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DADOS

DE ODINRIGHT
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Tesouros Ocultos
O método judaico do primeiro século para entendimento
das Escrituras

loseph Shulam

AMES 1* Edição - janeiro/2013

Tbdo» « dárHk» «ui ttngos portuguesa rramrados para.

• Copyright 2013 - Aaodaçéo Ministério Ensinando de Siáo PM to Nrttryah


Mbk tnrtnictton Ministry - Jerusalém - Israel Cal» total 2177

CEP 312701310 - Belo Horiaonte/MG

e-mail ilanptwlniBdodwliam.br

TM» OrigtoL Hléáai Ttonrv

• Copyright 2013 Nettvymh BtbW Instnictton Ministry

Origlnalm»1 publicado em Urad por Nctivyih Bible Instruction Ministry

T>tèipirr Marti Ramos

c Itatat H Morais Guimarães r Promove Artes Gráficas

ISBN: S7t-BS>f79S2-18-9 I1 fidlçAo - ptfteüo/3013


Osarifiriyin 1Mo|k MMrub. Hermenêutica. Judaismo Messiânico

BOD IMIMRDMVl

Dedico este livro à Márcia» minha esposa há quarenta anos.

Márcia é minha ajudadora e minha inspiração!

Joseph Shulam

índice
Introdução
Características textuais incomuns como um
catalisador para a midrash
As principais regras judaicas de interpretação das
Escrituras no primeiro século
A questão das mitzvôt (mandamentos)
A halachá judaico-messiânica
Os princípios da educação judaica
Bibliografia selecionada

1
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índice

145

Bibliografia selecionada
Introdução

O Ministério de Instrução Bíblica Netivyah está localizado no centro de


Jerusalém. Um ligeiro olhar pela cidade hoje pode dar a impressão correta de
uma próspera metrópole cosmopolita, repleta de casas com telhados vermelhos e
o indispensável celular para cada pessoa. Porém, olhar para a Jerusalém de hoje
somente seria perder toda a sua história de civilização, conflitos, esperanças,
sonhos, perdas, aspirações e orações que têm sido parte da vida da cidade desde
o início. Jerusalém foi conquistada pelo Rei Davi e transformada na capital
religiosa e política do povo Judeu. Jerusalém é o lar do primeiro Templo
construído pelo Rei Salomão, como também do segundo Templo. Jerusalém foi
destruída por guerras civis, conquistada pelos babilônios, romanos,
cruzados, mulçumanos, britânicos e muitos outros. Ela foi dividida no início do
moderno Estado de Israel e re unida em 1967 Jerusalém é agora uma pulsante e
vibrante metrópole. Ela é o lar de três grandes religiões mundiais e o palco sobre
o qual o Senhor Yeshua mudou e continuará a mudar a história. Nenhuma cidade
no mundo é mais bonita e mais mergulhada em controvérsia do que Jerusalém.
Ignorar as implicações culturais, religiosas, históricas e proféticas de Jerusalém
é perder o coração e a essência da história da salvação.

Semelhantemente, ler a Bíblia e nos contentar somente com o entendimento


teológico cristão tradicional é talvez perder a raiz e a essência da revelação de
Deus nas próprias Escrituras.

A maneira tradicional que os cristãos têm entendido a Bíblia trouxe divisão e


sectarismo ao mundo. Neste livro, Joseph Shulam oferece ao leitor ferramentas
com as quais será possível cavar profundamente nas bases do primeiro século
das Escrituras. Este livro vai permitir ao leitor juntar as camadas e os
significados ocultos contidos nos textos sagrados.

Este livro é dividido em duas partes. A primeira oferece uma introdução básica
sobre os temas de hermenêutica e interpretação bíblica, explicando como a
interpretação judaica nos ajuda a compreender melhor o texto do Novo
Testamento. O livro contém capítulos que explicam os princípios exegéticos do
rabino Hillel, um famoso rabino do primeiro século que era presidente do
Sinédrio. Ele explica também o conceito de midrash e os quatro níveis rabínicos
de interpretação. Este livro irá fornecer ao leitor ferramentas úteis para o estudo
pessoal, trabalhos acadêmicos e exegese bíblica. O leitor encontrará muitos
exemplos de como os autores do Novo Testamento usaram métodos exegéticos
judaicos tradicionais para construir seus argumentos da Torá, dos Profetas e dos
Salmos.

A segunda seção contém artigos sobre questões contemporâneas importantes


para os discípulos de Yeshua. Alguns desses temas abordam como podemos
restaurar uma hermenêutica messiânica autêntica. A solução para
muitos problemas que afligem os teólogos cristãos pode ser encontrada vendo o
Novo Testamento como um livro judaico. O problema de equilibrar a
observância dos mandamentos de Deus com a graça que temos em Yeshua o
Messias, pode ser resolvido lendo-se as cartas de Paulo no contexto de sua base
rabínica judaica. Finalmente, há um capítulo sobre a importância da educação
contínua na vida judaica.

O titulo deste livro vem de Istiis 45-3, que diz: mdar-te-ei os tesouros escondidos
e as riquezas encobertas, para que saibas que eu sou o Senhor, o Deus de Israel,
que te chama pelo teu nome.9

Que você seja enriquecido e fortalecido ao embarcar nesta viagem de


descobertas.

Os Editores

Prefácio
A Bíblia é uma coleção literária antiga. Ela foi escrita durante um período de mil
anos por diversos escritores sob muitas circunstâncias diferentes. Naturalmente,
se um documento tão antigo caísse nas mãos de um leitor moderno, ele
encontraria dificuldade para decifrar, ler ou compreender. Para poder
compreender a Bíblia, a ciência da hermenêutica desenvolveu-se tanto no
cristianismo como no judaísmo. O Novo Testamento foi escrito quase que
exclusivamente por judeus em um contexto histórico judaica refletindo as idéias
e os conceitos do povo judeu durante o primeiro século depois de Yeshua.

Este livro, embora pequeno em volume, é uma coletânea de artigos que lhe
permitirá dar um passo significativo na melhoria de sua compreensão da Bíblia,
dando-lhe ferramentas para compreender melhor a Palavra de Deus da forma
como os próprios escritores pretendiam que fosse compreendida.

De certo moda estes oito capítulos são uma síntese dos ensinos e palestras
ministrados por mim ao longo dos últimos anos. O rabino Paulo afirma, em 2
Timóteo 2:15, que devemos manejar corretamente a palavra da verdade. O
quesignifica isto? Se colocarmos a declaração de Paulo, “manejar corretamente a
palavra da verdade" em termos simples, significa ler a Palavra de Deus sem fazer
dela uma salada. Isto quer dizer que temos que discernir a diferença entre poesia
e narrativas na Bíblia. Ou seja, devemos colocar as coisas em seu contexto
histórico da melhor forma possível, antes de produzir doutrinas que dividam o
corpo de crentes com base em opiniões ignorantes. Isto significa que devemos
discernir entre as coisas que

são eternas e as coisas que são ad-hoc (apenas para uma finalidade específica).

O apóstolo Paulo declara no Novo Testamento: uQual é, pois, a vantagem do


Judeu? Ou qual a utilidade da àrcuncisão? Muita, sob todos os aspectos.
Prinàpalmente porque aos Judeus foram confiados os oráculos de Deus.”
(Romanos 3:1-2). Acredito que compreender o modo pelo qual o povo judeu
interpretava e se relacionava com a Bíblia, assim como o contexto histórico e
cultural no qual ela foi escrita, aumentará sua consciência dos métodos que
foram usados pelos autores das Escrituras.

Muitos de nós temos, literalmente, arriscado nossas vidas por aquilo que está
escrito na Bíblia. Especialmente em Israel, temos sido marginalizados,
rejeitados, perseguidos e difamados. Compete-nos, portanto, verdadeiramente
compreender os preceitos dentro das Escrituras e, naquilo que formos
questionados, devemos dar uma resposta que demonstre a esperança que há em
nós.
O rabino Paulo estudou com o grande professor Gamaliel que era o neto do
famoso HilleL Os primeiros princípios de hermenêutica (interpretação bíblica)
no judaísmo, contidos neste livro, foram codificados pelo rabino HilleL As
regras de interpretação que foram usadas pelos escritores do Novo Testamento
são as mesmas regras que foram usadas por todos os intérpretes judeus da Torá e
dos Profetas. Por essa razão, devemos fazer um esforço especial para entender
essas regras e utilizá-las, a fim de compreender melhor a Palavra de Deus.

A atitude dos rabinos para com a Torá (A Lei de Moisés) e os mandamentos


parece ser sempre questionada por cristãos e judeus. Como parte deste prefácio,
gostaria de apresentar uma midrash interessante que vai levar você ao mundo
dos rabinos e demonstrar

o espírito da Torá e uma forma única de se relacionar com as Escrituras.

O Senhor ponderava como Ele poderia saber qual dos Seus servos O servia por
temor e qual O servia por amor. Ele cnou um método que iria revelar este
conhecimento. Ele construiu um quarto cúbico, quatro por quatro, com apenas
um pequeno olho mágico de quatro por quatro. O Senhor colocou todos os Seus
servos dentro deste quarto. Aqueles servos que O serviam por temor
estavam naquele quarto. Estes diziam: use o Senhor quisesse que saíssemos deste
quarto Ele não o teria construído e nos colocado dentro dele.” Porém, os servos
que amavam o Senhor diziam: “queremos nos libertar deste quarto e juntar-nos
ao Senhor lá fora!” No entanto, o pequeno olho mágico era minúsculo, e eles
teriam que sofrer e perder muito peso para passar no orifício da porta e juntar-se
ao Senhor nos espaços abertos. Eles amavam tanto o Senhor que não poderiam
ficar fechados no quarto, mesmo sabendo que o Senhor o construiu e os colocou
lá. Eles queriam “sair” por força e violência do quarto e juntar-se ao Senhor que
estava sentado no Seu trono nos espaços abertos.1

Esta midrash é muito interessante em muitos aspectos. A primeira verdade


importante é que ela é baseada no texto de Miqoéias 2:12-13: “Certamente, te
ajuntarei todo, 6 fàcó; certamente, congregarei o restante de Israel; pô-los-ei
todos juntos, como ovelhas no apnsca como rebanho no meio do seu pasto;
farão grande ruída por causa da multidão dos homens. Subirá diante deles o
que abre caminha eles romperão, entrarão pela porta e sairão por ela e o seu
Rei ira adiante deles; sim, o SENHOR, à sua frente.” O uso da expressão
“abre caminho” ou “poretz”, em Hebraico (que também significa
“homem violento”), nos leva às palavras de Yeshua no Evangelho de Maferas

11:12: “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus é tomado por
violência, e os que se esforçam se apoderam dele”

O profeta Miquéias diz que Deus colocará Israel no “aprisco de ovelhas.” Então,
aquele que “abre caminho” “romperá” e “o seu Rei irá adiante deles; sim, o
SENHOR, à sua frente” Toda a estória da midrash está aqui nas palavras do
profeta Miquéias. Yeshua captura tal estória, descrevendo a entrada no Reino de
Deus como um ato forçado e violento de sair e entrar no reino onde o Rei está,
fora do aprisco. Ele usa de forma rabínica o texto de Miquéias no âmbito de uma
“parábola”, demonstrando as palavras do profeta em relação ao “Rei e Senhor
que sai à frente” de toda a multidão.

Este texto da Midrash de Tana Debi Eliyahu é uma boa demonstração de dois
grandes temas: 1) Deus não é legalista. Aqueles que O amam são os que querem
estar com Ele nos espaços abertos muito mais do que estar sob a proteção legal
dos limites dos Mandamentos da Torá. 2) É mais importante amar a Deus do
que estar enclausurado pela Halachá (sistema jurídico) da Torá.

O estudo de “como entender e interpretar as Escrituras” é um desafio para todo


estudante das Escrituras. Este livro foi escrito para ajudar o leitor a compreender
e mergulhar no mundo de Yeshua e nos métodos do primeiro século de
compreensão dos oráculos de Deus.

Que Deus possa fortalecer a sua fé, sua compreensão, sua sabedoria e sua
coragem enquanto você se esforça para conhecer o Senhor de maneira mais
profunda e servi-LO em espírito e em verdade.

Joseph Shulam

Pnmeira Pane:
Métodos judaicos para interpretação dos Textos
Sagrados
Capítulo 1

Uma introdução à hermenêutica


A matéria de hermenêutica é muito importante pois determina a forma como
entendemos a Bíblia. Ela poderia ser classificada tanto como uma arte ou como
uma ciência. De qualquer forma, ela se refere aos métodos que usamos
para estudar e compreender um texto. De acordo com o Anchor Bible Dictionary
(Dicionário Bíblico Âncora), a hermenêutica é “a arte de compreender(...). Ela
pode se referir às condições que tornam possível a compreensão e até mesmo ao
processo de compreensão de um texto como um todo.”2

Toda vez que lemos as palavras que alguém escreveu, temos que “traduzi-las”
em nosso próprio cérebro para que possamos compreender o seu sentido.
Qualquer tipo de “tradução” naturalmente também exige interpretação. Assim,
bons métodos de hermenêutica devem permitir-nos compreender o sentido mais
próximo possível da intenção original do autor. Este processo se torna muito
mais difícil com a Bíblia porque temos que tentar discernir as intenções de
ambos os autores, o divino e o humano, no contexto original, aplicando o texto
às nossas vidas e em nosso próprio contexto moderno também.

A maneira como uma pessoa compreende a Bíblia é geralmente muito


influenciada pela sua formação religiosa e cultural. A forma como um judeu
compreende a Bíblia não é a

mesma com que um cristão interpretaria o mesmo texto. Além disso, o período
de tempo no qual as pessoas vivem tem um impacto sobre a sua interpretação da
Palavra de Deus. Mesmo com todas as dificuldades envolvidas na tentativa de
interpretar corretamente partes da Bíblia que às vezes são difíceis de entender,
devemos ser gratos por termos a facilidade de acesso à Palavra escrita de Deus.
Assim, a orientação e a ajuda Dele estarão “na ponta de nossos dedos”
diariamente.
Nos tempos do Antigo Testamento, alguém que queria saber a vontade de Deus
tinha que fazer muito mais do que simplesmente abrir uma Bíblia. Como as
pessoas não tinham os pergaminhos da Torá em suas casas, elas tinham que ir
aos seus profetas e sacerdotes, que eram o meio de comunicação entre Deus e o
povo e o povo e Deus. Elas não tinham acesso ao texto. Ou o profeta lhes dava a
resposta de Deus, ou o sacerdote usava os instrumentos do “urim” e “tumim”
para lhes dizer “sim” ou “não”. Havia também uma maneira de usar o peitoral do
sacerdote com as doze pedras preciosas para obter a resposta de Deus às
perguntas.

Eu moro em uma colina fora de Jerusalém, e logo abaixo da minha casa existe
uma nascente de água natural. Esta é exatamente a mesma fonte de Ramá dos
tempos bíblicos, onde Saul e seus servos foram procurar os seus jumentos
perdidos em 1 Samuel 9. O versículo 6 daquele capítulo diz que após ter
procurado inutilmente por algum tempo, o servo de Saul lhe disse: “Nesta cidade
há um homem de Deus, e ele é muito estimado; tudo quanto ele diz sucede;
vamo-nos, agora, lá; mostrar-nos-á, porventura, o caminho que devemos
seguir.” Este é um exemplo de pessoas indo ao profeta quando precisavam de
ajuda sobrenatural para seus problemas. O Tanách nunca

diz em lugar algum: “quem quiser conhecer a vontade de Deus deve ler um texto
da Bíblia”

Os discípulos de Yeshua são hoje influenciados por uma visão de mundo muito
protestante. Martinho Lutero e a reforma protestante mudaram a maneira de se
entender a comunicação com Deus. Como os fariseus do primeiro século a.C. e
d.C., a reforma protestante realmente se concentrou na comunicação com Deus
através do texto da Palavra de Deus. Isto geralmente não é uma verdade para as
pessoas de crença católica. A principal comunicação nas igrejas
históricas (católica e ortodoxa) entre o povo e Deus é através do sacerdote (ou
padre). Esta posição está mudando e sendo modificada o tempo todo, mesmo na
Igreja católica. O Concilio Vaticano II reverteu a resolução anterior que
recomendava que as pessoas não lessem a Bíblia. Em muitas partes do mundo
católico, no entanto, muitas pessoas ainda dependem de seus sacerdotes para
dizer-lhes a vontade de Deus. Na verdade, a leitura da Palavra de Deus não é
considerada uma forma de discernir a vontade de Deus para o público em geral.
Pode ser uma surpresa para muitos estudantes da Bíblia saber que o primeiro
grupo de pessoas que começaram a estudar o texto das Escrituras para saber a
vontade de Deus foram os fariseus em Jerusalém. Eles causaram uma
revolução na compreensão da vontade de Deus porque disseram que a Bíblia era
para todos e não apenas para os profetas e sacerdotes. O conceito de um
indivíduo ser capaz de ler a Bíblia e descobrir a vontade de Deus analisando o
texto com a sua mente, com lógica e com uma ênfase na gramática e na língua,
foi uma grande e fantástica revolução que os fariseus iniciaram.

Hoje, quase todo mundo tem Bíblias, e a maioria das línguas até têm várias
traduções também. Nos tempos bíblicos, no entanto, as pessoas não tinham os
livros da Bíblia, nem mesmo a Torá. Esta ficava dentro do Templo e somente os
sacerdotes a estudavam. O típico agricultor da Galiléia nunca veria um rolo da
Torá. Apenas os sacerdotes e os membros da escola dos profetas podiam estudar
a Palavra de Deus, e a maioria deles provavelmente nem mesmo tinha o texto
inteiro da Bíblia à sua disposição. Foi somente após a revolta dos Macabeus
contra os gregos e o primeiro Chanukah no século II a.C. que os fariseus tiveram
a idéia revolucionária de que a Bíblia “é para todos!” Mas por que a
interpretação pessoal, o estudo da Bíblia e a formação de midrash tornaram-se
populares exatamente neste período da história? O Dr. Michael Fishbane, da
Universidade de Chicago, explica da seguinte maneira: “O fechamento do cânon
das Escrituras (no início da era comum) muda fundamentalmente as coisas. É
um evento de transformação, pois com este fechamento não pode haver novas
inclusões ou complementações ao texto bíblico de fora(...); o resultado é que o
extenso (mas delimitado) discurso das Escrituras é remodelado como as
multiformes expressões da revelação divina começando com as letras individuais
de suas palavras, e incluindo todas as frases e sentenças das Escrituras. Tudo isso
se torna os constituintes de possibilidade na abertura das Escrituras a partir dela
própria ”3

Desde o século III a.C. existe uma tradição de interpretação bíblica. Todo mundo
tem uma tradição para entender a Bíblia, quer tenha aprendido formalmente de
um professor

ou não. Esta rica tradição de interpretação pode ser muito útil quando nos
deparamos com um texto difícil, mas também pode fechar a mente de uma
pessoa para a possibilidade de uma interpretação alternativa que ela
simplesmente nunca ouviu antes.

O método PaRDêS

Não importa quais são as origens de um texto, cada um deles tem muitas opções
de interpretação. Por exemplo, quando a maioria das pessoas lê um jornal, elas
entendem o seu sentido simples. A maioria das pessoas não tenta ler as
entrelinhas de uma simples notícia. Por outro lado, qualquer pessoa que conheça
os escritores pessoalmente ou que tenha vivenciado os acontecimentos por trás
da notícia escrita, entende o que não está dito no texto. Ela pode entender o que
está apenas insinuado no texto. Cada texto tem o sentido claro e o sentido oculto
e insinuado, que às vezes só pode ser discernido nas entrelinhas. Os advogados
são peritos nesta área. Eles vêem o sentido oculto que a pessoa comum (que não
entende os textos legais) não pode perceber à primeira vista. As pessoas comuns
têm que se concentrar e ler os textos muitas vezes para compreender sas
nuances. Cada texto tem o sentido claro e óbvio, como também o sentido oculto
e insinuado.

Alguns textos possuem até mesmo mensagens secretas embutidas neles. Um de


meus primos era advogado na Bulgária. Embora eu estivesse sem me contatar
com ele por quatro ou cinco anos, uma noite recebi um telefonema dele
diretamente da Bulgária. Ele disse: “Eu faço aniversário em breve e gostaria que
você me comprasse um presente. Você pode comprar um avião de plástico ou um
barco de plástico.” Tenho certeza de

que a antiga KGB o estava escutando, e ele também sabia disso! Imediatamente
entendi o que ele quis dizer, então perguntei se ele queria celebrar o seu
aniversário em um restaurante Italiano ou Grego. Visto que eu o conhecia e sabia
quando era o seu verdadeiro aniversário, entendi o que ele quis dizer
nesta conversa. Ele estava me dizendo que queria sair da Bulgária, então o
perguntei se ele queria fugir pela Itália ou Grécia. A conversa toda foi
codificada, por isso quem não o conhecia pessoalmente não poderia ter
entendido o que estávamos falando.
Até agora examinamos três métodos de interpretação. Um método estuda o texto
bíblico usando o sentido gramatical básico das palavras. Este método é chamado
p'shat> que significa “simples” ou “literal”. Em segundo lugar, há o sentido em
que os textos fazem alusão a algo, embora não esteja declarado obviamente. Este
método indireto é chamado rêmez, em hebraico. Em terceiro lugar, pode também
haver um sentido secreto que somente os iniciados podem compreender. O
hebraico refere-se a este sentido como sód, que significa “segredo.” Há também
um quarto tipo de compreensão chamado drash, que quer dizer “associação.” O
drash leva em consideração não apenas o que está escrito, mas também o que é
lembrado pelo leitor quando o texto é lido. O método drash examina não
somente o texto principal que está sendo estudado ou interpretado, mas também
quaisquer outros textos sagrados que são associados ao texto principal.
Quando se associa estes textos, pode-se aprender algo que não se entendeu
anteriormente. O drash é o método mais difícil de ser conceituado, uma vez que
requer a compreensão da conexão entre os textos.

Eis uma ilustração deste quarto método. Quando Yeshua nasceu em Belém, e
Herodes ouviu a notícia, ele queria eliminar a possibilidade de qualquer outro rei
reinar em Israel. Portanto, ele ordenou que todos os bebês até dois anos de idade
fossem mortos em Belém. Um anjo apareceu a José em um sonho e o advertiu
sobre este perigo, então José e Maria tomaram Yeshua e fugiram para o Egito.
Alguns anos mais tarde um anjo lhes disse que Herodes havia morrido e que eles
deveriam voltar para Israel. Quando Mateus descreve este evento, ele diz
que isso aconteceu para cumprir um texto em Oséias que diz: “Do Egito chamei
o meu filho!' Muitos intérpretes têm problemas com esta citação porque o texto
original em Oséias 11:1 não tem absolutamente nada a ver com Yeshua. Na
verdade, o texto tem um contexto muito negativo quando ele é usado em Oséias.
O que acontece é que Yeshua foi chamado do Egito e os filhos de Israel, que
também são referidos como “filhos de Deus”, foram chamados do Egito
também. Mateus associou um acontecimento com as palavras de outro texto, que
referia-se a um texto anterior, fazendo uma midrash (lógica
associativa). Relacionar a expressão “saindo do Egito” com o texto em Oséias
que tem as mesmas palavras, foi útil para conectar os dois acontecimentos
históricos e mostrar seus paralelos.

Um teste psicológico comum é dar palavras aos pacientes e perguntá-los o que


eles associam a estas palavras. Eles testam as associações que as pessoas fazem
com diferentes emoções. Todos usam lógica associativa porque
desencadeadores diferentes causam associações diferentes em cada mente. A
mesma coisa acontece com os textos. Cada texto bíblico contém certos
elementos que desencadeiam associações em nós. Por exemplo, quando eu leio a
respeito de Elias, o profeta,

comendo gafanhotos, imediatamente me lembro de todos os momentos


maravilhosos que tive quando comia gafanhotos. É uma saborosa comida kashêr
(permitida ao judeu) e me lembra certos acontecimentos em minha vida. Quando
leio sobre a circuncisão de João Batista, me lembro de quando circuncidei meu
filho. Entretanto, não há apenas associações experienciais. Há também
associações textuais, em que uma palavra em um texto lembra o leitor de outro
texto.

Portanto, existem quatro níveis básicos de hermenêutica judaica, os quais juntos


são chamados de “PaRDêS” - diid (pomar, em hebraico). O “P” é de pshaty o
“R” é de rêmez, “D” é de drash, e “S” é de sôd. Este termo é a base da
hermenêutica judaica. Todo texto, seja em jornais, romances ou na Bíblia,
é composto por esses elementos.

Associação e interpretação alegórica


Os seminários cristãos normalmente ensinam apenas a hermenêutica protestante,
que se concentra exclusivamente no entendimento mais literal e simples do
texto. Às vezes, eles também usam um método grego, no qual eles espiritualizam
o texto e fazem dele uma alegoria. Ao fazê-lo, o texto perde a sua importância
histórica e seu significado e se torna um copo vazio para ser preenchido com o
que o professor/intérprete quiser. Nesse ponto, o texto se torna uma homilia de
associações que são totalmente externas ao texto.

Por exemplo, quando os judeus falam de “atravessar o rio Jordão,” isto


simplesmente significa que nós realmente atravessamos um rio físico de um lado
para o outro, como nos dias de Josué, filho Nun. Esta expressão relaciona-se à
entrada dos filhos de Israel na Terra Prometida. Por outro lado, muitos
cristãos cantam sobre o cruzar o Jordão e “ir para a Terra Prometida” como uma
metáfora para a morte. Esta associação não vem da Bíblia, mas de uma mitologia
grega pagã que diz que uma pessoa morta tem que atravessar o rio Estige e
“chegar ao outro lado” Associando o texto bíblico com um mito pagão externo,
eles fizeram uma alegoria associativa que nada tem a ver com a travessia do rio
Jordão.

Uma vez, quando eu estava no ensino médio nos Estados Unidos, um professor
perguntou aos alunos na capela: “O que Jesus significa para vocês?” Foi uma
pergunta muito boa, e diferentes alunos deram respostas diferentes. Um
aluno levantou sua mão e disse: “Jesus significa para mim o meu cachorro
Rover!” Todos começaram a rir! No entanto, anos mais tarde quando pensei
sobre este acontecimento, entendi que o aluno foi muito sincero. Ele amava seu
cachorro, e o cachorro o consolava. Quando ele pensou em Yeshua e
como Yeshua o consola ou se relaciona com ele, ele associou
esse relacionamento com o que ele tinha com seu amado cão Rover. Aquela foi a
sua associação pessoal e particular, e nada há de errado com isso.

O problema surge quando as pessoas começam a associar sem regras, pois isso
pode se transformar em um exercício sem limites. A idéia de associação, a
drashy tem que ter regras e razões. Não se pode sair por aí tirando as coisas de
seus contextos para fazer um texto dizer o que se quer.

Há alguns anos eu ministrei em uma igreja. Depois da palestra, juntamente com


os presbíteros, fomos tomar café na casa do pastor. Fiquei bastante chocado
quando um dos presbíteros disse: “estou tão feliz que Israel é a esposa de Deus e
a Igreja é a esposa de Yeshua!”

Eu não sabia como responder! Então eu disse: “Essa é uma idéia interessante,
mas isto significa que não podemos ser irmãos! Nós dois cremos em Yeshua,
mas se temos mães e pais diferentes, podemos apenas ser primos.”

Então ele abriu sua Bíblia e, lendo um texto do livro de Levítico, disse: “Veja
aqui, havia dois bolos de cevada ungidos com óleo oferecidos no dia de Shabat.
Um é Israel e o outro é a Igreja.”
Eu perguntei: “Como você tirou isso deste texto? Onde diz que um bolo é Israel,
e outro é a Igreja?”

O ancião calmamente respondeu: “Somente as pessoas espirituais podem


compreender as coisas espirituais.”

Este tipo de problema acontece o tempo todo, e as pessoas querem falar sobre o
“sentido espiritual” do texto. Na verdade, usar os níveis de PaRDêS pode levar a
boas conclusões e interpretações “espirituais,” mas elas têm que fazer
sentido com o significado literal também. Existem quatro tipos de compreensão,
mas eles não podem ser aplicados freneticamente ou sem regras.

A mentalidade judaica do Novo Testamento

Em Romanos 3:1-2, Paulo pergunta: “Qual é, pois, a vantagem do Judeu? Ou


qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos. Principalmente
porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus.” Mesmo hoje as
Escrituras pertencem a Israel porque tanto o Antigo como o Novo Testamento
são textos judaicos. Se o Espírito Santo, falando através de Paulo, diz: “Deus deu
a eles os textos,” é tempo da Igreja aprender as Escrituras sob a ótica do povo
judeu, através do contexto histórico no qual as Escrituras foram criadas e

em sua língua original. A linguagem do Novo Testamento é judaica! Quando o


povo grego lê os Evangelhos, eles acham que os mesmos foram escritos em um
grego horrível. Muito do grego koiné do Novo Testamento contém expressões
hebraicas que simplesmente foram escritas na língua grega. É a linguagem grega
com uma mente hebraica.

Existem frases nos Evangelhos que não fazem sentido em grego porque elas
procedem do Hebraico. Lucas 9:51 diz, por exemplo, que Yeshua “ajustou seu
rosto para ir a Jerusalém” (tradução literal do grego original). Esta não é de
forma alguma uma expressão grega, e uma pessoa de língua grega
poderia perder totalmente o significado, uma vez que em grego isso literalmente
diz: “Ele tomou o seu rosto e virou-o em direção a Jerusalém.” Soa como se
Yeshua torcesse o seu pescoço e virasse o rosto para Jerusalém, para que pudesse
olhar naquela direção. Esta expressão é na verdade o que chamamos
de “hebraísmo”, e simplesmente significa que Ele começou a ir em direção a
Jerusalém. Somente aplicando uma hermenêutica judaica a estes textos judaicos
é possível explicar alguns de seus problemas textuais.

Inspiração e Escritura

O conceito que será abordado agora é um dos mais complicados e controversos.


Vamos estudar sobre o conceito de “inspiração.” 1 Timóteo 3:16 diz sem
hesitação: “Toda escritura é inspirada por Deus...” Claramente o texto é
inspirado, mas devemos nos perguntar: “o que significa ‘inspirado’ e como
foi ‘inspirado’?”

A visão fundamentalista tradicional, tanto no judaísmo como no cristianismo, é


que Deus ditou o texto aos escritores.

Esta visão de inspiração altamente conservadora diz que toda palavra na Bíblia
vem de Deus. Isto cria um problema porque os manuscritos originais não
existem mais. Ninguém que está vivo hoje viu o texto que Moisés escreveu ou
qualquer coisa com a letra original de Isaías ou a carta original de Paulo aos
coríntios. Aqueles que crêem na teoria do ditado têm que acreditar que o texto
inspirado final é o “autógrafo original” que os escritores receberam de Deus. O
problema é que nenhum dos textos antigos foi escrito em inglês, alemão ou
português. Assim, a Bíblia que a maioria das pessoas lê em sua língua nativa
não pode ser “inspirada”, de acordo com esse entendimento. Como a maioria das
línguas tem várias traduções da Bíblia, qual delas foi inspirada por Deus? Isso
cria uma dificuldade.

Em outras palavras, toda a “teoria do ditado” é problemática porque ninguém


possui os pergaminhos, lápides ou papiros originais. Ninguém os tem; ninguém
os viu. Não há com o quê compará-los.

O que realmente aconteceu na escrita da Bíblia foi algo completamente


diferente. O que temos hoje é um registro dos acontecimentos inspirados. Havia
testemunhas oculares confiáveis que viram o que aconteceu e relataram tudo.
Em 2 Pedro 1:16-18 diz: “Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda
de nosso Senhor Yeshua o Messias seguindo fábulas engenhosamente
inventadas, mas nós mesmosfomos testemunhas oculares da Sua majestade(...).
Ora, esta voz, vinda do céu, nós a ouvimos quando estávamos com ele no monte
santo.,y

A Bíblia é um registro inspirado por várias razões. Em primeiro lugar, os


próprios acontecimentos foram inspirados por Deus. Eles são o registro das
obras que Deus realizou entre os homens. Deus realizou essas obras, e os
homens

as testemunharam. Então aqueles homens as escreveram corretamente, de acordo


com o que eles viram e o que vivenciaram. Quando eles as escreveram, o
Espírito Santo deu-lhes o “selo de aprovação” por assim dizer, permitindo à
Igreja confirmar e usar estes registros como autênticos. Em minha opinião, é
assim que funciona a inspiração.

Isto é importante porque não podemos ignorar o fato de que há uma série de
problemas nos textos bíblicos. A Bíblia contém quatro evangelhos, então é
importante questionarmos o por quê. Um Evangelho seria suficiente, porém, três
deles são sinópticos (o que significa que contam basicamente a mesma estória).
Todavia, estes três evangelhos sinópticos às vezes diferem um do outro nos
detalhes que contam e nas palavras que usam. Cada um deles conta a estória do
seu próprio ângulo. Para aumentar a confusão, o Evangelho de João tem todos
os relatos em uma ordem completamente diferente e com uma ênfase totalmente
diferente. Se eles foram ditados por Deus, então Deus deveria ter ditado uma
estória simples e verdadeira, e não causado toda esta confusão.

A visão fundamentalista de inspiração simplesmente não é lógica. É muito mais


lógico acreditar que a Bíblia é um registro de acontecimentos inspirados por
Deus que foram registrados por homens honestos, verdadeiros e inspirados. Esta
é uma abordagem muito diferente. O Deus de Israel opera na história entre os
seres humanos e ajudou a serem registrados aqueles acontecimentos para a
posteridade. Visto que Ele operou através de seres humanos, cada pessoa pode,
no entanto, testemunhar e registrar o mesmo evento de uma maneira diferente.
Quando alguém relata um caso, ele o interpreta a partir do seu ponto de vista.
Eu sei como isso funciona pelo meu relacionamento com minha esposa. Nós
podemos ir aos mesmos lugares e ter a mesma experiência. Podemos comer no
mesmo restaurante e falar com as mesmas pessoas. Mas quando ela conta
sobre tais eventos, soa completamente diferente de quando eu conto. Além disso,
quando eu conto ela sempre me corrige, pois somos pessoas diferentes. Cada um
de nós traz sua própria bagagem para aquele evento, e aspectos diferentes do que
aconteceu lá sào mais importantes para mim do que os pontos que se destacaram
para ela.

Esta é a razão pela qual existem quatro evangelhos no Novo Testamento. O


“problema sinóptico” não existe apenas no Novo Testamento. O Tanách também
contém vários livros sinópticos. Por exemplo, os livros de Êxodo, Levítico e
Números são sinópticos com o livro de Deuteronômio. Os livros de Samuel
e Reis são paralelos aos livros de Crônicas. Isaías capítulos 6-37 são paralelos a
II Reis do capítulo 8 até o fim. Existem muitos outros exemplos de relatos
sinópticos na Bíblia. Este princípio não se aplica apenas aos livros históricos,
mas também às visões e sonhos que os profetas tiveram. Quando um profeta diz:
“Eu tive uma visão na qual o Senhor me disse...” eu aceito que sua citação do
Senhor na visão se refere a um ditado. No entanto, às vezes, mesmo casos como
esse podem ser transmitidos como textos sinópticos. Por exemplo, Isaías 2 é
paralelo a Miquéias 4, mas ainda há algumas diferenças. Deus falou com Isaías e
com Miquéias. Quase todas as palavras nestes textos são as mesmas.

Um exemplo particularmente interessante de textos sinópticos vem de um texto


onde Deus falou e todo mundo ouviu. Todo o povo de Israel ouviu os Dez
Mandamentos. Deus falou com eles do monte e todos escutaram. Ainda

assim, existem dois registros sinópticos dos Dez Mandamentos na Torá, um em


Êxodo 20 e outro em Deuteronômio 5. A ilustração clássica é sobre o
mandamento concernente ao Shabat, o qual aparece em Êxodo 20:8 e em
Deuteronômio 5:12. Em Êxodo diz: “Lembra-te do sábado, para o
santificar,” enquanto em Deuteronômio diz: “Guarde o sábado, para
o santificar.” Lembrar não é o mesmo que guardar! Então, o que Deus realmente
disse? Este é o texto mais “ditado” de todos os textos na Bíblia. Ele começa com
as palavras: “Estas são as palavras que Deus falou! Alguns diriam que pode ser
que Moisés envelheceu um pouco e esqueceu exatamente o que Deus
disse, enquanto outros diriam que uma pessoa totalmente diferente, em um
período bem posterior, escreveu Deuteronômio. Uma tradicional solução judaica
para este problema é dizer que Deus milagrosamente disse “lembre” e “guarde”
exatamente ao mesmo tempo, o que é a razão para se acender duas velas no Érev
Shabat, uma para “lembrar” e outra para “guardar.”

Se alguém continua a examinar ambos os textos, verá que o mandamento do


Shabat no livro de Deuteronômio é mais longo do que no livro de Êxodo. Além
disso, as razões para guardar o Shabat são diferentes. Deuteronômio diz que a
razão para guardar o Shabat é porque os Israelitas foram escravos no Egito, mas
Êxodo de modo algum diz isto. O que Deus realmente disse?

Mesmo que uma pessoa não consiga resolver essas questões, não se pode negar
que estes são graves problemas. Nós baseamos nossa vida no que está escrito na
Bíblia. As pessoas querem me matar em Israel por causa do que está escrito
na Bíblia! Tenho sofrido muito porque eu acredito que Yeshua é o Messias por
causa do que está escrito na Bíblia! Muitos dias

e horas de nossas vidas são gastos em estudo, ensino, louvor, canções e orações
por causa disso. Portanto, temos que levar a Bíblia muito a sério.

Esses tipos de problemas provam que a inspiração não é um “ditado”, mas sim,
um registro. Deus não usou os profetas como robôs ou máquinas de escrever.
Quando Deus falou, eles repetiram o que Ele disse dentro do caráter
individual do profeta, de acordo com seus estilos próprios e pontos de vista.
Deus expressou Seus sentimentos e a Bíblia é a expressão correta desses
sentimentos e opiniões. Esta é uma das diferenças entre as definições e visões
gregas e do Oriente Médio sobre a “verdade”. Na visão ocidental ou grega, a
verdade corresponde apenas aos fatos, mas na definição bíblica e do
Oriente Médio, a verdade não inclui somente os fatos, mas também
os sentimentos. Os sentimentos são tão verdade quanto os fatos. Eis aqui uma
demonstração:

“Há duas semanas eu tive um acidente de carro exatamente às 13:25h. Eu estava


dirigindo meu carro, descendo a rua Gaza, em Jerusalém. Quando parei no sinal
vermelho para virar à esquerda, um carro veio do outro lado em minha direção a
80 quilômetros por hora. Ele bateu na parte de trás do meu carro e quebrou o
eixo traseiro. Havia duas crianças no carro e um amigo americano sentado ao
meu lado. O carro rodou e parou no meio da rua”

Bem, isto realmente aconteceu e esses são os fatos. É assim que foi registrado
para o relatório de seguros, mas não era toda a verdade. Este relatório não diz
como eu me senti ou que emoções experimentei durante aquele acontecimento.
Se eu contasse a mesma estória como um típico judeu israelense, soaria assim:

“Eu estava dirigindo tranquilamente, levando algumas crianças de volta da


congregação para as suas casas. Eu estava cuidando da minha própria vida. Parei
no sinal vermelho. Quando o semáforo ficou verde, comecei a dirigir em
direção à casa de meus amigos. De repente, como um demônio, um diabo, esse
cara disparou em minha direção, vindo do outro lado. Ele não olhou ou viu coisa
alguma! Ele não se importou se morreríamos! Ele veio direto pra cima do meu
carro! O carro virou, e eu não sabia se estava indo para a direita ou para
a esquerda porque ele veio para cima de mim inesperadamente. O próprio diabo
me atacou!”

Esta é a mesma estória, exceto que na primeira versão eu usei o modelo de um


engenheiro suíço, e na segunda, fui um típico judeu do Oriente Médio. Qual
deles foi mais verdadeiro?

Os fatos são verdadeiros, mas há mais do que fatos no texto bíblico. A palavra de
Deus deve evocar sentimentos em nós. Para isso, às vezes ela usa técnicas
diferentes. A linguagem do Oriente Médio às vezes soa como um exagero. “Toda
a Galiléia veio para ouvi-Lo” não é rigorosamente verdade; é um
exagero. Provavelmente houve pelo menos uma avó idosa que não veio para
ouvi-Lo. Se houve pelo menos uma pessoa que não veio, então não foi toda a
Galiléia que veio para ouvir Yeshua. A Bíblia é um documento judaico do
Oriente Médio. Portanto, deve ser compreendida nesses termos. “Toda” não
significa sempre “cada pessoa”, mas sim, uma maioria representativa. Há muitos
destes exemplos e isso se tornará mais claro posteriormente em nosso estudo.

Mais uma vez, a definição de “inspiração”, segundo o entendimento judaico, é


"o registro dos acontecimentos inspirados de Deus, registrados por homens
inspirados” Isto

ajuda no confronto com um problema textual porque significa que cada pequena
questão não deve abalar uma pessoa e fazê-la perder sua fé.

Um dos melhores exemplos nas Escrituras foi o discurso de Estevão. Ele era um
homem inspirado que estava perto de Deus. Ele era um servo de Deus e um dos
diáconos que foi nomeado para alimentar os órfãos e viúvas judias
gregas. Apesar de ser um homem cheio do Espírito Santo, ele cometeu erros. Por
exemplo, em seu discurso de Atos 7:16, ele disse que Abraão comprou uma
caverna para enterrar seu morto em Siquém. No entanto, o texto de Gênesis diz
claramente que Abraão comprou uma caverna em Hebrom, não em Siquém, e
eles não são o mesmo lugar. Então, este texto é inspirado ou não? Sim, ele foi
inspirado! Registrou-se as palavras de Estevão. O Espírito Santo registrou o que
ele disse através dos ouvidos daqueles que o ouviram, e estes registraram a
verdade. Estevão cometeu um erro, mas o registro é verdadeiro. Este é um
ponto muito importante.

Atos 7:14 registra outro erro cometido por Estevão em seu discurso. Ele disse
que 75 almas desceram ao Egito, mas Êxodo 1:5 diz que 70 pessoas foram para o
Egito. Isso é o que Estevão realmente disse, e alguém inspirado registrou
fielmente suas palavras. O que é inspirado aqui é o registro do discurso
de Estevão e como ele o declarou.

Quando os Evangelhos ou os livros de Crônicas e Reis registram dois relatos


diferentes do mesmo evento, não se deve pressupor que haverá “problema
sinóptico.” Pessoas diferentes escreveram sobre o que viram e ouviram de seus
diferentes pontos de vista, o que é um fenômeno humano perfeitamente natural.
O propósito de Deus ao permitir que ambos os textos

existam é ensinar coisas que não estão escritas no pshat, utilizando para isso a
comparação dos dois textos, o método drash. Associar os textos permite uma
compreensão de algo novo que não está explicitamente escrito em qualquer
um deles. Juntar todos esses elementos é como tomar a farinha, água, ovos e
manteiga e juntá-los para fazer um bolo. Embora todos esses ingredientes
possam ser comidos separadamente, eles não terão um sabor tão bom quanto o
de um bolo. Usar somente o pshat é como comer a manteiga por si só, mas Deus
permitiu que todos os textos sinópticos e os problemas encontrados neles
existissem para que o leitor pudesse fazer um “bolo interpretativo” muito
saboroso, juntando todos os “ingredientes”.

1
Tana Debi Eliayahu, Ish Shalom Edition. p. 82.

2
Lategan, Bernard C. “Hermeneutics.” ABD. Vol. 3. London: Doubleday, 1992, p. 155.

3
Fishbane, Michael. “A Midrash e o Significado da Escritura.” A Interpretação da Bíblia: Simpósio
Internacional na Eslovênia. Ed. Joe Krasovec. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998, p.552.
Características textuais incomuns como um
catalisador para a midrash

Uma questão inevitável quando se discute os relatos sinópticos é o problema de


“erros” aparentes e características estranhas no texto. Mas todos eles têm uma
razão para estarem lá. Números 10:35 registra as palavras que os
Israelitas costumavam dizer sempre que a Arca da Aliança iria viajar. Hoje,
judeus de todo o mundo dizem essas mesmas palavras sempre que o rolo da Torá
é retirado da arca nas sinagogas para ser lido publicamente. “Levante-Te, Senhor,
e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de Ti os que Te odeiam ” O
que é incomum sobre este versículo só pode ser notado examinando-se o texto
no hebraico original.

Quando alguém lê esse versículo ou em uma Bíblia hebraica ou em um rolo da


Torá, uma característica se destaca imediatamente. O texto contém duas letras
nun (3) invertidas,

as quais sâo maiores do que todas as outras letras. Estes nuns emolduram o
versículo, mas não estão associados a qualquer palavra. Obviamente, surgem as
perguntas: como se poderia traduzir esse estranho fenômeno e por que ele está
ali?

ftHH \T] * ** navn pj t

Ti* i nop ntfb

nír* tom' nhiai * :í|’íbd ípjotwa ' " t rrtaan


r TI • r : - v -I r

Texto de Nm 10:35 em Hebraico.

Nota-se, no i ício e ao término do verso, a letra “nun” invertida.


Qualquer pessoa diria que isto é um erro porque é o que parece à primeira vista.
Por outro lado, um rabino que vê a mesma característica diria: “O que Deus quer
nos ensinar com esta coisa estranha? Tudo tem uma razão.” Os escribas
copiaram esse texto à mão por milhares de anos com esses nuns invertidos e não
“corrigiram o erro”, uma vez que a existência desses nuns é simplesmente um
convite para uma midrash. Para um rabino, qualquer “problema” textual é um
convite para uma midrash.

Esses tipos de oportunidades midrásticas são tomadas também pelos escritores


do Novo Testamento quando eles estão interagindo com os textos da Torá. Em
Hebreus 11:4 diz: “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do
que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus
quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda
fala!’ Como é que o escritor de Hebreus sabia disso? Vejamos Gênesis 4:8: “E
Caim conversou com seu irmão Abel; e aconteceu, quando eles estavam no
campo, que se levantou Caim contra Abel, seu irmão, e o matou!'
(tradução literal do texto no hebraico original). Este versículo, da forma

como está no texto massorético, mostra que faltou alguma coisa, pois não há o
registro do que Caim disse a Abel. Essa informação em falta é um convite para
uma midrash, e levou muitos diferentes comentaristas judeus a especular sobre o
que foi a conversa entre eles.

Filo de Alexandria disse que eles tiveram uma discussão filosófica, e outros
intérpretes judeus disseram que eles discutiram sobre a quem pertenciam a terra
e o ar. Outra interpretação rabínica diz que Caim e Abel discutiram sobre qual
sacrifício seria o melhor, o que parece ser a visão que o autor de Hebreus traz.

Há problemas mecânicos com as letras do texto que parecem saltar para fora e
dizer: “explique-me!”. Se há pontos incomuns sobre as letras ou letras que são
impressas maiores do que outras, um bom rabino diz que não é um erro, mas sim
uma parte da inspiração do texto. Deus deu estas tradições como símbolos para
que pudéssemos pensar profundamente sobre o que Ele realmente está nos
dizendo. Estas são as características que fazem uma midrash acontecer.

Outra anormalidade textual interessante ocorre em Isaías 9:6-7, na famosa


passagem sobre o nascimento do Messias. Ela diz: “Porque um menino nos
nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus ombros; e o seu nome
será:'Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da
Paz; para que se aumente o seu governo, e venha paz sem fim sobre o trono de
Davi e sobre o seu reino, para o estabelecer e o firmar mediante o juízo e a
justiça, desde agora e para sempre. O zelo do SENHOR dos Exércitos fará isto.”

O que é estranho em Isaías 9 é que a palavra ‘Tmarbeh” nD"\cb (para o


aumento) contém um mem final (c), embora o mem

ocorra no meio da palavra e não no fim.1 Para descobrir porque há um mem final
ou fechado nesta palavra, os rabinos tentaram examinar o contexto da passagem,
que está claramente falando sobre O Messias e a redenção. O Radak (Rabino
David Kimchi) escreveu comparando este mem fechado no meio da palavra com
um lugar em Neemias 2:13 onde há um mem aberto no final de uma palavra na
passagem sobre os muros de Jerusalém sendo derrubados. Ele disse: “Lamarbeh
há-misrah- Para o aumento do seu poder: o mem está escrito fechado,
embora deva ser lido como um mem aberto. O oposto acontece em Neemias no
mem de lahem prutzimy (eles foram derrubados), no qual o mem no final da
palavra está escrito aberto. Há uma drash nesta questão que quando os muros de
Jerusalém, que permaneceram derrubados durante todo o tempo do exílio, forem
reerguidos, então, no tempo da salvação, os lugares derrubados serão reerguidos
e o poder que tinha sido fechado será aberto para o Rei Messias.”2

A explicação rabínica para este mem fechado no meio de uma palavra, o qual
ocorre somente uma vez em toda a Bíblia, ensina que em vez de um erro de
impressão, este texto acaba por conter uma midrash. Na verdade, são
os “problemas” do texto que motivam a midrash a acontecer. Na visão judaica de
inspiração, Deus usa continuamente a Bíblia com todas as suas anormalidades
para nos fazer entender a Sua revelação.

Famílias de textos

Uma causa potencial para algumas dessas “confusões” é a existência de famílias


de textos. Os textos foram copiados à mâo por centenas de anos, e cada família
textual tinha tradições um pouco diferentes para o modo de copiar o texto. O
pequeno tratado talmúdico Soferim 37b conta uma história sobre a descoberta,
no Templo, de três pergaminhos da Torá com leituras diferentes. Vejamos o
relato do que os sábios fizeram com aquelas leituras: “Três pergaminhos da
Torá foram encontrados no pátio do Templo: O pergaminho Maon, o pergaminho
Zaatutey, e o pergaminho Hu. Em um deles foi encontrada a expressão 'maon, e
nos outros dois estava escrito, ‘o Deus Eterno é meonah (lugar de habitação)’,
então eles adotaram a leitura dos dois pergaminhos e descartaram o outro. Em
outro dos pergaminhos, eles encontraram escrito: ‘E ele enviou os zaatutey
(nobres) dos filhos de Israel’, e nos outros dois acharam escrito ‘e ele enviou
naarey (os jovens dos) filhos de Israel’, então eles conservaram a leitura de
dois e abandonaram aquela do outro. Em um dos rolos, ‘hu’ (ele) estava escrito
onze vezes, mas nos outros dois, ‘hi’ (ela) estava escrito onze vezes, então eles
adotaram a leitura dos dois e descartaram aquela do outro.”3 Embora todas essas
diferenças textuais fossem menores, os sábios ainda tiveram que decidir quais
rolos tinham a leitura “correta” e “oficial”.

Em alguns casos, os escribas encontravam uma palavra diferente e escreviam-na


à margem, ou ainda, quando o escriba errava a grafia de uma palavra ele a
escrevia à margem ou num minúsculo espaço entre as linhas do texto. Então,
quando

outro escriba estava copiando aquele pergaminho centenas de anos mais tarde,
ele tinha que decidir se colocava aquelas palavras de volta no texto onde ele
achava que elas deveriam estar ou se as mantinha nas margens. Qualquer um que
olhar as cópias originais dos manuscritos do Mar Morto pode ver que este
problema aconteceu com muita frequência. Os textos dos manuscritos do Mar
Morto frequentemente provam ser originários de uma família de textos diferente
daquela dos textos da Septuaginta ou dos Massoréticos (o texto Bíblico aceito
oficialmente dentro do judaísmo e da maioria do cristianismo também). O mais
antigo manuscrito de um texto Massorético data do séc. X d.C.

Essas diferenças dentro das famílias textuais às vezes causam variantes textuais
interessantes como a seguinte: Amós 9:11-12, diz: “Naquele dia, levantarei o
tabernáculo caído de Davi, repararei as suas brechas; e, levantando-o das suas
ruínas, restaurá-lo-ei como fora nos dias da antiguidade; para que possuam o
restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o
Senhor, que faz estas coisas”

Por outro lado, o texto em Atos 15:16-18 que cita estes versos diz: ‘Cumpridas
estas coisas, voltarei e reedificarei

o tabernáculo caído de Davi; e , levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei.


Para que os demais homens (restante da humanidade) busquem o Senhor, e
também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome,’ diz o
Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos”

O texto Massorético (MSS) de Amós diz: “o remanescente de Edom”, mas, na


citação de Tiago, no livro de Atos diz: “os demais homens” ou “restante da
humanidade”. O motivo pelo qual isto ocorreu é que os sinais vocálicos só foram
adicionados

ao texto Bíblico muito mais tarde pelos massoretas, após o séc. VII d.C. Sem os
pontos das vogais, a palavra poderia ser lida ou como adam (homem ou
humanidade) ou Edom. Ou seja, ninguém cometeu erro aqui. Uma vez que o
texto deixou uma porta aberta para ambigüidade, Tiago sentiu que poderia
aprovar a entrada dos gentios na comunhão com os santos sem terem que se
converter oficialmente ao judaísmo (sem a necessidade da circuncisão), pois esta
era a promessa profética de Deus. Exatamente contrário à leitura de Tiago,
os rabinos mais tarde leram o mesmo texto como Edom ao invés de adam porque
eles usavam Edom como uma palavra código para representar o maligno império
cristão dominando-os de Roma. Como não podiam falar abertamente contra
Roma, eles fizeram uma midrash deste texto que se referia ao eventual domínio
dos judeus sobre Edom (o império romano).

A propósito, o motivo de Edom referir-se ao cristianismo na literatura rabínica é


porque o nome Esaú {WJ), em hebraico, contém as mesmas letras que a palavra
Yeshua (:»5B'). Ambos contêm as letras hebraicas “i> = ayirí\ “ o = shin” e “ 1 =
vav” mas em Esaú está faltando a letra “ ' = yud\ que simboliza Deus/ Senhor e é
a primeira letra do “Tetragrama” (mrr) Portanto, quando os rabinos leram sobre a
restauração do tabernáculo de Davi, eles tentaram atacar ou mencionar a Igreja
chamando-a Edom.
Por outro lado, Tiago citou a passagem de Amós em um contexto completamente
diferente. Houve um debate sobre a obrigatoriedade dos gentios se converterem
ao judaísmo antes de se tornarem seguidores de Yeshua. Paulo veio da
Ásia Menor a Jerusalém para representar os gentios. Pedro e Tiago já estavam
em Jerusalém com os outros líderes. Ao contrário

do que é ensinado na maioria das universidades e seminários cristãos, um exame


atento do texto na verdade mostra que Pedro ficou do lado de Paulo. É comum
caracterizar Pedro e Paulo como lutando constantemente um contra o outro,
mas o que Pedro disse em Atos 15:10 foi muito sensato. Ele disse: “Agora, pois,
por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem
nossos pais puderam suportar, nem nós?” Na verdade, Atos mostra que Paulo se
manteve completamente em silêncio durante esta discussão.

Tiago queria basear a decisão do conselho dos apóstolos em uma passagem dos
profetas, por isso ele cita a passagem de Amós: “Mais tarde Eu restaurarei o
tabernáculo caído de Davi, e reconstruirei suas ruínas” Em seguida, o versículo
12 dá o motivo para Deus fazer esta promessa como uma maneira de ajuntar e
restaurar o resto da humanidade. O versículo 13 explica melhor. O tabernáculo
de Davi seria restaurado para que todas as nações pudessem receber a salvação.
Esta profecia não é somente para Israel, mas também para o mundo. Tiago
defendeu seu ponto fazendo uma midrash de acordo com a sua compreensão de
Amós. O seu raciocínio foi o seguinte: visto que os profetas prometeram que
a reconstrução do tabernáculo de Davi incluiria os gentios (as nações), não
vamos forçar os gentios agora a tomar sobre si a Lei de Moisés, uma vez que isto
já foi prometido pelos profetas. Deus já tomou a responsabilidade de incluí-
los em Sua aliança. Então, vamos pedir aos gentios para fazer o mínimo e
guardar as quatro leis dadas a Noé antes da entrega da Torá no Monte Sinai.
Estas leis Noéticas dizem para abster-se da idolatria, da imoralidade sexual, do
derramamento de sangue e de comer sangue. Já que Deus ordenou a Noé e seus

filhos a respeito destas coisas, logicamente elas se aplicam a toda humanidade


porque todos os humanos descendem de Noé. Tiago obteve seu parecer usando
seu raciocí io para interpretar a passagem em Amós.

O método de Tiago em Atos é chamado midrash haláchica ou “midrash legal”,


da qual pode-se fazer leis. Há outro tipo de midrash chamada midrash aggadá>
a qual é baseada em estórias e não em material legal, de onde pode-se extrair
ensino teológico. Enquanto halachá quer dizer “andar” (o resultado prático da
nossa fé), aggadá é uma estória ou declaração.

Para resumir o que acabamos de explicar, o texto do Tanách foi transmitido por
diferentes famílias de tradições de escribas. Apenas três destas famílias de textos
sobreviveram. Em primeiro lugar, os rabinos transmitiram o texto
Massorético, que é o texto bíblico padrão no mundo judaico de hoje.
Em segundo lugar, o mundo de língua grega transmitiu o texto bíblico
traduzindo a Septuaginta grega do hebraico, e ambas as Bíblias, Siríaca e a
Vulgata Latina (incluindo seus derivados), são baseados nesta tradição textual
grega. A terceira tradição textual só foi descoberta recentemente, quando os
Manuscritos do Mar Morto foram encontrados, em 1948. Há também
outra família textual dentro da tradição Samaritana, mas eles têm somente a Torá
e não o restante da Bíblia. Cada uma destas tradições possuem passagens onde a
leitura de um texto é melhor do que em outra. A leitura de Amós na
Septuaginta é melhor do que a leitura no texto Masorético, mas o
texto Massorético é melhor em alguns lugares como os Salmos 8,16, e 22.
Qumran é ainda tão novo que a maioria das pessoas não está familiarizada com
qualquer leitura alternativa proveniente dos Manuscritos do Mar Morto.

Mandamentos e exemplos

Hoje, todos nós somos parte da revolução farisaica que diz que podemos
descobrir a vontade de Deus pelo texto da Bíblia. No entanto, o texto da Bíblia
contém diferentes níveis de revelação prática. Por exemplo, “amai uns aos
outros” é uma ordem direta, e não há pergunta alguma sobre se
devemos obedecê-la ou não. Yeshua ordenou a seus discípulos: “Ide por todas as
nações e fazei discípulos, ensinando-os a obedecer tudo que Eu vos tenho
ordenado.” Esta também é uma ordem sobre a qual não pode haver dúvida.
Mandamentos diretos normalmente não requerem um sôd, um rêmez, ou
uma midrash para serem compreendidos.

Há, no entanto, outras formas pelas quais Deus se comunica conosco através da
Sua Palavra. Às vezes, Ele se comunica através de exemplos positivos e
negativos. Lendo sobre o que fizeram os primeiros crentes, nós podemos
aprender alguns princípios importantes para hoje. Ananias e Safira são
exemplos negativos em Atos que nos mostram como não nos
comportar, enquanto Dorcas é um exemplo positivo da importância de ajudar o
pobre e de como Deus recompensa aqueles que cuidam dos necessitados.

Um caso de aprendizagem pelo exemplo positivo é a questão do dízimo. Não há


nenhum lugar em toda a Bíblia que ordene o dízimo para a igreja de alguém.
Ainda assim, a maioria dos crentes está firmemente convencida de que
somos ordenados a entregar o dízimo. No Tanách, Deus ordenou ao povo dar o
dízimo para o Templo em Jerusalém para sustentar os sacerdotes e levitas que
serviam no mesmo. Talvez alguém, com razão, pergunte como este mandamento
está relacionado a uma igreja moderna ou a uma sinagoga. O Templo não existe

mais, e o pastor não é o Sumo Sacerdote. Que direito têm os pastores modernos
de tomar algo que tinha sido designado para o povo judeu no contexto dos
sacerdotes e levitas em Jerusalém e aplicar isto às suas congregações locais?
Como é que sabemos que devemos pagar um salário ao pastor, ao pregador ou ao
evangelista?

Paulo resolveu este problema em 1 Timóteo 5:17-18 fazendo uma midrash a


partir da Torá. Ele disse: “Devem ser considerados merecedores de dobrados
honorários os presbíteros que presidem bem, com especialidade os que se
afadigam na Palavra e no ensino. Pois a Escritura declara: Não amordaces o
boi, quando pisa o trigo. E ainda: O trabalhador é digno do seu salário.”
Seu primeiro texto de prova é de Deuteronômio 25:4, e o segundo vem de outros
versículos em Deuteronômio que dizem que um empregador não deve reter o
salário dos seus funcionários. Esta é uma midrash clássica. Paulo tomou os
versículos de um contexto agrícola e aplicou-os a alguém trabalhando no
Corpo do Messias. Em outras palavras, tomamos as necessidades que a
congregação tem e fazemos a inferência necessária. Nós aprendemos pelos
métodos midrásticos a justificar os meios e as ações. Há muitos exemplos disto,
então vamos complicar um pouco as coisas.

Quando as pessoas hoje dão o dízimo em suas congregações, para quem vai o
dinheiro? No Tanách, se alguém tivesse um cordeiro e quisesse dar um presente
ao Senhor, ele o levaria ao sacerdote e o queimaria sobre o altar. O sacerdote
tomava o seu pedaço e o que sobrava era queimado. Todavia, o cordeiro era dado
ao Senhor. No Novo Testamento, Paulo disse que ele estava coletando dinheiro
para os crentes pobres em Jerusalém (Rm 15:26). Ele nunca disse que seria uma
oferta para o Senhor. No

entanto, na Torá, quando as pessoas davam dinheiro ao pobre, isto também era
considerado uma oferta ao Senhor. A Torá ordenou o povo a trazer os sacrifícios
e a dar vários diferentes tipos de dízimos. Eles tinham um dízimo para os
sacerdotes e levitas e também tinham que deixar algumas de suas colheitas no
campo para alimentar os pobres. Os israelitas antigos tinham diferentes tipos de
doações, mas o Novo Testamento nunca ordena a dar o dízimo. Portanto, para
que um pastor hoje possa pedir o dízimo, ele deve formar uma halachá de
um exemplo ao invés de mostrar um mandamento, uma vez que este não existe
no Novo Testamento. Lembre-se que halachá significa “andar,” e nós queremos
saber como andar pela fé em nossas vidas diárias.

Além do exemplo dos Israelitas doando dinheiro para o Templo, há exemplos de


doações no Novo Testamento que podem ser usados para sustentar o conceito de
dízimo. Romanos 15:27 diz: “Isto lhes pareceu bem, e mesmo lhes são
devedores; porque, se os gentios têm sido participantes dos valores espirituais
dos Judeus, devem também servi-los com bens materiais.” Este versículo
essencialmente diz que os crentes não Judeus devem ser tão gratos pela bênção
espiritual de conhecer

0 Messias Judeu que deveriam ser motivados a “devolver” financeiramente


esta benção aos pobres entre o povo Judeu.

1 Coríntios 16:1-2 diz: “Quanto à coleta para os santos, fazei vós também
como ordenei às igrejas da Galácia. No primeiro dia da semana, cada um de vós
ponha de parte, em casa, conforme a sua prosperidade, e vá juntando, para que
não se façam coletas quando eu for" Estes dois exemplos lidam com o
mesmo contexto em que Paulo estava levantando dinheiro de suas congregações
para ajudar os pobres em Jerusalém. A única

autoridade, portanto, pela qual os pastores de hoje coletam dízimos, é tomando o


exemplo do que os primeiros crentes fizeram, aplicando-o ao contexto de hoje.

Tanto a Igreja como o povo judeu fazem muitas coisas que não foram ordenadas
diretamente nas Escrituras. Uma delas é a reunião no fim de semana. O Novo
Testamento nunca ordena a igreja a se reunir todo Domingo. Existem
exemplos apenas de crentes se reunindo. Em Atos 20:7, vemos que os discípulos
se reuniam aos sábados à noite: “No primeiro dia da semana, estando nós
reunidos com o fim de partir o pão, Paulo, que devia seguir viagem no dia
imediato, exortava-os e prolongou o discurso até à meia-noite.” A partir daí, os
cristãos desenvolveram uma tradição de se reunirem no primeiro dia da semana
ocidental, que é domingo. Hebreus 10:25 nos instrui a não negligenciarmos as
nossas reuniões, mas nunca especifica com que frequência estas reuniões
deveriam acontecer. Os judeus ortodoxos se reúnem para orar duas ou três vezes
todos os dias baseados no exemplo das três ofertas diárias oferecidas no Templo.
Por outro lado, os cristãos baseiam a idéia de uma reunião semanal aos
domingos no exemplo desta passagem de Atos 20.

Outra prática atual que tomamos de exemplos bíblicos é a questão do que


fazemos quando nos reunimos. Em Atos 2:42,46 diz: “£ perseveravam na
doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas oraçõesf...).
Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e
tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração!y Baseados nesta
passagem, nós oramos, temos comunhão, partimos o pão e estudamos juntos as
palavras dos apóstolos quando nos encontramos. Não jogamos bingo ou temos

loterias porque não temos qualquer ordem ou exemplo disso. O grande modismo
atual de se ter louvor e adoração com música, bandas, bailarinos e tamborins,
não vem do Novo Testamento. Na verdade, o Novo Testamento nos diz apenas
para cantar e nunca menciona qualquer coisa sobre instrumentos. O costume
atual de usar instrumentos é tirada de exemplos de textos no Antigo Testamento.

Outra coisa que fazemos pelo exemplo é a Ceia. Yeshua ordenou aos Seus
discípulos na noite da Páscoa: “Fazei isto em memória de mim,” referindo-se ao
partir o pão. Ele nunca disse com que frequência deveríamos celebrá-la, mas
sabemos que devemos celebrá-la porque Ele ordenou. É por isso que algumas
igrejas hoje têm comunhão todo dia, algumas uma vez por semana, algumas uma
vez por mês e outras apenas uma ou duas vezes ao ano. Tudo que nós temos são
exemplos do modo como a Igreja do primeiro século operava. Os
exemplos interpretam o mandamento. Os exemplos constituem uma midrash
simples.

A dificuldade surge hoje porque nós vivemos no século XXI, em uma cultura
diferente, e temos necessidades diferentes das que eles tinham no primeiro
século. Nós temos que continuar fazendo midrash e usando exemplos bíblicos
para atender às necessidades de nosso próprio contexto cultural. Para fazer isto
corretamente, não podemos ignorar a Torá. Quando líderes cristãos que se
opõem à fé Messiânica dizem: “Nós não precisamos da Torá”, ou ainda, “O
Velho Testamento não deve ser algo normativo para a vida do cristão”, eles
deveriam parar de pedir ao seus membros para darem o dízimo, uma vez que
o único lugar que fala sobre dízimos é no Antigo Testamento. Se uma pessoa
rejeita a Torá, então ela teria que rejeitar também o

princípio de entregar o dízimo. Por que tantos cristãos tomam louvor e adoração
ou dízimos e prosperidade do Antigo Testamento, e rejeitam todo o resto? É
hipocrisia dizer, “A Torá já acabou e não se aplica a nós,” e escolher guardar
apenas o que é “interessante” da Torá, jogando fora todo o resto. Quando os
judeus vêem que os cristãos tiram e escolhem, tem-se um péssimo testemunho
de integridade e coerência religiosa.

Midrash aggadá
Vamos agora examinar o conceito de midrash aggadá, a midrash que conta uma
estória em grande profundidade. Hebreus 11, o famoso capítulo da fé que conta
as histórias dos fiéis filhos de Deus, é todo baseado na midrash aggadá. Um
exemplo clássico vem dos versículos 8 a 10. “Pela fé, Abraão, quando chamado,
obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu
sem saber aonde ia. Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em
terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da
mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual
Deus é o arquiteto e edificador.” O que fez o autor de Hebreus achar que Abraão
não quis herdar Jerusalém, Hebrom, e Siquém da maneira que Deus
instruiu? Deus disse a ele, “Vá para a terra que Eu te mostrarei, e Eu te darei a
terra! Aonde você pisar será seu!” Consequentemente, é surpreendente quando,
de repente, de acordo com Hebreus, Abraão não estava nem mesmo interessado
na terra de Israel. O autor de Hebreus fez uma midrash na qual Abraão
estaria interessado em outro país totalmente baseado em suas palavras aos filhos
de Hete, em Gênesis 23:4, quando queria sepultar Sara. Ao dizer: “Sow
estrangeiro e morador entre vós\ ele deixou

claro que não estava interessado em possuir qualquer terra em Israel exceto a
caverna na qual ele sepultaria sua esposa. O que o autor de Hebreus diz não está
explicitamente declarado na Torá, mas ele obtém esta idéia de conceitos não
explicados que estão escritos na Torá.

Este capítulo deu algumas informações em relação ao conceito de hermenêutica


e a importância da utilização de métodos judaicos de interpretação para a
compreensão de textos difíceis. Usamos muitas ilustrações e exemplos
sobre como as pessoas usam níveis diferentes de interpretação o tempo todo.
Explicamos a visão judaica de inspiração e mostramos que os relatos sinópticos
não devem constituir um “problema”. Discutimos também o conceito de midrash
e como tanto os rabinos como os escritores do Novo Testamento utilizaram esta
importante ferramenta de interpretação. O restante deste livro tratará mais
especificamente com as regras exegéticas judaicas e métodos de interpretação
específicos.

Capítulo 2

1
Ê essencial para a compreensão deste conceito a regra que, em hebraico, há dois tipos de mems: um
que é “aberto" ( G ) e pode ocorrer no começo ou no meio da palavra, e outro que é “fechado” (0 ) e
ocorre somente no final das palavras.

2
Comentário de Radak sobre Isaías 9:6
3
Tradução em português extraído de The Minor Tractades of the Talmud. Ed.Rev.

Dr. A. Cohen. Socino Press, 1971.


As principais regras judaicas de interpretação das
Escrituras no primeiro século

Existem aqueles que dizem que “acreditam somente na Bíblia e nada mais.” O
problema com esta idéia, porém, é que a Bíblia é um livro, e como tal só pode
ser compreendido através da aplicação das regras normais de lógica e linguagem
que são aplicáveis à interpretação de qualquer literatura. A verdade é que a
Bíblia contém muitos tipos diferentes de literatura, e cada gênero tem suas
próprias regras de interpretação. Não se lê um jornal como se lê uma poesia. Não
se lê um livro de direito como se leria uma carta pessoal ou um romance.
Tempo, lugar e circunstâncias afetam a forma com que todos os textos escritos
são lidos e compreendidos.

A Bíblia foi escrita ao longo de um período de aproximadamente 1000 anos,


contendo palavras e partes escritas em várias línguas diferentes do Oriente
Médio. Cerca de quarenta autores diferentes participaram da redação do texto
bíblico. Todos estes temas complicam a questão da interpretação.

No tempo de Yeshua, o mundo judaico interpretava as Escrituras usando sete


regras importantes que foram

formuladas por Hillel, o ancião (60 a.C. - 20 d.C.)1 Aqui está um pequeno
resumo destas sete regras com alguns exemplos tanto do Tanách como do Novo
Testamento:

1. "ovn

Kal Va-hômer
(Leve e pesado ou afortiori)

Vamos começar com o primeiro princípio hermenêutico, conhecido como kal va-
hômer, um argumento descrito em latim como afortiori, ou em português como
“do menor para o maior.” Embora à primeira vista este possa parecer um
conceito confuso, ele se tornará mais claro quando o examinarmos mais de perto.
As Escrituras estão repletas deste princípio, então cabe a nós compreendê-lo.

Uma conclusão prática que pode ser tirada do uso de kal va-hômer em geral é o
fato de que há diferentes níveis de pecado. Este conceito tem sido muito mal
interpretado, mas a Torá ensina a diferença entre pecados “grandes” e
“pequenos”. É claro, Deus em Sua santidade completa não pode fazer
vista grossa a qualquer pecado, mas a Torá ensina quais pecados são mais graves
baseado no castigo imposto pela sua violação. Se a punição é a morte, então a
pessoa cometeu um pecado

muito grave. Cometer um pecado que requer a pena de morte é obviamente mais
grave do que cometer um pecado para o qual a pena é simplesmente o sacrifício
de dois pombos.

Por exemplo, muitos judeus e não-judeus têm a impressão equivocada de que se


um judeu come porco, ele cometeu um pecado muito grave. A razão pela qual os
judeus modernos consideram o comer porco de um ponto de vista tão grave é
por que isto se tornou uma marca de identidade para os membros da comunidade
judaica em tempos de perseguição. Por outro lado, embora a Torá proíba isto, a
única punição por violar este mandamento é a pessoa lavar suas roupas e
permanecer impuro até o anoitecer, o que a impedia de adorar no Templo ou
Tabernáculo naquele dia em particular. Nenhum sacrifício ou pagamento era
exigido, e na manhã seguinte a pessoa estaria pura novamente. Portanto, a Torá
ensina que comer a comida impura não era um pecado tão grave, comparado
com muitas outras proibições.

Yeshua, na verdade, também ensinou que alguns pecados são mais graves que
outros. Ele também disse que alguns mandamentos são mais pesados do que
outros. Em Mateus 5:17-20, Yeshua diz: “Não penseis que vim revogar a Lei ou
os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos
digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei,
até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto
que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no
reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado
grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder
em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.” Esta
passagem prova que

existem mandamentos menores e maiores e pecados menores e maiores. O


mesmo princípio aplica-se à compreensão do conceito de midrash. Aprendemos
sobre as coisas grandes com as coisas pequenas.

A passagem seguinte demonstra melhor como kal va-hômer funciona. Em


Mateus 6:25-33 diz: “Por isso, vos digo: não andeis ansiosos pela vossa vida,
quanto ao que haveis de comer ou beber; nem pelo vosso corpo, quanto ao que
haveis de vestir. Não é a vida mais do que o alimento, e o corpo, mais do que as
vestes? Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em
celeiros; contudo, vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não vaieis vós
muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode
acrescentar um côvado ao curso da sua vida?Epor que andais ansiosos quanto
ao vosso vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não
trabalham, nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua
glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do
campo, que hoje existe e amanhã é lançada ao forno, não vestirá Ele muito mais
a vós outros, ó homens de pequena fé? Portanto, não vos inquieteis, dizendo:
Que comeremos? Que beberemos? Ou: Com que nos vestiremos? Porque os
gentios é que procuram todas estas coisas, pois vosso Pai celeste sabe
que necessitais de todas ela; buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a sua
justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas

Esta passagem inteira é um exemplo clássico de kal va-hômer. Se Deus cuida dos
pássaros (o menor), quanto mais cuidará Ele do ser humano (o maior)? As
pessoas são muito mais importantes para Deus do que os pássaros, assim,
se Deus alimenta os pássaros e veste as flores do campo, então podemos deduzir
pela midrash que Ele certamente cuidará da

humanidade. Do mesmo modo, não devemos nos preocupar com o que iremos
vestir. Se olharmos para a forma como Deus cuida da natureza, Ele certamente
cuidará do homem, porque o homem é a coroa da natureza!
A essência de kal va-hômer é que se este mandamento ou princípio é verdade,
então é óbvio que o principal mandamento ou princípio ligado a ele vai ser
verdade também. Yeshua usou esta forma de midrash repetidamente em Seu
ensino. Vamos examinar como Yeshua usa este princípio em outros lugares.

Lucas 23:28-31: “Porém Yeshua, voltando-se para elas, disse: Filhas de


Jerusalém, não choreis por mim; chorai antes, por vós mesmas e por vossos
filhos! Porque dias virão em que se dirá: ‘Bem aventuradas as estéreis, que não
geraram, nem amamentaram! Nesses dias, dirão aos montes: Caí sobre nós!
E aos outeiros: Cobrí-nos! Porque, se em lenho verde fazem isto, que será no
lenho seco?” A parte deste exemplo que se encaixa no método de kal va-hômer é
a frase, “Se em lenho verde fazem isto, que será no lenho seco?” Embora a frase
exata quanto mais, não aparece aqui, a lógica está presente na comparação
entre os dois tipos de lenho. Se coisas terríveis ocorrem em meio à paz e
prosperidade, quanto mais elas acontecerão durante os tempos de tumulto e
guerra? Algo pequeno é comparado a algo grande, e conclusões são tiradas da
coisa pequena para a coisa grande.

Yeshua também está dizendo às jovens mulheres de Jerusalém: não chorem por
mim, chorem por vocês mesmas e por Jerusalém. Quanto mais sofrerão elas se
Ele estiver sofrendo? A “árvore verde” é um símbolo de uma pessoa justa. No
Salmo 1:3, vemos o exemplo que o homem piedoso “será como uma árvore
plantada junto a ribeiros de água ” No Salmo 92:12

também diz, “O justo florescerá como uma palmeira.” Em outras palavras, o


justo é equiparado com a árvore verde. Yeshua tirou Sua analogia sobre a
destruição das árvores verdes e das secas de Ezequiel 20:47, “Eis que acenderei
em ti um fogo que consumirá em ti toda árvore verde e toda árvore seca; não se
apagará a chama flamejantePortanto, Yeshua estava dizendo, ”Se Eu, como uma
pessoa justa devo sofrer, quanto mais sofrerão todos vocês, pessoas más, que
estão vivendo em pecado nesta cidade de Jerusalém?”

Em 2 Pedro 2:4-9 temos uma observação semelhante: “Ora, se Deus não poupou
anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a abismos
de trevas(...), então o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar;
sob castigo, os injustos para o Dia do Juízo.” A implicação é que, se Deus pode
punir até mesmo os anjos, que são maiores em força e poder do que os seres
humanos, então Ele certamente punirá os malfeitores entre os homens, que são
até mesmo piores do que os anjos. (Pedro semelhantemente indica que o
piedoso pode esperar livramento da tentação por causa da fidelidade de Deus;
assim como Ele é fiel para punir, Ele é fiel também para recompensar).

Dentro da tradição judaica, o uso de kal va-hômer para interpretar os


mandamentos da Torá resultou na importante decisão halahica de que um judeu
que morre deve ser enterrado no mesmo dia, se possível. O sepultamento
acontece o mais rápido possível por causa de uma interpretação de kal va-
hômer de Deuteronômio 21:22-23: “Se um homem tiver cometido pecado digno
de morte, e tiver sido morto, e o pendurares num madeiro, o seu cadáver não
permanecerá no madeiro durante a noite, mas, certamente, o enterrarás no
mesmo dia,

de modo que não contamines a terra que o Senhor; teu Deus, te dá por herança,
pois o que é pendurado é amaldiçoado por Deus .” Vemos nesta passagem que
um criminoso que tenha sido executado por enforcamento, não pode ter o seu
corpo deixado na árvore durante a noite. Ele deve ser enterrado no mesmo dia.
Os sábios mantiveram o kal va-hômer: se para um criminoso, uma pessoa má,
não é permitido que seu corpo permaneça pendurado durante a noite sem um
sepultamento adequado, então quanto mais alguém que é justo merece
ser sepultado rápida e honrosamente? Esta halachá é a razão pela qual Yeshua
foi sepultado no mesmo dia de Sua morte, não sendo permitido permanecer o seu
corpo pendurado na cruz durante a noite. Este é um caso clássico de utilização
do kal va-hômer para fazer uma decisão judicial a partir de uma midrash.

0 princípio de kal va-hômer é muito importante na sociedade ocidental também,


embora talvez não tenhamos conhecimento de sua origem. Em particular, os
advogados usam isto quando precisam fazer um ponto forte no tribunal. Ele é
também um princípio muito significativo da hermenêutica para a compreensão
da mecânica de midrash.

2. ma? mia
Gzerah Shavah
(Expressões equívocas - Lit. “corte igual”)

G zerah shavah é “a aplicação, em um assunto, de uma regra já conhecida


aplicada a outra situação, com base em uma expressão comum usada em
conexão com ambas as

situações nas Escrituras.”2 Em outras palavras, uma vez que se encontra uma
palavra, frase, ou raiz similar em duas passagens diferentes, uma analogia pode
ser feita entre elas. Fazer esta analogia permite ao intérprete aplicar os mesmos
princípios, conclusões, e aplicações a ambos os textos e situações. G
'zerah shavah é especialmente útil para fazer halachá se a situação em um dos
textos é muito clara, mas não no outro. A mesma halachá será então aplicável a
ambas as situações com base nas palavras e expressões semelhantes. Até mesmo
uma olhada superficial no Talmude revela inúmeras discussões em que
os rabinos usam gzerah shavah para estabelecer a halachá em situações incertas.

No livro de Hebreus 3:6-4:13, o autor compara expressões equívocas no Salmo


95:7-11 com Gênesis 2:2 para provar seu ponto. Estas expressões semelhantes
são as palavras "obras” / “descanso”, e “dia” / “hoje”. O fato de ambas as
passagens conterem estas palavras significa que as idéias dentro dos versículos
podem ser aplicadas uma à outra. O autor de Hebreus usa a g 'zerah shavah para
chamar a atenção para o padrão da obra da criação de Deus. A analogia toda é
baseada no uso da palavra “dia” ou “hoje” (um). mas encorajem uns aos
outros, durante o tempo que se chama hoje, para que nenhum de vós seja
endurecido pelo engano do pecado. Porque nos tornamos participantes do
Messias, se retivermos firmemente o princípio da nossa confiança até ao fim,
enquanto se diz: “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais os vossos
corações, como eles Me provocaram...” (Hb 3:13-15). (Este é um pequeno
trecho da passagem, mas uma leitura completa dos capítulos 3 e 4 de

Hebreus é recomendada para uma melhor compreensão). O autor insinua que


“hoje” leva duas implicações significativas, que são um começo e um fim.
Utilizando o Salmo 95 e a história da criação, ele conclui que há um futuro
Shabbat o qual todos nós aguardamos. Este conceito, que é encontrado também
em escritos rabínicos e em outros livros judaicos do período do Segundo
Templo, atesta que a história será de 6000 anos de duração, e o sétimo milênio
será um “Ano Sabático” - a era Messiânica. Portanto, nós devemos aproveitar a
oportunidade agora enquanto é “hoje” para nos arrepender e andar na fidelidade
e obediência a Yeshua.

Outro exemplo que frequentemente é mencionado é a citação de Oséias, o


profeta que Mateus usa na narrativa do nascimento: “Do Egito chamei o meu
filho” (Oséias 11:1). Visto que “Egito” é mencionado em ambos os casos, há
uma conexão e uma similaridade entre o Êxodo do Egito e a saída de Yeshua do
Egito com José e Maria, após a morte de Herodes.

3. In» mroD na yn

Binyan av mikatuv echad


(Compor uma “família” de um texto)

O significado essencial de binyan av mikatuv echad é que quando uma idéia é


encontrada em várias passagens diferentes, pode-se tirar conclusões a partir do
efeito cumulativo de se colocá-las juntas.

Risto Santala explica este princípio como a “classificação de versículos bíblicos,


opiniões, e fatos em uma família. Na literatura midrástica, pode haver em um
capítulo centenas

de passagens bíblicas diferentes. Bastava alguém mencionar apenas o começo de


um versículo seguido da palavra Va-gomer (e continua), para cada pessoa repetir
o versículo inteiro em sua mente(...). Além disso, era permitido tomar
emprestado apenas a idéia principal do versículo ou combinar; em nome de um
profeta, idéias pertencentes à mesma família', ligeiramente modificada em sua
própria unidade”3 Não se pode combinar versículos usando este método apenas
baseando-se no fato de que ambos contêm uma palavra comum, como “então”
ou “matar”, por exemplo. A palavra ou frase que conecta a “família” de textos
deve ser a principal idéia em todos os versículos.

Por exemplo, Hebreus 9:11-12 aplica as idéias de “sangue” dos contextos de


sacrifício e de aliança na Torá (tais como Êxodo 24:6-8, Lev. 8:15-19, 17:11,
16:14-16, e Num. 19:4-18 entre outros) e a idéia de “aliança” em Jcicmiss
31:31-34 à sua discussão de como a morte de Yeshua expiou nossos pecados. O
escritor do livro de Hebreus liga o sangue dos sacrifícios com o estabelecimento
de um pacto através do sangue que Yeshua derramou. Ele, então, conecta toda a
questão do sangue com a Nova Aliança.

uPortanto se o sangue de bodes e de touros e a cinza de uma novilha,


t
aspergidos sobre os contaminados, os santificam, quanto à purificação da
carne, muito mais o sangue lesta é uma clara kal va-hômer] do Messias, que
pelo Espírito eterno, a Si mesmo se ofereceu sem mácula a Deus, purificará a
nossa consciência de obras mortas, para servirmos ao Deus vivo! Por isso
mesmo, Ele é o Mediador da nova aliança, a fim de que, intervindo a morte para
remissão das transgressões que havia sob a primeira

aliança, recebam a promessa da eterna herança aqueles que têm sido


chamados. Porque, onde há testamento, é necessário que intervenha a morte do
testador; pois um testamento só é confirmado no caso de mortos; visto que de
maneira nenhuma tem força de lei enquanto vive o testador. Pelo que nem a
primeira aliança foi sancionada sem sangue; porque, havendo
Moisés proclamado todos os mandamentos, segundo a lei, a todo o povo, tomou
o sangue dos bezerros e dos bodes, com água, e lá tinta de escarlate, e hissopo e
aspergiu o próprio livro, como também sobre todo o povo, dizendo: Este é o
sangue da aliança, a qual Deus prescreveu para vós outros. Igualmente também
aspergiu com sangue o tabemáculo e todos os utensílios do serviço sagrado. E
pode-se dizer, quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e,
sem derramamento de sangue, nào há remissão.” (Hb *13-22)

A conclusão do autor da combinação de todos estes textos juntos é que mSem


derramamento de sangue não há perdàom na relação de aliança entre Deus e o
povo. Portanto, o próprio sacrifício de Yeshua permitiu serem perdoados os
nossos pecados e nos deu acesso ã Nova Aliança. Não hi lugar nenhum no
Tanách que diz realmente que pecados só são perdoados com sangue de
sacrifícios. Em vez disso, esta idéia é a conclusão que o autor tirou da
aplicação de um lugar que fala do sangue como expiação numa situação de
aliança à outros lugares que falam de sangue. Este é um claro exemplo de
como uma MfamíliaM é composta de um texto com a ênfase em uma ou duas
palavras.

4. CT3TO TDD 3M JTQ Binyan av mish'nei ketuvim

''Compor uma “família” de dois ou mais textos)

Este princípio é semelhante ao anterior, binyan av mikatuv echad. A diferença é que a


aplicação vem da combinação de dois textos diferentes, utilizando os conceitos
de ambos a uma “família” de outras passagens.

Vamos usar outra passagem de Hebreus como um exemplo de como isto


funciona, embora existam muitos outros lugares no Novo Testamento que usam
isto também. Hebreus 1:5-14 usa este princípio para provar que o Messias é
maior do que os anjos. Ele combina os textos de Salmo 2:7 e 2 Samuel 7:14 e
depois junta-os com muitos outros salmos de contexto Messiânico.

“Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei? [Salmo 2:7] E outra vez: Eu lhe
serei por Pai, e ele me será Filho? [2 Samuel 7:14] E, novamente, ao introduzir o Primogênito no mundo,
diz: E todos os anjos de Deus O adorem! [Salmo 97:7] E quanto aos anjos, diz: ‘Aquele que a seus
anjos faz ventos, e a seus ministros, labareda de fogo” [Salmo 104:4] Mas ao Filho Ele diz: O teu trono, ó
Deus, é para todo o sempre; um cetro de justiça é o cetro de Teu reino. Amaste a justiça e odiaste a
iniqüidade; por isso, Deus, o teu Deus, Te ungiu com óleo de alegria como a nenhum dos teus
companheiros! [Salmo 45:6-7] E: ‘No princípio, Senhor, lançaste os fundamentos da terra, e os céus são
obras das Tuas mãos; eles perecerão; Tu, porém, permaneces; sim, todos eles envelhecerão como
uma veste; também, como um manto, os enrolarás, e, como vestes, serão igualmente mudados; Tu, porém,
és o mesmo, e os teus

anos jamais terão fim.' [Salmo 102:25-2] Mas, a qual dos anjos jamais disse: 'Assenta-te à Minha direita,
até que eu ponha os Teus inimigos por estrado dos Teus pés? [Salmo 110:1] Não são todos eles espíritos
ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação?'

Nesta seqüência de textos em Hebreus 1, o autor usa ambos, binyan av mikatuv echad e
binyan av mish 'nei ketuvim de uma forma útil para identificar princípios bíblicos e
provar que Yeshua é superior aos anjos. O escritor toma relevante à sua situação
através da aplicação do princípio de “filho” a todos os textos que falam de Deus
e anjos, os quais ele lista para provar seu argumento. Os professores da Bíblia
usam este princípio o tempo todo quando constroem um sermão e conectam
textos diferentes associando uma frase ou princípio que aparece no texto
principal aos outros textos, tecendo depois uma conclusão.

5. DTB1

IClal Ufrat
(Do geral para o particular)

Em k'lal ufrat, um princípio importante é declarado. E em seguida, ele é expandido


e listado em maiores detalhes. Às vezes, este princípio funciona no sentido
oposto também, significando que se raciocina do particular para o geral. Nesta
segunda opção, temos um 0“© {frat uk’lal), ou seja,

inicialmente se tem os detalhes e então, no final, cria-se um princípio dos


detalhes.

Em 2 Co 6:14-16 diz: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos,


pois que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão
tem a luz com as trevas? Que acordo tem o Messias com o Maligno? Ou que
parte tem o crente com o incrédulo? Que concordância há entre o templo de
Deus e os ídolos? Porque nós somos o templo do Deus vivente, como Ele
próprio disse: ‘Habitarei neles e andarei entre eles. Serei o seu Deus e eles
serão o meu povo

“Não estejais em jugo desigual com os incrédulos' é o princípio geral. Então,


Paulo expande e detalha este princípio num conjunto de explicações sobre o que
o princípio implica no resto do parágrafo.

A Torá também usa este método na lista das festas de Israel em Levítico 23:2.
Nos versículos de 2-6, diz: “Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: ‘As festas do
SENHOR que proclamareis para ser santas convocações, estas são as Minhas
festas. Seis dias trabalhareis, mas o sétimo dia será o sábado do
descanso solene, uma santa convocação. Nenhuma obra fareis nesse dia; é o
sábado do SENHOR em todas as vossas moradas. Estas são as festas do
SENHOR, as santas convocações, que proclamareis no seu tempo determinado.
No mês primeiro, aos catorze do mês, no crepúsculo da tarde, é a Páscoa do
SENHOR. E aos quinze dias deste mês é a Festa dos Pães Asmos do SENHOR;
sete dias comereis pães asmos..!"

O princípio geral nesta passagem é a frase, “As festas do SENHOR, que


proclamareis para ser santas convocações, estas são as Minhas festas.” Então,
debaixo deste princípio geral segue uma lista das festas e como cada uma delas
deve ser observada.

6. "irm mpM *□ KTÍO Kaiotze bo mimakom acher

(Analogia feita de outra passagem)

Neste princípio, o expositor compara duas passagens que parecem contradizer


uma à outra com uma terceira passagem que contém algumas das mesmas idéias
gerais para resolver as contradições aparentes. Aqui estão alguns exemplos:

Há uma discordância numérica entre 2 Samuel 24:9 e 1 Crônicas 21:5 sobre o


censo do rei Davi. 2 Samuel diz: “...e havia em Israel 800.000 (oitocentos mil)
homens valorosos que puxavam da espada, e em Judá eram 500.000
(quinhentos mil) homens." Por outro lado, no relato do mesmo censo em 1
Crônicas 21, diz: “...e em todo Israel eram 1.100.000 (um milhão e cem mil)
homens que puxavam da espada, e em Judá eram 470.000 (quatrocentos e
setenta mil) homens que puxavam da espada" Alguns críticos poderiam
considerar a incongruência entre os dois textos muito grave, pois mesmo que os
números em um texto antigo não sejam exatos, espera-se que os relatos de um
censo sejam um tanto coerentes entre si. No entanto, é somente lendo com muita
atenção 1 Crônicas 27:1-22, que se pode explicar esta discordância numérica.
Esta passagem explica que duas das tribos (Gade e Issacar) não foram sequer
contadas neste “censo.” Provavelmente, o número em 2 Samuel não inclui essas
tribos, mas elas estão incluídas em 1 Crônicas 21. É somente através da análise
do terceiro texto que a contradição entre os números pode ser resolvida.
Os rabinos usam este princípio no Talmude com grande frequência para resolver
aparentes contradições na Torá, e o Novo Testamento também faz a mesma
coisa. 1 Pedro 2:4-8

explica a aparente contradição entre duas passagens no Tanách que falam sobre o
Messias como “a pedra angular.” Por um lado, Isaías 28:16 parece dizer que a
“pedra angular” será amplamente acreditada e aceita, mas por outro lado, no
Salmo 118:22 diz que a pedra angular será rejeitada. Pedro resolve esta
contradição inserindo outra passagem de Isaías 8:13-15 que menciona os
desobedientes “tropeçando”, mas os justos servindo a Deus fielmente.

Aqui está a passagem: [1 Pedro 2:4-8] “Chegando-vos para ele, a pedra que
vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, também
vós mesmos, como pedras que vivem, sois edificados casa espiritual para serdes
sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais agradáveis a Deus
por intermédio de Yeshua o Messias. Pois isso está na Escritura: ‘Eis que ponho
em Sião uma pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será, de
modo algum, envergonhado\ [Isaías 28:16] Para vós outros, portanto, os que
credes, é a preciosidade; mas, para os descrentes, A pedra que os construtores
rejeitaram, essa veio a ser a principal pedra, angular [Salmo 118:22] e: *Pedra
de tropeço e rocha de ofensa [Isaías 8:14]. São estes os que tropeçam na
palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos”

7. iraPD icbyi

Davar há-nilmad me-inyano


(Explicação obtida do contexto)

Esta é na verdade uma das regras mais fundamentais de interpretação bíblica.


Um texto deve ser examinado dentro de seu contexto para ser bem
compreendido. Grande parte

do ensino de Paulo se tornaria incompreensível e sujeito a interpretações erradas,


caso o contexto não seja considerado.
O livro de Gálatas é um grande exemplo da importância do contexto para a
compreensão dos escritos dos Apóstolos.

Um outro exemplo é Romanos 14:14, que diz: “Eu sei e estou persuadido, no
Senhor Yeshua, de que nenhuma coisa é de si mesma impura, salvo para aquele
que assim a considera; para esse é impura” Se o contexto geral da carta de
Paulo for ignorado, pode-se chegar à conclusão de que ele anulou todas as leis
alimentares da Torá. Porém, quando o contexto da própria vida de Paulo e o
problema da unidade entre os crentes judeus e não-judeus nas congregações com
as quais ele está lidando é levado em conta, então, se torna claro que o
significado deste versículo não é tão simples. Olhando o restante do contexto
de Romanos, vemos que Paulo ensina que nada é intrinsecamente “impuro”, mas
que as coisas só são “impuras” porque Deus as chama de “impuras” na Torá.
Cada crente tem que decidir, de acordo com sua própria consciência, pela
direção do Espírito Santo e das Escrituras, o que é puro para si próprio.

A segunda questão contextual levantada por Paulo é que existe “liberdade de


crítica” nas questões de alimentação, dias sagrados e estilo de vida, uma vez que
a essência do “Reino de Deus” não é realmente sobre essas questões
menores. Estas são também as questões menores na própria Torá, e
elas certamente são secundárias para a salvação dos gentios e dos judeus. O que
comemos não deveria se tornar um empecilho para a salvação daqueles que nos
cercam. O contexto define claramente o problema e defende o que Paulo diz em
Romanos 3:30-31: “Visto que Deus é um só, o qual justificará, por fé, o

circunciso e, mediante a fé, o incircunciso. Anulamos, pois, a lei pela fé? Náo,
de maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei" Em minha opinião, o sétimo de
todos estes princípios de Hillel é o mais importante porque é o mais ignorado
e mal usado na maioria das vezes. O contexto original é a principal ferramenta
para a compreensão das questões e dos princípios que o autor pretendia que nós
compreendêssemos. Se ignorarmos o contexto, deixamos a Palavra de Deus
sem nenhum aval, uma vez que ela poderia ser usada para dizer e justificar
qualquer coisa, podendo ser distorcida naquilo que quisermos. Na verdade, ela
poderia se tornar a ferramenta mais horrível do mal, como infelizmente se tornou
nas mãos daqueles que a têm usado impropriamente ao longo dos séculos. Deve-
se ter em mente que nem toda passagem pode ser interpretada com todas estas
sete regras, e pode até haver algumas passagens que não deveriam ser
interpretadas por nenhuma delas. Se compreendidos e bem usados, no
entanto, estes princípios ou midôt podem se tornar uma grande ferramenta no
Corpo do Messias para interpretar e expor as Escrituras de acordo com o seu
contexto judaico original. A hermenêutica, ou a forma como compreendemos a
Palavra de Deus, é uma das chaves tanto para a saúde espiritual como para a
unidade do povo de Deus. Se somos capazes de usar as mesmas ferramentas,
deveríamos obter os mesmos resultados e chegarmos a uma compreensão
comum do que Deus planejou para que nós aprendêssemos sobre Ele e sobre o
Seu povo.

Capítulo 3

Hekkesh
Embora não esteja incluído na lista de princípios exegéticos tanto do rabino
Ishmael como do rabino Hillel, um importante método rabínico de interpretação
é chamado hekkesh. Hekkesh é uma “analogia que prova a lei em relação a uma
coisa que se aplica também a outra, seja porque ambas têm características em
comum ou haja uma intimação Bbblica para o efeito.”4 Hekkesh literalmente
significa “pegar duas pedras e batê-las juntas,” que é uma metáfora para
comparar dois versículos que têm uma linguagem similar a fim de aprender
alguma coisa que não se conhecia previamente. Embora esta técnica seja
ligeiramente complicada, ela deu origem a algumas lindas midrashim e é usada
extensivamente nas Escrituras.

Hekkesh é diferente degzerah shavah (analogia - aprendemos alguma coisa em


um versículo e aplicamos a outro). Em hekkesh, no entanto, são examinados dois
versículos que têm as mesmas palavras, dando origem a uma doutrina
completamente nova que não é indicada por nenhum um dos versículos
sozinhos.

Um exemplo do uso de hekkesh no Novo Testamento ocorre em Mateus 5:27-28,


onde Yeshua diz: “Ouvistes que foi dito:
'Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher
com intenção impura, no coração, já adulterou

com ela." Como Yeshua poderia dizer que se um homem olha para uma mulher
com intenção de imoralidade sexual, ele já cometeu adultério? Na verdade, há
muitas passagens rabínicas que proíbem a luxúria exatamente nos mesmos
princípios. O que é único então, sobre a equação de Yeshua de luxúria e adultério
é que Ele baseou esta decisão haláchica pelo uso do hekkesh. Êle combinou dois
dos Dez Mandamentos, “não cometerás adultério” e “não cobiçarás”, de Êxodo
20, e juntou-os para concluir que a proibição da Torá sobre adultério também
inclui pecados que vão além da relação sexual com a esposa de outro homem.

Yeshua conseguiu combinar estes dois mandamentos porque a palavra da


Septuaginta para “cobiçar”, nos dez mandamentos, é o mesmo verbo grego
(epithymeo) que Yeshua usa em Mateus 5 para “luxúria”n “Em outras palavras,
Yeshua lê o humanamente inexequível décimo mandamento como sendo tão
importante quanto os outros mandamentos humanamente mais executáveis. Na
ética de Mateus, se alguém não quebra os mandamentos, mas deseja fazê-lo, já
se tornou culpado.”5 6

Yeshua, na realidade, toma dois versículos, bate um contra o outro, compara-os e


faz um hekkesh. Assim, Ele ensina algo completamente novo: que o adultério
não é apenas o ato físico, mas também a intenção. Ele conclui que o
mandamento, “Não cometerás adultério” não significa apenas o ato em si,
mas também a intenção que surge no coração e é cometida com os olhos.

Todo o Sermão do Monte, no qual Yeshua diz: “Ouvistes o que foi dito..., eu,
porém, vos digo...” é baseado neste princípio de hekkesh. Alguns crentes,
equivocadamente, acham que o ensino de Yeshua no Sermão do Monte pretendia
anular a Torá. Na verdade, a frase, “Ouvistes o que foi dito... Eu, porém,
vos digo...” aparece na literatura rabínica também. Esta expressão significa:
“pode-se pensar que isto se aplica apenas literalmente, no simples (pshat), mas
eu vos digo que os mandamentos não devem ser tomados apenas literalmente
pois possuem muitas facetas” Estas outras facetas incluem coisas que são
aprendidas através da interpretação dos elementos rêmez, drash e sôd de um
texto. Só se pode chegar a estes tipos de conclusões comparando-se os textos.
Aqui está outro exemplo de como Yeshua usou o hekkesh. Mateus 5:38-42 diz:
“Ouvistes o que foi dito, ‘Olho por olho e dente por dente! Eu, porém, vos digo:
não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe
também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe
também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá
a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.” Para
descobrir a base deste parecer de Yeshua, precisamos examinar os textos dos
quais Ele fez o hekkesh.

A Torá diz: “Olho por olho e dente por dente...” mas deixa-nos a tarefa de
decidir qual é a implicação desta lei. Normalmente falando, se alguém
deliberadamente arranca o olho de outra pessoa, a vítima estaria inclinada a
matar o agressor. Esta é uma reação humana normal. No entanto, ao contrário de
nossas tendências naturais, a Torá ensina que mesmo a vítima de tão terrível
crime não deve se vingar ou retaliar de uma forma

violenta. A vítima tem o direito de ir ao tribunal e receber a indenização


proporcional à perda. A Torá não ensina que é permitido matar a pessoa. Se ele
tirou um olho, ele pagará por um olho (e não com a própria vida). Se ele tirou
um dente, ele pagará por um dente. Se ele queima alguém, ele pagará
pela queima. Este mandamento na Torá significa que aquele que fez uma vítima
perder um olho ou um dente pagará o preço de um olho, o preço de um dente,
etc. Se alguém causa danos a um indivíduo, acidentalmente, a lei é aplicada e o
tribunal determina o valor do olho. Olhos diferentes têm preços diferentes,
dependendo da idade, profissão, etc...da pessoa.

A razão pela qual sabemos que a Torá literalmente não ensina a arrancar o olho
do agressor vem de outro versículo que explica como este princípio deve ser
interpretado. Êxodo 21:22-25 aplica o princípio de “olho por olho” a uma
situação particular e o interpreta para dizer que o agressor deve pagar uma
compensação financeira justa. “Se homens brigarem, e ferirem mulher grávida, e
forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será
obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará
como os juizes lhe determinarem. Mas, se houver dano grave, então dará vida
por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura
por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe."
Entretanto, há outro texto na Torá que parece tomar este princípio muito
literalmente. Levítico 24:19 diz: “Se alguém causar defeito em seu próximo,
como ele fez, assim lhe será feito!* Está claramente afirmado neste versículo que
se alguém arranca o dente de seu próximo, ele deveria ter o seu dente
arrancado também. Este é um resultado jurídico completamente diferente.

Yeshua viu que havia uma contradição legal na Torá. Em um lugar, diz que se
deve pagar de acordo com o julgamento determinado pelos tribunais. Em outro
lugar, diz que o olho do homem culpado deve ser arrancado como recompensa
pelo olho perdido da vítima. Para “complicar” ainda mais, vamos examinar
agora um terceiro texto em Lamentações 3:30, que diz alguma coisa
completamente diferente. “Dê a face ao que te fere; farte-se de afronta ”

Temos aqui uma situação em que três textos divinamente inspirados dão
instruções completamente diferentes. Um diz que se alguém causar a perda de
um olho do seu próximo, deve-se ir ao tribunal para determinar a indenização,
que será a multa monetária ao agressor. O outro diz que devemos nos vingar na
mesma proporção. Se alguém faz alguma coisa a outra pessoa, exatamente a
mesma coisa deveria ser feita ao ofensor. E ainda outro versículo diz que se
alguém bater, deve se virar a outra face! Como podem todos estes textos ser
inspirados pelo mesmo Deuj? A única maneira de compreender estes versículos
é usar o hekkesh, ou seja, “bater um contra o outro” e tirar uma idéia
completamente nova.

Para entender porque Yeshua disse para virar a outra face, precisamos lembrar
em qual contexto cultural Ele estava falando. Durante o tempo em que o
Evangelho foi escrito, a Terra de Israel e o povo judeu sofria sob a ocupação
romana. Yeshua viveu toda a sua vida sob a ocupação romana e o governo
corrupto de Herodes e sua família. Os romanos basicamente faziam o que
queriam com o povo de Israel. Eles tinham leis que diziam que qualquer soldado
romano poderia tomar o casaco, a camisa, o jumento, e o equipamento
de qualquer Israelita a qualquer momento, e até mesmo levá-lo

como um servo por 24 horas! Entretanto, após 24 horas ele tinha que ser
liberado. A lei em Israel ainda é mais ou menos a mesma. Se o militar israelense
precisa de um carro, ele tem o direito de levá-lo. Se eles precisam de uma casa,
eles têm o direito de tomá-la, assim como era a situação no tempo dos romanos.

Agora que nós examinamos todos os três textos em seus contextos, vejamos
como Yeshua fez um hekkesh com eles no Sermão do Monte. Yeshua não está
falando sobre um caso de mutilação por acidente. A pessoa que bate no rosto de
alguém tem a clara intenção de humilhar. Yeshua diz que quando alguém
intensionalmente nos fere ou nos envergonha, não devemos responder o mal com
o mal. Permitir aquela pessoa “nos bater na outra face” demonstra força, e não
fraqueza. Se alguém pretende nos envergonhar batendo-nos publicamente na
face, não devemos ceder à sua maldade e responder com a mesma moeda, uma
vez que isto mostraria à pessoa que ela nos afetou. Em vez disso, devemos
provar que ela não pode nos afetar. Devemos mostrar que somos orgulhosos e
fortes o suficiente para suportar outra batida na face. Yeshua ensina isto tomando
os dois versículos da Torá e batendo-os junto com o versículo de Lamentações.

Portanto, “Virando a outra face” e “Caminhando a segunda milha” não é uma lei
“nova” que cancela a Torá. Em vez disso, Yeshua expôs a Torá usando os
princípios midrásticos e hekkesh. Ele tomou vários versículos que lidavam com
o mesmo assunto, analisou-os, fez uma analogia, “bateu-os um contra o outro,” e
fez uma nova conclusão para impedir a contradição de um versículo com o
outro.

Agora vejamos como é possível usar o princípio de hekkesh em nossos dias para
compreender a Bíblia. A primeira vez que encontramos Bezalel Ben Uri é em
Êxodo 31:2-3. O texto diz: “Eis que chamei pelo nome a Bezalel, filho de Uri,
filho de Hur, da tribo de Judá, e o enchi com o Espírito de Deus, em
sabedoria, em entendimento, e em habilidade para todo artifício..!'
Este versículo menciona quatro atributos ou dons concedidos a Bezalel:
sabedoria, entendimento, conhecimento e habilidade para todo artifício. Êxodo
35:31 usa exatamente as mesmas palavras usadas para descrever Bezalel. “Ele o
encheu com o Espírito de Deus, em sabedoria e entendimento, em
conhecimento e habilidade para todo artifício..."

Êxodo 36:1 usa um outro termo para descrever Bezalel, que em Hebraico
literalmente significa “um coração sábio.” No pensamento rabínico tradicional, a
sabedoria vem da cabeça, mas as emoções originam-se no coração.
Segundo Nachmanides, (o Ramban), estas coisas são opostas, mas
Rashi soluciona a aparente contradição fazendo um clássico hekkesh. Ele disse
que o “conhecimento” era, na verdade, o Espírito Santo ou Ruach há-Kodesh}1

De acordo com o Novo Testamento, o propósito do Espírito Santo é “nos guiar


em toda verdade”, como João 16:13 diz: “ quando Ele, o Espírito da Verdade,
vier, Ele vos guiará em toda verdade." A palavra verdade em Hebraico é “emêt”
(noR), onde a primeira letra ( K ) é a primeira letra do alfabeto hebraico,
a segunda letra ( ü ) é a letra que divide o alfabeto e a terceira letra ( n ) é a
última letra do alfabeto hebraico. Em outras palavras, o Espírito Santo nos dá a
capacidade de sintetizar! 7

Neste clássico hekkesh, somos capazes de chegar a duas coisas distintas e


compreender uma terceira. Os ocidentais que ouvem os orientais falarem, muitas
vezes acham que nós exageramos. Porém, a verdade inclui também as emoções
que a acompanham. Este conceito lança luz sobre o que Paulo diz em 2 Coríntios
3:6 a respeito de como Deus nos deu capacidade para sermos ministros da Nova
Aliança “não da letra, mas do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito dá
vida!* Este exemplo, como as duas passagens que analisamos do Sermão do
Monte, também é um hekkesh.

É claro, o hekkesh precisa ser usado com cuidado e pela direção do Espírito
Santo, pois quaisquer novas conclusões que obtivermos ao “bater um versículo
contra outro”, não devem contradizer a letra ou o Espírito da Palavra de Deus.
Nossa compreensão e uso deste importante conceito é uma grande ferramenta
para interpretar e explicar a Bíblia de acordo com o seu contexto judaico
original.

Os desafios contemporâneos para o judaísmo


messiânico

1
Capítulo 4
Hermenêutica judaico-messiânica
Embora seja facilmente possível falar sobre a hermenêutica da Igreja primitiva
ou do Judaísmo do período do Segundo Templo, nunca houve um sistema
totalmente desenvolvido e articulado de interpretação bíblica que seja
messiânico e judaico. Este capítulo irá discutir a necessidade da hermenêutica,
rever algumas contribuições Judaicas importantes e em seguida propor algumas
orientações iniciais para a interpretação bíblica dentro da comunidade judaico-
messiânica.

A hermenêutica tem sido chamada de ciência e arte. Existem leis e regras para a
compreensão de um texto que devem levar em consideração o conhecimento do
tempo, do lugar, do orador, da audiência, e do contexto religioso e cultural. Os
textos não flutuam no amplo espaço do nada. Eles sempre existem dentro do
contexto de alguma configuração, do tempo e dos acontecimentos históricos que
levaram à sua criação. A tendência, no início do século XX, era dar uma virada
existencial à interpretação da Bíblia. Isto tirou a Palavra de Deus de seu contexto
histórico e cultural e deu-a um sentido filosófico. É minha intenção restaurar o
entendimento das formas nas quais a Bíblia tem sido historicamente
interpretada, a fim de proporcionar aos estudantes comprometidos
o aprofundamento na complexidade bíblica e em sua relevância para a nossa
vida diária.

Para fins de clareza, vamos definir a hermenêutica. De acordo com o Dicionário


Oxford da Igreja Cristã, a hermenêutica vem de uma palavra grega que significa
“interpretar” Ela é descrita como “a ciência dos métodos de exegese. Enquanto a
exegese é normalmente o ato de se explicar um texto, muitas vezes, no caso da
literatura sagrada e de acordo com as regras formalmente prescritas, a
hermenêutica é a ciência (ou arte) pela qual os procedimentos exegéticos são
concebidos.”8 A hermenêutica é o modo de estabelecermos regras para
interpretar textos, a fim de que os leitores possam compreender a cosmovisão e
a mensagem pretendida do autor.

É impossível “ler” a Bíblia sem interpretá-la simultaneamente, mesmo que isso


não seja percebido. A idéia protestante de “sola Scriptura” sem qualquer
acompanhamento de tradições interpretativas ou orientações, pode parecer
atraente, mas é, na verdade, impossível. Todos nós nos aproximamos do
texto com as nossas próprias idéias preconcebidas sobre o que ele significa,
baseados no que temos sido ensinados por outros. Em muitos casos, estes
entendimentos anteriores podem ser úteis para orientar a nossa interpretação,
mas nunca devemos confiar apenas no que nós pensamos que o texto “deve”
dizer. Em vez disso, precisamos usar os princípios interpretativos da
hermenêutica para descobrir o que o texto significava em seu contexto cultural
original e só então procurar aplicá-lo às nossas próprias circunstâncias.

A atitude judaica para com o texto bíblico é que cada afirmação tem setenta
entendimentos e interpretações possíveis. Na prática, este princípio permite uma
ampla gama

de possibilidades para a compreensão do mesmo texto sem quebrar o consenso.


Isso não significa que tudo é permitido, mas sim que há espaço para avaliar e
examinar diferentes possibilidades e opções para a interpretação do mesmo
texto.

Embora à primeira vista possa parecer que os rabinos interpretaram a Bíblia sem
rima ou razão, há, na verdade, regras muito específicas para formar midrash e
para exegese dentro da tradição Judaica. O Rabino Hillel, que viveu no
primeiro século de nossa era, tinha sete regras para interpretar textos sagrados. É
preciso lembrar que esses métodos hermenêuticos nunca excluem o p'shat, o
sentido claro e literário. O p shat sozinho, porém, não pode mostrar-nos todas as
“Setenta faces da Tora’. Assim, os outros métodos também são
ferramentas importantes para ver a profundidade e a riqueza da Palavra de Deus.
No século II d.C., havia um rabino muito famoso na Terra de Israel chamado
Ishmael. Ele enumerou treze princípios exegéticos para a Bíblia, que são
orientações ainda aceitas no judaísmo de hoje, muitos dos quais são encontrados
em todo o Novo Testamento.9

Em Romanos 3:1-2, o apóstolo Paulo pergunta: “Qual é, pois, a vantagem do


judeu? Ou qual a utilidade da circuncisão? Muita, sob todos os aspectos.
Principalmente porque aos judeus foram confiados os oráculos de Deus!’ A
contribuição da tradição judaica para a compreensão das Escrituras pode ser
dividida em duas grandes áreas, que são o próprio texto bíblico e sua simples
exegese. Os rabinos chamam isto de davar Torah, que é o regulamento da Torá.
O entendimento vem do processo de pensamento dedutivo acerca do texto. Em
hebraico isto é chamado severa. Em outras palavras, se refere à interpretação

deduzida das Escrituras por conclusões lógicas, ou como diríamos no ocidente,


pelos princípios hermenêuticos.

Deus deu o texto bíblico ao povo judeu, mas os rabinos o preservaram e o


tornaram compreensível e inteligível para todas as gerações. Yeshua disse isto
muito claramente em Mateus 23:2, quando Ele deu aos Fariseus o direito de
interpretar as Escrituras porque eles “se assentavam na cadeira de
Moisés.” Lembremo-nos com gratidão do trabalho dos inúmeros
judeus estudiosos que, desde o período pré-macabeus, se dedicaram ao
Massorah, que é a codificação do texto bíblico, incluindo notas críticas.
Palavras, letras, pontos e leituras marginais foram todos devidamente pesados e
escrupulosamente determinados pelos rabinos e escribas da Torá.

A história completa do que implica codificar a tradição das Escrituras pode ser
lida no tratado Talmúdico Soferim, que significa “escribas.”Este tratado lida com
detalhes como o espaço entre as letras, a largura e a altura dos pergaminhos,
as letras maiúsculas e finais, etc. Sem o trabalho destes escribas, não teríamos a
Palavra de Deus disponível para nós hoje porque não seriamos capazes de
entender a linguagem mais básica da Bíblia. Este tratado também discute as
qualificações para a elaboração dos livros, seu manuseio respeitoso e sua
santidade. Devemos entender e ser gratos pelo fato de que Yeshua e os Apóstolos
não teriam sequer tido os livros de Moisés, se não fosse pelos Rabinos que os
preservaram e os protegeram da corrupção.

A tradição rabínica deu os sinais vocálicos para o Tanách, os quais tornaram


possível a leitura da Bíblia milhares de anos depois que ela foi escrita. Um texto
em português, composto apenas por consoantes, seria incompreensível. Se nós
víssemos

as letras DS em um livro, como poderíamos saber o que elas significavam? Elas


poderiam significar DiaS, DeuS, DuaS ou até mesmo aDeuS. A única forma de
se distinguir o seu verdadeiro significado seria pela compreensão do
contexto, que nem sempre é fácil. Foi a tradição rabínica judaica que determinou
o texto da Bíblia em hebraico e o tornou legível e compreensível para o mundo
inteiro. Os rabinos também desenvolveram o método PaRDêS de interpretação
do texto bíblico em diferentes níveis, o qual discutimos em mais detalhes no
capítulo 1.

Outro método rabínico de interpretação é a gematria, um método de codificação


que permite interpretar o significado dos números nas palavras (cada letra do
alfabeto hebraico possui um valor numérico). Embora tenhamos que ser
muito cautelosos na utilização deste método, ele era um fenômeno bem
conhecido dos escritores do Novo Testamento. Aqui está um exemplo do uso
rabínico de gematria: Gênesis 14:14 menciona os 318 “homens treinados” de
Abraão. Porém, 318 é o valor numérico do nome Eliézer, servo de
Abraão mencionado em Gênesis 15:2. Parece difícil acreditar que isso é pura
coincidência. Portanto, os rabinos conectaram o relato de Gênesis 14:14 com
Eliézer e concluíram que Eliézer foi quem treinou os servos de Abraão e os fez
como ele.
A exegese rabínica é, muitas vezes, a chave para a compreensão de Paulo.
Somente a dependência de Paulo da tradição rabínica pode explicar sua visão de
que a Torá foi dada por anjos e não diretamente por Deus (G1 3:19), ou sua
visão de que o Messias era a rocha que seguia os Israelitas e lhes deu água no
deserto (1 Co 10:4).

A tradição rabínica da exegese bíblica indiscutivelmente contribuiu para a


compreensão da Bíblia no passado. É minha firme convicção que quando o
cristianismo for restaurado às suas raízes no futuro, os princípios e atitudes
rabínicos em relação ao texto irão ajudar o seu retorno à verdadeira fé bíblica. A
tradição judaica dos rabinos e seu amor e preservação da Palavra de Deus são
uma canção heróica e constante de devoção e fidelidade, na qual judeus e
cristãos podem ter companheirismo e experimentar a plenitude da revelação
de Deus. Apenas na Palavra de Deus os crentes podem encontrar o
companheirismo e a comunhão que algum dia poderá trazer a salvação para toda
a humanidade.

Vou agora tentar propor uma hermenêutica para os judeus messiânicos e para
todas as pessoas que gostariam de descobrir a verdade bíblica.

Aqui estão algumas diretrizes básicas:

1. A Bíblia é a Palavra de Deus e deve ser tratada como tal.

2. A Bíblia é um documento muito antigo e deve ser tratado como tal.

3. A Bíblia não foi escrita em português. É importante nos lembrarmos que,


sempre que estudamos uma tradução, já começamos com uma interpretação.

4. A Bíblia é um documento judaico e deve ser tratado como tal.

5. A Bíblia contém diferentes tipos de literatura. Cada gênero tem que ser
diferenciado e tratado com as ferramentas lingüísticas apropriadas.

6. A Bíblia reflete uma realidade histórica que deve ser compreendida dentro
daquele contexto.

7. A Bíblia, como Palavra de Deus, comunica a vontade de Deus. Há uma


dimensão espiritual para a Bíblia, que implica em mais do que o uso cuidadoso
de princípios hermenêuticos. A Bíblia é mais do que uma série de palavras,
frases e capítulos. Ela é mais do que uma simples literatura.

8. Uma pessoa precisa da orientação do Espírito Santo, juntamente com o uso


adequado da hermenêutica, para compreender totalmente as palavras e discernir
o espírito da Palavra.

Em minha opinião, essas orientações são axiomáticas. Elas deveriam ser as


regras não só para os judeus messiânicos, mas para todos que gostariam de
entender a Bíblia. No ocidente moderno, algumas pessoas têm tratado a Bíblia
como um livro existencial de Deus, desconsiderando totalmente seus limites
históricos, culturais ou lingüísticos. Infelizmente, também existem pessoas que
usam o método rabínico para justificar interpretações extravagantes da Escritura.
Temos que ser equilibrados na nossa abordagem. Deixe-me dizer claramente a
minha opinião: nem tudo judaico ou antigo é, automaticamente, certo e bom. Os
rabinos e a interpretação

judaica têm errado às vezes, e qualquer uso de métodos rabínicos deve ser feito
de forma crítica e de acordo com a demanda dos textos bíblicos, sempre
baseados no tempo e na cultura das pessoas que os escreveram. Entretanto,
estudar o Novo Testamento, que é um documento judaico do primeiro século,
ignorando as tradições de interpretação e exegese que foram usadas na época, é
perder uma ferramenta muito importante para a compreensão da Palavra de
Deus.

Estas diretrizes são importantes para o desenvolvimento específico de uma


hermenêutica judaico-messiânica pelas seguintes razões:

1. Estes princípios colocam o Novo Testamento de volta no contexto em que


ele foi escrito. É preciso haver uma consciência de que estamos lidando com um
livro judaico e um Salvador judeu. Isso fará com que o estudante busque a
solução dos problemas textuais dentro do mundo de Yeshua. Não devemos
buscar soluções não-práticas. Além disso, não devemos viver sob a ilusão de que
a “fé” é simplesmente uma confissão ou uma emoção em vez de um
compromisso orientado para a ação. “Porque, assim como o corpo sem espírito é
morto, assim, a fé sem obras, também é morta” (Tiago 2:26)

2. A ciência bíblica muitas vezes tem uma abordagem histórica e filológica,


mas pode faltar o entendimento sobre a inspiração do texto. Quando olhamos
para o Novo Testamento em seu contexto histórico, vemos que os seus princípios
de interpretação refletem a abordagem judaica tradicional. Isto é chamado
midrash.

Uma abordagem judaico-messiânica deveria incorporar uma sólida abordagem


histórica e biológica para a compreensão das Escrituras, bem como uma fé
firme na integridade e inerrância do texto bíblico.

3. Uma abordagem judaico-messiânica à hermenêutica deve lidar com o texto


bíblico de acordo com o gênero em que foi escrito. Cada texto tem sua própria
estrutura poética, narrativa, literária, discursiva, retórica e temática, cada uma
exigindo sua própria forma de análise. Não se lida com a poesia da mesma
forma que com a prosa, e o leitor que tenta fazer isso pode perder a mensagem
fundamental que os escritores tentaram comunicar. Nem todo texto é para ser
tomado literalmente. Isto é especialmente uma verdade na literatura apocalíptica.
Existem regras muito especiais para lidar com este tipo de texto. Minha
convicção é que sem um conhecimento abrangente do judaísmo inter-
testamentário e do primeiro século, é impossível entender corretamente a
intenção plena e as nuances dos textos.

4. O estudo da Bíblia não deve ser apenas um processo intelectual ou


espiritual. Ele precisa ser também prático e conduzir o estudante a “toda boa
obra.” Por esta razão, Paulo escreveu a Timóteo que: “Toda a Escritura é
inspirada por Deus e proveitosa para ensinar; para repreender, para corrigir;
para instruir em justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16:17).

Nossa tentativa de entender a Bíblia deve nos levar a “fazer a vontade do nosso
Pai Celeste.” A hermenêutica deve ser uma ferramenta não só para a
compreensão, mas também para se fazer a obra de Deus entre os homens.

A hermenêutica judaico-messiânica enfrenta um desafio de duas vertentes. Por


um lado, temos de nos esforçar para lidar com o texto bíblico de uma forma
objetiva e autêntica, a fim de compreendê-lo verdadeiramente dentro do
seu meio cultural e histórico. Por outro lado, temos de trabalhar para libertar o
texto da tradição incrustada de dois mil anos. Posições doutrinárias inflexíveis
são evidentes em ambos os estudos judaicos e cristãos. Estas devem ser
examinadas e, se constatadas erradas, devem ser rejeitadas. Há algumas
tradições que vieram do mundo greco-romano que se infiltraram no estudo da
hermenêutica tanto dos judeus como dos cristãos. Os judeus messiânicos terão
que aprender a reconhecer e lidar com interpretações importadas, erradas,
enquanto peneiram as tradições interpretativas que podem realmente ser
úteis. Temos que trabalhar muito para desenvolver uma abordagem original e
histórica para a compreensão da Bíblia.

Um dos nossos desafios atuais é o de elevar o nível de formação bíblica e


judaica entre os judeus messiânicos. O aprendizado deve ser tão importante para
nós como é para a comunidade judaica não-messiânica. Se quisermos, em
algum nível, emular a comunidade judaica, temos que aprender com as coisas
boas existentes nela.

Em última análise, todos os crentes terão que lidar com os mesmos princípios
hermenêuticos e abordar a Bíblia de acordo com a sua integridade histórico-
cultural e de identidade, a qual

é um livro judaico do primeiro século. Quando isto acontecer, creio que a


unidade e o entendimento serão o resultado. Como crentes em Yeshua, devemos
buscar um resultado prático para o nosso estudo dos textos sagrados. À medida
que procuramos colocar a Palavra de Deus em ação, precisamos nos lembrar
de uma série de coisas.

Em primeiro lugar, devemos ter uma clara compreensão de que somos salvos
pela fé, através da graça de Deus, com a finalidade de obediência aos
mandamentos de Deus. “Não foi por obras que Abraão, o nosso pai, foi
justificado, quando ofereceu sobre o altar o seu filho, Isaque? Vês, como a fé
operava juntamente com as suas obras? Com efeito, foi pelas obras que a fé se
consumou...” (Tiago 2:21-22) Para muitos de nós soa simplista afirmar que
temos que obedecer os mandamentos de Deus. Na verdade, esta área da
hermenêutica, provavelmente será a de maior controvérsia no desenvolvimento
de uma hermenêutica Judaico Messiânica. A pergunta surgirá:
“Quais mandamentos e quando?” Uma vez que este é um assunto tão importante
que merece um tratamento completo, vamos abordar esta questão em mais
detalhes em outro capítulo deste livro.

Em segundo lugar, devemos imitar os bons exemplos de pessoas santas na


história Bíblica. Se quisermos honrar a vontade de Deus, temos que levar a sério
os exemplos da Igreja do primeiro século. O comportamento dos primeiros
crentes deveria ter uma incidência direta sobre o que fazemos e como fazemos
em nossa prática hoje. Se eles realizavam a ceia a cada semana no “primeiro dia
da semana,” devemos procurar entender as razões e o significado desta ação e
incitá-los a fazer o que eles faziam o máximo possível.

Finalmente* devemos estar cientes de que o mundo mudou com a chegada da


vida moderna do ocidente. Não vivemos mais em uma sociedade agrária. Por
esta razão, devemos aprender com a nossa hermenêutica, assim como com
o nosso bom senso, a fim de aplicar as situações e os princípios bíblicos às
nossas próprias vidas. Isto irá, sem dúvida, requerer inferências necessárias
vindas através da análise lógica e rigorosa dos princípios, exemplos e
ensinamentos bíblicos. Um dos principais exemplos dos desafios atuais que
precisam ser preenchidos nesta área é.o papel das mulheres na vida e
na administração da congregação. Embora não possamos ignorar as ordens
diretas de Paulo em 1 Timóteo 2:10 ou 1 Coríntios 14, temos que encontrar
espaços e meios pelos quais a mulher moderna pode encontrar-se ativa e
realizada no reino de Deus. Tudo isto deve ser feito sem quebrar ou anular
qualquer mandamento explícito na Palavra de Deus.

Na minha opinião, a hermenêutica do Século XXI será mais pluralista, por


permitir uma maior expressão cultural da fé bíblica. Em termos práticos, isto
significa que os Judeus Messiânicos devem colocar Romanos 14:10-13 em
prática de uma forma muito mais deliberada em suas congregações. “Tu porém,
porque julgas teu irmão? E tu, porque desprezas o teu? Pois todos
compareceremos perante o tribunal de Deus. Como está escrito: Por minha
vida, diz o Senhor, diante de Mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará
louvores a Deus. Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus.
Não nos julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de
não pordes tropeço ou escândalo ao vosso irmão."

Além disso, as denominações cristãs devem fazer o mesmo frente aos judeus
messiânicos. Haverá congregações cujas

interpretações serão muito diferentes da Igreja, e, talvez, até mesmo de outras


congregações judaico-messiânicas. Essas diferenças devem celebrar a natureza
universal do Corpo do Messias e a diversidade cultural entre os Seus filhos. Ao
mesmo tempo, a aplicação hermenêutica eficaz servirá para quebrar as paredes
do folclore que satanás construiu para dividir e diminuir a eficácia da
universalidade da mensagem de salvação em Yeshua o Messias.

O desafio de uma hermenêutica judaico-messiânica é redescobrir o espírito e as


práticas da Igreja do Novo Testamento no Século XXI. O futuro da eficácia do
Corpo do Messias no mundo dependerá da nossa capacidade em superar as
amarras da tradição e retornar a uma fé muito mais bíblica. Ele dependerá
também da nossa capacidade de buscar uma unidade maior entre aqueles que
professam a fé em Yeshua o Messias, independente da sua orientação cultural.
Esta unidade e espírito serão consideravelmente reforçados
pelo desenvolvimento de uma hermenêutica mais judaica, tanto nos círculos
judaicos quanto cristãos.

A mente judaica funciona em termos práticos, e é fundamental que o Corpo do


Messias entenda isso e continue a desenvolver a teologia e a hermenêutica. Ao
compartilhar as Boas Novas com o povo judeu, é muito importante que os judeus
messiânicos apliquem os princípios de hermenêutica na preparação das suas
mensagens. O povo judeu é, muitas vezes, intelectualmente perspicaz, e não
sente qualquer obrigação de ouvir quando alguém explica os princípios que
ouviram toda a sua vida. O discurso judaico tem que integrar alguma
coisa interessante, assim como espiritual. Tem que ser um imperativo moral e
uma aplicação prática do ensino que podem ser
Tesouros Ocultos

aplicados na comunidade e na vida particular das pessoas. Este tipo de


mensagem só pode ser ensinada se o texto for tomado em seu contexto, com os
devidos princípios aplicados. Os judeus messiânicos têm que trabalhar com
muito esmero nas mensagens que eles levam aos seus ouvintes. É importante
para nós desenvolvermos um estilo e uma abordagem de ensino que seja
compatível com a prática judaica e as firmes verdades bíblicas.

Capítulo 5

1
Hillel foi o presidente do Sinédrio em Jerusalém no último ano do primeiro século d.C. até o ano 16
d.C. Seu parceiro nesta posição foi Shamai. Estes dois grandes homens argumentaram muito sobre
tudo, mas juntos eles deixaram uma marca profunda no mundo de Yeshua. Na verdade, o que é
chamado “A Regra de Ouro” (Mateus 7:12) foi realmente formulada primeiro por Hillel, que disse:
“O que é odioso para você, não faça ao seu próximo. Isto é toda a Torá e os mandamentos.”
(bShabbat 31a). Hillel passou seu cargo ao seu filho Gamaliel que foi o professor do Apóstolo Paulo
(Atos 5:34-39; 22:3).

2
O Talmude Babilônico: Glossário. Ed. 1. Epstein. Index Volume. London: Socino Press, 1952, p.734.

3
Santala, Risto. Paul, thc Man and thc Teacher in thc Light of Irwish Soun.cs. ferusalem: Kercn Mcshichit,
1995.

4
O Talmude Babilônico: Glossário. Ed. 1. Epstein. Index Volume. London: Socino Press, 1952, p. 736.

5
Allison, Dale C. The Sermon on the Mount. New York: Crossroad Publishing Company, 1999, p.72.

6
Keener, Craig S. A Commentary on the Gospel of Matthew. Grand Rapids: Eerdman s, 1999, p.
187.

7
Ben Isaiah, Abraham and Benjamin Sharfman. The Pentateuch with Rashi s Commentary: A Linear
Translation into English. Vol. 2. Exoduas. Brooklyn:

S.S. & R. Publishing Company. 1949, p. 394.

8
“Hermeneutics.” Oxford Dictionary of the Christian Church. Ed. F. L. Cross. Oxford University
Press. 1983, p. 641.

9
Consulte o apêndice para uma lista das treze midôt do rabino Ishmael.
A questão das mitzvôt (mandamentos)

Em um capítulo anterior, foi brevemente mencionado a questão dos


mandamentos e como interpretar e praticar os muitos mitzvôt que encontramos
no texto bíblico. Agora, vamos abordar estas questões em maiores detalhes. É
de grande importância para os judeus messiânicos de hoje fazer uma síntese
ordenada sobre o que pensamos a respeito dos mandamentos de Deus e a prática
dos mesmos. Os mandamentos são a coisa mais clara de se seguir quando
os interpretamos literalmente, embora tenhamos que lembrar que existem todos
os tipos de mitzvôt diferentes. Existem mandamentos específicos em gênero e
época, e outros tipos também.

Uma questão interessante com a qual temos de lidar é a que se refere a cobrir a
cabeça. Embora eu use um kipá em casamentos, funerais e em serviços de
Shabat, eu na verdade não gosto de usá-lo. Se eu fosse obedecer, literalmente, a
cada palavra do Novo Testamento, eu não usaria kipá em ocasião alguma,
especialmente quando oro, porque em 1 Coríntios 11:4 diz que os homens não
devem orar com as suas cabeças cobertas. O versículo 5 do mesmo capítulo diz
que as mulheres devem cobrir as suas cabeças. Paulo disse estas coisas baseado

em uma midrash halachá, através da qual ele fez um parecer para todas as
congregações de que as mulheres devem cobrir suas cabeças como sinal de
submissão à autoridade. A maioria dos movimentos messiânicos modernos está
fazendo isto ao contrário. Os homens usam kipá e as mulheres não cobrem
a cabeça. Na maior parte do mundo evangélico, nem os homens nem as mulheres
cobrem suas cabeças, mas eles são mais rigorosos com relação aos homens. Na
maioria das igrejas, um homem que entra com um chapéu, será solicitado a
removê-lo. Será que esse mandamento foi dado só para o momento e situação
específicos da congregação de Corinto, ou era um mandamento para todos os
tempos e lugares?

Para descobrirmos qual interpretação está correta, precisamos nos perguntar que
tipo de mandamento é este. Na verdade, seria este um mitzvá (mandamento) que
está ligado a um certo tempo, lugar e contexto cultural, ou é um mandado para
todos os tempos, em todos os lugares e sob todas as circunstâncias? Nem todos
os mandamentos são para todos os tempos e para todas as pessoas. Alguns
mitzvôt são designados a tempos e lugares específicos ou grupos de pessoas
específicos.

A Torá tem muitos exemplos de mitzvôt que são designados a grupos específicos
de pessoas. Por exemplo, os homens são ordenados a serem circuncidados e a
estudar a Torá. Alguns mandamentos, como purificação após parto,
naturalmente, se aplicam somente às mulheres. Há mandamentos apenas
para sacerdotes e levitas que não se aplicam a um Israelita regular. Os
mandamentos se aplicam especificamente às pessoas para as quais foram dados.
Da mesma forma, existem alguns mitzvôt direcionados aos gentios e outros
direcionados aos Israelitas. Por exemplo, os homens que não eram circuncidados
não

podiam comer a Páscoa, apesar de fazerem parte de Israel. Eles saíram do Egito
e poderiam até ser Israelitas, mas não eram autorizados a celebrar a Páscoa.
Durante os 40 anos que Israel esteve no deserto, eles não guardaram a Páscoa
porque todos aqueles que nasceram no deserto não eram circuncidados. Quando
eles cruzaram o rio Jordão, a primeira coisa que fizeram foi ter uma circuncisão
em massa. Todos os homens de Israel foram circuncidados a fim de celebrarem a
Páscoa.1 Este é um exemplo do fato de que nem todos os mandamentos são para
todas as pessoas.

O Novo Testamento contém mandamentos que foram feitos apenas para um


grupo de pessoas. Quando em Efésios 5 diz: " Esposas, sejam submissas aos
vossos maridos, como ao Senhor,” estamos claramente lendo uma ordem que se
destina apenas às mulheres. Há também mandamentos para os idosos, esposas de
presbíteros, diáconos, crianças, etc..

Temos que manter aspectos como gênero e público-alvo em mente, uma vez que
esta é uma parte da hermenêutica. A hermenêutica é uma maneira de determinar
o que Deus requer de nós. Em outras palavras, o que o texto realmente diz e
como podemos aplicar este conhecimento às nossas vidas?

A Midrash é parte deste processo hermenêutico. É uma busca por soluções


vindas do texto da Bíblia para as perguntas que o texto não enfoca diretamente.
A Midrash nasce dos problemas

que existem dentro do texto, bem como das necessidades contemporâneas da


comunidade dos crentes, que o texto não enfoca diretamente. Todos nós vivemos
em um mundo bem diferente daquele que existia quando a Bíblia foi escrita.
Um exemplo simples é que já não vivemos mais em uma cultura basicamente
agrária, e muitos dos mandamentos da Bíblia são voltados para uma sociedade e
contexto agrícolas. Quanto mais tecnologia o nosso mundo inventa, mais
perguntas temos que responder sobre como Deus quer que usemos esses
itens. Especialmente como judeus, temos grandes problemas em sintetizar a
guarda literal do mandamento com o princípio do mandamento, em alguns casos.

Por exemplo, a Bíblia nos instrui a “santificar o dia de sábado” e diz que não
devemos fazer qualquer trabalho braçal ou acender fogo no Shabat. Hoje
vivemos em um mundo diferente, e então, devemos nos perguntar o que significa
não fazer qualquer trabalho ou acender fogo em nosso contexto moderno.
Quando uma pessoa gira a chave de ignição em seu carro, ela está acendendo um
fogo? Se uma pessoa liga a eletricidade ou abre sua geladeira, ela está acendendo
um fogo? Diferentes grupos de judeus desenvolveram respostas diferentes para
essas questões, mas são questões que devem ser abordadas quando
tentamos guardar o Shabat numa era de tecnologia que a Bíblia nunca menciona.
Quando falamos sobre midrash e halachá, estamos abordando os problemas que
têm a ver com a vida. Isso não é apenas teologia teórica porque nós, na verdade,
criamos esses tipos de midrashim o tempo todo.

Um exemplo que já discutimos no capítulo anterior foi o problema de como as


congregações recebem os dízimos dos seus membros. Textos são retirados do
Tanách e do Novo

Testamento, e são ligados para tirar conclusões que não são explícitas em
qualquer um dos textos originais. Esta midrash é então aplicada a situações
comuns.

Não devemos nos permitir ficar com medo ou nos retirarmos quando ouvimos as
palavras “midrash” “Torá,” “halachá,” ou “rabinos”Não há razão para se ter
medo de estudar o contexto judaico do Novo Testamento. É um pecado para nós
tentarmos transformar qualquer um em judeu. Não devemos dizer a ninguém
para guardar o Shabat ou ser circuncidado ou para guardar qualquer destas
coisas, a menos que ele ou ela se sinta guiado pelo Espírito de Deus para fazê-lo.
No entanto, é necessário descrever estas questões, pois este é o mundo do Novo
Testamento e estes são os tipos de questões que os Apóstolos tiveram que
abordar. Além disso, esses foram os métodos usados para trazer vida à Igreja do
primeiro século.

“Halachá” é simplesmente um termo técnico que significa o resultado prático da


nossa vida diária de acordo com a Torá. Como andamos de acordo com a
vontade de Deus? Quando se examina de perto as várias das cartas de Paulo,
torna-se aparente que elas estão divididas em duas partes. Normalmente, a
primeira parte é teológica e a parte seguinte é prática. A palavra que é a linha
divisória entre as partes teológica e prática das epístolas é “andar” Os três
primeiros capítulos de Efésios são muito teológicos e teóricos, mas então, antes
de Paulo começar a dar muitos mandamentos práticos, Efésios 4:1 diz, “...Rogo-
vos, pois, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados.” A
primeira parte de Colossenses também é muito teológica, mas então no capítulo
dois, verso seis, temos a seção prática com as palavras: “Portanto, como
recebestes o

Messias Yeshua como Senhor; assim andai Nele." A Halachá é o modo de


vivermos na prática a nossa fé.

Paulo era um rabino com uma educação rabínica, então ele escreveu também
como um rabino. Ele estudou com o melhor rabino em sua geração. Portanto,
não deve ser surpresa alguma que ele use termos rabínicos do tipo “andar”, como
uma forma de vida.

Outra questão que tem de ser enfocada quando os crentes estudam os


mandamentos da Bíblia, é o que Paulo quis dizer em Gálatas quando falou
negativamente sobre estar “debaixo da Torá (lei).” Uma vez que Paulo diz em
Romanos 7:12: “Portanto, a Torá é santa, e o mandamento, santo, e justo, e
bom," está claro que ele não quer dizer que a Torá é uma coisa ruim. Ao
contrário, o problema surge com a expressão estar “debaixo da Torá”. A chave
para a compreensão do que significa estar “debaixo da Torá” e por que Paulo viu
isso como negativo é encontrada em Êxodo 23:5. Este versículo diz: “Se vires
prostrado debaixo da sua carga o jumento daquele que te aborrece, não o
abandonarás, mas ajudá-lo-ás a erguê-lo.” Aqui, a Torá nos ordena a ter
misericórdia deste jumento que está tão sobrecarregado pela carga sob a qual
está tentando andar que mal consegue se mover. Se o encontrarmos pelo
caminho, devemos tirar a sua carga fora e libertá-lo, de modo que ele possa
andar.

O entendimento de Paulo sobre os efeitos negativos de estar sob a Torá vem


dessa passagem. Portanto, estar debaixo da Torá é estar tão sobrecarregado pela
Torá que não se pode viver. É possível se ter um espírito tão legalista para
guardar a Torá (que não está necessariamente ligado à quantidade
de mandamentos que uma pessoa guarda, mas sim à sua atitude),

que se torna impossível andar livremente. Quando uma pessoa está vivendo sob
o jugo da Torá, ela vive sob constante pressão e medo. Não se pode funcionar em
amor e liberdade quando se está apavoradamente sob o jugo de qualquer coisa.

A fé nos exime de manter os mandamentos da Torá? Há um princípio envolvido


nisto, e ele se relaciona com os principais interesses de Deus. Paulo escreve
inúmeras vezes em suas cartas que Abraão foi salvo pela fé, então esta idéia
deve ter sido um pilar importante subjacente à sua visão de mundo. Em
Romanos 4-5, Gálatas 3, e em muitos outros lugares, é mencionada a fé de
Abraão citando-se Gênesis 15:6, que diz: ‘Abraão creu em Deus, e isso lhe foi
imputado para justiça.” Quando Abraão creu, ele parou de guardar os
mandamentos de Deus? Claro que não. Abraão foi salvo pela fé, mas essa fé o
trouxe à obediência às leis de Deus, assim como Gênesis 26:5 diz: “Porque
Abraão obedeceu à minha voz e guardou a minha ordenança, os meus
mandamentos, os meus estatutos e as minhas leis“

Então, qual é o ponto de Paulo? Ele está ensinando que nós nos tornamos livres
do fardo da Torá pela cruz. A cruz nos liberta e nos livra do fardo da Torá, e não
da própria Torá. Ela nos livra da maldição da Torá. Em Gálatas 3:13 diz que
através da cruz nós somos livres da maldição da Torá. A Torá tem capítulos
inteiros cheios de maldições terríveis, especialmente no final de Deuteronômio.
Qual é a função dessas maldições? Sua função é pura e simplesmente inculcar
medo! Estas maldições foram projetadas para assustar as pessoas para que elas
pudessem ser obedientes.

A Europa tem um monte de catedrais medievais antigas com pinturas


assustadoras do Juízo Final nas paredes. Estas pinturas

mostram pessoas sendo cortadas em pedaços e decapitadas, e o diabo engolindo-


as. O propósito destas pinturas é provocar o temor. A Torá tem as maldições
(punições) precisamente pelo mesmo motivo.2 Todavia, onde há temor não pode
haver amor, conforme 1 João 4:18 diz: “Não há temor no amor; mas o perfeito
amor lança fora o medo. Pois o medo tem a ver com punição, e quem teme não
foi aperfeiçoado no amor” Sempre que não há amor, a motivação para adorar a
Deus está errada.

Deus não está interessado em sacrifícios mais do que o amor e as motivações dos
nossos corações. Percebemos isto em Amós 6:6, Jeremias 7:23, Isaías 1, e muitas
outras passagens. Deus não é um ídolo que precisa de pessoas para alimentá-LO
ou LHE edificar uma casa. Ele não precisa de coisa alguma do homem. Ele dá a
todos a vida e a respiração e tudo que eles têm. O que Deus requer de Israel e do
mundo inteiro é que tenham um relacionamento verdadeiro e honesto com Ele,
baseado na motivação interna do coração do homem. O amor dado livremente é
o oposto do medo. A razão pela qual necessitávamos da Nova Aliança prometida
por Jeremias, foi para nos libertar do medo e da maldição da Torá, para
que possamos ter um relacionamento com Deus e obedecer os Seus mitzvot por
amor e pelas motivações honestas de nossos corações. Deus nunca quis assustar
as pessoas para forçá-las a

obedecer. Ele sempre quis uma relação baseada na verdadeira fé e no amor.

O que mudou quando Yeshua morreu na cruz e ressuscitou dos mortos? Em


Gálatas 3:13 diz que quando Yeshua morreu na cruz, Ele se tornou uma maldição
por nós. Paulo faz esta midrash baseado no mesmo texto em Deuteronômio 21
que estudamos no capítulo sobre kal va hômer. Paulo usa a frase da Torá
“Maldito todo aquele que for pendurado em madeiro” para explicar porque
Yeshua foi crucificado. Ele se tornou uma maldição por nós. Ele não morreu
para tirar a Torá, mas para tirar a maldição da Torá. Ele morreu para nos libertar
do medo porque o medo era um instrumento do diabo para nos escravizar.
Yeshua nos libertou do fardo da Torá porque o fardo da Torá não é uma coisa
positiva.

O fardo da Torá era o que Yeshua se referia quando Ele condenou os fariseus e
os escribas em Lucas 11:46: “Ai de vós também, intérpretes da Lei! Porque
sobrecarregais os homens com fardos superiores às suas forças, mas vós
mesmos nem com um dedo os tocais.” As declarações de Yeshua aqui referem-
se à questão de ajudar o jumento de Êxodo (o qual acabamos de enfocar), além
de ser uma brincadeira com as palavras dos conselheiros do rei Roboão, em 1
Reis 12:10-11. Nesta passagem, eles insensatamente aconselham o rei a dizer
aos Israelitas que estavam reclamando sobre os pesados impostos e o trabalho
forçado que o rei Salomão tinha colocado sobre eles: “Meu dedo mínimo é mais
grosso do que os lombos de meu pai. Assim que, se meu pai vos impôs jugo
pesado, eu ainda vo-lo aumentarei...” Este é o problema de se ter uma religião
em vez de um relacionamento com Deus. Yeshua veio para nos libertar deste
problema, e Ele nos deu o Seu Espírito para nos guiar em

toda a verdade. Isto não é para que possamos fazer qualquer coisa que queremos,
mas sim para que sejamos habilitados a fazer a vontade de Deus. A diminuição
deste jugo é o que Yeshua quis dizer quando Ele declarou em Mateus 11:28-
30: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos
aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo
é suaves e o meu fardo é leve.”

A razão pela qual devemos “morrer com Yeshua” e ser batizados é para que
nosso próprio ego e paixões não mais tenham domínio sobre nós. Eles nos ditam
ordens e sem a ajuda de Deus ficamos impotentes diante deles, como nos
ensina Paulo, em Romanos 6. Uma vez que fomos “crucificados com o
Messias”, recebemos uma nova vida, uma vida imortal, na qual somos guiados
pelo Espírito de Deus e Sua Palavra, e não pelos nossas próprias cobiças.

Para sintetizar estas duas coisas, vamos examinar Gálatas 5:18, que diz:
“Mas, se sois guiados pelo Espirito, não estais sob a lei.” Embora o texto diga
que não estamos sob a lei, isto não significa que estamos livres para fazer o que
quisermos. Não estar sob a maldição da Torá significa que não mais
tomaremos parte nas obras da carne. No entanto, sempre que houver uma área de
nossas vidas que ainda não submetemos ao Espírito de Deus, estaremos sujeitos
à aplicação da maldição da Torá.

Vamos esclarecer este assunto. Se formos cidadãos obedientes e andarmos de


acordo com as leis de nosso pais, viveremos em liberdade e não teremos medo
da lei. Se virmos um policial, podemos dizer olá para ele, perguntar sobre o
seu bem-estar ou pedir-lhe ajuda. Se, por outro lado, estivermos infringido a lei e
virmos um policial vindo em nossa direção.

imediatamente ficamos com medo. Pensamos: “Talvez


ele esteja vindo para me pegar porque sabe o que eu fiz
de errado e meu semblante pode me denunciar.7*
Tentamos, então, fugir e não encontrá-lo cara a cara. Por
outro lado, se não somos culpados e não tivermos feito
nada errado, temos liberdade! A lei, neste caso, não tem
efeito.

A maioria de nós tem áreas em nossas vidas que ainda


não submetemos ao controle do Espírito de Deus.
Precisamos da Torá para nos ajudar a controlar as áreas
que não têm sido controladas em nosso interior. A
declaração de Paulo é condicional: “Se andais no Espírito,
então, não estais mais sob a Torá” Se não submetemos uma área
particular ao Espírito, então a conclusão é que ainda
precisamos da Torá, e a Torá será nosso juiz. A Torá será,
de certa forma, uma cerca para nos proteger de nossas
próprias inclinações e fraquezas nestas áreas.
Moishe Rosen, o fundador do “lews for Jesus”, disse uma
vez que o problema com a maioria dos crentes não é que
não temos vida o suficiente; mas que não morremos o
suficiente no Messias. Em nosso batismo, não
pretendíamos realmente desistir do nosso passada Não
quisemos realmente desistir de todos os nossos pecados e
colocá-los ao pé da cruz. Embrulhamos algumas das
nossas velhas vidas em um saco plástico, em um modo de
dizer, e quando entramos no batismo, aquela
parte permaneceu seca. Se tivéssemos morrido com o
Messias e fôssemos verdadeiramente ressuscitados para
uma nova vida cheios do Espírita a maldição da Torá não
teria nenhum efeito sobre nós, porque estaríamos fazendo
a vontade de Deus naturalmente. A Torá estaria escrita
em nossos corações pelo Espírito Santo, e nós estaríamos,
automaticamente e através de nossas motivações internas,
fazendo a vontade de Deus.
Isto é o que Paulo ensina. Ele não estava ensinando contra a Torá. Quem ensina
contra a Torá é um falso profeta. Paulo não poderia ensinar contra a Torá quando
ele diz em Romanos 7 que a Torá é de Deus e é uma coisa boa e espiritual.
Em Romanos 3:31 ele pergunta: “Anulamos, pois, a lei pela fé? Não, de maneira
nenhuma! Antes, confirmamos a lei” Em outras palavras, defendemos e
mantemos a Torá. O que foi crucificado não foi a Torá, mas o fardo da Torá.
Paulo não poderia dizer que a Torá é boa, espiritual e de Deus, em uma
passagem, e em outra afirmar que a Torá é ruim e morta.

Abraão foi salvo pela fé, mas ele ainda teve que obedecer os estatutos,
mandamentos e preceitos do Senhor. Quem ensina que a salvação pela fé não
requer obediência, está ensinando contra a vontade de Deus. Yeshua disse em
João 14:15, “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” Esta
combinação de amor e guardar os mandamentos aparece muitas vezes no Tanách
também (Ex 20:6, Dt 7:9, Dn 9:4). Se realmente acreditamos que Ele é o Filho
de Deus, então não podemos negar que os mitzvôt de Deus e os mandamentos de
Yeshua são um e a mesma coisa. Fomos salvos pela fé para que pudéssemos ser
livres e obedientes a Deus em amor e em pureza de coração e mente, sendo
servos da justiça ao invés de servos do pecado.

Capítulo ()

1
O apóstolo Paulo declara aos gentios discípulos de Yeshua, em Ef 2:19, que no Messias estes não são
mais estrangeiros, mas “concidadãos dos santos” e “família de Deus” Apesar de não se tornar judeu,
a obra do Messias faz do gentio que nele crê um filho de Abraão mediante a fé (GI 2:26,29). A regra
de Ex 12:43 continua em vigor, e até os dias de hoje os estrangeiros não podem celebrar a
Páscoa. Porém, mediante a obra do Messias, não há ‘estrangeiros’ no Reino de Deus. Esta é a razão
pela qual o apóstolo Paulo ordena gentios crentes a celebrarem a Páscoa em I Co 5:8, sem com isso
descumprir o mandamento da Torá.

2
Isto é semelhante à multa referente ao excesso de velocidade no trânsito. O departamento de transito
não deveria criar multas nem radares para garantir a obediência dos motoristas. No entanto, muitas
pessoas só não transgridem esta e muitas outras leis de trânsito por medo da punição. Neste caso, o
motorista está ‘sob’ a lei. O ideal seria o motorista ter como princípio de vida nunca exceder os limites
de velocidade, independente se há multas ou radares. Neste caso, a lei estaria escrita em seu coração’
e ele a guardaria naturalmente, sem medo e sem estar ‘sob’ ela.
A halachá judaico-messiânica

A palavra halachá vem da palavra Hebraica nDbb “andar” Este é um termo


técnico utilizado para as regras que regem a vida dentro da comunidade judaica.
O termo halachá aparece muitas vezes no Novo Testamento, especialmente nas
cartas de Paulo. Ele usa a palavra “andar” em quase todas as suas cartas, quando
dá instruções práticas sobre o modo que o crente deve conduzir sua vida. Lucas
também usa este termo ao descrever a vida de uma pessoa justa. Aqui estão
alguns exemplos deste ponto:

“E ambos eram justos diante de Deus., vivendo (andando) irrepreensivelmente


em todos os mandamentos e ordenanças do Senhor ” (Lucas 1:6)1

“...para viverdes (andardes) de modo digno do Deus que vos chama para o Seu
reino e glória." (1 Te 2:12)2

“Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não em


impudicícias e dissoluções, não em contendas e ciúmes.” (Romanos 13:13)3

“Ande cada um segundo o Senhor lhe tem distribuído, cada um conforme Deus o
tem chamado. É assim que ordeno em todas as igrejas.” (1 Coríntios 7:17)4

Há muito mais exemplos do uso do termo “andar” no contexto da halachá, mas


estes são satisfatórios para provar meu argumento. Parece evidente, por estas
passagens, que a Igreja do primeiro século buscava ativamente a formação de
uma halachá messiânica especializada, e que ela era referida pela palavra
“andar”. Existem também decisões e decretos legislados para os crentes pelos
Apóstolos, que não usam especificamente a palavra “andar.” Alguns termos de
identificação aqui seriam “regular,” “permitir” ou “proibir.” Cada uma dessas
palavras tem um termo Hebraico correspondente que é muito comum na
literatura rabínica. “Permitir”, por exemplo, reflete o termo haláchico hebraico
ttid que significa “libertar” ou “dar permissão.”
Os apóstolos entenderam pelas palavras de Yeshua, em Mateus 16:19, que eles
tinham o direito de “ligar” (permitir) e “desligar” (proibir) na terra. “Dar-te-ei as
chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o
que desligares na terra terá sido desligado nos céus” As palavras de Yeshua são
claras apenas se forem compreendidas dentro do contexto judaico de formar
halachá. Yeshua deu autoridade aos apóstolos para tomar decisões que seriam
aceitáveis, ou, “ligadas” no céu, assim como na terra.

Esta é exatamente a mesma autoridade que os Rabinos tomaram para si. A


midrash Tehillim 4 diz: “Um rei terreno faz um decreto, e ainda que seus
conselheiros solicitem, eles não podem cancelá-lo. Querendo ou não eles têm
que obedecer ao decreto, mas se o próprio rei solicitar, o decreto é
cancelado. Mas o Santo, bendito seja Ele, não é assim, porque qualquer que seja
o decreto do Sinédrio, Ele obedece.” Embora os rabinos parecem ter levado a
sua autoridade um pouco longe demais neste caso, o princípio é o mesmo.
Yeshua deu aos apóstolos o direito de formar halachá por Sua autoridade.
Todavia, estas decisões ainda devem ser baseadas nas Escrituras e sem a atitude
ex-cathedra ditatorial que assolou a Igreja durante tantos anos.

Antes de discutirmos os problemas e as diretrizes para formar a halachá no


judaísmo messiânico moderno, vamos primeiro analisar atentamente o contexto
de Mateus 23:1-4 e o que isso implica para a halachá messiânica de hoje. O
sentido desta passagem para nós, nos dias de hoje, não pode ser muito diferente
do modo que os apóstolos entendiam no primeiro século.

Yeshua e Seus discípulos faziam parte do mundo dos fariseus na Terra de Israel
durante o primeiro século, e Yeshua tinha uma visão de mundo bastante
farisaica. Portanto, todos as discussões que Ele tinha com os fariseus eram
argumentos entre correligionários. No primeiro século a.C., os
fariseus trouxeram uma revolução religiosa ao judaísmo, dizendo que a vontade
de Deus poderia ser conhecida e discernida por qualquer estudante das Sagradas
Escrituras. Antes desta grande revolução e de acordo com a Torá de Moisés, a
maneira de discernir a “vontade de Deus” era perguntando ao sacerdote

ou ao profeta. Quando essas duas instituições foram marcadas pela corrupção e o


helenismo, os fariseus desenvolveram uma escola de pensamento que adquiria o
conhecimento da “vontade de Deus” estudando-se o texto da Torá.
Yeshua também pensava desta forma, razão pela qual os Evangelhos registram
tantas discussões entre Ele e os fariseus. Somente pelo fato de considerarem
Yeshua como “um dos seus” é que os fariseus poderiam ter chegado a Ele com
acusações e perguntas sobre a lavagem das mãos e apanhar milho no sábado. Se
Ele tivesse sido um saduceu, eles não teriam sequer se preocupado em acusá-LO.
Todos nós discutimos com as pessoas que nos são mais próximas e acusamos
aquelas que conhecemos melhor.

Em Mateus 23:1-4 diz: “Então, falou Yeshua às multidões e aos seus discípulos:
‘Na cadeira de Moisés, se assentaram os escribas e os fariseus. Fazei e guardai,
pois, tudo quanto eles vos disserem, porém não os imiteis nas suas obras;
porque dizem e não fazem. Atam fardos pesados [e difíceis de carregar] e
os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo
querem movê-los!” Por que o texto menciona que Yeshua falou tanto às
multidões como a seus discípulos? A questão de mencionar as multidões
também, é para mostrar que essas palavras são aplicáveis tanto às pessoas
comuns como aos discípulos de Yeshua.

Se quisermos compreender estas instruções corretamente, é preciso primeiro


discutir o significado do termo “sentar-se na cadeira de Moisés.” A cadeira de
Moisés foi encontrada em várias sinagogas que datam do período Mishnaico
(período no qual a mishná foi escrita). O rabino costumava sentar-se na cadeira
de Moisés, (que funcionava como um púlpito), e dar a sua drashá, “homilia,”
após a leitura da Torá. Devido à idéia

farisaica revolucionária de que o estudo e a interpretação das Escrituras era a


norma pela qual o homem poderia conhecer a vontade de Deus, os rabinos que
explicavam a Torá da “cadeira de Moisés” tinham grande autoridade e
responsabilidade. Esses rabinos, que estavam na linha de autoridade de Moisés,
tinham o direito de exegese do texto e tiravam conclusões práticas ou morais
dele. Este foi o primeiro método de formar halachá na comunidade judaica.

Yeshua declarou que os professores da Torá e os fariseus têm autoridade para


interpretar e criar halachá quando estão explicando o texto da Torá de Moisés.
No entanto, as palavras de Yeshua aqui não dão a eles uma carta-branca para
fazerem halachá para Seus discípulos. A declaração limita-os ao tempo em que
se “assentam na cadeira de Moisés,” o que significa, apenas quando estão
fazendo exegese do texto da Torá na sinagoga.

Agora, precisamos esclarecer as palavras: “vocês devem obedecê-los e fazer tudo


o que eles lhes disserem,” porque muitas coisas mudaram no Judaismo nos
últimos dois mil anos. No tempo de Yeshua, os rabinos não tinham ainda dado
qualquer ensino oficial e autoritário contra Yeshua ou a crença
Nele. Infelizmente, após dois mil anos de história “cristã”, tanto a situação do
povo Judeu como da cristandade alteraram significativamente. Durante estes
anos, a tradição judaica tomou muitas decisões polêmicas contra o cristianismo e
o próprio Yeshua. Em minha opinião, no entanto, se colocarmos as palavras de
Yeshua de volta ao seu cenário histórico, podemos obedecê-las e ainda continuar
a respeitar a tradição judaica de exegese e interpretação da Torá.

A instrução de Yeshua de “faça o que dizem os fariseus, mas não o que eles
fazem,” é curiosamente similar à instrução do rei Alexander Yannai à sua esposa,
a rainha Alexandra (Shlomzion), como registrado no bSotah 22b. Ele disse:
“Não temais os fariseus ou os não-fariseus, mas proteja-se contra os hipócritas,
porque suas ações são como os atos de Zimri, mas esperam uma recompensa de
Finéias.” É evidente que o problema de Yeshua com esses fariseus é que eles
fizeram muitas regras da Torá, mas eles mesmos não as cumpriam. Ele se opôs a
fazer exigências e colocar encargos sobre as pessoas sem levar em conta se era
prático ou mesmo possível mantê-los. A Torá foi dada para que pudéssemos
viver por ela. Não é para ser simplesmente um exercício teórico para pessoas
que vivem em uma Beit Midrashy que nunca têm de lidar com os problemas
diários e práticos.

O lugar para se começar a criar halachá hoje tem que ser nas instruções de
Yeshua aos discípulos nesta passagem, então, somos obrigados a considerar
cuidadosamente Suas palavras. Esta passagem significa que devemos fazer um
esforço muito sério para conhecer, estudar e entender o que “os fariseus que se
assentam na cadeira de Moisés” dizem e ensinam, sobre uma variedade de
questões que todos nós enfrentamos como judeus vivendo em um mundo pós-
moderno. Temos que descobrir um sistema operacional que nos permita respeitar
e aceitar a interpretação tradicional do judaísmo ortodoxo. Ao mesmo tempo,
devemos adicionar elementos de vida, a orientação do Espírito Santo e uma boa
dose do amor e graça de Deus, no espírito dos ensinamentos de Yeshua. Este
pode ser o maior desafio do movimento judaico-messiânico hoje.

Um seguidor de Yeshua deve sempre levar em conta os princípios da graça


de Deus. A halachá judaico-messiânica deve ficar o mais próximo possível
da Palavra de Deus e lembrar-nos que seremos julgados com base na graça
de Deus através do sacrifício de Yeshua. Esta graça de Deus, no entanto, não
pode ser tomada como uma consideração a-priori para formar halachá. Ela
só pode ser considerada como uma diminuição pós-priori das circunstâncias.
Para explicar isto melhor, lembremo-nos que as leis são feitas com base
em determinados padrões e não com base em exceções e casos especiais.
Estas exceções não devem ser a norma. Da mesma maneira, a graça de Deus
não deve justificar a realização de uma decisão mais branda do que as
exigências da Torá, em casos normais. Se o padrão normal não pode ser
cumprido por causa de circunstâncias excepcionais e inevitáveis, então a
graça de Deus cobrirá essa situação.

Vamos agora examinar alguns problemas potenciais com a formação de


halachá no movimento judaico-messiânico de hoje. Precisamos ser honestos
e admitir que temos muita falta da unidade, preparo, treinamento e tradição
para formar nosso próprio corpo de halachá neste momento. Se quisermos
ter sucesso, temos que trabalhar para aumentar a nossa integridade aos
olhos das comunidades judaica e cristã. Uma vez que temos falta de
conhecimentos importantes sobre a Torá e sobre o judaísmo, nossa
integridade como um autêntico movimento judaico está em questão tanto
aos olhos dos judeus como dos cristãos. Além disso, enquanto o nosso
movimento depender das doações de igrejas gentílicas para sobreviver,
estaremos sujeitos a acusações de sermos potencialmente tendenciosos em
nossas decisões.

Infelizmente, não temos muitos líderes amplamente respeitados o suficiente nas


comunidades messiânicas e cristãs para que as suas decisões haláchicas sejam
aceitas pela maioria da comunidade messiânica. Quando criarmos um corpo
de halachcí, temos que ter certeza de que faremos isso da maneira mais isolada
possível da política interna e dos jogos de poder. Nós também temos que tentar
não ser divisionistas fazendo ‘ regras de conduta” que apenas uma pequena
minoria vai manter, enquanto os outros continuam a fazer o que
querem. Infelizmente, a maioria dos membros do movimento
messiânico dificilmente se preocupa com a halachá que está claramente escrita
nas Escrituras, muito menos com o judaísmo. Se eles não se importam nem
mesmo com as leis explícitas de Deus, eles certamente não se preocupariam com
o que alguns líderes decidam como regras que afetaria o seu estilo de vida.

Mais importante, não devemos inventar nossos próprios regulamentos se eles


nos levam para fora da comunhão com o resto do povo de Israel. Não há nada
que vai nos tornar uma seita mais rápido do que fazer a nossa própria
halachá em oposição à tradição judaica bíblica ou em oposição
aos mandamentos do Novo Testamento. Não podemos começar a impor regras
vinculativas sobre os nossos membros que nos distanciam ainda mais da
comunidade judaica. Pode, de fato, ser melhor simplesmente aceitar a halachá
tradicional sobre todos os assuntos, rejeitando apenas aquelas que
atinjam diretamente a pessoa e o caráter de Yeshua ou que vão contra a Palavra
escrita de Deus. Por outro lado, algumas congregações podem achar preferível,
por razões demográficas, apenas se contentar com o modelo protestante e seguir
o caminho da cultura cristã ocidental.

Estas palavras podem cortar e ferir profundamente, mas sem uma avaliação
honesta do que somos hoje, não seremos capazes de formar um corpo de halachá
eficaz e confiável. Sem este tipo de honestidade dolorosa, qualquer halachá
que fizermos será de curta duração e de divisão para o Corpo do Messias e para
Israel como povo. Em suma, se queremos criar nosso próprio corpo de halachá,
precisamos fazê-lo com muita cautela e com muita oração e consideração.

Ao invés de simplesmente focar os perigos potenciais e problemas inerentes à


construção da halachá messiânica, vamos também rever alguns passos
importantes que precisamos tomar quando começamos a navegar nestes
mares desafiadores. A primeira orientação para a halachá messiânica é que esta
deve incluir a aceitação de todas as decisões haláchicas, exemplos apostólicos e
inferências que encontramos no Novo Testamento. Uma das regras básicas para
a formação de halachá é que deve-se construir sobre o fundamento daquilo que
as gerações anteriores proferiam como autoridade. Não podemos criar uma nova
halachá ignorando ou subestimando os escritores apostólicos da Palavra
inspirada de Deus. Ignorar as decisões dos apóstolos fará o movimento
messiânico viver de acordo com as acusações de nossos irmãos judeus, que
somos uma seita, tendo o mundo cristão juntando-se a eles no mesmo refrão.
Formar halachá não pode se tornar uma ferramenta para resolver problemas
políticos no movimento messiânico. Pelo contrário, ela deve ser uma busca
sincera por fazer a vontade de Deus no Espírito e verdade de Sua Palavra
viva. Devemos nos re-comprometer com o fato de que a Palavra de Deus é a
única autoridade para o nosso ensino e nossas ações.

O segundo passo que precisamos tomar como indivíduos e como um movimento


é raciocinar sobre a nossa posição a respeito da relação entre os mandamentos
bíblicos, a graça de Deus e nossa unidade com o resto do Corpo do Messias. Nós
não podemos alienar nossos irmãos cristãos não-judeus que ainda estão
encalhados às margens desequilibradas do entendimento de Martinho Lutero
sobre a graça de Deus. Queremos apresentar uma teologia fundamentada com
uma atitude amorosa e amigável, sem comprometer a Palavra de Deus ou a
judaicidade do Novo Testamento. Por favor, consulte o capítulo neste livro sobre
os mandamentos e a graça, para uma possível síntese desses conceitos
importantes.

Em terceiro lugar, temos que nos comprometer com a unidade e a comunhão,


apesar de todas as discussões e divergências que possam surgir durante o
processo de fazer halachá. Há todos os tipos de discórdias, conflitos de
personalidade, interesses particular e problemas de temperamento que podem
surgir durante tais discussões e deliberações. Temos que demonstrar uma grande
tolerância e um comportamento civilizado uns para com os outros, não importa o
quanto estamos em desacordo. Devemos lembrar que o objetivo de formar
halachá é para trabalhar a unidade tanto nas ações como na doutrina. Se a nossa
própria halachá aliena-nos uns dos outros ou da comunidade judaica, seria
melhor para nós descartarmos a ideia até amadurecermos.

Vai demorar um bom tempo até formarmos uma halachá judaico-messiânica.


Anos serão necessários para se desenvolver o tipo de respeito e prestígio que é
necessário para a nossa comunidade respeitar as decisões de um comitê. Se
vamos ter halachá judaico-messiânica no futuro, teremos que trabalhar
duro para ganhar o respeito e a autoridade de Deus e do movimento. Será
necessário também ter erudição e educação, e a erudição demanda um longo
tempo para se construir e se desenvolver dentro de uma comunidade.

É minha firme convicção que com a boa vontade dos membros da nossa
comunidade messiânica e uma ampla base de líderes ponderados e
conhecedores, podemos construir uma halachá bíblica e judaica para as futuras
gerações de judeus messiânicos. Temos que começar por preparar o apoio moral
e financeiro suficiente para aqueles que cumprem a tarefa, e escolher as pessoas
de acordo com suas qualificações espirituais e intelectuais como estudantes
honestos da Palavra de Deus e da tradição judaica. Nossa halachá deve
estar enraizada nas Escrituras e na graça de Yeshua. Uma parte vital do
desenvolvimento da halachá judaico-messiânica é nos voltarmos à autêntica
hermenêutica judaica, com a orientação do Espírito Santo. Desta forma, seremos
capazes de crescer e evoluir para um Corpo do Messias saudável, forte e
unificado.

Capítulo 7

1
Neste versículo, “andando” está diretamente relacionado a guardar os mandamentos de Deus.

2
Este versíc ulo usa “andardes” referindo-se ao modo justo de vida que o crente deve seguir.

3
A instrução de Paulo aos Romanos, em relação às autoridades civis, está diretamente relacionada à
guarda da halachá que mais tarde os Rabinos formularam como “dina demalchuta dina,” (a lei do
reino - Roma ou qualquer outro governo pagão - é lei).

4
Paulo aqui está claramente tomando uma decisão haláchica para todas as suas congregações. Ele
ordena às pessoas em todas as congregações a andar de acordo com o seu “chamado.” Se eles são
)udeus (circuncidados), eles não devem estar andando como Gentios (incircuncisos). Esta é uma
decisão haláhica a que ele obriga todas as congregações como uma ordenança.
Os princípios da educação judaica

Há sete pilares, em toda comunidade judaica, que nos permitiram sobreviver


milhares de anos apesar das circunstâncias extremamente difíceis. Com certeza,
não teríamos sobrevivido sem estes pilares. O primeiro pilar é a sinagoga e a
adoração. A comunidade deve se reunir e adorar o Criador. O segundo é o dever
de caridade de cuidar das viúvas e dos órfãos. O terceiro pilar é chamado Talmud
Torá, que significa a escola para as crianças. Sem ensinar a Palavra de Deus às
crianças, não pode haver continuidade nem transferência de valores e cultura.
Portanto, esse pilar é crucial. O quarto pilar é Beit MidrasK que significa
educação de adultos. Judeus adultos são ordenados a continuar a estudar a Torá
durante toda a vida. A Torá é eterna e renovada pelo Senhor a cada dia.
Portanto, vemos que a educação (estudo) é muito importante para a comunidade
judaica.

Os outros pilares incluem mikveh (ritual de imersão), cuidar dos pobres e cuidar
dos mortos, o que significa a lavagem de seus corpos antes do sepultamento, a
manutenção do cemitério, etc. Neste estudo, entretanto, vamos nos concentrar na
educação e sua importância na comunidade judaica.

Um dos maiores mandamentos do judaísmo é aprender a Palavra de Deus. Deus


salva os deficientes mentais, os ignorantes e os doentes mentais por Sua pura
misericórdia.

No entanto, a salvação não é a única coisa que Deus quer de nós. Ele quer que
sejamos instrumentos e ferramentas em Suas mãos. Deus pode transformar um
jumento em um profeta, e Ele até fez isto uma vez, no caso de Balaão.
Entretanto, nenhum de nós deve se esforçar para ser um simples jumento.
Deus pode e usa as pessoas mesmo que elas sejam ignorantes, mas aprender e
estudar a Palavra de Deus é essencial.

Paulo diz a Timóteo em 2 Timóteo 2:15: “Procura apresentar-te a Deus


aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a
Palavra da Verdade .”
Mostrar-nos aprovados significa justificar o crédito que Deus nos deu. Temos
recebido crédito de Deus pela graça, mas com a idéia de que vamos crescer na fé
e ser úteis no Reino de Deus. Se uma pessoa deseja ser útil em qualquer posição
ou profissão, como dona de casa ou mãe, carpinteiro, eletricista ou médico, então
o crescimento contínuo é uma exigência. O crescimento profissional e o
crescimento na “fé profissional” são vitais, porque se for dada a oportunidade de
testemunhar a alguém sobre Yeshua, temos de ter as respostas.

Estamos vivendo em um mundo que não é tão simples como ele costumava ser
há algumas centenas de anos, porque as pessoas têm acesso à comunicação
moderna e a um monte de informações. Crianças de sete ou oito anos já sabem
como navegar na internet e procurar as coisas, e conhecimento é poder. O
conhecimento da Palavra de Deus é poder duas vezes, porque não só afeta as
nossas vidas aqui na terra, mas também no céu. A ignorância nunca foi um dom
e o estudo é uma das coisas mais importantes na vida. Essa é a compreensão
tanto bíblica como judaica de vida. Somos ordenados a estudar e a apresentar-
nos aprovados para justificar a confiança e o crédito

que Deus nos deu. Somos ordenados a ter respostas da Palavra de Deus e do
Espírito Santo, se alguém nos pergunta qual a razão da esperança que há em nós.
No entanto, esse é apenas um aspecto da compreensão e estudo da Palavra de
Deus.

O povo judeu estuda a Bíblia universalmente lendo a mesma porção da Torá nas
sinagogas em todo o mundo, a cada semana em particular. Não importa se são
Reformistas, Conservadores, Ortodoxos, Reconstrucionistas ou Messiânicos.
Todos os judeus, em todo o mundo, lêem o mesmo texto da Bíblia a
cada semana. Uma vez por ano lemos e estudamos publicamente todos os cinco
Livros de Moisés e parte dos Profetas na parashá (porção semanal).

Há uma porção em Êxodo que contém algumas coisas muito importantes sobre a
educação e o estudo. Lendo em Êxodo 12:25-27 vemos: quando entrardes na
terra que o

Senhor vos dará, como Ele prometeu, observai este rito. Quando vossos filhos
vos perguntarem: Que rito é este? Respondereis: É o sacrifício da Páscoa ao
Senhor, que passou por cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando
feriu os Egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo se inclinou e adorou.”

Quando nossos filhos nos vêem fazendo alguma coisa, não importa o que seja,
eles perguntarão: “o que é essa coisa que você está fazendo?” Enquanto crescem,
as crianças fazem perguntas tais como: “papai e mamãe, por que estamos
indo para a congregação? Por que acreditamos em Deus? Quem é esse Yeshua?
Por que você dá dinheiro? Não podemos ficar em casa? Posso ficar em casa só
desta vez e assistir um programa interessante na televisão, em vez de ir para a
congregação?” Elas vão querer saber em que as nossas vidas estão centradas, e
as respostas que damos aos nossos filhos vão ficar com eles

para o resto de suas vidas. Eles não vão permanecer fiéis ou caminhar na luz, se
nós lhes dermos as respostas erradas. Eles saberão antes de qualquer outra
pessoa se somos falsos. As crianças sabem destas coisas.

Esta seção da Torá é do tempo que o povo ainda estava no Egito, e previu que
depois de chegarem à Terra, os filhos iriam perguntar a seus pais: “Que obra é
essa que vocês estão fazendo? Em que está centrada a vida de vocês?” Temos
que dar a eles uma resposta adequada.

Não estudamos na vida apenas para ganhar mais dinheiro. É uma questão de
qualidade de vida e como vamos realizar o nosso trabalho e qual equipamento
seremos capazes de usar. Uma pessoa ainda pode apertar parafusos com uma
velha faca de cozinha se não houver uma chave de fenda disponível, e a maioria
de nós já fez isso uma ou duas vezes. Se olharmos para a ponta da faca de
cozinha depois de ser usada no lugar de uma chave de fenda, no entanto, torna-se
claro que não é o ideal. Danificamos a faca, danificamos o parafuso, e
muito provavelmente, danificamos nossas mãos porque se ela desliza, corta-nos.
Ela não foi feita para essa finalidade. Não se pode ser um bom músico, sem ir à
escola, e não se pode fazer um bom trabalho de cozinhar em casa sem aprender
como fazê-lo. Se quisermos fazer algo que vale a pena, temos que saber
como fazê-lo corretamente.

Aparentemente, o diabo tem enganado a Igreja dizendo: “Você não precisa


aprender. Sente-se ou durma sobre a Bíblia, e de alguma forma, por osmose, algo
será filtrado para dentro de você.” No entanto, não é assim que funciona. O
estudo é essencial.

Em Êxodo 13:14-16 diz: “Quando teu filho amanhã te perguntar: Que é isso?
Responder-lhe-ás: O SENHOR com mão forte nos tirou da casa da servidão.
Pois sucedeu que, endurecendo-se Faraó para não nos deixar sair, o SENHOR
matou todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito do homem
até ao primogênito dos animais; por isso, eu sacrifico ao SENHOR todos os
machos que abrem a madre; porém a todo primogênito de meus filhos Eu
resgato. E isto será como sinal na tua mão e por frontais entre os teus olhos, que
o SENHOR com mão forte nos tirou do Egito”

Uma coisa muito importante sobre o conceito de educação judaica é que a


educação envolve sinais. Por exemplo, em cada consultório médico existe
um diploma pendurado na parede que diz em qual escola ele se formou, e
isso faz uma grande diferença. Ninguém quer um neurocirurgião que
recebeu sua graduação por correspondência. O diploma funciona como um
sinal para provar que ele recebeu uma genuína educação de alto nível

A educação de Deus envolve sinais também. Deus diz que quando nossos
filhos perguntarem, “O que vocês estão fazendo aqui?” nós devemos dizer a
eles, “Deus nos tirou do Egito com sinais e maravilhas e com mão forte, e
aqui está o sinal que todo judeu deve ter. Ele deve ter a Palavra do Senhor
entre seus olhos e na sua mão como um símbolo de seu relacionamento com
Deus.”

Todos nós temos símbolos. A maioria das pessoas tem alianças de


casamento, e algumas igrejas têm uma cruz. Nós também podemos ter
símbolos pessoais que não significam nada para ninguém, exceto para nós
mesmos. Minha esposa guarda a calça que meu filho usou no seu Bar
Mitzvah em um

Tesouros Ocultos
baú no porão, mesmo ela sendo tào pequena agora que não poderíamos sequer
fazer uma manga dela para ele. Para ela, a calça tem um significado especial.

Nossas escolas e professores também são símbolos da nossa educação e eles têm
valor. Eu tive a sorte de ter tido alguns dos melhores professores, tanto no
judaísmo como no cristianismo. Tive a sorte de nascer no tempo em que alguns
dos “gigantes” ainda estavam vivos. Eu tive o privilégio de ter sido instruído por
pessoas como Martin Buber, um dos mais famosos filósofos judeus. Eu os ouvi e
bebi dos poços de conhecimento que eles tinham. Eu me lembro, e ainda cito,
sermões que os meus professores deram há mais de 30 anos, não porque eu
sou tão inteligente, mas porque eu queria saber o que Deus tinha para mim. Eu
tinha que ter as ferramentas necessárias para enfrentar meus irmãos e irmãs
judeus e convencê-los, com a ajuda do Espírito Santo, do porquê Yeshua é o
Messias.

Talvez nos Estados Unidos, uma pessoa pode dizer: “Siga-me apenas porque eu
sou bonita e feliz”, mas não é assim que funciona com os judeus e árabes ou em
grande parte do mundo. Temos que ser capazes de dar uma resposta sobre a
esperança que Deus plantou dentro de nós, e essa resposta tem que vir da Palavra
de Deus. Não podemos dar o que não temos. Este é o princípio número um na
educação e na vida. A pergunta agora é: onde estamos buscando o que queremos
dar? Nós queremos ser servos de Deus para que Ele possa nos usar. Ele nos
fez, deu-nos um nariz, uma boca, um cérebro e olhos, e Deus pode usar-nos se
quisermos ser usados por Ele.

Para ser um sacerdote no Tanách, havia certos requisitos. Era preciso ter nascido
da família de Arão, mas isso ainda não era o suficiente. Os homens tinham que
ser preparados desde

os três meses até os vinte anos de idade. Durante todo aquele tempo, nenhum
serviço era permitido no Templo. Todo este treinamento era feito em preparação
para, eventualmente, servir. Aos vinte anos, eles começavam a servir aos
sacerdotes como aprendizes, até completarem trinta anos, o que eram mais dez
anos de preparação. Eles só podiam servir no Templo dos trinta aos cinqüenta
anos de idade. Eles levavam trinta anos se preparando porque não podiam
cometer erros com as coisas santas de Deus. Cometer um erro com os
implementos do Templo poderia ser mortal, como está claro em
determinadas narrativas no Tanách.

Por que morreram os filhos de Eli e os filhos de Arão, sobrinhos de Moisés?


“Trazer fogo estranho” significa que havia um lugar correto onde buscar o fogo
para o altar, mas eles tiveram preguiça. Eles ficaram preguiçosos porque
beberam álcool e suas percepções e reflexos foram reduzidos. Depois de terem
bebido, eles provavelmente disseram: “Por que deveríamos ir lá para buscar o
fogo? Há fogo aqui mais perto de nós.” Então eles levaram o fogo que Deus não
tinha prescrito e foram mortos instantaneamente pelo Senhor. Portanto, os
sacerdotes tinham que tomar muito cuidado, porque eles estavam lidando com as
coisas santas de Deus.

Ser um pastor ou um professor da Palavra de Deus hoje é tão assustador quanto


antigamente. Tiago 3:1 diz: “Não vos torneis, muitos de vós, mestres,” porque é
um trabalho muito perigoso. Os líderes das congregações estão lidando com
a vida das pessoas, almas, emoções e situações familiares, e isto é uma enorme
obrigação. Eu perco muito sono sobre o que eu aconselho as pessoas em nossa
congregação em Jerusalém, porque eu vejo as crianças me imitando e dizendo:
“Quando

eu crescer eu quero ser como Joseph ou Márcia, ou outros professores da Palavra


de Deus” Quando eu aconselho as pessoas cujas vidas ou casamentos estão em
dificuldades, eu tenho que ter cuidado e colocar à aprovação do Espírito Santo
tudo o que digo, pois minhas palavras podem edificar suas vidas ou destruí-las.
Não há trabalho mais importante e com mais responsabilidades do que ser um
pastor do rebanho de Deus.

Não há trabalho que seja mais gratificante também, e eu não estou falando de
recompensas financeiras. Tenho ‘bisnetos’ no Senhór espalhados por todo o
mundo, e não há nada mais gratificante do que saber que eu ajudei
algumas dessas pessoas a encontrar Yeshua, serem salvas e terem seus pecados
perdoados. Não há nada mais gratificante do que vê-los crucificados e
ressuscitados com o Messias para uma nova vida. Existem judeus, árabes,
alemães, finlandeses, japoneses e brasileiros que anteriormente eram pagãos e
vieram para o Senhor através de minha ajuda. Há uma grande recompensa para
isto e uma grande felicidade, mas também uma grande responsabilidade. Deus
espera que eu compartilhe a verdade, e não apenas um punhado de palavras
agradáveis. Se somos chamados para sermos servos, ministros, pastores,
professores ou anciãos, é muito importante ter certeza de que temos
o equipamento certo para o trabalho. É impossível ensinar o que ainda não temos
ou sabemos. Para ter, temos que receber. Para receber temos que sentar, trabalhar
e nos formar.

Um dos princípios que mencionei é um sinal da educação que recebemos de


Deus, que poderia ser um diploma ou uma vida de serviço e o respeito da
comunidade que diz: “Este homem sabe o que está dizendo quando ele fala da
Palavra de

Deus.” A maneira de Deus educar é interessante, porque Ele usa testes para ver
se as pessoas são fiéis ou não, mesmo que isso seja difícil para nós aceitarmos.

Um dos testes mais famosos na Bíblia foi o que Deus deu a Abraão. Abraão
esperou anos para ter um filho de sua esposa Sara, e finalmente Isaque nasceu.
Então, quando seu filho chegou aos doze anos de idade, Deus veio para ele em
Gênesis 22 e disse: “Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-
te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um dos montes, que eu te
mostrarei.” Sabemos que Deus fez isso para testá-lo, pois o versículo anterior
diz, “Deus testou Abraão.”

Mas qual é a razão desses testes? Deus precisava realmente testar Abraão? Deus
podia ver dentro do coração de Abraão e sabia se ele O estava seguindo, e se ele
acreditava ou não. A resposta é que era Abraão quem precisava dos testes!
Ele precisava dos testes pela mesma razão que todo aluno do ensino
fundamental, médio ou superior precisa de testes. A maior parte dos professores
do ensino médio, fundamental, e até mesmo da faculdade não são tão cruéis e
sádicos que gostam de dar testes aos alunos com provas impossíveis de serem
resolvidas. Os testes são para que o aluno saiba onde ele está, e então possa
saber o que ele aprendeu e o que ele não aprendeu. O teste foi feito para Abraão,
porque Deus conhecia o seu coração, mas Abraão precisava saber o quão longe
ele estava disposto a ir para obedecer a Deus. Não há aprendizado no judaísmo
sem testes.
Em alguns lugares nos Estados Unidos estão tentando acabar com os testes, e
este é um grande erro. Deus nos prova, e sem esses testes nós mesmos são
sabemos até onde a nossa fé nos levará. O teste de Abraão se tornou um símbolo
da grande

fé, dedicação e disposição de Abraão em sacrificar tudo o que é valioso, em


consideração a Deus e Sua Palavra. Como resultado de sua aprovação, Abraão se
tornou um símbolo tão grande da fé, que ficou conhecido como “o pai dos fiéis.”

Após o teste de Abraão, Gênesis 22:16-17 declara a recompensa: '"Jurei, por


mim mesmo, diz o SENHOR, 'porquanto fizeste isso e não me negaste o teu único
filho, que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência
como as estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; a tua descendência
possuirá as cidades dos seus inimigos'.'' Quando ele passou no teste, houve uma
recompensa em que o Senhor o abençoou e o multiplicou. Educação,
especialmente a educação bíblica, é essencialmente passar no teste e receber a
recompensa. Da mesma forma, quando alguém treina cães e cavalos, dá-lhes um
biscoito ou um torrão quando eles fazem o que é certo.

Essa é também a maneira como Deus lida com a educação. Quando Deus viu
que Abraão passou no teste, Ele o recompensou com a Sua bênção. Em todos os
casos registrados na Bíblia onde Deus provou as pessoas, elas se tornaram
uma grande bênção após serem aprovadas. Provar e recompensar são conceitos
muito importantes na educação judaica. Não basta apenas sentar no banco e
dizer: “Agora eu aprendi como fazer isso.” Se não praticarmos o que
aprendemos, então não aprendemos coisa alguma.

Depois que me formei em uma universidade cristã nos EUA, minha esposa
Márcia e eu convidamos um de meus professores para um jantar. Naquele tempo,
ele me disse: “Joe, Deus não vai poder te usar até você esquecer tudo o que
aprendeu nesta universidade.” O que eu aprendi na sala de aula era um monte
de conhecimento inútil, em comparação com o que aprendi com os meus
professores fora da sala de aula, observando como eles viviam, tratavam suas
famílias, oravam e estudavam a Palavra de Deus por conta própria. O que eu vi
na vida deles foi uma experiência de mudança de vida para mim. O
conhecimento é importante, mas se ele não for aplicado à vida, não se
pode servir a Deus de maneira eficaz.

Os rabinos têm um livro chamado Pirkei Avôf, “A Ética dos Pais,” que diz que
se uma pessoa quiser aprender por amor ao ensino, Deus lhe dará a oportunidade
de aprender. Se ela quiser aprender para ensinar a outros, Deus lhe dará a
oportunidade de aprender para si mesma e para ensinar a outros. Enquanto estas
coisas são boas, se uma pessoa quer aprender com o fim de praticar o que
aprendeu, então Deus lhe dará a oportunidade de aprender, ensinar aos outros, de
praticar o que ela aprende, e como um bônus, a vida eterna.

Nós não estudamos apenas por amor ao aprendizado. Os gregos, filósofos


pagãos, estudavam apenas por causa da aprendizagem e de seu próprio ego, mas
os judeus são mais práticos. Aprendemos com o intuito de colocar em prática e
fazermos algo com o que estamos aprendendo. Quando colocamos em prática o
que aprendemos, estamos aprendendo a vida. Quando praticamos o que
aprendemos, recebemos a oportunidade de aprender e de ensinar os outros e de
praticar esse conhecimento e a vida eterna também.

Outra declaração de Pirkei Avôt diz que qualquer pessoa cuja prática é menor do
que sua aprendizagem, vai acabar perdendo a sua aprendizagem. Em outras
palavras, se não usamos o que aprendemos, perdemos tudo. Por outro
lado, qualquer pessoa cuja prática é maior do que seu aprendizado, manterá o
seu aprendizado e receberá a recompensa no céu.

Dizemos em hebraico: Lo há-midrash há-ikar, elah há~ma 'asei “a


aprendizagem não é a principal coisa, mas sim o fazer” Temos que saber fazer
algo antes de poder fazê-lo.

Tenho usado computadores desde 1982, e basicamente uso o computador como


uma máquina de escrever porque eu não sei como desenvolver softwares e nunca
programei nada. Provavelmente, eu só uso quinze ou vinte por cento
da capacidade do meu processador de texto “Word”, e sei que ele é capaz de
fazer muito mais. Dizem que Einstein só usou cinco por cento da sua
capacidade, e a maioria de nós provavelmente nem sequer usa esse tanto! Deus
pode usar qualquer um de nós para fazer coisas poderosas e maravilhosas, mas o
segredo é que nós temos que exercitar nossas faculdades e colocá-las para
funcionar para que possamos nos tornar úteis a Deus e ao Seu reino. Nenhum de
nós chegou até cinqüenta por cento das habilidades que Deus nos deu. A Palavra
de Deus é uma ferramenta com a qual devemos exercitar nossas mentes.

As pessoas dizem: “Olha como os judeus são bem sucedidos.” Há mais judeus
ganhadores do Prêmio Nobel do que qualquer outro grupo étnico do mundo. É
um fato que cerca de cinqüenta por cento dos vencedores do Prêmio Nobel são
judeus. Os judeus não nascem com QIs mais altos, nem são naturalmente mais
espertos do que o resto do mundo, mas eles têm a teimosia de se sentar e fazer o
trabalho requerido. Devemos ter nossas vidas disciplinadas, um desejo de
agradar a Deus e de realizar Sua obra. Sem pôr o sangue, o suor e as lágrimas
que se leva para aprender, não podemos fazer a obra. Não há mágica para isso, a
magia é apenas sentar-se em obediência a Deus e aplicar-se a fazer o trabalho. A
propósito, estatisticamente falando, as pessoas que continuam a aprender

até mesmo em sua idade avançada têm menos probabilidade de obter a doença
de Alzheimer e perder a memória. O cérebro é como qualquer outro músculo; ele
tem de ser exercitado.

Uma narrativa bíblica que tem grandes implicações educacionais é a respeito de


Eliseu, o homem de Deus, e vem de 2 Reis 4:8-37:

“Certo dia, passou Eliseu por Suném, onde se achava uma mulher rica, a qual o
constrangeu a comer pão. Daí, todas as vezes que passava por lá, entrava para
comer. Ela disse a seu marido: Vejo que este que passa sempre por nós é um
santo homem de Deus. Façamos-lhe, pois, em cima, um pequeno quarto, obra
de pedreiro, e ponhamos-lhe uma cama, uma mesa, uma cadeira e um
candeeiro; quando ele vier à nossa casa, retirar-se-á para ali.

Um dia, vindo ele para ali, retirou-se para o quarto e se deitou. Então, disse ao
seu moço Geasi: Chama esta sunamita. Chamando-a ele, ela se pôs diante do
profeta. Este dissera ao seu moço: Dize-lhe: Eis que tu nos tens tratado com
muita abnegação; que se há de fazer por ti? Haverá alguma coisa de que se fale
a teu favor ao rei ou ao comandante do exército?

Ela respondeu:'Habito no meio do meu povo!


Então, disse o profeta: 'Que se há de fazer por ela?’

Geasi respondeu: 'Ora, ela não tem filho, e seu marido é velho!

Disse Eliseu: 'Chame-a! Chamando-a ele, ela se pôs à porta. Disse-lhe o


profeta: 'Por este tempo, daqui a um ano, abraçarás um filho!

Ela disse: 'Não, meu senhor, homem de Deus, não mintas à tua serva!

Concebeu a mulher e deu à luz umfilho, no tempo determinado, quando fez um


ano, segundo Eliseu lhe dissera.

Tendo crescido o menino, saiu, certo dia, a ter com seu pai, que estava com os
segadores. Disse a seu pai: Ai! A minha cabeça!

Então, o pai disse ao seu moço: Leva-o a sua mãe.

Ele o tomou e o levou à sua mãe, sobre cujos joelhos ficou sentado até ao meio-
dia, e morreu. Subiu ela e o deitou sobre a cama do homem de Deus; fechou a
porta e saiu.

Chamou a seu marido e lhe disse: Manda-me um dos moços e uma das
jumentas, para que eu corra ao homem de Deus e volte.

Perguntou ele: Porque vais a ele hoje? Não é dia de Festa da Lua Nova nem
sábado.

Ela disse: Não faz mal.

Então, fez ela albardar a jumenta e disse ao moço: Guia e anda, não te detenhas
no caminhar, senão quando eu to disser. Partiu ela, pois, e foi ter com o homem
de Deus, ao monte Carmelo.

Vendo-a de longe o homem de Deus, disse a Geasi, seu moço: Eis aí a sunamita.
Corre ao seu encontro e dize-lhe: Vai tudo bem contigo, com teu marido, com o
menino?

Ela respondeu: Tudo bem.

Chegando ela, pois, ao homem de Deus, ao monte, abraçou-lhe os pés. Então, se


chegou Geasi para arrancá-la; mas o homem de Deus lhe disse: Deixa-a,
porque a sua alma está em amargura, e o SENHOR mo encobriu e não mo
manifestou.

Disse ela: Pedi eu a meu senhor algum filho? Não disse eu: Não me enganes?

Disse o profeta a Geasi: Cinge os lombos, toma o meu bordão contigo e vai. Se
encontrares alguém, não o saúdes, e, se alguém te saudar, não lhe respondas;
põe o meu bordão sobre o rosto do menino.

Porém disse a mãe do menino: Tão certo como vive o SENHOR e vive a tua
alma, não te deixarei. Então, ele se levantou e a seguiu.

Geasi passou adiante deles e pôs o bordão sobre o rosto do menino; porém não
houve nele voz nem sinal de vida; então, voltou a encontrar-se com Eliseu, e lhe
deu aviso, e disse: 0 menino não despertou.

Tendo o profeta chegado à casa, eis que o menino estava morto sobre a cama.
Então, entrou, fechou a porta sobre eles ambos, e orou ao SENHOR. Subiu à
cama, deitou-se sobre o menino e, pondo a sua boca sobre a boca dele, os seus
olhos sobre os olhos dele e as suas mãos sobre as mãos dele, se estendeu sobre
ele; e a carne do menino aqueceu. Então, se levantou, e andou no quarto uma
vez de lá para cá, e tornou a subir, e se estendeu sobre o menino; este espirrou
sete vezes e abriu os olhos.

Então, chamou a Geasi e disse: Chama a sunamita. Ele a chamou, e,


apresentando-se ela ao profeta, este lhe disse: Toma o teu filho. Ela entrou,
lançou-se aos pés dele, e prostrou-se em terra; tomou o seu filho e saiu.”

Eliseu era um profeta que viajava de um lugar para outro no vale de Jezreel e
Monte Carmelo e tinha um ministério de profeta. Ele profetizava e ensinava, e as
pessoas vinham a ele para saber a vontade de Deus. Então, uma mulher que
sabia o quanto Eliseu tinha intimidade com Deus, convidou-o para jantar
algumas vezes. Um dia, ela virou-se para o marido e perguntou: Porque não
fazemos um apartamento pequeno para este homem de Deus?

Não havia hotéis naqueles dias. As pessoas recebiam os homens de Deus em


suas casas, e elas consideravam isto uma grande honra. Uma lição importante
dentro da educação

judaica é que um professor deve ser valorizado. Os professores viviam perto de


seus alunos e sob a sua proteção. Os alunos proviam para os seus professores,
assim como a sunamita quis prover uma cama, uma cadeira, uma sala e uma
lamparina -um lugar para Eliseu viver. É muito importante para o judeu valorizar
seu professor.

O Novo Testamento ordena em 1 Timóteo 5:17 que o


homem de Deus que serve à congregação deve ser
digno de “dobrados honorários” ou “dupla honra”. As
palavras “dupla honra” significam “salário” ou
“dinheiro.” Ele deve ser recompensado por seu ensino se
ele for um homem de Deus, mas ele não deveria ter que
pedir isto.
Esta mulher conhecia a importância de suprir as necessidades de um professor, e
então, quis construir um apartamento para o homem de Deus. O homem de Deus
gostava de viver na casa desta mulher, e ele apreciou a sua atitude. Então ele a
perguntou: “O que posso fazer por você? Você quer que eu converse com o rei
ou com o general em seu nome?

Ela disse: “Não, eu estou vivendo com meu povo. Sou bem relacionada na
comunidade, eu não preciso de sua ajuda.”
Então, o servo do profeta disse: “Isto é o que esta mulher precisa. Ela não tem
filho, mesmo sendo casada há muitos anos. Seu marido já está velho. Vamos orar
para que Deus a abençoe.” Esta é a lição número dois na educação judaica:
a educação não é unilateral. No ocidente, o professor fica em pé no tablado e os
alunos sentam-se abaixo dele, do outro lado. O professor dá e os alunos recebem.

No judaísmo e na Bíblia, a educação é uma coisa bilateral. O professor dá e


recebe, e os alunos dão e recebem, assim como os fios de entrada e saída em um
aparelho de som. Para se ter a

verdadeira educação, deve haver entrada e saída. É importante discutir, perguntar


e questionar, senão não há aprendizado. A entrada e saída podem ser de
substâncias diferentes, mas se nada for colocado, nada vai ser aprendido. Se uma
pessoa não coloca algo em sua aprendizagem, quer de pagamento ou lição de
casa, ou serviço na congregação ou na comunidade, ou cuidar das viúvas pobres
e dos órfãos ou ensinar as criancinhas, nenhum aprendizado haverá. No modelo
grego, temos um professor compartilhando e todos recebendo. Esse é o
modelo ocidental de faculdade, mas ele não funciona. É por isso que muitos
mestres e doutores têm muito pouco conhecimento prático. Eles são ótimos em
sala de aula, mas na verdade, “não têm o bom senso de sair da chuva.” Os
professores com os quais eu mais aprendi são aqueles cuja relação comigo foi de
entrada e saída (dar e receber). Quando os alunos dão algo de volta, ambos os
lados se contentam. Este é um princípio importante.

Esta mulher tinha sido boa para Eliseu, então ele queria retribuí-la de alguma
forma. Por isso ele disse a ela: “No próximo ano a esta época, você vai ter um
filho.” Deus honrou as palavras de Eliseu, e quando o ano seguinte chegou, ela
teve um filho.

Quando o filho cresceu, um dia ele foi trabalhar com seu pai no campo e
provavelmente, teve uma insolação. Sua cabeça começou a doer e em seguida
ele morreu. A mulher, muito dramaticamente, correu ao homem de Deus que
morava distante, umas duas horas de viagem. Suném é perto de Afula, e o
homem de Deus vivia nas montanhas do Carmelo. Demorou duas horas para ir
buscar o homem de Deus e mais duas horas para trazê-lo de volta, enquanto a
criança estava morta na cama. Então, o homem de Deus enviou seu servo
e disse: “Coloque o meu cajado sobre o rosto da criança,” mas nada aconteceu.
Quando o homem de Deus chegou, ele colocou seus olhos sobre os olhos da
criança, sua cabeça sobre a cabeça dele, etc., basicamente algo muito parecido
com o que seu mestre Elias havia feito quando o filho da viúva morreu em Tiro.
Elias levou o menino para o seu quarto, deitou sobre ele e orou: “Deus, ajude o
filho desta mulher.” Deus honrou suas palavras e a criança ressuscitou. Este
relato com Eliseu é muito semelhante. Ele fez o que seu próprio professor havia
feito. Este é outro princípio educacional importante. Somos todos como os
nossos professores, e todos nós os imitamos até certo ponto. Algumas de minhas
características, tanto boas como más, vêm de meus professores.

Apesar de sempre colocar um pouco do meu “próprio tempero” em meus


ensinos, grande parte do que sei e ensino, bem como o modo que eu sirvo e
opero, vem de meu aprendizado com outras pessoas. Deus pode usar outros seres
humanos para nos encher do Seu conhecimento da Palavra e da
experiência deles. É por isso que não devemos ser todos professores. Devemos
também ter cuidado com quem permitimos impor as mãos sobre nós e de quem
estamos dispostos a absorver informação. Se eu ensinar um monte de lixo, então
as mentes e os corações de quem me ouve vão estar cheios de lixo! Se eu ensinar
o que a Palavra de Deus diz, então aqueles que me ouvem terão a Palavra de
Deus em seus corações. Isto é absolutamente verdadeiro e inevitável. Os
professores que não estão preparados e não dizem a verdade, colocarão seus
alunos em problemas. Um bom pastor não permite que pessoas que ele não
conheça muito bem, ensinem seu rebanho, porque

se aquele professor convidado alimentar o rebanho com um monte de lixo, eles


vão ficar com “dor de barriga”.

Eliseu fez o que ele aprendeu com seu professor e rabino Elias. Uma vez que
Eliseu era o sucessor de Elias, ele fez o que aprendeu com o seu professor. Todos
nós fazemos isto, e deve ser deste jeito. A propósito, uma forma de se reconhecer
se alguém pertence a uma seita é que eles aprendem a imitar os seus professores
de forma exagerada. Temos que ter cuidado com quem são nossos professores.
Somos todos como nossos professores, e desde que não nos tornemos seita e
continuemos a lembrar quem é o nosso Guia e Professor maior,
estaremos seguros. Afinal de contas, somos todos servos de Deus.
Eliseu ficou frustrado porque a resposta de Deus não veio imediatamente. Ele
enviou seu servo para colocar o cajado sobre o rosto da criança, mas não
funcionou. Quando ele mesmo veio, também não deu certo na primeira vez.
Sabemos disso porque o texto diz que ele andava para lá e para cá na
sala, pedindo e clamando a Deus: “Esta mulher nos abençoou, então queremos
abençoá-la.”

Isto retorna a um dos princípios educacionais mencionados anteriormente: não se


pode aprender sem dar e receber. Se o pastor ou ancião ou professor apenas dá e
não recebe, nenhuma educação está ocorrendo. Dar e receber pode ser
dinheiro, serviço ou muitas outras coisas, mas tem que haver entrada e saída de
ambos os lados. Caso contrário, as pessoas absorvem e absorvem, sem nunca
aprender alguma coisa. Na escola da vida deve existir o dar e também o receber.
Deus honrou Eliseu, a criança voltou a viver e todos foram para casa felizes.

Uma pergunta interessante a se considerar é por que esta criança morreu, em


primeiro lugar. Deus deu esta criança

como uma resposta à oração. O marido da mulher já era velho, e ela não tinha
filho. Eliseu disse a ela uma palavra de profecia: “No próximo ano à essa época,
você vai ter um filho.” Então, porque esta criança morreu?

Na mesma linha de pensamento, porque Lázaro, o amigo de Yeshua, morreu?


Yeshua permaneceu afastado por quatro dias antes de atender ao chamado de
Marta e Maria. Elas enviaram uma mensagem a Ele na Transjordânia, e
Ele poderia ter chegado lá em um dia. No entanto, Ele tomou Seu tempo e não se
apressou. Ele chegou lá no quarto dia e jantou. Todos estavam chorando porque
Lázaro tinha morrido e, somente no dia seguinte, quando eles foram ao túmulo
de manhã cedo, Yeshua disse a eles para abrir o túmulo dizendo a Lázaro:
“Levanta e sai!” Lázaro saiu do túmulo, envolto em sua mortalha. Yeshua então
disse algo muito estranho: “Ele morreu para a glória de Deus.”

Esta estória com Eliseu é estranha da mesma forma porque a mulher foi
abençoada, mas seu filho veio a falecer. Então, Eliseu o ressuscitou dos mortos.
Por qual razão tudo isso ocorreu? Isso foi para o aprendizado deles e também
para o nosso. Não aprendemos nada a não ser através de experiência. A fé dessas
pessoas depois de terem tido uma experiência com Deus era inabalável.

Eu conheci uma mulher judia ortodoxa dos Estados Unidos. Após ter se tornado
uma discípula de Yeshua, ela imigrou para Israel. Visto que era ortodoxa, ela
começou a estudar em um seminário judaico-ortodoxo para mulheres. Quando os
rabinos descobriram que ela era uma crente em Yeshua, eles
decidiram “desprogramá-la”. Três rabinos sentaram com ela e
dispararam perguntas para ela a noite toda e não a deixaram sair do quarto

por motivo algum. Eles tentaram fazer uma lavagem cerebral nela, e ela sentou-
se e ouviu-os. Finalmente, na manhã seguinte, todos eles se cansaram e
perguntaram-na o que ela achava então. Naquela altura, eles tinham apresentado
a ela todas as objeções e ataques que podiam pensar sobre Yeshua, o
Novo Testamento e o cristianismo. No entanto, ela respondeu com uma frase e
devastou-os completamente: “Me desculpem, mas vocês não podem argumentar
contra uma experiência que tive com ele; eu não apenas creio, eu conheço
Yeshua!”

Essa é a essência do ensino bíblico. Temos que ir da fé para o conhecimento.


Somos salvos pela fé, mas Deus não quer que paremos com a fé. Ele quer que
nós O conheçamos. Deus prometeu muitas vezes, “£/es me conhecerão, do
menor até o maior? Ele não diz, “Eles acreditarão em mim” porque a crença é
apenas a primeira etapa. Paulo diz em 1 Coríntios 13, o grande capítulo do amor,
“Conheceremos como somos conhecidos.” Ele não diz “acreditaremos,” mas
“conheceremos.” Não há conhecimento sem aprendizado. É
maravilhoso crermos em Deus e termos uma fé inocente como criancinhas, mas
temos que crescer da fé para o conhecimento de Deus. Sem este teste, como na
estória de Eliseu e de Lázaro, não vamos chegar ao conhecimento, uma vez que
a diferença entre a fé e o conhecimento é a experiência com Deus.

Eu acredito que o homem pousou na Lua, mas eu não estava lá. Eu não entendo
como ele fez isso ou como isso funciona, mas se eu passasse bastante tempo
estudando física e balística, e todas as diferentes trajetórias, talvez eu soubesse
ao invés de apenas crer. Como filhos de Deus, nós queremos saber e não apenas
acreditar. A fé é uma coisa maravilhosa, mas ela é muito frágil. Quando
conhecemos a Deus e temos experiência com
Ele, seremos tão fortes como minha amiga. Poderemos dizer: “Vocês não podem
argumentar contra uma experiência. Tenho experiência com Deus porque eu
conheço a Sua Palavra e a pratico. Eu sei que Ela tem poder.” Isso é que é
aprendizado!

Estes são os princípios do aprendizado no judaísmo: (1) Deve haver entrada e


saída. (2) Devemos valorizar os nossos professores e escolher com quem
queremos aprender. (3) Devemos estar dispostos a sofrer e sacrificar. (4) Temos
que ter experiência e passar por testes. (5) Temos que praticar o que aprendemos.
Essas são as essências do ensino bíblico, e não há aprendizagem sem essas
coisas. Eu tenho aprendido alguma coisa com cada pessoa que já conheci, e essa
deve ser a nossa atitude também. Vamos concluir com esta expressão: “Eu
adquiri sabedoria de cada um dos meus professores.”

Apêndice

Os 13 princípios do rabino Ishmael1


1. Kal va-hômer (leves e pesados ou a fortiori).

2. G 'zerah shavah (expressões equívocas).

3. Binyan av mikatuv echad

(compor uma “família” de um texto).

Binyan av mish 'nei ketuvim

(compor uma “família” de dois ou mais textos).

4. Kelal uf*rat (do geral para o particular).

5. Prat u 'k*lal (do particular para o geral).


6. Kelal uferat ukelal, i atah dan elah kéin ha-perat

(declaração geral seguida de uma especificação, seguida por sua vez por outra
declaração geral - pode-se apenas inferir o que é semelhante à especificação).

7. M 'kelal sh 'hu tzarik lifrat umiprat sh 'hu tzarik likelal

(quando uma declaração geral exige uma especificação ou uma especificação


exige uma declaração geral para esclarecer o seu significado).

8. Kol davar sh 'haya bikelal v 'yatza min hakelal lelamed, lo l 'lamed al atzmo
yatza, elah l 'lamed AL hakelal kulo yatza

(qualquer coisa que foi incluída em uma declaração geral, mas foi então
apontada a partir da declaração geral a fim de ensinar algo. Ela não é apontada
para ensinar apenas sobre si mesma, mas para aplicar seus ensinamentos a toda a
generalidade).

9. Kol davar sh 'haya bikelal v yatza lit 'on, to 'an echad sh huk 'inyano, yatza l
'hakel v 'lo lehachmir

(qualquer coisa que foi incluída em uma declaração geral, mas foi então
apontada para discutir uma cláusula semelhante à da categoria geral, sendo
escolhida para ser branda e não mais grave).

10. Kol davar sh 'haya bikelal v'yatza lit 'on to 'on sh 'lo k 'inyano yatza l
'hakel ulehachmir

(qualquer coisa que foi incluída em uma declaração geral, mas foi então
apontada para discutir uma cláusula não semelhante à categoria geral, tende a ser
apontada tanto para ser mais tolerante como para ser mais grave).

11. Kol davar sh'haya bikelal v "yatza lidon b'davar hachadash, i atah yakol l
'hachziro likelalo ad sh "yachzireynu hakatuv likelalo b 'ferush
(qualquer coisa que foi incluída em uma declaração geral, mas foi então
apontada para ser tratada como um novo caso, não podendo ser devolvida à sua
declaração geral, salvo se a Escritura, explicitamente, a retorna à sua declaração
geral).

12. Davar halamed me íttyano v davar halamed misofo

(explicação obtida do contexto ou da passagem seguinte).

13. Sh 'nei ketuvim hamak-chishim zeh et zeh ad sh 'yavo hakatuv hashlishi v


'yakria Beineihem

(duas passagens que se contradizem até que uma terceira passagem trata de
reconciliá-las).

1
Para uma lista completa destes princípios em hebraico e português, juntamente com as notas e
exemplos para cada um, consulte qualquer sidur da editora ‘Artscroll’. Estes princípios são recitados
durante o Shacharit (o serviço de oração matinal) entre a recitação de passagens da Torá sobre as
ofertas de sacrifício diárias e os Pssukei d’Zimrah (cânticos de louvor).
Bibliografia selecionada

Allison, Dale C. The Sermon on the Mount.

New York: Crossroad Publishing Company, 1999.

The Babylonian Talmud: Glossary. Ed. 1. Epstein. Index Volume. London:


Socino Press, 1952

Ben Isaiah, Abraham and Benjamin Sharfman.

The Pentateuch with Rashi's Commentary: A Linear Translation into English.

Vol. 2. Êxodo. Brooklyn: S.S. & R. Publishing Company, 1949.

Fishbane, Michael. “Midrash and the Meaning of Scripture. The Interpretation


of the Bible: The International Symposium in Slovenia. Ed. Joze Krasovec.
Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998.

“Hermeneutics.” Oxford Dictionary ofthe Christian Church. Ed. F.L. Cross.


Oxford University Press, 1983.

Keener, Craig S. A Commentary on the Gospel ofMatthew. Grand Rapids:


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Lategan, Bernard C. “Hermeneutics.” Anchor Bible Dictionary. Vol. 3.

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TheMinor Tractates ofthe Talmud. Ed. Rev. Dr. A. Cohen. Socino Press, 1971.

Neusner, Jacob. Invitation to Midrash.


London: Harper & Row Publishers, 1989.

Porton, Gary G. “Midrash”ABD. Vol. 4.

Royerson, J. W. and Werner G. Jeanrod. “Interpretation, History of.” ABD. Vol.


3.

Santala, Risto. The Midrash ofthe Messias.

Finlândia: Tummavuoren Kirjapaino Oy, 2002.

Ibid. Paul, the Man and the Teacher in the Light of Jewish Sources. Jerusalém:
Keren Meshichit, 1995.

AMES

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Filiado ao Netivyah Bible Instruction Ministry - Jerusalém - Israel

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'Tesouros Ocultos
Há um ditado judaico tradicional que diz: “a Torá possui 70 faces .” Como,
porém, um estudante comum da Bíblia pode enxergar todas essas faces? Neste
livro inovador e de fácil leitura, Joseph Shulam explica a forma como o
judaísmo, desde os dias antigos, interpreta os textos sagrados. Alguns dos
conceitos abordados nesta obra incluem kal va-hômer, midrash, hekkesh e os
quatro níveis da interpretação rabínica. Além de explicar como esses métodos
funcionam, o autor também dá exemplos de como os escritores do Novo
Testamento utilizaram desses recursos para criar os textos sagrados nos seus
dias.

A segunda parte desse livro contém uma série de artigos sobre assuntos
relevantes ao desenvolvimento do judaísmo messiânico moderno, tais como
instrução, formulação de halachá e a necessidade de equilíbrio entre a graça e a
observância da Torá. Esta obra será de grande valor para todo aquele que deseja
aprofundar seu conhecimento sobre o contexto judaico das Escrituras e os
problemas atuais que o judaísmo messiânico contemporâneo enfrenta.

faces.” Como, porém, um estudante comum da Bíblia


pode enxergar todas essas faces? Neste livro inovador e
de fácil leitura, Joseph Shulam explica a forma como o
judaísmo, desde os dias antigos, interpreta os textos
sagrados. Alguns dos conceitos abordados nesta obra
incluem kal va-hômer, mídrash, hekkesh e os quatro
níveis da interpretação rabínica. Além de explicar como
esses métodos funcionam, o autor também dá
exemplos de como os escritores do Novo Testamento
utilizaram desses recursos para criar os textos sagrados
nos seus dias.
--

A segunda parte desse livro contém uma série de artigos


sobre assuntos relevantes ao desenvolvimento do
judaísmo messiânico moderno, tais como instrução,
formulação de halachá e a necessidade de equilíbrio entre
a graça e a observância da Torá. Esta obra será de grande
valor para todo aquele que deseja aprofundar seu
conhecimento sobre o contexto judaico das Escrituras e
os problemas atuais que o judaísmo
messiânico contemporâneo enfrenta.
ISBN 978-85-87952-18-9

www.netivyah.org

www.ensinandodesiao.org-

.br

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