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O CYBERPUNK ORWELLIANO

 Provavelmente você que é da bolha já deve ter lido um ou dos livros do meu primo George
Orwell, ou como eu gosto de chamar, Jorjão do orvalho grande. Que Deus o tenha. E assim
como o seu avo mexendo no seu pc ele também era o que podemos considerar como
inimigo das maquinas. Apesar do homem ser conhecido pelo seus livros de ficção ao invés
dos seus artigos e ensaios de teor mais pilitico, da pra dizer que ele previu o cyberpunk.
Apesar de daquela minha analise da obra dele em contraste com a do Huxley que pra mim
representa melhor o cyberpunk do que as obras do orvalhão, pelo tempo e contesto em que
foram escritas, existe um livro secreto do jorjoso que eu não vejo ninguém comentando na
bolha que é Viagem ao Cais de Wigan. Cheio de memórias do autor, capítulos
autobiográficos, aventuras em minas subterrâneas (onde acompanhou a terrível realidade
dos mineradores de carvão), retratos de cortiços e favelas, além das divertidas tiradas com
os tipinhos endinheirados que querem fazer the revolution de preferência sem precisar
chegar perto de um operário suado, e existe um trecho em especifico desse livro sobre o
maravilhoso progresso, que se fosse bom não tava no bandeira de um país que a ultima
coisa que faz é progredir, que daria um excelente vídeo, e foi isso que eu fiz.
 *THE TRECHO* A função das máquinas é diminuir o trabalho. Em um mundo totalmente
mecanizado, todo o trabalho maçante será feito pelas máquinas, nos deixando livres para
empreendimentos mais interessantes. Falando assim, soa esplêndido. É revoltante a visão de
meia dúzia de homens suando bicas para cavar uma entrada para um cano d’água, quando
uma máquina simples de se projetar poderia remover a terra em poucos minutos. Por que
não deixar a máquina fazer o trabalho e os homens partirem para fazer outra coisa? Mas aí
surge a questão: o que mais eles fariam? Supostamente, eles estão livres do trabalho de
forma que possam se dedicar a outra coisa que não o trabalho. Mas o que é e o que não é o
trabalho? Cavar buracos, trabalhar madeira, plantar árvores, derrubar árvores, montar a
cavalo, pescar, caçar, alimentar galinhas, tocar piano, tirar fotos, construir uma casa,
cozinhar, costurar, confeccionar chapéus, consertar motocicletas; tudo isso é “trabalho”?
Essas coisas são trabalho para uns e lazer para outros.
 De fato, são muito poucas as atividades que não podem ser classificadas como trabalho ou
lazer sob diferentes pontos de vista. O trabalhador que não precisa mais escavar pode querer
passar o tempo livre, ou parte dele, tocando piano, enquanto o pianista profissional pode
ficar bem feliz em sair e cavar um pouco na sua plantação de batatas. Logo percebemos que
a antítese entre trabalho, como algo intolerável e tedioso, e ausência de trabalho, como algo
desejável, é falsa. A verdade é que quando um ser humano não está comendo, bebendo,
dormindo, fazendo amor, conversando, jogando ou apenas ficando à toa — e essas coisas
não preenchem todo o tempo de uma vida — ele precisa trabalhar, e normalmente procura
por isso, embora ele possa não chamar de trabalho. Além do nível de um idiota com terceiro
grau completo, grande parte da vida tem que ser vivida em termos de esforço. Pois o
homem não é, como o hedonista ordinário parece crer, uma espécie de estômago ambulante;
ele também tem mãos, olhos e cérebro. Deixe de usar suas mãos, e você arrancou fora um
grande pedaço da própria consciência. E agora pensemos novamente naquela meia dúzia de
homens que estavam cavando um buraco para o cano d’água. Uma máquina os livrou da
escavação, e eles irão se entreter com outra coisa — carpintaria, por exemplo. Mas o que
quer que eles queiram fazer, irão descobrir que outra máquina já os libertou disso. Pois em
um mundo totalmente mecanizado, já não será mais necessário trabalhar madeira, cozinhar,
consertar a motocicleta, etc., assim como não será necessário cavar. Quase não há
atividades, desde caçar baleias até esculpir em caroços de cereja, que não podem
potencialmente ser feitas por máquinas. As máquinas poderiam inclusive invadir as
atividades que agora classificamos como “arte”; já estão fazendo isso, através da câmera e
do rádio. Torne o mundo tão mecanizável quanto ele possa ser, e para onde quer que você
se volte, lá estará alguma máquina tirando sua chance de trabalhar — ou seja, de viver.
 A princípio isso não parece importar muito. Por que você não deveria seguir em frente com
seu “trabalho criativo” e esquecer que as máquinas poderiam fazê-lo por você? Mas não é
tão simples quanto parece. Aqui estou eu, trabalhando oito horas por dia em um escritório
de seguros; em meu tempo livre eu quero fazer algo mais criativo, então opto por me
dedicar um pouco à carpintaria — fazer uma mesa para uso próprio, por exemplo. Perceba
que desde o início há um toque de artificialidade nisso tudo, pois as fábricas podem fazer
uma mesa para mim muito melhor do que eu mesmo. Mas mesmo quando eu vou trabalhar
na minha mesa, não é possível que eu sinta por ela o mesmo que um carpinteiro de cem
anos atrás sentia por sua mesa, muito menos o que Robinson Crusoé sentia em relação à
dele.
 Pois antes mesmo que eu comece, a maior parte do trabalho já havia sido feita para mim
pelas máquinas. As ferramentas que eu uso demandam uma habilidade mínima. Eu consigo,
por exemplo, ter acesso a uma plaina que corte em qualquer molde; o carpinteiro de cem
anos atrás teria que fazer seu trabalho com cinzel e goiva, que demandam verdadeira
habilidade dos olhos e das mãos. As tábuas que eu compro já estão aplainadas e os pés já
foram moldados pelo torno. Eu posso mesmo ir a uma madeireira e comprar todas as partes
da mesa já prontas, apenas precisando que alguém junte os pedaços, e meu trabalho se
resumiria a juntar uns pinos e usar uma lixa. E se é assim no presente, no futuro mecanizado
será muito mais. Com as ferramentas e materiais que estarão disponíveis, não haverá
possibilidade de erro, logo, nenhum espaço para habilidade. Fazer uma mesa será tão fácil e
tedioso quanto descascar batatas. Em tais circunstâncias, é loucura falar em “trabalho
criativo”. Em todo caso, o artesanato manual (que precisa ser transmitido de mestre para
aprendiz) terá desaparecido há muito tempo. Algo já desapareceu, por causa da competição
com as máquinas. Procure em qualquer cemitério de igreja no interior e veja se encontra
alguma lápide decentemente talhada depois de 1820. A arte, ou melhor, o ofício de talhar na
pedra morreu, de tal forma que levaria séculos para revivê-lo.
 Mas poderia ser dito: por que não manter as máquinas e o trabalho criativo? Por que não
cultivar anacronismos como uma forma de passar o tempo? Muita gente já flertou com essa
ideia; ela parece resolver com uma facilidade linda os dilemas criados pelas máquinas. Os
cidadãos da Utopia, nos disseram, chegando em casa após sua jornada de duas horas
girando manivelas na fábrica de molho enlatado, irá deliberadamente retroceder a um estilo
de vida mais primitivo alimentar seus instintos criativos com um pouco de marcenaria,
cerâmica ou costura. E por que essa imagem é absurda, como claramente ela é? Por causa
de um princípio que nem sempre é reconhecido, embora sempre esteja valendo: o de que
enquanto a máquina está lá, somos obrigados a usá-la. Ninguém tira água do poço quando
pode abrir a torneira. Isso é bem visível em matéria de viagens. Todo mundo que já viajou
seguindo métodos mais primitivos em países subdesenvolvidos sabe que a diferença entre
esse tipo de viagem e as viagens modernas com trens e carros é a diferença entre a vida e a
morte. O nômade que anda ou monta, com sua bagagem levada por um camelo ou carroça
de bois, pode sofrer todo tipo de desconforto, mas pelo menos está vivendo enquanto viaja;
enquanto o passageiro em um trem expresso ou de luxo vive sua jornada em um interregno,
um tipo de morte temporária.
 E mesmo assim, enquanto as estradas de ferro existirem, temos que viajar de trem — ou
carro, ou avião. Aqui estou eu, a quarenta milhas de Londres.  Quando quero ir para
Londres, por que eu não coloco minhas coisas no lombo de uma mula e vou a pé, fazendo
uma jornada de dois dias? Porque com as várias linhas de ônibus zunindo por mim a cada
dez minutos, tal viagem seria intolerável. De tal forma que, para que seja possível usufruir
de uma viagem à moda antiga, é necessário que não haja nenhum método moderno
disponível. Nenhum ser humano quer fazer algo de maneira mais incômoda que o
necessário. Por isso é um absurdo aquela imagem dos moradores de Utopia salvando suas
almas com artesanato.
 Em um mundo onde tudo possa ser feito pelas máquinas, tudo será feito pelas máquinas.
Retornar deliberadamente aos métodos primitivos, usar ferramentas arcaicas, colocar
pequenos obstáculos bobos no próprio caminho, seria uma forma de diletantismo, um
capricho de artesanato. Seria como sentar solenemente para jantar usando utensílios de
pedra. Retorne aos trabalhos manuais em uma era de máquinas, e você está de volta a uma
dessas casas de chá que se fingem de antigas, ou a uma vila decorada ao estilo Tudor com
feixes de mentira presos nas paredes.
 A tendência do progresso mecânico, então, é frustrar a natureza humana por esforço e
criação. Torna assim desnecessários e mesmo impossíveis os trabalhos das mãos e dos
olhos. O apóstolo do “progresso” algumas vezes irá alegar que isso não importa, mas você
pode com frequência colocá-lo em uma sinuca demonstrando os extremos terríveis a que o
processo pode levar. Por que, por exemplo, usar as mãos para qualquer coisa? Por que usá-
las para limpar o nariz ou apontar um lápis? Com certeza seria possível colocar algum tipo
geringonça de aço e borracha e deixar os braços definharem até se tornarem só pele e osso.
E assim para cada órgão e cada faculdade. Não há nenhuma razão para que o ser humano
faça algo além de comer, beber, dormir, respirar e procriar; todo o resto pode ser feito para
ele por uma máquina. Logo, o fim lógico do progresso mecânico é reduzir o ser humano a
algo semelhante a um cérebro engarrafado. Essa é a meta para a qual estamos caminhando,
embora, é claro, não tenhamos a intenção de chegar aí; igual a um homem que bebe uma
garrafa de whisky por dia mas na verdade não busca uma cirrose no fígado. O objetivo
implícito do progresso não é exatamente, talvez, o cérebro engarrafado, mas em certa
medida é um abismo medonho e sub-humano de moleza e impotência.

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