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SÃO PAULO
2021
CAMILA OLIVEIRA SILVA
INTRODUÇÃO 8
A Ética e a prostituição 25
2.1 O que é ética? 25
2.2 Ética, moral e suas origens 25
2.3 Ética na Grécia Antiga 28
2.3.1 A Ética segundo Aristóteles 28
2.4 Moral e Ética na visão de Kant 30
2.5 Ética utilitarista 33
2.6 Relação entre ética e prostituição 34
CONSIDERAÇÕES FINAIS 37
INTRODUÇÃO
“[...] Ser puta é ter que sobreviver, meu amor, mesmo que para
isso você se odeie um pouco mais a cada dia”
Yuri Marques Peçanha
(Sou Puta, Doutor; 2021)
Foi relatado por Roberts (1998) e Corbett (1990) que por volta de 3000 a.C.,
tribos guerreiras de homens da antiga Mesopotâmia e Antigo Oriente (Ásia Menor,
Babilônia) iniciaram invasões em alguns territórios liderados por mulheres, o que
se estendeu por milhares de anos, pois derrubar o tão sagrado mito da Deusa se
mostrou complicado. Neste ponto da humanidade já foi possível observar as
formas de sociedades matriarcais e patriarcais, tendo como início os primeiros
registros de dominação do poder dos homens sobre as mulheres, com o objetivo
de controlar a sexualidade das mesmas, propondo formas de casamento e
sujeitando a mulher a um único parceiro. Assim, as sociedades matriarcais se
estabeleciam, pregando valores religiosos, culturais e voltados para sua
comunidade.
Concomitantemente, figuras masculinas foram se designando como
governantes, autoridades, e criando leis cada vez mais restritivas, incorporando
nas mesmas deuses homens, com a finalidade de se contrapor à divindade das
deusas.
Desta maneira, a prostituição sagrada foi instituída como uma tradição para o
ritmo sexual, se tornando grande parte da adoração às deusas nas primeiras
civilizações do mundo, nas mesmas as mulheres eram consideradas sagradas e
prostitutas ao mesmo tempo, mas estavam longe de serem estigmatizadas como
na atualidade.
Roberts (1998) seguiu relatando o matrimônio sagrado com um ritual da
fertilidade, onde:
[...] escritoras feministas interpretaram-no como uma
demonstração pública do poder dos homens sobre as mulheres,
em uma cultura que já usava estas últimas como procriadoras e
objetos sexuais; mais um ritual de humilhação sexual do que uma
afirmação religiosa. (ROBERTS,1998, p.25)
Até este ponto da humanidade, estas ações não eram consideradas imorais, no
entanto sacerdotes foram surgindo e se contrapondo à liberdade da vida sexual
de seu povo, enxergando as prostitutas como um mal. Consequentemente, na
virada do século VI a.C., o governo de Atenas começou a considerar mulheres
como esposas ou prostitutas, ponderando que grande parte dos rendimentos
adquiridos com a prostituição em templos iria para o governo, e de acordo com
Roberts (1998):
Deste modo, a prostituição em várias cidades era frequente. A faixa etária das
cortesãs era muito diversificada, porque não apenas jovens solteiras estavam na
atividade, mas também viúvas e mulheres de todas as idades.
Ao longo do tempo, algumas cidades, por não aceitarem prostitutas andando
entre as demais damas da sociedade, iniciaram processos de segregação, as
associando a leprosos e também as obrigando a usar símbolos de distinção para
serem reconhecidas (ROSSIAUD, 1991). O Estado passou também a participar
da organização de tal setor, o que, segundo Rossiaud (1991), fez com que a
França medieval chegasse a ter quatro níveis de prostituição: as casas públicas
(controladas pelo poder estatal), os banhos, os bordéis particulares e as
meretrizes autônomas.
Devido à vitória da igreja sobre os hereges e os que praticavam concubinato -
união livre e estável de casal sem estarem legalmente unidos em matrimônio -, os
teólogos compreenderam que era necessário haver uma prostituição ordenada,
de maneira que a sociedade pudesse conviver em acordo comum com esta
prática (ROSSIAUD, 1991). Então, a igreja passou a tolerar relações entre
solteiros com as chamadas concubinas, acreditando que assim homens casados
frequentassem os bordéis e tivessem relações com as prostitutas de maneira a
não impedir o seu casamento.
De um ponto de vista histórico, são definidas três posições na política dirigidas à
prostituição: o proibicionismo, o regulamentarismo e o abolicionismo (ROBERTS,
1998). O proibicionismo requisitava a criminalização da prostituição e teve grande
vigência durante a Idade Média. A mesma teve insucesso, o que deu origem a
propostas de regulamentarismo e abolicionismo, embora existam, ainda hoje,
países que adotem o proibicionismo como política pública, entre os quais os
Estados Unios, onde existem sanções legais e é vetada a comunicação com fins
de prostituição, ou Equador, Uruguai, Chile e alguns outros, que proíbem esta
prática.
Quando citamos o regulamentarismo, a prostituição é legalizada e realizada
dentro de condições específicas predeterminadas pelo governo. Neste tipo de
sistema é comum a defesa da necessidade do controle sanitário, do registro
obrigatório, com exames periódicos e a contenção da prostituição em lugares já
determinados.
Já o abolicionismo demanda a extinção da prostituição. Esse sistema foi criado
no final do século XIX por um grupo chamado Federação pela Abolição na
Regulamentação Governamental, que era composto por mulheres inglesas que
protestavam contra o controle estatal e os maus-tratos à trabalhadoras do sexo.
Ao analisar-se toda esta trajetória, há a possibilidade de visualizar que o
fenômeno da prostituição nunca passou por caminhos baseados no vazio, mas
sim, sempre estando entrelaçado com os costumes morais e sociais de uma
determinada época, acompanhada por mudanças e movimentos políticos e
econômicos para satisfazer os interesses de uma minoria da população que
detém e manipula o poder.
Também é interessante observar nesta caminhada entre a história que grande
parte das mulheres se vinculou à prostituição como uma maneira de se
estabelecer economicamente para sua sobrevivência, apesar das condições
inumanas e precárias as quais se submetiam. A história da prostituta sempre foi
associada com algo imoral, feito para corromper bons homens de família, mas,
pode-se perceber que esses pré julgamentos que nos foram ensinados apenas
mostram um lado da história.
1.4 Prostitutas na idade contemporânea e suas lutas
Imagem 2: Pablo Picasso. Les Demoiselles d’Avignon (1907) | Museum of Modern Art (Retratos de
prostitutas)
Toda discussão sobre “ética” sempre se inicia pela revisão de suas origens
etimológicas e pela sua distinção com o termo “moral”. Justifica-se a necessidade
de explicitar a origem destes termos, uma vez que é a partir de sua raiz que este
trabalho será construído.
De acordo com o caderno 2 de revisão de filosofia do Ensino Médio, feito pelo
sistema SOMOS de ensino, a origem e definição destes termos se dá por:
Imagem 3: Escola de Atenas, por Rafael Sanzio. Importantes figuras da história da filosofia e da
ética se encontram nessa imagem, como Aristóteles e Platão.
De acordo com Aristóteles, existem três tipos de vida: a vida política, que é
exercida pelo cidadão livre e se satisfaz com honra; a vida dos prazeres, que
encontra o bem e a felicidade na satisfação imediata dos desejos; e a vida
contemplativa, fundada na reflexão e na investigação filosófica. O meio-termo,
neste caso, origina-se do reconhecimento de que as três formas de vida visam à
felicidade e devem se integrar, ou seja, a vida contemplativa não é a única
maneira de se atingir a felicidade para Aristóteles. (SOMOS Sistemas de Ensino
S.A., 2016; p. 52)
Immanuel Kant, em sua obra “Crítica da razão prática” (1788), afirmou que a
existência de Deus, da liberdade e da alma não pode ser comprovada, devido ao
fato que essas coisas não ocorrem no espaço e no tempo, não se submetem à
causalidade. Portanto, a moral cristã fundava-se justamente nesses elementos:
admitindo-se a existência de Deus e de uma alma imortal, mais cedo ou mais
tarde teríamos que prestar contas de nossos atos. Dessa maneira, surgiram
restrições à liberdade de se fazer o que se queria.
Sobre a visão de Kant a partir da ética, o sistema SOMOS de ensino afirma:
Aproveitando que a concepção de lei moral como uma lei interna, presente em
todos os seres, Kant afirma em uma de suas mais famosas citações: “Duas
coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente,
quanto mais frequente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas: o céu
estrelado acima de mim e a lei moral em mim” (KANT, 2003; p. 569)
Para a abordagem deste tópico, usou-se de uma pesquisa feita por Manuel
Carlos Silva, licenciado e doutorado pela Universidade de Amsterdam em
Ciências Sociais,Culturais e Políticas, e Fernando Bessa Ribeiro, professor no
Departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro e investigador integrado no Centro Interdisciplinar
de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa; onde os mesmos, através
de uma profunda investigação e trabalho de campo no cenário atual da
prostituição na fronteira do norte de Portugal, construíram uma relação entre a
prostituição, a ética e a bioética.
No que concerne a visão do mundo ocidental sobre a prostituição, Manuel
Carlos Silva e Fernando Bessa Ribeiro comentam:
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2003.