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Revista GeSec

São Paulo, SP, Brasil v. 14,


n. 7, p. 11540-11557, 2023

ISSN: 2178-9010

DOI: http://doi.org/10.7769/gesec.v14i7.2365

Que secretário(a) executivo(a) sou eu?: a narrativa como espaço de


construção das identidades e de práticas sociais

Which executive secretary am i?: the narrative as a space for the


construction of identities and social practices

Warley Stefany Nunes1

Resumo
Quando narramos as nossas experiências, temos uma melhor percepção de como estamos
inseridos no mundo e, sobretudo, no nosso processo de decisão por uma carreira profissional.
Diante disso, este artigo tem como objetivo investigar a narrativa da secretária executiva como
espaço para construções de suas identidades e práticas sociais. Por um lado, analisamos a
entrevista dentro da perspectiva da narrativa canônica (Labov e Waletzky, p. 1967) e, por
outro, a narrativa como escolha, crença e identidade, pois esse gênero pode proporcionar uma
virada qualitativa sobre a percepção de si mesmo e sobre o passo à mudança. Com isso,
esperamos contribuir para aproximar a academia e o mercado de trabalho com uma imagem
mais realista da profissão de secretariado executivo, já que, como relata a narradora, na
universidade, a profissional é colocada no pedestal, que não condiz com o panorama real do
ofício.
Palavras-chave: Narrativa. Secretário Executivo. Labov e Waletzky. Identidade e Prática
Social.

Abstract
When we narrate our experiences, we have a better perception of how we are inserted in the
world and, above all, in our decision-making process for a professional career. Therefore, this

1
Doutorando em Letras Neolatinas, Estudos Linguísticos, Opção Língua Espanhola pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), R. Antônio Barros de Castro, 119, Cidade Universitária da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - RJ, CEP: 21941-853. E-mail: warleystefany@letras.ufrj.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9386-2245
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article aims to investigate the narrative of the executive secretary as a space for constructing
their identities and social practices. On the one hand, we analyze the interview within the
canonical narrative perspective (Labov and Walestky, p. 1967) and, on the other hand, the
narrative as a choice, belief and identity, as this genre can provide a qualitative turn on the
perception of oneself and about the step to change. With this, we hope to contribute to bringing
academia and the labor market closer together with a more realistic image of the executive
secretary profession, since, as the narrator reports, at the university, the professional is placed
on a pedestal, which does not match the real panorama of the job.
Keywords: Narrative. Executive Secretary. Labov and Walestky. Identity and Social Practice.

Introdução

Quando os secretários executivos interagem com os seus pares e com os seus diretores,
eles estão construindo e performando as suas identidades, líquidas, fragmentadas e híbridas.
Por isso, ao investigar, por meio da narrativa, as experiências, as escolhas e as crenças, temos
a oportunidade de ver como se constitui discursivamente a sua identidade como agente social.
Quando ela traz para dentro o próprio entendimento historicizado, faz coerência para o seu
processo de decisão para a sua formação profissional. Portanto, este artigo tem por objetivo
investigar a narrativa da secretária executiva como espaço para construções de suas
identidades e de suas práticas sociais. Por um lado, exploramos a entrevista na perspectiva da
narrativa canônica (Labov e Walestky, p. 1967): síntese, orientação, ação complicadora,
avaliação, resolução e coda. Por outro lado, analisamos a narrativa como escolha, crença e
identidade, pois esse gênero pode proporcionar uma virada qualitativa sobre a percepção de
si mesmo e sobre o passo à mudança.
Para estudar este objeto, baseamo-nos na pesquisa qualitativa e interpretativa, porque
consideramos que a narradora coloca seus próprios posicionamentos identitários em ação
(consigo e com os outros), convertendo, assim, um ponto investigável. No caso, entrevistamos
uma secretária executiva trilíngue, com formação na área, que atua no setor público. É
relevante deixar claro esses dois itens (línguas estrangeiras e estabilidade do concurso
público), pois eles entrelaçam e penetram em todos os seus processos de decisão, apesar das
adversidades do ofício.
Finalmente, esperamos compreender a sua figura na empresa, que é vista com distância
entre a academia e o mercado de trabalho, uma vez que, como relata a entrevista, na

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universidade, a imagem da secretária executiva é colocada no pedestal, que não condiz com a
realidade. Com isso, leva-nos a crer que a narrativa é um interessante instrumental para
analisar a profissão por compor os aspectos práticos (aproximar a atuação às instituições de
ensino), mostrando e caracterizando-a como mais fidedigna ao posto de trabalho.

O Secretário Executivo dentro da Projeção Narrativa: um Olhar sobre o Retrovisor

No momento em que os profissionais de secretariado executivo precisam realizar um


contato dentro da empresa, eles recorrem à chamada telefônica a fim de potencializar as suas
estratégias, expandir e integrar os colaboradores da empresa. Dito isso, são criados espaços
discursivos, dialógicos e ideológicos, em que os sujeitos se inscrevem e se circunscrevem para
fomentar conexão com público interno e externo. Para Berger e Luckmann (2004, p. 35), “[a
vida do profissional dentro do espaço laboral] apresenta-se como uma realidade interpretada
pelos homens e subjetivamente dotada de sentido para eles na medida em que forma um
mundo coerente”. Nesse caso, esses indivíduos valem-se de vários mecanismos e eventos para
constituírem e construírem o sentido das suas escolhas, experiências e crenças. Tendo como
base a alteridade, eles fazem performances através do discurso, filiando (ou não) a
determinados grupos. Isso quer dizer que, na secretaria, são produzidos discursos na
perspectiva de prática e discursividade como ação e representação do mundo com significado.
Sendo assim, os secretários executivos têm “crise de identidade” (Hall, 2006), uma vez que
eles estão em um processo continuum da sua construção, ou seja, as suas identidades são
fragmentadas, híbridas e líquidas.
Como o mundo se tem desenvolvido e transformado com os avanços tecnológicos e
comunicacionais, a profissão de secretariado executivo, como produto social, também é
impactada neste processo. Para Arnaut (2012, p. 3, tradução nossa), existe “uma nova
condição histórica do transnacionalismo, que provém do fato de os fluxos globais de pessoas
terem sofrido profundas mudanças quantitativas e qualitativas”. Portanto, eles são
atravessados por várias identidades fragmentadas, em que podem expressar outras, segundo
as suas necessidades.
Dito isso, podemos dizer que, na secretaria, os participantes interagem e negociam
para obter espaço para narrar. Labov e Waletsky (1967, p. 359) elucidam que a narrativa
como “um método de recapitular uma experiência passada combinando uma sequência verbal
à sequência de eventos que (infere-se) realmente ocorreram”. Sendo assim, podemos reiterar
que esses profissionais, ao confrontar com outros atores sociais, acabam construindo e

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constituindo passo a passo para desenvolvimento do sentido na narração e transmitir ideias


comumente aceitas sobre si e sobre seus pares. Como ilustração, neste setor organizacional
são circuladas diversas narrativas de eventos e acontecimentos, que podem ser interpretados
mediante as representações e a legitimação que se têm intenção. Mishler (2002, p. 104) elucida
que são “construídos [relatos] retrospectivamente, por meio de um olhar retrovisor desde o
presente, os enredos nessas narrativas pessoais são ‘governados como um todo’ pelos seus
modos de finalização”. Nesse sentido, os agentes sociais, nas organizações, (re)contam
eventos pretéritos mediante a juntura temporal (Labov, 2013), combinando, assim, a ordem
das cláusulas narrativas conforme desenvolveu a ação. Ao historiá-los, eles dão significância
e transformam-se, conectando e reconectando as suas vivências e experiências. Para
complementar, Moita Lopes (2009, p. 135) explica que “contadores no momento de narrar
suas histórias estão não só relatando os eventos de uma narrativa (os eventos narrados), mas
estão também envolvidos na performance de quem são na experiência de contar a narrativa (o
evento de narrar)”. Portanto, os secretários executivos selecionam e organizam narrativas
com marcas e pistas a fim de proporcionar um propósito comunicativo, que, nem sempre, é
consciente: subjetividade enquanto emoção, subjetividade enquanto faculdade psicológica
(imaginação e sonho), subjetividade enquanto identidade individual e o mesmo coletiva
inconsciente (Perelmutter, 1988). São as construções das próprias tramas dentro da
perspectiva existencial no mundo, ou seja, os profissionais de secretariado executivo
constituintes de universos inerentes à reestrutura e às mudanças, em função das forças sociais
condicionantes. Segundo Mishler (2002, p. 110), “cada um dos nossos eus parciais é um
personagem em uma história diferente, na qual somos posicionados de modos diferentes em
nossas relações com os outros, que constituem nossos diversos mundos sociais”. Por causa
dessa pluralidade de subidentidades (Mishler, 2002), as narrativas dos secretários executivos
intersectam-se, podem gerar conflitos e tensões com diferentes elementos da vida social. O
seu posicionamento em diferentes contextos refletem as suas múltiplas identidades.
Considerando que as suas marcas contextuais justificam um final, Labov e Waletzky
(1967) desenvolvem a teoria sobre a narrativa canônica: a) síntese: corresponde ao resumo da
narrativa e à definição do seu conteúdo. No início da narrativa, podemos identificar o ponto
de partida (o porquê de a história estar sendo contada); b) orientação: tem a missão de
contextualizar a história narrada mediante a identificação dos individuos envolvidos, do local,
da hora e do cenário de representação. A sua função é “apresentar o que estava acontecendo
antes que o primeiro evento da narrativa ocorresse ou durante todo o episódio (Labov, 1972,
p. 364); c) ação complicadora: é a sequência de orações narrativas com a complicação da

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história (verbos no pretérito perfeito). Elas estão no corpo e reproduzem a ordem dos eventos
de forma linear. A sua inversão poderia provocar a alteração da interpretação do acontecido
narrado.; d) avaliação: conecta-se com o foco central do evento, que pode ser feito a todo
instante, para demonstrar a opinião ou o julgamento por parte do narrador. Por meio da
avaliação, saberemos a relevância da história. Labov (1972, p. 366) afirma que “o meio usado
pelo narrador para indicar o ponto da narrativa, sua razão de ser: por que foi contada e onde o
narrador está (querendo) chegar”; e) resolução: é a consequência da ação complicadora, ou
seja, refere-se ao caminho para o desfecho da narrativa; f) coda: realiza subversão entre o
tempo da narrativa (passado) e o tempo da narração (presente) para demarcar a final da
narrativa.
Em resumo, na narrativa completa, devemos encontrar a síntese, dando indícios do
que está por vir, com introdução do conteúdo e da razão de a história. Prossegue com a
orientação (contextualização da sequência de eventos). Logo, deparamo-nos com a ação
complicadora, em que o narrador começa a contar o que aconteceu e enfatizar a relevância de
algumas partes, em relação a outras (avaliação). Para finalizar, há a revelação do desfecho da
complicação (resolução) e o resumo do encerramento, avaliando os efeitos da história e
transpondo do passado ao presente (coda). Entretanto, podemos encontrar uma grande gama
de estruturas de narrativas, em virtude dos eventos, da cultura e do momento de enunciação.
Mishler (2002, p. 116) afirma que “que o conceito de narrativa é uma categoria difusa, com
exemplares que incluem todos os critérios necessários e outros tipos que são defeituosos em
um aspecto ou outro, mas que possuem uma parecença familiar aos exemplos definidores”.
Quando se faz virada de enredo ao contar sua história, fazemos muito mais do que
desencadear uma sequência de ações, sobretudo, no ambiente empresarial, recriamos
vivências (ou que gostaríamos) para tentar representar ou materializar questões imaginativas.
Ali é realizado um jogo de intenções no qual damos noções ao destinatário sobre quem somos
e como queremos que nos vejam. Por esse motivo, os secretários executivos assumem
identidades, profissional e individual, que acontecem de diversos modos, como, por exemplo,
no discurso.

Se concordarmos que as histórias não servem fundamentalmente para informar um “real” que lhes
antecede e sobrepõe, então, o que se está reivindicando para as narrativas são funções mais complexas
e mais comuns à experiência cotidiana, relacionadas à construção de sociabilidade, à conformação da
experiência em padrões públicos de aceitação e à construção de um sentido de quem somos e do mundo
que nos cerca (Bastos e Biar, 2015).

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Na perspetiva socioconstrucionista, o mundo social não é apenas uma representação


da realidade, senão de construções sociais e sentidos sobre si, porque, à medida que os sujeitos
discutem, escrevem e questionam, surgem as formações sociais “no âmbito linguístico-
semântico” (Fabrício, 2006, p. 50). Por esse motivo, a narrativa pode ser vista como um
recurso importante para a nossa profissão para identificar os problemas e, sobretudo, traçar
objetivos de mudanças para incrementar, pois eles participam socialmente, ao envolverem a
si mesmo e ao envolverem a alteridade na construção do discurso. Nesse processo de
negociação, o significado está intrínseco às "circunstâncias sócio-históricas particulares e é
medida por práticas discursivas específicas nas quais os participantes estão posicionados em
relações de poder” (Moita Lopes, 2002, p. 31). Ao considerá-la como discurso-ação, os seus
participantes interagem com o mundo por meio do discurso, e os seus significados são
construídos durante essa interação. O autor complementa que o significado é resultado da
construção social, por isso devemos considerar a alteridade e o contexto como vértices
centrais para esse processo. Em relação ao primeiro item, afirma que “o que somos, nossas
identidades sociais, portanto, são construídas por meio das nossas práticas discursivas com o
outro”. Já, ao segundo, os atores produzem contextos mentais ou enquadres interacionais para
lançar o seu propósito comunicativo na interação.
Ao aplicar esse conceito ao âmbito organizacional, podemos inferir que os secretários
executivos constroem significados, porque estão se comportando no mundo em uma
determinada situação sócio-histórica, refletida pelas relações de poder. Como esses
profissionais estão em constante processo de produção das suas identidades, ela nunca estará
completa. Moita Lopes (2002, p. 34-35) agrega que “os que ocupam posições de maior poder
[executivo] nas relações assimétricas são, consequentemente, mais aptos a serem os
produtores de outros seres, por assim dizer”. Nas empresas, os sujeitos estão designados a
desempenharem poder um sobre o outro, às vezes, com identidades diferentes ou
contraditórias. Sendo assim, eles usam de estratégias argumentativas para apoiar um ponto de
vista e levar o sentido do texto na direção proposta, tendo como base o seu objetivo
comunicativo. Esse movimento discorre a fundamentar uma tese ou a rechaçar teses, ou
argumentos contrários.
Finalmente, podemos concluir que os profissionais devem saber reconhecer que os
enunciados, formatos relativamente estáveis, refletem as condições específicas e as
finalidades para participar, em diferentes graus. Por uma via, eles podem dar sustentação à
narrativa e conduzir a uma certa conclusão e, por outra, eles podem enfrentar-se a um contra

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discurso. Nesse processo de interação, eles acabam reposicionando-se nas suas identidades
como sujeitos.

Análise e Discussão

Com a incorporação da dimensão social no construto do sujeito e da sua subjetividade,


os secretários executivos narram uma história de modo a fazer-se entender mediante sequência
das ações anteriores com início, meio e fim. Nota-se que esses sujeitos têm uma perspectiva
de enredo de um presente-passado, presente-presente e presente-futuro. Portanto, as suas
narrativas estão à luz da memória e do tempo, pois o relógio conta as suas histórias, as suas
práticas e as suas identidades. Para Mishler (2002, p. 104), “se desejamos entender como os
indivíduos aprendem, mudam e se desenvolvem, precisamos ter uma alternativa ao modelo
causal de ordem temporal linear [...]”, e complementa que “essa alternativa também deve dar
espaço para seus modos de reinterpretar o significado de eventos passados em termos de
consequências posteriores, por meio das quais eles redefinem quem são e revisam os enredos
de suas histórias de vida”.
Tendo em vista que a narrativa é uma ação de rehistoriar na perspectiva de distância
espaço-temporal, os profissionais de secretariado encontram-se presente, ao redor do seu
interlocutor, e distante do seu ponto e do seu conto. Portanto, a nossa pesquisa tem como
objetivo investigar a narrativa da secretária executiva como espaço para construções de suas
identidades e de suas práticas sociais. Para examinar esse objetivo, concentramo-nos na
pesquisa qualitativa e interpretativa, porque consideramos as suas narrativas como tópico
pesquisável para analisar as práticas da linguagem e as construções de significado durante a
entrevista. Para Mishler (1986, p. 137), esse método é dirigido “por normas de apropriação e
relevância que fazem parte das competências compartilhadas por falantes como membros de
uma comunidade” para co-construir discursivamente. No caso, entrevistamos uma
profissional com formação em Secretariado Executivo Trilíngue que trabalha no setor público,
ingressante por concurso público. É importante deixar claro esses dois pontos (as habilidades
com línguas e a estabilidade do emprego), porque a narrativa se entrelaça nesses pilares para
levar e adequar à profissão. Após a sua gravação, transcrevemos a entrevista, tendo como base
o modelo de sistema de Schegloff (2021).

[] Sobreposição ou fala simultânea.


= Início de um turno é realizado imediatamente depois da finalização do anterior.
(0.5) Silêncio, representado em décimos de segundo.

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(.) Micropausa.
. entonação descendente
? entonação ascendente.
, entonação contínua
¿ entonação menos ascendente que a marcada pelo outro signo de interrogação, mas mais
ascendente que a marcada pela vírgula.
:: Prolongação do som precedente. Quando mais prolongado seja o som, mais signos aparecerão.
- Corte da palavra ou auto interrupção
º Signo de grau indicará que a fala posterior é tranquila e suave.
ºº Dois signos de grau indicam que a fala entre eles é pronunciada tranquila ou suavemente.
↑ Tom ascendente. Pode indicar uma completa mudança na entonação.
↓ Tom descendente. Pode indicar uma completa mudança na entonação
>< Fala comprimida ou que é falado com pressa, com tom baixo.
<> Fala é lento e extensa
< O símbolo “menos que” indica que a fala imediatamente em seguida arranca de golpe.
hh A aspiração que se escuta é marcada com letra “h”. Quanto mais aspiração, mais “h” aparecerão.
Este símbolo pode representar a respiração, riso, etc.

(h) Respiração, risos, etc. quando acontece dentro do limite de uma palavra.
(( )) Parênteses duplo são usadas para descrição de eventos, por exemplo ((soa telefone)), ((passos)),
((suspira)), etc.
(word) Incerteza na transcrição, mas representa uma possibilidade.
() Inaudível
Tabela 1
Fonte: Schegloff, Emmanuel. Transcripts symbols [Consulta: 18-5-2021]

A partir da sua narrativa, podemos perceber posicionamentos, agência e alinhamento


para saber a dimensões e filiações de categorias sociais para “interpretar os fenômenos em
termos dos significados que as pessoas a eles conferem (Denzin e Lincoln 2006, p. 17)”. Dito
isso, a nossa primeira etapa é explorar as entrevistas na perspectiva da narrativa canônica
(Labov e Walestky, p. 1967): a) síntese, b) orientação, c) ação complicadora, d) avaliação, e)
resolução e f) coda. Depois, vamos analisar a narrativa como escolha, crença e identidade, já
que ela conduz ao movimento imprevisto, que leva à percepção distinta de si e ao passo para
mudanças.
Entrevistador: Quem é a Participante 1, de onde, idade..?
P1: Bom, meu nome é G, vou fazer trinta e sete anos daqui uns dias, nasci em Cabo
Frio no estado do Rio de Janeiro, mas já vivi em muitos lugares, bem nova com 4 anos vim
pra Juiz de Fora, com dezessete anos. Fiz um intercâmbio pras Filipinas, morei um ano nas
Filipinas, voltei pra Juiz de Fora, fui pra Viçosa, quando estava fazendo a faculdade em Viçosa
que eu ganhei um bolsa para estudar nos Estados Unidos, morei um ano nos Estados Unidos,
(.) voltei pra Viçosa, fui pra BH depois de BH voltei pra Juiz de Fora. (0.5)
Considerando o trecho acima, notamos que P1 dá indícios do que está por vir,
principalmente, quando se refere “mas já vivi em muitos lugares”. Podemos inferir que se
trata da síntese por preparar o interlocutor para dar razão por que realizou a sua escolha pela

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profissão. Logo, percebemos que a entrevistada identifica de alguma maneira o tempo, o


espaço e as escolhas para contextualizar e traçar a sequência de eventos. Para exemplificar a
orientação, destacamos: “vim pra Juiz de Fora . Com dezessete anos, fiz um intercâmbio pras
Filipinas, morei um ano nas Filipinas, voltei pra Juiz de Fora, fui pra Viçosa, quando estava
fazendo a faculdade em Viçosa que eu ganhei um bolsa para estudar nos Estados Unidos,
morei um ano nos Estados Unidos”. Para Labov (1998, p. 16, tradução nossa), “é muito
frequente encontrar aqui [seção da orientação] cláusulas no passado progressivo que esboçam
o que estava acontecendo antes do que aconteceu no primeiro evento da narrativa ou durante
todo o episódio”. Dito isso, P1, através da sua descrição feita, localiza o interlocutor para
construir a narrativa para a sua decisão para fazer o curso de Secretariado Executivo Trilíngue.
Abaixo, vamos a encontrar o momento crucial sobre essa guinada.
Entrevistador: O que foi a virada de chave para você fazer secretariado executivo, por
quê? P1 - então, é um pouco até curioso, porque eu não tinha escutado falar desse curso, não
tinha ouvido falar, não conhecia ninguém que tinha feito, enfim nem sabia que ele existia, na
época de fazer o vestibular eu tinha acabado de voltar das Filipinas e eu terminei o ensino
médio lá, fiz o último ano do ensino médio lá, eu tinha seis meses pra estudar e eu queria fazer
medicina, e não tinha visto pelo menos seis mês de terceiro ano, de matéria daqui pra estudar
pra fazer a prova, enfim como eu queria, tentei e não passei, no ano seguinte eu fiz cursinho
o ano todo e fui tentar fazer vestibular para algumas universidades, todas as universidades que
eu tentei exceto a UFV eu tentei algum curso da área de saúde, na UFV na época não tinha
nenhum curso da área de saúde né (.) aí eu fui olhar abri o site assim e olhei catálogo dos
cursos, fui olhando curso por curso a grade curricular, e aquelas informações mais básicas
sobre o curso, lá no catálogo (h) aí eu achei o curso secretariado trilíngue executivo lá no
catálogo, ai o primeiro que me chamou atenção foi realmente a parte das línguas, porque eu
sempre gostei de inglês, eu estudava inglês, aí fui morar nas Filipinas, aí tive contato com
outra língua além do inglês, (h) enfim eu sempre gostei de aprender outras línguas, aí eu vou
te confessar que aí dei uma olhada aí como tinha feito o intercâmbio pelo Rotary eu estava
com muita na ideia ainda de para área de relações internacionais também, eu gostava dessa
área aí eu vi no curso e o curso abria campo pra isso, (.) aí eu falei vou tentar esse curso aqui
na UFV (h) e curiosamente eu não passei para nenhum dos outros vestibulares, que eu fiz dos
outros cursos de saúde e passei somente na UFV, aí comecei a estudar lá.( =)
Tendo em vista o caso acima, P1 explica a sua condução para conseguir construir a
sua narrativa, ora enfatizando algumas partes, ora suprimindo outras. Segundo Labov (1998),

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a narrativa tem um ponto (raison d’étre2) para apresentar e sustentá-la. Ela pode desencadear
em: a) avaliação externa: o narrador faz um parêntese para colocar um posicionamento e b)
avaliação encaixada: o narrador dá força dramática para direcionar o sentido da sua
construção. Portanto, podemos dizer que o respondente faz a avaliação encaixada, porque
utiliza ferramentas expressivas a fim de conferir-lhe uma marcação da avaliação, como: “[...]
eu achei o curso secretariado trilíngue executivo lá no catálogo, ai o primeiro que me chamou
atenção foi realmente a parte das línguas, porque eu sempre gostei de inglês, eu estudava
inglês, aí fui morar nas Filipinas [...]”. A partir desse trecho, nota-se que a entrevistada,
embora não conhecesse a carreira como prática social, resolveu fazê-la em função da
nomenclatura [Trilíngue]. Por conseguinte, isso leva-nos a crer que as línguas estrangeiras se
convertem em um chamariz para os acadêmicos, pois eles, muitas vezes, não têm a noção real
do que seria a profissão, mas pretende seguir para poder aplicar dois ou mais idiomas quando
for trabalhar. Sendo assim, podemos apontar que P1 conta essa história para construir a sua
vida social mediante recortes de si, ecoar discursos e filiar ao grupo. Para agregar,
apresentamos a construção imaginativa da participante sobre os profissionais.
Entrevistador: Você acredita que o profissional do secretariado executivo apresentado
na universidade condiz com a secretaria que você é?
P1: Em partes, porque assim como hoje eu trabalho no setor público eu acho que o
curso é muito voltado mais para empresa sabe, (( )) tem aquela imagem do profissional do
secretariado de empresa privada e na empresa pública e um pouquinho diferente pelo menos
assim na universidade que eu trabalho a imagem e um pouco diferente (=)
Entrevistador: Hoje você está na Reitoria?
P1: Sim (><)
Entrevistador: Uhum. (hh) E por que você acha que é diferente? Em que sentido? (0.5)
P1: Uai, eu acho que empresa privada tanto o pessoal de RH quanto os diretores os
executivos que a gente trabalha eles têm conhecimento maior sobre o profissional né, o que
um secretário faz, um profissional do secretariado executivo pelo menos eu trabalhei em uma
empresa privada antes de começar, de passar no concurso pelo menos lá eu tive essa impressão
que eles conheciam o curso de secretariado executivo, eles quiseram uma pessoa que tivesse
feito secretariado executivo porque as experiências dele passadas é de que formação
especialmente na UFV era diferenciado então eles queriam de fato né, quando a antiga
secretária saiu eles queriam alguém da UFV preferencialmente, então assim na empresa

2
Razão de ser (tradução nossa).

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pública eles já não tem conhecimento nenhum do secretário executivo a minha experiência lá
é que assim, acaba virando assistente de administração sabe, não é aproveitado todo nosso
conhecimento né, os anos que a gente passou estudando, a parte que a gente entende mais né,
acho que é meio deixado pra trás assim, não é valorizado. (=)
Segundo P1, existe uma invisibilidade dos secretários executivos, pois esses agentes
estão entre ações, ou seja, as suas atividades configuram-se como meio. Sendo assim, faz-se
a sua leitura simplificadora e reducionista, porque são marcadas por fragmentação, em função
de as suas tarefas serem técnicas e rotineiras. Além disso, no campo estratégico, o ofício
demarca-se como gestão no plano micro contextual: gestão da secretaria, tempo, documentos,
informações e conhecimento. Dessa forma, esses efeitos impactam, mais incisivamente, na
sua gestão de trabalho, e no outro, tornam-se indireto, provocando, assim, a invisibilidade dos
seus agentes. Outrossim, podemos incluir, a partir da nossa experiência como profissional
também, eles são lembrados quando algum acontecimento, que pode ser alheio à sua atuação,
impede a fluidez dos processos e das tarefas, ou quando alguma ação de pouco impacto precisa
ser executada, e ninguém o quer fazer. Por meio Sennett (2013), podemos reiterar a profissão
de secretariado executivo como um “artífice”, dado que, na antiguidade, os primeiros
secretários (escribas), responsáveis pela escritura, tinham uma posição privilegiada por ter
domínio da matemática, história, literatura e línguas e foram perdendo tal condição por ser
uma tarefa dos artífices, isto é, atividades meramente mecânicas. Essa transição incide quando
se distinguem a reflexão e a prática. O artífice reproduz a condição humana mediante o
engajamento.

O carpinteiro, a técnica de laboratório e o maestro são artífices porque se dedicam à arte pela arte. Suas
atividades têm caráter prático, mas sua lida não é apenas um meio para alcançar um outro fim. O
carpinteiro poderia vender mais móveis se trabalhasse com maior rapidez; a técnica podia dar um jeito
de transferir o problema para o chefe; o regente convidado talvez tivesse mais probabilidade de voltar
a ser contratado se ficasse de olho no relógio. Com certeza é possível se virar na vida sem dedicação. O
artífice representa uma condição humana especial: a do engajamento. Um dos objetivos deste livro é
explicar como as pessoas se engajam de uma forma prática, mas não necessariamente instrumental.
(Sennett, 2013, p. 29-30)

Considerando esse fragmento, podemos associar a profissão à do artesão, em virtude


da desvalorização do seu fazer manual, já que ela se vincula à atividade mecânica e pouco
prestigiosa por renegar as diversas determinantes, produtos e segregações dos diferentes perfis
dentro (variações do nível de formação, como técnico, tecnólogo e bacharel) e fora da área.
Não obstante, ela deveria ser vista como ponte, por atravessar diversos fluxos e levar os
saberes [informação] aos diferentes sujeitos na hierarquia organizacional. Como P1 diz, a sua
atuação acaba sendo como um assistente de administração.

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[...] na empresa pública eles já não tem conhecimento nenhum do secretário executivo
a minha experiência lá é que assim, acaba virando assistente de administração sabe, não é
aproveitado todo nosso conhecimento né, os anos que a gente passou estudando, a parte que
a gente entende mais né, acho que é meio deixado pra trás assim, não é valorizado.
Essa diferença parece performar como elemento a instituir fronteira entre o outro e eu,
que se inscreve e se circunscreve nas práticas discursivas de determinado contexto socio-
histórico-cultural. Nessa narrativa, notamos que a entrevistada formata o seu tecer narrativo
de modo a organizar o seu discurso e a comportar-se no mundo, desencadeando, assim, a sua
identidade social em construção. Para certificar, citamos a seguir outra parte da entrevista.
Entrevistador: O que você faz hoje dentro da sua rotina?
P1: Atendimento presencial, pessoal e por telefone, faço diversos tipos de requisições,
é ofícios, e despachos, portaria, planejamento de compras do setor por um ano,(.)
agendamento de reuniões né, resolvo problemas gerais assim que acaba (.) muita gente indo
ao gabinete com problemas para gente resolver, viagens, organização de viagens.
Entrevistador: ºE você trabalha com outras secretarias executivas?º
P1: Não, eu trabalho como assistente em administração, mas nenhuma tem formação
em secretariado executivo também não.
Entrevistador: ºE todas fazem a mesma coisa que você?º
P1: ºSimº
Com essa descrição, a respondente busca legitimar e controlar as suas funções dentro
da instituição. Ao considerar todo o conjunto, percebemos que "estruturalmente, as narrativas
podem ser minimamente definidas por representarem pessoas (personagens) envolvidas em
um evento, isto é, um enredo, que transcorre em um espaço de tempo, embora a estrutura seja
manifestada em diferentes tipos de narrativas [...] em textos orais ou escritos (Moita Lopes,
2002, p. 146). Dito isso, podemos confrontar a informação transmitida pela entrevistada com
a Lei n.º 7.377, de 30 de setembro de 1985, que regulamenta o exercício da profissão de
secretário. Nesse caso, são feitas distinções em Secretário Executivo, com formação superior,
e Secretário, com formação técnica. Além disso, faz referências às atribuições do secretário
executivo, entre elas: I - planejamento, organização e direção de serviços de secretaria; II -
assistência e assessoramento direto a executivos; III - coleta de informações para a consecução
de objetivos e metas de empresas; IV - redação de textos profissionais especializados,
inclusive em idioma estrangeiro; V - interpretação e sintetização de textos e documentos; VI
- taquigrafia de ditados, discursos, conferências, palestras de explanações, inclusive em
idioma estrangeiro; VII - versão e tradução em idioma estrangeiro, para atender às

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necessidades de comunicação da empresa; VIII - registro e distribuição de expedientes e outras


tarefas correlatas; IX - orientação da avaliação e seleção da correspondência para fins de
encaminhamento à chefia; X - conhecimentos protocolares. Já as atribuições do Técnico em
Secretariado: I - organização e manutenção dos arquivos de secretaria; II - classificação,
registro e distribuição da correspondência; III - redação e datilografia de correspondência ou
documentos de rotina, inclusive em idioma estrangeiro; IV - execução de serviços típicos de
escritório, tais como recepção, registro de compromissos, informações e atendimento
telefônico. Portanto, podemos dizer que, de acordo com a narrativa da respondente, a sua
função está mais relacionada com técnico em secretariado por não exigir tanta complexidade
na execução.
Entrevistador: Qual é a dificuldade de ser secretária executiva? Qual que você acha
que é o problema, problema não, quais são as adversidades que você encontra no dia a dia?
P1: Então, eu acho que é falta de conhecimento mesmo das pessoas, o que é um
profissional do secretariado executivo, o que que estuda, o que ele é capaz de fazer, falta de
conhecimento mesmo, por exemplo, até foi até um estudo do meu mestrado, da minha
dissertação de mestrado sobre a locação do secretário executivo dentro da universidade,
porque não tem uma lógica, sabe? Tem muitos secretários assim, bom prioritariamente eles
deveriam estar com Reitor, Pró-Reitores e Diretores, e não é bem assim , então assim é a
mentalidade de algumas pessoas que eu já conversei de que acha que secretário executivo tem
que está em secretaria de curso de pós-graduação (0.5), e ah, eu nunca entendi direito por que,
porque na época que surgiu a primeira vaga de secretária executiva acho que eles pensaram
por conta do inglês, porque os cursos de pós-graduação tem mais demanda nesse sentido, (0.5)
mas assim foi a única coisa que eu escutei alguém falar (h). Fora isso acho que realmente o
obstáculo maior é a falta de conhecimento profissional.
No relato anterior, podemos perceber que ação complicadora se encontra no
desconhecimento sobre a profissão e na falta de alinhamento com o posto adequado. Por isso,
a respondente diz que “é capaz de fazer, falta de conhecimento mesmo, por exemplo, até foi
até um estudo do meu mestrado, da minha dissertação de mestrado sobre a locação do
secretário executivo dentro da universidade, porque não tem uma lógica, sabe? Tem muitos
secretários assim, bom prioritariamente eles deveriam estar com Reitor, Pró-Reitores e
Diretores. A partir da fala da entrevista, compreendemos que os profissionais
deveriam/poderiam estar no alto comando da instituição, tendo em vista que há uma exigência
maior e, em resposta, estão mais preparados para ocupar esses postos estratégicos na
organização. Para Labov (1972), nesta etapa da narrativa, o sujeito deixa de contextualizar e

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passa a contar a sua história e a sua experiência como processo reflexivo que se tem do mundo.
Para Moita Lopes (2002, p. 145), “nas histórias que as pessoas contam, elas estão na verdade
‘criando suas identidades através da fala’”.
Entrevistador: E mudaram suas referências sobre os profissionais de secretariado ou
consolidaram-se?
P1: referências em qual sentido?
Entrevistador: Referências no sentido assim, aquelas referências de secretários durante
a graduação, (.) é aquilo ali ou não? -
P1: [ ] da imagem ne? da imagem do que é um profissional? Eu acho que na faculdade
eu acho que eles colocam (h) muito mais em um pedestal, sabe? Do que realmente é na prática,
entende? A gente é falado, você é isso, você é aquilo, na verdade, quando chega na prática
você é um secretário (h) entende assim as pessoas até acham realmente até secretário
executivo e secretário a mesma coisa né, que não teria essa diferença né,de secretário pro
secretário executivo [ ] e acaba, no meu caso sendo assistente de administração. (hh)
Entrevistador: Você acha que a universidade prepara pra né, dar respaldo a uma gama
de coisas né e às vezes a gente pega uma coisa ou outra que servem para nós, ou a faculdade
maximiza a questão dessa profissão? (0.5)
P1: Bom pra algumas coisas eu acho que prepara sim, agora para outras igual essa
questão mesmo da forma de trabalhar a própria imagem né, eu acho que a gente acaba levando
um baque né, porque aí você espera quase que a executiva né ou o executivo né (.) pelo o que
eles falam né parece que você vai ser tipo assim nossa muito mais importante do que na prática
às vezes acaba sendo né, e você acaba fazendo coisa muito mais simples, muito mais básicas
do que você, eu acho que a gente imagina quando tá cursando o curso. (=)
Diante disso, a respondente diz que há um paradoxo entre a imagem do secretário
executivo apresentada na universidade e a realidade. Como ilustração, destacamos o seguinte
trecho: “Eu acho que na faculdade eu acho que eles colocam [esse profissional] (h) muito mais
em um pedestal, sabe? Do que realmente é na prática, entende?”. Também acrescenta que
“[...] você espera quase que [você seja] a executiva né ou o executivo né (.) pelo o que eles
falam né parece que você vai ser tipo assim nossa muito mais importante do que na prática às
vezes acaba sendo né, e você acaba fazendo coisa muito mais simples, muito mais básicas”.
Portanto, inferimos que, ao narrar a sua história e a sua crença, P1 está negociando e
contestando significados localmente, pois a linguagem, no caso, serve para co-construir a sua
identidade com o outro. Moita Lopes (2002, p. 136) agrega que “o discurso é multivocal, isto
é, todo discurso ecoa outros discursos de outras práticas discursivas”. Por isso, o entrevistado

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está dialogando com outros discursos, como aqueles provenientes da academia e do laboral,
que podem convergir ou divergir.
Entrevistador: E se voltasse em 2005, você escolheria o curso ou não? Por quê?
P1: com o conhecimento que eu tenho hoje, (0.5) , não, eu faria outro curso, mas é
mais por questões pessoais mesmo de [ ] estudar aquilo que a gente gosta, igual eu falei eu
tentei vários cursos na área de saúde em cada universidade eu tentei um curso, então eu estava
muito perdida, não sabia nem o que eu queria, entende, tipo assim eu gosto de psiquiatria aí
eu tentei medicina, eu gosto de línguas aí eu vou fazer secretariado executivo trilíngue, eu
gosto de sei lá, não sei o que vou tentar fisioterapia, eu tentei fisioterapia, biomedicina,
medicina, enfermagem, secretariado então assim (hh) sabe aquela pessoa perdida acho que
hoje eu me conheço melhor pra saber o que me faria mais feliz profissionalmente mais
realizada no sentido assim, eu sou muito realizada na parte de ser reconhecida pelo meu
trabalho, de financeiramente ter me dado bem, assim, eu já saí empregada, eu formei eu já
tinha emprego, mas enfim nessa parte eu considero que foi bom, mas assim não atende as
minhas expectativas pessoais assim.. Eu gosto do que eu faço, eu amo o que eu faço não, eu
so faço,(hh) [ ] é o meu trabalho que é o que me dá dinheiro pra eu viver.
Com a resposta, percebe-se que, embora encontre alguns percalços, ela não é convicta
quanto ao fazer ou não curso novamente se tivesse que escolher hoje. O seu poder de escolha
incide sobre a falta do autoconhecimento na época. Entretanto, ela reforça que “eu sou muito
realizada na parte de ser reconhecida pelo meu trabalho, de financeiramente ter me dado bem,
assim, eu já saí empregada, eu formei eu já tinha emprego”. Podemos entender que o citado
anteriormente pode ser uma resolução da narrativa, pois, embora encontre as dificuldades, ela
é realizada, isto é, apresenta uma resposta à ação complicadora. Para Moita Lopes (2002, p.
139), “[...] a natureza contraditória das identidades sociais que coexistem na mesma pessoa.
[...] ‘cada um de nós vive com uma variedade de identidades potencialmente contraditórias
que se debatem dentro de nós mesmos por apoio’ (Weeks, 1990, p. 88)”. Por essa razão,
podemos afirmar que a entrevista, embora se sinta aquém da sua preparação, vê a estabilidade
da profissão como algo que a faz ter a tendência à área. Ao narrativizar, P1 revisitou as suas
experiências passadas, incumbindo-lhe direções de movimento distintas, mas retornou ao seu
ponto de origem. Percebe-se que tem um senso díspar de si próprio e carrega mudanças em
função das consequências oriundas da sua relação com mundo e com o outro. Portanto,
podemos inferir que o fragmento anterior é relativo à coda por resumir para direcionar para o
fechamento que pondera sobre os efeitos da história e retoma para presente da interlocução.
Isso fica mais evidente como segue: “Eu gosto do que eu faço, eu amo o que eu faço, eu só

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faço,(hh) [ ] é o meu trabalho que é o que me dá dinheiro pra eu viver”.


Finalmente, podemos concluir que a entrevista, quando narrou as suas escolhas,
crenças e identidades, recuperou o seu passado dentro da perspectiva presente da ação. Como
disseram Reis e Santos (2015, p. 32), “a narradora/protagonista não apenas ‘reconstrói’ os
fatos de sua trajetória de vida, como também os justifica com significado e coerência que
deem um sentido específico à sua existência no mundo”. Sendo assim, a secretária executiva
constrói a sua identidade dialogicamente com outras vozes, ou seja, com diversos sujeitos com
os quais conviveu e fez parte da sua formação como profissional. Quando contou a sua
história, encontramos elementos da narrativa canônica: síntese, orientação, ação
complicadora, avaliação, resolução e coda. Dito isso, podemos dizer que ela descreveu o
pretérito, contando as suas histórias de tal modo que se posicionou frente a frente com os seus
diferentes “eus”, uma vez que a sua identidade se move constantemente.

Considerações Finais

Ao narrar, o sujeito dá pistas do seu percurso para escolher, como por exemplo, a sua
profissão. Dito isso, entendemos que a narrativa tem um significado e uma relevância para sua
constituição formal, social e localizada. Nesse sentido, percebemos que a entrevistada, quando
conta a sua história, produz uma narrativa oriunda do processo discursivo, dialógico e
ideológico (Bakhtin, 1929, 1997) para transitar entre o passado e o futuro. Por essa razão,
podemos dizer que a secretária executiva criou o seu enredo no âmbito do tempo e da
memória, pois revisita as suas lembranças para performar e construir a sua identidade.
Quando analisamos a sua estrutura, encontramos as características prototípicas da
narrativa canônica (Labov e Walestky, p. 1967), como síntese, orientação, ação complicadora,
avaliação, resolução e coda. Em relação à primeira (síntese), a respondente, inicialmente,
resumiu toda a sua história como “já vivi em muitos lugares”. Isso levou-nos a crer que, em
virtude do seu conhecimento de línguas estrangeiras e as suas experiências no exterior, poderia
realizar conexão com o curso de graduação. Por conseguinte, ela contextualizou identificando
onde, quando e como para subsidiar a sua decisão (orientação). Logo, constatamos que a sua
ação complicadora está inerente à falta de conhecimento sobre a sua carreira, por questões
mercadológicas e sociais. Para ilustrar a sua reportabilidade, a entrevistada sustenta a
relevância por meio da avaliação encaixada, porque ela adota alguns recursos expressivos,
como “eu achei” e “me chamou atenção foi…”. Depois, ela revela o desfecho sobre a sua
complicação no processo de escolha mediante o fragmento a seguir: “eu sou muito realizada

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eu já saí empregada, eu formei eu já tinha emprego”. Ao retomar a narrativa ao presente, a
secretária executiva faz referência à sua estabilidade e ao seu ponto de ancoragem. Isso fica
claro quando reafirma que “eu gosto do que eu faço, eu amo o que eu faço, eu só faço,(hh) [ ]
é o meu trabalho que é o que me dá dinheiro pra eu viver”.
Esse resultado advém do processo interacional entre entrevistador e entrevistado, uma
vez que o outro está caracterizado por uma figura que entende as suas dores e o seu gozo da
profissão, uma vez que a projeção de audiência pode influenciar a sua atuação (Reis e Santos,
2015, p. 34). Com isso, a sua fala é marcada por posicionamentos sociais que se performam
para conseguir refletir sobre a sua prática social e a sua identidade. Para Bruner (1997, p. 90),
“somos uma colônia de possíveis de si mesmos”.
Por fim, concluímos que essa narrativa, tal como de outros profissionais, dialoga com
outras vozes da empresa, da profissão e do próprio sujeito para tecer uma coerência lógica
interna e determinar uma relação entre as suas partes constituintes para tentar produzir as
narrativas, visto que são “geralmente contadas em resposta a algum estímulo de fora (Labov
e Waletzky, 1967, p. 18, tradução nossa)” para representar si mesmo em histórias
reconhecíveis.

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Submetido em: 19.06.2023


Aceito em: 19.07.2023

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