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COLÉGIO PRÍGULE

ENSINO MÉDIO REGULAR

CAMILA OLIVEIRA SILVA

A PROSTITUIÇÃO NO OCIDENTE E A CONCEPÇÃO DE ÉTICA ATRAVÉS DO


TEMPO

SÃO PAULO
2021
CAMILA OLIVEIRA SILVA

A PROSTITUIÇÃO NO OCIDENTE E A CONCEPÇÃO DE ÉTICA ATRAVÉS DO


TEMPO

Monografia apresentada como


critério de conclusão do curso
Ensino Médio.
Orientador: Professor Fernando
Alves de Abreu
Co-orientador: Professor Marcos
Alves da Silva
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à minha família, por me dar suporte durante toda a


minha vida, seja na vida escolar ou fora dela; sempre serei grata por vocês. Em
especial minha mãe, que sacrificou muitas coisas por mim e meus irmãos, espero
um dia ser capaz de mostrar o quanto sou grata por você.
Agradeço ao Colégio Prígule, e a todos os seus funcionários, por me formar
como aluna e pessoa, graças a todos vocês encontrei uma segunda casa e
família, nunca me esquecerei de tudo que vocês proporcionaram a mim. Em
especial meus professores, que além de me ensinar conteúdo relacionado à
diferentes áreas do conhecimento, também me ensinaram muito sobre a vida.
Agradeço a todos os meus amigos, que sempre acreditaram em meu potencial,
e que sempre me apoiam e me ajudam durante tempos difíceis.
Agradeço a Etec Albert Einstein, que foi meu refúgio durante somente um ano,
mas que nunca esquecerei, obrigada a todos os professores e colegas que
estiveram comigo lá, vocês me fizeram uma pessoa melhor e mais madura. Em
especial os professores Emerson e Tânia, por conta de vocês me tornei uma
estudante, não somente uma aluna.
Agradeço a todos que um dia duvidaram de mim, pois sou uma pessoa
extremamente teimosa e sempre tento mostrar minha capacidade, vocês me
fizeram melhor.
E por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer os professores
Marcos Alves e Fernando Alves. Esta monografia não foi um processo fácil, mas
com a ajuda de vocês tudo se tornou mais leve, obrigada por encararem esta
jornada comigo.
Esta monografia é para todos os subjugados,
oprimidos e negligenciados pela sociedade. A
voz de vocês é importante, e merece ser
ouvida.

E esta monografia é, principalmente, para


todas as pessoas que trabalham com
prostituição, e que, diariamente enfrentam
absurdos, seja noite ou dia; pessoas cuja
história é carregada com luta, perseverança e
dificuldade.
RESUMO
Esta pesquisa tem como seu principal objetivo mostrar e explorar um trabalho
que, apesar de marginalizado e negligenciado, é muito rico e valioso, de um
ponto de vista histórico-cultural. Estabelecendo para o mesmo uma linha histórica
sobre o surgimento e o desenvolvimento de prostitutas no Brasil e ao redor do
mundo na contemporaneidade, assim como explorar a prostutuição no ponto de
vista da ética, atribuindo uma linha de pensamento entre esta ocupação e a visão
de moral e ética construída ao decorrer de séculos. Para a realização deste
trabalho, utilizou-se de um levantamento bibliográfico profundo sobre o assunto
para que o andamento do mesmo ao decorrer desta monografia seja sustentado.
Apesar de o recorte apresentado ser amplo, muito ainda há de ser explorado
acerca dessa temática. A partir da observação desta ocupação, é possível
concluir que, através dos tempos, a prostituta foi capaz de se adaptar e se
transformar de muitas maneiras e aspectos, desde sua estética ao conteúdo de
seu discurso, com o intuito de levantar questões e desequilibrar ideais
conservadores.
Palavras-chave: prostituta; negligência; ética; luta;moral; história.
ABSTRACT
This research has as its main objective to show and explore a work that, despite
being marginalized and neglected, is very rich and valuable, from a
cultural-historical point of view. Establishing for him a historical line on the
emergence and development of prostitutes in Brazil and around the world in
contemporary times, as well as exploring prostitution from the point of view of
ethics, attributing a line of thought between this occupation and the moral vision
and ethics built over centuries. In order to carry out this work, a deep bibliographic
survey on the subject was used so that the progress of the same throughout this
monograph is sustained. Although the cut presented is broad, much remains to be
explored about this theme. From the observation of this occupation, it is possible
to conclude that, over time, the prostitute was able to adapt and transform in many
ways and aspects, from her aesthetics to the content of her speech, in order to
raise questions and unbalance ideals conservatives.
Keywords: prostitute; negligence; ethic; fight; morals; history.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

Um percurso pela história da prostituição 10


1.1 O que é prostituição? 10
1.2 Origem da prostituição 11
1.3 A prostituição ao decorrer da história 12
1.4 Prostitutas na idade contemporânea e suas lutas 19
1.5 Contextualizando a prostituição no Brasil 22

A Ética e a prostituição 25
2.1 O que é ética? 25
2.2 Ética, moral e suas origens 25
2.3 Ética na Grécia Antiga 28
2.3.1 A Ética segundo Aristóteles 28
2.4 Moral e Ética na visão de Kant 30
2.5 Ética utilitarista 33
2.6 Relação entre ética e prostituição 34

CONSIDERAÇÕES FINAIS 37
INTRODUÇÃO

“[...] Ser puta é ter que sobreviver, meu amor, mesmo que para
isso você se odeie um pouco mais a cada dia”
Yuri Marques Peçanha
(Sou Puta, Doutor; 2021)

Prostituta. Puta. Meretriz. Garota de Programa. Cortesã. Mulher da Vida.


Rapariga. Vadia. Oferecida. Vagabunda. Mulher Promíscua. Mulher Devassa.
Mulher Perdida. Por estes e muitos outros nomes são conhecidas estas mulheres,
que ocupam um trabalho constantemente visto de forma marginalizada e
degradante, o enquadrando como um “mal necessário” (SIMMEL, 2001).
Considerada a ocupação “mais antiga do mundo”, na prostituição geralmente há a
troca de sexo por dinheiro, podendo também haver a comutação de relações
sexuais por bens materiais, informações e diversas outras coisas.
As prostitutas, apesar de serem consideradas indispensáveis, são
completamente ignoradas e subjugadas, e esta negligência vêm ocorrendo
durante séculos, tanto pela mídia, religião e sociedade vista como um todo.
A necessidade de se estudar sobre este assunto surgiu a partir da noção que a
representação da prostituta modificou-se em diferentes épocas e culturas, porém
sempre permanece marcada pelo estigma de negativismo e submissão. O que é
mostrado de forma clara segundo Rago e Funari:

Construir masculinamente a identidade da prostituta significou


silenciá-la e estigmatizá-la e, ao mesmo tempo, defender-se
contra o desconhecido – a sexualidade feminina – recoberta por
imagens e metáforas assustadoras.(RAGO, FUNARI; 2008, p.23)

É importante se desvencilhar da imagem que nos é posta de pessoas que


trabalham com prostituição, que são objetos sem valor, e nos lembrarmos que
essas mulheres- é essencial ressaltar que muitos homens se prostituem, porém,
historicamente a prostituição feminina é mais frequente- são seres humanos e
tem sua própria voz, cuja presença tem aumentado cada vez mais, a fim de
mostrar seu lado da história, seja com manifestações ou relatos contando sobre
suas vidas. Um exemplo claro disso é o livro “Sou Puta, Doutor”, escrito por Yuri
Marques Peçanha, que procura contar relatos de vários trabalhadores do sexo,
desde mães que trabalham para sustentar seus filhos a mulheres que
simplesmente começaram na profissão porque gostavam de sexo; com o objetivo
de mostrar a realidade deplorável que muitas destas pessoas estão, e causar
desconforto, pois é o que todas eles sentem, constantemente. Relatos como
estes mostram que estas pessoas estão cansadas do julgamento, da repressão,
e somente querem lutar por seus direitos e romper com discursos objetificados e
sua representação historicamente negativa.
Esta monografia tem como propósito abordar a representação social da
prostituta, mostrando como ela tem sido vista e categorizada pela sociedade ao
decorrer de sua história, assim como mostrar o ponto de vista da mesma pela
ética, evidenciando as consequências do estigma ao redor destas pessoas e
ocupação na sociedade hodierna.
1. Um percurso pela história da prostituição

1.1 O que é prostituição?

Para a total compreensão do tema, é necessário que se entenda a definição de


prostituição, que, segundo o dicionário Michaelis de Língua Portuguesa é
compreendida por “Atividade, envolvendo homens e mulheres, que consiste em
manter relações sexuais com um número indeterminado de indivíduos [de
maneira habitual], em troca de pagamento.”, ou até “Vida devassa e marcada pela
falta de escrúpulos; libertinagem, licenciosidade.” e “Ato de envolver-se na
realização de algo vil e imoral; degradação, desonra”.
Estas definições mostram exatamente a maneira que a sociedade enxerga
essas pessoas, como imorais, devassas e desonrosas, estes estigmas estão
presos em nossa sociedade há muito tempo, principalmente pela influência
massiva da igreja, que interpreta a prostituição como uma deturpação do
casamento, uma relação que supostamente tem que ser íntima e especial. Para
esta religião, a prostituição estraga esse relacionamento e dá valor às coisas
erradas, como lúxuria e infidelidade.
Na Bíblia a prostituição também tem um significado espiritual. A infidelidade de
quem se prostitui é como a infidelidade de quem abandona a Deus para adorar
ídolos. O que pode ser mostrado no trecho a seguir, retirado da bíblia sagrada:

Nenhum israelita, homem ou mulher, poderá tornar-se prostituto


cultural. Não tragam ao santuário do Senhor, o seu Deus, os
ganhos de uma prostituta ou de um prostituto, a fim de pagar
algum voto, pois o Senhor, o seu Deus, por ambos tem
repugnância.(Deuteronômio 23:17-18; Bíblia Sagrada)

Portanto, vê-se que desde os primórdios de nossa sociedade a prostituição é


vista por muitos como um sinônimo de traição, luxúria e imoralidade, o que reflete
de maneira direta no cotidiano de pessoas que trabalham com isto, seja por
necessidade ou vontade.
1.2 Origem da prostituição

Em sociedades antigas, onde não existia propriedade privada nem a cultura


monogâmica, não se praticava a prostituição nem outro tipo de serviço pessoal
remunerado. São conhecidos, contudo, casos de tribos pequenas nas quais os
homens podiam incitar as mulheres à relação sexual mediante a oferta de objetos
por elas apreciados. Em outros povos, a prostituição de meninas foi praticada
como rito de iniciação à puberdade.
Com as primeiras civilizações da Mesopotâmia e do Egito surgiram as
prostitutas sagradas, vinculadas a certas divindades e a determinados templos.
Na antiga Grécia também ocorreu a prática sexual relacionada ao culto religioso.
O curioso é que a forma mais antiga de prostituição talvez seja a religiosa. Que
pode ser definida com êxito pelo promotor público João Benedito de Azevedo
Marques, em sua matéria para a Revista Justitia:

Em todo o mundo pagão havia comunidades femininas ligadas a


templos, em que as mulheres previamente selecionadas pela sua
linhagem e beleza se entregavam ao ofício da prostituição, em
honra a Anais, Vênus Milites e Afrodite. Tal prostituição era
altamente rendosa para o país e para os ministros do culto,
constituindo ainda atração para os estrangeiros. Ainda hoje
subsistem algumas formas de prostituição religiosa em alguns
países da Ásia e da África.(MARQUES, 2011; p.93)

As relações sexuais faziam parte das atribuições das sacerdotisas em muitas


religiões pagãs da antiguidade. Dois milênios antes de Cristo, na Babilônia, todas
as mulheres eram obrigadas, antes do casamento, a servir durante pelo menos
um dia como prostituta no templo de Ishtar, deusa do amor. A renda obtida
através desse serviço era dividida entre o templo e os cofres da cidade. E nas
portas dos templos, sempre haviam de pagantes que vinham de longe para o
culto à deusa.

Por conseguinte, o poder da mulher no papel de grande Deusa, onde as


mesmas eram consideradas criadoras da força da vida transcendeu o simples
conceito de fertilidade, o que permitiu uma visão diferente na qual homens são
coadjuvantes dessas relações. O que permitiu que as mulheres ocupassem um
papel central na economia dessas primeiras sociedades.

1.3 A prostituição ao decorrer da história

Foi relatado por Roberts (1998) e Corbett (1990) que por volta de 3000 a.C.,
tribos guerreiras de homens da antiga Mesopotâmia e Antigo Oriente (Ásia Menor,
Babilônia) iniciaram invasões em alguns territórios liderados por mulheres, o que
se estendeu por milhares de anos, pois derrubar o tão sagrado mito da Deusa se
mostrou complicado. Neste ponto da humanidade já foi possível observar as
formas de sociedades matriarcais e patriarcais, tendo como início os primeiros
registros de dominação do poder dos homens sobre as mulheres, com o objetivo
de controlar a sexualidade das mesmas, propondo formas de casamento e
sujeitando a mulher a um único parceiro. Assim, as sociedades matriarcais se
estabeleciam, pregando valores religiosos, culturais e voltados para sua
comunidade.
Concomitantemente, figuras masculinas foram se designando como
governantes, autoridades, e criando leis cada vez mais restritivas, incorporando
nas mesmas deuses homens, com a finalidade de se contrapor à divindade das
deusas.
Desta maneira, a prostituição sagrada foi instituída como uma tradição para o
ritmo sexual, se tornando grande parte da adoração às deusas nas primeiras
civilizações do mundo, nas mesmas as mulheres eram consideradas sagradas e
prostitutas ao mesmo tempo, mas estavam longe de serem estigmatizadas como
na atualidade.
Roberts (1998) seguiu relatando o matrimônio sagrado com um ritual da
fertilidade, onde:
[...] escritoras feministas interpretaram-no como uma
demonstração pública do poder dos homens sobre as mulheres,
em uma cultura que já usava estas últimas como procriadoras e
objetos sexuais; mais um ritual de humilhação sexual do que uma
afirmação religiosa. (ROBERTS,1998, p.25)

É de extrema importância lembrar que as mulheres que não se encaixavam


nesse novo contexto eram despejadas no interior de templos e assim sendo
consideradas prostitutas, as mesmas tinham que se adequar às novas regras,
como se aperfeiçoar na dança, canto e instrumentos para se tornarem
profissionais do entretenimento que proporcionavam também sexo ritual.
Com isso, foram encontrados os primeiros relatos de prostitutas de rua que
continuavam a ser consideradas como mulheres sagradas, e seu lucro vinha a
partir de oferendas.
Nessa época (2000 a.C.) também existiam as prostitutas de maior “nível” no
templo, sendo poderosas e prestigiadas, não somente vítimas da opressão vinda
dos homens.
Por conseguinte, percebe-se a separação entre a boa e má mulher, esposas e
prostitutas, na qual ambas foram alvos do poder exercido pelos homens sobre
elas, onde os mesmos, de acordo com Roberts (1998):

[...] recorriam às relações sexuais com prostitutas quando se


sentiam entediados com as restrições do casamento. (ROBERTS,
1998, p.28)

Até este ponto da humanidade, estas ações não eram consideradas imorais, no
entanto sacerdotes foram surgindo e se contrapondo à liberdade da vida sexual
de seu povo, enxergando as prostitutas como um mal. Consequentemente, na
virada do século VI a.C., o governo de Atenas começou a considerar mulheres
como esposas ou prostitutas, ponderando que grande parte dos rendimentos
adquiridos com a prostituição em templos iria para o governo, e de acordo com
Roberts (1998):

pela primeira vez na história, as mulheres estavam sendo


cafetinadas- oficialmente. [...] Assim nasceu a cafetinagem estatal
e privada.(ROBERTS, 1998, p.37)

Neste sentido, algumas mulheres foram conseguindo autonomia financeira para


sair dos templos e organizar seu próprio bordel ou até iniciar na prostituição de
rua, mesmo que o Estado também possuía formas de controlar estes
rendimentos.
Nesses locais, as condições de vida eram precárias e miseráveis, as prostitutas
não recebiam seus salários, os mesmos eram entregues para um funcionário do
sexo masculino que administrava o bordel. Apesar deste ultraje, é inegável dizer
que existiam fatores “positivos” para as mulheres que escolheram esta ocupação
na época, como desfrutar de plena autonomia econômica, liberdade, trabalho
independente e domínio sobre si. Assim como retrata Roberts (1998) no seguinte
trecho:
E não há como escapar do fato que muitas mulheres realmente
escolheram a prostituição como uma carreira, considerando-a um
caminho para a liberdade, um meio de controlar suas próprias
vidas e uma alternativa positiva para a tirania do regime
doméstico.(ROBERTS, 1998, p.40)

Ao decorrer dos primeiros cinco séculos d.C., uma enorme quantidade de


práticas sexuais distantes das convenções morais e sexuais se espalhou pela
sociedade e cultura romana, esses códigos comportamentais eram estabelecidos
pelos imperadores e por conta disso não haviam obstáculos que pudessem
impedi-los de realizar suas fantasias mais ultrajantes.
Imagem 1: Esta pintura de Jean-Leon Gerome retrata o que teria sido o mercado de escravos
sexuais da Roma Antiga, onde se comercializava as mulheres que seriam forçadas à prostituição.
Elas eram a maioria naquele período, apesar de uma pequena parcela de mulheres da elite terem
optado pelo ofício após o imperador Augusto criar leis que forçavam mulheres a se casarem e
terem filhos

Neste momento da história, escravos e criados suportavam em seu cotidiano


todo e qualquer assédio sexual vindo de seus donos, como o abuso sexual e até
mesmo estupro, enxergando como sua única saída a prostituição nas ruas ou em
bordéis, com a finalidade de serem pagos por seu trabalho.
Paralelamente, Roberts (1998) relata que “[...] homens da classe dominante
desenvolviam um desejo obsessivo pela prostituta virgem...” e também que “A
ruptura do hímen de uma escrava adolescente era considerado como um grande
feito pelos homens da classe alta da antiga Roma” (p. 66).
Entretanto, era possível dentro da prostituição encontrar cortesãs vindas de
famílias de certo prestígio, bonitas, instruídas e realizadas, em que, de acordo
com Roberts (1998):

[...] a razão mais importante para uma mulher bem nascida se


tornar cortesã era, evidentemente, ser financeiramente autônoma,
sem depender de nenhum homem. (ROBERTS, 1998, p.72)

Devido a ascensão do cristianismo no século V, a sexualidade:

tornou-se um alvo básico da Igreja, principalmente como


consequência da reação da nova religião à vida moral e sensual
do Império Romano decadente.(ROBERTS, 1998, p.81)

Foram muitos os seguidores que propagaram a ideologia Cristã, prezando o


celibato e disseminando a submissão total das mulheres em relação aos homens,
sendo, consequentemente, vista como Idade das Trevas e o martírio da
sexualidade. Onde prostitutas eram consideradas pecaminosas e assim sendo
banidas da Igreja enquanto praticassem tal profissão.
Na metade do século X, com o surgimento do Feudalismo - onde o estamento
dominante lutava pela posse da terra e tinha camponeses como servos,
trabalhadores no cultivo de terra e também para servir seus donos em tempos de
guerra nos campos de combate – um enorme fluxo de trabalhadores se
deslocando pelos campos foi criado. Roberts (1998) relata que havia uma grande
quantidade de mulheres entre eles, e a prostituição seria um meio de
sobrevivência, então mulheres formavam caravanas do prazer, onde:

[...] juntamente com suas famílias, as mulheres mais jovens e as


meninas estavam praticamente todas prontas para vender seus
favores. (ROBERTS, 1998, p.90)

Neste contexto, onde existe a necessidade de satisfazer e contribuir com a


demanda da comunidade e momento histórico, pode-se inserir o levantamento de
Rossiaud (1991), considerando a posição da sociedade em frente à prostituição:
[...] a sociedade é que cria a prostituição à sua imagem, ou que os
grupos sociais que geram formas de prostituição adaptadas às
suas necessidades. (ROSSIAUD, 1991, p.12)

Em outros recortes históricos, entre os séculos XIV e XV, a prática da


prostituição foi institucionalizada (ROSSIAUD, 1991). Essa organização também
foi motivada pela grande migração de mulheres de diversas regiões da França
para centros urbanos, o que exigiu o poder público a manifestar-se a favor de
financiar as famosas casas de banho, ou bordéis, com objetivo de acomodar
estas mulheres e tirar proveito delas de forma geral:

Mesmo fora dos grandes cinturões de pobreza, que


multiplicavam por todos os caminhos o número de mulheres que
se ofereciam, moças vagabundas iam, com ou sem os seus
rufiões, de cidade em cidade, reforçando aqui e ali o pequeno
grupo de mulheres “comuns a muitos”. (ROSSIAUD, 1991, p.20)

Deste modo, a prostituição em várias cidades era frequente. A faixa etária das
cortesãs era muito diversificada, porque não apenas jovens solteiras estavam na
atividade, mas também viúvas e mulheres de todas as idades.
Ao longo do tempo, algumas cidades, por não aceitarem prostitutas andando
entre as demais damas da sociedade, iniciaram processos de segregação, as
associando a leprosos e também as obrigando a usar símbolos de distinção para
serem reconhecidas (ROSSIAUD, 1991). O Estado passou também a participar
da organização de tal setor, o que, segundo Rossiaud (1991), fez com que a
França medieval chegasse a ter quatro níveis de prostituição: as casas públicas
(controladas pelo poder estatal), os banhos, os bordéis particulares e as
meretrizes autônomas.
Devido à vitória da igreja sobre os hereges e os que praticavam concubinato -
união livre e estável de casal sem estarem legalmente unidos em matrimônio -, os
teólogos compreenderam que era necessário haver uma prostituição ordenada,
de maneira que a sociedade pudesse conviver em acordo comum com esta
prática (ROSSIAUD, 1991). Então, a igreja passou a tolerar relações entre
solteiros com as chamadas concubinas, acreditando que assim homens casados
frequentassem os bordéis e tivessem relações com as prostitutas de maneira a
não impedir o seu casamento.
De um ponto de vista histórico, são definidas três posições na política dirigidas à
prostituição: o proibicionismo, o regulamentarismo e o abolicionismo (ROBERTS,
1998). O proibicionismo requisitava a criminalização da prostituição e teve grande
vigência durante a Idade Média. A mesma teve insucesso, o que deu origem a
propostas de regulamentarismo e abolicionismo, embora existam, ainda hoje,
países que adotem o proibicionismo como política pública, entre os quais os
Estados Unios, onde existem sanções legais e é vetada a comunicação com fins
de prostituição, ou Equador, Uruguai, Chile e alguns outros, que proíbem esta
prática.
Quando citamos o regulamentarismo, a prostituição é legalizada e realizada
dentro de condições específicas predeterminadas pelo governo. Neste tipo de
sistema é comum a defesa da necessidade do controle sanitário, do registro
obrigatório, com exames periódicos e a contenção da prostituição em lugares já
determinados.
Já o abolicionismo demanda a extinção da prostituição. Esse sistema foi criado
no final do século XIX por um grupo chamado Federação pela Abolição na
Regulamentação Governamental, que era composto por mulheres inglesas que
protestavam contra o controle estatal e os maus-tratos à trabalhadoras do sexo.
Ao analisar-se toda esta trajetória, há a possibilidade de visualizar que o
fenômeno da prostituição nunca passou por caminhos baseados no vazio, mas
sim, sempre estando entrelaçado com os costumes morais e sociais de uma
determinada época, acompanhada por mudanças e movimentos políticos e
econômicos para satisfazer os interesses de uma minoria da população que
detém e manipula o poder.
Também é interessante observar nesta caminhada entre a história que grande
parte das mulheres se vinculou à prostituição como uma maneira de se
estabelecer economicamente para sua sobrevivência, apesar das condições
inumanas e precárias as quais se submetiam. A história da prostituta sempre foi
associada com algo imoral, feito para corromper bons homens de família, mas,
pode-se perceber que esses pré julgamentos que nos foram ensinados apenas
mostram um lado da história.
1.4 Prostitutas na idade contemporânea e suas lutas

No contexto pós Revolução Industrial, a crescente industrialização, o


desemprego feminino e os baixos salários das mulheres empurraram muitas das
mulheres da classe trabalhadora para a prostituição.

Imagem 2: Pablo Picasso. Les Demoiselles d’Avignon (1907) | Museum of Modern Art (Retratos de
prostitutas)

Sobre o cenário atual da época, Mariana Luciano Afonso e Rosemeire


Aparecida Scopinho em sua matéria para a revista Fazendo Gênero 10 afirmam:

A classe trabalhadora crescia, sindicalizando-se, aderindo a


ideais políticos mais revolucionários e a uma cultura sexual mais
liberal, fazendo com que a burguesia se sentisse ameaçada.
Como resposta, a classe média/burguesia buscou expandir para a
classe trabalhadora seus ideais de moralidade: adoração ética do
trabalho e controle da sexualidade, sustentados na família nuclear
patriarcal. Neste contexto, entre o final do século XIX e o início do
século XX, não havia lugar para a prostituta, a repressão a ela,
em âmbito internacional, intensificou-se.
Os Estados precisavam, então, dar uma resposta, ou por meio
da regulamentação/legalização, ou por meio da proibição. A partir
de 1870, nos Estados Unidos houve campanhas de médicos e
autoridades policiais pela regulamentação como forma de
combate à proliferação da prostituição, essas campanhas não
obtiveram êxito, e o Estado utilizou como estratégia segregar a
prostituição em zonas onde ela era tolerada, embora não
legalizada. (AFONSO. SCOPINHO, 2013; p.4)

Em relação à regulamentação desta ocupação ao decorrer do tempo, Mariana


Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho relatam:

Entre as décadas de 1860 e 1870, países ocidentais como a


Grã-Bretanha tomaram a posição de regulamentar a profissão. A
disseminação da sífilis contribuiu para a repressão às prostitutas.
Como forma de controle, foram criados os Atos das Doenças
Contagiosas, que legitimavam que a polícia pudesse deter
qualquer mulher e enquadrá-la como “prostituta comum”.
A regulamentação atingiu maior força na década de 1870,
época em que emergiram também muitos movimentos contra os
Atos das Doenças Contagiosas, liderados pelos oponentes da
regulamentação, denominados abolicionistas. A maioria das
abolicionistas eram feministas (de classe média), como Josephine
Butler. O grupo de Butler, Ladies National Association (LNA), foi
até os bairros operários das cidades em que os atos estavam em
vigor, e incentivaram as prostitutas a rebelarem-se contra o
registro e os exames obrigatórios.
As abolicionistas enxergavam as prostitutas como “produto”, ou
vítimas das condições econômicas, da opressão de classe, do
Estado e do patriarcado. Conseguiram o apoio da classe
trabalhadora e foram vitoriosas, obrigando o Parlamento inglês a
suspender os Atos em 1883, e a repudiá-los em 1886. (AFONSO.
SCOPINHO, 2013; p.4)
Na década de 1880, parte deste movimento, por influência do cristianismo,
converteu-se em um movimento em prol da pureza social, que buscou, a partir de
um discurso religioso, combater a prostituição e resgatar as “mulheres decaídas”.
(AFONSO. SCOPINHO, 2013)
Indo um pouco mais á frente na linha do tempo trabalhada aqui, a prostituição,
no período da Primeira Guerra Mundial, de acordo com Mariana Luciano Afonso e
Rosemeire Aparecida Scopinho, se deu como:

Durante o período da Primeira Guerra Mundial, autoritários de


praticamente todos os países respaldaram-se no poderio dos
militares para impor as medidas que lhes fossem convenientes
em relação à prostituição. Na Alemanha e na França bordéis
foram regulamentados da noite para o dia, com o intuito de
“satisfazer” as tropas do exército. Na Inglaterra, para evitar a
prostituição foram estabelecidos toques de recolher para
mulheres. Nos Estados Unidos, em 1917, a zona de meretrício foi
fechada, em 1918, a prostituição foi colocada totalmente na
ilegalidade.(AFONSO. SCOPINHO, 2013; p.5)

Após a Primeira Guerra Mundial, outros ocorridos como a Grande Depressão, a


Guerra Civil Espanhola, a Revolução Russa e a ascensão do fascismo e do
nazismo, culminando na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), tomaram a
atenção dos governos, que deixaram mais em segundo plano o combate à
prostituição.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a prática da prostituição ocorreu, conforme
Mariana Luciano Afonso e Rosemeire Aparecida Scopinho, como:

Durante a Segunda Guerra Mundial, a preocupação moral e o


combate à prostituição intensificaram-se. Na Itália, Mussolini
instituiu rígidas políticas de regulamentação. Hitler, na Alemanha,
implantou uma política sexual bastante repressora,
representantes de sexualidades consideradas “desviantes”.
Prostitutas clandestinas eram marcadas em suas roupas com
estrelas negras, e mandadas para campos de concentração. As
autoridades dos países aliados, no geral, nesse período,
reprimiram fortemente a prostituição.(AFONSO. SCOPINHO,
2013; p.5)

A história da prostituição já passou por muitas lutas e dificuldades, e este


período não foi uma excessão, foi possível aqui analisar com cuidado marcos da
luta das prostitutas, tal como ver a maneira que elas eram tratadas há pouco
tempo atrás na nossa história, assim como nos dias atuais.

1.5 Contextualizando a prostituição no Brasil

No Brasil, no século XIX, a maioria das trabalhadoras do sexo da corte imperial


era composta por escravas negras, de modo que, para essas escravas, a
prostituição misturava-se com uma variedade de serviços domésticos. O auge da
prostituição teria sido na década de 1930, se destacando, naquela época, o Rio
de Janeiro, que tinha estrangeiras como maioridade da categoria (PEREIRA,
2005).
No contexto da Ditadura do Estado Novo, por volta de 1940, no estado de São
Paulo, através do então interventor, Ademar de Barros, efetuou-se uma política
de confinamento da prostituição, segregada no bairro judeu do Bom Retiro,
enquanto no Rio de Janeiro as prostitutas foram também segregadas na região
do Mangue.
Durante o governo de Lucas Nogueira Garcez no Estado de São Paulo, em
1954, esta zona de meretrício foi fechada e a prostituição se espalhou por
diversos bairros, este processo de “desconfinamento”, entretanto, ocorreu sem
nenhum tipo de proteção, o que, consequentemente, acarretou em maior
exposição à violência policial (RAGO, 1996)
Rago (1996) relata que a prostituta descrita por ela, assim como o cenário que
habitava (as zonas de meretrício e bordéis da época) já não existem mais, porém
das mesmas ainda existem traços e rastros. Depois da chamada revolução sexual
que ocorreu na década de 60, das mudanças nos costumes e comportamentos,
da descoberta de diversos métodos contraceptivos com destaque da pílula
anticoncepcional, da maior visibilidade e aceitação de práticas homoeróticas, o
tipo de prostituição descrito entrou em declínio. Muitas práticas sexuais que eram
consideradas ilícitas e segregadas no mundo da prostituição foram difundidas
pela sociedade.
Já na hodiernidade, de acordo com o Código Penal Brasileiro (1940) a prática da
prostituição indefinida como o comércio habitual de atividade sexual, e a mesma
não é considerada crime, consequentemente a pessoa que trabalha com isso não
é criminosa. Entretanto, o Código Penal apresenta diversos delitos ligados à
prostituição, como em seus artigos 227 a 231, que vedam a exploração sexual, a
indução de alguém à prática, a manutenção de casas de prostituição e o tráfico
sexual. A punição para estes crimes citados varia em devido ao delito e sua
gravidade, mas, em média, propõe-se a condenação de 1 a 10 anos de reclusão.
Atualmente ocorre uma dificuldade na obtenção de dados exatos sobre estes
crimes em decorrência da confusão da população sobre o que é ou não
considerado delito no mercado da prostituição. Devido a existência no Brasil de
leis que geram entendimento ambíguo, muitas prostitutas arcam com sua
vulnerabilidade autonomamente, o que, por conta de discriminações e riscos
inerentes à exposição no espaço público de forma isolada, as forçam a buscar
espaços delimitados que podem ser frequentados por seu público e que violam a
lei instituída, como acontece em casas de prostituição.
É de conhecimento geral que prostitutas são excluídas de debates e decisões
governamentais frente à prostituição, pois são percebidos como objetos-alvo em
vez de sujeitos ativos. No entanto, o movimento de prostitutas vem
desconstruindo essa percepção social, e por meio da auto-representação e
auto-organização, tem procurado reafirmar sua posição enquanto sujeito
histórico.
A auto-organização brasileira das mulheres trabalhadoras do sexo só recebeu
reconhecimento público a partir de meados de 1980, frente à preparação do 1º
Encontro Nacional de Prostitutas, realizado em 1987, no estado do Rio de janeiro.
O evento em questão contou com a participação de prostitutas de 11 estados,
recebendo apoio de diversas entidades e pessoas da sociedade civil, como
jornalistas, artistas e advogados. Este encontro resultou na elaboração da Rede
Brasileira de Profissionais do sexo, que tem como meta realizar ações contra a
violência e o desrespeito aos profissionais do sexo, reivindicar a reforma legal,
implementar programas de saúde e lutar pela dignidade da pessoa que trabalha
com prostituição, com o objetivo de resgatar sua autoestima e acabar com o atual
estigma associado à prostituta.
A sociedade atual, de certa forma, incorporou e ressignificou alguns aspectos da
figura da prostituta, o termo “mulher pública” que era usado para referir-se a elas,
hoje retrata a mulher que participa diretamente da política. Na reatualização do
Código Penal em 10988, através de pressões feministas, foi desfeita a divisão
entre “mulheres honestas” e “mulheres perdidas”, que permitia que violências
graves como o estupro, quando praticadas contra “mulheres perdidas”, ficassem
impunes (RAGO, 2011).
Rago (2011) enfatiza que da mesma forma que ao longo das décadas, a
prostituição foi sofrendo transformações, transformou-se também a forma de a
sociedade enxerga-la. Por conta disto, hoje, convivem juntas, diferentes formas
de enxergar a prostituição e quem a pratica.
2. A Ética e a prostituição

2.1 O que é ética?


Com a finalidade de alcançar a total compreensão acerca do tema, é
necessário que se entenda o conceito de ética, tal como sua história e evolução
através do tempo. O mesmo pode ser definido com êxito pelo caderno 2 de
revisão de filosofia do Ensino Médio, feito pelo sistema SOMOS de ensino:

A Ética é um ramo da Filosofia que estuda as origens e os


problemas fundamentais do que é considerado bom, seja para o
indivíduo, seja para a sociedade. Inclui um questionamento
essencial para a vida em sociedade: “Como devo agir frente aos
outros?”. A Ética lida com as nossas escolhas práticas. (SOMOS
Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 50)

A ética está presente em todos os campos das ciências e em todas as culturas


como valor norteador da vida social. No contexto filosófico, a ética, por sua vez,
está associada à fundamentação dos valores morais que regem o comportamento
dos seres humanos em sociedade. Nesse sentido, a moral é o conjunto de regras
aplicadas à sociedade no intuito de orientar cada indivíduo sobre o que é certo ou
errado, moral ou imoral. Porém, a ética tenta explicar as regras morais de forma
racional, ou seja, é uma reflexão sobre a moral.Em suma, tanto a ética como a
moral ajudam o indivíduo a formar bases sólidas que determinam o caráter, as
virtudes, e a sua forma de ser e agir em sociedade.

2.2 Ética, moral e suas origens

Toda discussão sobre “ética” sempre se inicia pela revisão de suas origens
etimológicas e pela sua distinção com o termo “moral”. Justifica-se a necessidade
de explicitar a origem destes termos, uma vez que é a partir de sua raiz que este
trabalho será construído.
De acordo com o caderno 2 de revisão de filosofia do Ensino Médio, feito pelo
sistema SOMOS de ensino, a origem e definição destes termos se dá por:

Moral (do latim moralis, de mor-, mos: costume) é o conjunto


de valores – que variam de cultura para cultura e mudam com o
tempo – em que se baseiam os princípios e as normas que
garantem o convívio entre as pessoas e, portanto, a sobrevivência
do grupo. Ética (do grego ethiké, ethikos: que se refere aos
costumes) é o ramo da Filosofia que aborda os problemas
fundamentais da moral (significado do bem e do mal, da justiça e
do dever, bem como o sentido e a finalidade da vida). Trata das
regras de conduta permanentes e de validade universal,
buscando definir seus princípios. As duas palavras têm o mesmo
sentido original (ligado aos costumes) tanto no grego quanto no
latim, mas a moral tem um sentido mais prático (relacionado ao
estabelecimento de princípios ou normas), enquanto a Ética tem
um sentido mais teórico. Na linguagem cotidiana, porém, os
termos costumam ser utilizados como sinônimos. (SOMOS
Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 51)

A divergência e confusão entre os termos ética e moral pode ser explicada de


maneira bem-sucedida por Antônio Macena Figueiredo:

As razões dessas divergências encontram-se, sem dúvida, nas


origens das palavras, sobre as quais passaremos em revista, para
depois apresentar alguns conceitos extraídos da literatura
especializada. O que ocorreu? No latim não existia uma
palavra para traduzir o êthos, nem tampouco outra para
representar o sentido do termo éthos,dado na língua grega.
Então, na essência, esta distinção foi perdida. Ambas foram
traduzidas por “mos” ou “mores” (plural de mos, do qual vem
o termo moralis), pois era a palavra que mais se aproximava do
sentido de ethos, que nessa língua pode significar tanto
“costumes” como “caráter” ou gênero de vida. Assim, “em latim,
o “mos” passou a significar tanto o ηθοζ (êthos – morada,
caráter, índole) como εθοζ (éthos – hábitos, costumes) costumes
e hábitos”5. Está aqui a origem de toda a confusão acerca do
conteúdo semântico dos termos e, por conseguinte, a sinonímia
ou distinção dos sentidos que se atribui ao uso das palavras ética
e moral. Entretanto, este não é o único critério para se determinar
o significado das palavras, pois assim como as línguas evoluem
segundo a sua cultura, as palavras podem adquirir significados
distintos de acordo com o sentido em que são empregadas. Além
da dimensão semântica dos vocábulos e das expressões, há
uma dimensão pragmática, visto que uma mesma palavra pode
assumir significados diferentes num determinado contexto
sócio-cultural.(FIGUEIREDO, 2008; p.5)

A respeito deste aspecto, é necessário ater-se ao processo de evolução do


sentido do termo como forma de conhecer não apenas seu significado, mas sim
os vários sentidos em que pode ser utilizado em uma dada cultura. Assim sendo,
questionar acerca do que se deve entender por ética ou moral, considerando
apenas o conteúdo semântico dos termos, não é o único recurso de análise para
se formularem significados ou definições.
Para maior entendimento deste tópico, encontra-se abaixo uma definição de
dois tipos de ética citados na história da filosofia, esta análise foi feita pelo
sistema SOMOS de ensino:

Em linhas gerais, na história da Filosofia, dois grandes sistemas


éticos foram criados. De um lado existe a ética deontológica,
termo criado em 1834 a partir das palavras gregas deon (dever) e
logos (razão). Para essa verdadeira “ciência do dever”, agir
corretamente é um imperativo, ou seja, uma obrigação, não
importando as consequências. Princípios morais como não mentir
e não matar devem ser praticados porque são a única forma de
realizar um princípio metafísico, seja ele Deus ou a ideia de
Justiça. Em outras palavras, os princípios que orientam os atos
são mais importantes que as consequências dos próprios atos.
Em oposição, pode-se falar de uma ética consequencialista,
segundo a qual a única forma de julgar os atos é em função de
suas consequências. O valor das ações é julgado pelos seus
resultados, não devendo existir nenhum fundamento abstrato para
orientá-los. O inglês Jeremy Bentham, expoente do utilitarismo
resumiu a ética consequencialista a partir do seguinte princípio:
Agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de
bem-estar. (SOMOS Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 52)
Em suma, estes conceitos apesar de serem complementares, apresentam
conceitos completamente diferentes, e essenciais para entender o
comportamento do ser humano hodierno.

2.3 Ética na Grécia Antiga

Ao recorrer-se à Grécia antiga, especificamente, ao período áureo (500 – 300


a.C.),vê-se que tanto Platão (427 – 347 a.C.) como Aristóteles (384 – 322 a.C.)
tratavam a questão ética. Este período foi marcado pelo surgimento de muitas
teorias que até hoje servem de inspiração a muitos pensadores pós-modernos.
Vejamos em síntese o pensamento ético de Platão: “ele parte da ideia de que
todos os homens buscam a felicidade (centro das preocupações éticas). [...]. O
ideal buscado pelo homem virtuoso é a imitação ou a assimilação de Deus: aderir
ao divino” (TEIXEIRA, 2014; p.2)

Imagem 3: Escola de Atenas, por Rafael Sanzio. Importantes figuras da história da filosofia e da
ética se encontram nessa imagem, como Aristóteles e Platão.

2.3.1 A Ética segundo Aristóteles

A questão da Ética foi abordada por Aristóteles levando em conta o princípio


segundo o qual todas as coisas têm uma finalidade, seja objeto ou pessoa. Em
sua obra “Ética a Nicômaco” (350 a.C.), ele afirma: “Toda arte e todo método,
assim como toda ação e escolha, parecem tender para um certo bem; por isso se
tem dito, com acerto, que o bem é aquilo para que todas as coisas tendem”.
Imagem 4: Busto de Aristóteles (Foto: National Museum of Rome)

Ao escrever “toda arte e todo método”, Aristóteles refere-se a toda atividade e


todo conhecimento humano. Essa concepção, segundo a qual todas as coisas
têm uma finalidade, é chamada de teleológica e, em Aristóteles, fundamenta-se
na existência de uma natureza imóvel, parte de um universo finito, dentro do qual
todas as coisas tendem para sua realização plena.
Sobre a finalidade do ser humano, SOMOS Sistema de Ensino descreveu a
visão de Aristóteles:

No ser humano, essa finalidade é a felicidade, alcançada pela


prática da virtude. Aristóteles entende a virtude como fruto de um
equilíbrio entre o excesso e a falta, obtido a partir de escolhas
concretas, que resultam em atos reais. Entre a covardia e a
audácia, encontra-se a coragem; entre a arrogância e a
humilhação, a dignidade. Portanto, não existia um Bem supremo
que deveria ser conhecido, mas sim uma série de situações de
vida em que as pessoas praticavam o que poderia ser
considerado o bem ou a virtude, utilizando-se, para isso, do
meio-termo (ou justa medida). Nem todos conseguem atingir
plenamente a virtude, assim como nem todas as coisas da
natureza conseguem atingir sua realização plena. Assim como
existe um olho que enxerga bem (realiza plenamente sua
finalidade), existe o olho que enxerga mal (realiza de forma
imperfeita sua finalidade). O mesmo ocorre com os seres
humanos, que têm diferentes graus de êxito ao atingir seus
fins.(SOMOS Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 52)

De acordo com Aristóteles, existem três tipos de vida: a vida política, que é
exercida pelo cidadão livre e se satisfaz com honra; a vida dos prazeres, que
encontra o bem e a felicidade na satisfação imediata dos desejos; e a vida
contemplativa, fundada na reflexão e na investigação filosófica. O meio-termo,
neste caso, origina-se do reconhecimento de que as três formas de vida visam à
felicidade e devem se integrar, ou seja, a vida contemplativa não é a única
maneira de se atingir a felicidade para Aristóteles. (SOMOS Sistemas de Ensino
S.A., 2016; p. 52)

2.4 Moral e Ética na visão de Kant

Immanuel Kant, em sua obra “Crítica da razão prática” (1788), afirmou que a
existência de Deus, da liberdade e da alma não pode ser comprovada, devido ao
fato que essas coisas não ocorrem no espaço e no tempo, não se submetem à
causalidade. Portanto, a moral cristã fundava-se justamente nesses elementos:
admitindo-se a existência de Deus e de uma alma imortal, mais cedo ou mais
tarde teríamos que prestar contas de nossos atos. Dessa maneira, surgiram
restrições à liberdade de se fazer o que se queria.
Sobre a visão de Kant a partir da ética, o sistema SOMOS de ensino afirma:

Kant propôs um novo princípio ético fundamental: “age de tal


forma que a norma de tua conduta possa ser tomada como lei
universal”. Trata-se do conhecido imperativo categórico kantiano,
que submete toda ação a uma regra moral nascida de um exame
feito pelo sujeito. A moral kantiana está fundada no princípio do
dever: existe um dever universal que se identifica com o
aperfeiçoamento moral do ser humano. Não há perfeição moral
maior do que cumprir o dever, sob a forma do imperativo
categórico.(SOMOS Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 52)
Imagem 5: Immanuel Kant Por J. L. Raab, baseado em pintura de Döbler

Já sobre o ponto de vista de Kant sobre a moralidade, o sistema SOMOS de


ensino explica:
Em Kant, a moralidade não depende nem da vontade de deus
nem da submissão a um objetivo maior (como o bem-estar ou até
mesmo a sobrevivência de uma comunidade). A lei moral é
também a priori, ou seja, não depende de fatores externos a ela.
Nossa vontade gera nossos atos, e esses seguem suas próprias
leis, baseando-se nos princípios da razão prática, que todos nós
possuímos. A busca da felicidade, como finalidade dos atos
humanos, é um equívoco, uma vez que não contempla a essência
do humano, ou seja, a capacidade de decidir seu destino, fazer
suas escolhas a partir de avaliação racional. Nos animais, existe o
instinto, que se manifesta no desejo que, uma vez satisfeito, traz a
felicidade. Já nos homens existe a vontade, que é muito mais que
o simples desejo instintivo. Agir moralmente significa reconhecer
que todo ser humano é um fim em si mesmo, e não um meio que
se usa para se atingir determinada finalidade. Desenvolvendo o
imperativo categórico, Kant escreveu em Fundamentação da
metafísica dos costumes: “Age de tal maneira que uses a
humanidade tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer
outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente
como meio”(SOMOS Sistemas de Ensino S.A., 2016; p. 52)

O propósito que cada pessoa deve buscar são: a perfeição própria e a


felicidade dos outros. Esses objetivos aparecem como um dever que devemos
impor. A perfeição própria é atingida com o desenvolvimento das capacidades
morais, físicas e intelectuais. O desenvolvimento da capacidade de decidir
racionalmente sobre o próprio destino marca, de acordo com Kant, a passagem
da menoridade para a maioridade. A felicidade dos outros depende da aceitação
daquilo que cada indivíduo entende como um direito seu. A partir daí, Kant
fundamenta sua doutrina do Direito: jamais podemos interferir na liberdade alheia.
Em relação ao pensamento de Kant no que concerne a lei interna, o sistema
SOMOS de ensino reflete:

Kant entendia a lei interna como uma lei universal. Ao mesmo


tempo que a lei interna se funda no dever e tem um fundamento
ético, deve existir uma lei externa que lida com a forma como um
indivíduo exerce ou sofre influência do outro. A lei interna
caracteriza o direito natural, baseado em princípios racionais a
priori. A lei externa assume a forma do direito positivo, que inclui a
possibilidade de restrição à liberdade de cada indivíduo para que
se respeite a liberdade de todos.(SOMOS Sistemas de Ensino
S.A., 2016; p. 53)

Aproveitando que a concepção de lei moral como uma lei interna, presente em
todos os seres, Kant afirma em uma de suas mais famosas citações: “Duas
coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente,
quanto mais frequente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas: o céu
estrelado acima de mim e a lei moral em mim” (KANT, 2003; p. 569)

2.5 Ética utilitarista

Sobre a teoria da ética utilitarista, o sistema SOMOS de ensino reflete:

Os ingleses Jeremy Bentham e John Stuart Mill foram os


principais formuladores da ética utilitarista, segundo a qual as
ações devem resultar em um aumento da felicidade, não só para
nós, mas para todas as pessoas da sociedade. Em outras
palavras, as ações são meios para se promover o bem-estar
geral. Nesse sentido, não existe um Bem abstrato que deva ser
respeitado e que sirva para moldar nossos atos. O que é certo
hoje pode ser errado amanhã. Para a ética utilitarista, não há
deveres morais absolutos.(SOMOS Sistemas de Ensino S.A.,
2016; p. 53)

O conceito de ética, aos olhos de Bentham e Stuart Mill é consequencialista,


contrapondo a ética deontológica de Kant. Analisando as divergências entre os
dois sistemas éticos, o jornalista e filósofo Hélio Schwartsman avaliou:

Embora essas duas matrizes sejam em princípio mutuamente


excludentes no plano intelectual, nós, seres humanos, estamos
sempre divididos entre elas. E por boas razões. Levados até o
fim, tanto a ética deontológica quanto o consequencialismo
produzirão paradoxos que não estamos dispostos a aceitar. A
impossibilidade de mentir em qualquer caso preconizada por Kant
me levaria, por exemplo, a admitir a agentes da Gestapo que eu
escondo judeus em meu sótão, delito que me custaria a vida bem
como a dos fugitivos. Já o consequencialismo me obrigaria a
aceitar como válido o ato do médico que mata o sujeito saudável
que entra em seu consultório para, com seus órgãos, salvar a vida
de cinco pacientes que necessitavam de
transplantes.(SCHWARTSMAN, 2009)
2.6 Relação entre ética e prostituição

Para a abordagem deste tópico, usou-se de uma pesquisa feita por Manuel
Carlos Silva, licenciado e doutorado pela Universidade de Amsterdam em
Ciências Sociais,Culturais e Políticas, e Fernando Bessa Ribeiro, professor no
Departamento de Economia, Sociologia e Gestão da Universidade de
Trás-os-Montes e Alto Douro e investigador integrado no Centro Interdisciplinar
de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa; onde os mesmos, através
de uma profunda investigação e trabalho de campo no cenário atual da
prostituição na fronteira do norte de Portugal, construíram uma relação entre a
prostituição, a ética e a bioética.
No que concerne a visão do mundo ocidental sobre a prostituição, Manuel
Carlos Silva e Fernando Bessa Ribeiro comentam:

Tendo em conta esta longa e densa investigação sobre o


trabalho sexual, verifica-se, portanto, que quer determinados
temas como família, gênero e sexualidade, quer outros como a
prostituição e respetivos modelos legais e práticas, têm vindo a
ser objeto de diversas visões e olhares. No entanto, no contexto
ocidental, diante da moral udaico-cristã e dos poderes
conservadores instituídos, têm predominado – em Portugal e em
outros contextos europeus – a visão hegemônica puritana que,
assente fortemente na culpa e no sentimento de pecado, como
refere Michel Foucault (1994), condicionou comportamentos ao
longo de séculos, nomeadamente no sentido de as relações
sexuais serem permitidas apenas no âmbito do casamento, como
mal menor, moralmente justificado pelo propósito maior vinculado
à procriação e reprodução da espécie, mas de modo algum ao
desejo e ao prazer.(SILVA. RIBEIRO. 2015; p.17)

Deste modo, poder-se-á inferir, em função da variabilidade histórica destes


conceitos e desenvolvimentos teóricos, que também as concepções morais sobre
família e gênero, sexualidade e prostituição vão conhecendo novos contornos ou
mesmo mudanças paradigmáticas nas mundividências e posturas éticas.
Focalizando-nos no tema da nossa investigação sobre trabalho sexual, se
práticas que se afastam do modelo de família monogâmica e heterossexual e dos
respectivos e diferenciados papéis masculinos e femininos têm sido objeto de
preconceito e reprovação social, comportamentos ditos desviantes como o
trabalho sexual e suas protagonistas são objeto de rotulagem e desclassificação
social.
Sobre se manter neutro em relação ao tópico da prostituição na atualidade,
Manual Carlos Silva e Fernando Bessa Ribeiro comentam:

Fixando-nos no tema em debate, não é possível uma


neutralidade axiológica quando se joga a identidade sexual e de
gênero (WEEKS, 1986), assim como o afrontamento entre visões
que se opõem diametralmente. Por exemplo, se repararmos no
Catecismo da Igreja Católica atualmente em vigor, aprovado em
1992, as inquietações em relação à sexualidade continuam
presentes, estando tingidas, como assinala Cornejo Espejo (2007,
p.58), pela censura, temor, castidade e coerção em relação à
sexualidade. Tal como refere Silva (2008, p.65), “é tendo em conta
o fundo da doutrina judaico-cristã que é possível compreender
como determinadas condutas são consideradas normais,
aceitáveis, e outras desclassificadas como anormais, desviantes
ou até patológicas. Por outras palavras, para aquém ou para além
da diversidade de correntes teóricas no campo científico e político
e as diferenciadas mundividências nas configurações societais de
um ponto de vista diacrônico e sincrônico, não é possível
encontrar uma ética comum e universal sobre comportamentos
sexuais, quer os socialmente aceitáveis como “normais”, quer os
considerados desviantes como a homossexualidade ou a
prostituição.(SILVA. RIBEIRO. 2015; p.20 e 21)

Manuel Carlos Silva e Fernando Bessa Ribeiro concluíram seu trabalho de


maneira excepcional, trazendo uma ótima reflexão sobre ética, moral e o trabalho
sexual:
Quanto ao tema de envolvimento no debate ético-político sobre
a prostituição feminina, ele confronta-nos com questões teóricas e
metodológicas em relação às quais os cientistas sociais não
podem ficar indiferentes. Tal como referido, não nos furtamos,
enquanto investigadores, ao debate público. Assumimos a
relevância social da luta por uma agenda política emancipatória e
progressista, que considera que a liberdade e a justa aspiração à
felicidade dos seres humanos passam também pelo direito à
fruição de uma sexualidade livre da moral tradicional, patriarcal e
conservadora, quando não hipócrita, se atendermos às formas de
poder masculino sobre as mulheres e seus corpos e às práticas
patriarcais por parte dos próprios arautos da moral oficial, em
desconformidade com submundos invisíveis de suas vidas
privadas. Mais, este engajamento exprime a nossa recusa em
permanecermos indiferentes
aos problemas, sofrimentos e injustiças que afetam, não raro de
uma forma cruel, quem vive do comércio do sexo, os atores
sociais mais frágeis deste complexo campo social. Os cientistas
sociais posicionam-se na defesa histórica das populações
excluídas e subalternas, e pautam-se por metodologias de
investigação que jamais necessitaram da bioética para garantir o
respeito à fragilidade dos atores envolvidos. (Ao contrário, foi esta
que, desde os experimentos “científicos” conduzidos sob o regime
nazista, necessitou e adotou foros de controle externos à
biomedicina, enfeixados, juridicamente, no Código de
Nuremberg).(SILVA. RIBEIRO. 2015; p.23 e 24)
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao decorrer desta monografia, foi possível perceber sociedades em que o


prazer era protagonista na vida das mulheres e foi descrito também um período
de silenciamento da sexualidade feminina, em que o processo de exacerbação do
controle está atrelado ao advento da institucionalização do casamento, e a
subsequente produção de verdades sobre o que deve, e o que pode ser vivido
pelo sujeito feminino. Nesse processo, produzem-se sujeitos, corpos e vivências
lícitas com o intuito de controlar a prática sexual feminina, por meio de uma lógica
maniqueísta de bem e mal, certo e errado, salvação e inferno, sexo e amor. Ao
mesmo tempo em que sente prazer em seu trabalho, não o percebe como
possibilidade inerente, pois ela entra na ordem do discurso familiar, cristão,
médico, midiático, e jurídico que silenciou sua autonomia sexual, oferecendo-lhe
o lugar do objeto.
A prostituição sempre foi um negócio dos homens e do Estado, os quais
mantiveram o controle da situação geradora de recursos econômicos à custa da
exploração das mulheres, seja na figura do proxeneta, nas taxas, leis ou
extorsões que as prostitutas são obrigadas a se submeter. Juntamente com a
violência conjugal, o estupro, e outras tantas formas de dominação masculina, a
prostituição constitui mais uma manifestação da cultura machista, pois, em certa
medida, a sexualidade feminina continua sendo gerenciada pelos homens. Além
disso, a sociedade que cria fiscalizações, sanções e punições às atividades de
prostituição em nome da moralidade e dos bons costumes é a mesma que cria
subterfúgios para manter esses serviços ativos e disponíveis quando a ocasião,
e/ou a necessidade, se apresentar.
Os processos examinados nesse trabalho mostram avanços e obstáculos
enfrentados pelos movimentos sociais de prostitutas do Brasil fora dele, em busca
de garantir cidadania e enfrentar a discriminação contra as pessoas que exercem
a prostituição. Nesses âmbitos, parece haver pelo menos alguns núcleos, dentro
da burocracia estatal, mais receptivos à perspectiva da cidadania, aos direitos
humanos e sexuais.
Durante este documento conseguiu-se alcançar um questionamento
interessante diante da prostituição e ética, pois a imagem da mesma foi
construída em nossas mentes desde sempre, com os ensinamentos passados de
geração a geração (principalmente pensamentos relacionados a religião), que nos
mostraram a diferença entre o bem e o mal, afirmando que só existem estes dois
extremos, e que, a prostituta, é má, e destruidora de famílias; foi possível
enxergar aqui que este julgamento não é tão simples, existem diversos fatores
que influenciam neste ultimato.
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