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Terésio Bosco

Domingos Sávio
às jovens de ontem,
de hoje, de amanhã
4a edição
2010 © M. L. Beccalossi

Todos os direitos reservados

EDB-EDITORA DOM BOSCO


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Um menino que fala com Deus
Dezembro. As ruas de Turim já se cobrem de neve. É
noite, acendem-se os lampiões a querosene. Dom Bosco,
como sempre, está sentado à escrivaninha diante de um
amontoado de cartas à espera de respostas que o farão tra-
balhar além da meia-noite. Mas alguém bate discretamente
à porta:
– Quem é? Entre.
– Sou eu – responde um menino pálido, adiantando-se.
– Oh, Domingos, precisa de alguma coisa?
– Depressa, venha comigo. Temos que fazer uma boa
obra.
– Agora, de noite? Aonde quer me levar?
– Depressa, Dom Bosco, depressa.
Dom Bosco está perplexo. Mas ao encarar Domingos
Sávio, que ainda não completara 14 anos, nota que seu
rosto, normalmente sereno, está muito sério. As palavras
são firmes, em tom de comando. Dom Bosco levanta-se,
pega o chapéu e o acompanha.
Domingos precipita-se pelas escadas, sai do pátio,
entra numa rua, dobra uma esquina e outras. Não fala.
Não para. Como guiado por um radar, movimenta-se com
segurança no labirinto de ruas e vielas escuras. Ao longo da
rua as portas vão desfilando. Domingos para diante de uma
delas. Não leu o número, nem correu os olhos ao redor a
fim de orientar-se. Sobe a escada com decisão. Dom Bosco
acompanha-o: primeiro andar, segundo, terceiro. Para,
toca a campainha. Antes que abram, volta-se para Dom
Bosco e diz:
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– Deve entrar aqui – sem dizer mais nada, desce e volta
ao Oratório.
Abre-se a porta. Apresenta-se uma mulher com os
cabelos em desalinho, que ao ver o padre ergue os braços
ao céu e exclama:
– Foi Deus quem o trouxe. Depressa, depressa, senão
não chega a tempo. Meu marido teve a desgraça de aban-
donar a fé há muitos anos. Agora está para morrer e pede
por piedade a confissão.
Dom Bosco aproxima-se do leito, onde jaz um pobre
homem apavorado e à beira do desespero. Confessa-o,
dá-lhe a absolvição, reconciliando-o com Deus. Poucos
minutos depois o homem morre.
Correm os dias. Dom Bosco está ainda muito impres-
sionado com o acontecido. Como pudera Domingos Sávio
saber da existência daquele doente? Aborda-o numa hora
em que ninguém os ouve:
– Domingos, aquela noite em que você veio ao meu
escritório para me chamar, quem lhe havia falado do doente?
Como você soube?
Aconteceu então uma coisa que Dom Bosco não espe-
rava. Domingos fixou-o com ar tristonho e desatou a chorar.
Dom Bosco não faz outras perguntas, mas reconhece que
em seu Oratório há um menino que fala com Deus.

Tudo começou com uma estufa


Dom Bosco era um padre de Castelnuovo. Abrira em
Turim, no meio dos casebres de gente pobre, um “Oratório”.
No começo parecia um bando de moleques. Algumas
vezes, então, os guardas, tomados de suspeita, ficavam
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rondando com o fuzil às costas. Mas aos poucos Turim
começou a falar com mais respeito dos meninos de Dom
Bosco: quando se dirigiam em grupo a alguma igreja da
cidade rezavam e cantavam muito bem. Espalhou-se,
porém, um boato de que dentro daqueles pobres muros,
naqueles pátios cheios de alegria e barulho, Dom Bosco
fundara uma “fábrica de padres”. Com efeito, os sacerdotes
enviavam-lhe meninos pobres que não podiam frequentar o
seminário, e Dom Bosco abriu suas aulas também para eles.
O encontro de Dom Bosco com Domingos Sávio foi
provocado por uma enorme e velha estufa. O caso foi assim.
Domingos frequentava o curso primário de Mondônio.
Seu professor era o padre Cugliero, um excelente sacerdote
que, segundo o costume do tempo, sabia formar os alunos,
mesmo recorrendo à vara e aos tapas.
Nos rigorosos dias de inverno, a escola era aquecida por
uma grande estufa. Certo dia padre Cugliero demorou para
chegar. Então, dois moleques, depois de cochichar bastante,
esgueiraram-se pela porta. Poucos minutos depois torna-
ram a entrar com dois blocos de neve, e sem que ninguém
esperasse meteram-nos na estufa. Produziu-se uma grande
fumaça, e da estufa começou a escorrer um filete de água
que invadiu a sala.
Eis que chega padre Cugliero. Vê a água escorrer da
estufa. Aproxima-se com a expressão carregada, tira a
tampa... Vira-se zangado.
– Quem foi?
Os dois culpados entreolham-se apavorados: se alguém
os denunciar, serão certamente expulsos da escola. O que
fazer? Com sinais decidem descarregar a culpa em outro. De
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cara fechada um deles se levanta e aponta o dedo acusador
para Domingos Sávio:
– Foi ele!
O outro também confirma com firmeza.
– Sim, foi ele!
O professor se surpreende. Seu rosto revela a decepção:
– Domingos! Logo você! Nunca podia imaginar!
Domingos levanta-se de um salto, tem o rosto afogueado
de vergonha e cólera, corre os olhos em volta: como? Nin-
guém o defende? No entanto, todos viram. Ninguém tem
coragem de depor em seu favor, porque os dois acusadores
são grandes e valentões.
O professor continua:
– Ainda bem que é a primeira falta. Senão eu o expul-
saria da escola!
Domingos abaixa a cabeça, cerra os punhos. Sente os
olhos cheios de lágrimas. Bastaria uma palavra, uma só,
e os verdadeiros culpados estariam desmascarados. Mas
o professor dissera: “Se não fosse a primeira falta, seria
expulso!”. Não, não quer que seus colegas sejam expulsos.
O professor continua a ralhar e coloca-o de castigo. A classe
inteira contém a respiração. A aula continua.
Quando, porém, chegou ao fim, um dos que haviam
visto os verdadeiros culpados, não aguenta mais. Não que
fosse dedo-duro, mas tratava-se de uma questão de justiça.
Quando os alunos saíram aproxima-se do padre Cugliero e
conta tudo. O padre se surpreende mais uma vez:
– Mas por que então Domingos não disse que não tinha
sido ele? Podia muito bem falado...
No dia seguinte, sentido por haver castigado um ino-
cente, aproxima-se de Domingos:
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– Por que não disse que não foi você?
Domingos sorriu:
– Não importa. Achei que os dois seriam expulsos da
escola, e eu não queria isso. E de minha parte esperava
ser perdoado. Pensei em Jesus. Ele também foi acusado
injustamente.
Padre Cugliero ficou calado. Mas resolveu que um
menino assim merecia um prêmio, um grande prêmio. Um
dos maiores desejos de Domingos era poder continuar os
estudos. Padre Cugliero disse para si mesmo:
– Vou falar com Dom Bosco.
No primeiro dia livre, pegou o chapéu e viajou para
Turim. Assim que o viu, Dom Bosco correu abraçá-lo. Eram
velhos colegas de seminário, amigos do peito:
– Meu velho, que prazer em revê-lo! Que veio fazer por
essas bandas?
– Vim ver como é que você se vira no meio desses tra-
tantes. E para dar-lhe um presente maravilhoso.
– Que presente?
– Disseram-me que juntamente com os pequenos
malandros você aceita também meninos sérios, que
deem esperança de se tornarem sacerdotes. Pensei em
oferecer-lhe um. É de Mondônio e se chama Domingos
Sávio. Não tem muita saúde, mas aposto que você não
encontrou ainda um rapazinho tão bom quanto ele. Um
verdadeiro São Luís.
– Exagerado! De qualquer jeito está bem. Em outubro
irei a Castelnuovo com meus meninos, para a festa de Nossa
Senhora do Rosário. Apresente-me Domingos juntamente
com o seu pai. Vamos conversar e ver de que tecido ele é feito.
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Oito minutos para uma página
No dia 2 de outubro de 1854, no pequeno pátio diante
da casa do irmão de Dom Bosco, deu-se o primeiro encon-
tro. Dom Bosco ficou tão impressionado que o narrou nos
mínimos particulares como se o tivesse gravado. A lingua-
gem é de 1800, mas a cena é viva. Parece que se está vendo:
“Era a primeira segunda-feira de outubro, bem cedo,
quando vejo um menino acompanhado de seu pai aproxi-
mar-se de mim para falar-me. O rosto alegre, o ar sorridente,
mas respeitoso, atraíram sobre ele meus olhares.
– Quem é e de onde vem? – perguntei-lhe.
– Sou Domingos Sávio, de quem lhe falou o padre
Cugliero, meu professor. Viemos de Mondônio.
Chamei-o então à parte e pusemo-nos a falar dos estudos,
da vida que levava. Criou-se logo um clima de mútua confiança.
Percebi naquele menino uma alma plasmada segundo
o espírito de Deus e fiquei não pouco admirado ao consi-
derar o trabalho que a graça divina já havia realizado em
tão tenra idade.
Depois de uma conversa um pouco longa, antes que
chamasse o pai, disse-me precisamente estas palavras:
– Então, que lhe parece? O senhor me leva a Turim
para estudar?
– É, me parece que temos um bom tecido.
– E para que pode servir este tecido?
Para fazer uma roupa e dá-la de presente a Nosso Senhor.
– Então eu sou o tecido, o senhor é o alfaiate; leve-me
e faça de mim uma bela roupa para Nosso Senhor.
– Receio que sua constituição franzina não aguente os
estudos.
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– Não tenha medo. Se Deus me deu saúde e graça até
agora, vai me ajudar também no futuro.
– E que desejaria fazer depois do curso de latim?
– Se Deus me conceder tamanha graça, desejo ardente-
mente me tornar padre.
– Bem, agora vou saber se você tem capacidade para o
estudo. Tome este livrinho (era um fascículo das Leituras
Católicas). Hoje você estude esta página, amanhã voltará
para dizê-la de cor.
Dizendo isso o deixei em liberdade para que fosse brin-
car com os outros meninos, e em seguida pus-me a falar
com o pai. Nem bem passaram oito minutos, Domingos
voltou sorridente à minha presença dizendo:
– Se quiser, posso recitar agora a minha página.
Tomei o livro e com surpresa percebi que não só havia
estudado literalmente a página marcada, mas que compre-
endia muito bem o sentido do assunto nela tratado.
– Muito bem – disse-lhe –, você antecipou o estudo
da sua lição e eu antecipo a resposta. Sim, irá a Turim, e
já o conto entre os meus queridos filhos. Comece desde já
a pedir a Deus que ajude a mim e a você a fazer sua santa
vontade.
Não sabendo como exprimir melhor sua alegria e gra-
tidão, tomou-me pela mão, apertou-a, beijou-a diversas
vezes e, por fim, disse:
– Espero agir de forma que nunca tenha que se queixar
de mim”.
***
Recordando as palavras do padre Cugliero, aquela
noite, Dom Bosco chegou à conclusão de que não eram
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nada exageradas. Se São Luís tivesse nascido nas colinas do
Monferrato e tivesse sido filho de camponeses, não seria
diferente daquele menino risonho, que queria tornar-se
“uma bela roupa para ser presenteada a Nosso Senhor”.

Filho de ferreiro e amigo de Jesus Cristo


Domingos nasceu em Riva de Chieri, em 1842. Seu
pai, Carlos, era ferreiro. Trabalho pobre o de ferrar cavalos:
obrigava-o a percorrer com a família as aldeias espalhadas
pelas colinas. A mãe, Brígida, era costureira. Aos 7 anos
Domingos fora admitido à Primeira Comunhão. Os outros,
nesse tempo, só podiam fazê-la ao completarem 12 anos.
Mas Domingos mostrava-se tão inteligente e tão profunda-
mente bom que o padre João, seu capelão, quis que anteci-
passe os tempos. Não foi um erro. Provou-o Domingos na
própria tarde do primeiro encontro com Jesus-Eucaristia.
Com a letra grande e incerta de um menino do segundo
primário, mas com vontade forte e decidida, escreveu:
“Lembranças e propósitos da minha Primeira Comu-
nhão:
1. Vou me confessar com muita frequência e farei a comu-
nhão todas as vezes que o confessor me der licença.
2. Quero santificar os dias festivos.
3. Meus amigos serão Jesus e Maria.
4. A morte, mas não os pecados”.

Um cartaz misterioso
No dia 29 de outubro de 1854 Domingos beijou
demoradamente a mãe e os irmãozinhos, colocou às costas
a mochila de roupas, e apertando a mão do pai tomou o
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caminho de Turim. A capital do pequeno reino sardo-
piemontês acolheu Domingos com o tinir dos guizos de
centenas de coches, os anúncios coloridos das casas de
negócios, o alegre burburinho das barracas de Porta Palazzo.
Desceram até Valdocco, beirando o triste rondò, onde
os condenados à morte eram enforcados. Chegaram à porta
do Oratório.
Atravessaram um prado cheio de meninos que corriam,
gritavam e riam. Subiram uma pequena escada e bateram à
porta do escritório de Dom Bosco. Enquanto o pai e Dom
Bosco conversavam, Domingos correu os olhos ao redor: era
uma sala pobre, mas muito limpa. Uma estante de livros,
uma mesa atulhada de papéis e cartas, e na parede um
cartaz com uma misteriosa frase latina, escrita em grandes
caracteres: Da mihi animas, coetera tolle.
Quando o pai partiu, Domingos esforçou-se por vencer
a comoção e disse a Dom Bosco:
– É a primeira vez que fico longe de casa. Mas não estou
triste, porque sei que o senhor vai me ajudar.
Em seguida, depois dos primeiros momentos de hesi-
tação, indagou o significado das palavras do cartaz. Dom
Bosco ajudou-o a traduzir: “Dai-me almas, Senhor, e ficai
com todo o resto”. Era o lema que Dom Bosco escolhera
para o seu apostolado. Inteligência viva e profunda,
escritor de muitos recursos e dono de palavra fácil, Dom
Bosco renunciara a uma carreira brilhante no mundo para
dedicar-se inteiramente à difusão do Reino de Deus entre
os jovens. Havia dito ao Senhor: “Não sei o que fazer da
glória, do dinheiro, da vida cômoda. Dai essas coisas a
outros. Concedei-me ser apenas um conquistador de almas
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para Vós”. O cartaz pendurado à parede de seu quarto era
um pacto firmado entre ele e Deus.
Assim que captou o sentido dessas palavras, Domingos
ficou um instante pensativo. Depois acrescentou:
– Compreendi: aqui não se trata de negócio de dinheiro,
mas de almas. Espero que minha alma faça parte desse
comércio.
Começou dessa maneira para Domingos a vida de todos
os dias, a vida um pouco descolorida de um pequeno estu-
dante, com tarefas, lições, aulas, professor, colegas. Dom
Bosco, que o acompanhava dia a dia, escreveu: “Desde o
dia que entrou mostrou tamanha exatidão do cumprimento
do dever, que dificilmente haverá quem o supere. Quem o
conheceu surpreendeu-se não porque fizesse coisas extraor-
dinárias, mas porque era sempre exato em tudo. Coisa fácil
de dizer, mas muito difícil de fazer”.

“Eu vos dou meu coração”


Todo o mundo católico estava em festa no dia 8 de
dezembro de 1854. O papa Pio IX proclamava verdade de fé
que Maria Santíssima veio ao mundo sem pecado original:
é o Dogma da Imaculada Conceição. Turim cintila de uma
iluminação fantástica: milhares de balõezinhos multicores
brilhavam nas sacadas e nos terraços, nas margens do rio Pó.
Uma procissão imensa e festiva encaminha-se para o templo
de Nossa Senhora da Consolação, padroeira da cidade.
Em Valdocco, Domingos Sávio entra na pequena igreja
do Oratório, ajoelha-se diante do altar da Virgem, tira do
bolso um papel em que escreveu algumas linhas longamente
meditadas. A breve oração com que Domingos se consagra
a Nossa Senhora se tornará famosa no mundo inteiro:
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“Maria, eu vos dou o meu coração; fazei que seja
sempre vosso. Jesus e Maria, sede sempre meus ami-
gos, mas, por piedade, fazei-me morrer antes que
me aconteça a desgraça de cometer um só pecado”.

A fórmula mágica
No dia onomástico de Dom Bosco, 24 de junho, houve
festa solene no Oratório. Todos queriam demonstrar seu
afeto a Dom Bosco, que retribuindo disse:
– Cada um escreva num bilhete o presente que deseja de
mim. Garanto que farei todo o possível para contentá-los.
Quando leu os bilhetes Dom Bosco encontrou pedi-
dos sérios e sensatos, mas encontrou também outros bem
extravagantes, que o fizeram sorrir: houve quem pedisse 100
quilos de torrone “para armazenar para o ano inteiro”. No
bilhete de Domingos Sávio havia cinco palavras: “Ajude-
me a ser santo”.
Dom Bosco levou a sério o pedido. Chamou Domingos
e lhe disse:
– Vou lhe dar a fórmula da santidade. Preste bem aten-
ção. Primeiro, alegria. O que inquieta e tira a paz não vem
de Deus. Segundo, deveres de estudo e de piedade. Atenção
na aula, aplicação ao estudo, empenho em rezar bem. Tudo
isso não por ambição, para receber elogios, mas por amor
de Deus e para tornar-se um verdadeiro homem. Terceiro,
fazer bem aos outros. Ajude os colegas sempre, mesmo à
custa de sacrifício. Aí está toda a santidade.
Quanto à alegria e a cumprir bem seus deveres Domin-
gos não podia fazer mais do que fazia. Mas quanto ao ajudar
os colegas, podia fazer alguma coisa, podia pensar, inventar.
E a partir desse dia tentou.
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Certa ocasião um menino levou ao Oratório um jornal
com figuras obscenas. Juntaram-se logo a ele 5 ou 6 ami-
gos. Olhavam, soltavam risinhos. Domingos aproximou-
se. Tirou o jornal das mãos do menino e rasgou-o. Este
começou a protestar, mas Domingos protestou também,
em voz mais alta ainda:
– Que porcarias você traz para o Oratório! Dom Bosco
se mata para fazer de nós bons cidadãos e bons cristãos e
você traz para cá essas coisas! Essas figuras ofendem a Deus
e não devem entrar aqui!
Todas as manhãs, muitos estudantes punham os livros
debaixo do braço e iam à escola na cidade. Dom Bosco
ainda não tinha aulas para todos em casa. Um dia, passando
com seus colegas pela rua Barbaroux, Domingos ouviu um
carroceiro blasfemar raivosamente. À terceira blasfêmia não
aguentou mais e se aproximou do homem. Procurou sorrir
e perguntou:
– Desculpe-me, o senhor poderia dizer onde fica o
Oratório de Dom Bosco?
Diante daquele rosto aberto num sorriso franco o
homenzarrão interrompeu a série de blasfêmias e respondeu:
– Não sei mesmo, meu menino. Sinto muito.
– Então poderia fazer-me outro favor?
– Com muito gosto. Que é?
Domingos cochichou-lhe ao ouvido:
– Eu ficaria muito contente se não dissesse essas blasfê-
mias quando fica zangado.
O homem ficou assombrado, depois resmungou:
– Tem razão. É mesmo um vício muito feio que não
está certo.
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Pedras e sangue
Na primavera o sangue circula com maior velocidade
e os meninos com frequência sentem vontade de brigar.
Assim acontecia também na escola de Domingos. De vez
em quando desafios cruzavam-se nos ares: “Apareça hoje,
se for homem!”. “Vamos resolver o assunto lá fora!”. Assim
que se viam fora da escola, jogavam os livros no chão e
brigavam furiosamente, chegando em casa sujos e com
a roupa rasgada. Então eles recebiam dos próprios pais o
resto da surra.
Um dia, porém, a coisa foi mais feia. Dois briguen-
tos começaram a encarar-se ameaçadoramente e a trocar
insultos. Um deles teve a triste ideia de ofender a família
do companheiro. O outro, enfurecido, retrucou com
xingos. Ajustaram então um duelo de verdade. O mais
impressionante foi que os dois rivais não se atacaram nesse
momento de fúria: a raiva era profunda e fria; queriam
mesmo ferir-se. Para tanto, decidiram encontrar-se longe
de qualquer assistência, num prado perto da Cittadella.
Seria um duelo a pedradas.
Alguns souberam da coisa, mas os dois ameaçaram:
– Se alguém falar, a primeira cabeça quebrada será a
dele, e não estamos brincando.
O caso chegou aos ouvidos de Domingos. Os duelistas
não eram do Oratório, caso contrário Domingos avisaria
Dom Bosco: não teria medo de fazê-lo, porque isso não
o transformaria em inimigo nem o faria bancar o dedo-
duro. Queria apenas impedir que alguém se machucasse
gravemente. Enquanto os outros “lavavam as mãos” (por
covardia, claro), Domingos procurou os adversários, quis
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conversar com eles, disse-lhes com toda clareza que esta-
vam ofendendo gravemente a Deus. Tudo em vão. Então
Domingos escreveu para cada um deles um bilhete: se
teimassem em fazer semelhante tolice avisaria o professor
e os pais. Os dois enfiaram os bilhetes no bolso, e nem as
aulas terminaram dirigiram-se para os prados da Cittadella.
Estavam escoltados por “amigos”, que em vez de ajudar
atiçavam os dois ainda mais, só para “apreciar o espetáculo”.
Cada um catou cinco pedras e escolheram o juiz do
duelo. Foram para as extremidades de um prado, mediram
20 passos de distância.
Durante esses preparativos alguém foi chamar Domin-
gos:
– Vai começar o duelo! Venha!
Domingos correu, abriu caminho, entrou no espaço
livre entre os adversários.
– Saia daqui! – gritou um deles, empunhando a primeira
pedra. – Tenho que acertar contas com aquele covarde. E
não adianta falar nada!
Domingos encarou-o tristonho. O que fazer? Um raio
iluminou-lhe a mente. Tomou o pequeno crucifixo que
trazia ao pescoço e correu ao encontro do que estava mais
perto:
– Olha o crucifixo! E agora se tem coragem, repita:
“Jesus morreu perdoando seus algozes. Mas eu não quero
perdoar, quero vingar-me até o fim”.
O rapaz olhou para ele e rosnou:
– E eu com isso?
Domingos andou os 20 passos que o separavam do outro
e repetiu-lhe com o mesmo tom de comando:
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– Olha o crucifixo! E agora se tem coragem, repita:
“Jesus morreu perdoando seus algozes. Mas eu não quero
perdoar, quero vingar-me até o fim”.
Era um bom rapaz este outro menino e ficou impres-
sionado. Então Domingos segurou-o pela mão e arrastou-o
para perto do outro:
– Mas por que querem se machucar? Por que querem
causar desgosto aos seus pais e a Deus? Jesus perdoou a
quem o matava, e vocês não são capazes de perdoar uma
ofensa feita num momento de raiva?
Domingos se calou, mas continuou a observar com
tristeza os dois inimigos, ao mesmo tempo em que aper-
tava na mão o pequeno crucifixo. As pedras caíram no
chão. Não houve duelo. Um dos dois rapazes, já adulto,
recordava ainda a cena: “Senti vergonha por ter obrigado
um amigo tão bom a recorrer a medidas extremas para
impedir aquela triste aventura e perdoei de coração a quem
me havia ofendido”.

A grande pressa
Assim como chegaram passaram rápidas as férias escolas
de 1855. Quando os rapazes voltaram ao Oratório, Dom
Bosco tornou a ver Domingos Sávio e ficou preocupado:
– Mas você não descansou durante as férias?
– Sim, Dom Bosco, por quê?
– Está mais pálido que de costume. O que aconteceu?
– Talvez seja o cansaço da viagem... – e sorriu tranquilo.
Mas não era cansaço passageiro. Os olhos encovados e
brilhantes, o rosto abatido e pálido demonstrava claramente
que a saúde de Domingos não ia bem. Dom Bosco resolveu
ajudá-lo com todos os recursos:
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– Este ano você não irá à aula na cidade. Saindo no
inverno com neve, o frio poderia fazer-lhe mal. Terá aula
com o padre Francesia aqui em casa. Assim poderá descansar
mais de manhã. Seja moderado no estudo, porque a saúde
é um dom de Deus, e não devemos estragá-la.
Domingos obedeceu. Dias depois, como se pressentisse
que algo aconteceria disse a Dom Bosco:
– Quero dar-me todo a Nosso Senhor. Sinto necessidade
de ser santo, e se não me torno santo não faço nada. Ajude-
me a ser santo, e depressa!

A cólera
O verão e o outono daquele ano foram particularmente
quentes.
Quando a cidade de Turim parecia oprimida pelo
mormaço, correu célebre a terrível notícia: a cólera está se
alastrando pela cidade. A cruel doença que surgia de vez em
quando e fazia vítimas nas cidades e nos campos, como uma
bomba, talvez tivesse sido trazida ao Piemonte por algum
veterano da guerra da Crimeia.
O rei, Vitor Manuel II, e toda a família real aban-
donaram Turim apressadamente num carro fechado, e
refugiaram-se no solitário castelo de Caselette.
A peste dizimava a cidade. Mais de 100 novos doentes
todos os dias. As famílias que ainda não tinham adoecido
trancavam-se em casa, evitando qualquer contato com as
outras pessoas. Os doentes morriam sozinhos, abandonados.
O prefeito de Turim lançou um apelo aos mais corajo-
sos: é preciso entrar nas casas, transportar os doentes para
o hospital, tratar deles. Arriscar a vida para salvar a cidade.
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Dom Bosco reúne seus 500 jovens:
– O prefeito fez um apelo aos mais corajosos. Se algum
de vocês estiver disposto a sair comigo para ajudar os doen-
tes, em nome de Nossa Senhora eu garanto que ninguém
será atingido. Contando que conserve a graça de Deus e
traga consigo uma medalha de Nossa Senhora.
Naquela mesma noite, 44 dentre os maiores, ofere-
ceram-se como voluntários. Entre eles, Domingos Sávio.
Dias de trabalho estafante. Há tempo apenas para comer
alguma coisa. Em seguida percorrem ruas e visitam casas.
Os doentes são transportados para o hospital em macas
improvisadas. Muitos, porém, não estão em condições de
ser carregados. São, então, atendidos pelos meninos, que
os confortam nos seus últimos momentos.
Quando o calor diminuiu, a cólera pareceu amainar. Já
são poucas as vítimas. A cidade volta a viver.
Uma noite, ao passar pela rua Cottolengo, Domingos
Sávio olha para a fachada de uma casa, e como se uma voz
o chamasse, entra e sobe a escada. Sem titubear bate a uma
porta. O dono atende.
– Desculpe – diz Domingos –, deve haver aqui uma
pessoa doente de cólera que precisa de ajuda.
O pobre homem arregala os olhos:
– Não, não, aqui não há ninguém! Só faltava isso!
– Mas, tem certeza?
– Absoluta, com os diabos!
– Mas está enganado. Posso dar uma olhada?
O homem não gostou. Sabia muito bem que em sua
família, graças a Deus, todos estavam bem. Mas aquele
rapaz insistia de um jeito que parecia...
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– Entre, entre. Vamos conferir então. Mas verá que
está enganado.
Examinam os quartos, a cozinha, o depósito. Nada.
– Mas não haverá aí algum quartinho de despejo
qualquer?
– Ah! – fez o dono batendo com a mão na testa. – Há
um quartinho, sim! Será a Maria?
Sobem. Sob o telhado há um quartinho. Agachada a
um canto, rosto crispado pela agonia, uma pobre mulher
está nas últimas.
– Depressa, chame um sacerdote – diz baixinho Domingos,
e põe-se com desembaraço a prestar seus préstimos de enfer-
meiro.
– Maria! Quem podia imaginar? – repetia o bom homem,
descendo depressa as escadas em busca de um padre. A pobre
mulher que costumava trabalhar em casas de família havia lhe
pedido licença para dormir naquele lugar. Como saía de madru-
gada e voltava à noite, o homem quase não se lembrava dela.
Chegou o sacerdote e administrou os sacramentos à
moribunda. A um canto, chapéu na mão, o dono da casa
não parava de repetir: “Pobre Maria!... Mas como é que
aquele menino descobriu?”.
Com a chegada do inverno a cólera cessou. Dos 500
meninos de Dom Bosco, nenhum fora colhido pela doença,
e puderam voltar tranquilamente aos estudos. Também
Domingos, como se nada tivesse acontecido, voltou aos
livros e às aulas do padre Francesia.

A obra-prima de Domingos
Domingos não podia fazer grandes coisas pelos outros,
mas fazia o que dava. Sempre disponível. Se havia um
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doente a assistir, um colega que precisasse de algum
dinheiro, uma sala para arrumar, estava sempre pronto.
Chegou a emprestar suas luvas de lã a uma criancinha que
tremia de frio.
Um dia, porém, teve uma grande ideia. Havia também
outros jovens que se esforçavam por fazer bem os outros.
Eles se chamavam Miguel Rua, João Cagliero, Giuseppe
Bongioanni, Celestino Durando: nomes que ficariam
célebres na Congregação Salesiana! Mas cada um agia
independentemente. Por que não se unirem todos os jovens
de boa vontade numa associação para trabalharem juntos e
organizarem o bem que cada um fazia por conta própria?
Falou com alguns amigos. E a ideia foi acolhida com
entusiasmo. Para Dom Bosco o projeto também pareceu
bom. Domingos escreveu um breve regulamento da associa-
ção, que se chamou Companhia Imaculada. Os membros
assumiam o compromisso de se tornarem melhores sob a
proteção de Nossa Senhora e com a ajuda de Jesus-Eucaris-
tia, de ajudar Dom Bosco transformando-se, com prudência
e delicadeza, em pequenos apóstolos entre os colegas, e de
semear alegria e serenidade em torno de si.
O regulamento era formado de 21 artigos. O último
condensava o espírito da Companhia e todo o amor filial
de Domingos a Nossa Senhora: “Uma sincera, filial, ilimi-
tada confiança em Maria, um carinho especial para com
Ela, uma devoção constante nos tornarão vencedores de
qualquer obstáculo, firmes nos propósitos, amáveis com o
nosso próximo e exatos em tudo”.
A Companhia da Imaculada foi inaugurada no dia 8 de
junho de 1856. Mal sabia Domingos que havia realizado
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sua obra-prima. Restavam-lhe ainda nove meses de vida,
mas a Companhia haveria de durar mais de cem anos.
Faria grande bem aos meninos do Oratório e de todas as
casas fundadas pelos salesianos. Com o nome mudado para
Amigos de Domingos Sávio ou Clube Sávio, a Companhia
continuaria a crescer e a promover o bem até os nossos dias.

A dedicação aos outros


A Companhia pôs mãos à obra. Numa das primeiras
reuniões decidiu-se confiar a cada sócio um determinado
“cliente”. No começo do ano escolar no Oratório, como em
todas as escolas do mundo, chegavam novos alunos. Para
eles, os primeiros dias eram particularmente delicados: não
conheciam ninguém, não sabiam jogar, falavam somente o
dialeto de sua terra, que era, em geral, diferente do dialeto
dos colegas, sentiam saudades... Eram dias de tristeza e de
lágrimas.
Em sua linguagem secreta os sócios da Companhia cha-
mavam os recém-chegados de “clientes”. Cada um deles era
confiado a um sócio para que o ajudasse e mantivesse alegre.
Um dos primeiros “clientes” de Domingos Sávio foi
Francisco Cerruti, que mais tarde seria um grande salesiano.
Eis o que escreveu:
“Havia entrado no Oratório na tarde de 11 de novembro
e estava muito triste, pensando em minha mãe, que havia
deixado só. No dia seguinte, bastante abatido, quando des-
cansava após o almoço, veio ao meu encontro um jovem de
rosto sereno e maneiras gentis, que me perguntou:
– Quem é você? Como se chama?
– Francisco Cerruti – respondi.
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– De onde?
– De Saluggia.
– Em que ano você está?
– Na Segunda de Gramática [mais ou menos a 6ª série
do ensino fundamental].
– Então você sabe latim? Qual é a etimologia de
“sonâmbulo”?
Começamos a conversar. De repente perguntei:
– Mas quem é você?
– Sou Domingos Sávio, de Mondônio. Vamos ser
amigos, não?
– Claro.
A partir desse momento tive oportunidade de estar com
ele muitas vezes e em circunstâncias até mesmo especiais.
Domingos foi um verdadeiro amigo para mim”.
A Companhia não tardou a escolher também outro
tipo de “clientes”: meninos mais relaxados, indisciplinados,
briguentos e que blasfemavam. Os sócios da Companhia
da Imaculada repartiram entre si esses mais difíceis, para,
com bondade e delicadeza, fazê-los reencontrar o bom
caminho. Nem sempre era fácil. Muitas vezes em retribuição
Domingos recebeu insultos, palavrões e bofetadas. Eis uma
lembrança do próprio Francisco Cerruti:
“No inverno de 1857, bastante rigoroso, um menino
divertia-se jogando bolas de neve até dentro do locutório,
que era o único lugar protegido onde nos reuníamos nos
recreios para aproveitar o calor. Lá havia uma estufa, a única
do Oratório. Quanto gelados de frio os estudantes voltaram
da cidade, refugiavam-se no locutório. Certa vez um apren-
diz chamado Rattazzi e outro colega entraram correndo e
guerreando com bolas de neve. Domingos disse a Rattazzi:
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– Vão brincar lá fora. Não atirem neve aqui dentro.
Rattazzi, um tipo pouco recomendável, ficou furioso,
cobriu de desaforos e ameaças e deu-lhe uns tapas. Eu estava
presente e vi Domingos corar, cerrar os punhos, mas não
reagiu nem sequer com uma palavra mais forte”.

Camilo Gávio, de Tortona


Um novo aluno, de 14 anos, chegara. O rosto pálido
denunciava que havia estado muito doente. Encostado em
uma coluna, observava. Via muita alegria em volta, meninos
rindo e correndo. Entretanto, pensativo, só olhava.
Ao passarem por ele, correndo, alguns perguntavam:
– Quem é esse fulano?
– Não sei, dizem que veio de Tortona e que tem muito
jeito para a pintura e a escultura. Parece que está em Turim
por conta da prefeitura para continuar os estudos de arte...
Domingos logo o procurou:
– Olá! Você não conhece ninguém aqui, ainda, não é
mesmo?
– É. Não conheço ninguém. Mas gosto de ver os outros
brincando.
– Eu sou Domingos Sávio, e você, como se chama?
– Camilo Gávio. Venho de Tortona.
– Você parece muito triste. Aposto que está com um pouco
de saudade de casa. Isso acontece com todos. Mas passa.
– Comigo é diferente. Estive doente. Uma doença de
coração me levou à beira do túmulo e ainda não sarei bem.
– Mas quer sarar, não é mesmo?
– Não – respondeu o rapaz com sinceridade. – Desejo
apenas fazer a vontade de Deus.
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Domingos olhou-o admirado e sentiu grande alegria.
Camilo era um rapaz e tanto. Falou-lhe da Companhia
da Imaculada com entusiasmo e propôs que entrasse já na
primeira reunião. Ele se tornaria um magnífico sócio.
– O que me diz é interessante – respondeu Camilo. –
Mas o que devo fazer para ser um de vocês?
– É isto: queremos nos tornar santos. E para nós a san-
tidade significa ser muito alegres e cumpridores dos nossos
deveres, sempre fazendo o bem aos outros.
Camilo tornou-se um sócio entusiasta da Companhia
da Imaculada e travou profunda amizade com Domingos.
Porém, dois meses depois que chegou, sua saúde come-
çou a declinar rapidamente. A doença do coração que
sofrera em Tortona reativou-se de forma preocupante. Os
médicos examinaram, mas já não havia esperança. Camilo
não saiu mais da enfermaria.
Durante os recreios Domingos ia lhe fazer companhia.
Falavam do Paraíso. Quando a morte pareceu próxima,
Domingos pediu licença para cuidar dele. Mas como não
tinha a saúde muito boa, não foi atendido.
Na noite de 30 de dezembro, Dom Bosco chamou-o
e disse-lhe que Camilo falecera. Domingos foi vê-lo pela
última vez. Estava estendido no leito branco, pálido como
cera, mas com o rosto grave e majestoso. Domingos cho-
rou. Murmurou: “Adeus, Camilo. Estou certo de que você
está no céu preparando um lugar para mim também. Serei
sempre seu amigo. Enquanto Nosso Senhor me deixar vivo,
rezarei sempre por você”.
Foi um grande luto para a Companhia da Imaculada.
Por vários dias todos fizeram a comunhão por intenção de
Camilo e rezavam muito.
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Seis horas de atraso
Duas da tarde. Uma notícia estranha espalhou-se pelo
Oratório: Domingos Sávio desapareceu.
– Estava no café?
– Não, ele se senta do meu lado e não o vi nem no café
nem no almoço.
– E na aula?
– Não. O lugar dele ficou vazio o tempo todo. O pro-
fessor também não sabia de nada.
– Estará doente?
– Vamos ver no dormitório.
A cama de Domingos estava arrumada. Dele, nem a
sombra.
– Então deve estar na sala de estudo.
– Lá também não há ninguém.
– Será que Dom Bosco o mandou passar alguns dias em
casa? Mas nesse caso avisaria o professor...
– Sabe o que vamos fazer? Vamos contar a Dom Bosco.
Ele resolverá o caso.
Alertado, Dom Bosco ficou um instante pensativo. Mas
logo teve uma suspeita. Sorriu e disse tranquilo:
– Podem ir embora, eu sei onde ele está.
Desceu rapidamente as escadas, entrou na sacristia e
depois no coro, atrás do altar. Lá estava Domingos, de pé.
Tinha uma das mãos apoiadas a uma estante e a outra ao
peito.
Aproximou-se e chamou. Domingos não se moveu.
Segurou-o então delicadamente por um braço e o sacudiu.
Domingos, calmo, voltou-se para ele e perguntou:
– Já acabou a Missa?
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– Veja – disse Dom Bosco, mostrando-lhe o relógio –,
são 2 horas da tarde.
Domingos ficou confuso, enrubesceu ao verificar o
grande atraso, pediu perdão.
– Agora vá almoçar – falou Dom Bosco. – Se pergun-
tarem onde estava, diga que fazia uma coisa que Dom
Bosco lhe pediu

Adeus à terra
O inverno de Turim foi muito rigoroso em fevereiro de
1857. Domingos Sávio estava com uma tosse profunda e
se tornava cada vez mais pálido. Em outubro do ano ante-
rior, Dom Bosco o havia mandado para casa a fim de que
repousasse bastante. Mas agora as coisas tinham piorado.
Então chamou os melhores médicos de Turim para que
examinassem Domingos. O professor Vallauri, após longo
exame, disse:
– A constituição débil, a inteligência precoce e a con-
tínua tensão do espírito lhe consomem insensivelmente a
vida.
– E que remédio poderia fazer bem para ele?
Nesse ponto é fácil imaginar o médico prescrevendo
um forte tratamento reconstituinte: vitaminas, fósforo,
injeções. Em vez disso o professor Vallauri encolheu os
ombros, desanimado. Não existia praticamente a medicina
naqueles anos. Diante de um doente, os médicos muito
pouco sabiam fazer.
– O melhor remédio seria deixá-lo partir para o céu –
disse Vallauri. A única coisa que pode prolongar-lhe a vida é
afastá-lo do estudo e enviá-lo a respirar os ares de sua terra.
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Quando Domingos soube da decisão dos médicos,
resignou-se. Mas doía-lhe muito abandonar os estudos, os
amigos, e especialmente Dom Bosco, que pela primeira vez
quase chegou a repreendê-lo:
– Mas não está vendo que tosse você tem, Domingos?
E não conseguimos fazê-la passar. Em casa estará mais
defendido do frio e poderá descansar.
– Não é isso, Dom Bosco. É que queria terminar minha
vida aqui, no Oratório.
– Não diga isso! Agora você vai para casa, se restabelece
e no começo da primavera você volta!
– Isso não – e Domingos sorriu, abanando a cabeça. –
Eu vou e não volto mais. Esta é a última vez que podemos
conversar, Dom Bosco. Diga-me: o que eu ainda posso
fazer para Deus?
– Ofereça muitas vezes seus sofrimentos.
– E que mais?
– Ofereça-lhe a vida, Domingos.
– Do céu poderei ver meus amigos do Oratório? E
meus pais?
– Sim – assegurou-lhe Dom Bosco, procurando domi-
nar a comoção –, do céu, se Deus quiser chamá-lo para si,
poderá ver tudo o que acontece no Oratório, poderá ver
seus pais e as coisas que lhe dizem respeito, e mil outras
coisas mais bonitas ainda.
– Vou poder visitá-lo?
– Se Deus quiser, poderá vir.
Era o dia 1o de março, domingo. A despedida mais
comovente foi a dos amigos da Companhia da Imaculada.
Em seguida, chegou o pai que o levaria a Mondônio.
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Aproximou-se de Dom Bosco para beijar-lhe a mão pela
última vez, sorrindo apesar da tristeza.
– O senhor quer mesmo que eu parta? Se ficasse, inco-
modaria só por poucos dias. De qualquer forma, seja feita
a vontade de Deus. Reze para que eu tenha uma boa morte.
Até à vista, no céu.
E partiu. Na primeira esquina acenou com a mão ao
saudar o Oratório e os seus amigos. Dom Bosco ficou
olhando com profunda dor a carruagem que se afastava:
partira o melhor aluno, o santinho que Nossa Senhora havia
presenteado por três anos ao seu Oratório.
Domingos chegou a Mondônio tarde da noite. Dona
Brígida, a mãe, recebeu-o com afetuoso abraço e os irmãos
fizeram-lhe grande festa.
Os primeiros dias pareceram reavivar a esperança: a tosse
acalmou, voltou um pouco de apetite. Parecia que março
iria trazer a primavera também para o débil organismo de
Domingos.
Mas tudo não passou de breve ilusão. Depois de alguns
dias, de súbito, Domingos sentiu-se mal. As forças o aban-
donavam. A tosse recrudesceu profunda, violenta. Foi pre-
ciso colocá-lo imediatamente na cama e chamar o médico.
Veio também o pároco. Rezou com ele algumas orações.
Morreu quase repentinamente na noite de 9 de março
de 1857. O pai estava ao seu lado. Pôde apenas murmurar:
– Adeus, papai..., o padre me dizia..., mas não lembro...
Oh, que coisa bonita estou vendo!...
O papa Pio XII declarou-o santo no dia 12 de junho
de 1954. Quando a frágil imagem de Domingos apareceu
na enorme praça Bernini, raiava um brilhante sol. Havia
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milhares de jovens vindos de todo o mundo para aplaudir
o primeiro santo como eles: o primeiro santo de 15 anos.

Oração a São Domingos Sávio


Angélico Domingos Sávio, que na escola de Dom Bosco
aprendeste a seguir os caminhos da santidade juvenil,
ajuda-nos a imitar-te no amor a Jesus, na devoção a Maria,
no zelo pelas almas. Faze que, praticando também nós o
propósito de antes morrer que pecar, alcancemos a eterna
salvação. Assim seja.

Com licença dos superiores.

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