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21.7.2023

O ataque a
ALEXANDRE
de MORAES

68
/ Capa
O ATAQUE A ALEXANDRE DE MORAES
3 | por Plinio Teodoro
11 | "Comunista!", por Kakay
edição #68

/ Política
18 | Moro e Zambelli, os próximos na fila
da cassação?, por Ivan Longo

/ Brasil
conteúdo |

27 | Fim das escolas cívico-militares, por Ana


Mércia e Raphael Sanz
37 | Massacre da DZ7, por Raphael Sanz

/ Global
46 | Lula em Bruxelas: "Uma viagem
extremamente exitosa", por Yuri Ferreira

/ Música
53 | Barbie, o álbum, por Julinho Bittencourt
59 | João Donato, um compositor que
ainda nem nasceu, por Julinho Bittencourt

65 / Expediente
Foto Rosinei Coutinho/SCO/STF

Capa

O ATAQUE A
ALEXANDRE DE
MORAES
E as faces da barbárie
fascista de Bolsonaro
por Plinio Teodoro
Ceivados por repetidos discursos de
ódio segregacionista do neofascismo, muitos
desses "animais" encontram-se acuados
desde o fim da barbárie bolsonarista. Mas
não foram extirpados

"A
lexandre de Moraes, deixa de ser
canalha". O urro propalado por Jair
Bolsonaro (PL) no dia 7 de setembro de
2021 à horda fascista que se acotovelava na
Avenida Paulista ainda ecoa em meio à rataria
que deixou os porões que ocupava após o fim
da ditadura militar no país.
Dois dias depois do ato de incivilidade,
quando firmou um pacto com os extremistas
de que "não mais cumpriria" as determinações
judiciais sentenciadas por Moraes, Bolsonaro
meteu o rabo entre as pernas e pediu
desculpas em nota cunhada pelo parceiro
golpista Michel Temer. Dizia ele que as
declarações "decorreram do calor do
momento". Deu, assim, uma mostra a mais de
sua reiterada covardia.
Incivilidade e covardia compõem o perfil de
todo fascista. A capacidade cognitiva limitada
pela ignorância — uma escolha própria, frise-se
Foto Reprodução
Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro de 2021, quando chamou
o ministro Alexandre de Moraes de "canalha"

— liberta as revoltas mais primitivas do instinto


animalesco do ego ferido.
Ceivados por repetidos discursos de ódio
segregacionista do neofascismo, muitos desses
"animais" encontram-se acuados desde o
fim da barbárie bolsonarista. Mas não foram
extirpados. E, ao se depararem com símbolos
estabelecidos para atiçar seus sentimentos
viscerais, partem para o ataque.
Foi o que aconteceu quando o empresário
do interior paulista Roberto Mantovani Filho se
deparou com o advogado Alexandre Barci de
Moraes e o pai dele, o ministro do Supremo
Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes,
Foto Reprodução
Roberto Mantovani Filho, sua mulher, Andréia Munarão, e o genro, Alex Zanatta

contra quem Bolsonaro destilou grande parte de


seus discursos de ódio.
Ao lado da esposa, Andréia Munarão, e
do genro, Alex Zanatta, Mantovani agrediu
Barci com um tapa, em meio à parlanda
odiosa propagada em sua horda, cooptada
por décadas de distorções que fizeram do
"comunista" o homem do saco dos adultos.

Lenda dos seguidores do mito


Nos dias que se seguiram ao ataque, em meio
às fake news que emergiam da selva bolsonarista,
o casal pediu "desculpas pelo mal-entendido" e
cunhou a narrativa de que teria sido Barci, o filho
de Moraes, quem agrediu a "indefesa" Andréia
Munarão, que bradava as palavras de ordem
diante da sala VIP do aeroporto.
Em representação à Polícia Federal (PF) para
apuração do episódio, Moraes relatou que estava
na área de embarque do aeroporto por volta
das 19h quando Andréia se aproximou e deu
início aos xingamentos. Em seguida, Mantovani
"passou a gritar e, chegando perto do meu filho,
Alexandre Barci de Moraes, o empurrou e deu
um tapa em seus óculos. As pessoas presentes
intervieram e a confusão foi cessada".
Em depoimento à Polícia Federal, no entanto,
Mantovani disse apenas ter "afastado com o
braço" o filho do ministro do STF para que não
se aproximasse da esposa.
A narrativa dos bolsonaristas foi classificada
como "rídicula e risível" pelo ministro da Justiça,
Flávio Dino.

"IMAGINEMOS O ABSURDO.
ALEXANDRE DE MORAES
ESTÁ COM SUA FAMÍLIA
CAMINHANDO NO
AEROPORTO, VÊ UMA
FAMÍLIA QUALQUER E
RESOLVE AGREDIR ESSA
FAMÍLIA? ISSO É RIDÍCULO!
ISSO É RISÍVEL", DISPAROU DINO.

A lenda dos seguidores do mito, realmente,


não se sustentou por muito tempo.
Principalmente diante das imagens das câmeras
do aeroporto enviadas à PF. E a limitação
cognitiva deu lugar, então, à falta de memória.
“O Sr. Roberto
disse que o afastou
com o braço. Ele não
tinha a lembrança se
com um empurrão
ou tapa. Isso,
imediatamente após
seguidos e graves insultos a sua mulher. Foi
um ato de defesa de um idoso com 71 anos
de idade”, disse o advogado Ralph Tórtima,
antecipando-se a um possível novo inquérito, pela
mentira de seu cliente no depoimento à polícia.
A tentativa de cunhar uma fake news se
estendeu ao genro, que entregou um vídeo
editado, de dez segundos, para "provar" que
não tinha havido agressão. Acreditando ele que a
Polícia Federal não detectaria, de bate-pronto, a
distorção grotesca na técnica disseminada pelo
gabinete do ódio para incitar a horda bolsonarista.

Incivilidade e covardia
O esfacelamento político de Bolsonaro, ainda
em curso, tem afetado os ânimos de seus
radicais, alimentados com uma sanha odiosa
contra Lula e contra tudo que ele representa
nos últimos anos.
Com seu capitão às traças, encontram-se
famintos. Sem a alienação constante por meio
de fake news e cursos olavofascistas, restou o
abatimento e a resignação.
E ratos, quando acuados, atacam sem
o mínimo de racionalidade e senso de
consequência de seus atos.
Mas, ao menor sinal de reação, fogem e
se escondem. Covardemente. É assim com
Bolsonaro. É assim com seus asseclas, as
milhões de faces da barbárie fascista no Brasil.
Incivilidade seguida de covardia. E um pedido
de desculpas para tentar apagar a selvageria e
esquecer os tempos de trevas no país. Como
se isso fosse possível.
Alexandre de Moraes não se esquece do dia
em que foi execrado e tratado como "canalha"
por Bolsonaro. E se lembrará por muito tempo
do tapa desferido em seu filho e das agressões
da família Mantovani no aeroporto de Roma.w
FILMES

EP.2
Festa da Selma

Direção Luiz Carlos Azenha


Realização

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Foto Rosinei Coutinho/SCO/STF
Capa

Comunista!
O ataque ao ministro
Alexandre de Moraes
por Kakay

C
" omunista!" Esse é o xingamento principal
dessa corja ignorante bolsonarista.
Por não conhecerem nada de história,
chamam o ministro Alexandre de Moraes de
comunista! Tenho dito que é extremamente
difícil qualquer diálogo com esses ultradireitistas
porque eles são muito primários. Ignorantes
mesmo. Com uma visão pequena, rasa e
maniqueísta do mundo. Em regra são pessoas
muito despreparadas, sem nenhuma leitura,
com tendência a serem violentas pois não têm
argumentos. Agem como os “imbroxáveis”, que,
por não conseguirem completar o ato sexual,
agridem as mulheres. A escória da humanidade.
Agora, chegam ao requinte da selvageria,
crueldade e covardia ao agredirem fisicamente
o filho do ministro Alexandre. Eles são os
mesmos que tentaram o golpe em 8 de janeiro
e depredaram o Plenário do Supremo Tribunal
Federal. Se naquele dia algum ministro estivesse
na Corte, teria sido esquartejado e exposto em
praça pública. É disso que se trata. Defender
a democracia e respeitar a Constituição, mas,
também, preservar a vida daqueles que se
expõem para garantir o Estado Democrático
de Direito. O ministro Alexandre está sofrendo
esses ataques, assim como outros ministros do
Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior
Eleitoral, por estarem tendo a coragem de se
posicionarem contra a ruptura institucional e
pela normalidade democrática. Esse episódio
da agressão física ao filho do ministro é de
extrema gravidade e demonstra que os fascistas
continuam atentando contra a democracia.
Estão vivos, feridos e aparentemente acuados,
mas com a mesma selvageria e violência.
Tenho dito que a estabilização institucional
só virá com a condenação criminal desses
fascistas. E é necessário ter a coragem
constitucional de responsabilizar a todos,
inclusive o mentor inquestionável desse estado
de coisas a que foi submetido o Brasil.

ESSE COVARDE QUE


AGREDIU O MINISTRO
E SEU FILHO JÁ FOI
CANDIDATO DERROTADO
À PREFEITURA DA SUA
CIDADE. COM ESSE ATO
BESTIAL, HABILITA-SE A
SER CANDIDATO A SENADOR
DA REPÚBLICA. CERTAMENTE VIROU HERÓI
NAS HOSTES BOLSONARISTAS. ESSE É
O PIOR ADVERSÁRIO: O QUE NÃO TEM
ROSTO. É UM ROSTO COMUM QUE SE
APRESENTA PELA VIOLÊNCIA, PELO ÓDIO,
PELA IGNORÂNCIA. SÃO EXÉRCITOS DA
MAIS COMPLETA OBTUSIDADE QUE FORAM
FORJADOS COM ANOS DE FAKE NEWS,
COM MUITA MAMATA DO ESTADO, COM
INVESTIMENTO PROFUNDO EM IGNORÂNCIA.
COMO DEBATER COM QUEM NÃO TEM
ESCRÚPULO, NÃO TEM LIMITES, NÃO
TEM ÉTICA?
É um jogo desigual, pois os fascistas,
ultradireitistas, não seguem a regra do jogo,
que é a Constituição. Inventam até uma
subleitura vulgar do artigo 142 da Constituição
para defenderem um “golpe constitucional".
Calhordas e cínicos. Para esses a saída é a
lei. Sem excessos e preservando o devido
processo legal e a ampla defesa. Mas sem
perdão, indulto ou comiseração. Basta
aplicar a lei aos fatos que são incontroversos.
Parece simples, mas depende de todos nós
democratas. Não podemos deixar só nas mãos
do Judiciário, a sociedade toda tem que estar
mais do que atenta, cobrando do Congresso
e das instituições um firme posicionamento
contra os atos golpistas. Não é em defesa só
do Supremo, ou mesmo da democracia, é em
defesa de cada um de nós.
Lembrando o velho Ruy Barbosa:
"Justiça tardia nada mais é do que injustiça
institucionalizada”.w

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum.


A N O S
22JORNALISMO
DE
INDEPENDENTE

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Fotos Pedro França/Agência Senado | Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Política

Moro e Zambelli,
os próximos na fila
da cassação?
Senador e deputada federal enfrentam
processos na Justiça Eleitoral por casos em
que há jurisprudência para serem cassados;
especialista explica
por Ivan Longo

E
m maio deste ano, o Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) cassou, em decisão
unânime, o mandato de deputado federal
de Deltan Dallagnol. O ex-coordenador da
operação Lava Jato foi condenado após a Corte
entender que ele se candidatou a uma vaga na
Câmara, em 2022, de forma irregular, já que
estaria impedido de concorrer pelo fato de que
pediu exoneração de seu cargo de procurador
tendo processos pendentes no Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP).
Pouco mais de um mês depois, em junho,
o mesmo TSE sentenciou Jair Bolsonaro à
inelegibilidade por oito anos. O ex-presidente
foi condenado por abuso de poder e uso da
estrutura do Estado para fins privados ao
convocar uma reunião com embaixadores
estrangeiros para atacar o sistema eleitoral.
O ano não deve terminar, entretanto,
sem antes dois outros políticos ligados ao
bolsonarismo e à extrema direita perderem seus
mandatos. O senador Sergio Moro (UB-PR) e
a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) são
considerados, tanto no meio político quanto no
jurídico, os próximos na “fila” da cassação.

Moro: cassação é dada como certa


Entre janeiro e março de 2022, o ex-juiz
Sergio Moro, após um período como ministro
da Justiça de Jair Bolsonaro, estava filiado
ao Podemos e fez pré-campanha como pré-
candidato à Presidência da República.
O partido, entretanto, vetou sua candidatura
ao Palácio do Planalto e o ex-magistrado,
Foto Geraldo Magela/Agência Senado
O senador Sergio Moro

então, saiu da legenda e se filiou ao União Brasil


para se candidatar ao Senado. Primeiro, queria
concorrer por São Paulo, mas foi impedido
pela Justiça Eleitoral por não possuir residência
ou vínculos com o estado, e dessa maneira
registrou sua candidatura de senador pelo seu
estado de origem, o Paraná.
Apesar do caos partidário e envolvendo
domicílio eleitoral, Moro conseguiu se eleger
senador com 1.953.159 votos. Ainda à época
da campanha, entretanto, foram protocoladas
pelo Partido Liberal e pela Federação Brasil da
Esperança, composta pelo PT, PCdoB e PV,
duas ações — que depois foram unificadas —
contra o ex-juiz no Tribunal Regional Eleitoral do
Paraná (TRE-PR).
As legendas apontam que Moro teria
praticado abuso de poder, caixa 2, uso indevido
dos meios de comunicação e incorrido em
irregularidades em contratos na pré-campanha.
Isso porque, segundo as ações, Moro
iniciou sua pré-campanha como candidato à
Presidência da República antes de se tornar
candidato ao Senado pelo Paraná. O ex-juiz
não teria incluído em sua prestação de contas
à Justiça Eleitoral os valores gastos com a pré-
campanha, extrapolando o teto estabelecido
para a campanha de senador no Paraná, que é
de R$ 4,4 milhões.
“Em atitudes que se estendem desde
a filiação de Moro ao Podemos até sua
candidatura ao Senado pelo Paraná, pelo
União Brasil, há indícios de que o investigado
utilizou de recursos do Fundo Partidário e
do Fundo Especial de Campanha, além de
outras movimentações financeiras suspeitas,
para construção e projeção de sua imagem
enquanto pré-candidato de um cargo eletivo
no pleito de 2022, independentemente do
cargo em disputa”, diz um trecho de uma
das representações.
À Fórum, o advogado Renato Ribeiro
de Almeida, professor de direito eleitoral e
coordenador acadêmico da Academia Brasileira
de Direito Eleitoral e Político (Abradep), avaliou
que, de fato, Moro deve ser cassado pelo
TRE-PR, visto que seu caso é muito parecido
com o da também ex-juíza e ex-senadora
Selma Arruda, conhecida como “Moro de
saias”, cassada em
2019 por abuso de
poder econômico e
arrecadação ilícita de
recursos na eleição
de 2018.
"Eu entendo que
o caso do Sergio
Moro se assemelha muito ao caso da juíza
Selma por gastos vultosos e desproporcionais
na pré-campanha, configurando o abuso de
poder econômico. Então, o hoje senador se
valeu de uma pré-campanha à Presidência da
República de grande visibilidade de gastos,
que são gastos que ultrapassam e muito
aquilo que estava no teto para a campanha
ao Senado no Paraná, e, portanto, ele teve
uma situação que é de abuso de poder
econômico”, explica Almeida.
O especialista reforça que Moro ultrapassou
os limites estabelecidos na legislação para
os gastos na campanha e destaca que há
“jurisprudência” farta sobre o assunto.
“Eu acredito que o Tribunal Regional
Eleitoral do Paraná vai ser condizente com
Foto Reprodução Facebook
O advogado Renato Ribeiro de Almeida

a jurisprudência do próprio tribunal e a


jurisprudência do TSE. Eu entendo que não
se trata de perseguição ao ex-juiz ou nenhum
tipo de narrativa a esse respeito, mas sim
uma situação que é colocada, de gastos, um
candidato eleito que se valeu de recursos
financeiros muito além daquilo que era possível
para a natureza da campanha que ele acabou
concorrendo e vencendo as eleições”, emenda
o advogado.

Carla Zambelli: destino


praticamente selado
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP),
um dos maiores expoentes do radicalismo
bolsonarista, enfrenta o mesmo problema. Para
além dos processos
a que responde no
âmbito criminal, como
o que foi aberto após
ela sacar uma pistola e
perseguir um homem
no meio da rua em
São Paulo, na véspera
do segundo turno
da eleição de 2022,
a parlamentar é alvo
de duas ações que
tramitam no Tribunal
Regional Eleitoral de
São Paulo (TRE-SP) e que devem, após julgadas,
resultar em sua cassação.
Nas ações, protocoladas pelos deputados
Glauber Braga (PSOL-RJ) e Sâmia Bomfim
(PSOL-SP), Zambelli é acusada de abuso de
poder político e uso indevido dos meios de
comunicação por divulgar notícias falsas sobre
o sistema eleitoral brasileiro e instigar generais
das Forças Armadas a não reconhecerem a
vitória eleitoral do presidente Lula, por meio de
vídeo publicado nas redes sociais.
Na peça jurídica, é destacado que a
bolsonarista usou de “expressivo alcance
nas redes sociais para malferir instituições
democráticas em troca de um protagonismo
político conquistado sobre (sic) o primado da
fraude e da desinformação”.
Recentemente, o corregedor-geral Eleitoral,
ministro Benedito Gonçalves, negou pedido
da defesa da deputada para que o caso fosse
julgado pelo TSE e devolveu as ações para o
TRE-SP, que já informou que deve submeter o
caso ao Plenário ainda este ano. Muitos avaliam
que a Corte paulista vai cassar o mandato de
Zambelli tendo em vista que o TSE condenou
Bolsonaro à inelegibilidade recentemente
também por atacar o sistema eleitoral.
A própria deputada concorda e admite que
deve ser uma das próximas a ter o mandato
cassado. No final de maio deste ano, Zambelli
divulgou um vídeo em que aparece nitidamente
abatida e admitindo seu revés.
"Eu queria dizer para vocês que, lógico, a
gente se preocupa, sim. Eu vou ser a próxima
cassada. É dado como certo, né? Eu confio
muito em Deus. O que tiver que ser, Deus
permitirá ou não permitirá. E se ele permitir
minha cassação é por algum motivo", declarou
à época.
Renato Ribeiro de Almeida, o especialista em
direito eleitoral, também concorda. Segundo
o advogado, assim como no caso de Moro,
há farta jurisprudência na Justiça Eleitoral com
relação à conduta de divulgar notícias falsas sobre
as eleições brasileiras. O advogado cita como
exemplo, para além do julgamento de Bolsonaro,
o caso do ex-deputado estadual paranaense
Fernando Francischini, cassado em 2021 por
divulgar fake news
sobre o sistema
eleitoral.
Em 2018, quando
ocupava o cargo de
deputado federal,
justamente no dia da
eleição em que se
candidatou a deputado estadual, Francischini fez
uma live para espalhar a notícia falsa de que duas
urnas estavam fraudadas e, aparentemente, não
aceitavam votos no então candidato à Presidência
da República Jair Bolsonaro. Na transmissão,
ele também afirmou que urnas tinham sido
apreendidas e que ele teria tido acesso a
documentos da Justiça Eleitoral que confirmariam
a fraude — uma mentira.
“A divulgação de notícias falsas envolvendo
o sistema eleitoral brasileiro ganhou reforço
em relação a sua jurisprudência no TSE com o
julgamento do caso do Bolsonaro, mas não só,
há um precedente em relação ao ex-deputado
estadual Francischini no estado do Paraná,
que acabou perdendo o mandato justamente
por divulgar em redes sociais notícias falsas
que atacavam o sistema eleitoral brasileiro”,
elucida Almeida.
De acordo com Renato Ribeiro de Almeida,
como existe um precedente no caso de
Francischini e também no de Bolsonaro, “por
coerência” a situação de Carla Zambelli se
assemelha e, por isso, o mais provável é que a
deputada tenha o mandato cassado.
“É muito provável que o Plenário do
Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e,
posteriormente, o Tribunal Superior Eleitoral
vá também ter esse entendimento. Eu,
pessoalmente, entendo pelos meus escritos,
pelos meus estudos, que essa é uma hipótese,
sim, de abuso de poder político e de abuso
dos meios de comunicação social porque,
se valendo da condição de parlamentar, de
deputada, de toda a sua estrutura e toda
a visibilidade, divulgou notícias que são
sabidamente inverídicas e essas notícias
atacavam o sistema eleitoral brasileiro”, pontua.
“Então, está aí o abuso do poder político
e o abuso dos meios de comunicação.
Porque a reverberação das palavras ditas pela
parlamentar, ainda que em campanha, são
gigantescas, muito maiores do que as de um
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Foto Antonio Cruz/Agência Brasil
Brasil

Fim das escolas


cívico-militares
Em entrevista à Fórum, Catarina de Almeida
Santos fala sobre as perspectivas para a
educação no Brasil e sobre os impactos do
modelo de escolas militarizadas imposto
durante o governo Bolsonaro
por Ana Mércia e Raphael Sanz

O
governo Lula comunicou em 12 de
julho que vai encerrar o Programa
Nacional das Escolas Cívico-Militares
(Pecim), uma herança da gestão de Jair
Bolsonaro. O programa foi lançado em 2019 e
era a principal bandeira do governo da extrema
direita para a educação.
No bojo do otimismo em torno do
encerramento do Pecim, a Fórum conversou
com a pedagoga e doutora em educação pela
Universidade de São Paulo (USP) Catarina de
Almeida Santos, para entender o que está por
trás da militarização das escolas, quais seus
impactos e quais as perspectivas, de forma
geral, para a educação no Brasil.
O modelo das escolas cívico-militares
é diferente daquele das escolas militares
mantidas pelo Exército; são as chamadas
escolas militarizadas. Para além do Pecim, a
militarização de escolas é realidade também
como medida de governos estaduais e
municipais no Brasil, e exige debate.
Para a pedagoga, que atualmente é
professora associada da Universidade de
Brasília (UnB), isso faz parte de um projeto de
manutenção da estrutura social que engloba,
também, iniciativas como o homeschooling e o
projeto Escola sem Partido.
Confira os principais trechos da entrevista.

As escolas cívico-militares
A militarização não começou em 2019 com
o Pecim. Quando falamos de militarização,
estamos nos referindo à transferência das
Foto Divulgação
A pedagoga e doutora em educação Catarina de Almeida Santos

escolas civis públicas, por decisões de gestores


locais ou, no caso, pelo Pecim, para as
diferentes forças de segurança, e inclusive para
organizações privadas formadas por policiais
para atuarem nessas escolas. Isso se expandiu
muito nos últimos anos.
Em meados da década de 1990, essa
questão da militarização ganhou força em
Goiás, quando o então governador Marconi
Perillo militarizou a Escola Hugo de Carvalho
Ramos, que fica em uma região relativamente
nobre de Goiânia. A partir disso, o Marconi
Perillo continuou esse processo de militarização,
que se espalhou para outros estados do Brasil,
como Bahia e Amazonas.
Isso é diferente das escolas militares, que
são as escolas que pertencem ao Exército, e
das escolas que pertencem a algumas polícias
militares estaduais e ao Corpo de Bombeiros.

NO INÍCIO DE 2019, TÍNHAMOS CERCA


DE 200 ESCOLAS MILITARIZADAS NO
PAÍS, PREDOMINANTEMENTE NAS REDES
ESTADUAIS, MAS TAMBÉM NAS REDES
MUNICIPAIS, ALGO QUE OCORRIA MUITO NA
BAHIA. COM O PECIM, ESSE TEMA ENTROU
NA AGENDA NACIONAL E O PROCESSO DE
MILITARIZAÇÃO SE EXPANDIU. HOJE TEMOS
MAIS DE MIL ESCOLAS MILITARIZADAS
NO BRASIL.

É difícil ter um número exato, pois os


municípios militarizam por conta própria, e são
5.600 municípios.
Se a criação do Pecim contribuiu para
essa expansão e ajudou nesse processo de
militarização, há lógica em acreditar que o fim
do Pecim possa frear esse processo. Mas
essa descontinuidade do programa precisa vir
acompanhada de uma ação de desmilitarização,
já que é um processo ilegal e inconstitucional,
que não está previsto em nossa base legal, nem
nas diretrizes e bases da educação. Portanto,
os estados e municípios estavam fazendo isso
de forma ilegal. Temos vários pareceres de
ministérios públicos apontando essa ilegalidade,
além de uma ação no STF.
A ação do Ministério da Educação, além
do fim do programa, deve incluir medidas de
desmilitarização e declarar que é ilegal e que não
é possível colocar a polícia para gerir a escola.
O fim do programa é uma ação importante, mas
precisa vir junto com a desmilitarização.

Juventude hitlerista

Foto Reprodução

Militarização e fascismo
Tem um autor que costumo usar, o Tzvetan
Todorov, sobretudo sua obra Diante do Extremo,
para imaginarmos como os agentes do
fascismo ou do nazismo eram pessoas comuns
formadas a partir de uma lógica. Então, fui
estudando muito esses livros sobre a juventude
hitlerista porque está dentro da lógica do que
se tenta fazer com os estudantes dentro das
escolas militarizadas.

É A LÓGICA DO BATER CONTINÊNCIA,


OBEDECER COMANDO, DA UNIFORMIZAÇÃO,
DA NEGAÇÃO DO SUJEITO. QUANDO
VOCÊ TENTA PADRONIZAR TODO MUNDO,
VOCÊ ESTÁ NEGANDO A DIVERSIDADE, O
DIVERSO DENTRO DA ESCOLA. ENTÃO ESSE
PROCESSO DE MILITARIZAÇÃO TEM MUITO
DESSA LÓGICA DA JUVENTUDE HITLERISTA.
COSTUMO DIZER QUE A MILITARIZAÇÃO
MEXE EM TODA A COMPLEXIDADE DO
PROCESSO EDUCATIVO E DO QUE
ESPERAMOS QUE A EDUCAÇÃO
POSSA FAZER.

É preocupante formar sujeitos para naturalizar


o que o braço armado do Estado faz. Ele mata
e encarcera a juventude da escola pública.
Vimos mais uma criança morrendo por “bala
perdida”, entre muitas aspas, por exemplo, no
Rio de Janeiro, a caminho da escola. Quantos
dias as nossas escolas ficam sem aula devido
à ação da polícia? Então, você treina aqueles
que vão ficar na escola – porque a escola
militarizada expulsa o que eles consideram ser
alunos problemáticos – para naturalizar isso,
para naturalizar o fato de o Estado acabar com
a vida de uma parcela significativa da população
brasileira, que são os meninos negros,
periféricos e com baixa escolaridade, o que é
muito comum no Brasil. E não sou eu que estou
dizendo, são os dados que estão mostrando.

Foto Divulgação Ministério da Educação


Escola cívico-militar

Educação e projeto dos militares


Vou trazer aquela famosa frase do Darcy
Ribeiro: “A crise da educação no país não
é crise, é projeto”. É a manutenção de uma
estrutura da sociedade brasileira que é racista,
misógina, capacitista, discriminatória e desigual
socialmente. É disso que estamos falando. O
ataque é diretamente à escola pública, seja
no caso do homeschooling, seja na questão
do Escola sem Partido, seja na questão da
militarização. Além disso, podemos falar da
reforma do ensino médio, dos currículos
voltados para treinar os alunos a responder
questões, dessa ideia de que a escola pública
tem dinheiro demais.
Tudo isso faz parte do projeto de destruição
da escola pública, ou pelo menos dessa escola
pública que atende ao que está no artigo 205
da Constituição, que é o pleno desenvolvimento
do sujeito, a formação para a cidadania, a
formação para o mundo do trabalho que não
seja a "uberização", por exemplo.
O sistema educacional brasileiro hoje tem
cerca de 56 milhões de estudantes em um país
com uma população de cerca de 204 milhões
de habitantes. Isso significa que temos mais de
60 milhões de pessoas envolvidas na educação,
incluindo profissionais da educação, pais e
responsáveis. Toda a sociedade brasileira está
imbricada diretamente na escola.
A educação básica pública tem 40 milhões
de estudantes. Se abalamos as bases dessa
escola, abalamos a estrutura dessa sociedade.
Quando dizem que a escola precisa ser sem
partido, não é sem partido político, não é
sem sigla partidária, mas significa não tomar
partido contra aquilo que mantém a estrutura
da sociedade como está organizada. A quem e
o que a escola pública de qualidade ameaça?
O projeto de nação lançado pelos militares em
fevereiro de 2022 – acho que olhamos muito
pouco para aquele projeto – tem os militares
falando até de 2036. Eles falam sobre a ideia
de expandir as escolas cívico-militares sem que
os militares precisem estar dentro da escola. E
aí compreende-se o que significa essa higiene
na lógica do projeto de nação dos militares.

NÃO PENSEM QUE AS


ESCOLAS MILITARIZADAS
SÃO AS ESCOLAS
QUE VÃO ACOLHER
OS VULNERÁVEIS. OS
VULNERÁVEIS SÃO PRESOS
E MORTOS PELA POLÍCIA,
ISSO É O QUE OS DADOS DA
REALIDADE DESTE PAÍS MOSTRAM. NÃO É
POR ACASO QUE, QUANDO SE MILITARIZA,
PEGAM AS ESCOLAS COM MELHOR
INFRAESTRUTURA, AS MAIS BONITAS, AS
MAIS NOVAS. NÃO É POR ACASO QUE, AO
OLHAR AS FOTOGRAFIAS DAS ESCOLAS
MILITARIZADAS EM GOIÁS E NO AMAZONAS,
DESCOBRIMOS QUE ESSAS ESCOLAS
NÃO TÊM A CARA DO PERFIL DA ESCOLA
PÚBLICA. SÃO ESCOLAS BRANCAS, QUE
COBRAM TAXA, COM ENGARRAFAMENTOS
NA PORTA PARA ENTRAR.

São escolas de uma classe média que não


consegue pagar escola particular e quer que a
escola pública esteja lá sem que o seu público
esteja interagindo com seus filhos ou com
aqueles que estão sob sua responsabilidade.
A escola militarizada não é a escola da
elite econômica deste país, nem a escola dos
pobres, daqueles que estão mais vulneráveis,
mas, sim, é a escola daqueles que estão
ali para formar esse grupo que vai manter
todo esse discurso, todas essas mentiras e
toda essa estrutura que está presente em
nossa sociedade. Os demais têm que ficar
subalternos, inclusive, com o mínimo de acesso
à escola. Costumo dizer que, se a pedagogia da
escola fosse para o quartel, teríamos melhores
resultados do que com a pedagogia do quartel
vindo para a escola.w
Foto Memórias da Ditadura
Brasil

Massacre
da DZ7
“Vamos provar ao júri que a polícia mente”, diz
à Fórum Maria Cristina Quirino, mãe de Denys
Henrique, morto aos 16 anos durante ação da
PM em Paraisópolis, São Paulo

por Raphael Sanz

N
a madrugada de 1º de dezembro de
2019, uma ação da Polícia Militar (PM)
na comunidade de Paraisópolis, na zona
sul de São Paulo, deixou nove pessoas mortas,
todas jovens e adolescentes entre 14 e 29 anos,
e ficou conhecida como o Massacre da DZ7
de Paraisópolis. A operação policial tinha como
objetivo encerrar o chamado baile funk da DZ7,
festa famosa na periferia da capital paulista
que fazia com que diversos jovens de várias
quebradas se deslocassem para participar.
Um desses jovens foi Denys Henrique
Quirino, à época com 16 anos, que saiu da
Brasilândia, na zona norte da cidade, para curtir
o baile. Ele sonhava em atingir a maioridade
para comprar uma moto e trabalhava em uma
empresa de limpeza de sofás e estofados para
conseguir bancar sua festa de aniversário de
18 anos. Exímio dançarino, foi se divertir no
baile da DZ7, mas nunca mais voltou para
casa. Sua mãe, Maria Cristina Quirino, desde
então luta para que o episódio seja investigado
apropriadamente e que a justiça seja feita.
“É uma angústia estar passando por esses
quase quatro anos sem respostas. Ficar esse
tempo todo em uma luta por justiça é a pior
coisa que pode acontecer, porque você sabe
que não tinha motivação e nem justificativa
para o que a polícia fez, e temos que lutar para
provar que eles mentem e encontrar forças
para refutar a narrativa deles. É desesperador”,
contou Cristina em entrevista à Fórum.
De acordo com os PMs, tudo teria começado
com a perseguição a dois suspeitos que
Foto Reprodução
As vítimas do massacre tinham entre 14 e 29 anos

trafegavam na região sobre uma moto e teriam


atirado contra os policiais antes de buscarem
esconderijo em meio à multidão que curtia o
baile. Os agentes então teriam adentrado a
multidão que curtia o baile atrás dos suspeitos,
e relatam que teriam sofrido hostilidades do
público. Por conta dessas hostilidades, teriam
reagido com o ataque ao baile em legítima
defesa. Ainda segundo os agentes, as suas
ações promoveram um verdadeiro caos, e
o público, na pressa para sair dali, acabou
produzindo as vítimas, pisoteadas. Depois disso,
os PMs ainda alegam que teriam socorrido as
vítimas, levando-as a hospitais da região, onde
vieram a falecer.
“TUDO ISSO QUE A POLÍCIA FALOU É
MENTIRA. UM MÊS ANTES DO ASSASSINATO
DOS NOSSOS FILHOS, A POLÍCIA FAZIA
OPERAÇÃO EM PARAISÓPOLIS POR CONTA
DA MORTE DE UM POLICIAL, O SARGENTO
RUAS. A POLÍCIA JÁ ESTAVA FAZENDO UMA
OCUPAÇÃO DENTRO DA FAVELA, PARA
REPRIMIR A POPULAÇÃO DA COMUNIDADE,
COM AMEAÇAS DE TODO TIPO, VERBAL E
FÍSICA, POR CONTA DAQUELA MORTE.

A própria PM anunciou a chamada Operação


Saturação”, explica a mãe, que desde o
episódio trabalha ao lado do Centro de
Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp
(Caaf) para apurar o que ocorreu. O instituto
publicou o relatório O Massacre no Baile da
DZ7, Paraisópolis, em que apresenta uma série
de estudos que, literalmente, desmentem a
versão dos policiais.
Na época dos acontecimentos, Cristina e
outros familiares de vítimas já apontavam que os
corpos não possuíam sinais de pisoteamento.
Na mesma semana, o site Ponte esteve em
Paraisópolis e conversou com a comunidade.
Um comerciante evangélico, que não gosta
de funk, relatou que não existiu o suposto fato
do motoboy que usou o baile como escudo.
De acordo com o homem, a polícia fazia
Foto Memórias da Ditadura
blitz na entrada da favela para controlar o
acesso a partir das 19h e, após 1h da manhã,
começaram a entrar na comunidade e invadir
o baile. Mas, até as 4h, eles estavam apenas
rodeando o evento.
Naquele momento da alta madrugada,
quando entraram "com tudo" no baile, o
comerciante diz ter ouvido tiros de armas de
fogo. Ele abrigou cerca de cem pessoas dentro
do seu estabelecimento, salvando suas vidas.
Para o homem, foram os próprios policiais que
mataram as vítimas, e não o pisoteamento.
Imagens das câmeras de segurança do
seu mercado mostram o desespero dos
frequentadores do baile em fuga e, em seguida,
uma solitária viatura passando pela rua vazia.
“Eles entraram na favela sabendo o que
iriam fazer. E, depois de tudo o que aconteceu,
também planejaram como reverter a situação
em favor deles. Eles cancelaram o Samu,
mas deram depoimento dizendo que estavam
cercados pela população e que não tinham
condições de sair – e nem o Samu teria como
entrar. Mas está comprovado pelo trabalho
do Caaf que eles não estavam cercados e
que mentiram na narrativa deles. Alegaram
que socorreram nossos filhos com vida e
isso também não é verdade. Nossos filhos
já estavam quase uma hora esperando uma
decisão deles enquanto morriam de asfixia”,
relatou Cristina.
A ação policial até hoje não foi esclarecida.
Depoimentos dados à época pelos agentes
não confirmaram a versão dada à imprensa
e a isso se somam os questionamentos dos
familiares das vítimas. Algumas perguntas
ainda estão sem respostas, por exemplo, a que
horas a polícia começou o ataque ao baile, qual
a motivação para essa repressão, por que a
polícia teria cancelado uma chamada ao Samu
e realizado ela própria o atendimento às vítimas,
ou ainda como se deram as mortes e do que
morreram as vítimas. Há suspeitas por parte de
familiares de que as vítimas tenham sido mortas
a tiros ou mesmo espancadas pelos agentes,
conforme relatos da época.
“Eu falo 31 porque sete policiais
simplesmente sumiram e nunca soubemos seus
nomes, mas eram 38 envolvidos de acordo com
a imprensa. Desses 31, não teve um sequer
para fazer procedimento de primeiros socorros
a fim de saber se algum dos jovens teria
sinais vitais. Depois de uma hora, chegaram
no hospital mentindo, dizendo que os fatos
teriam acontecido 30 minutos antes, quando na
verdade havia passado muito mais tempo.

ELES PREMEDITARAM
TODA A AÇÃO, DO
INÍCIO AO FIM, ATÉ A
CONFECÇÃO DO BOLETIM
DE OCORRÊNCIA. ELES
DIZEM QUE PERSEGUIAM
OS DOIS SUSPEITOS DE
MOTO E QUE TEVE RETALIAÇÃO
DA POPULAÇÃO, MAS AS CÂMERAS
COMPROVAM O CONTRÁRIO”,
DESABAFA A MÃE.

Finalmente uma audiência


Na sexta-feira seguinte ao massacre de
Paraisópolis, em 7 de dezembro de 2019, a
Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo
concordou com a tese de legítima defesa dos
acusados e pediu o arquivamento do processo
interno que apurava o episódio. Em fevereiro
de 2020, o Ministério Público determinou à
Corregedoria da Polícia Militar que passasse a
investigar os organizadores do baile funk DZ7
como eventuais responsáveis pelo assassinato
dos nove jovens. A medida, portanto, isentava
os policiais militares de responsabilidade pela
ação na favela e pelo massacre.
Após as idas e vindas na Justiça Militar, e uma
pequena vitória na Justiça comum em dezembro
de 2021, quando um acordo com o Estado de
São Paulo para pagamento de indenização às
famílias foi assinado, o caso finalmente será
apurado e julgado pela Justiça comum.
No próximo dia 25 de julho, ocorre no Fórum
Criminal da Barra Funda, em São Paulo, a
primeira audiência que irá ouvir as testemunhas
do caso. A expectativa de Cristina e dos demais
parentes das vítimas é que as mortes dos seus
entes queridos possam ser levadas ao júri e
que toda essa luta para provar que os policiais
estavam mentindo sobre a barbaridade ocorrida
em 2019 não seja em vão.
“Essa audiência já deveria ter acontecido há
muito mais tempo. Temos muitas evidências,
muitos testemunhos, muitos vídeos sobre o que
eles fizeram. A Justiça é lenta e infelizmente
tivemos que viver nessa angústia, por quase
Foto Reprodução
quatro anos, aguardando essa audiência que
será apenas uma oitiva, ou seja, que serão
ouvidas as primeiras testemunhas do caso
diante do Ministério Público. A expectativa é
que o juiz da Vara e o MP entendam que não
existe possibilidade nenhuma, nem remota, de
que esse caso volte para a Justiça Militar. Eles
cometeram o crime sabendo o que estavam
fazendo. Quando cercaram o baile e os nossos
filhos dentro das vielas, quando fizeram tudo
o que fizeram dentro da comunidade, sabiam
que estavam oferecendo risco de morte para
os nossos filhos. Então esperamos que todos
eles possam ir ao júri popular, para serem
condenados e pagarem pelos crimes que
cometeram. E que percam a suas funções
de polícia, porque continuam exercendo essa
profissão nas comunidades, matando os filhos
das pessoas”, conclui Cristina.w
Foto Ricardo Stuckert/PR
Global

Lula em Bruxelas:
"Uma viagem
extremamente
exitosa"
por Yuri Ferreira

A
3ª Cúpula Comunidade dos Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)
– União Europeia (UE) foi “extremamente
exitosa”. As palavras não são nossas, mas do
presidente Lula, que concluiu a viagem à Europa
na última quarta-feira (19).
O encontro entre os países do bloco europeu
Foto Ricardo Stuckert/PR
Sessão de abertura do Fórum Empresarial União
Europeia-América Latina, em Bruxelas

com a Celac teve como um dos principais


articuladores o próprio presidente brasileiro, líder
da maior economia da região e atual presidente
do Mercosul.
O êxito celebrado por Lula vem da boa
notícia trazida pelos europeus para a América
Latina. O bloco confirmou um investimento de
45 bilhões de euros no continente e, em acordo,
prometeu financiar mais de 100 bilhões de
dólares para o combate ao desmatamento.
A vitória do continente latino-americano é
coletiva, mas teve forte participação de Lula,
que tem subido o tom pela soberania nacional
nas rodas internacionais, ao mesmo tempo que
conquista vantagens para o país e para a região
em seu acordo.

Prólogo
O grande fator que antecedeu a ida de Lula
a Bruxelas, na Bélgica, para a Cúpula Celac-UE
foram as falas as falas do presidente brasileiro
durante encontro dos países do Mercosul no
início de julho. Lula criticou duramente uma
carta adicional da União Europeia que previa
a possibilidade de sanções contra países do
Mercosul com base em dados ambientais no
âmbito do acordo que o bloco europeu tenta
arranjar com o bloco sul-americano.

“PARCEIROS ESTRATÉGICOS NÃO


NEGOCIAM COM BASE EM DESCONFIANÇA
E AMEAÇA DE SANÇÕES”, HAVIA DITO O
PRESIDENTE.

Também durante esse encontro, Lula reforçou


contrariedade a uma política de isolamento
anti-Venezuela. "Com relação à questão da
Venezuela, todos os problemas que a gente tiver
de democracia, a gente não se esconde deles, a
gente enfrenta eles", havia afirmado o presidente.
Foram essas as duas questões que
nortearam a presença brasileira no encontro
Celac-UE. A opção do Brasil em tensionar
com o consenso ocidental sobre a Venezuela
e sobre o acordo Mercosul-UE foi criticada na
imprensa brasileira.

Foto Reprodução
Ursula von der Leyen,
presidenta da Comissão Europeia

Acordo Mercosul-UE
A abertura da cúpula da Celac-UE foi feita
pela presidenta da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen, que já indicou um arrefecimento
em busca de um acordo com o Mercosul.
“Queremos discutir hoje como conectar mais
os nossos povos, empresas, como reduzir
o risco, reforçar e diversificar as cadeias de
abastecimento e como modernizar nossas
economias de forma a reduzir as desigualdades
e trazer benefícios a todos. Tudo isso é possível
se conseguirmos concluir o acordo União
Europeia e Mercosul”, disse Von der Leyen.
Lula manteve uma postura forte frente
aos europeus, rejeitando as sanções. “Não
vamos ceder porque, primeiro, pouca gente
no mundo pode falar [mais] de energia limpa
ou preservação do que a gente. Temos um
compromisso histórico e de campanha,
de que vamos, até 2030, acabar com o
desmatamento na Amazônia. Esse é um
compromisso nosso, do governo brasileiro”,
disse o presidente Lula.
A expectativa é que mais de 100 bilhões
de dólares sejam destinados para o Brasil nos
próximos anos para o cuidado das florestas do
país, como comprometido pela União Europeia.

Lula, Emmanuel Macron


e Delcy Rodríguez, vice-presidente
da Venezuela
Foto Ricardo Stuckert/PR

A questão venezuelana
e o apoio de Macron
Lula seguiu defendendo uma posição menos
agressiva frente à questão venezuelana. E
conseguiu apoio de Macron para suas posições,
que são claras: o país merece eleições limpas
e livres e as sanções econômicas têm que ser
derrubadas rapidamente.
“A conclusão a que chegamos é que a
situação na Venezuela será resolvida quando
partidos e governo venezuelanos chegarem à
conclusão da data das eleições e das regras
que vão estabelecer as eleições. Com base
nisso, o compromisso de que as punições
impostas pelos Estados Unidos devem
começar a cair. São sanções absurdas que
não possibilitam à Venezuela sequer lidar com
o próprio dinheiro que está [depositado] em
outros países”, disse o presidente brasileiro.
Os compromissos estão estabelecidos em
carta assinada conjuntamente por Brasil, França,
Colômbia, Argentina e pelo Alto Representante
da União Europeia para Relações Exteriores e
Política de Segurança, Josep Borrell.

A conjuntura favorável
A necessidade da União Europeia de se
aproximar da América Latina tem se tornado
cada vez mais evidente: com o conflito na
Ucrânia, a dinâmica global tem se tensionado
e os países do nosso continente não têm mais
um alinhamento direto com os países europeus
Foto Ricardo Stuckert/PR
e com os Estados Unidos.
Lula afirmou que a cúpula Celac-UE foi a
mais produtiva de todos os tempos, e que o
bloco europeu se comprometeu seriamente com
investimentos na América Latina e, em especial,
no meio ambiente. Para isso, não precisou se
dobrar aos desejos dos países mais ricos e
conseguiu manter posição firme de soberania
nacional frente aos interesses da Europa.
“Poucas vezes vi tanto interesse político
e econômico dos países da União Europeia
para com a América Latina. Possivelmente pela
disputa dos EUA e China; possivelmente pelos
investimentos da China na África e na América
Latina; possivelmente pela Nova Rota da Seda;
possivelmente pela guerra [entre Rússia e
Ucrânia]”, disse o presidente em coletiva em Cabo
Verde, última parada antes da volta ao Brasil.w
500k
Valeu,
comunidade!
A cantora Ava Max

Música

Barbie,
o álbum
por Julinho Bittencourt
Foto Divulgação
Choose Your Fighter, de Ava Max,
tem tudo para ser o destaque da trilha,
meio na cola de I Will Survive, guardando
as devidas proporções

O
enorme e poucas vezes visto esquema
de divulgação que envolve o lançamento
do filme Barbie tem custado para seus
realizadores, a Mattel Films e a Warner Bros,
algo em torno de US$ 100 milhões, de acordo
com as estimativas.
Entre as inúmeras peças que circundam o
filme – entre elas envelopamentos de metrôs
em grandes cidades, comidas cor-de-rosa,
brinquedos, cosméticos, produtos de higiene
etc. – e que chegam ao mercado nesta
semana está “Barbie The Album”, com a trilha
sonora do filme de Greta Gerwig.
Lançado na sexta-feira (21), com uma
verdadeira constelação da música pop
contemporânea, o álbum traz contribuições
inéditas de nomes como Lizzo, HAIM, Sam Smith,
além de vários singles lançados anteriormente,
como Dance The Night (de Dua Lipa), What Was I
Foto Divulgação
Margot Robbie como Barbie e Ryan Gosling como Ken

Made For? (de Billie Eilish) e Barbie World (de Nicki


Minaj e Ice Spice).
Mas o que parece mesmo que vai estourar
no meio de tantos nomes é a canção Choose
Your Fighter, inédita para o filme da americana
de origem albanesa Ava Max. A despeito de a
cantora, com o seu visual, parecer ser mais a
Barbie do que a própria Margot Robbie, atriz
que interpreta a boneca no filme, a canção tem
vários atrativos.

“Empoderamento feminino”
Entre eles, o tal “empoderamento feminino”
que os fabricantes, divulgadores e fãs da
boneca insistem que ela tem. A canção tem
como tema central o clichê: “você pode ser o
que você quiser ser, independentemente da
opinião dos outros”. E, a partir disso, desfila em
seus versos coisas como: “a vida é como uma
passarela e você é o
estilista”.
A canção, com
trechos que lembram
vagamente o megahit
Bad Romance, de
Lady Gaga, tem
a melodia vigorosa e, além de muito bem
interpretada pela autora, traz a produção
do canadense Henry Russell Walter, mais
conhecido como Cirkut, que já assinou álbuns
e composições com B.o.B, Britney Spears, Kim
Petras, Flo Rida, Jessie J, Karmin, Katy Perry,
Kesha, Miley Cyrus, Rihanna, entre outros.
O resultado final, descontando as
obviedades, é um sério candidato a ser não só
mais um sucesso instantâneo da cantora, que
conta com mais de 30 milhões de ouvintes no
Spotify, como uma das grandes explosões da
temporada, fazendo eco ao filme.
A gravação final começa com a
multiplicação de vozes da melodia à capela,
até a entrada solo da cantora sobre uma batida
acelerada, que deve levar a canção facilmente
para as pistas do planeta.
A roupa com que Cirkut vestiu Choose Your
O álbum traz contribuições inéditas de nomes como Lizzo, HAIM,
Sam Smith, além de singles lançados anteriormente de Dua Lipa,
Billie Eilish e Nicki Minaj, entre outros

Fighter foi tecida com timbres sintetizados


impecáveis, que fazem jus ao melhor do pop
contemporâneo. O resultado tem tudo para
ser, guardando as devidas proporções, mais
um hino na cola de I Will Survive, de Gloria
Gaynor, dos anos 1970.
No mais, assim como o filme – a que
eu espero nunca assistir – e tudo o que o
circunda, não há mais nada de novo no front.w
Foto Ekaterina Bsshjirova /Divulgação

Música

João
Donato,
um compositor
que ainda
nem nasceu
por Julinho Bittencourt
A
os incautos é muito comum que digam
“a música do meu tempo”. Sempre
impliquei um tanto com a expressão. De
que tempo afinal estariam eles falando, já que
estamos todos ainda vivos no mesmo tempo?
A primeira vez que ouvi João Donato, ele
fazia a música de um outro tempo, da Bossa
Nova, dos anos 1950. A seguir, Donato passou
a fazer a música dos tropicalistas, imortalizado
em parcerias com Caetano Veloso, Gilberto Gil,
entre outros.
E foi assim, pulando de uma era para a outra,
que fui me dando conta de que a música de
Donato era mesmo de um outro tempo, nem
do passado nem do presente, mas sim de um
tempo que ainda está por vir. A música de João
Donato sempre foi feita de futuro.
Um grande pianista e compositor. Ou o
contrário. Na verdade, Donato foi grande em
tudo. Tinha (tem) um jeito mínimo de tocar que
se confunde com suas composições, feitas a
partir de pouquíssimas notas combinadas com
uma sequência rítmica surpreendente. Tudo isso
desencadeado de uma maneira absolutamente
elegante, leve, rápida, urgente e simples.
Foto Divulgação
João Donato com seu piano jazz com ecos do samba e da música cubana

Tentar encaixar Donato em alguma caixinha


da nossa música é, ao mesmo tempo,
impossível e completamente viável. Ele fez
parte de tudo, não sendo, ao mesmo tempo,
exatamente encaixado em nada. O que fazia
era puro João Donato. Tinha a marca da
originalidade. E também da beleza infinita.
O ouvinte mais ou menos neófito, como eu,
que descobriu seus primeiros discos só depois
de os seus grandes clássicos ganharem letras de
parceiros consagrados, tem uma grata e grande
surpresa. Já estava tudo ali, naquele piano jazz,
com ecos do samba e da música cubana, em
suas composições e interpretações.
Quando Caetano chega com a letra de A Rã,
a genialidade que já estava posta na melodia
ganha um efeito surpreendente:

Coro de cor
Sombra de som de cor
De mal me quer
De mal me quer de bem
De bem me diz
De me dizendo assim
Serei feliz
Serei feliz de flor
De flor em flor...

A mesma desfaçatez da conjunção da


palavra ritmo/som/interjeição se dá em
Bananeira, pelo também tropicalista Gilberto Gil:

Bananeira, não sei


Bananeira, sei lá
A bananeira, sei não
Isso é lá com você

Será
No fundo do quintal
Quintal do seu olhar
Olhar do coração

O gênio de Donato se espalhava por todas


as possibilidades da nossa canção e de tantas
Fotos Divulgação e Arquivo Pessoal

João Donato com Tom Jobim, João Gilberto, Gal Costa, Caetano Veloso,
Donatinho, seu filho, e Gilberto Gil

outras mundo afora. Seu clássico Amazonas,


uma linda melodia bem nos seus moldes,
ganha uma linda citação nada discreta no meio
do megassucesso Caso Sério, de Rita Lee e
Roberto de Carvalho. E, de repente, lá está
Donato, por dentro da fina flor do pop brasileiro:
“à meia-luz, a sós, à toa”.
E assim foi vida afora. Com sua música feita de
futuro, João Donato entrava e saía de todas as
ondas sem deixar a sua. Fez álbuns com parceiros
JOÃO DONATO EM 6 DISCOS

"The New Sound of


"Chá Dançante", 1956 Brazil", 1965 "A Bad Donato", 1970

"Quem é Quem", 1973 "Lugar Comum", 1975 "Síntese do Lance", 2021

(os mais recentes com Jards Macalé e também


o com seu filho Donatinho são imperdíveis),
acústicos, eletrônicos, elétricos, suingados,
tranquilos, orquestrados, cantados, enfim, de tudo
que foi jeito. Todos, no entanto, com uma única
condição: a genialidade e perfeição.
Donato nos deixou aos 88 anos, na
madrugada de uma segunda-feira de inverno,
na cidade do Rio de Janeiro, cidade que ele,
nascido em Rio Branco, no Acre, adotou para
viver e reinventar sua música.
A surpresa maior, no entanto, não é com sua
partida, mas sim que um músico tão moderno
como ele já tenha nascido e feito tudo o que fez.w
REVISTA

expediente | edição #68

Diretor de Redação
_ Renato Rovai

Editora executiva
_ Dri Delorenzo

Textos desta edição:


_ Plinio Teodoro
_ Kakay
_ Ivan Longo
_ Ana Mércia
_ Raphael Sanz
_ Yuri Ferreira
_ Julinho Bittencourt

Designer Revisão
_ Marcos Guinoza _ Laura Pequeno
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