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Relatório Antropológico Da Comunidade Barrinha
Relatório Antropológico Da Comunidade Barrinha
FRANCISCO DE ITABAPOANA/RJ
1. INTRODUÇÃO
considerações, trata-se aqui, de maneira ainda bastante preliminar, delinear aspectos que
sejam relevantes não apenas para o esclarecimento da ação que gerou o requerimento
reconhecimento de domínio das terras ocupadas pelos moradores de Barrinha, “de modo
1
Cf. Requerimento protocolado na Superintendência Regional do Rio de Janeiro- Incra-SR/07 e datado
de 20/06/2007.
2
na localidade foi enfatizada como forma de unidade e de resistência às pressões sofridas
A pesquisa que deu origem a este relatório foi realizada por meio de
Ao todo, foram feitas três visitas na comunidade, sendo que a primeira e a última
foram observados aspectos gerais e feitos alguns registros que serviram para uma
primeira reflexão sobre a situação de Barrinha. Além disso, também foi produzido um
objetivo central colher informações mais detalhadas sobre a natureza da ocupação das
terras pelas famílias de moradores, bem como esclarecer algumas dúvidas em relação à
área que estava sendo pleiteada. Esteve também nesta visita o antropólogo da SR-07
INCRA-RJ, Miguel Cardoso, para esclarecer certos detalhes que deveriam ser levados
3
Além disso também foram realizadas algumas conversas com pessoas de dentro e
anteriormente. Além disso, pretendia-se, com esta última incursão, observar e registrar um
definição ou indicação de uma área que pudesse ser incorporado às terras já existente não
se concretizou. O problema envolvendo esta questão será tratado com maior detalhe mais
pesquisa de campo e a produção deste relatório, não pretendo adotar uma relação
considerando pertinente - com a forte convicção de que isso jamais será confundido como
critérios adotados para seleção dos entrevistados e os métodos escolhidos por ocasião da
de algum modo faziam referência ao grupo de famílias negras de Barrinha - que há pelo
menos cinco ou seis gerações ocupa e usa de forma quase similar aquelas terras - não
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traziam informações muito detalhadas sobre suas características organizacionais e
produtivas, ou sobre sua formação social no tempo. Nesses trabalhos podem ser
meio da história de vida dos mais velhos e da memória que algumas pessoas na
antepassados. Importa ressaltar ainda sobre esse ponto a valiosa colaboração de pessoas
moradores, mas também se tornou uma importante mediadora no processo que envolveu
minha entrada no campo. Considero, assim, que minha entrada teria sido muito mais
– sem essa espécie de credencial local também muitas vezes necessária para o trabalho
de campo.
recorrido os atores sociais objetos deste documento, adianto que estes se inscrevem em
que o elemento crítico nesse tipo de análise se situa no caráter de auto-atribuição, parto do
suposto por Barth (2000: 32) de que a atribuição categórica é uma atribuição étnica
5
Ademais, estou inclinado a sustentar a interpretação de que o que se encontra
seu mundo social. Em outras palavras, importa aqui registrar e reconhecer o processo
elementos culturais lhes são pertinentes, como definição legítima das divisões do
mundo social.
mais detalhes sobre a comunidade. Todavia, acredito que o conjunto de dados coletados
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2. ASPECTOS GERAIS
que hoje constitui o território do município passou a integrar a Capitania de São Tomé,
ou Paraíba do Sul, concedida a Pero Góis da Silveira, que recebeu do rei de Portugal D.
João III a doação da referida Capitania, que media 30 léguas de costa entre São Vicente
estabeleceu moradia nessa área, tendo escolhido esta região para implantação do núcleo
da Capitania por considerá-la de solo fértil e também protegida de eventuais ataques dos
índios Goitacazes, que à época dominavam a região. Durante a instalação da sede houve
donatário teria se iludido com a aparente passividade dos indígenas que acabaram por
destruindo instrumentos que lhes caíam às mãos. Bastante desanimado, Pero de Góis da
Silveira teria se retirado com seus familiares para a vizinha Capitania do Espírito Santo
Somente no início do século XVII seu filho, Gil de Góis, tornou a voltar sua
atenção para a Capitania que herdara. Contudo, este não mais se interessou pelo
somente em 1627, a Coroa portuguesa fez doação de parte da capitania aos Sete
Capitães, que compreendia de Macaé até o rio Iguaçu, hoje rio do Açu, perto do Cabo
de São Tomé, por parte da Coroa portuguesa (Paranhos, 2000: 41). A intenção do então
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esgotado o comércio do pau-brasil. Em 1630, foi fundado o povoado de São João
Batista da Paraíba do Sul, atual sede do município de São João da Barra. O núcleo
urbano deste povoado somente foi elevado à condição de freguesia em 1644, o que
nome de vila de São João da Praia do Paraíba do Sul. Porém, a vila foi anexado à
1995, São Francisco de Itabapoana ganhou sua autonomia, quando foi desmembrado de
São João da Barra, passando a ocupar uma área de 1.111 km² o que o coloca na segunda
Goytacazes. O município ainda é cortado em traçado de via costeira pelas rodovias RJ-
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2.2. Aspectos da escravidão no Norte Fluminense
hegemônica. Nesse sentido, em qualquer área de terra cultivável era plantada a cana-de-
centros produtores de açúcar em função de ser o porto da região. Todo açúcar produzido
na região de Campos era por lá escoado através do rio Paraíba do Sul (Cf. Cardoso,
mesmo tempo em que progrediam, também vão exigir mais braços, especialmente no
início do século XIX, com a instalação da corte real portuguesa no Rio de Janeiro. O
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Este aumento da população de escravos também podia ser notado nas
regiões de Macaé, de São João da Barra e de São Fidélis. O interesse despertado pelo
comércio cada vez mais aquecido de escravos, no mercado do Rio de Janeiro, acabou
criando novos entrepostos para o seu funcionamento. Sobre esse ponto, deve-se
considerar que para alavancar a produção de açúcar na região canavieira de Campos dos
transferiram suas atividades para portos localizados no Norte Fluminense, que passaram
então a receber com regularidade navios negreiros oriundos da África. O quadro abaixo
pode ilustrar esse movimento de saída de escravos do porto do Rio de Janeiro para o
Anos Nº de Escravos
1822 446
1823 447
1824 1696
1825 1485
1826 2637
1827 1393
1828 3954
1829 2974
1831 1091
1832 202
1833 40
Total 20843
significativo destaque nesse tipo de comércio. Boa parte dessas pessoas atuava nos
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arredores de Cabo Frio, de Macaé e de São João da Barra, que, para garantir o esquema
de funcionamento desse serviço, mantinham também agentes em Rio das Ostras, Barra
de São João, Cabo de São Tomé, Ponta de Búzios, Itapemirim, Parati, Marambaia e
Angra dos Reis, além de contar com elementos de ligação no Rio de Janeiro (Cf.
Cardoso, 2009). Nesses termos, o porto de Manguinhos como é conhecido ainda hoje -
que nessa época pertencia à vila de São João da Barra - tornou-se importante entreposto
não apenas para os traficantes de São João da Barra, mas também para traficantes de
outras regiões como Quissamã, Bom Sucesso, Ubatuba, Carapebus e parte do Espírito
Santo (Oscar, 1985, p.74). Entre os principais traficantes dessa época estariam os
interessados.
escrava já era o dobro da população de cidadãos livres, de acordo com Oscar (1985: 81).
desumanos eram os castigos praticados por seus senhores. As condições de vida nesse
contexto tendiam sempre a piorar, já que os escravos, por sua vez, procuravam
à truculência de seus senhores, eles não procuravam apenas áreas de encostas, serras
íngremes ou brejos perigosos. Eles também fugiam para matas inacessíveis e planícies
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onde montavam acampamentos ou fortalezas constituídas por escravos fugidos do
cativeiro, nativos e outros que eram marginalizados. Supõe-se que desses esconderijos
costumavam sair na calada da noite ou rumando por caminhos desertos para invadirem
escravos, houve também uma difusão da ameaça e do terror tais fugas representavam o
que colaborou para desgastar o sistema escravista. Além disso, esse desgaste não se
limitava apenas às ameaças de possíveis revides e ataques dos negros, mas também no
fato de que, “afastando-se do processo produtivo, cada negro fugido representava perda
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geográficas e presença de alagados, brejos, mangues e matas virgens servia na época
como uma das regiões com maior proporção de população escrava do Brasil. Esta região
Atlântica, por onde se deslocavam os índios Goytacaz e Puris, que fugiam das missões
dos capuchinhos de São Fidélis (Lifschitz, 2006). No período que corresponde ao final
pertenciam à fazenda São Pedro. Todavia, alguns relatos de moradores antigos também
fazem referência a uma possível usurpação, por parte de antigos fazendeiros da região,
de terras que há muito eram ocupadas por famílias negras, mas que não tinham
documento oficial que pudesse atestar a legalidade ou o direito da posse. Segundo esses
relatos, procurados por tais fazendeiros os chefes destas famílias teriam sido enganados
e vilmente usurpados por eles - teriam aceitado entregar, sob o pretexto de finalmente
poderem regularizar a posse das terras, alguns papéis que supostamente atestavam a
cessão ou doação das terras. De qualquer modo, seu surgimento parece remontar ao
final do século XIX, e está umbilicalmente ligado à fazenda São Pedro, que à época
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para os portos do litoral Norte Fluminense não apenas mercadorias comuns, mas
também escravos que lá seriam negociados. Entre os portos onde esses escravos eram
Assim, supõe-se que as famílias negras que outrora ocupavam a área onde
hoje se encontra Barrinha eram, em sua maioria, oriundas da Fazenda São Pedro que,
fugindo dos maus tratos dos capatazes e de seus donos, procuravam aquelas matas com
virgem fechada que outrora tinha o lugar também foi invariavelmente lembrada em
todas as conversas que fiz com antigos moradores sobre aspectos ambientais da
Fazenda São Pedro, portanto, propriedade do fazendeiro que outrora também foi o
senhor destas pessoas. Após vários anos de trabalho na área da fazenda, essas famílias
de ex-escravos, entre elas as famílias Alves e Ferreira, conseguiram adquirir lotes que
eram então colocados à venda pelos novos proprietários da Fazenda São Pedro.
“Essas terras daqui todas foram compradas, elas foram pagas. Essas
São Pedro, até a praia, de fora a fora, até aqui onde tinha essa terra de
Então a fazenda São Pedro fazia fundo com esses Viana. Aí uma certa
lotearam. Teve um senhor que comprou uma parte grande né? E aqui
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“Aquilo tudo [Barrinha] era dele [Gregório] e do falecido Libório. A
Barrinha era tudo deles dois. Fazia rumo lá pra Samambaia”.
(Carlinhos, 70 anos).
Manguinhos com a comunidade. Boa parte dos relatos colhidos na comunidade toma de
alguma forma esse porto como referência importante no conjunto de memórias dos
selecionados e negociados todos os escravos que iriam trabalhar nas terras da fazenda
São Pedro. Outro aspecto importante para a compreensão da história de Barrinha diz
fazendeiros. O problema que emerge nos relatos dos mais antigos sobre a legalização de
novo incremento da cana na região. Nesse caso, o receio de perder parte de suas terras
acordo com fontes consultadas, nesse empreendimento que resultou na expulsão das
famílias negras das áreas próximas a fazenda, os fazendeiros contaram com inteiro
3
Cf. Abreu (2007) essa área teria recebido um expressivo número de negros oriundos de quilombos do
período da escravidão e lá permaneceram até final da década de 1950 quando foram afugentados por um
fazendeiro da região chamado de Joça Sá.
15
“Essa terra pertencia a Fazenda. Então eles vieram para aqui. Depois
Penha, mas só que eu acho que não tinha nome em cartório; aí morreu
impostos. Na época era muito dinheiro, três contos, três mil réis...O
trabalhado e o valor que eles tinham o direito de gastar, então eles iam
tinha troco, então foi ai que eles passaram a receber e ter dinheiro pra
pagar. Ele - meu bisavô - tinha muito herdeiro, mas na hora de dividir
a herança ele não dividiu nem fez inventário, então cada filho, aqueles
pedacinho da terra. Então ficou meu pai, a mãe de Magali que era irmã
do pai de meu pai, a mãe e o pai de José Maria, cada um tinha direito
Abreu, 2007)
cadáveres e confirmado os relatos dos moradores sobre o destino dos escravos que
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Figura 2: Área do porto de Manguinhos onde foram encontradas ossadas humanas
costeira RJ-204, que passa por dentro da comunidade. Ao sul, Barrinha tem como
Guaxindiba; a leste, a comunidade limita-se com o mar; a oeste faz fronteira com a
fazenda São Pedro; ao norte ficam as vilas de Buena e Coréia. A posição geográfica de
rede de relações sociais que se estende inclusive para além da fronteira com o estado do
fazenda São Pedro (figura 3) era, durante o período que funcionou o esquema de tráfico
de escravos na região, o destino inicial para onde a maioria dos negros desembarcados
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em Manguinhos era encaminhada e de onde, posteriormente, algumas famílias sairiam
comprada em seguida por Simão Mansur, que repassou aos seus herdeiros tendo ficado
como responsável Fahid Mansur e que atualmente, segundo informações locais, foi
algumas delas continuam trabalhando para o seu último proprietário. A maioria dessas
cana entre as décadas de 1930 e 1960 naquela região. Arregimentadas para permanecer
na fazenda durante a longa temporada que envolvia o plantio e o corte da cana, essas
famílias foram assentadas em pequenas casas alinhadas à margem das estradas de terra
de acesso à fazenda (figura 4). À distância tais casinhas formam uma espécie de vila
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Mesmo vivendo nessas casas há pelo menos três décadas em média, os
tendo outro lugar para ir por lá ficaram – não podem afirmar que têm um lar. Pois não
apenas a casa onde moram, mas também tudo que cultivam no pequeno espaço que
compreende o terreno dessas moradias não lhes pertencem. Além disso, existe o
consenso entre eles de jamais reivindicar algo nesse sentido. O estabelecimento desse
que consta na plaquinha pendurada na frente de cada casa, também foi inscrita a frase
Propriedade da Fazenda São Pedro. Nas conversas que pude realizar com alguns
moradores dessas casas, eles relataram que ultimamente já não podiam ficar trabalhando
fora durante um dia inteiro. A razão, segundo o relato, era porque estava havendo
local indicam que é intenção do atual dono da fazenda remover de vez com essas
19
Figura 4: Foto de uma das casas nos arredores da Fazenda São Pedro.
de vida dessas pessoas que ainda vivem na fazenda São Pedro possivelmente seria
Entretanto, na crua realidade que emoldura o cotidiano desse pequeno grupo de homens
existe sensibilidade suficiente para elas manifestarem sua fé, praticarem solidariedade
com os outros e até esperarem dias melhores para suas vidas. Foi este aspecto, sem
dúvida, que mais chamou minha atenção durante as horas que passei conversando com
tentativa de reconstituir fragmentos de uma história que nem sempre lhes foi favorável,
esses últimos moradores da Fazenda São Pedro assim como os de Barrinha, esforçam-se
para recontar episódios, reviver imagens, voltar ao tempo onde a fazenda São Pedro
surge como lugar de prosperidade, com grandes armazéns, das festas na fazenda, das
atividades eclesiásticas da igreja local e das rodas de jongo. Sobre esse ponto que
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acrescentar que se trata de um aspecto fundamental para a compreensão de certas
Cabe ainda ressaltar sobre essas narrativas que elas também revelam aspectos
singulares das relações sociais que ainda prevalece naquela área. Algumas
características das relações e práticas sociais observadas tanto em Barrinha como no seu
importância de retomar a tradição popular dos seus antepassados, cujo legado central é o
quilombo e a prática do Jongo, estas pessoas mantêm seu modo de vida sintonizado com
seus desafios atuais. Pessoas com idade mais avançadas tornam-se facilmente referência
uma identidade social, elas também são influentes na definição de condutas pessoais.
certos aspectos da vida social, o que, por sua vez, leva essas pessoas a assumirem
formado por sessenta e duas famílias, com total de 164 pessoas entre crianças e adultos,
predominantemente por adultos, onde mais de 60% dos moradores tinham mais de 20
anos, 21% entre 11 e 19 anos e 18,29% eram crianças de 0 a 10 anos. Não obstante,
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cabe ressaltar aqui que num estudo feito por Carolina Abreu, em 2007, a população de
comunidade costuma ser marcado por fluxos constantes de saída e retorno de seus
Este, por sua vez, parece se configurar a partir de um processo, cujos mecanismos de
com o meio externo. Sobre as características gerais do grupo doméstico, pode-se dizer
que eles são notadamente extensos, formados por famílias bastante numerosas,
vivos mais antigos da comunidade (figura 5), por exemplo, com 98 anos de idade à
tataranetos. Todavia, como já foi mencionado acima, é muito comum também notar que
em tais famílias muitas pessoas migram, seja para procurar trabalho ou para morar em
casas de parentes, para cidades vizinhas e para grandes centros urbanos como Rio de
22
Figura 5: Foto do Sr. Edmar, 96 anos.
esporádicas e outras que já tendo partido há bastante tempo, retornaram alguns anos
depois para refazer morada. Daí deve se considerar que a maior parte dos moradores
ancestralidade. Alguns dos atuais moradores descendem das quatro primeiras gerações e
depoimento colhido de uma das mais antigas moradoras da comunidade revela um viés
“Olha menino, aqui nesse lugar, todo mundo é parente. Até esses
Norata era tia de papai. Ela era parenta de papai; agora por quem,
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como... Eu realmente não sei. Ela era branca do cabelo duro, o cabelo
que é desencadeado por outras relações sociais que, em geral, são estabelecidas no
localidade.
membros.
que se refere tanto às relações entre gênero quanto entre distintas faixas etárias que
se sabe, tendem a definir papéis sociais específicos no âmbito das relações sociais no
interior do grupo, muito embora - e isto é de extrema importância ressaltar aqui - seja
fato conhecido também que o desempenho de tais papéis pelos indivíduos é relativo e
24
Nesses termos, a pesquisa de campo realizada em Barrinha revelou, por
atuação destas pessoas por uma ampla maioria, existe fatores sociais que são
condicionantes. Estes em geral dizem respeito a certos elementos que são articulados
efeito. Esta escala pode ser disposta numa seqüência que, em geral, decresce do
primeiro ao último elemento. Desse modo, fatores como idade, tempo de moradia e
convívio na comunidade, sexo, instrução e habilidades para lidar com o assunto são
indivíduo - o que, por sua vez, pode gerar apenas expectativa de apoio - a qualquer
de Barrinha em situações distintas que serão descritas mais adiante. Ademais, é muito
nitidamente assimétricas vividas pelo grupo até o presente momento. Daí decorre
primeira vez, fui apresentado a uma das pessoas que estavam à frente da mobilização
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maioria dos moradores já se encontrava recolhida às suas casas. Após algumas
para que eu ficasse para a festa do jongo, que aconteceria dentro de poucos dias.
Procurei saber mais sobre a festa e ela ainda me acrescentou alguns detalhes do evento,
antes de asseverar que seria bom eu participar, pois nela eu poderia ver como a
mais de trinta anos, e, embora tenha vivido todo esse tempo lá, ela deixava entrever na
sua fala que assuntos envolvendo toda a comunidade nunca deveriam ser discutidos
somente por pessoas ainda jovens, como ela e outros que também organizavam o
evento, ou como ela mesma enfatizou “pessoas com pouca experiência”. Percebi então
por essa conversa que as lideranças antigas a que ela se referia certamente não iriam se
manifestar sobre qualquer assunto – sobretudo com um estranho - se elas não fossem,
digamos, ritualmente convocadas para fazê-lo. Aquela realização do Jongo era assim
uma forma não somente de trazer os mais antigos para um debate e ouvir seus pareceres
sobre uma discussão que importava a toda comunidade, mas também de reconhecimento
moradora da comunidade com quem conversei, tinha aparentemente menos idade que
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Angélica e como esta, demonstrou a mesma deferência e profundo respeito às pessoas
mais antigas da comunidade diante das indagações que eu fazia. Essas lideranças mais
jovens consideram que para seguir adiante com a proposta de criação de comunidade
quilombola, será necessário ter o apoio das pessoas que, segundo elas, de fato
moradores, Mônica se mostrava confiante que quando tivesse a anuência dessas pessoas
falecidas, Mônica o fazia com grande deferência pessoal, procurando enaltecer suas
virtudes e o papel de cada uma delas na luta para resistir a um tipo de aniquilamento da
comunidade. Ao fim da conversa, lancei uma proposta de reunião para que eu pudesse
ser formalmente apresentado aos moradores e assim explicar para mais pessoas o que eu
estava fazendo lá; ao concordar com a reunião, Mônica pediu que esta fosse realizada
combinado, segui em direção ao local para a reunião então convocada pela diretoria
no enconto; e ainda esperamos um pouco mais até uma das organizadoras alertar que
niguém mais apareceria. Passei a vista rapidamente nas pessoas que se acomodavam
exprimidas numa pequena sala de cerca de 4m² cedida por uma das participantes para a
reunião; ao todo, não passavam de sete pessoas no encontro; dessas sete pessoas, duas
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eram crianças com idade entre cinco e dez anos. Quase todos ali presentes eram jovens
mulheres. Apenas um rapaz compareceu ao encontro. Este, que se chamava José Maria,
quilombola de Barrinha; também foi o único dentre os demais homens com quem
do território quilombola. Quando procurei saber porque havia tão pouca presença de
da seguinte forma: “Aqui somos nós que tomamos a frente desta luta. As mulheres aqui
têm que ser revolucionárias. O envolvimento dos homens nessas questões é muito
raro”. Ainda intrigado e procurando ir mais fundo para saber o que relamente se passava
À época, pelos poucos dados que dispunha sobre a comunidade, cogitei que
circunstâncias: inexperiência das organizadoras, que por sinal eram todas bem jovens, e
falta de articulação para mobilizar os moradores. No entanto, nos dois dias que se
seguiram à minha chegada em Barrinha, uma indiferença ainda mais clara e intrigante
pelo assunto se fez presente no conteúdo das conversas que tentei inúmeras vezes
encontro ou discussão que tivesse o assunto como pauta. Todas as conversas que ouvi
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na comunidade e também em seus arredores giravam em torno da realização do jongo.
Por outro lado, as tentativas de alongar uma conversa - quando isto me parecia possível,
por um brusco “sei disso não” ou “não sei, agora preciso ir” logo que o tema território
ou terra de quilombo surgia. Isto ocorreu sobretudo com moradores adultos do sexo
interesse no assunto.
A partir dos dados que consegui coletar, considero que a organização social
acontecimentos com significado histórico relevante. De fato, pode-se dizer que no que
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3.3. Sinais da violência: o silêncio e a indiferença
surgimento de Barrinha à resistência empregada por pelo menos duas famílias de ex-
escravos que ao deixarem a Fazenda São Pedro, em fins do século XIX, passaram a
ocupar aquelas terras. Como já foi relatado anteriormente, essas famílias ocupavam
terras que supostamente faziam parte da fazenda São Pedro, portanto, continuaram a
social. Assim sendo, a comunidade de Barrinha não pode ser vista apenas como
ambiente que resulta da construção social que lhe confere forma no tempo e no espaço.
esses significados e o processo histórico tem imprimido sobre a realidade daquele grupo
social.
que estão diretamente ligados com esse processo social de elaboração e afirmação de
vinha era pronunciado. Às vezes essa referência à fazenda surgia no momento que os
próprios moradores teciam suas narravas. Em outros casos, provocada por alguma
pergunta que eu fazia sob o pretexto de um esclarecimento maior. Nesse caso, muito
raramente a conversa seguia o mesmo rumo. Em tentativas desse tipo, moradores mais
antigos que sabidamente tinham mais informações sobre a situação da fazenda, em geral
“Tio Edmar conta que os pretos daqui não podiam nem passar na
porteira; nem pra tomar água na porteira que eles botavam uns
30
É possível, contudo, depreender daí que a memória que dá origem e refaz os
exercício de olhar mais demorado para o fundo dessa história é possível perceber, por
exemplo, que o longo silêncio que costumava se interpor nos diálogos estabelecidos
com moradores mais antigos, podia muito bem ser pela recusa de continuar dando vida,
ainda que só na lembrança, à brutal violência sofrida nas dezenas de anos de cativeiro.
Assim, não gostavam de se referir à fazenda São Pedro; quando falavam procuravam
não dizer muito; e se diziam, o faziam com indiferença. O silêncio era a fala. E a fala no
Além disso, tudo indica que eles sempre evitaram trabalhar para os
proprietários da Fazenda São Pedro, mesmo já sendo estes novos proprietários que não
lembrança do tempo no cativeiro que ainda atormenta suas vidas; e por outro, parece
ancestrais.
fazenda São Pedro, parece realmente estar associado à história de cativeiro e de trabalho
escravo vivido por seus ancestrais. Mas há, contudo, uma outra narrativa que relata
fazendas sobre famílias negras de pequenos agricultores naquela mesma região. Esta por
sua vez refaz, por meio dos recursos próprios da memória, caminhos que ora se
4 Lifschitz em seu trabalho sobre a comunidade Machadinha, também situada no norte fluminense, faz
referência a esses longos espaços de silêncio deixados por seus entrevistados ao que ele interpreta como
sendo mais uma tentativa de expressar um sentimento que construir uma narrativa (2006:124).
5 Carolina Abreu também descreve esta resistência dos moradores de Barrinha e destaca o fato destes
sempre terem resistido em trabalhar para os proprietários da Fazenda São Pedro.
31
entrelaçam e ora se tornam multifacetados para encorporar subjetividades e significados
se faz com animal que não raciocina, imagina com quem raciocina? ...
e expulsando os negros que lá viviam. Em outros relatos, o que ganha ênfase são as
pessoas que teriam fundado a comunidade e que foram dono de uma grande faixa de
João da Barra era ele, Joça Sá... Eles pegavam boi e botava dentro da
32
roça. O que botava a mandioca pra fora era o boi lavrador e o que
daquelas famílias na perspectiva de manter uma unidade, seja por meio do reavivamento
constituição do território quilombola. Neste último caso, podem ser observados alguns
elementos que apontam para um processo intricado que envolve, ao mesmo tempo,
inteiramente refratárias a esse constructo social. Vou voltar a esse ponto mais adiante
quando expor sobre o processo de construção da identidade. Por ora, deve se destacar
que no atual contexto sociopolítico de Barrinha figuram diversos grupos que atuam de
nesse contexto argumentam muitas vezes a partir de visões de mundo distintas e até
são chamados os lotes de terra pelos moradores - que tenha como proprietário apenas
33
uma pessoa. Tão difícil quanto isto é também não supor imediatamente, por habitual
abreviação do olhar externo, que tal maneira de posse e uso da terra não gere algum tipo
– é compartilhado por vários membros de uma e até mais famílias, cujas regras e
afirmar que em Barrinha vigora o uso comum das terras como forma de apropriação e
de uso dos recursos disponíveis. No entanto, algumas observações com base no trabalho
famílias, que lá fixou residência e mantém sua plantação, por exemplo, possui em geral
uma relação de donos tão extensa quanto forem os membros da família que aquela terra
comum ouvir dos moradores respostas que reafirmam esta característica indivisa que a
terra possui na comunidade. Numa das entrevistas quando procurei saber, por exemplo,
sobre a possibilidade de algum membro da família aceitar oferta de compra do seu lote
34
por um dos fazendeiros ali vizinho ou outra pessoa de fora da comunidade, seguiu-se
“Houve um tempo que essa comunidade tinha muita gente. E toda essa
gente ia na praia pegar ostra pro almoço, pra janta... Durante a maré
de lua toda a gente daqui ia, colhemos muito. Nessa época, não se
maior tinha muita gente. Tinha um pessoal desse lado que foi pra Rio
das Ostras e hoje estão doido pra ver se consegue voltar. Porque eles
volta. Por isso eu tenho dito que é difícil vender esses terrenos aqui
onde estamos... Por essa experiência. Além disso, quando a pessoa sai
daqui sabe que sempre pode voltar. Minha irmã saiu passou um
entende isso. Porque já veio uma, daqui a pouco pode vir a outra,
porque sabe que aqui onde plantar uma casinha vai ser nosso. Nós
vivemos aqui tomando conta, mas o direito deles é sagrado. Por isso
não precisa nem comprar; vem aqui faz o orçamento dele e planta uma
indicam que nela havia número muito maior de famílias ocupando uma área que
também era bem mais extensa que os atuais 84 hectares aproximadamente que a
comunidade ocupa (ver croqui em anexo). O tamanho exato da área que essa
antiga comunidade possuía bem como a população que nela habitava não chegou
a ser apontado em outras conversas sobre o assunto; moradores mais jovens e até
35
um informante que me indicou os limites de Barrinha também desconheciam a
terra em Barrinha pode esclarecer melhor o comentário descrito acima. Entre a geração
pela linha de parentesco, ainda que esta não seja explicitada por meio de documentos
família, e, ao que tudo indica, é repassado a outro membro por ocasião de doença e
morte deste. Sobre a materialidade e o conteúdo de tais “papéis” não encontrei ninguém
que pudesse fornecer detalhes a respeito; também não pude ter acesso a esses
documentos exatamente pelo que já foi exposto. Devo acrescentar, contudo, embora eu
não tenha registrado diretamente esse aspecto e tenha apenas ouvido comentários, que o
terras por certos membros da família também podem ser depreendidos do que já foi
exposto sobre a história de violência e práticas abusivas do poder local. Por outro lado,
devo destacar que, muito embora o esforço pessoal, minha condição de funcionário do
INCRA e visitas muito curtas não podiam naturalmente me colocar em situação da qual
eu pudesse gozar de algum grau de confiabilidade maior com os moradores. Por isso,
recorri a estratégias que melhor poderiam me ajudar nessa aproximação com o grupo.
36
festa do jongo, cuja finalidade aqui é continuar discorrendo sobre o processo identitário
rurais e da periferia das cidades do sudeste do Brasil (Pacheco, 2007). Em geral o jongo
é praticado como diversão, mas pode também comportar aspectos religiosos e encenar
está associada às danças realizadas por escravos nas plantações de café no Vale do
Paraíba, nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, e também em fazendas de algumas
o uso de tambores.
37
Figura 6: Tambores do jongo de Barrinha
escavados, cobertos de couro em uma das extremidades e afinados com o calor do fogo
vocal livre, com frases curtas cantadas por um dos solistas e repetidas ou respondidas
pelo coro que se forma em torno da fogueira. O canto contém uma linguagem poética
metafórica e a dança possui passos sincronizados que podem ser executados de forma
performática por duas ou várias pessoas formando círculo, a chamda roda de jongo
(figura 7).
jongo, pois o áudio com que gravei alguns cantos não ficou bom. Além dessas
38
Figura 7: Roda de jongo em Barrinha
para efeito de informar sobre aspectos gerais do jongo enquanto expresão de arte e de
dos moradores com quem conversei preocupou-se em falar do jongo em termos de sua
arriscaram a dar definição desse tipo, com alguma propriedade, eram aquelas que já
comunidade. É provável que preocupação deste tipo não haja realmente entre os
“jongueiros” - aqueles que praticam e vivem livremente o encanto desta tradição que
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entrelaça dança com saber ritual e religioso. Quando insitentemente interrogados,
limitam-se apenas a repetir, reiteradamente, que “jongo vem de longe”; “tem a ver com
a alma”; que “a pessoa sente o jongo e por isso canta e dança com ele”. Mas o jongo é
âmbito Estado.
convidados de muitos lugares. No evento sobre o qual estou discorrendo, por exemplo,
praticado como dança investida na tradição das comunidades negras rurais, com
recriações que evocam a particularidade de cada situação. A análise desse tipo de festa
moderno, o que, por certo, reduz significativamente a complexidade dos elementos que
Desse modo, por exemplo, Javier Lifschitz ao focar sua análise no jongo de
confluência das ações empreedidas por diversos atores para co-produzir a “comunidade
2006: 116). De acordo com essa visão, os atores de fora da comunidade seriam agentes
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tradicional”. Nessa perspectiva, as chamadas neocomunidades se situariam em um
seria insuficiente para uma adequada compreensão dos arranjos que são constituídos em
ponto de vista. O depoimento reproduzido abaixo foi registrado durante uma conversa
tava querendo levantar o passado pra frente, né? Teve um cabeça dura
que achou que esse pessoal que vinha entrevistar e gravar aqui
qualquer verso, ia levar aquele verso pra vender. Vocês vinham aqui
pra levantar, pra nós fazer o jongo, gravar apresentação e levar pra
mostrar que a gente sabe dançar. Ele achava que vocês vinham aqui
pra gravar, pra filmar pra levar pra vocês fazer livro, fazer cd pra
Porque se esse pessoal fosse unido, esse negócio tava mais animado...
Loca vai algum lugar. Já foi em Cacimbinha duas vezes, foi em Lagoa
Feia, agora que ele tá se empolgando. Mas no começo teve gente que
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botou na cabeça dele que esse jongo tava sendo vendido, nós tava
sendo vendido; e ele se afastou muito, muito mesmo. Isso pra sair
Carol lutou, você pode crer. Ela teve que ter muita paciência.” (dona
Nevinha, 68 anos)
No centro da questão que gera desabafos como esse que dona Nevinha
do jongo por terceiros, está uma ampla rede de relações desencadeada pelo jongo,
que envolve sempre uma variedade de atores que se articula em vários níveis. A
referências que vão desde evocações espirituais e rituais, passando pela memória
pode ocorrer ao mesmo tempo; são tempos e espaços diferentes que no jongo se
Retomando a aguda leitura feita por Lifschitz, o jongo não pode ser
considerado apenas como dança. Trata-se de um saber ritual e religioso que se transmite
entre as gerações. Além disso, relatos colhidos indicam que antigamente os praticantes
aproveitavam a rebeldia das noites de jongo para fomentar as fugas de escravos, definir
estratégias de resistência e as ações que deveriam ser realizadas para manutenção dos
quilombos. Num breve relato sobre alguns aspectos envolvendo sociabilidade no jongo
Carolina Abreu enfatiza que as pessoas “também usavam esse momento para expressar
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de conversa e dançar até a fogueira se apagar.” Assim, por meios dos vários relatos e
comunidade, pode-se abstrair que ele é também um elemento central na discussão sobre
comunidade possui relevo e clima comuns a este tipo de paisagem que cobre boa parte
ainda apresenta algumas áreas cobertas por vegetação de restinga, mata ciliar ocupando
no mar.
afirmar que os moradores cultivam uma pequena variedade de produtos que se destina
quase inteiramente para o consumo interno. Com exceção de produtos como a cana, o
bem mais extensas que outros produtos, notadamente é a que mais gera renda para seus
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municípios de São Francisco de Itabapoana e Campos. O abacaxi ocupa o segundo lugar
voltada também para venda, estão ainda produtos como aipim, feijão e banana.
alcançar preços mais justos para seus produtos. Na visão desses moradores, quem
realmente mais fatura no tipo de negociação estabelecida para a venda desses produtos
aipim ao preço de R$ 4,00 cada. Ele afirmou ainda que este talvez fosse o valor mais
alto que se podia conseguir com a venda desse produto na comunidade, pois ele também
relação que envolve a venda desses produtos agrícolas na comunidade, ficou patente
que os moradores de Barrinha não conseguem impor um preço que eles consideram
justo.
agrícolas, havia ainda, até em 2008, uma importante atividade de coleta de mariscos que
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Figura 6: Foto de feijão colhido com plantação de abacaxi ao fundo
formados por cadeias de pedras de grande porte. Segundo informações das moradoras,
uma parte do produto coletado era destinada à venda para efeito de complementação da
renda familiar. Outros frutos do mar também eram coletados pelas mulheres, mas esses
eram basicamente para incrementar a dieta alimentar das famílias. Estas informações
foram obtidas ainda durante minha primeira ida em 2008. Em julho de 2009, em minha
última visita, fui informado que as mulheres haviam parado com essa atividade em
razão das ostras terem praticamente acabado. A explicação para esse desaparecimento
abaixo:
Hoje já deu vontade de ir lá na praia ver umas ostras, mas nem sei se
vou encontrar. Não tem mais ostras nas pedras. Mas não foi o pessoal
que acabou não. Sabe o que acabou as ostras? Química. Depois que
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nuclear ali [apontando em direção à comunidade Buena] acabou com
tudo. Essas químicas brabas que cai, você vê essa química que caiu lá
saiu veio tombando pelo rio caiu no mar; atingiu Espírito Santo e
passou por aqui, passou aquele lodo que a água não batia; e as praias e
os mariscos morreram tudo; quando a maré secou, que ela puxa aquele
negócio, ela enterra na areia; ela não deixa voltar não aquele resíduo
pedreiras que tinha ostra, dessa época pra cá nunca mais nasceu uma
acabado ou como na versão dos próprios moradores “os mariscos morreram tudo” é
explicado pela intensa poluição que teria afetado as praias de São Francisco de
Itabapoana. Esta poluição seria resultado de alguns empreendimentos que nos últimos
que exploram minerais pesados e petróleo nas proximidades do litoral norte fluminense.
escuro, brilhante e muito pesado. Eles também acrescentam que há um controle muito
grande sobre os funcionários que trabalham nessa indústria para se evitar possíveis
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saídas de amostras desse produto das dependências da Unidade. Em relação aos
produtos que são retirados das areias, a UMP de Buena informa que estes seriam:
seu site que por se tratar de reservas minerais formadas pela regressão do mar,
solo, ele ocorreria tão imediatamente que não se poderia distinguir a área trabalhada
pela indústria das demais existentes, liberadas para plantio, pastagens e outros fins. Ao
que tudo indica, informações como essas, restritas e carregadas de termos técnicos,
dificilmente podem surtir efeito esclarecedor entre os moradores. Além disso, existe
para fins de explicação dos danos ambientais observados uma interpretação local que
Barrinha realizavam até recentemente uma combinação entre agricultura de tipo familiar
e consumo dentro da comunidade, mas com uma parte da produção destinada também à
material dos moradores. A outra fonte de recursos está ligada aos trabalhos temporários
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e permanentes realizados, em geral, por moradores do sexo masculino nas fazendas e
para aquisição de recursos materiais e outros bens de uso na comunidade, boa parte dos
uma conversa sobre o preço pago pela cana na região e os custos com seu cultivo e
reclamações sobre atitudes de parentes. Mas quase todo trabalho realizado nas pequenas
lavouras tende a ser desenvolvido por membros da família ou parentes próximos; ainda
que para a realização de algumas atividades como plantio e colheita (figura 7) estas
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Em alguns casos, a terra é arrendada para um parente ou para um conhecido
morador das redondezas. No caso de terra arrendada, o produto a ser cultivado tende a
ser um dos que são geralmente comercializados. Em geral, a terra arrendada representa
30% ou 50% da produção nas mãos da família dona do terreno, como enfatizado pelo
depoimento abaixo:
quiabozinho a gente colhe não todo ano direto; porque as terras aqui
plantado mais nada não; pra tocar quase é os outros que toca pra mim,
porque não tenho mais condições, aí dou pra uma pessoa trocar meia,
trinta por cento... Agora o homem plantou ali um aipim, 30%. Eu cedo
a terra pra plantar pra não ficar parada, porque eu não tenho mais
prejuízo na certa por que ninguém quer mais se esforçar, só quer botar
cana, como já foi exposto anteriormente, feijão, abacaxi, milho e aipim são os produtos
partir do final de julho até início de setembro. O aipim é plantado durante o ano
seguindo sempre os períodos após as chuvas. No caso da cana, sua produção tende a
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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
possui dinâmica social, política e cultural típica das chamadas comunidades negras
ao uso da terra, embora este não possa ser inteiramente caracterizado na forma de uso
manutenção das porcelas de terra que cada famíla preserva. As pequenas propriedades
plano das relações sociais estabelecidas com vistas à produção, estas aparentemente são
parentesco.
produção, Barrinha apresenta cultivo de alguns produtos com base na lavoura, entre
para consumo na própria comunidade. Além disso, podia ser observado até o segundo
semestre de 2008 uma importante atividade de coleta de mariscos que era realizada
perder força em função de escacez dos frutos do mar até deixar de ser praticada como
alternativa de sustento.
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Cf. observa Woortmann ao estudar aspectos lógicos e simbólicos do trabalho em lavoura camponesa.
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Cabe destacar que a presença dos elementos identitários aqui reportados,
enfatizar que já há algum tempo está em curso um processo de mobilização interna com
prioridades dos agentes que organizam tal processo, como já foi mencionado no
utilização das informações contidas neste relatório, as questões inerentes aos processos
sociais em situação como as que foram descritas aqui. Em Barrinha, uma decisão
se concretizar ao longo dos doze meses em que se trabalhou com essa expectativa. Do
contraditório das formas de organização social que Barrinha tem apresentado seja
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Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 2009.
JOÃO SIQUEIRA
Analista em Ref. e Des. Agrário/Antropólogo -SR/15
SIAPE 1317382
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CROQUI DE BARRINHA
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