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Bloco I
Temas introdutórios
Plano de Formação Bíblica Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos
Índice
Apresentação ................................................................................................................... 3
Apresentação
O estudo dos sinóticos é uma aventura fascinante que, ao mesmo tempo, requer um
esforço considerável. Fascinante, porque oferece o acesso mais direto a Jesus de Nazaré,
à sua personalidade humana e religiosa, à sua reivindicação messiânica, à aventura
espiritual que envolveu seus discípulos e marcou o início do cristianismo. É trabalhoso,
pois exige um estudo aprofundado dos vários aspectos trazidos à luz pelo método
histórico-crítico e pelas mais recentes abordagens exegéticas.
Nossa abordagem dos evangelhos não começa do zero. Nem do ponto de vista da
pesquisa científica, nem, muito menos, do ponto de vista da fé. Antes de nós, houve
gerações de crentes e estudiosos, de irmãos e irmãs de diferentes confissões que
viveram e estudaram profundamente o Evangelho; gerações de exegetas e teólogos que
interpretaram e buscaram incansavelmente os múltiplos significados dos textos
sagrados.
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Este termo, porém, já estava em uso nas comunidades cristãs muito antes dos quatro
evangelhos serem escritos. No total, o termo aparece 76 vezes no NT e Paulo o utiliza
em cerca de 60 passagens, sendo ele quem mais o usa. Mesmo assim, a palavra era já
conhecida antes dele. Vejamos, portanto, a história do termo e seus significados
fundamentais.
a) Na cultura grega
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No NT, entretanto, o uso do termo evangelho não coloca sua raiz na matriz greco-
helenística, mas remonta ao AT e ao judaísmo tardio. De fato, os autores do NT
escrevem em grego, mas com o pano de fundo e tendo em mente a grande tradição
judaica bíblica. Para entender o significado do termo, portanto, não basta recorrer ao
dicionário grego e aos testemunhos greco-helenísticos. É essencial descobrir o
significado bíblico e, em particular, o significado que ele recebe no Dêutero-Isaías.
b) No Antigo Testamento
O conjunto dos termos relacionados tem a ver com a raiz bsr: mebasser (o portador
de um ditoso anúncio, o mensageiro de uma mensagem alegre) e tem diferentes
significados: profano, religioso, escatológico.
Em outras palavras, há um significado equivalente ao encontrado entre os gregos:
uma mensagem de alegria e a notícia da vitória (cf. 1Sm 31,9; Sl 68,12; em 1Sm 4 o
termo mebasser anuncia a derrota).
Cortaram-lhe a cabeça e despojaram-no das suas armas, e os enviaram à
redondeza, pelo território dos filisteus, para anuncia a notícia em seus
templos e ao povo (1Sa 31,9).
Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz,
do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: "O teu
Deus reina." Eis a voz das tuas sentinelas; ei-las que levantam a voz, juntas
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lançam gritos de alegria, porque com os seus próprios olhos veem a Iahweh
que volta a Sião. Regozijai-vos, juntas lançai gritos de alegria, ó ruínas de
Jerusalém! Porque Iahweh consolou o seu povo, ele redimiu Jerusalém.
Iahweh descobriu o seu braço santo aos olhos de todas as nações, e todas as
extremidades da terra viram a salvação do nosso Deus (Is 52,7-10).
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Ele se apresenta como enviado "para evangelizar os pobres" (Lc 4,18 citando Is 61,1
conforme o texto da LXX: euaggelisasthai ptôkhois), cumprindo a expectativa do
tempo da salvação ("hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura"
Lc 4,21).
Aos enviados do Batista ele responde que, através dele e de sua obra, "os pobres
recebem a boa nova" (cf. Mt 11,5 = Lc 7,22).
Jesus proclama o Reino (basileia) de Deus; ele proclama a boa nova de que o desejo
salvífico de Deus se aproximou:
Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galileia proclamando o
Evangelho de Deus: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e credes no Evangelho” (Mc 1:14-15)
Jesus pede conversão e confiança no Evangelho que proclama e, por outro lado,
mostra, através de seus atos, a poderosa intervenção de Deus em favor do povo aflito.
Segundo Lc 4,18-19, ele se apresenta como aquele que anuncia a boa nova aos
pobres e assim cumpre a missão de consolação e libertação anunciada por Is 61 (cf. Mt
11,5 = Lc 7,22).
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A certeza mais difundida entre os exegetas é que Marcos é o criador deste novo
gênero literário que liga estreitamente a narrativa sobre Jesus com a boa nova:
"Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus". (Mc 1,1).
Marcos teria dado forma literária à tradição sobre Jesus, construindo, ao mesmo
tempo, um relato e um novo anúncio.
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A combinação desses três elementos - ensino, milagres e liturgia - mostra que eles
não estão dissociados e que não deve prevalecer um único aspecto. O Evangelho é
ensino, mas é também uma manifestação do poder de Deus, e uma religião com seus
mistérios e iniciação, mas não é só isso.
Em todo caso, a opinião mais difundida é que antes da obra de Marcos não havia
nenhum relato de Jesus chamado "evangelho". Marcos é o primeiro a inserir a narrativa
no próprio anúncio. O Evangelho do Filho de Deus, crucificado e ressuscitado, é
entendido como a história de Jesus de Nazaré. O anúncio da salvação pregado, o
kerygma, a chamada a crer em Jesus Cristo, é ampliado até chegar ao ponto de se tornar
o relato de uma vida.
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1. A “questão sinótica”
a) O "fato sinótico"
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O fato sinótico foi notado há muito tempo e tem recebido várias propostas de
soluções históricas:
A solução radical de Marcião: ele resolve o problema eliminando os dois
primeiros evangelhos e mantendo apenas Lucas.
Solução de Taciano: harmonização dos quatro evangelhos, reduzindo-os a um
(Diatéssaron).
A solução de Santo Agostinho: harmonização formal (De consensu
Evangelistarum libri IV).
A solução das sinopses modernas: a primeira é a de Griesbach (Halle, 1776).
c) Dados do problema
Entretanto, o problema não está nas coincidências ou nas divergências, mas sim no
entrelaçamento das concordâncias com as divergências:
a) Concordância
de conteúdo: especialmente no material comum
de estrutura: presença de um esquema comum
de léxico: até a identidade verbal
b) Divergência
de conteúdo: especialmente no material DT
de estrutura: comparar Lc 4,16-30 com Mt 13,53-58 e Mc 6,1-6:
respectivamente no início e no final do ministério na Galileia
de léxico: no contexto de fórmulas e estruturas fixas (ver Mt 23,13 e Lc
11,52).
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Esta hipótese teve seu primeiro defensor em Santo Agostinho. Marcos teria resumido
Mateus; Lucas o teria expandido. Quanto a Marcos, ele teria seguido Mateus como um
copista literal que faz um resumo ("Marcus eum subsecutus tamquam pedisequus et
breviator eius": De consensu evangelistarum 1, 2). Essa tese influenciou muito a
história da interpretação, até ser derrubada pela hipótese das duas fontes.
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Esta hipótese não resolve todos os casos de coincidências e divergências, mas negá-
la parece complicar ainda mais a solução do problema.
Esta proposta é apoiada por Vaganey e tende a harmonizar a hipótese das duas fontes
com o testemunho de Papias. A hipótese desdobra o processo de formação dos
evangelhos em 7 etapas (passos):
1º: a catequese oral (Pedro e os outros apóstolos).
2º: os primeiros escritos evangélicos
3º: nascimento de Mateus aramaico (= Mtar)
4º: tradução de Mtar para o grego (= Mtg)
5º: nascimento de Marcos (do Mtg e da pregação de Pedro)
6º: nascimento de Mateus (com material do Mtg, Mc e fontes próprias)
7º: nascimento de Lucas (com material do Mtg, Mc e fontes próprias).
É uma proposta defendida por Boismard, que diz que não é óbvio considerar Marcos
como uma fonte em si (isto já havia sido dito por H. Marsh, um estudioso de
Cambridge, em 1798). Por outro lado, parece que para explicar alguns textos de Marcos
é necessário pressupor pelo menos a fusão de dois documentos pré-sinóticos (por
exemplo, Mc 3,31-35; 5,21-43; 10,23-27).
Boismard propõe quatro documentos (A, B, C e Q), ou seja, uma fonte principal para
cada evangelho: documento A (ambiente palestino, judaico-cristão) para Mateus;
documento B (prorrogação e reinterpretação de A, vindo de um meio pagão-cristão)
para Marcos; e documento C (também de origem palestino) para Lucas.
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parte de uma "retroversão" (do grego para o hebraico) porque ele sustenta que os
evangelhos foram escritos na língua semítica. Ele concorda com a hipótese de que o
primeiro evangelho foi o de Marcos, mas está convencido de que foi escrito em
hebraico. Em uma etapa posterior teria aparecido a "Coleção de Ditos", que teria
servido como uma fonte comum para Mateus e Lucas (o equivalente à fonte “Q”, como
proposto pelos alemães). Portanto, a posição de Carmignac não é substancialmente
distante da hipótese das 2 fontes.
A exegese busca o significado do texto em seu contexto: o que o autor quer dizer
com certa palavra ou expressão? A crítica literária faz parte do método exegético
"histórico-crítico", um método que tem um lugar privilegiado no mundo exegético, visto
que é o mais utilizado.
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que a teologia liberal pensou que poderia reconstruir (cf. as obras de Reimarus, Paulus,
Strauss), mas a pregação da comunidade pós-pascal.
Material narrativo
Histórias de paixão
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Cada uma dessas formas é caracterizada por uma série de elementos comuns. Por
exemplo, a forma milagre é reconhecível por esta série de elementos (ver Mc 1,40-45 e
8,22-26):
encontro (ou apresentação) da pessoa doente
pedido de cura
comando (ou gesto) de quem cura
efeito da cura sobre a pessoa doente
reação das pessoas presentes.
Em Betsaida (Mc 8,22-26), Jesus pega o cego, leva-o para fora da aldeia, põe saliva
em seus olhos, interroga-o e, notando o efeito parcial, repete a intervenção até que o
homem doente veja claramente. Se compararmos este relato com Mc 10,46-52, notamos
diferenças notáveis: no primeiro caso todos os elementos fundamentais da forma
"milagre" estão presentes, no segundo, ao contrário, faltam quase todos: falta o gesto e
as palavras de quem cura e, acima de tudo, falta o efeito sobre as pessoas. O confronto
nos permite concluir que Marcos narrou a cura do cego de Jericó não tanto como um
milagre, mas como uma história de discipulado (Mc 10,52). De fato, uma vez
recuperada a visão, Bartimeu segue Jesus no caminho que conduz a Jerusalém,
expressão técnica para definir o discipulado.
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As diversas formas não surgem por acaso, mas são geradas com uma função
específica. A análise sociológica deve explicar a respectiva função identificando o
ambiente vital original (Sitz im Leben). Esta operação é o cerne da FG.
Avaliação da FG
O valor principal da FG é que ela mostrou claramente que a tradição sinótica teve
sua origem e tomou sua forma na comunidade cristã primitiva, passando da pregação de
Jesus para a pregação sobre Jesus.
A existência da tradição oral anterior pode ser intuída a partir dos sinais de
fragmentação:
os evangelhos são compostos de "episódios" breves, às vezes unidos em
cenas
estes episódios são bem delimitados e podem ser divididos em vários
perícopes (pericoptein = cortar) sem perder o significado e o fio da narração
a ligação narrativa é muito frágil e, às vezes, artificial; o mesmo episódio é
colocado em contextos diferentes (ver a visita de Jesus a Nazaré, ambientada
no final do ministério na Galileia por Mc e Mt e no início por Lc).
A comunidade primitiva não é uma "testemunha" que se refere a Jesus, mas uma
espécie de "barricada" entre os evangelistas e Jesus. Bultmann retém que não é, de
forma alguma, possível ir dos evangelhos até Jesus histórico. Esta posição cética (não
compartilhada por outros estudiosos anglo-saxões, ver Taylor e Dodd) foi contestada
pelos discípulos de Bultmann, especialmente por Käsemann e Bornkamm.
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Observações
Revalorizar a atividade editorial dos evangelistas e seu trabalho como "autores" não
deve levar a um menosprezo da tradição. Os evangelistas não são "livres" para escrever
o que querem, mas coletaram e ordenaram escrupulosamente as tradições já existentes.
Um exemplo significativo é o prólogo de Lucas:
Visto que muitos já tentaram compor uma narração dos fatos que se
cumpriram entre nós — conforme no-los transmitiram os que, desde o
princípio, foram testemunhas oculares e ministros da Palavra — a mim
também pareceu conveniente, após acurada investigação de tudo desde o
princípio, escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques
a solidez dos ensinamentos que recebeste (Lc 1,1-4).
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A análise narrativa tem sua força na natureza de grande parte da Bíblia que se
apresenta como uma narração, como história da salvação. Os evangelhos também são
apresentados como uma sequência narrativa da vida, morte e ressurreição de Jesus.
Mas também sob o dominador comum da análise narrativa, são propostos diferentes
métodos de análise e reflexão teológica. O texto é visto dentro de uma perspectiva
dinâmica, como um "tecido" (textus significa precisamente tecido) de tensões que são
criadas, desenvolvidas e resolvidas; entre os papéis dos vários personagens estão os
pontos de vista do narrador e do leitor. Aquele que narra a história tende a envolver o
ouvinte/leitor no mundo de sua narração, em seu sistema de valores.
A análise semiótica tem já um certo percurso histórico, pelo menos de vinte anos, e
é utilizada por muitos estudiosos da Bíblia. O texto é tomado como um todo que não
precisa de elementos externos para ser compreendido (autor, destinatários, história da
redação), pois tem seu significado na rede de relações entre os vários elementos.
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Alguns aspectos que hoje são amplamente aceitos na exegese católica não gozavam do
mesmo juízo no início do século passado e nem mesmo 50 anos mais tarde.
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