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Experiências, deslocamentos.

D.H Lawrence

África do Norte: podem apostar que os compenetrados romanos da Antiguidade jamais chegaram a
ouvi-la. Eles sobrepunham a todas essas vozes a inferência do latim antigo, assim como sobrepomos
a inferência da velha Europa. É difícil ouvir uma voz nova; tão difícil quanto ouvir uma língua
desconhecida. Simplesmente não ouvimos. O mundo preferiu não ouvi-la e veio com essa conversa de
infantilizar o que não conhece, histórias infantis. Por quê? Puro medo. Mais que qualquer outra coisa,
o mundo teme novas experiências. Porque uma nova experiência desloca experiências antigas. E é
como tentar usar músculos que talvez nunca tenham sido usados, ou que foram se enrijecendo ao longo
do tempo. A dor é terrível. O mundo não teme uma ideia nova. Ele é capaz de classificar toda e qualquer
ideia. É incapaz, porém, de classificar uma experiência realmente nova. Só consegue esquivar-se. O
mundo é um mestre em esquiva. É a passagem da velha psique para uma coisa nova, um
deslocamento. E deslocamentos doem. Uma coisa que dói. Por isso tentamos vedá-lo, como um dedo
machucado. Protegê-lo com um pano. Ao mesmo tempo, trata-se de um corte. De descartar as velhas
emoções, a velha consciência, as coisas velhas precisam morrer e se desintegrar, porque a velha
psique branca precisa ser gradualmente destruída para que toda e qualquer outra coisa possa
acontecer. O homem precisa se despojar até de si mesmo. E o processo é doloroso, às vezes horrendo.
Não me perguntem o que permanece, o que achamos que fazemos não importa muito. Na verdade
nunca sabemos realmente o que estamos fazendo. Somos muito mais os atores, nunca inteiramente
os autores de nossos próprios atos ou obras. Sou muitos, qual dos meus vários eus você pretende
educar, e qual pretende suprimir. Abaixo a verdade eterna. A verdade se nutre do dia a dia. Nisso tudo,
os homens são menos livres do que imaginam; ah, muito menos. Os mais livres talvez sejam os menos
livres. O ser consciente é uma mula teimosa. Mas de uma coisa podemos ter certeza. Se quisermos
ser livres, temos de abrir mão da ilusão de fazer aquilo de que gostamos. As almas menos livres vão
para o oeste e proclamam sua liberdade. Os homens são tanto mais livres quanto menos consciência
têm da liberdade. O brado é um tilintar de correntes, sempre foi. Os homens não são livres quando
estão fazendo exatamente o que gostam de fazer. Liberdade de qualquer tipo? A terra dos livres?! Esta,
a terra dos livres?! Ora, se eu disser alguma coisa que a desagrade, a turba dos livres haverá de linchar-
me, e eis minha liberdade. Livre? Ora, nunca pus os pés num país onde um indivíduo sentisse tanto
medo abjeto de seus concidadãos. Porque, como eu falei, seus concidadãos são livres para linchá-lo
no momento em que ele der mostras de não ser um deles. Nesse jogo todos nós gostamos de prender
as coisas no interior de um curral cercado de arame farpado. Especialmente nossos semelhantes.
Achamos ótimo arrebanhá-los no interior do cercadinho de arame farpado da liberdade e obrigá-los a
trabalhar. Se fosse brincar com uma pequena lista é bem divertido brincar com a liberdade: 1) Que
minha alma é uma floresta sombria. 2) Que o eu que eu conheço jamais passará de uma pequena
clareira na floresta. 3) Que deuses, estranhos deuses, saem da floresta e aparecem na clareira do eu
que eu conheço, depois voltam para a floresta 4) Que preciso ter a coragem de deixá-los aparecer e
desaparecer. Mais da lista: 5) Tome cuidado com os absolutos. Há muitos deuses. 6) Não seja limpo
demais. Isso empobrece o sangue. 7) A alma tem muitos deslocamentos. Muitos deuses vêm e vão. 8)
Não perca tempo com ideais. 9) o julgamento nunca é justo. 10) A alma não deve acumular defesas à
sua volta. Não deve retirar-se para procurar o céu dentro de si, em êxtases místicos. Não deve clamar
por um Deus transcendente, pedindo para ser salva. Deve fazer-se à estrada larga, à medida que a
estrada vai se abrindo ao desconhecido, na companhia daqueles cuja alma os leva para junto dela,
nada realizando além da viagem, e das obras inerentes à viagem, à longa viagem de uma vida inteira
rumo ao desconhecido, através da qual se realiza a alma, nas suas sutis simpatias.

Estudos sobre a literatura clássica americana.

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