Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
MÚSICO-LITERÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
This article presents a comparative analysis between song lyrics and the
literature embedded in the songs of the contemporary artist Lana Del Rey
and in the literary work of the writer Vladimir Nabokov. The aim of this work
is to analyze the characteristics of the character Lolita and with this notice
the differences and similarities between the character originally created by
Vladimir Nabokov and the character created and described in the songs of
Lana Del Rey. The intertextuality can be noticed and is present in the songs.
There is a migration of concept of the character described in the book to the
character portrayed in the songs, when reached the songs an inevitable
transformation of the original character to a character more contemporary
but still keeping some notable characteristics of that described in the
Nabokov literary work. Therefore, it is notable how much literature can serve
1
Graduanda em Letras na UFRGS.
as inspiration to other artistic areas, where each artist has their own reading
of a literary work and convey this reading to their songs, as Lana Del Rey did.
1. INTRODUÇÃO
A obra de Nabokov, Lolita, foi escrita em um período de
pós Segunda Guerra Mundial, onde os jovens começam a ganhar
voz na sociedade que antes os via como mini-adultos. Não havia
uma definição muito clara do que representava ser adolescente,
mas isto sofre uma mudança drástica por volta dos anos
cinquenta e início dos anos sessenta, com a contracultura
jovem que se opunha a sociedade de consumo vigente. A partir
disto, começa a se dar maior foco aos jovens, e as empresas
passam a criar produtos destinados a esse público. Surgem
filmes e livros que relatam toda aquela liberdade adolescente.
Mas, por outro lado, o conservadorismo das décadas passadas
ainda se fazia presente.
A contracultura foi um movimento importante da década
de sessenta, em que os jovens começaram a confrontar as
próprias famílias e as escolas que frequentavam usando roupas
coloridas, dançando rock’n’roll, questionando a sociedade
patriarcal, os valores conservadores e a educação rígida
aplicada até então. Surgem nesta época, também como forma
de contracultura, os movimentos hippie, que pregava a paz e o
amor através do poder da flor. Estes acontecimentos
desencadearam transformações sociais que se concretizaram a
partir do final da década de sessenta em todo o mundo, como,
por exemplo, mudanças políticas, comportamentais, éticas e
sexuais.
Então, no ano de 1955, um escritor Russo-Americano
chamado Vladimir Nabokov publica na França a sua obra sobre
uma adolescente muito à frente de seu tempo, sem saber que
tal narrativa geraria tanta polêmica até os dias de hoje.
Nabokov apresentou a revolução dos costumes muito antes
deles aparecerem de fato para a sociedade, e a personagem
Lolita acaba por se tornar um símbolo desta revolução.
A história é contada em primeira pessoa, tendo como seu
personagem principal o personagem Humbert Humbert,
possuindo por volta de 37 para 38 anos. Ao ler sua narração
entramos no mundo de Humbert, ele revela seus pensamentos e
opiniões mais pessoais, uma das mais controvérsias e
polêmicas é o fato de apenas ter interesse por meninas pré
púberes. Apaixonando-se pela jovem Dolores Haze, menina filha
da dona da casa onde acaba morando quando vai para New
Hampshire. Embora eu não acredite que Humbert é um pedófilo,
como muitos críticos e teóricos dizem, acredito que ele tenha
outros problemas psicológicos por causa de seu trauma
infância, tais como obsessão por um tipo de pessoa específica
com uma certa idade, sendo estas como ele mesmo denomina
ninfetas.
Apesar de conter tal discussão, não é nisto que focarei
aqui neste trabalho, estarei focando na personagem Lolita e sua
personalidade. O que me levou a fazer este trabalho é que ao ler
este livro pela primeira vez me interessei mais pela personagem
do que pela história. Lolita é uma pré-adolescente diferente,
uma mistura de mulher com criança, em alguns momentos ela
demonstra atitudes muitas maduras para a sua idade, e em
outros ela se comporta como uma adolescente comum. Estudar
a personalidade de Lolita é algo desafiador, já que não temos a
visão dela no livro e então terei que confiar na descrição do
personagem Humbert.
Escutando algumas músicas da artista contemporânea
Elizabeth Woolridge Grant, mais conhecida pelo seu nome
artístico Lana Del Rey, percebi grandes referências de Lolita, e
ao ler a sua entrevista com a revista Rolling Stone, em 2012
percebi que Del Rey era uma grande admiradora de Nabokov.
Porque ela mesma se descreve a persona criada para o álbum
Born to Die como uma mistura de um gangster Nancy Sinatra" e
"Lolita perdida no bairro". O álbum contém de referências claras
ao livro, sendo uma destas músicas nomeadas de Lolita. Além
do álbum de 2012, temos algumas referências do livro em
músicas que não foram lançadas por gravadoras. Outro detalhe
importante é que a cantora possui uma tatuagem em seu braço
“Nabokov Whitman”, a tatuagem é uma homenagem aos
escritores Vladimir Nabokov e Walt Whitman.
É interessante como a cantora faz esta migração de
conceito da personagem para as suas músicas. A Lolita dos
anos sessenta é transformada em uma nova personagem
contemporânea, mesmo assim algumas características ainda
são as mesmas. As músicas que estarei alisando são: Lolita, Off
the Races e Carmem.
“It's you that I adore, / Though I make the boys fall like
dominoes”
“Hey Lolita, hey/ I know what the boys want, I'm not gonna play/
Hey Lolita, hey/ Listen all you want but I'm not gonna stay”
“Look at what I bought, not a second thought, oh Romeo”
“I want my cake and I want to eat it too/ I want to have fun and
be in love with you/ I know that I'm a mess with my long hair/
And my suntan short dress, bare feet/ I don't care what they say
about me/ What they say about me/ Because I know that it's
l.o.v.e./ You make me happy, you make me happy/ And I never
listen to anyone.” (DEL REY, 2012, Lolita)2
“My old man is a bad man/ But I can't deny the way he holds my
hand/ And he grabs me, he has me by my heart/ He doesn't mind
I have/ A Las Vegas past/ He loves with every beat of his
cocaine heart”
“Light of my life, fire of my loins/ Be a good baby, do what I
want/ Light of my life, fire of my loins/ Give me them gold coins/
Gimme them coins”
“My old man is a tough man/ But he got a soul as sweet as
blood red jam/ And he shows me, he knows me/ Every inch of my
tall black soul/ He doesn't mind I have a flat broke down life/ In
fact he says he thinks/ it's what he might like about me/ Admires
me”
“Because I'm crazy, baby/ I need you to come here and save me”
“God I'm so crazy, baby/ I'm sorry that I'm misbehaving/ I'm your
little harlot, starlet/ Queen of Coney Island/ Raising hell all over
town”
“My old man is a thief/ And I'm gonna stay and pray with him 'til
the end/ But I trust in the decision of the lord to watch over us/
Take him when he may, if he may/ I'm not afraid to say/ That I'd
die without him/ Who else is gonna put up with me this way? / I
need you, I breathe you, I'll never leave you/ They would rue the
day I was alone without you”
“Boy you're so crazy, baby/ I love you forever/ Not maybe/ You
are my one true love” (DEL REY, 2012, “Off the Races”) 3
3
Tradução minha: “Meu velho é um homem mau, mas / Não posso negar a forma como ele segura a
minha mão/ Ele me agarra, ele me prende pelo coração/ Ele não se importa de eu ter/ Um passado de
Las Vegas/ Ele me ama a cada batida de seu coração de cocaína”
“Luz da minha vida, fogo da minha virilidade/ Seja bom comigo, faça o que eu quero/ Luz da minha vida,
fogo da minha virilidade/ Me dê as moedas de ouro, me dê as moedas”
“ Meu velho é um homem durão/ Mas ele tem uma alma tão doce quanto geleia/ E ele me mostra que
conhece/ Cada polegada da minha longa e negra alma/ Ele não se importa que eu não tenha um tostão/
Na verdade, ele diz que acha/ É que talvez seja isso que gosta em mim/ E me admire”
“Porque eu sou louca, baby/ Eu preciso que você venha aqui e me salve”
“Deus, eu sou tão louca, baby/ Me desculpe se sou malcriada/ Eu sou sua pequena meretriz, sua
estrelinha/ Rainha de Coney Island/ Fazendo de toda a cidade um inferno”
“Meu velho é um ladrão/ E eu vou ficar e rezar com ele até o final/ Mas confio na decisão do Senhor De
olhar por nós/ E levá-lo quando chegar a hora, se ela chegar / Não tenho medo de dizer/ Que eu
morreria sem ele/ Quem mais vai me aguentar dessa forma? / Preciso de você, respiro você, nunca te
abandonarei/ Eles lamentariam o dia em que estivesse sozinha sem você”
Sendo a música mais longa do álbum e a que mais contém
referências do livro, temos a citação direta do trecho inicial do
livro, que no original está assim: “Lolita, light of my life, fire of
my loins. My sin, my soul” . A música é dividida em partes,
aquelas que Del Rey canta com uma voz mais grave, geralmente
é quando ela fala coisas mais sérias e mais adultas, mostrando
o lado maduro da Lolita, estas partes são aquelas que ela fala
do seu parceiro se dirigindo a ele como “meu velho” (my old
man). As outras partes são quando ela canta com uma voz mais
aguda para representar a infantilidade da Lolita, estas partes
são os refrãos e nas partes que ela diz que precisa dele, mostra
o amor da personagem da Lana que é quase uma obsessão,
porque por mais que ele seja ruim ela morreria sem ele.
Como a personagem descrita na música é mais velha, tem
um passado e ele a aceita desta forma. Ela pede para ele ser
bom com ela e lhe dar o que ela quer, neste caso é o dinheiro.
No livro o dinheiro que Lolita pedia era para planejar a sua fuga,
na música já que ela parece não conseguir viver sem ele, o
dinheiro deve ser para comprar coisas para si, também pelo
motivo de ser pobre e precisar do dinheiro dele. Ela precisa dele
desesperadamente e o amará para sempre, como já foi dito, e
também cita que talvez seja porque ela tenha uma vida ruim que
ele gosta dela, para assim poder seu salvador. O seu amante
conhece tudo sobre ela, e ele a ama mesmo assim, mesmo ela
sendo pobre ou sendo malcriada com ele as vezes, ele se
parece muito com o Humbert neste sentido. Há uma referência
a Coney Island, vemos essa referência em outras músicas da
“Garoto você é tão louco, baby/ Eu te amo para sempre/ Não talvez/ Você é o meu único verdadeiro
amor”.
Lana sobre Lolita, Del Rey muda o lugar onde Lolita vive, um
lugar mais conhecido mundialmente. Outra música que contem
referência a Coney Island é Carmen, como vemos a seguir em
alguns trechos:
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através desta minuciosa análise e comparação do livro
Lolita de Vladimir Nabokov com as músicas do álbum Born to
Die de Lana Del Rey, pude clarear duvidas até então obscuras
em meus pensamentos, bem como concluir que tanto na música
quanto na literatura há um intenso diálogo que os interliga. A
literatura tem papel importante na sociedade, sendo comum
servir como inspiração para artistas de outras áreas, como no
caso de Lana. Aprendi que um artista não “pega inspiração” de
uma obra literária. Ele pega os conceitos da obra, e a partir da
leitura que teve desta transforma a sua visão e seus
sentimentos sobre a obra, transmitindo assim para a música.
Algo “inspirado” não precisa ser igual a “inspiração”, Lana
mudou muito do conceito da obra, e isto é algo que acontece
toda hora nas adaptações de livros, esta é a intertextualidade,
nada precisa ser fiel a nada, também como nada é inferior a
nada. Com o intuito de passar estas informações ao leitor,
acabei por compreender de forma mais profunda os conceitos
de literatura comparada e intertextualidade, contribuindo assim
para o meu desenvolvimento acadêmico.
Nas músicas, Lana não está fazendo apologia à pedofilia
em suas músicas, seu amante não substitui a figura paterna, ele
é seu protetor. No livro Humbert quer tomar o lugar de pai de
Lolita, mas acredito que ele é mais seu protetor e amante do
que pai, apesar dele querer ser a figura paterna para ela,
acredito que Lolita não o vê assim, logo Lana também
incorporou isto em suas músicas. Há também nas músicas uma
inversão: no livro Humbert é obcecado e louco por Lolita e nós
sabemos que isto não é reciproco, enquanto que nas músicas a
Lolita de Lana não consegue viver sem o seu protetor, e ela
sabe que seria horrível viver sem ele. Ela está perdida em seu
bairro - talvez em Coney Island - e por isso precisa de alguém
para salva-la e levá-la pelo caminho certo. São Lolitas
diferentes em tempos diferentes. Acabei por concluir que o livro
Lolita tem total relação com as músicas da artista Lana Del
Rey, como bem descrito no artigo em voga. A base de ambos os
meios foi, em sua amplitude, a mesma.
5. REFERÊNCIAS
HOWLEY, Malka. You Know You Like Little Girls: Lana Del Rey
and Dolores Haze. 2013. Disponível em:
<http://www.popmatters.com/feature/166814-you-know-you-like-
little-girls-lana-del-rey-and-dolores-haze/>. Acesso em: 21 nov.
2015.