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Delimitação do Tema
1
Este texto deve ser citado como: PARENTONI, Leonardo Netto; GALIZZI, Gustavo Oliva. É o fim da
falência? In: CASTRO, Moema Augusta Soares de; CARVALHO, William Eustáquio de (Coord.).
Direito Falimentar Contemporâneo. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2008.
É expressamente vedada a utilização comercial, reprodução ou transferência deste texto, por qualquer
meio, sem prévia e expressa autorização por escrito dos autores.
2
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002.
1
O presente texto pretende tecer considerações críticas sobre as idéias de
Baird e Rasmussen, confrontando-as com a realidade brasileira no contexto da nova Lei
de Falências (Lei n° 11.101/2005).
2
Introdução
3
A norma citada é a Lei n° 2005-845, de 26 de julho de 2005, conhecida também como a nova “Loi des
procédures collectives”. Precisamente, não se trata de uma substituição completa de leis, mas de uma
alteração significativa do Livro Sexto do Código de Comércio francês, que incorporou a maioria dos 196
artigos da nova norma.
No mesmo sentido: LEGROS, Jean-Pierre. La loi du 26 juillet 2005 de sauvegarde des entreprises. Droit
des Sociétés, Paris, out. de 2005. p. 8-14.
4
Como, por exemplo, a lei de 08 de junho de 1999, concernente à administração extraordinária.
SCHIAVON, Giovanni. Entreprises en difficulté: les procédures d’insolvabilité en Italie. Les Petites
Affiches, Paris, n° 58, mar. de 2005. p. 5.
5
Em Portugal, a lei reguladora dos processos de falência e de recuperação judicial é atualmente
conhecida como CIRE, ou Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Recentemente
aprovado pelo Decreto-lei nº 53, de 18 de maio de 2004, o CIRE foi amplamente inspirado na lei de
insolvência alemã (Insolvenzord-nung) – a qual data de 05 de outubro de 1994 e entrou em vigor no dia
°1 de janeiro de 1999.
Sobre o tema: SERRA, Catarina. O Novo Regime Português da Insolvência: uma introdução. Coimbra:
Almedina, 2004. p. 10-11. “(...) por trás de tudo isto [das inovações do CIRE] está a lei da insolvência
alemã, a Insolvenzordnung (InsO), de 5 de Outubro de 1994, que o CIRE se limitou, quase integralmente,
a reproduzir.”
A influência da lei alemã sobre o CIRE é admitida expressamente em várias passagens da exposição de
motivos do Decreto-lei nº 53/2004, notadamente nos itens 6, 25 e 45. Disponível em:
<http://www.portugal.gov.pt>. Consultado em 15.11.2006.
6
Por Direito Concursal entende-se a recuperação de empresas e o processo falimentar.
3
se tratando de falência) dos bens do devedor, necessidade esta que
corresponderia à razão de ser do ramo jurídico;
4
buscar a manutenção de determinados ativos sob uma mesma organização empresarial
como alternativa à sua venda total ou parcial no mercado, a fim de que fossem
utilizados no âmbito de outras organizações 7.
7
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 760. “Coase asked the question of what explained whether a transaction would be
located in a firm or in the market. In the same spirit, reorganization law ought to begin by ascertaining the
value of keeping particular assets together inside a given firm. (The alternative is for these assets to be
returned to the market, where they may be reassembled in whole or in part in another firm).”
8
Lei n° 11.101/2005: “Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas,
observada a seguinte ordem de preferência: I – alienação da empresa, com a venda de seus
estabelecimentos em bloco; II – alienação da empresa, com a venda de suas filais ou unidades produtivas
isoladamente; III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos; IV –
alienação dos bens individualmente considerados.”
9
No presente artigo, preferimos nos referir a aviamento como atributo da empresa. No mesmo sentido:
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 2000, v.1, p. 307. “Não tomamos
posição radical nessa controvérsia. Pensamos que o aviamento, bem como a clientela, tanto podem ser
considerados, cada um de per si, como elemento direto da empresa, ou como do estabelecimento
comercial.”
10
Sobre o assunto, conferir: FÉRES, Marcelo Andrade. Contrato de Trespasse: efeitos obrigacionais da
aquisição do estabelecimento empresarial. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte, 2003.
5
Entretanto, a concepção de aviamento de Baird e Rasmussen difere do
conceito tradicional acima descrito em um aspecto fundamental: para eles, o surgimento
do sobrevalor econômico não decorre da simples organização coordenada dos ativos
que integram a empresa, mas, antes, da especialização de tais ativos em relação ao tipo
de negócio explorado pelo empresário. Na visão dos juristas, a definição de aviamento
está diretamente relacionada à existência de ativos que valham mais quando alocados
em uma determinada organização empresarial, resultando, daí, sua pretensa
especialização. Ao contrário, se os ativos puderem ser utilizados, com a mesma
eficiência, em ramos empresariais distintos, não haverá que se cogitar, no caso, de
especialização e, conseqüentemente, do surgimento de qualquer sobrevalor 11.
11
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 760. “We have a going-concern surplus (the thing the law of corporate reorganizations
exists to preserve) only to the extent there are assets that are worth more if located within an existing
firm. If all assets can be used as well elsewhere, the firm has no value as a going concern.”
12
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 763-64. “Just as the machines used for making thread became standardized, so too has
the equipment used across a broad range of our economy. Retailers can acquire standardized shelving,
cash registers, and furniture. (...) Even many of the firms that rely most on large capital assets, such as
airlines, are more like thread-makers than railroads. The capital assets of an airline are readily bought,
sold, or leased. Individual airplanes can be added to the fleet or taken away as demand changes. The
Boeing 747s owned by TWA on one day can be easily reconfigured and run by American Airlines the
next.”
6
1.1. A aplicação da teoria coasiana por Baird e Rasmussen
7
empresa moderna (e, conseqüentemente, da inutilidade contemporânea do Direito
Concursal) tendo como enfoque os ativos do devedor. Ao contrário, para resolver o
problema objeto de sua pesquisa, Coase pouco se referiu aos ativos empregados no
processo de produção, centralizando suas atenções, de outro lado, nos contratos
firmados pelo empresário para obtenção de mão-de-obra. Nas palavras do autor:
15
Tradução livre. Texto orginal: COASE, Ronald H. The nature of the firm: influence, p. 68. “A firm is
likely therefore to emerge in those cases where a very short term contract [for a resource] would be
unsatisfactory. It is obviously of more importance in the case of services – labor – than it is in the case of
the buying of commodities. In the case of commodities, the main items can be stated in advance and the
details which will be decided later will be of minor significance.”
16
Confira-se a explicação de Klein e Coffee acerca das sutis diferenças entre as relações master-servant e
principal-agent no Direito norte-americano: KLEIN, William A.; COFFEE JR., John C. Business
Organization and Finance: Legal and Economic Principles. New York: Foundation Press, 2004, p. 14-
15. “These terms [“master” and “servant”] are used to describe a relationship in which one person (the
“master”) “controls or has the right to control the physical conduct of the other” (the “servant”).
(Quotation from Restatement of the Law, Agency (2d), Sec.2). (...) The term “servant” is somewhat
confusing. In law, it does not imply servility. The employees of large corporations, working as
electricians, carpenters, truck drivers, and the like, as well as the white-collar workers and the executives
all the way up to the top person, are “servants”in the legal sense. Similarly, the term “agent” has a broader
scope in law than in common parlance; it includes any person who has agreed with another person (the
“principal”) to “act on his behalf and subject to his control.”Restatement, Agency (2d), Sec. 1. [In this
sense, a] nonservant agent is one who agrees to act on behalf of the principal but is not subject to the
principal’s control over how the task is performed.”
17
A concepção da empresa como um feixe de contratos que organizam atividades econômicas visando a
reduzir custos de transação de operar em mercados foi posteriormente evoluída por Michael C. Jensen e
William H. Mecklin. Ver: Theory of the firm: managerial behavior, agency costs and ownership structure.
Journal of Financial Economics, v.3, n.4, 1976.
8
de toque da teoria coasiana é permitir identificar qual o método de organização menos
custoso para a exploração da atividade empresarial. E essa conclusão depende, a seu
turno, dos custos transacionais inerentes aos potenciais modos de organização da
atividade econômica pelo empresário.
9
norte-americanos que a versatilidade objetiva decorrente dessa padronização faz com
que móveis, máquinas, eletrônicos e utensílios de modo geral sejam aproveitados, com a
mesma eficiência, por agentes econômicos de diferentes portes, ainda que atuantes em
mercados distintos19.
Por essa razão, ainda que os bens corpóreos que integram o estabelecimento
sejam padronizados e facilmente adquiridos no mercado (como mesas, cadeiras, papel,
etc.), os contratos deverão ser individualmente celebrados, em homenagem ao princípio
da relatividade20. Desse modo, todo estabelecimento terá, necessariamente, ativos
19
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 764.
20
JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
p. 1-2. “Todo o sistema constitucional [do Estado Liberal] se inspira no indivíduo e se limita, subjetiva e
objetivamente à esfera pessoal e patrimonial dos contratantes. Três são, portanto, os princípios clássicos
da teoria liberal do contrato: a) o da liberdade contratual, de sorte que as partes, dentro dos limites da
ordem pública, podem convencionar o que quiserem e como quiserem; b) o da obrigatoriedade do
contrato, que se traduz na força de lei atribuída às suas cláusulas (pacta sunt servanda); e c) o da
relatividade dos efeitos contratuais segundo o qual o contrato só vincula as partes da convenção, não
10
especializados, na medida em que ao menos um de seus componentes, os contratos,
guardarão essa característica. Ou seja, a existência de ativos especializados é inerente
à organização empresarial.
Pelo que foi dito, pode-se concluir que todo estabelecimento empresarial,
ainda que composto, em sua maioria, por ativos padronizados, facilmente adquiridos no
mercado, sempre possuirá aviamento, decorrente, ao menos, da organização contratual
feita pelo empresário. A esta conclusão já havia chegado Vera Helena de Mello Franco,
ainda que sem externar seus fundamentos:
beneficiando nem prejudicando terceiros (res inter alios acta neque nocet neque prodest).” Mesmo os
chamados contratos de adesão, veiculados por meio de instrumento padronizado (formulário), precisam
ser celebrados individualmente. Nesse sentido: GOMES, Orlando. Contratos. 19. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1999. p. 109. “No contrato de adesão uma das partes tem de aceitar, em bloco, as cláusulas
estabelecidas pela outra, aderindo a uma situação contratual que encontra definida em todos os seus
termos. O consentimento manifesta-se como simples adesão a conteúdo preestabelecido da relação
jurídica.”
21
GOMES, Orlando. Contratos. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 148. “Podem alguns contratos
ser cedidos em bloco. Nessa hipótese, a posição contratual de uma das partes é assumida por terceiro.
Assim, a cessão consiste, em última análise, na substituição de um dos contratantes por outra pessoa que
passa a figurar na relação jurídica como se fora a parte de quem tomou o lugar. É em suma a transferência
negocial a um terceiro do conjunto de posições contratuais.”
22
FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de Direito Comercial. 2. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004. v. 1. p. 137.
11
devedor. Em outras palavras, a opção do credor com garantia real pelo fechamento do
negócio faria desaparecer, por via de conseqüência, o seu valor (isto é, o aviamento)23.
23
MANN, Ronald J. Strategy and force in the liquidation of secured debt. Michigan Law Review, v. 96,
1997. p. 159-254. Como explica o autor: “The fundamental reason for the lender’s willingness to allow its
debtors to control liquidation of collateral was the prevailing pessimism of account executives as to the
results that they could expect to obtain through more adversarial approaches to liquidation. The general
perception was that the lender could never hope to get paid in full if it repossessed the collateral and sold
it in satisfaction of the debt. The dominating basis for that perception was a belief that the debtors almost
universally could sell the collateral for more than the lender. As one executive stated in connection with a
troubled firearms debtor: ´If he couldn’t sell [some obsolete hunting equipment], we certainly couldn’t’”.
MANN, Ronald J. Strategy and force in the liquidation of secured debt, p. 179.
24
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 763 e 765. “Intellectual property is an even more important part of modern firms. Such
assets, however, are not necessarily locked inside a particular firm. (…) “Any expertise that even a large
firm possesses becomes worthless when its business model fails.”
12
assim não fosse, nada impede, como se viu no tópico anterior, que o aviamento decorra
da organização de ativos eminentemente padronizados.
25
Ver, a respeito, a reportagem: “Presidente do conselho de administração do grupo Gerdau diz que o
lucro da empresa atingiu os R$ 3,5 bi em 2006.” Disponível em:
<http://www.revistafator.com.br/ver_noticia.php?not=7943>; acesso em 25/5/2007. Na entrevista,
Johannpeter destaca: “Continuamos trabalhando para aprimorar a eficiência e a produtividade das
operações. Isso só é possível graças aos investimentos em atualização tecnológica, às avançadas práticas
de gestão e à contínua capacitação dos colaboradores. Essa conjugação de fatores nos coloca entre as
melhores empresas siderúrgicas do mundo e nos distingue no mercado pela qualidade dos produtos e
serviços. A busca constante pela melhoria faz com que níveis diferenciados de rentabilidade estejam
presentes em períodos favoráveis, como também em momentos mais difíceis do mercado. (...)
Acreditamos no poder transformador das pessoas e na sua contribuição para o desenvolvimento do
negócio. Por isso, investimos na capacitação dos profissionais, preparando-os para uma atuação global.
Em 2006, os recursos destinados para essas atividades somaram R$ 40,3 milhões. Também buscamos
estabelecer um relacionamento consistente, transparente e duradouro com os colaboradores.” Ver, no
mesmo sentido: “Uma dose de Ambev na Sadia: em busca de melhores resultados e de mais eficiência, a
Sadia injeta agressividade e critérios de meritocracia em sua cultura.” Reportagem veiculada na Revista
Exame do dia 14/3/2007, p. 58-60.
13
1.2.3. Força de trabalho
14
especialização dos ativos articulados pelo empresário é equivocada. O surgimento do
aviamento resulta, sobretudo, das relações jurídicas mantidas pelo empresário. Tais
relações podem se efetivar tanto entre pessoas, interna ou externamente (relações entre
os diversos empregados de uma empresa, relações com credores, consumidores,
fornecedores, agências reguladoras, etc.) ou entre pessoas e ativos. É a organização
destas relações para a exploração de uma atividade econômica, a qual demanda tempo e
gera custos, a responsável pelo surgimento de uma aptidão funcional economicamente
mensurável. A harmonia oriunda desta organização constitui o elemento subjetivo que o
Direito Concursal busca preservar, dentre outros objetivos.
28
COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de Controle na Sociedade
Anônima. São Paulo: Forense, 2005, p. 90/91.
15
financeiros e de investimento praticados no mercado teriam, por si só, o condão de
transferir o controle da empresa em crise para credores supostamente mais capacitados a
tomarem decisões sobre seu futuro, eliminando o descompasso de incentivos acima
descrito e resolvendo, de resto, uma das questões mais controvertidas do estudo do
Direito Concursal, relacionada à governança da sociedade em recuperação 29.
29
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 778. “A law of corporate reorganizations is needed only when the investors cannot
make sensible decisions when the firm encounters trouble. When control rights are allocated coherently,
no legal intervention is needed to ensure that decisions about the firm`s future are made sensibly. Most
large firms now allocate control rights among investors in a way that ensures coherent decisionmaking
throughout the firm`s life cycle.”
30
Para uma explicação sobre a natureza jurídica dos chamados fundos de private equity ver: LOBO,
Jorge. Fundos de private equity. In: Direito Empresarial: aspectos atuais de direito empresarial
brasileiro e comparado. JUNIOR, Ecio Perin; KALANSKY, Daniel; PEYSER, Luis (Coord.). São Paulo:
Editora Método, 2005, p. 103-102.
31
Complementando o raciocínio: COMPARATO, Fábio Konder; SALOMÃO FILHO, Calixto. O Poder
de Controle na Sociedade Anônima,. p. 91. “Outras vezes, a existência de poder dos credores faz com que
esses pressionem para a configuração de estruturas de poder de controle gerencial ou administrativo, com
empresas ou administradores especializados na gerência de empresas em crise assumindo diretoria e o
controle interno da companhia por meio da atribuição a estes de ações preferenciais da classe especial –cf.
supra Nota de Texto 11. [Adicionalmente, são] freqüentes os contratos de empréstimo a uma sociedade,
com a atribuição ao mutuante, em garantia do seu crédito, da caução das ações do chamado bloco de
controle. A lei brasileira, ao contrário da italiana (Código Civil italiano de 1942, art. 2.352), não suprime
o direito de voto do acionista caucionante, mas admite que se possa estipular no contrato, que o acionista
poderá, sem consentimento do credor caucionado ou pignoratício, votar em certas deliberações (Lei n.
6.404, art. 113).”
32
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 785. “These revolving credit facilities and the practical control they give lenders over a
firm are some of the most striking changes in Chapter 11 practice over the last twenty years.”
16
forma, debelariam os efeitos oriundos de uma eventual crise econômico-financeira do
devedor. E, diante da utilização costumeira de tais instrumentos, um ramo do Direito
voltado à liquidação ou reorganização da sociedade financiada tornar-se-ia
desnecessário. Sob a premissa de que as partes cujos interesses estão em jogo (os
credores) decidem, de antemão, o que ocorrerá em um cenário de crise, concluem os
juristas norte-americanos que nada haveria a ser ganho com a instauração de um
(custoso) procedimento judicial destinado, em tese, a decidir sobre a mesma questão.
17
sociedade com ativos avaliados em 100 milhões de reais e dívidas de 230 milhões de
reais. 34Destes 230 milhões de dívidas, 30 milhões são devidos a credores com garantia
real e 200 milhões a credores com privilégio especial. Como dito acima, os
“proprietários residuais” são aqueles sujeitos cujos interesses são idênticos aos da
empresa, pelo fato de suportarem os riscos decorrentes da exploração da atividade
econômica. No cenário proposto, os “proprietários residuais” seriam, seguindo essa
lógica, os credores com privilégio especial. Explicamos: é fácil notar que aos credores
com garantia real não interessaria atuar ativamente na reorganização da empresa, diante
da possibilidade de serem integralmente pagos mediante a alienação dos bens dados em
garantia pelos seus respectivos créditos. Não haveria se cogitar também de incentivo
dos sócios na recuperação, pois, ao contrário dos credores com garantia real, eles nada
teriam a ganhar no processo. Aos credores com privilégio especial seria reservada,
portanto, a propriedade residual da empresa, ou seja, o saldo da realização do ativo do
devedor após a satisfação integral dos créditos com garantia real. O reflexo de todas as
perdas e ganhos decorrentes das ações tomadas durante o período de recuperação,
correspondente ao risco da atividade econômica, recairia sobre eles. Nesse cenário, se o
sistema de governança adotado durante o procedimento judicial de recuperação desta
sociedade seguisse a lógica do conceito de “proprietário residual”, ele asseguraria aos
referidos credores com privilégio especial a prerrogativa de controlar as principais
decisões envolvendo o devedor. 35
34
Exemplo inspirado em ilustração esboçada por Lynn LoPucki em: The myth of the residual owner: an
empirical study. Washington University Law Quarterly. v. 82, 2004.
35
Nesse contexto, sustenta Baird, em artigo escrito a quatro mãos com Thomas H. Jackson, que: “The law
of corporate reorganizations should focus on identifying the residual owner, limiting agency problems in
representing the residual owner, and making sure that the residual owner has control over the negotiations
that the firm must make while it is restructuring”. In: BAIRD, Douglas G.; JACKSON, Thomas H.
Bargaining after the fall and the contours of the absolute priority rule. University of Chicago Law Review,
n. 55, 1988, p. 755.
18
Contudo, a impossibilidade de se organizar os credores do devedor de
acordo com a ordem de prioridade de créditos fora do processo falimentar é fator que
torna impraticável a identificação do “proprietário residual” de uma sociedade em crise.
Como preleciona Lynn LoPucki, especialista em Direito Concursal norte-americano:
36
Tradução livre do original: “The typical reorganizing firm has about four investor priority levels that are
subordinate to secured and bankruptcy priority creditors. The existence of so many investor priority levels
makes it likely that investors at more than one level will share residual owner status.” LoPucki, Lynn: The
myth of the residual owner: an empirical study, 2004.
37
Tradução livre do orginal: WESTBROOK, Jay Lawrence. Abolition of the corporate duty to creditors.
Columbia Law Review, v. 107, 2007. “Broadly speaking, which governance system plays a host to a
corporation depends not on the corporation’s economic condition, but on whether a legal step – a
bankruptcy filing – has occurred. (…) Running a corporation for the benefit of creditors requires a
mechanism for addressing creditor interests and the resolution of conflicts among the interests of creditors
inter se. But the corporate governance system has no rules and no institutions adapted to this work.
Indeed, the corporate governance system’s multitudinous legal and market mechanisms remain in place to
19
De outro lado, tem-se que a maioria dos financiadores e investidores
negocia para adquirir algum grau de controle sobre a atividade do devedor antes que
seus créditos estejam em risco, e não após. Portanto, se os contratos financeiros e de
investimento mencionados por Baird e Rasmussen alcançarem seu objetivo, acionando
as chamadas revolving credit facilities, a parte financiadora adquirirá o controle antes de
se tornar um “proprietário residual” da empresa em crise, o que desconstrói, de certa
forma, a tese articulada pelos autores.
encourage managers to continue in the very different task of furthering the largely unitary interests of
shareholders.”
38
Rasmussen aborda bem esta questão em outro texto acadêmico: “The alternative to selling the business
is to put a new capital structure in place and continue with the business, perhaps with a new business
model. The decision whether or not to sell will depend in part on the dynamics of the expected
negotiations that would otherwise take place. To the extent that one group decides that it would fare better
under a sale rather than a reorganization, it will push for placing the enterprise on the block.” In:
RASMUSSEN, Robert K. The search for hercules: residual owners, directors, and corporate governance
in chapter 11. Washington University Law Quarterly, v. 82, 2004, p. 1460.
39
Lei n° 11.101/2005: “Art. 154. Concluída a realização de todo o ativo, e distribuído o produto entre os
credores, o administrador judicial apresentará suas contas aos juiz no prazo de 30 (trinta) dias. (...) § 5 o A
20
durante o período da recuperação ou liquidação judicial, prevendo sanções, inclusive de
natureza penal, para o seu descumprimento40.
sentença que rejeitar as contas do administrador judicial fixará suas responsabilidades, poderá determinar
a indisponibilidade ou o seqüestro de bens e servirá como titulo executivo para indenização da massa.”
40
Vide arts. 168 a 178 da Lei n° 11.101/2005.
41
Nesse sentido elucida André Carvalhal: “Uma vertente na literatura sobre governança corporativa
concentra-se na questão da minimização do custo de capital, intimamente relacionada com a estrutura de
capital das empresas. Com a separação entre propriedade e controle, o financiamento interno (geração
própria de caixa) é menos arriscado e, conseqüentemente, menos oneroso do que o financiamento externo
(tanto por emissão de ações quanto de dívidas).” A influência da estrutura de governança corporativa no
valor, alavancagem e política de dividendos das empresas brasileiras de capital aberto. Revista de Direito
Mercantil, v. 133, 2004, p. 86.
42
Sob o titulo “Solução de mercado e recuperação da empresa”, Fábio Ulhoa Coelho, em seu Curso de
Direito Comercial, faz uma menção às operações de reestruturação de dívida. São Paulo: Saraiva, 2002,
p. 217-220.
21
A bem da verdade, ainda que a ordem legal de prioridade não seja
respeitada nestes casos, a reestruturação das dívidas da empresa em crise poderá ser
articulada, bastando, para tanto, que o devedor não venha, de fato, a falir.
43
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 786. “Going-concern sales have long been the method of choice for dealing with firms
that could not pay their debts. They were commonplace in the textile industry during the era of Ermen &
Engels. Give the developments in capital markets, such sales are increasingly possible. Thus, asset sales
can occur either when control rights are allocated to those with their money on the line, or when control
rights are not so well assigned. In either case, the buyer of the assets takes them and applies a new capital
structure.”
44
A que o Direito Falimentar norte-americano veio a se referir, mais tarde, como automatic stay.
22
fóruns de discussão entre as várias partes interessadas no futuro das companhias em
crise para negociar acerca de uma estrutura de capital mais eficiente. Juízes passaram a
intervir na esfera destes fóruns de discussão a fim de solucionar conflitos e garantir o
atendimento do interesse público no cumprimento dos planos de reestruturação
propostos. Estavam, assim, estabelecidas as bases ontológicas que inspiraram a
elaboração da legislação concursal norte-americana45.
45
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 761.
46
Dados extraídos da reportagem “Estrangeiros impulsionam aquisições no Brasil”, veiculada no jornal
Valor Econômico do dia 14 de maio de 2007. O grande volume de transações deste tipo no Brasil levou o
CADE a retomar a prática de assinar os chamados Acordos de Preservação da Reversibilidade da
Operação (Apros), destinados a evitar que uma fusão ou aquisição se consolide de tal forma a tornar inútil
uma eventual decisão do CADE contrária ao negócio. Sobre o tema, ver a reportagem “CADE faz
acordos com empresas para congelar grandes negócios”, veiculada no Diário do Comercio Indústria e
Serviços também do dia 14 de maio de 2007.
23
O processo de recuperação da Varig atraiu grande atenção da mídia por
encerrar interesses públicos de notória importância. A essencialidade dos serviços
prestados pela companhia fez do caso Varig uma oportunidade ideal para que fosse
demonstrada a eficiência da nova legislação concursal.
Seria razoável, nesse sentido, sustentar que a Varig se recuperou ou, ainda,
que a companhia foi “preservada”, na acepção legal do termo que lhe empresta a nova
Lei de Falências? A questão nos parece ser, antes, de interpretação acerca da natureza
dos interesses protegidos pela legislação falimentar brasileira, matéria que se relaciona
ao próprio conceito de “empresa”.
47
Conforme declarado na própria decisão homologatória do plano de recuperação da Varig, “Assim,
considerando o interesse público revelado pelo princípio da preservação da empresa, inserto no artigo 47
da Lei 11.101/2005 (...), não faz sentido impedir a possibilidade das requerentes de se reorganizarem por
falta de certidão negativa de débitos fiscais. Isso posto, nos termos do artigo 58 da Lei 11.101/2005,
consideramos cumpridas as exigências legais e concedemos a recuperação judicial das devedoras, cujo
plano foi aprovado na assembléia de credores realizada no dia 19.12.2005.”In: BEZERRA FILHO,
Manoel Justino. Jurisprudência da Nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências: decisões, ofícios
judiciais, resoluções, sentenças, acórdãos, dentre outros documentos. São Paulo: RT, 2006, p. 162.
48
Ver: “Gol compra controle da Varig por U$ 320 milhões”, divulgada no periódico virtual FolhaOnline.
Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u115634.shtml>. Consultado em
15/5/2007.
49
Dados extraídos da entrevista “O novo rei dos ares” com Constantino de Oliveira Jr., Diretor-Presidente
da Gol, divulgada na Revista Veja do dia 4 de abril de 2007.
24
O conceito de empresa é o alicerce do Direito Empresarial, norma
fundamental desta disciplina, responsável por delimitar o âmbito de incidência de suas
regras específicas. Inicialmente, coube aos economistas a difícil e valiosa tarefa de
defini-lo. Como visto acima, Coase esboçou seu conceito econômico prescrevendo que
a empresa constitui uma rede de contratos inter-relacionados, a fim de reduzir os custos
transacionais de se operar no mercado 50.
50
Ver também, nesse sentido: SZTAJN, Raquel. O Conceito de Empresário no Código Civil Brasileiro.
Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. São Paulo: Editora Magister,
ano II, n.° 7, p. 92-109, fev./mar. 2006.
51
Os cartórios são entes despersonificados que possuem capacidade processual e podem figurar no pólo
passivo de ação de responsabilidade civil: STJ, REsp. nº 774.911/MG.
52
SOUZA, Washington Albino Peluso de. Conceito de Empresa: um desafio que persiste? Jornal da
Faculdade de Direito da UFMG (O Sino do Samuel), Belo Horizonte, Ano VIII, n.º 73, p. 06-07, jan.
2004. p. 06.
53
RIPERT, Georges. Aspectos Jurídicos do Capitalismo Moderno. Campinas: Red, 2002. p. 291-292.
“As palavras empresa e empresário pertencem à língua corrente. O uso lhes deu sentido diferente. A
primeira é usada para designar toda atividade orientada para certo fim; a segunda para qualificar o homem
que, profissionalmente, executa certos trabalhos.”
54
Para uma análise detalhada do conceito de empresa, consulte-se: PARENTONI, Leonardo Netto. O
Conceito de Empresa no Código Civil de 2002. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 388, p. 133-
151, nov./dez. 2006.
25
“A predisposição dos bens e serviços para o mercado
geralmente não é, na realidade prática, o fruto de uma atividade
acidental e improvisada, mas sim objeto de uma atividade
especializada e profissional, a qual se explica por meio de
organismos econômicos propositalmente predispostos. Estes
organismos econômicos que se concretizam na organização dos
fatores de produção e que se propõem a satisfazer as
necessidades alheias e mais precisamente as exigências do
mercado em geral, assumem na terminologia econômica o nome
de empresa. Objetivamente considerada, a empresa se apresenta
como uma combinação, melhor dizendo, como uma
organização de elementos pessoais e reais operada em função
de um resultado econômico e exercida tendo em vista a
finalidade especulativa de uma pessoa, a qual, de fato, assume a
denominação de empresário.”55
Também para a nova Lei de Falências, a empresa é vista como objeto e não
sujeito de direitos. Ao se referir à preservação da empresa, o que o legislador pretende é
assegurar que determinada atividade produtiva continue em operação, em virtude de sua
relevância social e econômica. Não se pretende assegurar que o empresário, organizador
desta atividade, permaneça no controle. Mesmo porque pode ter sido ele o causador da
insolvência, justamente por má-administração.
55
ANGELICI, Carlo; FERRI, Giovanni. Manuale di Diritto Commerciale. 12. ed. Torino: Utet Giuridica,
2006. p. 27. “La predisposizione dei beni e dei servizi per il mercato generale non è, nella realtà pratica, il
frutto di una attività accidentale e improvvisata, ma è l’oggetto di un’attività specializzata e professionale,
la quale si esplica attraverso organismi economici appositamente predisposti.
Questi organismi economici, che si concretano nella organizzazione dei fattori della produzione e che si
propongono il soddisfacimento dei bisogni altrui e più precisamente delle esigenze del mercato generale,
assumono nella terminologia economica il nome di imprese.
Obiettivamente considerata, l’impresa si presenta come una combinazione, meglio come una
organizzazione, di elementi personali e reali operata in funzione di un risultato economico e attuata in
vista di un intento speculativo da una persona, la quale appunto assume il nome di imprenditore.”
26
função precípua do Direito Concursal de preservar o devedor, causando o fim da era
dessa ramo do Direito 56.
56
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. p. 754 e 753, respectivamente. “Corporate reorganizations have all but disappeared. Giant
corporations make headlines when they file for Chapter 11, but they are no longer using it to rescue a firm
from imminent failure. Many use Chapter 11 merely to sell their assets and divide up the proceeds. (...)
Even when a large firm uses Chapter 11 as something other than a convenient auction block, its principal
lenders are usually already in control and Chapter 11 merely puts in place a pre-existing deal. Rarely is
Chapter 11 a forum where the various stakeholders in a publicly held firm negotiate among each other
over the firm`s destiny.” (...) “To the extent we understand the law of corporate reorganizations as
providing a collective forum in which creditors and their common debtor fashion a future for a firm that
would otherwise be torn apart by financial distress, we may safely conclude that its era has come to an
end.”
57
Lei n° 11.101/2005: “Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial
de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o
disposto no art. 142 desta Lei. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não
haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado
o disposto no § 1o do art. 141 desta Lei.” Lei n° 11.101/2005: “Art. 141. Na alienação conjunta ou
separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de
que trata este artigo: II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do
arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do
trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.”
58
Sobre o tema: COELHO, Fabio Ulhoa. A questão da sucessão na nova lei de falências. In: Direito
Empresarial: aspectos atuais de direito empresarial brasileiro e comparado. JUNIOR, Ecio Perin;
KALANSKY, Daniel; PEYSER, Luis (Coord.). São Paulo: Editora Método, 2005, p. 52. “Esses
dispositivos regulam uma das questões mais instigantes do direito falimentar. De um lado, quando a lei
expressamente nega a sucessão, amplia as chances de interessados adquirirem o negócio do falido ou da
sociedade falida e, conseqüentemente, as de mais credores virem a ter seus créditos satisfeitos com os
recursos advindos da aquisição. Se o adquirente da empresa anteriormente explorada pela sociedade
falida tiver que honrar as dívidas desta, é evidente que menos empresários terão interesse no negócio.
Aliás, é provável que a própria alienação da empresa se inviabilize: se tiver que pagar tudo a que se
obrigara o falido, o adquirente tende a falir também. Mas, de outro lado, a lei não pode ignorar as fraudes
que a negativa expressa de sucessão pode abrigar. O controlador da sociedade falida pode, por interpostas
27
Vista a questão sob essa ótica, revela-se inegável a influência dos
mecanismos de compra e venda de empresas para a solução do estado de crise
econômica do devedor, ainda que fora da esfera judicial. Nesse sentido, e retornando ao
caso Varig, é também de conhecimento notório a posterior aquisição da “porção nova”
da companhia pela empresa brasileira Gol Linhas Aéreas Inteligentes S.A. por cerca de
320 milhões de dólares59, valor substancialmente superior ao preço de aquisição pago
no leilão judicial realizado em julho de 2006.
pessoas, adquirir a mesma empresa que anteriormente explorava, liberando-se da obrigação de honrar seu
passivo.”
59
Confira-se trecho da entrevista concedida à revista VEJA por Constantino de Oliveira Jr., Diretor-
Presidente da Gol, na edição de 4 de abril de 2007: “Veja: A Varig foi vendida, há oito meses, por 25
milhões de dólares. De acordo com as informações divulgadas, o investimento do fundo Matlin Patterson
foi de 75 milhões de dólares. Por que o senhor pagou um preço 220% acima desse valor? Constantino
Junior: O antigo controlador aportou muito mais recursos do que esses 100 milhões de dólares, até para
permitir que a empresa se mantivesse em operação. Mas, independentemente disso, a questão é quanto
esse negócio pode agregar valor à Gol. E, nesse sentido, estou bastante confiante em que a operação
adiciona mais valor à Gol do que o que nós estamos pagando por ela. Inclusive porque utilizamos como
recursos capital próprio e ações da Gol.”
60
Tradução livre do original: “The sale of the business as a going concern is an ever-present option in
today’s environment. We witness companies filing [Chapter 11] in order to complete a sale to which the
company has already agreed. In other cases, the option of selling the business is selected during the
proceeding. Sales terminate governance issues, at least as far as bankruptcy is concerned. The buyer puts
in place its desired governance structure, and the bankruptcy proceeding continues with the task of
divvying up the proceeds.” RASMUSSEN, Robert K. The search for hercules: residual owners, directors,
and corporate governance in chapter 11. Washington University Law Quarterly, v. 82, 2004, p. 1459.
61
Na realidade nacional, a expressão pequeno empresário pode ser utilizada como gênero que engloba as
seguintes espécies: 1) Microempresas; 2) Empresas de Pequeno Porte; e 3) Pequeno Empresário
Individual, conforme artigos 3° e 68 da Lei Complementar n° 123/2006.
ZANINI, Carlos Klein. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de, PITOMBO, Antônio Sérgio A. de
Moraes (Coordenadores). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 314. “Em interessante estudo recentemente publicado, teve o IBGE a oportunidade de
confirmar o crescimento proporcional constante na quantidade de microempresas e empresas de pequeno
28
de que os custos inerentes ao procedimento superariam eventuais ganhos decorrentes de
sua utilização62. É forçoso admitir a pertinência da tese dos juristas norte-americanos
neste ponto, sendo ela aplicável à realidade brasileira.
porte em atividade no Brasil, as quais teriam alcançado o impressionante percentual de 97,6% do total de
empresas brasileiras em atividade. Juntas, empregavam contingente de mais de sete milhões de pessoas,
correspondente a cerca de 10% da população brasileira ocupada, sendo responsáveis pela geração de mais
de 20% da receita bruta advinda dos setores de comércio e serviços. Tais números falam por si, sendo
mais do que suficientes para evidenciar sua enorme importância no cenário econômico pátrio.”
62
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy. Stanford Law Review, n. 55, p.
751-788, 2002. “Small firms constitute the vast bulk of Chapter 11 filings in sheer numbers, but the total
amount of assets at risk for most firms that enter Chapter 11 are modest relative to the large firms in
Chapter 11.19 In the typical small Chapter 11 filing, the bankruptcy judge is asked to decide whether the
plumber, travel agent, or jeweler should be given another chance to run her small business. We suggest
that the debate focus squarely upon whether its benefits (which inure largely to owner-managers who
derive psychic income from running their own business) justify its costs (which fall upon tax collectors,
unpaid workers, and others who are poorly positioned to bear risk).”
63
Constituição Federal: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:
(...)
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País.”
64
Constituição Federal: “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às
microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado,
visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias
e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.”
65
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas: A responsabilidade do administrador e o
ministério público. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 80. “As políticas públicas, objeto do presente
trabalho, são aquelas voltadas para concretização da ordem social, que visam à realização dos objetivos
da República, a partir da existência de leis decorrentes dos ditames constitucionais.”
66
Op. cit. p. 95-96. “(...) o administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a oportunidade e
conveniência da implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois
tal restou deliberado pelo Constituinte e pelo legislador que elaborou normas de integração.
Os meios pelos quais deve atuar também já se encontram determinados, bem como, em várias áreas, suas
fontes de custeio (...).
A discricionariedade na implantação das políticas públicas constitucionais da ordem social só poderá ser
exercida nos espaços, eventualmente, não preenchidos pela Constituição ou pela lei (...)”
67
Nesse sentido, o artigo 144 do Decreto-lei n° 7.6661/1945, que dispensava alguns requisitos do pedido
de concordata quando o passivo do devedor fosse inferior a 100 salários mínimos.
29
meio da concordata68. Esta consistia, basicamente, num direito subjetivo do devedor de
impor aos credores dilação de prazo para pagamento de suas obrigações, de forma a
permitir-lhe a superação de crise econômica momentânea, desde que preenchidos
determinados requisitos previstos em lei.
68
Decreto-lei n° 7.6661/1945: “Art. 139. A concordata é preventiva ou suspensiva, conforme fôr pedida
em juízo antes ou depois da declaração da falência.”
69
FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1965. v. 14. p. 49.
70
Capítulo III, Seção V, artigos 70 a 72.
71
Tratamento que deve ser estendido também ao pequeno empresário individual, por força da
interpretação conjunta do artigo 70 da Lei n° 11.101/2005 e do artigo 68 da Lei Complementar n°
123/2006.
72
Lei n° 11.101/2005: “Art. 71. O plano especial de recuperação judicial será apresentado no prazo
previsto no art. 53 desta Lei e limitar-se á às seguintes condições:
30
Em segundo lugar, o prazo de duração do novo regime é fixado de forma
quase tão rígida quanto na antiga Lei de Falências. Enquanto a concordata poderia
variar de 06 a 24 meses74, o regime especial de recuperação previsto na nova lei terá a
duração máxima de 36 meses75, ainda que o caso concreto, por suas peculiaridades,
exija lapso mais dilatado.
31
gasto com publicação de editais80. Assim, a crítica proferida em The End of Bankruptcy
é perfeitamente aplicável ao Brasil, podendo ser acrescida, ainda, de vários outros
argumentos, expostos acima.
Por essas razões, há quem sustente, com muita propriedade, que a mudança
do sistema concursal brasileiro dependia muito mais de uma alteração de mentalidade
dos juristas do que da edição de nova lei. Isto porque o Decreto-lei n° 7.661/1945,
antiga Lei de Falências, já continha, em alguns de seus dispositivos, normas relativas à
recuperação da empresa, as quais, infelizmente, encontraram pouca ou nenhuma
utilização prática. Melhor seria conferir-lhes interpretação extensiva do que
simplesmente editar uma nova lei que, se interpretada sob a mesma ótica, poderá reviver
os mesmos defeitos. Nesse sentido, leciona Osmar Brina Corrêa Lima:
“Scire leges non hoc est verba earum tenere sed vim ac
potestatem (saber as leis não consiste apenas em conhecer as
suas palavras, mas, sobretudo, a sua força, o seu poder e o seu
sentido). Será que, em mais de meio século de vigência da Lei
de Falências de 1945, realmente conseguimos deslindar o seu
espírito além da sua letra?
Será que a Lei de Falências de 1945, realmente, não revela
nenhuma preocupação com a preservação e a recuperação da
empresa? Será que ela, realmente, se preocupa exclusivamente
com os credores-fornecedores? Será que ela, realmente, não se
preocupa com a empresa como um todo? Será que ela,
realmente, não se preocupa com os empregados, com o Fisco,
com a comunidade e com o interesse público? Será que os
institutos da concordata preventiva e da concordata suspensiva
têm sido utilizados, na prática, com sabedoria, eficiência e
eficácia?
(...)
Capistrano de Abreu já escrevera, há muito tempo, que, no
Brasil, só precisamos de mais uma lei, com dois artigos apenas:
80 80
Lei n° 11.101/2005: “Art. 52. (...)
§ 1o O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:
I – o resumo do pedido do devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;
II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada
crédito;
III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7 o, § 1o, desta Lei, e
para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos
termos do art. 55 desta Lei.”
Poder-se-ia argumentar que tal isenção está implícita no artigo 71, algo com o qual não se concorda, uma
vez que o citado dispositivo refere-se às condições do plano de recuperação, não tratando de seu
processamento.
32
‘Art. 1º. A lei será cumprida. Art. 2º. Revogam-se as
disposições em contrário’”. 81
81
CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Precisamos, realmente, de uma nova Lei de Falências? Palestra
proferida na Faculdade de Direito da UFMG, em 2003. Disponível em <http://www.obcl.com.br>.
Consultado em 14/04/2007. p. 2-3.
82
De forma singela, pode-se conceituar insolvência como sendo a situação jurídica do devedor que não
possui patrimônio suficiente para satisfazer suas obrigações. No mesmo sentido: COLEHO, Fábio Ulhoa.
Curso de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3. p. 250.
No Direito Italiano: ANGELICI, Carlo; FERRI, Giovanni. Manuale di Diritto Commerciale. 12. ed.
Torino: Utet Giuridica, 2006. p. 532-533. “Presupposto della dichiariazione di fallimento è l’insolvenza
dell’imprenditore commerciale.
L’insolvenza si riferisce ad una situazione patrimoniale deficitaria, nella quale cioè il passivo supera
l’attivo. Tuttavia essa non si basa su un semplice calcolo matematico. Vi può essere una situazione
patrimoniale deficitaria – sia pure transitoriamente – senza che vi sia insolvenza, perché ad esempio
rimane integro il credito dell’imprenditore, come vi può essere insolvenza senza che vi sia un deficit vero
e proprio nel patrimonio, perché ad esempio si hanno investimenti o immobilizzazioni che non
consentono di far fronte con regolarità ai pagamenti.
Insolvenza è incapacità patrimoniale dell’imprenditore, e cioè impotenza a far fronte con regolarità, ossia
nei mondi normali e con i mezzi ordinari, alle proprie obligazioni, manifestatasi esteriormente attraverso
inadempimenti od altri fatti (…)”
83
Tradução livre. Texto original: DENNIS, Vernon, FOX, Alexander. The New Law of Insolvency:
Insolvency Act 1986 to Enterprise Act 2002. London: The Law Society, 2003. p. 3. “Insolvency is
therefore the inevitable by-product of any market economic system as not all borrowers will repay the
debts they incur; indeed, the very nature of a free market economy means that not all parties can
succeed.”
33
Assim, a insolvência decorre naturalmente da economia de mercado, tendo
como conseqüência a extinção das atividades do devedor insolvente e o pagamento de
seus débitos. Por se tratar de situação excepcional, em que as obrigações do devedor
superam seus ativos, a insolvência é solucionada por meio de um procedimento
específico, denominado de execução concursal ou coletiva84, cujas características serão
expostas a seguir.
84
Ao se referir à falência e à insolvência civil, melhor utilizar a expressão execução concursal, para evitar
confusão com a execução dos direitos coletivos (difusos, coletivos stricto sensu e individuais
homogêneos), previstos no artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p.
48-49. “(...) o que caracteriza os interesses transindividuais, ou de grupo, não é apenas, porém, o fato de
serem compartilhados por diversos titulares individuais reunidos pela mesma relação jurídica ou fática,
mas, mais do que isso é a circunstância de que a ordem jurídica reconhece a necessidade de que o acesso
individual dos lesados à Justiça seja substituído por um processo coletivo, que não apenas deve ser apto a
evitar decisões contraditórias como ainda deve conduzir a uma solução mais eficiente da lide, porque o
processo coletivo é exercido de uma só vez, em proveito de todo o grupo lesado.
Atendendo a essa realidade, e procurando melhor sistematizar a defesa dos interesses transindividuais que
já tinha sido iniciada pela LACP [Lei da Ação Civil Pública], o CDC [Código de Defesa do Consumidor]
passou a distingui-los segundo sua origem: a) se o que une interessados determináveis, com interesses
divisíveis, é a origem comum da lesão (p. ex., os consumidores que adquirem produtos fabricados em
série com o mesmo defeito), temos interesses individuais homogêneos; b) se o que une interessados
determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica indivisível (como os
consumidores que se submetem à mesma cláusula ilegal em contrato de adesão), temos interesses
coletivos em sentido estrito; c) se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato, mas
o dano é individualmente indivisível (p. ex., os que assistem pela televisão à mesma propaganda
enganosa), temos interesses difusos.”
85
Código de Processo Civil: “Art. 612. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o
concurso universal (art. 751, III), realiza-se a execução no interesse do credor, que adquire, pela penhora,
o direito de preferência sobre os bens penhorados.”
86
O que não significa que o devedor seja tratado como simples objeto. Sua dignidade é assegurada ao
longo de todo o procedimento, como ilustra, por exemplo, o artigo 620 do Código de Processo Civil.
34
ele conferidas87. No exemplo citado, “A” atingirá todo o patrimônio do devedor, não
restando nada para ser rateado entre “B” e “C”, ainda que o crédito destes seja de maior
relevância, consubstanciando, por exemplo, uma obrigação alimentar, indispensável à
própria subsistência do indivíduo. A fim de evitar tais distorções, sendo caracterizada a
insolvência, a lei determina que a execução se faça segundo um procedimento
diferenciado. Todos os credores são chamados a dele participar, sendo os pagamentos
feitos não pela ordem de penhora, mas de acordo com a relevância dos créditos,
distribuídos em classes, segundo disposições da lei88.
87
COLEHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3. p. 242-243.
“A execução processa-se, em regra, individualmente, ou seja, um só credor move processo contra o
devedor, para dele haver a satisfação da obrigação descumprida; (...)
Quando, porém, o patrimônio do devedor é representado por bens cujos valores somados são inferiores à
totalidade das suas dívidas, ou seja, quando alguém deve mais do que tem para pagar, a regra da
individualidade da execução torna-se injusta, porque execuções individuais não possibilitam discriminar
os credores, de acordo com os graus de necessidades ou garantias contratadas, com o objetivo de atender
a uns antes dos outros; não dá, por outro lado, aos credores duma mesma situação jurídica, titulares de
crédito de igual natureza, as mesmas chances. Se é prestigiada a regra da execução individual, quando o
devedor não tem meios de pagar tudo o que deve, os credores que se antecipassem na propositura das
respectivas execuções individuais teriam grandes chances de receber a totalidade dos seus créditos,
enquanto os que se demorassem – até porque, eventualmente, nem tivesse ainda vencido a respectiva
obrigação – muito provavelmente não receberiam nada, visto que, ao moverem suas execuções
individuais, encontrariam o patrimônio do devedor já totalmente exaurido.”
88
Artigo 83 da Nova Lei de Falências.
89
Artigos 748 a 786-A.
Note-se que os pressupostos da falência e da insolvência civil são distintos, em virtude das peculiaridades
da atividade empresarial. A respeito, consulte-se PENTEADO, Mauro Rodrigues. In: SOUZA JÚNIOR,
Francisco Satiro de, PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes (Coordenadores). Comentários à Lei de
Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 78.
A tendência atual de converter a execução em simples incidente do processo de conhecimento
(sincretismo processual) não implica eliminação total do processo de execução autônomo. Nesse sentido:
MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Nova Definição de Sentença (Lei n° 11.232). Revista Dialética de
Direito Processual. São Paulo: Dialética, n.º 39, p. 78-85, jun. 2006. p. 79. “Cumpre sublinhar que essa
mudança em nada influi na distinção ontológica entre as duas atividades. Cognição e execução constituem
segmentos diferentes da função jurisdicional. A lei pode combiná-los de maneira variável, traçar ou não
uma fronteira mais ou menos nítida entre os respectivos âmbitos, inserir no bojo de qualquer deles atos
típicos do outro, dar precedência a este sobre aquele, juntá-los, separá-los ou entremeá-los, conforme lhe
pareça mais conveniente do ponto de vista prático. O que a lei não pode fazer, porque contrário à natureza
das coisas, é torná-los iguais.”
35
submetem algumas espécies de empresários90, em situação de insolvência real ou
presumida, reconhecida por sentença91.
Uma das utilidades contínuas da falência consiste no fato de ser ela mais
benéfica ao devedor do que a insolvência civil, por diversas razões. Dentre elas, o fato
de possibilitar a extinção das obrigações mediante o pagamento de mais de 50% do
passivo quirografário 92, ao passo que a insolvência civil exige o pagamento integral dos
débitos93, além do fato de a falência possuir disciplina legal mais detalhada e precisa.
Assim, seria interessante que fosse abolido o regime da insolvência civil, substituindo-o
pelas disposições da nova Lei de Falências, que passaria a alcançar também os
devedores não empresários, tal como ocorre no Direito norte-americano. Aliás, nada
justifica que as sociedades empresárias94 possam requerer recuperação judicial ou
extrajudicial95 ao passo que as sociedades simples, igualmente exercentes de atividade
econômica96, sejam privadas de tal prerrogativa.
90
Diz-se algumas espécies ao invés de todos, porque há atividades empresariais que não se sujeitam à
falência, ao menos de modo imediato. Assim, por exemplo, as elencadas no artigo 2° da Nova Lei de
Falências.
91
Adota-se o entendimento de que a sentença que decreta a quebra é constitutiva e não simplesmente
declaratória. Antes dela, não há que se falar em falido ou massa falida, o que não obsta a fixação
retroativa do chamado termo legal da falência (Nova Lei de Falências, artigo 99, II).
92
Nova Lei de Falências: “Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento) dos créditos
quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem
se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
(...)”
93
Código de Processo Civil: “Art. 774. Liquidada a massa sem que tenha sido efetuado o pagamento
integral a todos os credores, o devedor insolvente continua obrigado pelo saldo.”
94
Código Civil: “Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por
objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.”
Sobre o conceito de empresa, consulte-se: PARENTONI, Leonardo Netto. O Conceito de Empresa no
Código Civil de 2002. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 388, p. 133-151, nov./dez. 2006.
95
Nova Lei de Falências, arts. 48 e 161.
96
Código Civil: “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a
contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos
resultados.”
97
Nova Lei de Falências: “Art. 1º. Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e
a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.”
36
a produção ou circulação de bens ou de serviços. O parágrafo
único, no entanto, exclui do regime da lei o artesão, o indivíduo
que exerce atividade profissional com o trabalho próprio ou da
família, para fins de subsistência, o profissional liberal e sua
sociedade civil de trabalho. (...) Vê-se, portanto, que, muito
embora o art. 1º do PLC nº 71, de 2003, preveja a aplicação do
regime de falência e de recuperação para as sociedades simples,
seu parágrafo único exclui a grande maioria delas,
especialmente quando menciona os profissionais liberais e suas
sociedades. Dessa forma, parece mais adequado, a fim de evitar
interpretações equivocadas, aproveitar a definição do Código
Civil, que é mais precisa, para restringir os regimes
disciplinados na lei aos empresários e às sociedades
empresárias.”98
Pelo que foi dito, percebe-se que a falência, por ser mais vantajosa para o
devedor, deveria substituir a insolvência civil, dando origem a um regime de execução
concursal único, abarcando tanto empresários quanto não empresários. Mais do que
isso, há casos em que a falência mostra-se mesmo inevitável. Os próprios juristas norte-
americanos Douglas G. Baird e Robert K. Rasmussen chegam a reconhecer esse fato,
ainda que indiretamente, ao analisarem o empreendimento denominado Iridium 99.
98
Parecer n° 534/2004 da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal sobre o Projeto de Lei
nº 71/2003, originário da Câmara dos Deputados. Parecer relatado pelo Senador Ramez Tebet.
99
BAIRD, Douglas G.; RASMUSSEN, Robert K. The end of bankruptcy, p. 769. “(...) Iridium built a
five billion dollar network of satellites in low-earth orbit.86 The business plan was based on the idea that
this network could capture one percent of the world market for cell phones. The idea was that at least this
many users of cell phones needed to be able to use a phone that would call any other phone in the world
from anywhere in the world, and would pay a hefty premium for such a service. Like Webvan, the busi-
ness idea required a large investment in dedicated assets with a long development time. By the time the
network came into operation, however, cell-phone technology with a shorter development cycle and less
dependence on large upfront enterprise-specific in-vestment had outstripped it in both convenience and
costs. Few people were far enough away from ordinary phone service that they wanted to spend several
dollars a minute for a brick-sized Iridium phone that could be used only outdoors.”
37
O exemplo citado ilustra uma dentre as várias situações em que a falência se
mostra absolutamente necessária, seja porque o mercado em que a empresa atuava
deixou de existir, seja porque se tornou de tal maneira diminuto que não compensa os
custos operacionais. Nestes casos, não há que se falar em recuperação da empresa,
porque não haverá outros empresários interessados em adquirir os ativos do falido, que
se tornaram obsoletos. Assim, o processo falimentar se impõe como mecanismo de
conciliação entre o interesse público relativo à satisfação do direito dos credores e o
interesse igualmente público em promover a regular extinção das atividades do falido.
Por essa razão, a recuperação de empresas não deve ser considerada como
solução milagrosa para qualquer empreendimento, sob pena de subverter a própria
finalidade do instituto. A mesma idéia é também defendida por alguns economistas,
como Jorge Queiroz:
100
QUEIROZ, Jorge. Quebra-cabeça: Lei de Falências é boa, mas solução é econômico-administrativa.
Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/41882,1>. Consultado em 20.04.2007.
38
– materiais, financeiros e humanos – empregados nessa
atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a
capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da
empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser
buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas
devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o
aparato estatal é usado para garantir a permanência de empresas
insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco
da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus
credores (...).”101
Não se pode negar, assim, a importância e utilidade do procedimento
falimentar, desde que bem aplicado. Como descrito anteriormente, a falência é mais
benéfica ao exercente de atividade econômica do que a insolvência civil, por possibilitar
a extinção das obrigações mediante o pagamento de mais de 50% do passivo
quirografário 102. Além disso, ao reunir os credores do devedor insolvente em um único
processo de execução, por isso denominado concursal, a falência garante que os créditos
sejam pagos segundo sua ordem de importância, previamente definida em lei103,
prestigiando o valor social de tais créditos (como os trabalhistas). Note-se que a solução
sugerida por Baird e Rasmussen, qual seja, a regulação contratual da destinação a ser
dada aos ativos do devedor insolvente, orienta-se unicamente por interesses privados.
Somente o procedimento falimentar é capaz de preservar o valor social de alguns
créditos, conferindo-lhes preferência na ordem de rateio.
101
COLEHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 3. p. 233-
234.
102
Lei n° 11.101/2005: “Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento) dos créditos
quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem
se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
(...)”
103
Artigo 83 da Lei n° 11.101/2005.
104
Citado em: PERES, Leandra. Um passo decisivo. Revista VEJA, ano 37, n. 28, 14 jul. 2004, p. 46.
39
Tempo Médio de Duração do Processo de Falência
Japão 6 meses
Inglaterra 1 ano
Alemanha 1,2 ano
México 2 anos
China 2,6 anos
Argentina 2,8 anos
Estados Unidos 3 anos
Chile 5,8 anos
Brasil 10 anos
Índia 11,3 anos
Sendo a falência necessária, não seria exagero afirmar, com base nesses
dados, que, ao menos no Brasil, ela é um mal necessário...
105
Artigo 47 da Lei n° 11.101/2005.
106
Artigo 170 da Constituição Federal.
40
Neste contexto, as conseqüências de uma única falência podem, em
determinados casos, extravasar os limites da empresa e atingir a sociedade como um
todo. Pense-se, por exemplo, na falência de uma companhia aérea, de uma grande
mineradora, ou da principal empresa petrolífera do país. Além dos prejuízos causados a
acionistas, investidores, empregados e fornecedores, nos exemplos citados haverá
conseqüências negativas em cascata, atingindo o setor de transportes e turismo (que se
verão privados do transporte aéreo), a construção civil (já que haverá escassez de
matéria prima), a indústria (por falta de combustível), além, é claro, dos consumidores,
que se verão privados de todos esses serviços ou, no mínimo, precisarão se curvar ao
aumento de preços. Nas sábias palavras de Alfredo Lamy Filho:
107
LAMY FILHO, Alfredo. A Empresa – Formação e Evolução – Responsabilidade Social. In: SANTOS,
Theophilo de Azeredo (Coord.). Novos estudos de Direito Comercial em homenagem a Celso Barbi
Filho. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 1.
108
WALD, Arnoldo. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005. v. XIV. P. 09.
109
SZTAJN, Rachel. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de, PITOMBO, Antônio Sérgio A. de
Moraes (Coordenadores). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo:
41
Tais circunstâncias foram profundamente debatidas durante a elaboração do
projeto que redundaria na nova Lei de Falências, resultando na positivação dos
princípios da preservação e recuperação da empresa. Veja-se, a respeito, o seguinte
trecho do Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal:
Saraiva, 2005. p. 220. “A atividade econômica gera empregos, renda e riqueza e sua destruição a perda de
benefícios que são distribuídos na sociedade na forma de bem-estar.”
110
Parecer n° 534/2004 da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal sobre o Projeto de Lei
nº 71/2003, originário da Câmara dos Deputados. Parecer relatado pelo Senador Ramez Tebet.
42
da atividade empresarial111, em providência subsidiária, cabível apenas quando inviável
a recuperação112.
111
Na prática, a falência costuma acarretar a extinção da atividade empresarial. Contudo, esta não é uma
conseqüência necessária, já que a falência não implica extinção da personalidade jurídica do falido.
Sobre o tema, consulte-se: CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Sociedade Anônima. 2. ed. Belo Horizonte:
Del Rey, 2003. p. 508-510.
112
No mesmo sentido: BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de
Direito Comercial. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 453.
113
A distinção entre recuperação da empresa e recuperação do empresário fora efetuada anteriormente.
Vide tópico intitulado: Conclusão parcial: A definição de empresa no contexto da Lei de Recuperação de
Empresas e Falências brasileira.
114
SZTAJN, Rachel. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de, PITOMBO, Antônio Sérgio A. de
Moraes (Coordenadores). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. São Paulo:
Saraiva, 2005. p. 231. “A enumeração, nos vários incisos do art. 50 da Lei, das possibilidades para, em
situação de crise desenhar-se operação que atenda às especificidades e necessidades da empresa, é
extensa: são dezesseis incisos originando a indagação sobre ser tal relação taxativa ou exemplificativa. Da
leitura do caput infere-se que a enumeração é exemplificativa, podendo ser encontradas outras medidas,
além, por óbvio, da eventual combinação de duas ou mais das relacionadas nos vários incisos, que
atendam ao desiderato – preservar as empresas em crise.”
115
Parecer n° 534/2004 da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal sobre o Projeto de Lei
nº 71/2003, originário da Câmara dos Deputados. Parecer relatado pelo Senador Ramez Tebet.
“Separação dos conceitos de empresa e de empresário: a empresa é o conjunto organizado de capital e
trabalho para a produção ou circulação de bens ou serviços. Não se deve confundir a empresa com a
pessoa natural ou jurídica que a controla. Assim, é possível preservar uma empresa, ainda que haja a
falência, desde que se logre aliená-la a outro empresário ou sociedade que continue sua atividade em
bases eficientes.”
116
A substituição administrativa na empresa em recuperação é, entretanto, medida excepcional, não
devendo nunca ser interpretada como regra. Como observado por um dos autores deste artigo em outra
oportunidade: “As I see it, when faced with a situation of a similar nature, the judge must necessarily ask
43
Feita essa distinção entre recuperação da empresa e recuperação do
empresário, é possível identificar que, ao se orientarem precipuamente pelos interesses
privados de acionistas e investidores, os instrumentos sugeridos por Baird e Rasmussen
relegam ou, ao menos, consideram em segundo plano a função social da empresa.
himself at least the following questions: Does the reorganization process stand a better chance of success
under a different management composition? Is the trustee to be appointed prepared or experienced
enough to run a troubled business? Will the costs to be borne out of the appointment of new management
overtax the reorganization process of the crisis-stricken concern? Is the trustee to be nominated
familiarized with the particular business under reorganization? Considering the timing factor, would the
replacement of management be actually efficient for the recovery of the enterprise? In practice, the
enormous complexity of these factors, added to the consequences to come out of management
replacement for the future of the economic activity explored by the debtor company is most likely to lead
to the application of Article 64 of the [Brazilian Bankruptcy Act] only under rather exceptional
circumstances.” GALIZZI, Gustavo Oliva. Theory and Pragmatism of Governance Reform in Business
Reorganization: A Case Study of Brazil. Monografia apresentada no seminário Bankruptcy Advanced,
como requisito parcial à obtenção do titulo de Master of Laws (LL.M.) pela University of Texas School of
Law. Versão original em vias de publicação no Brasil e disponível mediante requerimento ao autor.
117
Lei n° 11.101/2005: “Art. 26. O Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer das
classes de credores na assembléia-geral e terá a seguinte composição:
I – 1 (um) representante indicado pela classe de credores trabalhistas, com 2 (dois) suplentes;
II – 1 (um) representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios
especiais, com 2 (dois) suplentes;
III – 1 (um) representante indicado pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 2
(dois) suplentes.”
44
estaria decadente, sendo facilmente substituído por soluções de mercado,
contratualmente negociadas entre os interessados.
Há que se refletir, por fim, sobre um aspecto que não foi abordado em The
End of Bankruptcy, mas que é correlato ao tópico ora analisado. Trata-se do § 4° do
artigo 52, redigido nos seguintes termos:
118
Observe-se, por exemplo, o seguinte artigo: “Art. 170. Divulgar ou propalar, por qualquer meio,
informação falsa sobre devedor em recuperação judicial, com o fim de levá-lo à falência ou de obter
vantagem:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.”
THUMS, Gilberto. Crimes Falimentares. Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível
em: < http://www.mp.rs.gov.br/criminal/doutrina/id383.htm>. Consultado em 10.06.2007. “A legislação
brasileira não atribui o ‘nomen juris’ de crime falimentar aos delitos previstos na legislação sobre
falências, mas a doutrina e a jurisprudência conceituam esses ilícitos penais como crimes falimentares e
assim serão tratados neste pequeno estudo. Na nova legislação (Lei nº 11.101, de 9.2.2005) estão
previstos nos artigos 168 a 178.”
45
“Fica a dúvida se a recuperação judicial está voltada para o
atendimento do interesse do devedor e de seus credores, mais
do que ao interesse público de efetiva recuperação da empresa
ou de aplicação das sanções penais, quando cabíveis. A LRE
[sigla de Lei de Recuperação de Empresas, ou nova Lei de
Falências] consagra tanto a busca da satisfação dos credores e
de recuperação do devedor como a possibilidade de incidência
de normas penais. No entanto, ao permitir a desistência do
pedido, durante o processamento da recuperação,
independentemente de outra consideração a não ser a anuência
dos credores, devolve ao procedimento o caráter de instrumento
preponderante de satisfação dos interesses privados.” 119
Melhor seria que a lei conferisse ao Juízo poderes para examinar o pedido
de desistência da recuperação, quando formulado no curso do processo, a fim de obstar
sua utilização com intuito fraudulento. Não se trata, aqui, de sugerir a ingerência
judicial em assuntos privados. Ao contrário, pretende-se apenas que haja um mínimo de
controle sobre o processo, a fim de assegurar a primazia do interesse público.
Conclusão
The End of Bankruptcy não deve ser lido ou estudado, nesse contexto, como
uma manifestação de desprestígio ao Direito Concursal. Exageros do título à parte, a
interpretação mais adequada do artigo é a de uma crítica bem articulada a inegáveis
deficiências da referida disciplina jurídica, conclamando os juristas a refletir sobre a
necessidade de aperfeiçoá-la, comparativamente a mecanismos alternativos de mercado.
Foi esse o espírito que motivou a elaboração deste texto.
119
BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso Avançado de Direito Comercial. 3.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 469.
46
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