarou o lobo de forma desafiadora. — Na
sua sociedade não são os homens quem governam e as mulheres ficam à
margem, como reles submissas?
— Não! — Ele estufou o peito ao devolver o olhar de desprezo. Poderia
confrontá-la sem dizer qualquer mentira. — No meu mundo as alcateias são
lideradas por alfas. Mulheres poderosas que nos guiam rumo a soberania e a
sobrevivência.
— Mentiroso!
— O que conhece sobre os lobisomens para falar que eu estou mentindo?
Ametista moveu os lábios em um assobio e Peter se encolheu com as mãos
na cabeça.
— Pare! — Selene empurrou a mãe. — Está machucando-o.
— Não me interrompa, garota tola! — Ametista empurrou a filha com toda
a força e a fez cair com o rosto no chão.
— Não a machuque! — Peter tentou abrir a jaula mais uma vez, no entanto
foi inútil.
— Como se para você ela fosse importante... — disse Ametista em tom de
deboche.
— Ela é!
— Pobrezinho, está apenas enfeitiçado pelo canto da sereia.
— Eu nunca cantei para ele. — Selene se levantou, massageando o cotovelo
que havia raspado no chão.
— Então é apenas um tolo apaixonado que acha que tem alguma chance
com a princesa das sereias.
— Diga para ele que está iludido, filha. — Ametista encarou Selene com
um olhar feroz.
— Não! Eu o amo. — Não era o melhor momento de confessar aquilo a si
mesma e em voz alta, porém diante de todo o temor de perdê-lo, não haveria
outro momento.
As mãos de Selene suavam frio. Ela nunca estivera tão tensa e tão nervosa
na vida. Sabia que ao salvar Peter na praia, haveria aquele risco. Sua mãe era
bem rígida quanto às regras, e salvar Peter não significava que ele não morreria
depois. Porém ela faria de tudo para impedir, daria a sua vida para protegê-lo.
— Deixe-o ir, mãe, eu lhe imploro. Ele desaparecerá e nunca mais terá
notícias.
— E deixar que conte ao mundo onde estamos? Colocar em risco todas nós
por um homem? Eu não criei uma filha para ela ser tão estúpida.
— Eu não sou uma ameaça, majestade — disse Peter escorado na grade.
— Todos os homens dizem o que queremos ouvir, para que suas vidas
sejam poupadas.
— Sou um sobrenatural também. Sei o quanto nos proteger é importante.
— Que bom! — Ametista abriu um sorriso. — Porque Selene certamente
não sabe.
— Mãe, deixe-o ir.
— Não! Irá afogá-lo como fazemos com todos os outros homens. Hoje!
O choro de Selene ficou ainda mais intenso. Não poderia fazer isso, seu
coração jamais permitiria. Estava aflita, em completo pânico e não conseguia
raciocinar direito. Não poderia conviver com a morte de Peter, não depois de
tudo o que já haviam compartilhado.
— Eu posso estar grávida dele. — Foi uma jogada impulsiva e impensada,
pois Selene mal tinha ideia do que estava dizendo.
Peter sentiu seu coração parar diante da possibilidade. Encontrar a sua
ligação, a outra metade do seu ser e ter filhos com ela, era o tipo de felicidade
que ele jamais imaginou que experimentaria.
— Se estiver mesmo, a menina será bem-vinda entre nós. Se for um homem
será entregue para saciar a fome do oceano.
— Não pode sacrificar meu filho! — Peter chacoalhou a jaula, porém a
rainha ignorou a sua demonstração de fúria e foi até a filha.
Ametista contornou a face de Selene enquanto olhava para o lado,
pensativa. A princesa não imaginava que um dia pudesse sentir tanto asco da
mãe.
— Eu me pergunto qual seria a natureza dessa criança. Metade sereia,
metade lobisomem. Será que uma das naturezas iria se sobrepor ou seria uma
mistura das duas? Espero que seja uma menina. — Tocou a barriga da filha. —
Mas não está grávida. Lamentavelmente, não. Contudo terá mais uma chance
enquanto o afunda e o oferece ao mar...
— Majestade! — Frey entrou na úmida caverna interrompendo a fala de
Ametista.
— O que foi?! — esbravejou a rainha ao se virar para encarar a menina.
Frey engoliu em seco antes de criar coragem para pronunciar qualquer
palavra.
— Fale logo!
— Chegaram duas sereias na praia. Uma delas alega ser Angeline, A
Angeline...
— Não é possível, eu mesma matei aquela maldita muitos anos atrás.
Angeline? Mesmo que não tivesse a menor certeza de que estavam falando
da mesma sereia, Peter conseguiu respirar aliviado. Havia uma esperança, sua
família estava atrás dele.
— Venha, Selene! — A rainha fez um gesto para ser seguida.
— Eu não vou a lugar algum!
— Quer que eu o mate agora mesmo? — Ametista insinuou que começaria
a cantar.
— Não!
— Então venha.
— Eu vou ficar bem. — Peter sussurrou enquanto a via se afastar.
Tudo o que Selene desejava era ter certeza que sim.


Ametista chegou à sua sala do trono e avistou as duas mulheres. Com os
cabelos ainda molhados e pingando no chão, elas usavam os vestidos comuns
daquela ilha. Talvez até a própria Frey houvesse dado a elas.
O sangue de Ametista talhou no instante em que ela viu a mulher de longos
cabelos negros.
— Achei que houvesse virado comida de alguma baleia — disse com
aspereza ao encarar Angeline.
— O mar nunca me quis morta. — Angeline manteve a postura altiva.
— É muita ousadia sua voltar aqui, não acha? Espera me desafiar de novo e
vencer? — Ametista cruzou os braços.
— Não tenho pretensões ao seu título, tampouco retomar o controle dessa
ilha. O destino me levou a outros caminhos e estou contente com isso. Me sinto
mais livre do que jamais me sentia aqui.
— Então para que veio? Apenas lembrar-me de que está viva? Ou para que
eu a lembre de sua derrota?
— Nada disso. Não mais me incomodo com o que aconteceu. Vim atrás de
algo que me pertence e está aqui nessa ilha. Um homem.
Ametista começou a gargalhar.
— Não há homem algum aqui. Perdeu seu precioso tempo.
— O Peter está aqui sim! — Thessa rosnou.
— Quem é essa? — A rainha encarou a mulher loira.
— Apenas uma de minhas protegidas. — Angeline olhou para Thessa para
que ficasse quieta e a deixasse tomar conta da situação.
Selene ouviu o nome que a sereia loira disse. Peter... Elas o conheciam?
Estariam ali por ele? Será que ele tinha algo com aquelas mulheres? Não
conseguiu conter as perguntas que fervilhavam em sua mente. A princípio sentiu
um pouco de ciúmes, porém, depois enxergou aquela como uma possibilidade de
Peter sair dali vivo.
— Eu não sou tola, Ametista. Sei que ele está aqui e sei que está mentindo
para mim. Por que não torna as coisas mais fáceis e nos entrega ele?
— Não está em posição de fazer exigências, minha cara Angeline. Não
possui mais nenhuma autoridade sobre mim ou sobre qualquer coisa nessa ilha.
— Podemos ficar eternamente aqui discutindo isso, ou pode me entregá-lo e
eu partirei imediatamente. Sequer se lembrará de ter me visto.
— Já disse. — Ametista jogou seu cabelo acobreado para trás. — Não há
nenhum homem aqui.
— Me poupe de suas palavras mentirosas. — Angeline revirou os olhos em
desdém. — Onde ele está?
— Chega na minha ilha e quer se impor. Quer que eu garanta a morte dele
agora?
— O que são do Peter? — Selene caminhou até às forasteiras. — São
esposas dele?
— Não, criança. — Angeline sorriu para ela. — Ele é como da família para
mim.
— Eu sou casada com o irmão dele. — Comentou Thessa.
— E lobisomens e sereias podem se casar no seu mundo? Podem ser
felizes?
— Claro que sim! Anthony certamente foi a melhor coisa que me
aconteceu.
— Calem a boca! — Ordenou a rainha. — Selene, se afaste.
— Sabe onde ele está? — Angeline ignorou a histeria de Ametista.
Selene fez que sim.
— Se o levarem ele vai sobreviver?
— Sim. Peter voltará para a sua família.
— Eu posso levá-las onde a minha mãe o prendeu.
— Não. Ela não as levará em lugar algum. — Ametista se colocou entre as
intrusas e a filha. — O homem está aqui e me pertence!
— Não! — Selene se impôs. — Ele vai embora! Não vou deixar que o mate
como fez com meu pai, meu irmãozinho e tantos outros homens.
— Cale a boca!
— Não, mãe! — Selene deu as costas. — Venham comigo. — Fez um sinal
para que Angeline e Thessa a seguissem.
— Impeçam-na — Ametista ordenou às suas súditas.
Porém, as sereias olharam para Angeline e sequer se moveram. Muitas
ainda estavam ali desde a época em que Angeline era a rainha e se lembravam
com certo saudosismo dela. Tinha pulso firme, mas era justa. Sempre agia
pensando mais no bem de todas do que em seu próprio. Se o homem era
importante para ela, certamente deveria ser poupado e não se colocariam contra
a antiga rainha.
— Façam alguma coisa! — Ametista começou a gritar, contudo ninguém
lhe dava ouvidos. De nada adiantava o título de rainha se as demais sereias não a
seguiam.
Angeline estava prestes a seguir Selene quando sentiu um assobio no fundo
de sua cabeça e uma dor latejante. A sereia colocou as mãos na cabeça, tentando
inutilmente aliviar a pressão.
— O que está acontecendo? — Thessa colocou suas mãos ao redor da
amiga.
Selene percebeu a situação toda e encarou a sua mãe. Não iria permitir que
ela machucasse aquela mulher. Fechou os olhos e devolveu o ataque em uma
intensidade ainda maior. Ametista caiu de joelhos, atordoada e Angeline se viu
livre do enlace torturante.
— Vamos! — Selene começou a correr na esperança que fosse seguida.
— Tudo o que eu fiz foi para lhe proteger. — Em alguma parte de sua
mente, a princesa ouviu sua mãe murmurar antes de desabar de vez no chão,
desacordada.
— Precisam tirar Peter daqui antes que a minha mãe acorde. Não sei se
conseguiremos deter um rompante de raiva dela.
Elas seguiram até a caverna beira mar onde estava a jaula.


Peter observava a maré subir e água do mar ficar cada vez mais próxima a
sua jaula. Teve a terrível impressão de que aquele lugar alagaria em um
determinado ponto da noite.
Tentou pela milésima vez arrebentar as malditas grades, mas era inútil.
Suspirou e se encolheu num canto da jaula, abraçando os próprios joelhos.
Observava água avançar, molhar seus pés e depois retroceder, recuando cada vez
menos até suas canelas já estarem submersas.
Aquele não era o jeito que imaginava morrer, mas não estava arrependido.
Cada minuto ao lado de Selene o fez sentir especial e único de diversas
maneiras. Pela primeira vez o lorde ofuscado pelos irmãos percebeu que o
universo havia preparado um lugar para ele.
— Peter!
Ele abriu os olhos e a viu correr no meio da água em sua direção. Estava tão
concentrado em sua amada que levou alguns instantes para perceber que Thessa
e Angeline estavam logo atrás de Selene.
A princesa ergueu as mãos e a água se moveu ao redor da jaula, como dois
grandes braços, a onda envolveu a grade e arrebentou-a, libertando Peter lá de
dentro.
— Eu também posso fazer isso? — Thessa perguntou a Angeline,
boquiaberta diante do poder da princesa.
— Talvez, mas exige muito treinamento.
— Quero aprender!
— Em outra ocasião.
— Selene! — Peter saiu do que restou da jaula e foi até ela.
O lorde envolveu a princesa em seus braços e segurou o rosto dela com uma
das mãos. Encarou os olhos arroxeados antes de se curvar e beijá-la.
A troca de carinho e o beijo dos dois deixou tudo claro para Angeline e ela
sorriu. Era esse o motivo de Peter ainda estar vivo, quando tudo indicava que ele
não sobreviveria. Foi o amor de Selene que o protegeu.
— Precisamos sair daqui. — Angeline odiou interrompê-los, mas era
necessário. — Precisa voltar, Peter. Sua mãe e o restante de sua família estão
muito preocupados.
— Elas têm razão, precisa sair daqui antes que a minha mãe venha. —
Selene segurou o rosto dele entre suas mãos trêmulas. O coração batia apertado
no compasso em que as ondas tocavam seu corpo. Estava aflita, seu peito doía
com a possibilidade de nunca mais voltar a vê-lo. Porém, não havia dúvidas de
que Peter deixar a ilha era a única forma de continuar vivo.
— Eu não quero deixá-la. — Ele a envolveu e apertou junto ao seu corpo.
— Mas precisa.
— Vem comigo. Eu sou irmão de um conde, tenho posses e dinheiro. Posso
lhe dar uma boa vida.
— Eu não sei... — Selene se afastou, receosa. — Não sei como é o mundo
além dessa ilha.
— Lhe garanto que ficará bem, princesa. — Angeline tocou o ombro de
Selene e ela se virou para encarar a sereia mais velha e experiente. — Tem a
minha palavra de que eu a protegerei.
Selene ficou olhando para as outras duas sereias, elas pareciam bem. Talvez
o mundo além daquela ilha não fosse tão terrível como sua mãe dizia às súditas.
Selene fez que sim e Peter abriu um largo sorriso.
— Vamos logo! — Ela pegou a mão dele e o puxou para fora da caverna até
a praia.
Assim que Peter colocou o pé na água ele recuou como se houvesse tomado
um choque e encarou Thessa e Angeline atrás de Selene.
— Trouxemos um bote. — Thessa apontou para alguns metros mais à
frente.
Correram até lá e Peter puxou o bote para mar a dentro até a altura dos seus
joelhos. Ele viu as sereias se despirem e se transformarem antes de saltar para
dentro da água. A luz da lua fez cintilar as escamas verdes da calda de Selene.
Naquela forma ela era ainda mais linda. Porém o lobo não teve muito tempo para
observá-la, porque Angeline começou a empurrar o bote e ele tombou o corpo
para trás, caindo de costas contra a lateral de madeira.
Ele se deitou e sorriu ao olhar para lua. Pensando que estava voltando para
casa com o maior prêmio de todos.

O dete mal pode acreditar quando viu um bote chegar na praia. Ela abandonou
o bordado onde descarregava as suas frustrações por não estar no controle da
situação e correu até lá.
Era de manhã e o sol já havia surgido, tocando a água cristalina do mar
fazendo-a cintilar, quando Peter desceu e colocou os pés na areia. Caiu de
joelhos e jogou para fora qualquer coisa que ainda estava em seu estômago. A
viagem fora rápida com o bote sendo empurrado pelas sereias, mas balançara
tanto que havia tirado dos eixos todo o seu equilíbrio.
— Peter! — Selene se ajoelhou ao lado dele e o abraçou pelos ombros. —
Está se sentindo bem?
— Não, mas eu vou ficar. — Ele sorriu percebendo que o rosto dela
começava a retomar o foco.
— Meu filho! — Odete o ajudou a se levantar e o abraçou. — Tinha certeza
de que voltaria para casa.
— Está me esmagando, mãe. — Ele afastou-se tentando respirar.
— Desculpe. — Afagou os ombros dele. — É bom tê-lo de volta.
— É bom estar em terra firme. — Ele respirou fundo, sentindo cada aroma
da floresta mais próxima. O vigor voltou ao seu corpo quase no mesmo instante.
— Quem é ela? — Odete olhou para Selene que escondia sua nudez atrás
de Peter.
— Selene. É graças a ela que ainda estou vivo. É a minha ligação, mãe.
Odete abriu um largo sorriso.
— É um grande prazer tê-la conosco. Seja bem-vinda!
— Obrigada. — Selene retribuiu o sorriso com as bochechas ainda um tanto
ruborizadas.
— Espere no mar, querida. Vou providenciar roupas limpas e secas para as
três. E Peter vá ver seus irmãos. Estavam todos muito aflitos.
— Vá, eu ficarei bem. — Selene o empurrou pelos ombros antes de pular
de volta na água.
— A mãe dele é sempre tão gentil?
— Sim, ela é. — Thessa respondeu em meio a uma gargalhada. — Terá
tempo para conhecê-la bem.

Alguns meses depois...

P eter apoiou suas costas no mastro e puxou Selene para os seus braços. Ela
sorriu balançando a cabeça, tentando tirar os fios de cabelo que o vento soprava
para o rosto. Peter passou a mão pelo o rosto dela e empurrou os fios rebeldes
para trás da orelha antes de segurá-la pela nuca e trazê-la para si, requisitando
um beijo de sua adorável esposa.
Algumas pessoas questionavam a atitude de Peter de querer voltar a
navegar depois do que havia lhe acontecido, principalmente a sua mãe. Contudo,
por que se afastaria de algo que havia lhe trazido a maior felicidade de sua vida?
Selene o pressionou mais contra o mastro e intensificou o beijo,
empurrando a língua para dentro da boca do Peter e procurando pela dele. A
sereia fez com que o capitão se esquecesse dos marujos no convés. Ele subiu
com as mãos até os seios dela e os apertou, fazendo-a gemer contra os seus
lábios. Mas uma faísca de bom-senso se abateu sobre ela e Selene se afastou.
Peter fechou os lábios, desgostoso, mas não disse nada. Recobrou a
compostura e voltou a sorrir. Possuiria a sua esposa mais tarde, na cabine e longe
dos olhares curiosos de sua tribulação.
— Olha! — Selene apontou para o horizonte onde uma ilha se revelava em
meio a névoa. — A ilha das sereias.
Peter a abraçou por trás e beijou-a no pescoço, antes de sussurrar o pé do
ouvido dela:
— Quer visitar a sua mãe?
— Não. — Selene fez uma careta e ele gargalhou. — Vamos seguir viagem.
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