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INSTITUTO POLITÉCNICO DE LISBOA

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE LISBOA

PROVAS ESPECIALMENTE ADEQUADAS DESTINADAS A AVALIAR A CAPACIDADE

PARA A FREQUÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR DOS MAIORES DE 23 ANOS

PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA

PROVA MODELO

DURAÇÃO DA PROVA

2 horas (mais 30 minutos de tolerância)

ESTRUTURA DA PROVA

A prova encontra-se organizada em duas partes distintas:

I. Leitura
II. Escrita

A prova deve ser resolvida nas folhas específicas que lhe vão ser fornecidas.

A prova é realizada de acordo com a grafia prevista no Acordo Ortográfico de


1990.

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I. LEITURA
Leia atentamente o seguinte texto:

Há armas que dão muito jeito

Naquele dia levantou-se cedo. Ainda tinha a cabeça cheia das discussões da véspera, das
promessas da antevéspera, dos gritos e remoques da semana inteira. Nada lhe valera, a
não ser a lembrança da primeira vez que votara com gosto, há umas boas quatro décadas.
Foi uma confusão de siglas, de bandeiras, de exigências e gritos, mas a embriaguez da
5 novidade dissolveu tudo isso num simulacro de brincadeira infantil com um objetivo
muito sério: pela primeira vez, podia escolher. Melhor dizendo: podia escolher da lista
que lhe davam; era só pôr uma cruz no quadradinho e esperar, assim como quem liga um
forno com carne crua lá dentro e espera depois encontrar, passado o tempo sacramental,
um belo assado. E isso, que importava? Importava era a alegria do voto, as filas, as
10 discussões por certezas absolutas que ninguém tinha, mas que todos exibiam sem o
mínimo pudor.

Durou pouco, a excitação. Nas eleições seguintes, já a alegria se misturava com a


desconfiança e com algum ódio. Nada com que não fosse possível lidar, mesmo que no
fio de uma desconhecida mas afiada navalha. Até que tudo se normalizou e, fora algumas
15 surpresas de ocasião, se instalou o tédio. E, a cada nova eleição, o desfile das promessas,
dos discursos, dos sorrisos, dos abraços de ocasião, das bandeirinhas e sacos de plástico,
esferográficas e bonés, quando os havia. Alguma coisa para enfeitar o vazio que o eleitor
sempre sente quando vota num sentido e descobre, afinal sem nenhuma surpresa, que as
promessas duram pouco, apenas o tempo de uma campanha.

20 Estas lembranças vieram-lhe à mistura com outras, mais recentes, de uma releitura que o
divertiu: numa das Farpas de 1871, Eça descrevia as eleições da época como a “grande
ocupação do mês”, em que o governo de então (uma monarquia constitucional, mas podia
bem ser qualquer outro) nomeava os seus deputados, fazendo-os depois eleger não por
decreto mas, explicava, “por meio de votos, os quais são tiras de papel, onde está escrito
25 um nome, e que se deitam num domingo, numa igreja, dentro de umas caixas de pau, que
se chamam romanticamente urnas”. A urna, escrevia Eça, “afecta várias formas, segundo
as freguesias: há urnas do feitio de caixas de açúcar, do feitio de vasilhas, do feitio de
chávenas, etc.”. O que, para não enganar ninguém, obrigaria a dizer, em lugar do habitual
“cidadãos, às urnas!”, e consoante as freguesias, “cidadãos, ao caixote!” ou “cidadãos, à
30 vasilha!”. O pior era que os candidatos eram escolhidos, não pela competência, mas pela
fidelidade canina aos seus chefes. Pelo que Eça, já menos jocoso e mais sério, apelava à

2
necessidade de “uma liga de todos os homens sérios contra o triunfo progressivo desta
corrupção”. Isto (1) em 1871…

Tentou lembrar-se da gritaria da campanha. Das trocas de acusações, das poses ridículas,
35 do desaforo de afirmações sem o mínimo cálculo ou fundamento. Siglas, havia-as ainda
muitas, mas tinham perdido o infantil maravilhamento de há quatro décadas. Uns
prometiam o que sabiam que não iam cumprir, outros (2) cumpririam depois o que jamais
sonhariam prometer. Sim, havia liberdade de escolha, nem por um momento ele disso
duvidava. Mas, como nos restaurantes de menu empobrecido, a escolha não era
40 substancialmente variada. Talvez nos nomes, nas caras, na cor das bandeiras ou
camisolas, mas muito menos na substância. Além disso, havia Bruxelas, a das couves
pequenas, e a União Europeia, a do Parlamento grande. Onde cabia, aqui, a sua escolha?
A sua ideia? As suas dúvidas, quase todas por responder? Pensou em tudo o que tinha
visto e ouvido nesses dias e tomou uma resolução.

45 Valia-lhe, apesar de tudo, a arma que mantinha guardada. (3) Meteu-a no bolso e saiu de
casa, resoluto. Foi dando os bons-dias, sem abrandar o passo, e dirigiu-se à fila onde uma
dúzia de pessoas esperava pela sua vez. Esperou. Quando lhe disseram para avançar,
avançou. E, quando lhe pediram nome e número, puxou da arma e… leu o número.
Estava certo, era o seu número de eleitor. Preencheu o papelinho, meteu-o na urna e saiu.
50 Sem o seu voto, a Europa era só dos outros. E isso, nem pensar. Olhou o cartão: (4) há
armas que dão muito jeito.

Pacheco, N. (2014, 25 de maio). Há armas que dão muito jeito. Público [edição eletrónica].
Consultado em http://www.publico.pt/portugal/noticia/ha-armas-que-dao-muito-jeito-1637057
[texto adaptado]

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Tendo por base o texto que acabou de ler, responda às questões que se seguem.

1. O texto está organizado em torno dos tópicos apresentados de (A) a (E).


Escreva na folha de resposta a sequência de letras que corresponde à ordem pela qual
esses tópicos são abordados no texto.

(A) Crescente sentimento de descrença relativamente ao processo eleitoral.


(B) Opção pelo exercício de direito de voto.
(C) Disparidade entre as atuais campanhas eleitorais e as preocupações do eleitor.
(D) Deturpação dos princípios reguladores do processo eleitoral nas eleições
novecentistas.
(E) Recordação da primeira eleição vivida com entusiasmo.

2. Classifique como V (verdadeiras) ou F (falsas) as afirmações abaixo.


Na folha de resposta, coloque a alínea seguida de V ou F.

(A) O texto tem um propósito antiabstencionista.


(B) As eleições que desencadeiam as memórias da personagem são as Europeias
2014.
(C) A mensagem implícita no texto é a de que, em casos extremos, a violência pode
ser legítima.
(D) A personagem votou pela primeira vez antes de 25 de abril de 1974.

3. Selecione, de entre as opções apresentadas, a única expressão para a qual a palavra


remete.
Na folha de resposta, indique o número da questão seguido da letra que identifica a
opção escolhida.

3.1. “lá” (L8) refere-se a:


(A) uma cruz
(B) carne crua
(C) o quadradinho
(D) um forno

3.2. “que” (L10; 1ª ocorrência) refere-se a:


(A) certezas absolutas
(B) as discussões
(C) as discussões por certezas absolutas
(D) a alegria do voto, as filas, as discussões por certezas absolutas

3.3. “onde” (L24) refere-se a:


(A) votos
(B) tiras de papel
(C) papel
(D) decreto

4
3.4. “seus” (L31) refere-se a:
(A) cidadãos
(B) os candidatos
(C) escolhidos
(D) a fidelidade canina

4. Ao longo do texto, foram inseridos os números (1) a (4). Selecione, de entre a lista
apresentada abaixo, a expressão que podia ser inserida no local em que se encontra
cada número.
Na folha de resposta, coloque o número seguido da expressão correspondente.

por isso afinal por sua vez


já para além disso ou melhor

5. Selecione a única opção que permite obter uma informação adequada ao sentido do
texto.
Na folha de resposta, indique o número da questão seguido da letra que identifica a
opção escolhida.

5.1. “jocoso” (L31) é sinónimo de:

(A) trocista
(B) ocioso
(C) subjetivo
(D) pedante

5.2 “resoluto” (L46) é sinónimo de:

(A) apressado
(B) revoltado
(C) indeciso
(D) decidido

5.3. “sacramental” (L8) não é sinónimo de:

(A) regulamentar
(B) sagrado
(C) determinado
(D) estipulado

5.4. “de ocasião” (L15) não é sinónimo de:

(A) esporádicas
(B) fortuitas
(C) casuais
(D) irrelevantes

5
II. ESCRITA
1. Nas eleições europeias do passado dia 25 de maio, registou-se, em Portugal, uma taxa
de abstenção acima dos 66%. A este respeito, João Miguel Tavares publicou no
Público um artigo de opinião em que afirmava o seguinte:

Não votar demonstra um certo conformismo, com certeza, e podemos lamentar a falta
de participação cívica – mas significa invariavelmente que vivemos numa sociedade
pacificada, em que nada de realmente fundamental se joga em cada eleição. Não ir
votar é um gesto típico de uma democracia consolidada, em que nos podemos dar ao
luxo de deixar nas mãos dos outros a decisão do voto, porque simplesmente temos a
certeza de que o mais importante não está em causa.

Tavares, J. M. (2014, 27 de maio). A abstenção e a oposição. Público [edição eletrónica].


Consultado em http://www.publico.pt/politica/noticia/a-abstencao-e-a-oposicao-1637574

1.1. Partindo do excerto acima transcrito, redija um artigo de opinião em que explicite a
sua posição face à ideia de que os portugueses não votam por considerarem que
nada de fundamental está em jogo nas eleições. O texto deve ter cerca de 350
palavras.
No seu texto, pode analisar criticamente alguns dos aspetos abaixo mencionados ou
outros que considere relevantes:
• decréscimo progressivo da participação eleitoral desde 1975;
• atuação da classe política;
• envolvimento dos jovens na vida política;
• credibilidade do regime democrático;
• abstenção como forma de protesto;
• ceticismo relativamente à possibilidade de melhoria das condições de vida.

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