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Resumo: Para repensar o problema da terra e da propriedade no Brasil Colonial, o presente estudo
investiga o contexto histórico-jurídico da concessão das terras pela Coroa Portuguesa na região do Vale
do Jaguaribe (Ceará): seu regramento jurídico e sua ocorrência efetiva. Desse modo, a pesquisa também
visualiza a problemática da relação entre colonos e indígenas, compreendendo o acesso destes à terra. A
partir da perspectiva de Paolo Grossi e da Escola de Florença, a pesquisa analisa os pressupostos da
investigação histórica do direito enquanto abordagem interdisciplinar que explora as influências sociais,
culturais e políticas, para além do mero formalismo jurídico. Desse modo, o artigo estrutura-se do
seguinte modo: a) em um primeiro momento, dialogando com os pressupostos teóricos desenvolvidos por
Paolo Grossi, se discute a compreensão do direito de propriedade no Brasil Colonial enquanto categoria
histórico-jurídica; b) na sequência, examina-se a dificuldade de povoamento português nos sertões
cearenses e o contexto da política de sesmarias; c) de modo mais específico, são observadas as políticas
de concessão de terras e sua fiscalização no Vale do Jaguaribe, verificando influências e fatores que
podem ter contribuído para a formação dos espaços urbanos. Por fim, o artigo desenvolve reflexão sobre a
construção maleável do direito de propriedade, considerando as adaptações informais praticadas nos
sertões cearenses.
Abstract: This study delves into the historical-legal framework surrounding land grants by the
Portuguese Crown in the Vale do Jaguaribe region (Ceará, Brazil) to reassess the issue of land and
property in Colonial Brazil. It explores the legal regulations governing these grants and their practical
implementation. Additionally, the research addresses the intricate relationship between settlers and
indigenous populations, providing insights into the latter's access to land. Adopting Paolo Grossi's
perspective and drawing upon the interdisciplinary approach of the School of Florence, the study
critically analyzes the foundational principles of historical legal research. This approach transcends legal
formalism, incorporating social, cultural, and political influences. The article is organized as follows: a)
an initial exploration of the theoretical framework developed by Paolo Grossi, emphasizing the historical-
legal categorization of property rights in Colonial Brazil; b) an examination of the challenges faced by
Portuguese settlers in the hinterlands of Ceará and an analysis of sesmarias policies; c) a focused
investigation into land grant policies and their enforcement in the Vale do Jaguaribe, elucidating
influences and factors contributing to the development of urban spaces. Ultimately, the article offers
reflections on the adaptive nature of property rights, considering the informal practices prevalent in the
hinterlands of Ceará.
INTRODUÇÃO
1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito
Santo (FAPES).
questão levanta inúmeros debates, fatores e divergências. Para oferecer uma
contribuição efetiva, discute-se, neste estudo, um cenário mais específico e delimitado
temporal e geograficamente: quais as características do direito às terras na época
colonial, em especial na região cearense do Vale do Jaguaribe?
O critério de delimitação temporal (Era Colonial) foi adotado para favorecer a
observação da formação histórica do acesso à terra pelos colonos e seus descendentes,
observando sua relação com os povos indígenas nacionais. De início, é preciso,
portanto, compreender a regulação da metrópole portuguesa e as adaptações realizadas
no Brasil Colônia em razão das especificidades que foram encontradas.
Além disso, o critério geográfico (região jaguaribana) contribui para a coleta de
fontes específicas e um aprofundamento da discussão bibliográfica sobre as práticas
coloniais. Inicialmente compreendida como uma área pertencente à Capitania do Rio
Grande do Norte, a região jaguaribana passou a fazer parte do território cearense, sendo
considerada uma espécie de berço do povoamento do interior nordestino.
Nas “Capitanias do Norte” (Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba), o acesso às
terras estava inicialmente restrito às decisões da Coroa Portuguesa e do Governo-geral
da Bahia e, posteriormente, submisso à Capitania de Pernambuco. Apesar da pouca
autonomia, a existência do Capitão-mor local e de uma Câmara favoreceu a
intensificação de políticas de povoamento e de combate aos povos indígenas no final do
século XVII. Por isso, uma análise sobre a propriedade de terras nesse período e local
favorece uma compreensão sobre a formação desse direito na realidade brasileira.
O Vale do Jaguaribe, conforme será discutido nas próximas páginas, tornou-se
área estratégica para o povoamento dos sertões, especialmente com o desenvolvimento
da criação de animais e práticas de cultivo. Nesse sentido, para além de um exame
formal da concessão de terras, são observadas relações familiares e sociais que
estiveram presentes na dinâmica local e na formação dos primeiros centros urbanos
sertanejos (não litorâneos).
Nesse sentido, a pesquisa desenvolve um primeiro tópico sobre os pressupostos
teóricos que servem como referencial para a discussão sobre a formação do direito de
propriedade. Assim, dialoga-se com Paolo Grossi da Escola de Florença, no sentido de
que a percepção histórica da propriedade enquanto sensação social de pertencimento
demanda análise das influências sociais, culturais e políticas, para além do mero
formalismo jurídico (tópico 1).
Em um segundo momento, o artigo desenvolve reflexões sobre as dificuldades de
povoamento português nos sertões cearenses e a adoção da política sesmarial (tópico 2).
No terceiro tópico, são examinados os elementos específicos das práticas de
concessão de terras no Vale do Jaguaribe, com a devida discussão sobre sua fiscalização
e suas relações com os povos indígenas da região. Nesse tópico 3, alguns
distanciamentos daquilo que efetivamente ocorria são expostos em contraponto às
normativas coloniais. Tal discussão possibilita a compreensão do direito de propriedade
e acesso às terras em uma perspectiva mais ampla, verificando influências e fatores que
guardam relação com a formação dos espaços urbanos no sertão cearense. Por fim, o
artigo desenvolve reflexão sobre a construção do direito de propriedade enquanto
categoria dinâmica e maleável, permeável por adaptações informais praticadas nos
sertões cearenses.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ABREU, João Capistrano de. Capítulos de história colonial: 1500-1800. Brasília:
Editora do Senado Federal, 1998.
ALENCAR, Ana Cecília Farias de. Sou “Dona Viúva”: As Cartas de Sesmarias e o
papel das mulheres na capitania do Ceará (século XVIII). XXVII Simpósio Nacional
de História, ANPUH, Natal, 2013, p. 1-14.
LIMA, Lauro de Oliveira. Na ribeira do rio das onças. Fortaleza: Assis Almeida,
1997.
ROCHA, Limério Moreira da. Russas: sua origem, sua gente, sua história. Recife:
Gráfica Editora, 1976.