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Domingos Sávio
às jovens de ontem,
de hoje, de amanhã
4a edição
2010 © M. L. Beccalossi
Um cartaz misterioso
No dia 29 de outubro de 1854 Domingos beijou
demoradamente a mãe e os irmãozinhos, colocou às costas
a mochila de roupas, e apertando a mão do pai tomou o
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caminho de Turim. A capital do pequeno reino sardo-
piemontês acolheu Domingos com o tinir dos guizos de
centenas de coches, os anúncios coloridos das casas de
negócios, o alegre burburinho das barracas de Porta Palazzo.
Desceram até Valdocco, beirando o triste rondò, onde
os condenados à morte eram enforcados. Chegaram à porta
do Oratório.
Atravessaram um prado cheio de meninos que corriam,
gritavam e riam. Subiram uma pequena escada e bateram à
porta do escritório de Dom Bosco. Enquanto o pai e Dom
Bosco conversavam, Domingos correu os olhos ao redor: era
uma sala pobre, mas muito limpa. Uma estante de livros,
uma mesa atulhada de papéis e cartas, e na parede um
cartaz com uma misteriosa frase latina, escrita em grandes
caracteres: Da mihi animas, coetera tolle.
Quando o pai partiu, Domingos esforçou-se por vencer
a comoção e disse a Dom Bosco:
– É a primeira vez que fico longe de casa. Mas não estou
triste, porque sei que o senhor vai me ajudar.
Em seguida, depois dos primeiros momentos de hesi-
tação, indagou o significado das palavras do cartaz. Dom
Bosco ajudou-o a traduzir: “Dai-me almas, Senhor, e ficai
com todo o resto”. Era o lema que Dom Bosco escolhera
para o seu apostolado. Inteligência viva e profunda,
escritor de muitos recursos e dono de palavra fácil, Dom
Bosco renunciara a uma carreira brilhante no mundo para
dedicar-se inteiramente à difusão do Reino de Deus entre
os jovens. Havia dito ao Senhor: “Não sei o que fazer da
glória, do dinheiro, da vida cômoda. Dai essas coisas a
outros. Concedei-me ser apenas um conquistador de almas
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para Vós”. O cartaz pendurado à parede de seu quarto era
um pacto firmado entre ele e Deus.
Assim que captou o sentido dessas palavras, Domingos
ficou um instante pensativo. Depois acrescentou:
– Compreendi: aqui não se trata de negócio de dinheiro,
mas de almas. Espero que minha alma faça parte desse
comércio.
Começou dessa maneira para Domingos a vida de todos
os dias, a vida um pouco descolorida de um pequeno estu-
dante, com tarefas, lições, aulas, professor, colegas. Dom
Bosco, que o acompanhava dia a dia, escreveu: “Desde o
dia que entrou mostrou tamanha exatidão do cumprimento
do dever, que dificilmente haverá quem o supere. Quem o
conheceu surpreendeu-se não porque fizesse coisas extraor-
dinárias, mas porque era sempre exato em tudo. Coisa fácil
de dizer, mas muito difícil de fazer”.
A fórmula mágica
No dia onomástico de Dom Bosco, 24 de junho, houve
festa solene no Oratório. Todos queriam demonstrar seu
afeto a Dom Bosco, que retribuindo disse:
– Cada um escreva num bilhete o presente que deseja de
mim. Garanto que farei todo o possível para contentá-los.
Quando leu os bilhetes Dom Bosco encontrou pedi-
dos sérios e sensatos, mas encontrou também outros bem
extravagantes, que o fizeram sorrir: houve quem pedisse 100
quilos de torrone “para armazenar para o ano inteiro”. No
bilhete de Domingos Sávio havia cinco palavras: “Ajude-
me a ser santo”.
Dom Bosco levou a sério o pedido. Chamou Domingos
e lhe disse:
– Vou lhe dar a fórmula da santidade. Preste bem aten-
ção. Primeiro, alegria. O que inquieta e tira a paz não vem
de Deus. Segundo, deveres de estudo e de piedade. Atenção
na aula, aplicação ao estudo, empenho em rezar bem. Tudo
isso não por ambição, para receber elogios, mas por amor
de Deus e para tornar-se um verdadeiro homem. Terceiro,
fazer bem aos outros. Ajude os colegas sempre, mesmo à
custa de sacrifício. Aí está toda a santidade.
Quanto à alegria e a cumprir bem seus deveres Domin-
gos não podia fazer mais do que fazia. Mas quanto ao ajudar
os colegas, podia fazer alguma coisa, podia pensar, inventar.
E a partir desse dia tentou.
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Certa ocasião um menino levou ao Oratório um jornal
com figuras obscenas. Juntaram-se logo a ele 5 ou 6 ami-
gos. Olhavam, soltavam risinhos. Domingos aproximou-
se. Tirou o jornal das mãos do menino e rasgou-o. Este
começou a protestar, mas Domingos protestou também,
em voz mais alta ainda:
– Que porcarias você traz para o Oratório! Dom Bosco
se mata para fazer de nós bons cidadãos e bons cristãos e
você traz para cá essas coisas! Essas figuras ofendem a Deus
e não devem entrar aqui!
Todas as manhãs, muitos estudantes punham os livros
debaixo do braço e iam à escola na cidade. Dom Bosco
ainda não tinha aulas para todos em casa. Um dia, passando
com seus colegas pela rua Barbaroux, Domingos ouviu um
carroceiro blasfemar raivosamente. À terceira blasfêmia não
aguentou mais e se aproximou do homem. Procurou sorrir
e perguntou:
– Desculpe-me, o senhor poderia dizer onde fica o
Oratório de Dom Bosco?
Diante daquele rosto aberto num sorriso franco o
homenzarrão interrompeu a série de blasfêmias e respondeu:
– Não sei mesmo, meu menino. Sinto muito.
– Então poderia fazer-me outro favor?
– Com muito gosto. Que é?
Domingos cochichou-lhe ao ouvido:
– Eu ficaria muito contente se não dissesse essas blasfê-
mias quando fica zangado.
O homem ficou assombrado, depois resmungou:
– Tem razão. É mesmo um vício muito feio que não
está certo.
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Pedras e sangue
Na primavera o sangue circula com maior velocidade
e os meninos com frequência sentem vontade de brigar.
Assim acontecia também na escola de Domingos. De vez
em quando desafios cruzavam-se nos ares: “Apareça hoje,
se for homem!”. “Vamos resolver o assunto lá fora!”. Assim
que se viam fora da escola, jogavam os livros no chão e
brigavam furiosamente, chegando em casa sujos e com
a roupa rasgada. Então eles recebiam dos próprios pais o
resto da surra.
Um dia, porém, a coisa foi mais feia. Dois briguen-
tos começaram a encarar-se ameaçadoramente e a trocar
insultos. Um deles teve a triste ideia de ofender a família
do companheiro. O outro, enfurecido, retrucou com
xingos. Ajustaram então um duelo de verdade. O mais
impressionante foi que os dois rivais não se atacaram nesse
momento de fúria: a raiva era profunda e fria; queriam
mesmo ferir-se. Para tanto, decidiram encontrar-se longe
de qualquer assistência, num prado perto da Cittadella.
Seria um duelo a pedradas.
Alguns souberam da coisa, mas os dois ameaçaram:
– Se alguém falar, a primeira cabeça quebrada será a
dele, e não estamos brincando.
O caso chegou aos ouvidos de Domingos. Os duelistas
não eram do Oratório, caso contrário Domingos avisaria
Dom Bosco: não teria medo de fazê-lo, porque isso não
o transformaria em inimigo nem o faria bancar o dedo-
duro. Queria apenas impedir que alguém se machucasse
gravemente. Enquanto os outros “lavavam as mãos” (por
covardia, claro), Domingos procurou os adversários, quis
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conversar com eles, disse-lhes com toda clareza que esta-
vam ofendendo gravemente a Deus. Tudo em vão. Então
Domingos escreveu para cada um deles um bilhete: se
teimassem em fazer semelhante tolice avisaria o professor
e os pais. Os dois enfiaram os bilhetes no bolso, e nem as
aulas terminaram dirigiram-se para os prados da Cittadella.
Estavam escoltados por “amigos”, que em vez de ajudar
atiçavam os dois ainda mais, só para “apreciar o espetáculo”.
Cada um catou cinco pedras e escolheram o juiz do
duelo. Foram para as extremidades de um prado, mediram
20 passos de distância.
Durante esses preparativos alguém foi chamar Domin-
gos:
– Vai começar o duelo! Venha!
Domingos correu, abriu caminho, entrou no espaço
livre entre os adversários.
– Saia daqui! – gritou um deles, empunhando a primeira
pedra. – Tenho que acertar contas com aquele covarde. E
não adianta falar nada!
Domingos encarou-o tristonho. O que fazer? Um raio
iluminou-lhe a mente. Tomou o pequeno crucifixo que
trazia ao pescoço e correu ao encontro do que estava mais
perto:
– Olha o crucifixo! E agora se tem coragem, repita:
“Jesus morreu perdoando seus algozes. Mas eu não quero
perdoar, quero vingar-me até o fim”.
O rapaz olhou para ele e rosnou:
– E eu com isso?
Domingos andou os 20 passos que o separavam do outro
e repetiu-lhe com o mesmo tom de comando:
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– Olha o crucifixo! E agora se tem coragem, repita:
“Jesus morreu perdoando seus algozes. Mas eu não quero
perdoar, quero vingar-me até o fim”.
Era um bom rapaz este outro menino e ficou impres-
sionado. Então Domingos segurou-o pela mão e arrastou-o
para perto do outro:
– Mas por que querem se machucar? Por que querem
causar desgosto aos seus pais e a Deus? Jesus perdoou a
quem o matava, e vocês não são capazes de perdoar uma
ofensa feita num momento de raiva?
Domingos se calou, mas continuou a observar com
tristeza os dois inimigos, ao mesmo tempo em que aper-
tava na mão o pequeno crucifixo. As pedras caíram no
chão. Não houve duelo. Um dos dois rapazes, já adulto,
recordava ainda a cena: “Senti vergonha por ter obrigado
um amigo tão bom a recorrer a medidas extremas para
impedir aquela triste aventura e perdoei de coração a quem
me havia ofendido”.
A grande pressa
Assim como chegaram passaram rápidas as férias escolas
de 1855. Quando os rapazes voltaram ao Oratório, Dom
Bosco tornou a ver Domingos Sávio e ficou preocupado:
– Mas você não descansou durante as férias?
– Sim, Dom Bosco, por quê?
– Está mais pálido que de costume. O que aconteceu?
– Talvez seja o cansaço da viagem... – e sorriu tranquilo.
Mas não era cansaço passageiro. Os olhos encovados e
brilhantes, o rosto abatido e pálido demonstrava claramente
que a saúde de Domingos não ia bem. Dom Bosco resolveu
ajudá-lo com todos os recursos:
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– Este ano você não irá à aula na cidade. Saindo no
inverno com neve, o frio poderia fazer-lhe mal. Terá aula
com o padre Francesia aqui em casa. Assim poderá descansar
mais de manhã. Seja moderado no estudo, porque a saúde
é um dom de Deus, e não devemos estragá-la.
Domingos obedeceu. Dias depois, como se pressentisse
que algo aconteceria disse a Dom Bosco:
– Quero dar-me todo a Nosso Senhor. Sinto necessidade
de ser santo, e se não me torno santo não faço nada. Ajude-
me a ser santo, e depressa!
A cólera
O verão e o outono daquele ano foram particularmente
quentes.
Quando a cidade de Turim parecia oprimida pelo
mormaço, correu célebre a terrível notícia: a cólera está se
alastrando pela cidade. A cruel doença que surgia de vez em
quando e fazia vítimas nas cidades e nos campos, como uma
bomba, talvez tivesse sido trazida ao Piemonte por algum
veterano da guerra da Crimeia.
O rei, Vitor Manuel II, e toda a família real aban-
donaram Turim apressadamente num carro fechado, e
refugiaram-se no solitário castelo de Caselette.
A peste dizimava a cidade. Mais de 100 novos doentes
todos os dias. As famílias que ainda não tinham adoecido
trancavam-se em casa, evitando qualquer contato com as
outras pessoas. Os doentes morriam sozinhos, abandonados.
O prefeito de Turim lançou um apelo aos mais corajo-
sos: é preciso entrar nas casas, transportar os doentes para
o hospital, tratar deles. Arriscar a vida para salvar a cidade.
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Dom Bosco reúne seus 500 jovens:
– O prefeito fez um apelo aos mais corajosos. Se algum
de vocês estiver disposto a sair comigo para ajudar os doen-
tes, em nome de Nossa Senhora eu garanto que ninguém
será atingido. Contando que conserve a graça de Deus e
traga consigo uma medalha de Nossa Senhora.
Naquela mesma noite, 44 dentre os maiores, ofere-
ceram-se como voluntários. Entre eles, Domingos Sávio.
Dias de trabalho estafante. Há tempo apenas para comer
alguma coisa. Em seguida percorrem ruas e visitam casas.
Os doentes são transportados para o hospital em macas
improvisadas. Muitos, porém, não estão em condições de
ser carregados. São, então, atendidos pelos meninos, que
os confortam nos seus últimos momentos.
Quando o calor diminuiu, a cólera pareceu amainar. Já
são poucas as vítimas. A cidade volta a viver.
Uma noite, ao passar pela rua Cottolengo, Domingos
Sávio olha para a fachada de uma casa, e como se uma voz
o chamasse, entra e sobe a escada. Sem titubear bate a uma
porta. O dono atende.
– Desculpe – diz Domingos –, deve haver aqui uma
pessoa doente de cólera que precisa de ajuda.
O pobre homem arregala os olhos:
– Não, não, aqui não há ninguém! Só faltava isso!
– Mas, tem certeza?
– Absoluta, com os diabos!
– Mas está enganado. Posso dar uma olhada?
O homem não gostou. Sabia muito bem que em sua
família, graças a Deus, todos estavam bem. Mas aquele
rapaz insistia de um jeito que parecia...
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– Entre, entre. Vamos conferir então. Mas verá que
está enganado.
Examinam os quartos, a cozinha, o depósito. Nada.
– Mas não haverá aí algum quartinho de despejo
qualquer?
– Ah! – fez o dono batendo com a mão na testa. – Há
um quartinho, sim! Será a Maria?
Sobem. Sob o telhado há um quartinho. Agachada a
um canto, rosto crispado pela agonia, uma pobre mulher
está nas últimas.
– Depressa, chame um sacerdote – diz baixinho Domingos,
e põe-se com desembaraço a prestar seus préstimos de enfer-
meiro.
– Maria! Quem podia imaginar? – repetia o bom homem,
descendo depressa as escadas em busca de um padre. A pobre
mulher que costumava trabalhar em casas de família havia lhe
pedido licença para dormir naquele lugar. Como saía de madru-
gada e voltava à noite, o homem quase não se lembrava dela.
Chegou o sacerdote e administrou os sacramentos à
moribunda. A um canto, chapéu na mão, o dono da casa
não parava de repetir: “Pobre Maria!... Mas como é que
aquele menino descobriu?”.
Com a chegada do inverno a cólera cessou. Dos 500
meninos de Dom Bosco, nenhum fora colhido pela doença,
e puderam voltar tranquilamente aos estudos. Também
Domingos, como se nada tivesse acontecido, voltou aos
livros e às aulas do padre Francesia.
A obra-prima de Domingos
Domingos não podia fazer grandes coisas pelos outros,
mas fazia o que dava. Sempre disponível. Se havia um
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doente a assistir, um colega que precisasse de algum
dinheiro, uma sala para arrumar, estava sempre pronto.
Chegou a emprestar suas luvas de lã a uma criancinha que
tremia de frio.
Um dia, porém, teve uma grande ideia. Havia também
outros jovens que se esforçavam por fazer bem os outros.
Eles se chamavam Miguel Rua, João Cagliero, Giuseppe
Bongioanni, Celestino Durando: nomes que ficariam
célebres na Congregação Salesiana! Mas cada um agia
independentemente. Por que não se unirem todos os jovens
de boa vontade numa associação para trabalharem juntos e
organizarem o bem que cada um fazia por conta própria?
Falou com alguns amigos. E a ideia foi acolhida com
entusiasmo. Para Dom Bosco o projeto também pareceu
bom. Domingos escreveu um breve regulamento da associa-
ção, que se chamou Companhia Imaculada. Os membros
assumiam o compromisso de se tornarem melhores sob a
proteção de Nossa Senhora e com a ajuda de Jesus-Eucaris-
tia, de ajudar Dom Bosco transformando-se, com prudência
e delicadeza, em pequenos apóstolos entre os colegas, e de
semear alegria e serenidade em torno de si.
O regulamento era formado de 21 artigos. O último
condensava o espírito da Companhia e todo o amor filial
de Domingos a Nossa Senhora: “Uma sincera, filial, ilimi-
tada confiança em Maria, um carinho especial para com
Ela, uma devoção constante nos tornarão vencedores de
qualquer obstáculo, firmes nos propósitos, amáveis com o
nosso próximo e exatos em tudo”.
A Companhia da Imaculada foi inaugurada no dia 8 de
junho de 1856. Mal sabia Domingos que havia realizado
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sua obra-prima. Restavam-lhe ainda nove meses de vida,
mas a Companhia haveria de durar mais de cem anos.
Faria grande bem aos meninos do Oratório e de todas as
casas fundadas pelos salesianos. Com o nome mudado para
Amigos de Domingos Sávio ou Clube Sávio, a Companhia
continuaria a crescer e a promover o bem até os nossos dias.
Adeus à terra
O inverno de Turim foi muito rigoroso em fevereiro de
1857. Domingos Sávio estava com uma tosse profunda e
se tornava cada vez mais pálido. Em outubro do ano ante-
rior, Dom Bosco o havia mandado para casa a fim de que
repousasse bastante. Mas agora as coisas tinham piorado.
Então chamou os melhores médicos de Turim para que
examinassem Domingos. O professor Vallauri, após longo
exame, disse:
– A constituição débil, a inteligência precoce e a con-
tínua tensão do espírito lhe consomem insensivelmente a
vida.
– E que remédio poderia fazer bem para ele?
Nesse ponto é fácil imaginar o médico prescrevendo
um forte tratamento reconstituinte: vitaminas, fósforo,
injeções. Em vez disso o professor Vallauri encolheu os
ombros, desanimado. Não existia praticamente a medicina
naqueles anos. Diante de um doente, os médicos muito
pouco sabiam fazer.
– O melhor remédio seria deixá-lo partir para o céu –
disse Vallauri. A única coisa que pode prolongar-lhe a vida é
afastá-lo do estudo e enviá-lo a respirar os ares de sua terra.
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Quando Domingos soube da decisão dos médicos,
resignou-se. Mas doía-lhe muito abandonar os estudos, os
amigos, e especialmente Dom Bosco, que pela primeira vez
quase chegou a repreendê-lo:
– Mas não está vendo que tosse você tem, Domingos?
E não conseguimos fazê-la passar. Em casa estará mais
defendido do frio e poderá descansar.
– Não é isso, Dom Bosco. É que queria terminar minha
vida aqui, no Oratório.
– Não diga isso! Agora você vai para casa, se restabelece
e no começo da primavera você volta!
– Isso não – e Domingos sorriu, abanando a cabeça. –
Eu vou e não volto mais. Esta é a última vez que podemos
conversar, Dom Bosco. Diga-me: o que eu ainda posso
fazer para Deus?
– Ofereça muitas vezes seus sofrimentos.
– E que mais?
– Ofereça-lhe a vida, Domingos.
– Do céu poderei ver meus amigos do Oratório? E
meus pais?
– Sim – assegurou-lhe Dom Bosco, procurando domi-
nar a comoção –, do céu, se Deus quiser chamá-lo para si,
poderá ver tudo o que acontece no Oratório, poderá ver
seus pais e as coisas que lhe dizem respeito, e mil outras
coisas mais bonitas ainda.
– Vou poder visitá-lo?
– Se Deus quiser, poderá vir.
Era o dia 1o de março, domingo. A despedida mais
comovente foi a dos amigos da Companhia da Imaculada.
Em seguida, chegou o pai que o levaria a Mondônio.
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Aproximou-se de Dom Bosco para beijar-lhe a mão pela
última vez, sorrindo apesar da tristeza.
– O senhor quer mesmo que eu parta? Se ficasse, inco-
modaria só por poucos dias. De qualquer forma, seja feita
a vontade de Deus. Reze para que eu tenha uma boa morte.
Até à vista, no céu.
E partiu. Na primeira esquina acenou com a mão ao
saudar o Oratório e os seus amigos. Dom Bosco ficou
olhando com profunda dor a carruagem que se afastava:
partira o melhor aluno, o santinho que Nossa Senhora havia
presenteado por três anos ao seu Oratório.
Domingos chegou a Mondônio tarde da noite. Dona
Brígida, a mãe, recebeu-o com afetuoso abraço e os irmãos
fizeram-lhe grande festa.
Os primeiros dias pareceram reavivar a esperança: a tosse
acalmou, voltou um pouco de apetite. Parecia que março
iria trazer a primavera também para o débil organismo de
Domingos.
Mas tudo não passou de breve ilusão. Depois de alguns
dias, de súbito, Domingos sentiu-se mal. As forças o aban-
donavam. A tosse recrudesceu profunda, violenta. Foi pre-
ciso colocá-lo imediatamente na cama e chamar o médico.
Veio também o pároco. Rezou com ele algumas orações.
Morreu quase repentinamente na noite de 9 de março
de 1857. O pai estava ao seu lado. Pôde apenas murmurar:
– Adeus, papai..., o padre me dizia..., mas não lembro...
Oh, que coisa bonita estou vendo!...
O papa Pio XII declarou-o santo no dia 12 de junho
de 1954. Quando a frágil imagem de Domingos apareceu
na enorme praça Bernini, raiava um brilhante sol. Havia
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milhares de jovens vindos de todo o mundo para aplaudir
o primeiro santo como eles: o primeiro santo de 15 anos.
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