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LOLITA PERDIDA NO BAIRRO: ESTUDO COMPARATIVO

MÚSICO-LITERÁRIO

Ediana Rodrigues Parnow 1


Profa. Dra. Rita Lenira de Freitas Bittencourt

RESUMO

O presente artigo apresenta uma análise comparativa entre letra de música


e literatura contidas nas obras musicais da artista Lana Del Rey e na obra
literária Lolita do escritor Vladimir Nabokov. Este trabalho tem como
objetivo analisar a personalidade e características da personagem Lolita e
assim, apontar as diferenças e semelhanças entre a personagem
originalmente criada por Vladimir Nabokov e a personagem criada e descrita
nas músicas de Del Rey. Percebemos que a intertextualidade está presente
nas músicas, há uma migração do conceito da personagem descrita no livro
para a personagem retratada nas músicas, e quando chega nestas ocorre
uma inevitável transformação desta para uma personagem bem mais
contemporânea, mas que ainda mantém algumas características notáveis da
outra retratada na literatura de Nobokov. Sendo assim, podemos perceber o
quanto a literatura pode servir de inspiração para outras áreas artísticas,
onde cada artista tem a sua leitura de uma obra literária e assim transmite
essa leitura tida para a música como fez Lana Del Rey.

PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade, Lolita, Literatura Comparada.

ABSTRACT

This article presents a comparative analysis between song lyrics and the
literature embedded in the songs of the contemporary artist Lana Del Rey
and in the literary work of the writer Vladimir Nabokov. The aim of this work
is to analyze the characteristics of the character Lolita and with this notice
the differences and similarities between the character originally created by
Vladimir Nabokov and the character created and described in the songs of
Lana Del Rey. The intertextuality can be noticed and is present in the songs.
There is a migration of concept of the character described in the book to the
character portrayed in the songs, when reached the songs an inevitable
transformation of the original character to a character more contemporary
but still keeping some notable characteristics of that described in the
Nabokov literary work. Therefore, it is notable how much literature can serve

1
Graduanda em Letras na UFRGS.
as inspiration to other artistic areas, where each artist has their own reading
of a literary work and convey this reading to their songs, as Lana Del Rey did.

PALAVRAS-CHAVE: Intertextuality, Lolita, Comparative Lliterature.

1. INTRODUÇÃO
A obra de Nabokov, Lolita, foi escrita em um período de
pós Segunda Guerra Mundial, onde os jovens começam a ganhar
voz na sociedade que antes os via como mini-adultos. Não havia
uma definição muito clara do que representava ser adolescente,
mas isto sofre uma mudança drástica por volta dos anos
cinquenta e início dos anos sessenta, com a contracultura
jovem que se opunha a sociedade de consumo vigente. A partir
disto, começa a se dar maior foco aos jovens, e as empresas
passam a criar produtos destinados a esse público. Surgem
filmes e livros que relatam toda aquela liberdade adolescente.
Mas, por outro lado, o conservadorismo das décadas passadas
ainda se fazia presente.
A contracultura foi um movimento importante da década
de sessenta, em que os jovens começaram a confrontar as
próprias famílias e as escolas que frequentavam usando roupas
coloridas, dançando rock’n’roll, questionando a sociedade
patriarcal, os valores conservadores e a educação rígida
aplicada até então. Surgem nesta época, também como forma
de contracultura, os movimentos hippie, que pregava a paz e o
amor através do poder da flor. Estes acontecimentos
desencadearam transformações sociais que se concretizaram a
partir do final da década de sessenta em todo o mundo, como,
por exemplo, mudanças políticas, comportamentais, éticas e
sexuais.
Então, no ano de 1955, um escritor Russo-Americano
chamado Vladimir Nabokov publica na França a sua obra sobre
uma adolescente muito à frente de seu tempo, sem saber que
tal narrativa geraria tanta polêmica até os dias de hoje.
Nabokov apresentou a revolução dos costumes muito antes
deles aparecerem de fato para a sociedade, e a personagem
Lolita acaba por se tornar um símbolo desta revolução.
A história é contada em primeira pessoa, tendo como seu
personagem principal o personagem Humbert Humbert,
possuindo por volta de 37 para 38 anos. Ao ler sua narração
entramos no mundo de Humbert, ele revela seus pensamentos e
opiniões mais pessoais, uma das mais controvérsias e
polêmicas é o fato de apenas ter interesse por meninas pré
púberes. Apaixonando-se pela jovem Dolores Haze, menina filha
da dona da casa onde acaba morando quando vai para New
Hampshire. Embora eu não acredite que Humbert é um pedófilo,
como muitos críticos e teóricos dizem, acredito que ele tenha
outros problemas psicológicos por causa de seu trauma
infância, tais como obsessão por um tipo de pessoa específica
com uma certa idade, sendo estas como ele mesmo denomina
ninfetas.
Apesar de conter tal discussão, não é nisto que focarei
aqui neste trabalho, estarei focando na personagem Lolita e sua
personalidade. O que me levou a fazer este trabalho é que ao ler
este livro pela primeira vez me interessei mais pela personagem
do que pela história. Lolita é uma pré-adolescente diferente,
uma mistura de mulher com criança, em alguns momentos ela
demonstra atitudes muitas maduras para a sua idade, e em
outros ela se comporta como uma adolescente comum. Estudar
a personalidade de Lolita é algo desafiador, já que não temos a
visão dela no livro e então terei que confiar na descrição do
personagem Humbert.
Escutando algumas músicas da artista contemporânea
Elizabeth Woolridge Grant, mais conhecida pelo seu nome
artístico Lana Del Rey, percebi grandes referências de Lolita, e
ao ler a sua entrevista com a revista Rolling Stone, em 2012
percebi que Del Rey era uma grande admiradora de Nabokov.
Porque ela mesma se descreve a persona criada para o álbum
Born to Die como uma mistura de um gangster Nancy Sinatra" e
"Lolita perdida no bairro". O álbum contém de referências claras
ao livro, sendo uma destas músicas nomeadas de Lolita. Além
do álbum de 2012, temos algumas referências do livro em
músicas que não foram lançadas por gravadoras. Outro detalhe
importante é que a cantora possui uma tatuagem em seu braço
“Nabokov Whitman”, a tatuagem é uma homenagem aos
escritores Vladimir Nabokov e Walt Whitman.
É interessante como a cantora faz esta migração de
conceito da personagem para as suas músicas. A Lolita dos
anos sessenta é transformada em uma nova personagem
contemporânea, mesmo assim algumas características ainda
são as mesmas. As músicas que estarei alisando são: Lolita, Off
the Races e Carmem.

2. LITERATURA COMPARADA E O DIÁLOGO LITERÁRIO-MUSICAL


Antes de compararmos as músicas e a obra literária, é
importante realçar que a literatura comparada é uma área
dentro da teoria literária que permite alisar textos de uma
maneira mais abrangente. A literatura comparada surgiu como
disciplina no séc. XIX na Europa, visando estabelecer influencia
entre os autores de diferentes países. Naquela época
costumava-se dizer que determinado autor era influenciado por
outro, dando a ideia de hierarquização. Mais tarde, foi se
expandindo pelo mundo, e o conceito tradicional de influência
foi modificado, porque os comparatistas entenderam que não há
hierarquização nos textos, o texto de fonte não é melhor do que
o texto que seria uma “cópia” deste.
No âmbito da literatura comparada há uma grande
multidisciplinariedade que nos permite abordar outras áreas do
conhecimento, assim como outras formas artísticas além da
literatura, tais como a filosofia, psicanalise música, sociologia,
cinema, história e artes plásticas. E assim, estuda as grandes
trocas entre estas áreas com a literatura. Antes a literatura
comparada tentava buscar pelo texto fonte de influência dos
autores, assim fazendo com que tivéssemos uma ideia de
hierárquica entre os textos, tendo o texto original e a “cópia”.
Atualmente este conceito tornou-se obsoleto, pois os
comparatistas começaram a entender que um texto faz um
diálogo com outros textos, não sofre “influência” do texto
“fonte”, é preferível dizer que entre os textos há uma migração
de conceitos. Como Carvalhal (2006) explica em seu texto:

A contribuição do conceito para os estudos de literatura


comparada é visível e essencial, pois modificou as leituras dos
modos de apropriação, de absorções e de transformações
textuais, alterou o entendimento da “migração” de elementos
literários, revertendo as tradicionais noções de “fontes” e
“influências”. A alteração é substantiva: se a noção de
influência tendia a individualizar a obra, sobrepondo o
biográfico ao textual e impondo uma causalidade determinista
na produção literária, a de intertextualidade, ao designar os
sistemas impessoais de interação textual, coletiviza a
obra.(Carvalhal, 2006, pg. 129)
Os textos são compostos de absorções de conceitos
propostos em outros textos, e depois transformados em textos
novos. Sendo assim, a literatura precisa de outras literaturas,
ou outras áreas do conhecimento, para ser criada. Vemos que a
literatura não é um campo isolado dos demais, precisa também
se relacionar com outros campos para ser criada. Como a
autora Perrone-Moisés (1990) explicita em seu texto:

Estudando relações entre diferentes literaturas nacionais,


atures e obras, a literatura comparada não só admite, mas
comprova que a literatura se produz num constante diálogo de
textos, por retomadas, empréstimos e trocas. A literatura nasce
da literatura: cada obra nova é uma continuação, por
consentimento ou contestação, das obras anteriores, dos
gêneros e temas já existentes. Escrever é, pois, dialogar com a
literatura anterior e com a contemporânea. (Perrone-Moisés,
1990, pg.94)

Sendo assim, estarei aqui estudando o diálogo entre


literatura e letra de música. A música sempre desempenhou um
grande papel na nossa sociedade, além do cinema e da
televisão, ela faz textos serem mostrados em forma de canção
atingindo um público maior do que os livros. As artes como meio
de manifestação de sentimentos humanos sempre estiveram
relacionadas entre si, como por exemplo a poesia lírica e o
teatro que por meio de uma linguagem subjetiva expressam
ideias e sensações. A visão da relação entre a música e a
literatura possui um olhar limitado, onde a única forma desta é
a poesia lírica. A relação entre música e literatura vai além
disto, atualmente, a música contemporânea tem uma relação
muito forte com a literatura, uma intertextualidade de grandes
obras literárias, por meio de artistas que através de suas
músicas propõem narrar estas obras, tanto nas letras quanto na
melodia.
Esta intertextualidade contida nas obras musicais é feita a
partir de álbuns conceituais. Olveira (2010), explica melhor o
que são estes álbuns conceituais e como os artistas transpõem
as obras literárias para as suas músicas. É importante também
enfatizar que cada pessoa tem a sua leitura da obra, sendo
assim, ao transmitir a obra em suas músicas, o artista não vai
copiar as mesmas palavras da obra, ele irá transmitir os
sentimentos e as sensações diversas que a leitura daquele livro
trouxe a ele. Como Oliveira evidencia em seu artigo:

Toda forma de expressão artística é exclusiva e sendo assim,


não se pode esperar que um álbum conceitual faça uso das
mesmas palavras e expressões contidas no livro e muito menos
esperar que uma música consiga transmitir as mesmas
sensações da obra, pois embora trata-se de um contexto em
comum música e literatura por mais análogos que possam ser,
tem sua principal distinção no que no refere ao intuito artístico,
ambos usam de fórmulas distintas para exprimir as mesmas
ideias, com o mesmo contexto, despertam ainda sensações
diferentes em cada leitor ou ouvinte, algo que proporciona mais
coerência a esse paralelo artístico. (Oliveira, 2010, pg. 664)

Ademais, o autor diz que as representações literárias nas


músicas geram uma diferente exposição das mesmas
concepções. Quando uma música expõe uma narrativa,
transmite além dos sentimentos contidos na obra, expõe uma
nova série de sensações experiências pelo músico, e ainda tem
o poder de despertar no ouvinte novas experiências
sentimentais ao tocar a consciência íntima do indivíduo que
ouve a música e percebe a carga de sensações trazidas da obra
literária. Tendo em mente estes conceitos sobre literatura
comparada e o diálogo entre música e literatura, alisaremos de
forma comparativa a obra de Nabokov e as músicas de Del Rey.

3. LOLITA PERDIDA NO BAIRRO


A análise de um livro tão polêmico e de tamanha
profundidade demanda tempo e dedicação, visto que para se
encontrar os verdadeiros intuitos do autor se mostra necessário
mergulhar na mente deste, e dela retirar as consequentes
conclusões. A história narrada pelo personagem Humbert
Humbert, se passa entre os anos de 1947 e 1952. No prefácio
há uma explicação de que o manuscrito do livro fora encontrado
na cela de Humbert pelo o Doutor em Filosofia John Ray Jr., ele
diz que Humbert foi encontrado morto em sua cela. Também há
a informação de que Dolores Richard F. Schiller morreu em
1952, com 17 anos, ao dar à luz a um bebe natimorto.
Humbert sofreu um trauma de infância com a morte de sua
namorada Annabel Leigh, e após isto tornou-se, como ele
mesmo se considera, um monstro por sentir-se atraído por
meninas pré-adolescentes. Em 1947 ele passa a morar na casa
dos Haze, e lá conhece a filha de Charlotte Haze, Dolores, que
acaba apelidando carinhosamente de Lolita. A partir disto,
Charlotte morre em um acidente ao descobrir que Humbert
estava apaixonado por sua filha e Lolita passa a viver aos
cuidados de Humbert sem saber direito a causa da morte de sua
mãe. Os dois começam a viajar pelo América do Norte, Humbert
amava Lolita de uma forma ciumenta e obsessiva, logo Lolita se
cansa da vida junto a ele e começa a planejar seu plano de
fuga.
A personagem mostra ser bem inteligente a ponto de
enganar e manipular Humbert sem que ele perceba. Ela notou
que se fizesse o que Humbert queria, ele acabaria cedendo e lhe
dando dinheiro, em momentos chega a fingir que ainda gosta
dele só para ganhar o que quer, seja suas moedas, roupas ou
comida. Lolita começa a esconder seu dinheiro, objetivando
planejar uma fuga do seu amante aprisionador. Por vezes Lolita
parece ser ingênua, as suas professas inclusive falaram isto a
Humbert, mas na verdade ela era uma menina diferente para a
sua idade, já despertada para o sexo desde muito cedo e tendo
que aprender a se cuidar sozinha no mundo dos adultos, sendo
assim privada de uma infância normal. Embora ela pareça feliz,
percebe-se que a personagem no fundo se sentia triste por ter
perdido a mãe e estar vivendo daquela maneira, no final do livro
ela diz que nunca voltaria para Humbert, preferia voltar para
Quilty, o homem mais velho que a ajudou a fugir e só queria que
ela participasse de filmes pornográficos, do que para ele.
Focarei na personalidade da personagem para assim,
poder comparar com a personagem descrita nas músicas de Del
Rey. Terei que confiar na descrição da personagem que é feita
pelo narrador Humbert, há também cenas em que professoras
da escola de Beardsley conversam com o personagem sobre a
personalidade de Lolita. Acredito que o narrador não tenha
mentido sobre como Lolita era. Ela já tinha interesse pelo outro
sexo, gostava de provocar os meninos de sua idade, usar
maquiagem da mãe e pintar as unhas. E assim também brincou
com o narrador, respondia as suas caricias e chega a beija-lo,
para ela Humbert era mais um de seus brinquedos.
Lolita não tinha um bom relacionamento com mãe, era
uma garota respondona e rebelde, mostrava a língua e gritava
com a mãe quando estava braba. O mesmo fazia com Humbert,
o chamava de grosso, e por vezes o chamava de assassino.
Quando queria algo de Humbert falava de um jeito doce com
ele, obedecia e chegava a falar em francês porque sabia que ele
gostava. Passava a maior parte do seu tempo lendo revistas
para adolescente, gostava de usar roupas da moda, tais como
saias rodadas, meias soquetes brancas e compridas, macacões
e roupas com estampas axadrezadas. É relatado que gostava de
comer doces, como bolos, milk-shakes, sorvetes, balas, pirulitos
e chicletes, Humbert diz não entender como ela comia tanto e
conseguia manter o seu peso.
Ao entrar na escola de Beardsley se interessa por teatro.
Lolita já era fã dos filmes de Hollywood, e depois de participar
do grupo de teatro começou a se interessar por atuação, queria
virar uma estrela de Hollywood. Foi por esta razão que fugiu
com Clare Quilty, autor da peça na qual ela participou na
escola. Quilty prometeu que a faria uma estrela, mas ele queria,
na verdade, que ela fosse a estrela de seus filmes
pornográficos, Lolita acabou fugindo dele também, e depois
passou a trabalhar como garçonete em diversos lugares até
encontrar seu marido Dick. Percebemos que era uma moça
independente e de muita coragem.
A Lolita descrita nas músicas da Lana Del Rey é parecida
com a de Nabokov. Ela é a rainha da Coney Island, Brooklyn,
tendo em torno de 16-18 anos. É uma Lolita mais velha, mas
ainda gosta de brincar com garotos, se interessa por homens
mais velhos do que ela e também se mostra manipuladora e
inteligente. Na música com o nome Lolita, vemos um pouco
disto, é a descrição da personalidade da personagem, ela pensa
que o que ela faz é o certo e nunca aceitará a opinião alheia.
Nas músicas de Del Rey temos uma Lolita mais apaixona do que
a de Vladimir, enquanto no livro ela parece ter gostado de
Humbert apenas no início e depois ter notado que aquela vida
com ele não estava certa. Como a seguir vemos em alguns
trechos de Lolita por Lana Del Rey:

“It's you that I adore, / Though I make the boys fall like
dominoes”
“Hey Lolita, hey/ I know what the boys want, I'm not gonna play/
Hey Lolita, hey/ Listen all you want but I'm not gonna stay”
“Look at what I bought, not a second thought, oh Romeo”
“I want my cake and I want to eat it too/ I want to have fun and
be in love with you/ I know that I'm a mess with my long hair/
And my suntan short dress, bare feet/ I don't care what they say
about me/ What they say about me/ Because I know that it's
l.o.v.e./ You make me happy, you make me happy/ And I never
listen to anyone.” (DEL REY, 2012, Lolita)2

Na música, ela diz que o ama mesmo brincando com os


sentimentos dos outros garotos do bairro. Há também o trecho
onde ela diz que sabe muito bem o que os meninos da sua idade
querem, mas ela não os quer, sendo assim ela só quer o seu
amante mais velho. No livro Lolita não tem muita proximidade
com garotos do seu bairro, já que Humbert não a deixava, sendo
assim quando Lana fala de brincar está se referindo as
“brincadeiras” que Lolita fez no acampamento com um menino
quando perdeu sua virgindade. Há uma descrição de que ela
tem cabelos compridos, bronzeado e usa shorts curtos, uma
Lolita mais moderna do que a de Nabokov que só usava seus
vestidos rodados e tinha a pele pálida. Del Rey chama o amante
da Lolita de Romeu, comparando a sua história de amor com o
grande clássico Romeu e Julieta, para esta Lolita este
2
Tradução minha: “É você que eu adoro/ Mesmo que eu faça os garotos caírem como dominós”
“Hey Lolita, hey/ Eu sei o que os garotos querem, eu não vou brincar/ Hey Lolita, hey/ Ouço tudo que
você quiser, mas eu não vou ficar”
“Olhe o que eu comprei, não pense duas vezes, oh, Romeu”
“Eu quero o meu bolo, e quero comê-lo também/ Eu quero me divertir, e estar apaixonada por você/ Eu
sei que causo problemas com o meu cabelo longo/ E meu bronzeado, vestido curto, pés descalços, eu
não me importo/ Com o que eles dizem sobre mim, com o que eles dizem sobe mim/ Porque eu sei o
que é o a.m.o.r / Você pode me fazer feliz, você pode me fazer feliz/ E eu nunca escuto ninguém”.
relacionamento no qual ela está é algo totalmente certo para
ela e também algo muito romântico. Na segunda música de Del
Rey, temos a descrição das viagens de Lolita com Humbert,
vemos claramente que ela está se referindo ao livro porque
chega a cita-lo em sua música. Aqui temos alguns trechos da
música “Off the races”:

“My old man is a bad man/ But I can't deny the way he holds my
hand/ And he grabs me, he has me by my heart/ He doesn't mind
I have/ A Las Vegas past/ He loves with every beat of his
cocaine heart”
“Light of my life, fire of my loins/ Be a good baby, do what I
want/ Light of my life, fire of my loins/ Give me them gold coins/
Gimme them coins”
“My old man is a tough man/ But he got a soul as sweet as
blood red jam/ And he shows me, he knows me/ Every inch of my
tall black soul/ He doesn't mind I have a flat broke down life/ In
fact he says he thinks/ it's what he might like about me/ Admires
me”
“Because I'm crazy, baby/ I need you to come here and save me”
“God I'm so crazy, baby/ I'm sorry that I'm misbehaving/ I'm your
little harlot, starlet/ Queen of Coney Island/ Raising hell all over
town”
“My old man is a thief/ And I'm gonna stay and pray with him 'til
the end/ But I trust in the decision of the lord to watch over us/
Take him when he may, if he may/ I'm not afraid to say/ That I'd
die without him/ Who else is gonna put up with me this way? / I
need you, I breathe you, I'll never leave you/ They would rue the
day I was alone without you”
“Boy you're so crazy, baby/ I love you forever/ Not maybe/ You
are my one true love” (DEL REY, 2012, “Off the Races”) 3

3
Tradução minha: “Meu velho é um homem mau, mas / Não posso negar a forma como ele segura a
minha mão/ Ele me agarra, ele me prende pelo coração/ Ele não se importa de eu ter/ Um passado de
Las Vegas/ Ele me ama a cada batida de seu coração de cocaína”
“Luz da minha vida, fogo da minha virilidade/ Seja bom comigo, faça o que eu quero/ Luz da minha vida,
fogo da minha virilidade/ Me dê as moedas de ouro, me dê as moedas”
“ Meu velho é um homem durão/ Mas ele tem uma alma tão doce quanto geleia/ E ele me mostra que
conhece/ Cada polegada da minha longa e negra alma/ Ele não se importa que eu não tenha um tostão/
Na verdade, ele diz que acha/ É que talvez seja isso que gosta em mim/ E me admire”
“Porque eu sou louca, baby/ Eu preciso que você venha aqui e me salve”
“Deus, eu sou tão louca, baby/ Me desculpe se sou malcriada/ Eu sou sua pequena meretriz, sua
estrelinha/ Rainha de Coney Island/ Fazendo de toda a cidade um inferno”
“Meu velho é um ladrão/ E eu vou ficar e rezar com ele até o final/ Mas confio na decisão do Senhor De
olhar por nós/ E levá-lo quando chegar a hora, se ela chegar / Não tenho medo de dizer/ Que eu
morreria sem ele/ Quem mais vai me aguentar dessa forma? / Preciso de você, respiro você, nunca te
abandonarei/ Eles lamentariam o dia em que estivesse sozinha sem você”
Sendo a música mais longa do álbum e a que mais contém
referências do livro, temos a citação direta do trecho inicial do
livro, que no original está assim: “Lolita, light of my life, fire of
my loins. My sin, my soul” . A música é dividida em partes,
aquelas que Del Rey canta com uma voz mais grave, geralmente
é quando ela fala coisas mais sérias e mais adultas, mostrando
o lado maduro da Lolita, estas partes são aquelas que ela fala
do seu parceiro se dirigindo a ele como “meu velho” (my old
man). As outras partes são quando ela canta com uma voz mais
aguda para representar a infantilidade da Lolita, estas partes
são os refrãos e nas partes que ela diz que precisa dele, mostra
o amor da personagem da Lana que é quase uma obsessão,
porque por mais que ele seja ruim ela morreria sem ele.
Como a personagem descrita na música é mais velha, tem
um passado e ele a aceita desta forma. Ela pede para ele ser
bom com ela e lhe dar o que ela quer, neste caso é o dinheiro.
No livro o dinheiro que Lolita pedia era para planejar a sua fuga,
na música já que ela parece não conseguir viver sem ele, o
dinheiro deve ser para comprar coisas para si, também pelo
motivo de ser pobre e precisar do dinheiro dele. Ela precisa dele
desesperadamente e o amará para sempre, como já foi dito, e
também cita que talvez seja porque ela tenha uma vida ruim que
ele gosta dela, para assim poder seu salvador. O seu amante
conhece tudo sobre ela, e ele a ama mesmo assim, mesmo ela
sendo pobre ou sendo malcriada com ele as vezes, ele se
parece muito com o Humbert neste sentido. Há uma referência
a Coney Island, vemos essa referência em outras músicas da

“Garoto você é tão louco, baby/ Eu te amo para sempre/ Não talvez/ Você é o meu único verdadeiro
amor”.
Lana sobre Lolita, Del Rey muda o lugar onde Lolita vive, um
lugar mais conhecido mundialmente. Outra música que contem
referência a Coney Island é Carmen, como vemos a seguir em
alguns trechos:

“It's alarming honestly how charming she can be/ Fooling


everyone, telling them she's having fun”
“The boys, the girls, they all like Carmen/ She gives them
butterflies,bats her cartoon eyes/ She laughs like god, her
mind's like a diamond”
“Carmen, Carmen, staying up til morning/ Only seventeen, but
she walks the streets so mean/ It's alarming truly how disarming
you can be/ Eating soft ice cream, Coney Island queen”
“She says you don't want to be like me/ Looking for fun, get me
high for free/ I'm dying, I'm dying/ She says you don't want to get
this way/ Street walking at night, and a star by day/ It's tiring,
tiring”
“Baby's all dressed up, with nowhere to go/ That's the little story
of the girl you know/ Relying on the kindness of strangers/ Tying
cherry knots while doing party favours/ Put your red dress on,
put your lipstick on/ Sing your song, song, now, the camera's on/
And you're alive again”
“Mon amour, je sais que tu m'aimes aussi/ Tu as besoin de moi/
Tu as besoin de moi dans ta vie/ Tu ne peux plus vivre sans moi/
Et je mourrais sans toi/ Je tuerais pour toi” (DEL REY, 2012,
Carmen)4

No livro, Humbert apelida Lolita de Carmen, era uma


música famosa da época. Porém, a personagem descrita nesta
música é a que mais se difere da Lolita do livro, alguns tem
4
Tradução minha: “Honestamente, é perigoso o quanto ela pode ser charmosa/ Enganando a todos,
falando a eles que está se divertindo”
“Os garotos, as garotas, todos eles gostam da Carmen/ Ela dá a eles borboletas, bate seus olhos de
desenho/ Ela ri como um Deus, sua mente é como um diamante”
“Carmen, Carmen, ficando acordada até de manhã/ Apenas tem dezessete anos, mas anda pelas ruas
tão má/ É alarmente, de verdade, o quão desarmante você pode ser/ Tomando sorvete, rainha de
Coney Island”
“Ela diz, você não quer ser igual a mim/ Procurando diversão, ficando chapada de graça/Estou
morrendo, estou morrendo/ Ela diz, você não quer ficar assim/ Andando nas ruas à noite, e sendo uma
estrela durante o dia/ É cansativo, cansativo”
“A garota está vestida, sem lugar pra ir/ É a pequena história da garota que você conhece/ Confiando na
bondade de estranhos/ Dando nós em cabos de cereja enquanto faz favores em festas/ Coloque seu
vestido vermelho, passe seu batom/ Cante sua canção, canção, agora, a câmera está ligada/ E você está
viva outra vez”
“Meu amor, eu sei que você me ama também/ Você precisa de mim/ Você precisa de mim em sua vida/
Você não pode viver sem mim/ E eu morreria sem você”.
dificuldade para notar as referências e até dizem que não tem
nada a ver com o livro, mas na minha leitura Carmen é uma
referência. Apesar de ser sobre uma Lolita que é famosa, uma
estrela, ela tem as mesmas características da personagem. Ela
é charmosa e engana os outros dizendo que está feliz, mas na
verdade sua vida não é como ela queria. A Lolita do livro
também aparenta ser feliz, mas há vários momentos em que ela
aparece chorando e se sentindo infeliz com a vida que tem. Há
também o fato de que no livro ela quer ser famosa, ela até foge
por causa disso, essa música também se refere à quando Lolita
está com Quilty dependendo dele e da bondade de estranhos,
como diz na música.
Todos gostam da Carmen, todos gostam de Lolita também
no livro, ela é uma pessoa muito sociável e possui muitas
amigas no colégio, Humbert tinha ciúmes disto porque ela
costumava ser bastante sociável até com estranhos. A Lolita da
Lana tem 17 anos, toma sorvete em Coney Island, isso mostra
que apesar dela ter que ser adulta para enfrentar a sua vida
dura ela ainda é uma criança por dentro. Está claro na música
que ela usa drogas, e diz que não quer essa vida de famosa, isso
seria uma consequência das escolhas dela. Na música as
consequências são diferentes, mas próximas de uma realidade
atual e real, no livro Lolita poderia ter encontrado este destino
mais cruel, porém conseguiu se livrar dele trabalhando e
encontrando um marido, mesmo que tenha morrido do final, sua
vida já não era tão ruim comparando com o tempo em que
estava com Humbert. Na música ela não tem escolha, é esse o
mundo dela, ela não tem para onde ir.
No fim da música há um trecho em francês, Lana causou o
mesmo estranhamento que Nabokov. Ao ler o livro temos partes
em francês sem tradução alguma, eles não são tão importantes
para a obra, é possível entende-la sem entender as partes em
francês, mas acredito que estavam lá por este motivo do
estranhamento, e para mostrar também que Humbert era um
homem culto. Na música este trecho é importante, porque até
então não é citado um amante, e ali ela diz que ele precisa dela
em sua vida e que morreria sem ele, mais uma vez, como já
vimos em outras músicas, este amor obsessivo aprece
novamente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta minuciosa análise e comparação do livro
Lolita de Vladimir Nabokov com as músicas do álbum Born to
Die de Lana Del Rey, pude clarear duvidas até então obscuras
em meus pensamentos, bem como concluir que tanto na música
quanto na literatura há um intenso diálogo que os interliga. A
literatura tem papel importante na sociedade, sendo comum
servir como inspiração para artistas de outras áreas, como no
caso de Lana. Aprendi que um artista não “pega inspiração” de
uma obra literária. Ele pega os conceitos da obra, e a partir da
leitura que teve desta transforma a sua visão e seus
sentimentos sobre a obra, transmitindo assim para a música.
Algo “inspirado” não precisa ser igual a “inspiração”, Lana
mudou muito do conceito da obra, e isto é algo que acontece
toda hora nas adaptações de livros, esta é a intertextualidade,
nada precisa ser fiel a nada, também como nada é inferior a
nada. Com o intuito de passar estas informações ao leitor,
acabei por compreender de forma mais profunda os conceitos
de literatura comparada e intertextualidade, contribuindo assim
para o meu desenvolvimento acadêmico.
Nas músicas, Lana não está fazendo apologia à pedofilia
em suas músicas, seu amante não substitui a figura paterna, ele
é seu protetor. No livro Humbert quer tomar o lugar de pai de
Lolita, mas acredito que ele é mais seu protetor e amante do
que pai, apesar dele querer ser a figura paterna para ela,
acredito que Lolita não o vê assim, logo Lana também
incorporou isto em suas músicas. Há também nas músicas uma
inversão: no livro Humbert é obcecado e louco por Lolita e nós
sabemos que isto não é reciproco, enquanto que nas músicas a
Lolita de Lana não consegue viver sem o seu protetor, e ela
sabe que seria horrível viver sem ele. Ela está perdida em seu
bairro - talvez em Coney Island - e por isso precisa de alguém
para salva-la e levá-la pelo caminho certo. São Lolitas
diferentes em tempos diferentes. Acabei por concluir que o livro
Lolita tem total relação com as músicas da artista Lana Del
Rey, como bem descrito no artigo em voga. A base de ambos os
meios foi, em sua amplitude, a mesma.

5. REFERÊNCIAS

NABOKOV, Vladimir. Lolita. Londres: Penguin Classics, 26 Jan


2006.

NABOKOV, Vladimir. Lolita. Tradução de Jorio Dauster. São


Paulo: Companhia das Letras, 1994.

DEL REY, Lana. Born to Die. Estados Unidos: Interscope


Records: 2012. dois discos compactos (93 + min.): digital,
estéreo.

ARAGÃO, Maria Lucia. A Literatura Comparada: histórico e


perspectivas. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, jul-Dez,
1993.
CARVALHAL, Tânia. A tradução literária. Organon, número 20,
Instituto de Letras UFRGS, 1993.

OLIVEIRA, Mateus Fernando de. A relação direta entre música e


literatura In: VII SEMINÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA
SÓLETRAS - Estudos Linguísticos e Literários. 2010. Anais...
UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná – Centro de
Letras, Comunicação e Artes. Jacarezinho, 2010. ISSN –
18089216. p. 664 – 671.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura Comparada, intertexto e


antropofagia. In: __________. Flores da Escrivaninha. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990.

BARBEITAS, Flavio. Possibilidades do diálogo literário-musical


no âmbito da Literatura Comparada. In. IX Congresso
Internacional da ABRALIC – Travessias, 2004, Porto Alegre.
Anais do IX Encontro Internacional da ABRALIC.

LOLITA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia


Foundation, 2015. Disponível em:
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WIKIA. Lanapedia: Lana Del Rey Wiki. Disponível


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MONTEIRO, Ana Claudia. Mulheres que pecam n.10: Qual o


pecado de Lolita?. 2010. Disponível em:
<http://mulheresquepecam.blogspot.com.br/2010/04/mulheres-
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MARTINS, Kleide. Lolita: Um romance sobre a perversão?. 2011.


Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/psicopatologia/wiki/index.php/Lolita_um_ro
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HOWLEY, Malka. You Know You Like Little Girls: Lana Del Rey
and Dolores Haze. 2013. Disponível em:
<http://www.popmatters.com/feature/166814-you-know-you-like-
little-girls-lana-del-rey-and-dolores-haze/>. Acesso em: 21 nov.
2015.

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