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DO MEIO-DIA À MEIA-NOITE: ZOROASTRO E O OFÍCIO MAÇÔNICO PÁG.

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Do Meio-dia à Meia-noite: Zoroastro e o Ofício


Maçônico
Autor: Tiago Roblêdo
Fonte*: https://goo.gl/NEYvgY
Tópicos: Ahura Mazda, Asha, bons pensamentos, horóscopo, iniciação, meia-
noite, meio-dia, nadir, sol, verdade, Vohuman, Zaratustra, zênite,
Zoroastro

A Jornada dos Trabalhos

N a abertura e também no encerramento dos trabalhos maçônicos figuram curi-


osas perguntas acerca da jornada de trabalho dos Maçons. A resposta é que
tais trabalhos se iniciam ao Meio-Dia e se findam a Meia-Noite. Mas que mistério encerra
trabalhar do Meio-Dia à Meia-Noite? A Tradição Maçônica usualmente afere tal hábito a
Zaratustra, fundador e iniciador da religião persa do Zoroastrismo.

Zoroastro

Por volta de 700 a.C. teria nascido numa vila nas estepes da Ásia Central, atual Irã,
perto do Mar de Arai, um menino. Seus pais decidiram dar-lhe o nome de Zaratustra (ou
Zoroastro, versão grega de seu nome, como é mais conhecido). Ao nascer, segundo a tradi-
ção, Zoroastro não teria chorado, pelo contrário, teria rido sonoramente.
Na vila, entretanto, havia um sacerdote que teria percebido de imediato, que aquela
criança era distinta e, portanto, poderia vir a se tornar uma ameaça a aqueles que domi -
navam as crenças do povo. Dessa forma, ele, então, decidiu reagir e procurou Pourushas-
pa, o pai de Zoroastro, afirmando que seu filho era um mau presságio para sua vila porque
havia rido ao nascer e que, além disso, que ele teria em si um demônio. Tal sacerdote en-
tão teria ordenado a Pourushaspa a matar seu filho 1 ou os deuses iriam destruir suas cria-
ções e plantações.
* Este link abrirá a postagem no Dos Alicerces, onde a fonte original poderá ser consultada.
1 Aqui não se poderia deixar de mencionar a alusão à outra alegoria empregada pela Tradição Maçônica, o
sacrifício de Isaac por seu pai Abraão pelo mesmo motivo: oferecer sua progênie em sacrifício para apla-
car uma demanda divina.

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Pourushaspa não queria ferir seu filho, mas o sacerdote insistiu e impôs uma prova.
Na manhã seguinte, Pourushaspa faria uma grande fogueira colocando Zoroastro no meio
do fogo, mas a criança acabaria por não sofrer dano algum.
O sacerdote então demandou que Zoroastro fosse levado para um vale estreito e co-
locado no caminho de uma manada de mil cabeças de gado, a fim de ser pisoteado. O pri-
meiro boi da manada percebeu a criança e ficou parado sobre ela, protegendo-a, enquanto
o resto passava ao seu lado, e a criança novamente não teria sofrido dano algum.
Zoroastro por fim teria sido colocado na toca de uma loba que, ao invés de devorá-
lo, cuidou dele até que Dugdav, sua mãe, viesse buscá-lo. Diante de tantos prodígios o sa -
cerdote ficou humilhado e exilou-se da vila.
A partir de então vivendo uma vida voltada para a meditação Zoroastro passou a vi -
ver isolado, habitando no alto de uma montanha, em cavernas sagradas 2. Já com a idade
de trinta anos recebeu a revelação divina por meio de visões.
Assim, Zoroastro começou a missão de divulgar as suas ideias. Entretanto, ele en-
controu dificuldade para converter as pessoas à sua nova fé que diferia em muito daque-
las então praticadas. Aos 40 anos, Zoroastro conseguiria converter o rei Vishtaspa, que o
passaria a respeitá-lo e ouvi-lo após ter sido o único, entre todos do reino, a conseguir cu-
rar o seu corcel que tinha sido envenenado, tornando-se um fervoroso seguidor.
Dessa forma, Zoroastro iniciou a difusão de seus ensinamentos que pretendiam, de
maneira geral, reformar e sistematizar o antigo e tradicional politeísmo persa, dando-lhe
uma base ética e moral. Além disso, Zoroastro buscava a reforma das condições sociais
que prevaleciam na época. Assim sendo, denunciou a desorganização do nomadismo e lu-
tou pela fixação do homem a terra, introduzindo a prática da agricultura e outras técni-
cas.
A religião que Zoroastro pregou espalhou-se por todo atual Irã e por outros países, e
influenciou o desenvolvimento posterior do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo. Se-
gundo a tradição, Zoroastro teria morrido aos 77 anos assassinado 3 enquanto rezava no
templo, diante do fogo sagrado.
2 Para certos povos da Antiguidade, as cavernas eram os mais altos Templos, pois seriam habitações “eri -
gidas” de forma natural, ou seja, pela arquitetação Divina.
3 Aqui uma similitude mais pungente com a Tradição Maçônica, especificamente com a própria Lenda do
Assassinado de Hiram Abiff. Tanto Hiram quanto Zoroastro teriam sido assassinado por traição de seus
pares em um Templo.

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Do zênite ao nadir

O prolifico escritor maçom J.M. Ragon afirma que “A Maçonaria é como a fé de Zoro-
astro” reforçando ainda mais os encontros entre Zoroastro e a Tradição Maçônica, e dis-
correndo ainda mais:

A explicação corrente, apenas aceitável para um homem que tem es-


pírito crítico, é que o homem aprende durante a primeira parte de sua
vida e é somente quando chega ao meio-dia de sua existência que ele se
torna útil à comunidade. Mas então, meia-noite corresponde à morte, as
horas antes do meio-dia são visivelmente mais fecundas e úteis que os
anos enfraquecidos da velhice.
Astrologia traz uma significação muito mais profunda a esta fórmu-
la. Sabe-se que por analogia com a divisão do ano em doze meses ou sig-
nos, a Astrologia divide o dia em doze casas […], possuindo cada uma o seu
caráter nitidamente determinado. Neste sistema, meio-dia corresponde à
casa X, o pôr do sol à VII e meia-noite à VI.
Ao meio-dia, o Sol sai da X casa horoscópica, a dos negócios e da situ-
ação social, para voltar a entrar na IX, a da religião e do impulso espiritu -
al. O homem, portanto, despe-se das coisas exteriores para voltar-se para o
interior de si mesmo, para um mundo sutil e não material. A X casa é a
dos negócios e das distinções sociais que é preciso abandonar ao serem
abertos os trabalhos de caráter filosófico, caráter que é da própria essên-
cia da IX casa.
Depois da IX, o Sol atravessa a VIII casa, a da morte, da desagregação
do antigo e do nascimento sobre um plano superior. Vários astrólogos de-
ram a esta parte do céu (e só esta parte) o sentido da Iniciação. Depois
vem a VII casa, a do amor não físico, da dedicação e da vida social. Nasci-
do num plano novo, o Maçom traz aqui o seu óbolo à Sociedade, tanto mais
que a VI, que é a casa horoscópica seguinte, é a do serviço. Pode-se inter-
pretar também esta passagem da VII à VI casa horoscópica como indício
de que o Maçom não espera recompensa de sua ação social, mas que se
prepara, ao contrário, para encontrar os espinhos da VI casa. O que quer
que seja, deste serviço nasce a criação, que é a síntese da V casa depois da
qual o ciclo termina pela IV, cujo sentido principal é o fim das coisas.
Portanto, esta curta fórmula, ritualística já oferece o resumo da evo-
lução iniciática, sem falar de cada parte do dia, que possui uma influência
real, mas ainda pouco conhecida pela nossa ciência, pois esta influência
começa apenas a ser estudada pela astrofísica. Os longínquos criadores do
nosso ritual tomavam certamente em consideração esta variação do influ-
xo cósmico no decorrer do dia, de maneira que as horas do trabalho ma-
çônico tinham somente o significado esotérico que acabamos de indicar,
mais também constituíam a prova consciente das forças cósmicas em vis-
ta da iniciação.”

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Outras alusões dão conta que o Meio-Dia é à hora em que o Sol se encontra no zêni-
te, no pico de sua elevação, antes de desbancar para o poente. Simbolicamente, a hora em
que começam os trabalhos na Oficina Maçônica. Outra, é que a contagem temporal entre
determinados povos antigos era diferente, onde o dia era dividido em 2 partes de 12 horas
cada e se iniciaria na noite do dia anterior, assim o Meio-Dia seria equivalente às 6 horas,
ou seja, ou trabalhos maçônicos se dariam nas 12 horas as quais o sol opera. Tal medição
de tempo teria sido posteriormente adotada pelas agremiações de pedreiros na Idade Mé-
dia.
Com efeito, nos tempos antigos, quando as artes e ciências não possuíam um caráter
laico e estavam intimamente (chegando a confundir-se) associadas às escolas de mistérios
e religiões, a astrologia/astronomia foi elemento preponderante para os primitivos Ma -
çons Operativos.
As primeiras construções quais não possuíam apenas função de abrigo/defesa eram
destinadas a prática religiosa que por sua vês estavam imbricadas de fatores astronômico-
astrológicos. Afinal, os astros eram a única forma de medir o tempo, e a mediação do tem-
po era essencial à perpetuação da humanidade, principalmente em tempos longevos
quando o ambiente era hostil em relação a ainda frágil cultura humana.
Dada a importância da mecânica celeste para os antigos construtores, o Sol como
maior luminar do firmamento e regente das estações certamente assumiria papel central
entre estes. O Sol passava a figurar como o maior símbolo da Lei Divina, afinal, era o mo-
triz do firmamento e das evoluções do tempo. Os antigos iniciados passaram a decodificar
o comportamento dos astros em princípios para o comportamento humano, e Zoroastro
em suas meditações encontrava-se dentre tal grupo.

A altíssima morada

Zoroastro como outros iniciadores das antigas escolas de mistérios, compreendiam


os céus como a morada da divina, como fica explicitado no verso 4 abaixo:

4 Para a melhor análise do tema, demandou-se uma tradução do texto zoroastriano denominado “Os Ga-
thas”, cuja tradução e adaptação integral encontram-se apensada a este trabalho.

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A recompensa que Zoroastro prometeu aos Magos 5 e a todos os segui-


dores desta crença é Garo-Nemana ou a Casa dos Hinos e Louvor, o Paraí-
so. Esta morada tem sido a Casa nas Alturas aonde Ahura Mazda mora por
toda a Eternidade. Esta recompensa que é uma dádiva divina que apenas
se pode obter mediante os pensamentos puros e a verdade, isso eu lhes
prometo.

Essa compreensão que os céus eram a morada do divino por vezes era tanto meta-
fórica quanto literal, o que voltava parte dos estudos iniciáticos a observação (e registro)
do firmamento, e esse fato permeia a obra de Zoroastro6:

Tais pessoas denunciam como o maior dos pecados contemplar o sol e


a terra com respeito, ainda assim subvertem os ensinamentos sagrados.
Eles convertem aos de mente pura em seguidores da falsidade, destroem a
vegetação e se utilizam armas contra a gente honrada.

Neste verso fica a interpretação que a contemplação das evoluções do sol e da terra
permite a seu observador conclusões morais, como o respeito aos ensinamentos sagrados,
ao meio ambiente e as pessoas honradas.

OH Ahura Mazda, Zarathushtra escolheu para si mesmo a pura sabe-


doria como seu guia. Que a verdade e a honradez fortaleçam nossas vidas
materiais. Que o poder espiritual junto com a fé e o amor iluminem nossos
corações como resplandecentes raios de sol. Concede recompensa, OH meu
Senhor, às pessoas que fazem suas ações seguindo uma mente pura e a sa-
bedoria.
Aquele que sempre pensa em sua própria segurança e benefício,
como pode amar a Mãe Terra que nos provém felicidade? O homem honra-
do que segue a Lei de Asha viverá aonde Teu Sol é resplandecente, a mora-
da aonde vivem os sábios.
As ações que tenho realizado no passado e aquelas que serão realiza-
das no futuro, que sejam todas dignas ante Ti. O brilho do sol e os resplan -

5 Outra paridade entre as Tradições Maçônicas e Zoroastrianas, Zoroastro, assim como os Maçons, tam-
bém operava em uma fraternidade ou irmandade, denominada “A Irmandade dos Magos” ou “A Assem-
bleia dos Magos”. O termo “Mago” ou “Magi” (plural do termo persa magus, significando tanto “ima -
gem” quanto “[homem] sábio”, do verbo cuja raiz é meh, “grande”) é um termo usado desde o século IV
a.C. para denotar um seguidor de Zoroastro. O termo ainda denominaria um seguidor do que a civiliza-
ção helenista associava com o Zoroastro, o que, em suma, era a habilidade de ler as estrelas e manipular
o destino que elas previam.
6 Que como citado anteriormente era iniciado e iniciador na astronomia, além disso, outra evidência está
na forte associação dos seus seguidores (os magos) com a observação celeste.

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decentes amanheceres de cada dia refletem Tua Glória de acordo com


Asha, OH Mazda Ahura.

Outra alusão usualmente empregada pelas Tradições Maçônicas, o sol como agente
iluminador, tanto no sentido físico quanto intelectual (as ciências que como o sol vieram
do Oriente ao Ocidente) e espiritual. A luz assume ao clarear os olhos e liberar as vistas o
viés do conhecimento, que ilumina o coração do iniciado.

Isto Te peço, OH Ahura e desejo que me diga em verdade. Qual poder


mantém a terra e os céus apartados e previne que estes últimos se precipi-
tem?
Isto Te peço, OH Ahura e desejo que me diga em verdade. Quem foi o
Criador e Pai Primevo da Verdade? Quem determina o percurso do sol e
das estrelas? Quem faz à lua crescer e minguar a seu tempo? Tudo isto e
além de muitas outras coisas desejo conhecer, OH Mazda.
Quem é o Criador das águas e das plantas? Quem lhe proporciona ve-
locidade ao vento e faz pairar desde longe as nuvens escuras e saturadas
de chuva? Quem é o Criador que inspira Vohuman, OH Mazda?

Zoroastro deixa explícito seu anseio de conhecer os princípios da mecânica e estru-


tura celeste, suas órbitas, fases e também quanto aos eventos atmosféricos dos céus, suas
correntes e climas. Tal conhecimento principiaria da Verdade Primeira e poderia fazer re-
tornar a ela.

Vohuman e Asha

A influência zoroastriana nas Tradições Maçônicas tem a astronomia/astrologia


como princípio, mas não como fim. Essas correntes se cruzam em mais de uma instância,
e a principal delas é a moral. Como os egípcios (e sua Ma’at), Zoroastro entendia que os as-
pectos por qual a Divindade se manifesta a humanidade devem ser alcançados através dos
Bons Pensamentos (Vohuman) e da Verdade (Asha), ideal que coaduna plenamente como
a moral maçônica.
A influência da obra deste iniciador da Antiguidade pode ser sentida não apenas nos
anais da Maçonaria, mas também nas grandes crenças que vieram após esse período. Ele-
mentos como uma divindade una e suprema, a salvação pela virtude, a punição pelas fal -

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tas cometidas, uma vida futura (post-mortem), o paraíso celestial (e o inferno), o dia do
julgamento, a vinda de um salvador etc. já estavam ali presentes antes do Judaísmo, do
Cristianismo e do Islamismo os apresentarem.
O bem e o mal existem antes de tudo dentro do próprio ser, e estão sempre em con -
flito. Como o homem conduz seus pensamentos, palavras e ações são o que definirá qual
lado será triunfante. Entretanto, para que o bem triunfe, não basta o progresso unicamen-
te pessoal, se faz necessário que o homem trabalhe em função da conservação e avanço do
sagrado, do mundano e da humanidade em si, combatendo todas as formas na qual o mal
se manifeste. Ou seja, se faz necessário levantar Templos a Virtude e Masmorras ao Ví-
cio…

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