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Nº 326

31MAI2018

Adm: VM Fabiano Ricardo Malaghini


Comissão de Ritualística e Desenvolvimento de Estudos e Pesquisas Maçônicas
GOB – GOSP - Oriente de Sorocaba – ARLS 4048

SOLSTÍCIO DE INVERNO, INICIAÇÃO E MAÇONARIA

Carlos Flores Herrera

É fácil e simples descer às profundezas do inferno,


pois a porta escura do sepulcro está aberta dia e noite;
no entanto, o regresso, para a atmosfera límpida do céu,
atravessa um caminho difícil e doloroso. (Virgílio: A Eneida, VI).

O Cosmos, para a humanidade, desde os inícios do tempo, sempre foi


uma fonte de curiosidade e permanente busca para
conhecer sua magnitude, seus fenômenos e seus
mistérios. Fonte inesgotável de interesse e, nesse
exercício de conhecimento, empírico num primeiro
momento e, posteriormente, científico, o homem tem encontrado respostas
para desenvolver diversas práticas, tanto produtivas, ritualísticas, lúdicas, poé-
ticas, entre outras.

Essas práticas cognitivas começaram a, aproximadamente, 5.000 anos,


quando descobriram que, em determinada época do ano, o Sol se movia e mu-
dava de direção. Nas posições de Solstício (In-
verno e Verão) a declinação do Sol se mantinha
parada durante vários dias, quase não se mo-
via, daí o nome Solstício, que em latim significa “Sol
quieto ou parado”, ou ainda “Sol Invic-
tus”....................... Sol Invictus

O Solstício de Inverno, que ocorre por volta de 21 de dezembro, mo-


mento em que o seu movimento aparente pela Eclíptica alcança o seu ponto
de maior declinação sobre o Equador terrestre e começa a subir novamente.
Este ponto é identificado na Terra com o Trópico de Capricórnio; nesta época
os dias são mais curtos e a noites mais longas e frias no Hemisfério Norte.

A importância deste fenômeno cósmico foi grande nas mais diversas cul-
turas que desenvolveram práticas mágico-religiosas de veneração ao Sol, visto
como benfeitor e doador de vida. Esses povos deixaram elementos arquitetô-
nicos, pictóricos e ritualísticos, amalgamados com outros elementos que pos-
sibilitaram a construção de uma visão mítica do Sol. Culturas agrárias pré-cris-
tãs, como a egípcia ou a grega situaram o nascimento dos seus principais deu-
ses Osíris e Baco no Solstício de Inverno.

Não foi por acaso que o nascimento de Jesus tenha sido fixado nessa
época festiva, pois, até o século IV, era comemorado o nascimento do Sol In-
victus no Império Romano. Aspecto do qual pode-se inferir que existiu uma
clara intencionalidade religiosa no sentido de absorver para ocultar os mitos
solares existentes, como aqueles centrados na presença de um deus jovem,
que a cada ano morre e ressuscita encarnado em seus ciclos de vida na natu-
reza. Além dos deuses citados, existe também o Mitra hindu, o Huitzilopochtli
asteca e o Shiva e, é claro, essa semelhança é também na cultura inca.

No Solstício de Inverno, os romanos, celebravam as festas religiosas em


honra a Saturno, deus da agricultura. Popularmente, essas festas passaram a
ser conhecidas como Saturnálias, duravam uma semana, e estavam vinculadas
à colheita.

Depois das cerimônias e dos banquetes do primeiro dia, visitas e presen-


tes eram trocados, possivelmente seja essa a origem dos atuais costumes na-
talinos. Nessas festas, os romanos costumavam conceder um pouco de liber-
dade aos escravos, tal como ocupar a cabeceira da mesa para serem servidos
pelos seus amos (isso lembra os ágapes após as iniciações dos aprendizes);
nesses banquetes as distinções de classes eram suprimidas.
Sintetizando, podemos dizer que todos os povos encontraram pontos no
tempo para celebrar seus calendários ritualísticos. Eram nesses pontos signifi-
cativos que eram realizados os rituais, vivificando os mitos e trazendo ao pre-
sente aquele tempo perdido em que a terra era regida pelas leis do céu. Esses
povos sacralizaram tais momentos, representando-os através de templos e ci-
dades, construções que guardavam harmonia com os pontos cardeais e com
as estações, aspecto que a Maçonaria levou em conta ao construir seus tem-
plos.

A celebração do Solstício na Maçonaria e alguns elementos relevantes

Não se pode falar de simbolismo do Solstício de Inverno sem associá-lo


ao de Verão, pois, em termos maçônicos, estão indissoluvelmente ligados e
são parte constitutiva de uma estrutura simbólica correlacionada à tradição
iniciática, para se ter uma visão integral do simbolismo solsticial.

As duas festas mais importantes celebradas pela Ordem Maçônica são


as dos dois Solstícios, o de Verão e o de Inverno, que correspondem, respecti-
vamente, ao Sul e ao Norte, ao meio-dia e à meia-noite e
aos signos zodiacais de Câncer e de Capricórnio. Estes dois
pontos temporais eram chamados pelos gregos de Porta
dos Homens (Verão) e Porta dos Deuses (Inverno). Na tra-
dição hindu são identificados colo o Pitr-Loka e o Deva-
Loka, também relacionados como os dois rostos de deus Jano dos romanos e
com os dois Joões, o Batista e o Evangelista, da tradição cristã.

Pela primeira porta saiam as almas dos iniciados, que após a morte, re-
tornariam em outro estado de manifestação e, pela segunda, aqueles que, gra-
ças à morte e ao processo iniciático, tinham conhecido os estados múltiplos do
ser e das diversas dimensões do tempo e do espaço, conseguindo, assim, rea-
lizar o retorno à Unidade, onde se recuperava a imobilidade da Origem e se
obtinha a Grande Luz, escondida na não-manifestação.
A isto se deve o sentido esotérico de nossos trabalhos que vão do meio-
dia à meia-noite. Segundo René Guénon: “... para o profano, a maior luz é
aquela do meio-dia ou a do Solstício de Verão [...] já para o iniciado, a Grande
Luz é encontrada no Solstício de Inverno, uma vez que sua busca interna é di-
rigida para o conhecimento do Sol da meia-noite...”.

Superado este argumento, encontramos que na tradição cristã isto se


reflete: “... no sentido simbólico de que o Cristo nasceu justamente à zero
hora, no Solstício de Inverno, em Capricórnio e que, a partir desse nascimento,
o tempo começa a ser contado novamente (ano zero).

Por outro lado, o simbolismo grego das Portas Solsticiais, foi assumido,
particularmente, pelos pitagóricos e, entre os latinos, estava essencialmente
vinculado ao mito astronômico de Janus (deus romano), que se constituiu num
dos símbolos fundamentais das tradições gnósticas e iniciáticas da antiguidade
e, de modo particular, ao Cristianismo, onde, o deus romano Jano, deus bi-
fronte, padroeiro dos construtores, se desdobra nos dois São Joões: São João
Batista, que preside o Solstício de Verão e São João Evangelista, o de Inverno,
aquele que abre a Porta dos Deuses, que segundo Julio Pauls: “... representa a
saída da caverna iniciática, cujo acesso só é possível para aqueles que tinham
realizado a primeira parte da iniciação, à qual convencionou-se chamar de “Pe-
quenos Mistérios” ou “Mistérios Menores”.

Esse desdobramento, intermediada por razões, principalmente, teológi-


cas, permitiu que a Tradição Joanita e ao Esoterismo Cristão apontassem uma
estreita relação entre Jesus, nascido no Solstício de Inverno e São João Evan-
gelista, aspecto que marcou o ponto de virada na estrutura de significação
cristã. O Cristianismo, segundo José González, adaptou a Tradição Joanita à
mitologia de Cristo, alcançando assim um lugar preponderante. Paralela-
mente, suprimiu ou aboliu as Festas Saturnais de Inverno para transformá-las
nas festas de São João Evangelista.
Há estreita relação simbólica entre o Solstício e a Iniciação, onde Jano,
com suas duas chaves, símbolo axial por excelência, cumpria a função de abrir
e fechar as “Portas Solsticiais” que davam acesso às duas metades, ascendente
e descendente do “Ciclo Zodiacal” (Duas Vias), que os pitagóricos representa-
vam com a letra “Y”. Estas duas chaves, uma de ouro e
outra de prata, representavam, respectivamente, os
Grandes e os Pequenos Mistérios.

Com efeito, Jano era o deus da iniciação e esta atri-


buição era uma das mais importantes, porque existia
forte conexão entre a função iniciática da Caverna e a das Portas Solsticiais.
Devido à esta atribuição, Jano presidia os Collegia Fabrorum romanos, que
eram depositários das iniciações e estavam dedicados à arte da construção;
aspecto que, longe de desaparecer com a antiga civilização romana, foi perpe-
tuada através do Cristianismo.

Como se sabe, a tradição dos antigos Collegia Fabrorum foi transmitida


às corporações medievais que conservaram o mesmo caráter iniciático, em es-
pecial a dos construtores, que mais tarde estabeleceram os dois São Joões
como seus patronos, daí provém a expressão “Loja de São João” que a Maço-
naria Moderna ainda conserva.

É por isso que a Ordem, em sua etapa especulativa, conserva os teste-


munhos mais explícitos de sua origem, as Festas Solsticiais, consagradas aos
dois São Joões, depois de terem estado como as duas faces de Jano, assim, a
doutrina tradicional das Portas Solsticiais, com suas conexões iniciáticas tem
sido mantida viva através de dois elementos fundamen-
tais da Maçonaria: o rito e o símbolo. As Festas Solsticiais
têm sua presença obrigatória na iconografia dos Templos
Maçônicos, daí a presença do Sol, da Lua e da Abóbada Celeste.
Os Solstícios estão representados pelas duas Colunas que figuram no
Ocidente e que marcam a marcha do Sol durante os doze meses do ano, repre-
sentada pelos doze signos zodiacais que se encontram
ao redor do Templo, e que, por sua vez, representam os
Doze Trabalhos de Hércules, cujas viagens têm por li-
mite, as duas colunas gêmeas que adornam a entrada da Loja.

Solstício e a Tradição Iniciática

Como já foi visto, existe um paralelismo entre estes dois elementos sim-
bólicos, e me parece importante nos determos para assinalar certos aspectos
sobre a Tradição Iniciática e sua relação com a Maçonaria, isso nos permitirá
recordar que a iniciação é um processo em constante movimento.

A Iniciação, do latim “initium”, é, por definição, “o começo ou a entrada


em algo”. É a passagem do profano ao sagrado, em termos simbólicos; quer
dizer “a regeneração do Ser”. Segundo Parraguéz: “... é o conjunto dos ritos,
simbolismos, alegorias e lições iniciáticas que têm como finalidade a mutação
radical na experiência espiritual do sujeito iniciado”. O processo iniciático,
desde suas origens, é composto por provas de caráter simbólico que tinham
características similares aos diferentes ritos da antiguidade.

A esse respeito, M. Eliade assinala: “... as provas da iniciação revelam,


de maneira teatral e dramática, o ato pelo qual o espírito transcende um cos-
mos condicionado e fragmentário, para retornar à Unidade Fundamental.
Equivale à mutação do regime existencial, de maneira que, ao final das provas,
o neófito alcança uma vida totalmente diferente à que tinha antes da iniciação.

As bases da Tradição Iniciática no Ocidente são encontradas em diversas


fontes, que vão dos mistérios egípcios, fenícios, os de Eleusis, até a doutrina
pitagórica, passando pelos essênios, a Kabbalah e inclusive pela Tradição Al-
química. Podemos afirmar que toda iniciação nos Mistérios é uma reatualiza-
ção do mito, visto como estrutura de sentido e que a iniciação, como tal, é a
estruturação em torno da morte e da ressurreição, é o passo da escuridão para
a Luz.

Em síntese, a construção da Tradição Iniciática tem como embasamento


diferentes elementos que a Maçonaria soube amalgamar, formando uma es-
trutura simbólica de caráter eclética que reconhece os elementos mais desta-
cados e de maior força simbólica para incorporá-los aos seus rituais, nos seus
diversos graus.

Conclusões

As lendas sobre as quais repousam os mistérios e cultos dos antigos po-


vos estão fundadas na aparente marcha do Sol para o ocaso, com expressão
figurada de que é vencido pelas trevas, para logo, após três dias, renascer ven-
cedor e ressuscitado, isto não é mais do que a representação alegórica da
eterna luta entre a vida e a morte, entre o dia e a noite, princípios presentes
em todas as religiões. Tudo isso demonstra a universalidade do Culto Solar e a
importância que adquiriu na antiguidade.

Ao celebrar e simbolizar o Solstício, os maçons sacralizaram o tempo nas


nossas lojas, ao trabalhar ritualisticamente do meio-dia à meia-noite, quando
saímos do tempo uniforme do mundo profano e ingressamos num outro
tempo, no qual tudo é simbólico.

O processo iniciático maçônico recria simbolicamente muitas das chaves


dos mitos e lendas da Antiga Tradição; é converter o iniciado em alguém que
venceu a morte, entendida como superação da condição profana. A represen-
tação dos Solstício e de outros símbolos que encontramos no interior da Loja,
simbolizam a ordem e o mistério que revelam aquilo que deve acontecer no
interior do próprio iniciado. Na Maçonaria, o rito é o símbolo em movimento,
com a finalidade de fazer o iniciado participar no mistério da morte e da res-
surreição.
O simbolismo do Solstício ou do Jano Bifronte, encerra um aspecto de
temporalidade, a representação do passado e do futuro; quer dizer, em termos
maçônicos, Reconhecimento e Esperança.

Finalmente, o dever de todo maçom é buscar a verdade, é descobrir,


mediante a retirada dos véus dos símbolos, buscar os autênticos significados e
virtudes do processo iniciático.

* Tradução: Comissão de Ritualística e Desenvolvimento de Estudos e Pesqui-


sas Maçônicas da ARLS Cavaleiros da Luz, 4048, Sorocaba, SP.

As imagens não fazem parte do artigo original.

Bibliografía

Julio Pauls, SOLSTICIO DE INVIERNO, documento, 2001.


Rene Guénon, SÍMBOLOS FUNDAMENTALES DE LA CIENCIA SAGRADA, Eudeba, Bue-
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Pedro Rodríguez, RITOS Y MITOS DE LA NAVIDAD, Ediciones Barcelona, Barcelona,
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Galo Flor Pinto, MUERTE DE ISIS, Quito, 1986.
Frau Abrines, DICCIONARIO ENCICLOPEDICO DE LA MASONERIA, 1ra.Edición, Mé-
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Mircea Eliade, TRATADO DE HISTORIA DE LAS RELIGIONES, 3ra Edición, Ediciones
Moreta, Madrid, 1974.
González José, MITOS Y SÍMBOLOS, México 2003.
Luis Parraguéz, LA INICIACIÓN, UN ESTADO DE LA CONCIENCIA, doc. 2001.

Artigo disponível em: HERRERA, Carlos Flores. Solsticio de inverno, ini-


ciación y Masoneria. Revista Dialogo entre Masones. Valle de Lima, año 4, n.
42, p. 44-50, jun. 2017.

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